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MÁRIO CARLOS SOUSA GONÇALVES

2º Ciclo de Estudos em Arqueologia

O PÃO NA REGIÃO DO LIMA:


Estruturas e sistemas primordiais – das origens à Idade Média

Ano
2013

Orientador: Carlos Alberto Brochado de Almeida

Classificação: Ciclo de estudos:

Dissertação/relatório/Projeto/IPP:

Versão definitiva

2
Aos meus pais pelo inabalável apoio
Ao meu saudoso amigo João Antunes
E por fim ao meu Padrinho, falecido nos últimos dias…

Agradecimentos

3
O presente trabalho não seria possível sem o apoio, ajuda e compreensão de um
conjunto de pessoas, pelo que é justo elenca-las aqui. Ao Prof. Doutor Brochado de
Almeida pela amizade de largos anos, pela paciência que tem para comigo, pelas
viagens que fizemos à região e pela sábia orientação deste árduo trabalho e partilha de
opiniões e fotografias. À Doutora Marta Miranda Marques, pela ajuda que me deu nas
visitas de campo e nas correções deste trabalho. À Dr.ª. Sofia Alves Soares pelo enorme
auxílio que me deu na elaboração do abstrat. Ao meu fiel amigo Dr. João Soares pela
troca de impressões sobre Santa Maria de Geraz do Lima e pelos dados que me facultou
sobre o cereal na Época Moderna. Ao Dr. Luís Sousa não só por me ter feito os mapas
que lhe pedi mas também pela sua amizade e disponibilidade. Ao Mestre João Araújo
pelos livros que me emprestou e pela troca de opiniões. Ao Prof. Doutor Armando
Nogueira pelo enorme apoio e incentivo que me deu. Ao Prof. Doutor Rui Morais que
não conheço pessoalmente mas que teve a amabilidade de me facultar um artigo
extremamente importante. Às câmaras municipais de Viana do Castelo, de Ponte de
Lima, de Ponte da Barca e de Arcos de Valdevez pela colaboração, assim como aos
serviços da secretaria da Faculdade de Letras pela sua permanente prontidão em
solucionar os problemas e as dúvidas burocráticas. Ao Arquivo Hidrográfico do Porto.
Por fim, porque nunca os esqueço, a todos os que foram meus alunos pois muito aprendi
com eles, e aos meus queridos pais que me acompanham desde o dia em nasci. Sem o
apoio deles nunca teria pois chegado aqui.

4
RESUMO

O presente trabalho centra-se na região do Lima e propõem-se à luz do


conhecimento produzido pela Arqueologia analisar e caracterizar a evolução do pão e
das estruturas a ele associado. Nesse sentido, recua-se aos meados do V milénio a.C.,
época em que se inicia por aqui o cultivo dos cereais. Com o avançar do tempo, à
medida que as comunidades agrícolas se tornam mais efectivas, começa a surgir no
registo arqueoetnográfico da região certas estruturas que têm como finalidade
armazenar, moer e cozer o cereal. Este cultivado no campo, armazenado e moído em
estruturas apropriadas, as quais variam e evoluem ao longo do tempo, era depois cozido
à lareira ou no interior de fornos, sendo que estes se começam a documentar por aqui a
partir do câmbio da Era. O produto final resultante da cozedura é o pão o qual variou
também ao longo do tempo na forma e no estilo. É possível que no início o mesmo
tenha sido consumido ainda no estado cru, contudo com o avançar do tempo assumiu
formas sólidas e líquidas, as quais chegaram até aos dias de hoje.
Palavras-Chave: Lima/ Agricultura/ Cereais/ Água/ Moagem/ Armazenamento e
Secagem/ Pão

ABSTRACT

The focus of this study is centered on the Lima region and it aims to offer, in the light of
the knowledge produced by Archaeology, an analysis and characterization of the
evolution of the production of bread and the structures associated with it. In order to
achieve this, we need to recede to the mid-fifth millennium BC, at which time the
cultivation of cereals was introduced in this region. As farming communities became
more effective, certain archeological remains and ethnographical traces begin to emerge
in the region such as certain structures intended for storing, grinding and baking cereal.
Cereal was grown in the fields, stored and milled into appropriate structures, which
varied and evolved over time, and then was baked in fireplaces or in furnaces. These
types of structures can be documented here and dated from the beginning of the Era.
The resulting end product after baking the cereal is bread, which also varied over time
in form and style. It is possible that at the beginning it was still consumed in raw state,
however with time it assumed solid and liquid forms, as we know them today.
Key-Words: Lima/ Agriculture/ Cereals/ Water/ Milling/ storing and drying

5
ÍNDICE

Resumo 5
----------------------------------------------------------------------------------
Abstrat 5
-----------------------------------------------------------------------------------
Introdução ------------------------------------------------------------------------------ 7
Das Origens da Agricultura na Região do Lima ----------------------------------- 9
Da Importância da Água na Região do Lima e do seu Aproveitamento ------- 23
Sistemas Tradicionais de Secagem, Armazenamento e Conservação de
Cerais na Região do Lima: origens, evolução e caracterização ----------------- 44

Sistemas Tradicionais de Moagem na Região do Lima: origens, evolução e


caracterização -------------------------------------------------------------------------- 61
O Pão na Região do Lima: origens e evolução ------------------------------------ 90
Conclusões Finais --------------------------------------------------------------------- 118
Bibliografia ----------------------------------------------------------------------------- 124
Fontes Históricas (manuscritas ou impressas) ------------------------------------- 131

6
INTRODUÇÃO

O presente trabalho, que agora se trás a lume, centrou-se fundamentalmente no


estudo da região do Lima e a partir dela procurou, à luz das evidências arqueológicas,
analisar e caracterizar a evolução do pão e das estruturas que lhe andam normalmente
associadas, designadamente moinhos, estruturas de secagem e armazenamento de
cereais, assim como as suas estruturas e as suas formas de cozedura. Trata-se, no
essencial, de um trabalho que se afasta dos demais, que por norma seguem mais ou
menos a traça delineada há muito por Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando
Galhano e Benjamim Pereira, pelo que o mesmo se apresenta como inovador. No
essencial, aquilo que se procura mais não é que o projetar de um novo olhar sobre um
tema que se encontra muito bem documentado e estudado quer pela Etnografia quer
pela Arqueologia. Assim, o que se propõe é uma nova forma de abordagem à temática,
fornecendo-lhe, tanto quanto possível, uma visão de conjunto e um quadro evolutivo
marcado por inovações, ruturas e continuidades. Desta forma, o âmbito cronológico
inicia-se por altura dos primeiros indícios da prática agrícola na região e o mesmo
encerra-se na Idade Média, sem no entanto deixarmos de resgatar épocas mais recentes,
as quais evidenciam a substituição dos sistemas primordiais por aqueles que chegaram
até nós.
A forma de abordagem, a natureza e o âmbito cronológico do tema, tal como a
multiplicidade de assuntos que lhe andam associados levou-nos a optar por uma
estrutura muito simples. No essencial, dividimos pois o presente trabalho em cinco
capítulos. No primeiro procurou-se essencialmente dar enfoque aos primórdios da
agricultura na região pois foi aí que tudo começou. A nosso ver não fazia qualquer
sentido abordar o tema de ponto de vista evolutivo sem traçar pelo menos as
características e os indícios mais elementares da introdução da agricultura na região,
indícios esses que são visíveis primeiramente ao nível do sítio e depois, com o
desenvolvimento da mesma, na própria paisagem. Foi o que fizemos, de forma sucinta e
limitada no tempo, essencialmente até aos alvores da Idade Média, pois ir mais além
significava fazer a história da própria agricultura, o que não era de forma alguma a
nossa intenção. No segundo capítulo procurou-se dar uma atenção especial ao papel da
água nas atividades agrícolas e nas indústrias tradicionais de moagem. No geral, este
capítulo, que à primeira vista se poderá considerar desnecessário, faz quanto a nós

7
sentido. Por um lado porque a região é fértil em água e por outro porque a mesma é há
muito aplicada na agricultura, sobretudo na rega e na moagem de cereais como o maís e
os milhos-miúdos. Quanto ao terceiro e quarto capítulos, o que neles se procura é
essencialmente analisar e caracterizar a evolução dos diferentes sistemas e estruturas de
moagem e armazenamento, os quais variam no tempo. Por último, a respeito ainda da
estrutura deste trabalho, duas considerações mais. A primeira diz respeito ao quinto
capítulo. Através dele procurou-se traçar, tanto quanto possível, um quadro evolutivo do
cereal e do pão, aqui do ponto de vista histórico e arqueológico, pois os mesmos não são
indiferentes. Assim, num primeiro momento deu-se particular importância ao
aparecimento do pão, às suas formas e ao seu conceito. Num segundo procurou-se para
a região em estudo identificar os cereais aí cultivados, os quais grosso modo nos
rementem para o tipo de pão que se consumia. Num terceiro, debruçamo-nos sobre a
caracterização e a evolução que o pão teve na região. Por fim, a conclusão. Na
elaboração deste trabalho optou-se pela criação de capítulos independentes, os quais
lidos de forma isolada não fornecem de forma alguma uma visão de conjunto. Tal
fizemo-lo de forma consciente, pois remetemos para as conclusões finais a visão de
conjunto do mesmo.
Por fim, uma palavra a respeito da extensa bibliografia. A seleção da bibliografia
consultada por nós obedeceu no essencial a três critérios. Em primeiro procuramos,
tanto quanto possível, os estudos de foro arqueológico que se debruçam sobre a região.
Em segundo, procuramos socorrer-nos de certas obras consideradas por nós essenciais
para a compreensão global do tema. É aqui por exemplo que podemos incluir as obras
sobre moagens e armazenamento de produtos agrícolas, assim como todas aquelas que
se debruçam sobre a história da alimentação. Por fim, o conjunto numeroso de obras
estrangeiras. Aqui torna-se evidente que poderíamos prescindir de muito delas, contudo
não só optamos por cita-las no texto como também por inseri-las na lista final por
serem, na maioria dos casos, recentes. O nosso intuito aqui foi dar a conhecer um
conjunto de obras recentes e que não se encontram à venda em Portugal.

8
I - DAS ORIGENS DA AGRICULTURA NA REGIÃO DO LIMA

Abordar o sempre difícil e problemático tema da origem do cultivo dos cereais


implica por sua vez que se fale nos primórdios da agricultura, pois que o primeiro atua
em muitos casos como causa e efeito sobre o segundo 1. Este tema, tão caro à
Arqueologia, à Botânica, à Biologia e à Agronomia, entre outras ciências, tem
despertado a nível mundial o interesse e a paixão de inúmeros especialistas,
nomeadamente de Gordon Childe, Binford, Braidwood, Flannery, Hole, Vavilov,
Zohary, Rindos, Zeder, entre outros. Assim, no século passado a comunidade científica
viu multiplicarem-se um sem número de estudos e teorias, que mais ou menos
elaboradas e fundamentadas pretendiam explicar, criando muitas vezes modelos
considerados sistémicos, as origens da agricultura no mundo e por arrastamento as
origens do cultivo dos cereais.
Uma das teorias mais conhecidas no seio da comunidade científica foi a "Teoria
de Oásis", preconizada e desenvolvida por Gordon Childe nos anos 50 do século
passado. Segundo este investigador, no final do Plistoceno ocorreram importantes
transformações climáticas que entre outros aspetos passaram pela redução dos índices
de pluviosidade e pelo aumento da temperatura, o que se traduziu na expansão das áreas
desérticas e no declínio das áreas florestais. Assim, homens, plantas e animais tiveram
de procurar novos habitats, tendo sido então escolhidas as áreas que circundavam as
margens dos lagos e dos rios, as únicas férteis e abundantes em alimento. Com tudo isto,
o homem, as plantas e os animais passaram a partilhar espaços cada vez mais pequenos,
que sendo comuns a todos eles facultaram o desenvolvimento de novas relações entre si.
É assim, que segundo Childe, tendo como pano de fundo as alterações climáticas, se dá
o aparecimento da domesticação das espécies, ou seja a descoberta da agricultura. Esta
surge assim, na sua perspetiva, como uma resposta de adaptação às novas condições
climáticas holocénicas (Childe 1952, 23-25).
A esta explicação ambiental contrapõem-se outras teorias e explicações que têm
nos aspetos culturais e tecnológicos o motor de ignição da agricultura no mundo. Para
1
As origens da agricultura nem sempre foram entendidas da mesma forma pelo
próprio arqueólogo. A este respeito recomendamos a leitura atenta de um artigo
que estabelece a ponte entre aquilo que era conhecido e que se defendia em 1995
e o que hoje se conhece e defende sobre o mesmo tema: ZEDER, Melinda A. – The
Origins of Agriculture in the Near East, in The Origins of Agriculture: New Data, New
Ideas dir. by Leslie C. Aiello, The Wenner-Gren Foundation for Anthropological
Research, Current Anthropology, vol. 52, Supplement 4, October 2011, págs. 221-
236.

9
estas, o clima, embora importante, não deverá ter desempenhado um papel assim tão
determinante2. Braidwood, por exemplo, que refuta até as alterações climáticas descritas
por Childe para o Médio Oriente, considera que a domesticação de sementes resultou de
um processo biológico e social extremamente complexo 3. Para este investigador, entre o
final do Plistoceno e o início do Holoceno, o Médio Oriente seria uma região rica em
várias espécies potencialmente domesticáveis, nomeadamente em trigo que em estado
selvagem já cresceria entre elas. Assim, a domesticação, ao contrário do que Childe
julgava, seria, segundo Braidwood, uma consequência não da escassez de recursos e de
áreas férteis mas sim da abundância das mesmas, facto que implicou posteriormente
mudanças culturais e sociais muito profundas e que passaram por exemplo pela
acumulação de prestígio e pelo desenvolvimento da religião, esta associada agora a ritos
relacionados com o cultivo dos cereais (Braidwood 1960, 134). Na mesma linha de
pensamento encontra-se, entre outros, Binford para quem o sedentarismo, inerente à
agricultura, desempenhou um papel extremamente importante. Este deverá ter
potenciado o desenvolvimento tecnológico assim como o aprofundamento dos laços
sociais que se estabeleceram entre o Homem e o Meio que por essa altura, por volta de
12 a 10 mil anos antes de Cristo, se baseava no nomadismo e na recoleção (Binford
1968, 328-337)4.
A ideia de "Cultura" associada à agricultura e à manipulação de sementes,
esboçada por Braidwood e tratada por Binford na perspetiva sedentária, seria entretanto
desenvolvida e aprofundada por Flannery. Para este o conhecimento do processo da
domesticação dos cereais passava por reconhecer antes de mais que o mesmo pode ser o
resultado final da substituição da cadeia alimentar originada pelas mudanças que
2
Se é certo que há autores que refutam por completo a tese ambiental, outros há
que não só a aceitam como consideram válido o seu papel no aparecimento da
agricultura e do sedentarismo (Binford 1968, 328-337). Além destas correntes,
saliente-se também que dentro da corrente ambientalista há diferentes perspetivas
sobre o problema. Uma delas dá particular ênfase às mudanças climáticas, facto
que terá levado segundo estes à especialização de certas espécies de plantas,
nomeadamente ao nível do trigo e do centeio, culturas de Inverno e de Primavera
(McCorriston 2000b, 162).
3
Sobre a temática das alterações climáticas no mundo antigo, sobretudo no Médio
Oriente e na Ásia vide BAR-YOSEF, Ofer – Climatic Fluctuations and Early Farming
in West and East Asia, in The Origins of Agriculture: New Data, New Ideas, dir. by
Leslie C. Aiello, The Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research, Current
Anthropology, vol. 52, Supplement 4, October 2011, págs. 175-195.
4
A ideia de que o sedentarismo desempenhou um papel importante no processo de
domesticação das espécies e no aparecimento da agricultura é contestada por
vários arqueólogos. Segundo estes, no sudeste asiático o sedentarismo é anterior
ao aparecimento da agricultura e como tal tendem a diminuir a importância que
outros, nomeadamente Binford e Braidwood, lhe querem dar (Henry 1989, 38 - 39;
Moore 1985, 231).

10
ocorreram antes da transição para a própria agricultura. Assim, para Flannery a
domesticação das plantas resultou de um processo biológico ao qual se juntou mais
tarde um conjunto de alterações sociais e culturais (Flannery 1969, 75-76). Num
primeiro momento o cultivo teria sido espontâneo e esporádico. Depois, com o avançar
do tempo histórico, o Homem começou a manipular e a selecionar a semente em estado
selvagem, bem como a realizar pequenas tarefas como a eliminação de ervas daninhas,
que facilmente se introduziam entre o trigo. Desta forma, a dada altura, quase sem se
aperceber, o Homem começou a praticar a agricultura, uma cultura deliberada que
implicou entre outros aspetos a especialização de tarefas e de profissões, o abandono do
nomadismo e da recoleção, ou seja, dito por outras palavras, o fim a transumância e da
itinerância em grandes grupos (McCorriston 2000b, 159-160).
Às explicações ambientais e culturais para o aparecimento da agricultura, que
têm como figuras de proa Gordon Childe, Braidwood, Binford e Flannery, entre outros,
contrapõem-se, por assim dizer, as teorias evolucionistas que encontraram em David
Rindos um dos seus mais dignos defensores. Para este estudioso a agricultura é o
resultado dos princípios da seleção natural e das relações mutualistas que se
desenvolvem entre as espécies. Segundo Rindos, é este pois o processo que explica a
razão pela qual o trigo, por exemplo, tenha perdido as suas características iniciais, isto é,
as suas características selvagens. Ou seja, dito por outras palavras, numa perspetiva
coevolucionista, homens e mulheres, nos primórdios do que viria a ser a agricultura,
apenas recolhiam os melhores frutos em estado selvagem. Ao mesmo tempo,
inadvertidamente, selecionavam e semeavam as melhores sementes. Ao fim de várias
gerações o trigo, uma planta selvagem à época, havia-se tornado extremamente
dependente dos cuidados do homem (Rindos 1984, 138-139).
Como facilmente se constata, as teorias formuladas e desenvolvidas por estes e
outros especialistas, que tocam domínios tão diversificados como as alterações
climáticas, o desenvolvimento tecnológico, as questões culturais e os aspetos
evolucionistas das espécies, apesar de consistentes e fundamentadas, cada uma por si só
não foi nem é capaz de dar uma resposta cabal ao problema. Entre outros pontos de
crítica, o principal problema que se lhes pode atribuir reside no facto de pretenderem
apresentar uma única e universal explicação para o aparecimento da agricultura no
mundo a partir do estudo de uma região concreta, o Médio Oriente, ignorando dessa
forma o processo climático, cultural, social e evolucionista quer a nível diacrónico, quer

11
a nível sincrónico noutros pontos do globo5. Assim, nos dias que correm, sobretudo de
há uns trinta anos para cá, tornou-se mais ou menos consensual no seio da comunidade
científica a ideia de que foram vários os fatores que estiveram por de trás do
aparecimento da agricultura e que esses mesmos fatores variam de região para região
em função das questões climáticas, tecnológicas, culturais, sociais e evolutivas.
(McCorriston 2000b, 162; Hole 1984, 55; Henry 1989, 40-45; Ladizinsky 1989, 387;
Zohary 1989, 369; Blumler 1992, 100-102, Bar-Yosef et alii 2011, 169-173)6.
Ora, o que atrás se disse é também válido para a nossa região em estudo, ou seja,
para região Lima. Assim, para se percecionar as origens e a evolução da agricultura e
dos cereais na região torna-se essencial aferir e historiar vários aspetos, nomeadamente
ao nível do clima e ambiente, e das variantes tecnologia, sociedade, cultura e evolução,
pois que estes são quem melhor podem responder ao problema.
Em geral, pode dizer-se que esta região – a região do Lima – tem merecido
atenção redobrada de vários especialistas, sobretudo de arqueólogos cujo dinamismo é
por demais evidente. Entre outros, destacaram-se no passado Abel Viana, Afonso do
Paço, Martins Sarmento, José Leite Vasconcelos, Félix Alves Pereira, Ferreira de
Almeida e Teresa Soeiro7. Na atualidade Ana Bettencout, Isabel Figueiral, e, mais
recentemente, João Tereso, Cláudio Brochado e Marta Marques, entre outros. Estes
autores, especialistas em diferentes áreas e temas, desde a Pré-História à Proto-História
e à Idade Média, passando por outras épocas e até por outros ramos científicos, têm
vindo a explicar e a reconstituir o passado da região à luz de diferentes perspetivas: a
paleoambiental, a histórica, a arqueológica, etc. A visão de conjunto essa tem sido dada
por Brochado de Almeida, sobretudo na sua tese de Doutoramento sobre o
“Povoamento Romano do Litoral Minhoto Entre o Cávado e o Minho” (1987) e mais
recentemente em “Ponte de Lima, uma vila histórica do Minho” (2007), e “Sítios que
Fazem História - Arqueologia do Concelho de Viana de Castelo” (2008 e 2009), obras
nucleares para o estudo e compreensão da região.
5
Uma das maiores criticas a estas correntes reside na área espacial de estudo.
Segundo muitos especialistas o que se passou no Médio Oriente não corresponde
propriamente ao ocorrido noutras áreas do globo. Veja-se por exemplo o que se
passou no sudeste asiático em que o fenómeno do sedentarismo parece ser anterior
à descoberta da própria agricultura (Henry 1989, 38 - 39; Moore 1985, 231).
6
Sobre o aparecimento da agricultura em diversos pontos do globo e continentes,
vide AIELLO, Leslie C. (dir) – The Origins of Agriculture: New Data, New Ideas, in
Wenner-Gren Symposium, Current Antropology, vol. 52, Suplement 4, 2011.
7
Sobre a importância e actividade destes autores e investigadores no concelho de
Viana do Castelo vide ALMEIDA CAB – Sítios que fazem História, Arqueologia do
Concelho de Viana do Castelo - Da Pré-História à Romanização, Câmara Municipal
de Viana do Castelo, 2008ª, págs. 13-28.

12
Pese embora o facto de se tratar de uma região bastante estudada, no que ao
início da agricultura diz respeito, assim como à evolução do cultivo dos cereais, muito
ainda está por fazer. Os estudos existentes debruçam-se frequentemente sobre uma
determinada estação ou sítio arqueológico, sobre um concelho, ou mesmo sobre um
achado ou conjunto de achados considerados relevantes. O início da agricultura e do
cultivo dos cereais, bem como a sua evolução ao longo dos tempos raramente é tema
principal, sendo por isso mesmo, na maioria dos casos, abordado de forma indireta. Em
geral, aborda-se esta temática como parte de uma explicação ou argumento, este
normalmente relacionado com um outro assunto ou, muito frequente também, com uma
estação arqueológica.
Independentemente dos poucos estudos, as origens da agricultura, o início e a
evolução do cultivo dos cereais nos primeiros tempos na região do Lima pode ser
percecionado à luz de várias evidências e indícios arqueológicos, arqueobotânicos e
paleobotânicos que direta e indiretamente aludem a esse facto8.
De acordo com vários estudos, sobretudo polímicos, carpológicos,
antracológicos e arqueológicos, a agricultura terá feito a sua aparição no Norte da
Península Ibérica9 e por arrastamento na região do Lima mais ou menos por volta de
4600 a 4200 a.C., ou seja, em meados do V milénio a.C. (Almeida CAB 2007, 32;
Almeida CAB 2008b, 62; Tereso 2012, 160; Figueiral et alii 1998-1999, 77)10. Por essa
8
Sobre o contributo destas ciências vide: AIRA RODRIGUEZ, M.J.; RAMIL REGO, P.
– Datos Paleobotanicos del Norte de Portugal (Baixo Minho), Estudio Polínico y
Paleocarpológico, in Lagascalia 18(1), Santiago de Compostela, 1995. FIGUEIRAL,
Isabel; SANCHES, Maria de Jesus – A Contribuição da Antracologia no estudo dos
recursos florestais de Trás-os-Montes e Alto Douro durante a Pré-História Recente,
in Portugalia, Nova Série, vol. XIX-XX, 1998-1999. BETTENCOURT, Ana;
FIGUEIRAL, Isabel – Estratégias de exploração do espaço no Entre Douro e Minho
desde os finais do IV aos meados do I milénio a.C., in Actas do IV Congresso de
Arqueologia Peninsular, Faro, 2004b. SÁEZ, J.A; LÓPES MERINO, L. – Precisiones
metodológicas acerca de los indicios paleopalinológicos de agricultura en la
Prehistoria de la Península Iberica, in Portugália, Nova Série, vol. XXVI, 2005.
TERESO, João – Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios
arqueológicos, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, 2008. TERESO,
João – Environmental change agricultural development and social trends in NW
Iberia from the late Prehistory to the late Antiquity, Programa Doutoral de Biologia,
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, 2012.
9
Os vestígios mais antigos na Península Ibérica parecem advir de Cova de Oro, em
Espanha. Esses datam do 7000 a.C. (Toussaint-Samat 2009, 120 - 121).
10
Os vestígios mais antigos de práticas agrícolas em Portugal estão localizados no
Sul do país e datam sensivelmente de 7000 (datas não calibradas e passíveis de
alteração). Entre outros, destacam-se sítios como Cisterna (7400), Caldeirão (7300),
Castelo Belinho (6900) e São Pedro de Canaferim (7000). Sobre o assunto, entre
outros artigos destacamos o de RONLEY-CONWY, Peter – Westward Ho! The
Spread of Agricultural from Central Europe to the Atlantic, in The Origins of
Agriculture: New Data, New Ideas, dir. by Leslie C. Aiello, The Wenner-Gren
Foundation for Anthropological Research, Current Anthropology, vol. 52, Supplement

13
altura ter-se-ão dado importantes alterações climáticas na região, facto que levou ao
amanho da terra, pois parecem datar dessa mesma época algumas das ervas daninhas
que aparecem em sítios arqueológicos. Entre elas, pode-se destacar o Amor-de-
Hortelão, a Polygonum, e a Galium que normalmente estão associadas a cultivos
cerealíferos de Inverno e de Verão. Além destas, evidencia-se também o Rumex,
relacionado com antigos campo-prado, bem como a Nozella, que aparece apenas em
antigas zonas de cultivo, e a Silene cuja aparição se dá normalmente em terrenos
agrícolas abandonados (Bettencout et alii 2004b, 180-181).
Além das evidências Paleobotânicas, a Arqueologia testemunha para o mesmo
período o aparecimento na região do Lima de novas formas de manifestações artísticas e
religiosas. Em geral, são bem conhecidas algumas das construções megalíticas
existentes na região ou próximo dela e que têm mais ou menos paralelismo com o que
se passa noutros pontos do Entre-Douro-e-Minho (Almeida 2007 CAB, 32; Almeida
CAB 2008b, 62). Aqui, no entanto, tais construções parecem agrupar-se em três grupos
geograficamente distintos. Um primeiro parece localizar-se na faixa litoral e dele fazem
parte por exemplo o dólmen da Barrosa (Âncora), a mamoa da Eireira (Afife), onde
apareceram fragmentos cerâmicos campaniformes de estilo marítimo típicos do III
milénio a.C., o dólmen da Pedreira, em São Romão de Neiva, ou a mamoa de Chafé.
Todos eles parecem datar do III milénio a.C.11 Num segundo grupo parece agrupar-se
um vasto conjunto de construções megalíticas, que afastadas da costa marítima, se
encontram explicitamente em zonas de planície, sobretudo junto de cursos de água e de
bons solos agrícolas. Sem prejuízo de outros monumentos megalíticos, destacamos, por
exemplo a mamoa de Santoínho, em Darque, a mamoa da Felgueira, em Santa Leocádia
de Geraz do Lima, os menires da Portela e da Barreira, em Deocriste 12 e Santa Maria de
Geraz do Lima, as mamoas da freguesia de Arca, em Ponte de Lima, as mamoas de
Entre-Ambos-os-Rios, em Ponte da Barca, e as seis antas de Lamas de Vez, no concelho
de Arcos de Valdevez. Apesar de nunca intervencionados estes sítios, se seguirmos o
modelo clássico, estes monumentos deverão datar do III milénio a.C. Por último, os
conjuntos megalíticos que se implantam nas terras altas, próximo ou acima dos 500
metros de altitude pelo menos. Aqui, sem prejuízo de outros testemunhos, podemos

4, October 2011, págs. 431-451.


11
Sobre a datação e paralelismo com outros monumentos megalíticos vide JORGE,
Vítor Oliveira – Novas datas de C14 para as mamoas da serra da Aboboreira, in
Arqueologia, vol. 18, Porto, 1988, págs. 95-99.
12
Aqui sabemos também que existe um menir (Marques 2012, 147).

14
incluir por exemplo a mamoa da Chã da Pica (Montaria), a Cova da Moura (Carreço) 13,
as mamoas do planalto de Miranda e da Chã das Arcas, ambas em Arcos de Valdevez, as
mamoas do Alto das Pias, no Soajo, as mamoas do planalto de Vila Chã, em Esposende,
as mamoas da Boalhosa, no concelho de Ponte de Lima, e o menir de Salamonde, em
Friastelas. A cronologia deste último grupo varia entre o V e o III milénio a.C., se nelas
incluirmos as mamoas do Alto da Portela do Pau, em Castro Laboreiro (Melgaço),
região limítrofe da bacia hidrográfica do rio Lima 14. Nestas últimas, alvo de
intervenções arqueológicas na década de 90, entre outros exumou-se um fragmento de
enxó polida, um fragmento cerâmico de vaso campaniforme, bem como algumas
sementes carbonizadas o que as associa inequivocamente a comunidades agro-pastoris15.
Estas construções, sobretudo os dólmens e as mamoas, constituídas ou não por
corredor, cobertas ou não por terra, providas ou não de couraça a envolver a câmara
funerária têm a particularidade de se poderem estender por um período de tempo que
vai, como vimos, do V ao III e II milénio a.C. (Almeida CAB 2007, 32-37; Almeida
CAB 2008b, 62-78). São por isso monumentos que se relacionam com os primórdios da
agricultura na região do Lima e que a acompanham. Assim, pela sua larga diacronia é
possível, com alguma criatividade, percecionar com relativa segurança boa parte do
processo. Se a tudo isto juntarmos a corrente dominante, que afirma serem normalmente
mais antigas as construções megalíticas situadas em altitude, então poder-se-á dizer, que
a agricultura na região do Lima terá surgido nas terras altas e depois descido à planície
(Almeida CAB 2008b, 63).
Apesar de se poder admitir que a agricultura surgiu nas terras altas do Lima,
certo é que pouco ou nada se sabe sobre os primeiros habitats destas comunidades. O
seu desconhecimento advém segundo vários autores pelo facto desses povoados serem
construídos a partir de materiais perecíveis e também pela morfologia do terreno e do
solo, pois que ao contrário de outras regiões, nomeadamente de Trás-os-Montes, não
propicia aqui a existência de grutas e abrigos (Almeida CAB 2008b, 64). Além destes

13
Aqui encontrou Abel Viana uma laje antropomórfica, alguns artefactos de pedra
polida e uma foicinha com nervura central o que muito nos diz já sobre os hábitos e
os costumes agrícolas neste período (Almeida CAB 2008b, 71).
14
Sobre as mamoas da Portela do Pau, em Castro Laboreiro vide JORGE, Vítor
Oliveira; BAPTISTA, António Martinho; SILVA, Eduardo Jorge Lopes; JORGE, Susana
Oliveira – As Mamoas do Alto da Portela do Pau, Castro Laboreiro, Melgaço,
Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, Porto, 1987.
15
Este menir foi encontrado recentemente por mim e pelo Doutor Brochado de
Almeida no início deste ano, aquando da realização de um trabalho sobre alminhas
e cruzeiros no concelho de Ponte de Lima. A este menir juntamos contudo um outro,
no Soajo, recentemente descoberto por nós também em meados deste ano.

15
dois aspetos, parece-nos também claro que a quase ausência de vestígios de povoados
do V ao III milénio a.C. na região minhota e mais especificamente no Lima terá a ver
com um conjunto de transformações antrópicas posteriores que não permitem detetar ou
identificar com facilidade esses primeiros habitats16.
Igualmente importante poderá ser também uma certa preleção para a itinerância
e para a recoleção durante esse período por parte destas primeiras comunidades agro-
pastoris. Assim, as construções megalíticas datadas do V ao III milénio a.C., podem não
ser acompanhadas por povoados permanentes, mas sim por povoados temporários,
provavelmente enquanto o local onde viviam permitia o cultivo e a recolha de cereais,
pois que estas primeiras comunidades não deveriam conhecer a estrumação e a
fertilização dos solos. Tal ilação pode ser extraída a partir da localização de algumas
mamoas e da análise e reflexão de certo tipo de espólio exumado nas mesmas. A este
respeito, tomemos como exemplos, a mamoa de Lordelo, em Chafé, e as mamoas do
Alto da Portela do Pau, em Melgaço. Na primeira, aquando da intervenção arqueológica
realizada foram postos a descoberto cinco esteios que pertenciam à câmara fúnebre. No
seu interior recolheram-se setenta pontas de setas, lâminas de sílex, um braçal de
arqueiro, um rebite e uma sovela em cobre arsenical, bem como fragmentos de ossos e
de cerâmica lisa, fragmentos de cerâmica incisa, um vaso hemisférico e um vaso de
carena alta. Esta mamoa, cuja cronologia oscila como se vê pelo espólio exumado entre
o Calcolítico e o Bronze, aponta para a presença de uma comunidade agro-pastoril na
região que mantém ainda traços evidentes de itinerância e recolecção, de resto bem
patentes nas pontas de seta e nas lâminas de sílex17. No segundo caso que apontamos, o
das mamoas do Alto da Portela do Pau, em Melgaço, o espólio exumado evidência a
mesma tendência. Outro exemplo que se pode apontar é certamente o da mamoa da
Eireira, em Afife. Esta por se encontrar implantada num território rico deveria permitir
em simultâneo a exploração de recursos marinhos e a prática agrícola (Almeida CAB
2008b, 65).
Tendo em conta o que se disse, não será certamente estranho o desconhecimento
arqueológico dos povoados que cronologicamente existiram na região entre o V e o III

16
É importante a este nível ter em conta que a região do Lima sofreu ao longo dos
tempos alterações na configuração da sua paisagem. A este respeito, não serão de
minimizar a importância e os reflexos da mineração romana e da introdução do
milho-maís.
17
Sobre esta mamoa vide SILVA, Eduardo Jorge; MARQUES, José Augusto Maia –
Escavação da Mamoa de Chafé - Viana do Castelo (notícia preliminar), in
Arqueologia, vol. 13, 1986.

16
milénio a.C., e que por força de vários fatores se tornam arqueologicamente difíceis de
identificar. Independentemente desse facto, certo é que com o tempo, à medida que nos
aproximamos do III e sobretudo do II milénio a.C., torna-se arqueologicamente evidente
que o homem do Lima domina já mais do que os princípios básicos da cultura
agrícola18. Por essa altura surge uma certa preleção por outras formas e estratégias de
ocupação do espaço o que por sua vez sugerem um conhecimento e um domínio mais
vasto e profundo do território e dos recursos existentes (Jorge, 1997, 80; Almeida CAB
2008b, 65-66). Datam mais ou menos deste período os muitos fragmentos de mós e
dormentes, assim como de cerâmicas com maior capacidade de armazenamento as quais
se têm encontrado em alguns sítios arqueológicos. Tal, acompanhado pelo aparecimento
de silos e de umas tantas estruturas pétreas, parece sugerir agora uma certa prelação
pelo sedentarismo definitivo, ou seja, pelo abandono do nomadismo, o que significa por
sua vez que a agricultura se havia entranhado nos hábitos e nos costumes do homem
desta região19. Veja-se, a este respeito o caso de Bitarados, em Esposende, a cerca de 15
km apenas do rio Lima, um povoado cujas cronologias mais antigas remontam a 2880
a.C. e as mais recentes a 2460 a.C. (Marques 2012, 155). Aqui, entre outras
informações, sabemos que a agricultura era a atividade dominante. Trata-se de um
povoado aberto em que as habitações eram construídas a partir de materiais perecíveis.
Do ponto de vista económico cultivavam-se aqui os trigos nus, a cevada, as favas e as
leguminosas20. Graças ao contributo de outras ciências, nomeadamente de estudos
paleocarpológicos e da antracologia, sabemos também da existência de umas quantas
ervas daninhas relacionadas com a prática de rotação de culturas, assim como com o
cultivo de cereais de Inverno e de Verão. A tudo isto podemos ainda juntar algumas
estruturas de armazenamento, sobretudo silos que tinham como finalidade guardar os
cereais (Bettencourt et alii 2008, 81; Marques 2012, 161).
Bitarados não foi nem de longe nem de perto o único povoado Calcolítico da
região que evidencia o predomínio da agricultura e o cultivo dos cereais, bem pelo
contrário. É apenas um dos mais mediáticos e conhecidos, fruto das intervenções

18
No contexto arqueobotânico documenta-se para este período uma intensa
desflorestação o que poderá muito bem sugerir o arroteamento e a preparação de
solos para o cultivo de cereais (Marques 2012, 246-247).
19
No Entre-Douro-e-Minho os pouco povoados deste período não apresentam
indícios de terem utilizado a pedra como matéria-prima na construção das suas
habitações. Tal parece pois verificar-se mais na região de Trás-os-Montes.
20
Além do cultivo dos cereais em Bitarados documenta-se arqueologicamente o
consumo de certos animais, nomeadamente de ovinos e caprinos, o que indicia a
prática de atividades ligadas ao pastoreio (Bettencourt et alii 2008, 79-86).

17
arqueológicas de que foi alvo. Além dele, em vários outros pontos do Entre-Douro-e-
Minho se encontram, ainda que timidamente, vestígios desse período, normalmente
cerâmicos, mós e dormentes, e que em certa medida parecem confirmar não só o
sedentarismo mas também um progresso ao nível das práticas e utensílios agrícolas, o
que se evidencia também no aparecimento de grãos de cereais, favas, ervilhas e
lentilhas, bem como de sementes de linho, sendo que estas sugerem práticas de
rotatividade de culturas e pousio (Figueiral et alii 1998-1999, 78). Tais vestígios podem
pois ser encontrados na região do Lima em sítios como Penedos Grandes (Arcos de
Valdevez), Regueiras (Vitorino de Piães) e castro Santo Estêvão, na freguesia da Facha,
onde a escassos duzentos metros da sua implantação se encontrou nos anos 80 um
fragmento de bordo de vaso tipo Penha (Almeida CAF et alii 1981, 6; Almeida CAB
2007, 84; Pereira 1915, 224-258; Bettencourt et alii 2001, 201-217).
Boa parte dos povoados Calcolíticos da região do Lima ou junto a ela, alguns
dos quais atrás citados, advinham já o advento de uma nova Era, a Idade do Bronze, que
se prolongou por todo II milénio a.C. Durante esse período, muito para lá da emergência
de povoados ora abertos, ora fechados, dependendo dos contextos e da fase em questão,
situados em altura ou na planície, o que importa salientar, sobretudo em povoados como
Penedos Grandes (Arcos de Valdevez)21, Pomarinhos (Calvelo), Regueiras (Vitorino de
Piães), ou Cimalha (Felgueiras), sobretudo no quarto, é a multiplicação de estruturas de
armazenamento cavadas no solo granítico22. No caso da Cimalha, os silos ultrapassam
praticamente a centena – 122 – o que não só evidencia que a prática agrícola se havia
entranhado nessa comunidade agro-pastoril como atesta ao mesmo tempo a existência
de uma brutal produção de cereal, tal é a sua capacidade de armazenamento, esta muito
provavelmente inserida pelo menos numa lógica comunitária e comercial (Almeida
CAB et alii 2008a, 25-32; Marques 2012, 168). É possível a este respeito que povoados
como o da Cimalha, que evidenciam alguma capacidade e pujança de armazenamento,
estejam relacionados com a introdução de novas práticas e culturas agrícolas. Falámos

21
Digno também de referência é o achado no castro da Alvora de um molde de
foice, tipo Rocanes, semelhante aos que se encontraram no Coto da Pena
(Caminha) e em Santa Tecla. Sobre o assunto em concreto vide BETTENCOURT,
Ana – O molde de foice de talão do Castro de Álvora, In Cadernos de Arqueologia, 2ª
Série, 5, Braga, 1988, 155-162.
22
Deste mesmo período – Bronze – são também muito conhecidas algumas
necrópoles de inumação. Na Ribeira Lima ou junto a ela, entre outras, destacamos
por exemplo a da Chã das Arcas (São Paio d`Antas), Monte da Ola (Vila Fria),
Sarrosa (Carreço). Fora da região em estudo, destacam-se algumas necrópoles de
cremação, como é o caso da que se encontra no povoado da Sola (Braga), Santinha
(Amares) ou, entre outros, São Julião, em Vila Verde (Almeida CAB et alii 2008a, 12).

18
aqui em concreto dos milhos miúdos que de acordo com vários especialistas chegam à
Europa durante a Idade do Bronze (Zohary et alii 1988, 83)23. Estes milhos, sobretudo o
Digitaria Sanguinalis, o Panicum Milliaceum e o Setaria Itálica são mais rentáveis que
o trigo, pelo que tiveram grande aceitação e granjearam popularidade por todo o Entre-
Douro-e-Minho durante largos séculos, pelo menos até ao século XVI da nossa Era
(Wet 2000, 118; Soares 2013). Apesar deste aspeto, poderia dar-se a ideia de estas
fossas, estes silos não serem de armazenamento. Hoje, a esse respeito, a maioria dos
especialistas está amplamente convencida de que se tratam mesmo de fossas de silagem.
Se dúvidas de resto houvessem a esse respeito, as intervenções arqueológicas efetuadas
em alguns povoados as desfez. Entre outras, destacamos a da Cimalha, em que do
interior de um dos silos de armazenamento se retirou uma mó de rebolo (Almeida CAB
et alii 2008a, 32).
É evidente que poderíamos continuar aqui a descrever as origens da agricultura e
o processo evolutivo do cultivo dos cereais a partir de aspectos arqueológicos, culturais,
sociais e tecnológicos24. Assim, poderíamos com toda a certeza dizer que a Idade do
Ferro, iniciada segundo a maioria dos especialistas por volta do século VIII a.C., 25
marca o advento de uma nova Era, a dos castros. Esta Era, bastante diferente da anterior
em alguns aspetos, marca o fim dos povoados abertos da Idade do Bronze e por seu lado
a afirmação de recintos amuralhados, sendo que será no seu interior que doravante se
vão fixar as habitações, estas, se estivermos a falar do século IV a.C., em diante,
construídas com pedra. Exemplos de povoados deste tipo e desta época podem ser
encontrados em quase todos os cabeços existentes no Lima, muitos dos quais com
ocupações até bem anteriores. Entre outros, cite-se como exemplos a “Cidade Velha” de
Viana Santa Luzia, o castro do Vieito (Perre), o castro de Roques (Vila Franca) ou São

23
Esta situação parece verificar-se também por cá. Segundo Armando Coelho da
Silva na Idade do Bronze já se observa “…uma presença de gramíneas, como o
trigo (…), o milho-miúdo (…), o painço (…), o centeio (…) e a cevada …” (Silva ACF,
1998, 57).
24
Não é intenção nossa fazer aqui a história da agricultura no Lima, longe disso. No
essencial o que se pretende é dar ênfase a um processo que do ponto de vista
arqueológico começa por ser percetível ao nível do sítio e que com o seu próprio
desenvolvimento se torna visível ao nível da paisagem.
25
Sobre o problema das cronologias em torno da Idade do Bronze e do Ferro vide
JORGE, Susana Oliveira – Diversidade Regional na Idade do Bronze da Península
Ibérica, Visibilidade e opacidade do «registo arqueológico», in Portugalia, Nova
Série, Vols. XVII-XVIII, 1997, 77-89. BETTENCOURT, Ana – O que aconteceu às
populações do Bronze Final do Noroeste de Portugal, no segundo quartel do I.
milénio a.C., e quando começou, afinal, a Idade do Ferro, in Cadernos do Museu,
Museu Municipal de Penafiel, Penafiel, 2005, págs. 25-40.

19
Martinho (Perre). Em Ponte de Lima, entre outros, o castro Santo Ovídio (Arcozelo), ou
o castro Santo Estêvão (Facha). No concelho de Ponte da Barca o Castelo de Aboim e o
castro de Quintão em Sampriz, por exemplo, e em Arcos de Valdevez o castro de
Álvora, o castro de Reboreda (Rio de Moinhos), ou o castro do Cabreiro (Cabreiro).
Todos eles, tal como outros que não citamos aqui, têm a particularidade de apresentarem
sistemas defensivos constituídos por muralhas e fossos. Tal tem sido explicado como
consequência da chegada de povos tecnologicamente mais evoluídos e que se
impuseram pela força, sobretudo aquando das incursões bélicas mediterrânicas via
Tartessos (Silva ACF 1990, 285-287; Almeida CAB 2008b, 103). A ser verdade, tal só
poderá encontrar resposta na pujança económica das comunidades aqui sediadas,
nomeadamente na exploração agrícola que é já cerealífera, e nos recursos naturais,
sobretudo nos metais, muito abundantes por aqui e em praticamente todo o Norte da
Península. É provável pois que a mineração a par com a agricultura tenha
desempenhado aqui um papel importante, uma vez que basta ver a quantidade de
povoados sediados nas imediações de boas áreas agrícolas e de explorações mineiras,
sobretudo depois da chegada dos romanos26. No caso da pujança agrária e cerealífera a
Arqueologia é bastante taxativa e a mesma exibe-se arqueologicamente através da
exumação de alfaias agrícolas em bronze e em ferro 27, através de recipientes cerâmicos
com maior capacidade de armazenamento, ou ainda no avolumar de fragmentos de
moventes e dormentes relacionados pois com a moagem do grão de cereal. Tal pujança
poderá pois ter provocado por aqui, como de resto defende Brochado de Almeida,
acesas disputas territoriais pelo domínio dos melhores terrenos agrícolas (Almeida CAB
2007, 42).
Independentemente dos conflitos frequentes no Mundo Castrejo, que Estrabão e
outros autores como Plínio imortalizaram, certo é que tudo mudou com a chegada dos
romanos à região. Por volta do câmbio da Era, fruto de um clima de paz permanente, do
aparecimento de uma verdadeira economia de mercado estimulada pelos romanos e que
era escoada pelo rio Lima e pela via XIX, por um possível aumento demográfico e
talvez também pela introdução de novas práticas e culturas agrícolas, assiste-se à

26
Entre outros, na Ribeira Lima, a cividade de Vila Mou e de Lanheses. Fora da
Ribeira Lima, mas não muito longe dela o Alto do Cresto, em Amonde (Almeida CAB
2008b, 157, 178, 197-198).
27
São várias as alfaias agrícolas da Idade do Bronze e sobretudo do Ferro
encontradas na região. Entre as muitas que aqui poderíamos evidenciar, mais até
picaretas e machados, indicamos o molde de uma foice que se encontrou no castro
da Álvora, em Arcos de Valdevez (Bettencourt 1988, 155-157)

20
disseminação de novos povoados, não agora em altitude mas sim junto à planície
(Almeida CAB 2003, 136, 166 e 315). São em concreto os castros agrícolas e os
primeiros casais de famílias castrejas que lentamente começam a descer dos montes e se
fixam junto à planície, onde há melhores terrenos para a prática agrícola. Foi, muito
provavelmente o que aconteceu por exemplo no lugar de Prazil, na Facha, tal é a
quantidade de vestígios castrejos aí encontrados. Este pequeno casal agrícola, que
começou muito provavelmente com uma família castreja, parece ter conhecido alguma
pujança económica, facto que viria mais tarde a traduzir-se no nascimento de uma
pequena e rústica villa (Almeida CAB 2003, 306, 317). Este movimento – a descida dos
montes – identificado arqueologicamente no lugar de Prazil parece ter sido um
fenómeno de amplo, pois que durante a vigência romana, sobretudo no Baixo-Império,
se instalam na Ribeira Lima e áreas envolventes vários casais e villae romanas. Será
muito provavelmente a partir desta altura que em sítios como Agra do Relógio
(Esposende), Vila Velha (Meadela), Baganheiras (Afife), Vila Mou, Santa Maria e Santa
Leocádia de Geraz do Lima, Paço Velho (Facha), Beiral do Lima, Correlhã, ou
Boudilhão (Moreira do Lima), só para citar alguns dos casos mais conhecidos, se terão
arroteado e rompido novos solos, bem como aplicadas novas técnicas e métodos
agrários que certamente terão passado pela estrumação, pelas sementeiras, pelos
granjeios, pelas ceifas, pelas regas, pelo saneamento dos solos, etc. (Caldas 1991, 30;
Almeida CAB 2003, 339; Soares 2013). Dado curioso a este respeito e que não pode
passar despercebido é o facto de a grande maioria destas villae e casais privilegiarem a
meia encosta. Em geral, e veja-se o que se passa em Prazil e em Santa Maria de Geraz
do Lima por exemplo, encontram-se implantadas a altitudes variáveis mas que
raramente ficam abaixo dos quarenta metros (Almeida CAB 2003, 324, 328). Enfim,
estas villae e casais parecem pois anunciar o nascimento das leiras e das jeiras que na
Época Medieval e Pós medieval se vão vulgarizar por toda a região do Lima 28. Pese
embora esta evidência, o que do ponto de vista agrícola e económica contava foi sempre
a qualidade do solo e a possibilidade de o mesmo poder ser trabalhado de forma
eficiente. Por isso, não é de admirar também a existência de casais e villae em zonas
mais planas, como por exemplo acontece com a Igreja Velha da Meadela ou o Paço de
Cardielos, este mais tarde envolvido em medievas lendas. É nesta mesma linha de
28
São inúmeros os casos de leiras e jeiras localizadas a altitude. Em todo o caso,
como exemplo indicamos aqui as encostas de Santa Leocádia de Geraz do Lima,
nomeadamente Perpescoço, Coutada, Argos, Baltar e Mondim. Em todas elas
abundam vestígios cerâmicos da Época Romana e Medieval (Almeida CAB 2003,
294-298)

21
pensamento que se poderá também compreender por exemplo o advento de alguns
povoados como a cividade de Deião (Almeida CAB 2003, 326).
Em suma, será pois destes povoados, destes casais e destas villae, fixados ora a
meia encosta ora em zonas totalmente planas, que sairá por assim dizer as primeiras
formas do povoamento que iremos conhecer mais tarde na Idade Média, o qual viria a
perdurar até mais ou menos aos nossos dias. Trata-se pois, no geral, de um processo que
se inicia por alturas do câmbio da Era e que se arrastará ao longo de vários séculos,
consolidando-se o mesmo no decurso da Plena Idade Média, época em que Carlos
Alberto Ferreira de Almeida nos diz que “… de modo sistemático, as margens dos rios
e de ribeiros e os fundos dos vales do Entre-Douro-e-Minho estão, nos séculos XII e
XIII, e mesmo antes, sistematicamente ocupados por campos, agras e vessadas, onde se
cultivam o milho-miúdo, os legumes e os linhos” (Almeida CAF 1988, 65).

22
II – DA IMPORTÂNCIA DA ÁGUA NA REGIÃO DO LIMA E DO SEU
APROVEITAMENTO

Na Ribeira Lima, quase sem se dar por isso, pulula na paisagem um conjunto
bastante significativo de estruturas que direta ou indiretamente se relacionam com o uso
e o aproveitamento da água. Tais estruturas, muito diversificadas, testemunham hábitos
e práticas ancestrais – algumas das quais poderão até provir da Proto-História – pelo que
ao vivificarem várias épocas podem justamente ser consideradas como Património. A
abundância de tais estruturas materiais na região, designadamente açudes, presas e
poças, fontes e chafarizes, levadas e canais, moinhos e azenhas, entre outras, colocam-
nos na presença de um vasto património arqueológico na sua quase totalidade de tipo
vernacular e que grosso modo se encontra ainda muito pouco estudado no seu conjunto.
Assim, abordaremos neste capítulo, num primeiro momento, a importância das
condições naturais da região, que explicam não só a abundância em água como a
qualidade das mesmas, facto que justifica por si só aqui a implantação e o triunfo do
milho-maís e das indústrias de moagem. Num segundo momento ocupar-nos-emos dos
sistemas físicos de captação e utilização da água, quer esta se destine à rega ou à
produção de energia hidráulica para fazer acionar moinhos, azenhas, lagares de azeite
ou engenhos de serrar madeira, uma vez que as práticas e os hábitos são relativamente
comuns. Por último, daremos atenção à importância e utilização da água desde épocas
imemoriais. Para tal recorrermos aos testemunhos mais antigos e que nos falam desse
mesmo aproveitamento da água na região do Lima.

a) Condições naturais, abundância e qualidade dos recursos hídricos

23
Percecionar uma Arqueologia da Água na região do Lima implica que se aborde
em primeiro, ainda que em jeito de síntese, as condições naturais e morfológicas, pois
que as mesmas são fundamentais para a sua compreensão. Assim, diremos que o rio
Lima como Fonte da Vida é a espinha dorsal de toda uma região que em Portugal se
inicia por alturas do Lindoso (Ponte da Barca) e do rio Laboreiro (Melgaço/ Arcos de
Valdevez) e que se encerra em Viana, junto ao mar (Fig. 1). Ao longo do seu percurso,
cerca de 62 quilómetros em território português, deixa-se cercar por vários conjuntos
montanhosos cujas altitudes influem no clima e nas atividades humanas. Desses
conjuntos montanhosos, sem prejuízo de outras formações, destacam-se a Norte do
Lima Santa Luzia, serra d` Arga (549m), Formigoso e Gávea (688m), Antelas (481m) e
Penedos Brancos (471m), Soajo e Peneda. A Sul, além da emblemática serra Amarela,
evidenciam-se na paisagem, pela sua altitude, São Lourenço da Armada (609m), a serra
da Nó (577m) e a serra da Padela (489m), assim como o monte de Roques e, junto à foz,
o monte Galeão (Almeida CAB 2003, 29).
A proximidade do mar e a predominância de conjuntos montanhosos originam
um clima muito próprio e que em certa medida se distingue do de muitas outras regiões
do país pela sua alta pluviosidade (Fig. 1). Aqui, a nebulosidade, sobretudo durante o
Inverno e a Primavera, torna-se frequente nas vertentes e encostas expostas a Sul, a
Norte e a Oeste (Almeida CAF 1987, 16). Assim, é normal e frequente os meses de
Inverno e da Primavera pautarem-se por precipitações abundantes, chegando as mesmas
a atingir valores na ordem dos 3000 e 2500 mm em 150 ou 160 dias, enquanto os meses
estios se caracterizam essencialmente por serem mais curtos do que noutras regiões,
facto que impede que a maioria dos ribeiros, dos rios e das fontes sequem (Almeida
CAB 2003, 44; Almeida CAF 1987, 16; Mattoso et alii 2001, 104).
Além da precipitação, mercê da simbiose que se estabelece entre a montanha e
as massas de água oceânicas resultantes do fenómeno atmosférico, a região do Lima
caracteriza-se também pela frequente ocorrência de nevoeiros, sendo que estes
desempenham um papel importante ao nível das atividades agrícolas. Em geral, os
nevoeiros que frequentemente pululam no Lima agrupam-se em três categorias
(Almeida CAB 2003, 45). Em primeiro os nevoeiros de advecção, que se formam junto
ao mar e que podem ser encontrados em Viana. Depois, os nevoeiros resultantes da
irradiação. Estes ocorrem normalmente nas noites límpidas e frias, gerando com isso
geada, facto que levou o homem da Ribeira Lima desde tempos imemoriais a
desenvolver certas práticas para resguardar e proteger as culturas agrícolas deste

24
fenómeno atmosférico como é o caso da rega e lima que tem como finalidade
precisamente o aquecimento do solo (Corvo 1881, 36)29. Por último, os nevoeiros
mistos, isto é, os que reúnem características dos dois primeiros casos. Estes podem ser
encontrados em vários pontos do Lima, sobretudo junto de bacias terminais como o Vez
ou o Lima durante as manhãs (Almeida CAF 1987, 16).
A importância da água na Ribeira Lima não depende somente da sua abundância,
nem tão pouco da relação que se estabelece entre a montanha e as massas de ar
oceânicas que contra ela chocam. Igualmente importante é a morfologia do terreno,
sobretudo o tipo, a natureza e a profundidade do solo, pois que este influi na qualidade
da água o que por sua vez tem impacto direto nas culturas escolhidas e na forma como
se desenvolveu o povoamento e as propriedades agrícolas. Assim, diremos, para
começar, que boa parte do solo limiano é constituído por granitos e rochas calco-
alcalinas, em geral não porfiroides e com diferentes tipos de grãos. Trata-se pois de um
tipo de solo que se conserva geograficamente bem definido em zonas como Santa Luzia,
serra d` Arga, Penedos Brancos, Chão de Oural, Gávea e Padela, entre outras (Almeida
CAB 2003, 38). Nestes e noutros conjuntos montanhosos há superfícies de
aplanamento, os designados planaltos, e vertentes de perfil abrupto, por onde de resto
escorrem frequentemente as primeiras águas resultantes da precipitação atmosférica
(Almeida CAF 1987, 29). Em suma, este tipo de solo, granítico e por vezes alcalino,
pode pois ser encontrado um pouco por todo o lado e é em geral o mais rico e fértil da
região. A sua qualidade advém da associação de várias características e, principalmente,
da relação que se estabelece entre os processos de decomposição do solo com certas
práticas humanas como a adubação e a estrumação das terras. Por tal motivo o grosso do
povoamento e das atividades agrícolas fixa-se precisamente nas áreas onde abundam
este tipo de solos (Mattoso et alii 2001, 104-106).
Além dos solos e rochas graníticas em vários pontos da região do Lima
vislumbram-se também áreas onde abundam os xistos e os grauvaques. São por norma
solos pouco permeáveis pelo que regra geral facilitam o escoamento das águas que
resultam da precipitação atmosférica. Este tipo de solo documenta-se por exemplo junto
ao rio Laboreiro, assim como em algumas encostas montanhosas como as da serra d`
Arga e de Perre. A sul da bacia hidrográfica podemo-los encontrar nas freguesias de
Arca e Fornelos, ambas em Ponte de Lima, assim como, por exemplo, nas encostas do

29
Importante a este nível é o facto de nas zonas onde abunda este tipo de nevoeiro
ter predominado no passado sobretudo a cultura do centeio.

25
monte de Roques e da serra da Padela (Almeida CAF 1987, 179). A pouca fertilidade
deste tipo de solo influiu na fixação humana assim como na propriedade agrícola, pois,
em geral, estes são os locais do Lima onde há menor densidade populacional (Mattoso
et alii 2001, 103).
Por último, ao nível dos principais solos da região do Lima, os aluviões que pela
importância agrícola que têm merecem certamente uma referência, ainda que a mesma
seja aqui pequena. Este tipo de solo, pejado de detritos e depósitos, de areias e
cascalheiras, assim como de lodos da mais variada natureza constituíram-se entre o final
do Cenozoico e o decurso do Quaternário. Podem ser encontrados por exemplo junto ao
rio Lima em locais como Moreira e Santa Maria de Geraz do Lima, cuja igreja, com
vestígios que vêm já da Época Castreja, foi implantada precisamente em cima de um
terraço fluvial. Em geral, por serem constituídos por detritos e matérias orgânicas da
mais variada natureza, são solos ricos, pelo que a sua produtividade do ponto de vista
agrícola está mais do que assegurada (Almeida CAB 2003, 41; Almeida CAF 1987, 31).
A água proveniente da precipitação atmosférica, independentemente do caminho
que percorra, acaba mais cedo ou mais tarde por alimentar os cursos de água que se
formam nas encostas montanhosas (Fig. 2). Estes cursos aproveitam as falhas
provocadas pela orogenia para formar os seus leitos que em curta distância dão corpo e
forma a pequenos regatos, ribeiros e rios (Almeida CAB 2003, 31). É o que acontece
por exemplo com o rio Vez que nasce no alto da serra do Soajo e cujo vale forma como
que um imenso anfiteatro que se desenvolve sucessivamente em socalcos. Ao longo do
seu percurso até à foz, junto a Ponte da Barca, recebe importantes contribuições de
massas de água, designadamente de rios como o Cabril, o Ázere e o Frio, todos eles
importantes do ponto de vista das atividades agrícolas que aí se desenvolveram ao longo
dos tempos (Almeida CAF 1987, 29).
Além do rio Vez, por ventura o mais importante da região logo a seguir ao Lima,
na margem direita da bacia hidrográfica abundam ainda outros cursos de água cuja
importância histórica, agrícola e económica está mais do que documentada para várias
épocas (Fig.3). Também estes, a maioria dos quais encaixados por entre as principais
massas orográficas da região, nomeadamente por entre a serra do Soajo, Peneda, Chã do
Oural, Penedos Brancos, Antelas, Agra, Perre e Santa Luzia, são o resultado de um
conjunto de fenómenos da orogenia terrestre e ao qual se associou a pluviosidade
(Almeida CAF 1987, 31). Entre eles podemos destacar o rio Laboreiro, que desagua
junto a Lindoso e que alimentou durante centenas de anos mais de 100 moinhos, mas

26
também os rios Cabrão, Esturãos, Labruja, Seixo, Nogueira, Santa Martinha e
Portuzelo. Em todos eles encontram-se antigos vestígios de moagens e estruturas de
captação e condução de águas.
Na margem sul do Lima, região igualmente acidentada, embora abundem aqui
áreas planas mais extensas, podemos destacar como principais torrentes de águas que
irrompem por entre as falhas geológicas os rios Vade, Tamente, Cabril, Trovela, Tinto e
Lourinhol (Fig. 3). Estes, cujas águas foram também sabiamente aproveitadas pelo
homem para a rega e para a moagem, são, em geral, relativamente menos pronunciados,
isto é, apresentam menor inclinação quando comparados com os rios da margem norte 30.
Embora insignificante à primeira vista, este aspeto revela-se fundamental para a
compreensão de certas práticas e hábitos, sobretudo para aquelas que estão relacionadas
com o uso da água e que originaram por vezes soluções técnicas diferentes. A este
respeito, sem nos adiantarmos no tema, diremos que é neste tipo de rios – menos
pronunciados na proximidade da área de vale – que se fixaram a maioria das azenhas
existentes na Ribeira Lima.
As águas provenientes da precipitação, independentemente de mais cedo ou mais
tarde alimentarem os diferentes cursos de água da bacia hidrográfica, dão primeiramente
forma às nascentes, às fontes seminais por assim dizer. Com efeito, a água infiltrando-se
no solo circula pelos vários estratos deste até encontrar uma camada impermeável.
Quando tal acontece a água rebenta em fonte, isto é, aproveita as fendas existentes no
solo para vir ao encontro da superfície (Corvo 1881, 22). Estas águas, que à primeira
vista são tidas como de boa qualidade para o consumo e para a rega podem no entanto
não o ser. A importância da água na região do Lima não resulta somente da sua
abundância mas também da sua qualidade. Assim, o tipo de solo, o declive do mesmo e
a distância que a água tem de percorrer infere na sua qualidade, pelo que esta pode
apresentar composições orgânicas e nutritivas muito variáveis (Corvo 1881, 30-33).
Desta constatação resulta pois que há fontes cujas águas, quase sempre límpidas, são
puras e tanto quanto mais materiais apresentarem em dissolução mais ricas se tornam,
pelo que as mesmas são aproveitadas para fins terapêuticos, industriais e científicos. Na
bacia hidrográfica do Lima contamos pelo menos duas fontes desta natureza cujas

30
Esta situação não visível no entanto em todo o Lima. O menor pendor e inclinação
dos rios e ribeiros verifica-se sobretudo nas zonas mais próximas do rio Lima,
sobretudo depois de se ultrapassar Ponte da Barca, onde o vale e as zonas planas
se expandem com maior frequência para o seu interior (Almeida CAB 2003, 35).

27
virtudes mineromedicinais são reconhecidas. São elas a Fonte das Virtudes e a Fonte
Santa, ambas localizadas no aro de Valdevez (Almeida CAF 1987, 17).
Fontes como a das Virtudes ou como a Fonte Santa são raras na Ribeira Lima.
Aqui as águas provenientes das fontes seminais nem sempre são ricas. A qualidade da
água tem a ver com uma infinidade de aspetos dos quais se podem evidenciar a
composição orgânica, a morfologia do terreno, o declive do mesmo e até a sua
profundidade. Assim, terrenos há que são ricos em fontes, contudo tal riqueza pode
depois não ser acompanha pela qualidade da água. É o caso das fontes cuja água passa
por solos argilosos (Corvo 1881, 26). Regra geral, estas águas são de pouca qualidade
quer para a rega, quer para o consumo humano e animal, o mesmo se passando com as
águas provenientes das fontes termais. Estas, pela sua temperatura e composição podem
ser prejudiciais às culturas agrícolas, contudo quando frias tornam-se extremamente
ricas e uteis, pelo que trazem grandes benefícios à agricultura (Corvo 1881, 27)31. Em
sentido inverso estão as águas que passam pelos solos calcários e xistosos. Tanto num
caso como no outro estas águas são de boa qualidade para a irrigação até porque se
apresentam frequentemente ricas em sulfato de magnésio (Corvo 1881, 26). Apesar
deste aspeto, as mesmas águas podem perder a qualidade que apresentam a montante,
sobretudo quando as mesmas se afastam em demasia do seu ponto inicial. É o que
provavelmente acontece por exemplo em alguns campos-prado da Facha, da Seara e de
Arcozelo que tivemos a oportunidade de ver em Ponte de Lima. Aqui, em algumas
propriedades agrícolas verifica-se que a captação e a condução da água é feita a
distâncias bastante significativas e contemplam regos e caleiros pétreos. Estes últimos,
situados à cota do terreno agrícola ou sobrelevados por um conjunto considerável de
esteios que suportam o canal, são relativamente extensos e transportam a água sacada a
um ribeiro, a um poço ou a uma mina, até ao campo. No seu caminho a água porém
perde boa parte da riqueza química que tinha inicialmente, pelo que a rega é nestes
casos menos eficiente.
Além da precipitação, dos rios e das fontes seminais, no Lima a água apresenta-
se também disponível ao homem no subsolo. Porém, a captação da mesma requer por
vezes meios artificiais, pois que sem eles a água não consegue vir à superfície. Entre
outros métodos e estratégias, muitos dos quais conhecidos desde a antiguidade contam-
se os furos verticais, normalmente conhecidos por poços, e as galerias horizontais que
31
Na Ribeira Lima, na freguesia de Calheiros, existe um topónimo relacionado com o
termo Caldas (Caldelas), contudo no local não se vislumbram vestígios de tal
atividade (Baptista 2001, 74).

28
em linguagem corrente e popular recebem a designação de minas. Independentemente
deste aspeto, a qualidade das águas, tal como noutras situações, depende sempre dos
nutrientes que possui, do tipo, da natureza e da profundidade do próprio solo (Corvo
1881, 31).

b) Sistemas tradicionais de captação, condução e aprovisionamento da água:


aspetos e características principais

Do ponto de vista arqueo-etnográfico os sistemas de captação, condução e


aprovisionamento de água na região do Lima pouco diferem dos modelos que se podem
encontrar em outras áreas do Entre-Douro-e-Minho32. A diferença, mercê porventura de
um relevo mais acidentado e da abundância em água, está muito provavelmente no
número de estruturas que por aqui pululam na paisagem, assim como na alternância das
soluções técnicas no espaço. Tal alternância deve-se a nosso ver às especificidades
geomorfológicas e topográficas da região e dos cursos de água, assim como à finalidade
a que se destinem esses sistemas. Assim, diremos que às condições geomorfológicas,
topográficas, finalidades e perfis físicos dos rios correspondem, grosso modo, soluções
técnicas por vezes diferentes no espaço.
Comecemos então pela finalidade. Se tivermos em conta que boa parte da água
utilizada no Lima se destina à rega das culturas agrícolas, sobretudo cerealíferas e
hortícolas, diremos que na maioria dos casos os sistemas de captação e transporte da
água passou pela abertura de poços, poças e minas, assim como pela construção de
levadas, sendo que estas são responsáveis pela condução da água sacada às minas, aos
poços, aos rios e aos ribeiros. No caso de a finalidade ser a moagem a situação altera-se
ligeiramente. Em vez dos poços e das minas proliferam na paisagem sobretudo os
açudes, os canais, as levadas térreas e os caleiros pétreos. Os primeiros sacam a água
aos rios e aos ribeiros e os segundos transportam-na até ao destino final, isto é, até ao
cubo do moinho ou à roda da azenha33.
Se a distinção parece aqui supérflua ou mesmo incipiente, o mesmo não se
poderá certamente dizer se à finalidade lhe juntarmos os condicionalismos geo-
32
Trataremos os sistemas tradicionais de captação, condução e aprovisionamento
da água sob uma perspetiva intemporal uma vez que se trata de um sistema
alcandorado em práticas verdadeiramente ancestrais.
33
A este respeito, no sentido de não nos prestarmos a confusões, diga-se que
muitas vezes a mesma levada alimenta tanto as culturas agrícolas como os
sistemas de moagem.

29
morfológicos e topográficos da região. Da análise que tivemos a oportunidade de fazer
da região constatamos que as diferentes soluções técnicas adotadas variam em função da
topografia. Os poços, galerias verticais, hoje revestidas com aduelas em cimento,
encontram-se fundamentalmente implantados nas zonas baixas e planas da região do
Lima, sobretudo em áreas onde por vezes escasseiam os cursos de água34. Ao invés, a
esmagadora maioria das minas, estruturas horizontais cavadas à mão pela acção do
próprio homem e apresentando declive suave mas pronunciado de montante para jusante
de forma a permitir a escorrência da água e revestidas com pedras em muitos casos,
fixam-se sobretudo nas áreas altas e confinam grosso modo com as propriedades
agrícolas que se desenvolvem em socalco35. Em igual situação encontram-se também as
poças e as presas. Estas estruturas são autênticos reservatórios e apresentam por vezes
um paredão pétreo à frente36. Este, por sua vez, é normalmente de conceção popular,
raramente ostenta algo de artístico e nele sobressai, em plano inferior, um arcaico
sistema para abertura e retenção da água. Este sistema, regra geral, passava pela
existência de uma abertura circular ou semicircular que era tapada com uma tábua, um
farrapo ou com um simples torrão de terra (Wateau 2000, 47). O destapamento do
sistema permita posteriormente que a água acondicionada na poça pudesse chegar à
habitação ou ao campo por meio mais uma vez de regos. No primeiro caso, a água
destinar-se-ia ao consumo doméstico e à rega da horta. No segundo, a água seria
empregue diretamente na cultura agrícola embora também tenhamos encontrado a sua
associação a moinhos, sobretudo na zona de Rebordões, em Ponte de Lima, e em
Amonde, esta já no vale do rio Âncora.
Ainda a respeito da topografia e dos sistemas de captação e transporte de água
constata-se também uma outra solução técnica adotada em algumas regiões. Nas áreas

34
Estes poços, servidos hoje por motor movido a eletricidade ou a combustível
fóssil, são de conceção recente e relacionam-se na maioria dos casos com a
expansão da área de cultivo do milho maís. No passado, o sistema de rega nas
zonas baixas do Lima baseou-se fundamentalmente no sistema de levadas e
canalizações aéreas, situação que difere de outras áreas do Entre-Douro-e-Minho.
Em Penafiel, por exemplo, nos poços mais antigos utilizava-se a picota como forma
de elevar a água (Soeiro 1993, 751; Dias et alii 1986, 133).
35
De acordo com a documentação que se encontra no Arquivo Distrital de Viana do
Castelo e no Arquivo Municipal de Ponte de Lima pode dizer-se que boa parte destas
minas foram construídas a partir do momento em que aqui se introduziu o milho-
maís. O maior incremento da sua construção, a julgar pelos processos e pedidos,
terá ocorrido na segunda metade do século XIX. Tal de resto não é exclusivo da
região, pois que no concelho de Penafiel por exemplo se verifica o mesmo (Soeiro
1993, 751; Araújo 1991)
36
Embora verídica esta situação, na região abundam também pequenas poças
cavadas no solo e as mesmas são totalmente em terra.

30
baixas e planas da região do Lima, em freguesias como Facha, Seara ou Arcozelo, todas
em Ponte de Lima, abundam canalizações aéreas de extensões consideráveis e que se
destinam à rega. Tais estruturas compreendem em primeiro lugar a captação da água a
um ribeiro, a uma mina ou até a um poço e depois o seu transporte até à propriedade. A
levada dá aqui lugar a um caleiro em pedra, este quase sempre fixado abaixo da cota do
terreno de cultivo ou ligeiramente acima deste, sendo neste caso suportado por
pequenos esteios ou colunas. Diferente, embora dentro da mesma perspetiva, foi o que
encontramos em Cardielos, freguesia de Viana do Castelo. Aqui, numa propriedade
agrícola relativamente sobranceira ao castro de Cardielos, encontramos um caleiro
pétreo sobrelevado e com declive acentuado que saca a água a uma mina de monte e a
transporta até a uma estrutura térrea circular revestida exteriormente com pedra. Tal
estrutura, rampeada numa das faces e aplanada na parte superior, não nos parece que
tenha a ver com a rega, mas sim com um qualquer engenho, provavelmente de macerar
linho, que aqui terá laborado noutros tempos (Fig. 4).
Se a finalidade e a topografia influem nas soluções técnicas dos sistemas de
captação, condução e aprovisionamento de águas, o mesmo se pode dizer a respeito das
características e perfis físicos dos diferentes cursos de água existentes na região do
Lima. Fruto talvez de um conhecimento acumulado de vários séculos, que veremos
adiante, as soluções para captar e transportar a água até ao destino desejado variam em
função da linha de água. Destine-se esta à rega ou ao moinho e à azenha, e há aqui uma
ou outra diferença menor também, as soluções de captação e transporte são ligeiramente
diferentes consoante o curso de água se fixe na planície ou na montanha.
Nas áreas de planície, onde abundam por norma cursos de água mais largos e
correntes bem mais civilizadas, a captação da água é feita com recurso à construção de
grandes açudes, isto é, a estruturas de pedra seca dispostas em linha recta ou em plano
oblíquo e que comunicam com ambas as margens. Tais estruturas, com razoáveis
dimensões, quer em altura, quer em espessura, serviam de obstáculo ao normal caudal
do rio, obrigando-o a subir (Fortes 2008, 51; Oliveira et alii 1983, 136-139). Rios como
o Vez, o Laboreiro, o Vade, o Estorãos, o Trovela ou o Portuzelo, por exemplo, assim
como o próprio Lima, este acima do Carregadouro, são ricos nestas estruturas,
sobretudo nas fases terminais. Aí abundam diversas albufeiras criadas pelos açudes,
muitas das quais transformadas hoje em praias fluviais, assim como os respetivos canais
primários abertos na bordadura do rio e por vezes até no próprio leito como acontece em
Santar, Arcos de Valdevez. Aqui o canal, cuja água é represada pelo açude, fixa-se no

31
próprio leito do rio Vez e alimenta um velho moinho de rodízio, também ele implantado
na borda do rio (Fig. 5, 6). Igual solução fomos também encontrar no rio Lima, no lugar
de Milhundos, junto a uma azenha, que sita na freguesia de Santa Maria de Távora, em
Arcos de Valdevez. Aqui, entre outros elementos que não vêm agora ao caso37, além do
canal – aberto no leito do próprio rio – destaca-se a montante um talhamar que serve
inclusive de fachada (Fig. 7).
Além destes casos, outros se podem também relevar aqui, sendo que os mesmos
devem ser entendidos sempre como exemplos e nunca como tipologias permanentes,
dado que verificamos que num mesmo curso de água podem ocorrer diferentes
especificidades. É o caso do açude que encontramos no rio Vez, abaixo da velha ponte
medieval de Vilela e que difere do exemplo que atrás descrevemos. Aqui o açude, em
pedra seca, liga em linha recta uma margem do rio à outra. O canal, localizado
obviamente a montante, afasta-se do curso do rio e levava a água às azenhas que se
encontravam a jusante. Igual situação podemos também encontrar no rio Ázere, afluente
do Vez. Próximo da bacia terminal, junto da velha ponte romana, encontram-se dois
açudes, um mais velho e feito em pedra seca, e outro mais novo que além da pedra
encontra-se já revestido com cimento. São ambos relativamente oblongos, isto é,
apresentam a meio curvatura ligeiramente pronunciada e dão hoje forma a uma praia
fluvial. A captação da água, tal como noutros casos, faz-se aqui também pelo desvio
para um canal que depois a conduz até aos moinhos que se encontram a jusante.
Diferente foi o que encontramos em São João da Ribeira, Ponte de Lima. Aqui, o açude,
que assume até alguma imponência, distingue-se de todos os outros por apresentar a
meio um sistema de comporta de abrir e fechar (Fig.8).
As soluções técnicas de captação e transporte de água nos principais e mais
largos rios da região do Lima, sobretudo junto das bacias terminais, deverão remontar
no essencial à Época Moderna e Contemporânea. Na maioria dos casos a sua construção
deverá estar relacionada com a introdução do milho-maís na região, embora se saiba que
pelo menos na Época Medieval já por aqui abundavam38. Em todo o caso, não nos
parece plausível a possibilidade dos açudes da Época Medieval terem chegado até aos
dias de hoje. Tal ideia, sempre possível de ser contestada é certo, surge-nos pela leitura e
interpretação de diversos documentos que se encontram no Arquivo Distrital de Viana

37
No local além da azenha e do açude evidencia-se também na paisagem a
estrutura de duas velhas pesqueiras.
38
Veja-se a este respeito a seguinte inquirição de 1258: “… levada velia do moyno
dos frades…” (PMH, Inquirições de 1258, 385).

32
do Castelo, assim como no Arquivo Municipal de Ponte de Lima. Dentre os vários casos
que poderíamos aqui referir destacámos o requerimento que José Rodrigues de
Cerqueira faz em 1887 à Secção Hidráulica de Viana do Castelo com o intuito de “…
reparar ou reconstruir o açude no rio Lima que conduz a ágoa aos moinhos existentes
na margem esquerda do dito rio e pertencentes ao mesmo requerente” (ADVCT – 2.38,
3-6-40). Pedido idêntico, referente até à mesma freguesia, São Salvador, Ponte da
Barca, foi feito poucos anos depois. Em 1893 Maria Luísa Gomes requer, uma vez mais
um pedido com o objetivo de “… reconstruir um açude que conduz a água para uns
moinhos que possue no sítio do Valle da Fonte na margem esquerda do rio Lima limite
da mesma freguesia…” (ADVCT – 2.38-2-7-27). Como se constata a reparação e
reconstrução de açudes parece ser prática constante e a este facto não deverá ser alheio
os invernos mais rigorosos cuja força das águas levavam por vezes não só estas
estruturas como também os moinhos. No Arquivo Municipal de Ponte de Lima
encontramos casos e situações em tudo idênticas. Aqui, além dos frequentes
requerimentos para a construção de moinhos, azenhas, levadas e minas, releva-se
também nos mesmos os pedidos para a construção de novos açudes (Araújo 1991).
Nos cursos de água mais pequenos as soluções técnicas para a captação e
transporte de água variam também em função da topografia, dos perfis abruptos dos
cursos de água e da finalidade. Aqui, em geral, as soluções não são assim tão distintas
das que atrás descrevemos. O que as distingue, sobretudo nas áreas montanhosas, é sua
impressionante capacidade de adaptação ao terreno, serpenteando muitas vezes as
curvas de nível, assim como a ausência por vezes do açude ou do caleiro, bem como a
sua simplicidade e ar rústico, sendo que este resulta do cuidado pouco elaborado
depositado na sua realização. No caso específico da finalidade, que interfere e muito
com as soluções técnicas adotadas, constatam-se sobretudo duas ocorrências
dominantes. Quando a finalidade é apenas a rega o sistema compreende, regra geral,
apenas uma levada térrea cuja extensão é variável, consoante a proximidade ou o
afastamento da propriedade que se quer regar em relação ao curso de água ou à poça, e a
mesma apresenta sistemas para abertura e desvio das águas. Nas leiras situadas a meia
encosta, se amanhadas a ficarem perfeitamente planas a rega faz-se com facilidade, mas
quando a propriedade apresenta alguma inclinação, muito propícia por exemplo para a
rega de lima, torna-se necessário os tais sistemas de abertura e desvio das águas, os
quais são tapados com um rodo de madeira ou, mais vulgar até, com um vasculho que
mais não é do que uma bola de fetos enrodilhada numa sarapilheira (Aurora 2007, 223).

33
No caso das moagens, as soluções adaptam-se ao sistema implantado no local, isto é, ao
moinho de rodízio ou à azenha, quando esta aí existe39. No caso dos sistemas que
alimentam os moinhos de rodizio localizados nas áreas montanhosas verificam-se três
situações quanto ao caleiro. No primeiro, casos há em que o transporte da água a partir
da levada se faz sem a existência de um caleiro entre esta e o cubo do moinho. Na
segunda situação, verifica-se precisamente o contrário, isto é, entre a levada e o cubo do
moinho existe um caleiro pétreo, sendo que este em função da topografia do terreno
pode ser sobrelevado ou não (Fig.9). A terceira situação tem a ver sobretudo com esta
última. Em algumas regiões do Lima abundam sistemas terminais de transporte de água
que além do caleiro pétreo se distinguem dos demais casos existentes pelo facto de
apresentarem cubos de boca circular completamente verticais ou ligeiramente inclinados
(Fig. 10 e 11). Ainda a respeito dos sistemas de aprovisionamento e condução de águas
até aos sistemas de moagem, uma nota mais. Em algumas áreas do Lima, em virtude da
escassez de água que por vezes se faz sentir nos meses do Verão, adota-se o sistema de
“poçada” o qual consistia grosso modo em encher uma poça de água para que o moinho
pudesse trabalhar (Teixeira 1995, 12-13).

c) A importância histórica da água na região do Lima

Abordamos até ao momento a água do ponto de vista da sua abundância e


qualidade física. Como tivemos a oportunidade de dizer, essa abundância e qualidade de
nada servem se a água não tiver em si um destino, isto é, se não for aproveitada pelo
homem. Ora, na Ribeira Lima, como vimos, a água tem sido um elemento fundamental,
pois a mesma foi utilizada para regar as culturas agrícolas, para consumo das
populações e para acionar os muitos moinhos e rodas de azenhas que um pouco por todo
o lado pintaram a paisagem. Por este motivo, ao longo de vários séculos construíram-se
e reconstruíram-se açudes e levadas, caleiros e poços, minas e presas, etc.
O papel e a importância da água antes da introdução do milho-maís tem sido de
certa forma menorizado pela historiografia e geografia humana portuguesa. À cabeça
desta menorização encontra-se desde logo Bruhnes, para quem o aproveitamento
artificial da água em Portugal, sobretudo para rega, nem sequer se colocava pois que as

39
De referir que quando a água de uma levada alimenta os campos e o moinho a
mesma apresenta os respetivos sistemas de abertura e desvio de águas. Pelo
contrário, se a levada alimenta apenas o moinho estes sistemas tornam-se pois
desnecessários pelo que em geral os mesmos tornam-se ausentes.

34
águas da chuva eram suficientes para fazer crescer as culturas agrícolas. Segundo
Bruhnes na Península Ibérica existem duas grandes regiões, a Ibéria Húmida, sediada
em Portugal, e a Ibéria Seca, esta circunscrita à Espanha, pelo que seria nesta parte que
se situariam os grandes sistemas de captação, transporte e aprovisionamento de água
para a rega (Ribeiro et alii 2000, 965). Esta ideia preconizada por Bruhnes foi
posteriormente contestada por vários autores, entre os quais Herman Lautensach e
Orlando Ribeiro (Ribeiro et alii 2000, 965-966). Para estes, ao contrário do que julgara
Bruhnes, Portugal encontrava-se dividido em duas grandes áreas: a zona atlântica e a
zona mediterrânica, esta caracterizada sobretudo pela prevalência de altas temperaturas
e escassez de água o que por si só implicava a construção de sofisticados sistemas de
regadio, um pouco de resto à semelhança do que se passava na zona seca do país
vizinho (Ribeiro et alii 2000, 965-966).
Abstraindo-nos do que se passa em concreto na área mediterrânica portuguesa,
cujas especificidades e impacto do clima estão há muito estudadas, Orlando Ribeiro
considerava que a utilização da água para rega na zona atlântica era bastante antiga.
Segundo este, aqui, antes do século XVI, “… junto das habitações encontravam-se as
cortinhas e as hortas e, perto delas, muitas árvores de fruto. Os lugares fundos e
húmidos constituíam as ervagens onde se criava muito gado grosso (…). As águas
destinavam-se apenas aos prados e ao linhar, que, (…); longe da importância que hoje
têm, conservadas indivisas umas vezes ou compradas e vendidas com as glebes que
irrigavam mostra contudo a antiguidade de uma técnica de rega que nada deve aos
mouros nem talvez aos romanos” (Ribeiro et alii 2000, 1003-1004). Orlando Ribeiro
demonstrava assim, desta forma, não só a antiguidade do aproveitamento da água por
parte do homem na zona atlântica em certas culturas agrícolas, como também a
existência de um conjunto de costumes com ela relacionada. Contudo, ao circunscrever
este aproveitamento artificial somente às hortas e à produção de linho, pois que para ele
os cereais eram todos de sequeiro, menorizou o seu papel e a sua importância ao longo
do tempo nesta parte portuguesa.
Na esteira desta mesma opinião, talvez influenciados pelas leituras
bibliográficas, colocaram-se muitos outros autores. Dentre os muitos que aqui
poderíamos citar, destacamos sobretudo Castro Caldas, Jorge Rasquilho e até Jorge Dias
e Fernando Galhano cujas obras sobre o tema são por demais conhecidas de todos. Estes
autores reconhecem que o aproveitamento da água na zona atlântica é anterior à
dominação romana, contudo consideram-na também circunscrita às hortas e à cultura do

35
linho. Jorge Rasquilho Raposo, por exemplo, na sua História da Rega em Portugal,
considera que antes da introdução do milho-maís o regadio seria reduzido e estaria
limitado somente às pequenas áreas de linho, prado e hortas. Segundo este, tal dever-se-
ia ao facto da agricultura anterior aos romanos ser pobre e basear-se fundamentalmente
no amanho de terras enxutas localizadas à volta dos castros, onde, entre outros, se
cultivavam os cereais. As zonas mais férteis, a dos vales e a das terras baixas, não eram
sequer, na sua opinião, utilizadas (Raposo 1994, 29).
Estas opiniões, tendentes todas elas a secundarizar o papel do aproveitamento da
água na zona atlântica antes do século XVI, foram colocadas em causa por Carlos
Alberto Ferreira de Almeida num pequeno estudo de homenagem a Orlando Ribeiro.
Nesse estudo, muito sucinto de resto, Ferreira de Almeida reconhece que “… a dupla
maís-regadio é extraordinariamente coincidente, sem dúvida que a expansão do cultivo
do maís foi o grande responsável pela exploração das nascentes de água, por meio de
minas e de poços de rega (…) mas esta já era muito importante, nesta região, na Idade
Média” (Almeida CAF 1988, 65). Assim, no sentido de contrariar esta corrente Ferreira
de Almeida saca uma série de argumentos insofismáveis que em certa medida
desmentem o muito que se tem dito sobre tema.
Conhecedor profundo da região e da sua história, Carlos Alberto Ferreira de
Almeida constata desde logo que “… de modo sistemático, as margens dos rios e de
ribeiros e os fundos dos vales do Entre-Douro-e-Minho estão, nos séculos XII e XIII, e
mesmo antes, sistematicamente ocupados por campos, agras e vessadas, onde se
cultivam o milho-miúdo, os legumes e os linhos” (Almeida CAF 1988, 65). Segundo
este autor este interesse pela água e a sua ligação às propriedades agrícolas, sobretudo
para a rega e alimentação dos moinhos e das azenhas de então, já aparece de forma
explícita na documentação medieval mais antiga pois designações como aquis
aquarum, in fontis, cum suis aquis cursiles et retretentes, cum aquis fontium atque
torrentium, ou aquis agrarum et sessigas molinarum são recorrentes a quem desfolhe as
páginas da Diplomat et Cartae ou do Liber Fidei (Almeida CAF 1988, 65-66). Assim,
segundo Ferreira de Almeida, o aproveitamento da água não só era uma realidade como
teria inclusive obrigado à construção de “… poças, largos depósitos, habitualmente,
térreos, onde a água se acomulava”, sendo que era a partir destas “… que as águas
eram conduzidas, devido à sua gravidade, em regos até às parcelas que irrigavam”
(Almeida CAF 1988, 66).

36
Para o aro da região em estudo a documentação medieval portuguesa parece de
facto corroborar mais a opinião de Carlos Alberto Ferreira de Almeida do que a dos
demais que grosso modo defendem uma menorização do papel da água antes do
aparecimento do milho-maís. Tal documentação indicia não só a abundância de água na
região como o seu aproveitamento nas culturas agrícolas, assim como a existência de
certas práticas e costumes. Exemplos de aproveitamento encontramo-los de forma
bastante explícita na inquirição realizada à freguesia de Santa Maria de Vilela, em Arcos
de Valdevez, onde se diz textualmente: “… que dam al Rey das aguas porá regar,
silicet, da poza do monte a meya. Item, da poza do Longal meia. Item da poza do
Freigio meia. Item, dos Ramos Ij. dias da donaa, silicet, feria ijª et feria iiijª. Item, da
poza da fonte de Goyna meia. Et todas estas devanditas leiras sum demarcadas, et
tragen as os omes desta collatione d`uso…” (PMH, Inquirições de 1258, 288). No que
concerne aos costumes, sobretudo aos que respeitam ao uso e à partilha das águas
podemos destacar dois casos. O primeiro respeitante à inquirição feita à paróquia de São
Pedro do Souto entre outros elementos diz-nos que pelo uso das águas os moradores dos
casais de Merloa, Lana e Sortor “… dam cada ano al Rey meyo de pam et de vino et de
lino et de legumina, de quanto regam. Item, dam do que nom regam et de estivada
tertia…” (PMH, Inquirições de 1258, 393). O segundo exemplo refere-se à importância
que estas águas tinham para as populações. Esta importância fica quanto a nós explicita
na inquirição feita à paróquia de São Martinho da Gandara, Julgado de Penela, pois que
entre outros elementos se dá enfoque à sua partilha: “Item, agua do Rio Covo, de
Dominica die ao sol posto ataem feria ijª ao sol posto, é d el Rey e dá a o Mayordomo d
el Rey a quem li mais dá por ela. Item, desta collatione dam al Rey cada ano pro ista
agua, preter estes devanditos dias, xj teigas de milo pela de Ponte” (PMH, Inquirições
de 1258, 403). A mesma importância voltámo-la a encontrar numa outra inquirição,
desta feita à paróquia de São João da Ribeira: “… dant pola fonte de Rooriz cada ano al
Rey, scilicet, os erdadores do Outeiro ij. teigas pela medida joaneira…” (PMH,
Inquirições de 1258, 404).
A documentação medieval, sobretudo as Inquirições de 1258, o Liber Fidei e a
Diplomat et Cartae não nos falam somente de rega e de costumes de partilha de água.
Na mesma documentação abundam informações relativas à existência de açudes,
levadas e caleiros, poças e prezas, assim como a moinhos e azenhas, o que demonstram
não só a sua ancestralidade na região como também a sua importância. Tais referências
documentais são relativamente abundantes de tal forma que as podemos encontrar em

37
inquirições tão díspares de paróquias que hoje pertencem aos concelhos de Viana do
Castelo, Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez. Sem prejuízo de outras
referências e passagens veja-se a título de exemplo a inquirição de Santo André da
Portela, Arcos de Valdevez, que nos fala na existência de um moinho e de uma levada
velha que supostamente o alimentava: “Item, dixerunt que há y el Rey seu Regaengo,
scilicet, o monte dos frades, quomo parte pela fonte do Peso, et inde pelo Coto da
Vigia, et inde quomo vem aa pedra da levada velia do moyno dos frades” (PMH,
Inquirições de 1258, 385). Outro caso ainda. Em Darque a inquirição de 1258 falam-nos
da existência de uma levada: “… in agua levada…” (PMH, Inquirições de 1258, 315).
E que dizer dos documentos n.º 291 e 457 da Diplomat et Cartae? O primeiro,
respeitante ao ano de 1036 diz-nos “… cum sua aqua de aqua levada que ipso agro
irrigat…” (PMH, Diplomat et Cartae, doc. 291). O segundo fala-nos na existência em
1067 de um “… molino cum sua levata…” (PMH, Diplomat et Cartae, doc. 457). Em
suma, na documentação medieval da região não faltam referências ao uso da água, aos
seus costumes de partilha e aos seus sistemas de captação, transporte e
aprovisionamento, assim como a moinhos e azenhas. Tal, de resto à semelhança do que
Carlos Alberto Ferreira de Almeida defendeu, comprovam aqui não só a existência de
tais estruturas muito antes da implantação do milho-maís como também a sua
abundância e importância.
Além da documentação medieval também a análise toponímica da região parece
evidenciar de forma clara e explicita a importância da água bem antes da introdução do
milho-maís em Portugal. Em toda a região do Lima abundam topónimos relacionados
direta e indiretamente com o uso e o aproveitamento da água. Tais topónimos, sobretudo
nos concelhos de Viana e Ponte de Lima, estudados por Almeida Fernandes e por
António Baptista, podem ser agrupados em quatro grandes grupos, a saber: os que se
relacionam com técnicas e propriedades agrícolas onde se processava a rega, os
topónimos relacionados com nascentes e captação de água, os topónimos referentes a
sistemas de transporte e os topónimos indicativos de aprovisionamento de água.
Na área em análise, e baseando-nos nos estudos elaborados por Almeida
Fernandes para os concelhos de Viana do Castelo e Ponte de Lima, destacam-se, entre
outros, como topónimos indicativos de áreas de regadio e técnicas de rega os termos
Torna, Campo Limento40, Campo Limão, Bouça Molhada, Lenta, Lameiro, Prado,
40
Campo Limento e Campo Limão referem-se em geral a água de limar, prática
muito frequente no Alto Minho. Este topónimo pode ser encontrado por exemplo em
Mazarefes, Santa Marta de Portuzelo e São Lourenço da Montaria (Fernandes 2008,

38
Senra, Seara, Bouça de Linhares, Campo das Regadinhas, Campo da Levada, Prado da
Cal, Campo de Lamas, Campo de Água, Leira das Presinhas Regadas, etc. Como
topónimos relacionados com nascentes e captação de água podem destacar-se os casos
de Minas, Bouça Ferida, Penedos d` Augua, Bouça das Fontes, Olho-de-boi, Fonte,
Fontelheira, Fonte Cachão, Fonte de Olho Marinho, Sete Fontes, Fonte da Madre, Pena
de Olho, Fonte Cova, Fonte da Eira, Redolho, Tornadouro 41, Olhinho, Fonte das Sete
Bicas, Fonte da Virtude, Fonte do Cano, etc. Topónimos de transporte de água. Entre
outros podem destacar-se designações toponímicas como Lavadouro, Levadas Novas,
Rego da Pereira, Rego Longo, Chão das Valas, Água Encanada, Cale da Leira,
Agualevada, Levada das Searas, Rego do Cardo, Valado, Levada do Mosteiro, Agueiro,
Regueira, Cale42, Rio43, Rego de Linhar, Tarrio, Rio Seco, Corga, Córrega, Sorrêgo, etc.
Por último, os topónimos de aprovisionamento de água, sendo que estes são também
muito frequentes. Sem prejuízo de outros, relevam-se no espaço os nomes de Poça,
Presa, Poça da Ándua, Presa da Fonte Branca, Agro da Presa, Presa Velha, Presa de
Mourinho, Poças d` Água, Presinha Velha, Leira das Presinhas Regadas, Poço do
Ribeiro, Poça da Cale, Tanque, Poça da Regueira, Poça do Linho, Poça do Monte, Poço
do Abade, Campo das Poças, Poça da Agrela, Poça de Linhar Morisco, etc.
Boa parte dos topónimos que aqui indicamos, os quais foram recolhidos,
analisados e estudados por Almeida Fernandes e António Baptista, aparecem já inscritos
na documentação medieval. É o caso por exemplo da expressão Bouça Molhada. Este
topónimo podemo-lo ainda hoje encontrar na freguesia de Subportela (Viana do
Castelo) e está documentado na inquirição de 1258: “…in Bouza Moliada…” (PMH,
Inquirições de 1258, 317). Outro caso que podemos dar é certamente o da fonte do
Carvalho em Portela Susã. Na inquirição de 1258 a esta paróquia a propósito da
confrontação de uma propriedade diz-se a certo momento que a mesma “… vay se ao

277).
41
Este topónimo pode ser encontrado na freguesia da Areosa e da Meadela, ambas
em Viana do Castelo. Segundo Almeida Fernandes refere-se à irrigação dos campos,
mas pode também ser sinónimo de nascente. Diferente é a designação Torna que é
uma fração de terreno num campo dividido em tornas para a irrigação ser mais
fácil. A fração aqui seria delimitada pela existência de um rego. Em suma, mais do
que um nome, refere uma prática de rega (Fernandes 2008, 320).
42
Cale: conduta de água para usos domésticos, agrícolas e moagens quase sempre
em pedra mas que podia ser também em madeira como o atesta uma passagem
das inquirições de 1258 onde se refere a expressão de “… caal podre” (Fernandes
2008, 307)
43
De acordo com Almeida Fernandes muitos topónimos Rio, abundantes de resto no
Alto Minho, não dizem respeito a rio tal qual o concebemos, mas sim a simples
regos de água. Na sua opinião trata-se de divergência do termo latino Rigu
(Fernandes 2008, 317).

39
rego da boca do Carvaliar…” (PMH, Inquirições de 1258, 403). Além destes dois
exemplos, os quais são meramente indicativos das muitas evidências que encontramos
na documentação medieval, relevamos um outro, o topónimo Regueira. Este topónimo é
frequente na Ribeira Lima e o mesmo pode ser encontrado em várias freguesias. Dentre
os vários casos evidenciamos o que se encontra em Darque e que vem mencionado no
ano 1086 no Liber Fidei nos seguintes modos: “… in villa Darqui II salinas in illa corte
de Regueira…” (Liber Fidei, doc. 294).
Se a documentação medieval e a toponímia nos indiciam a importância da água
bem antes da introdução do milho-maís na região o que dizer da Arqueologia, sobretudo
para épocas mais recuadas que a própria Idade Média? Será que a dispersão dos
vestígios e os estudos arqueológicos realizados até ao momento confirmam uma
importância e uso da água para o período romano e anterior? Julgamos que sim, senão
vejamos três situações.
O conhecimento arqueológico resultante dos inventários e intervenções
realizadas em alguns povoados têm demonstrado que o homem no Lima há muito
conhecia os sistemas de captação, transporte e aprovisionamento da água. Tal
constatação podemo-la recolher nos complexos mineiros da região, sobretudo em zonas
como Vila Mou, Lanheses, Meixedo e Fontão aos quais foram atribuídas cronologias
romanas (Almeida CAB 2003, 47; Almeida CAB et alii 2009, 127-139). Aqui, além dos
indícios claros de extração mineira, abundam valas térreas profundas que sacavam a
água aos ribeiros existentes com o intuito de se proceder à lavagem do minério. Em
Meixedo de resto encontramos até uma galeria horizontal fixada na bordadura do rio
Seixo e que se relaciona precisamente com este facto (Almeida CAB et alii 2009, 139).
A segunda situação tem a ver com o monte de Roques, monte este onde se
encontra implantado um dos povoados castrejos mais importantes da Ribeira Lima
(Almeida CAB 2008b, 181-185). Além do sistema defensivo e dos alicerces de umas
quantas habitações com planta circular e retangular que aqui existiram e que ainda se
podem ver, no local encontram-se também as ruínas de um antigo balneário, o único
conhecido na Ribeira Lima (Almeida CAB et alii 2009, 184). Tal sistema,
intervencionado há uns anos atrás por Armando Coelho e Tarciso Maciel, compreende
os restos da câmara e do corredor (Silva ACF 2004, 115-131). A esta estrutura estaria
certamente ligada um engenhoso sistema de captação e transporte de água, hoje
imperceptível mas que pouco deveria diferir dos utilizados na rega e no abastecimento
dos moinhos e azenhas que posteriormente na região se implantaram. Isto é, a água seria

40
muito provavelmente captada a uma qualquer fonte seminal existente no castro e depois
transportada até ao balneário por meio de regos ou caleiros de água.
A terceira situação diz respeito a dois povoados da região que são, grosso modo,
muito conhecidos entre os arqueólogos: a cividade de Âncora e a citânia de Carmona.
Tanto numa como noutra foram identificadas estruturas relacionadas diretamente com o
consumo de água por parte das comunidades locais. Na citânia de Carmona identificou
pois a Arqueologia um poço, hoje atulhado, no meio do povoado, enquanto na cividade
de Âncora, entre outros elementos, se encontraram várias canalizações, recolectores de
água e uma fonte de mergulho (Almeida CAB et alii 2009, 153 e 168).
Estas três situações, estes três indícios arqueológicos, como se pode facilmente
percecionar, comprovam a importância e a utilidade da água desde épocas recuadas,
pelo menos desde a Época Castreja. Assim, sendo as populações conhecedoras de tal
sistema, relacionado com a mineração e o transporte do precioso liquido até aos locais
de lavagem do minério ou até ao balneário, seria possível que essas mesmas populações
tivessem ignorado os benefícios da água nas culturas agrícolas? Sinceramente parece-
nos que não.
Estudos recentes, nomeadamente de João Tereso 44, dizem-nos que foi na Idade
do Bronze que se introduziram em muitos povoados do Entre-Douro-e-Minho as
culturas hortícolas, o linho e os milhos-miúdos, os quais se juntaram por sua vez às
culturas de trigo, centeio e cevada já aqui semeados antes disso. No caso das primeiras
culturas, as couves e os nabos, assim como as cebolas e o linho, necessitam de água,
pelo que a rega a estes se aplicará desde esse período. No caso dos cereais a situação é
um pouco diferente. É certo e consensual a ideia dos cereais anteriores ao maís serem
todos de sequeiro, contudo tal não implicava que não houvesse necessidade de os regar.
Se excluirmos o centeio e o trigo, que não necessitam de facto de água de rega, o
mesmo não se passa com os milhos-miúdos. Estes, sobretudo o milho-alvo e o painço,
cultivados na região desde a Idade do Bronze, são semeados pela Primavera e colhidos
no final do Verão. São espécies com ciclo vegetativo curto que se adaptam a diversos
tipos de solos e condições climáticas, mas ainda assim exigem alguma humidade no
solo, sobretudo na etapa inicial (Tereso 2010, 67-73). Tal facto notou também Carlos
Alberto Ferreira de Almeida que refere inclusive que os milhos-miúdos eram regados

44
Já antes outros autores, entre os quais Jorge Dias, afirmavam o mesmo. A
novidade no estudo de João Tereso, que temos vindo a citar amiúdes vezes, está no
facto das suas afirmações se basearem nos estudos carpológicos e polímnicos
realizados em algumas estações arqueológicas sediadas no Entre-Douro-e-Minho.

41
com frequência na Idade Média (Almeida CAF 1988, 67). De facto assim parece ser
pois que na inquirição realizada à paróquia de São Jorge de Vizela, hoje pertencente ao
concelho de Vizela, é isso mesmo que se afirma: “… reguengueiros de milio regato
dant médium et de quo non es regato dant tercia…” (PMH, Inquirições de 1220, 10).
De resto esta e outras citações extraídas das Inquirições de 1220 por Carlos Alberto
Ferreira de Almeida levaram o mesmo a dizer que “… o valor e o interesse pela
utilização das águas [estava na Idade Média] no regadio do milho-miúdo…” (Almeida
CAF 1988, 67).
Tal ilação, embora não tão explícita, poderá também ser extraída em duas
passagens das Inquirições de 1258 que encontramos para o Lima. Entre outras,
destacamos novamente à inquirição feita à paróquia de São Pedro do Souto em 1258 e
que nos diz que pelo uso das águas os moradores dos casais de Merloa, Lana e Sortor
“… dam cada ano al Rey meyo de pam et de vino et de lino et de legumina, de quanto
regam. Item, dam do que nom regam et de estivada tertia…” (PMH, Inquirições de
1258, 393). Ora, parece pois que os primeiros eram regados. A segunda, mais explicita
até, diz respeito a Beiral do Lima, Ponte de Lima. Nessa inquirição, a certa altura, diz-se
claramente o seguinte: “Item, da lagoa iii teigas de milo pola agua…” (PMH,
Inquirições de 1258, 406).
Se as citações que encontramos nas Inquirições respeitantes ao território da
Ribeira Lima pode oferecer alguma dúvida, o mesmo no nosso entender não se passa
com os indícios arqueológicos romanos e castrejos existentes na região. Se é certo que
os vestígios castrejos se encontram na maioria dos casos circunscritos aos cumes de
certos montes45, como demonstrou Carlos Alberto Brochado de Almeida no
levantamento do território que fez para a sua tese de Doutoramento, o mesmo não se
pode dizer no que respeita aos inúmeros fragmentos do período romano que
frequentemente vêm à superfície nas leiras que se desenvolvem a meia encosta. Locais
como Mondim e Perpescoço em Santa Leocádia de Geraz do Lima, ou Prazil, na
freguesia da Facha, concelho de Ponte de Lima, são exemplos disso mesmo (Almeida
CAB 2003, 317). Aqui, como noutros pontos da Ribeira Lima, boa parte das
propriedades agrícolas desenvolvem-se a meia encosta, em pequenas leiras e socalcos.
O facto destas propriedades se desenvolverem num terreno em declive – que foi
mormente arroteado e aplanado para se tornar produtivo – leva a que a água não seja
45
Existem algumas exceções. Em Santa Maria de Geraz do Lima, Viana do Castelo,
no aro da igreja paroquial não só abundam vestígios romanos e medievais, como
também alicerces de uma casa castreja.

42
naturalmente abundante no solo. Como tivemos a oportunidade de dizer atrás, algures
neste estudo, por força da gravidade a água proveniente da pluviosidade segue para os
rios. Estas águas chegam ao Lima através das falhas geológicas, que aproveitam para
formar os leitos dos rios e dos regatos, mas também pelos níveis freáticos. Daí que as
águas das chuvas, das minas e das poças quando aplicadas na rega destas leiras
rapidamente as deixam e escorram na direção da bacia hidrográfica. Este aspeto é
quanto a nós de extrema importância pois que ele se constitui como o fundamento das
minas, dos poças e das presas que se encontram na região do Lima. A esmagadora
maioria destas estruturas encontra-se pois nas propriedades que se desenvolvem a meia
encosta e podem ser contemplas em locais tão díspares como Santa Maria e Santa
Leocádia de Geraz do Lima (Viana do Castelo), Beiral do Lima (Ponte de Lima),
Ermida (Ponte da Barca) ou, entre outros, no lugar de Cidadelhe, em Lindoso. De resto
a ideia que temos nem sequer é nova pois que no fundo trata-se de uma constatação do
que já Carlos Alberto Ferreira de Almeida pensava, só que a respeito de um caso muito
concreto: Vila Maior, em Santa Maria da Feira. Aí, este autor verificou que as poças e
presas existentes correspondiam grosso modo aos terrenos mais antigos enquanto os
poços de rega se relacionavam com os novos, estes adstritos à cultura do maís (Almeida
CAF 1988, 68-69). Ora não é isso que se verifica também na Ribeira Lima? É que a
maioria dos poços de rega situam-se nas zonas baixas e planas enquanto as presas e as
poças se fixam na encosta.
É certo que muito havia ainda a dizer a este respeito. Contudo, em virtude da
escassez de espaço a que estamos sujeitos, julgamos ter elencado pelo menos alguns
argumentos e opiniões que contrariam a menorização do papel da água antes da
introdução do milho-maís. Quanto a nós, como ficou explicito, e corroborando da
opinião de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, a água já desempenhava um papel
importante na região muito antes da introdução do milho americano. Se os argumentos e
transcrições de Ferreira de Almeida não oferecem dúvidas em relação à Idade Média,
julgámos que essa importância também se aplica a épocas anteriores, nomeadamente à
Romana, Castreja e Bronze. É possível aí que os sistemas não fossem tão abundantes
nem tão sofisticados, contudo parece impossível, até pelos indícios arqueológicos atrás
relatados, que o homem da região do Lima não conhecesse a utilidade da água. Certo no
entanto é também o facto de esta ter sido nessa altura adstrita somente à rega das hortas,
dos linhares e dos milhos-miúdos, pois a sua utilização na moagem não deveria aplicar-

43
se tal é a profusão de moinhos manuais que nos vários povoados Calcolíticos, Bronze e
Ferro, têm sido encontrados.
Em suma, dentro do que se disse, parece-nos lógico e claro que o triunfo do
milho-maís na região, sobretudo a partir do século XVII, se deveu não só à abundância
de água e de lameiros nos vales e terras profundas do Lima, como também a um
conhecimento profundo do aproveitamento da água alcandorado em práticas e costumes
bem mais antigos do que aquilo que se pensa.

III - SISTEMAS TRADICIONAIS DE SECAGEM, ARMAZENAMENTO E


CONSERVAÇÃO DE CEREAIS NA REGIÃO DO LIMA: origens, evolução e
caracterização

O cereal, seja ele qual for, constitui hoje, tal como no passado a base da dieta
alimentar humana. Por isso, semeado no Inverno ou na Primavera, consoante o tipo e o
género, é depois colhido no Verão ou nos meses do Outono e acondicionado em
estruturas apropriadas capazes de garantir o seu bom estado de conservação ao longo de
todo o ano ou pelo menos até ao momento em que o mesmo é moído. Ora, isto é o que
se verifica um pouco por todo o lado e no caso vertente do nosso estudo também na
região do Lima. Por isso, abundam aqui no registo arqueoetnográfico vários tipos e
géneros de estruturas que grosso modo se relacionam com a debulha, secagem e
armazenamento de cereais, sendo que as mesmas, tal como as suas práticas, variaram ao
longo dos tempos em função da época, dos costumes vigentes e do tipo de cereal, pois
que estes requerem por vezes estratégias diferenciadas.
O local de receção do cereal, logo que o mesmo é colhido nos campos, é a eira.
Esta estrutura, que pode ser em terra batida, em laje de pedra ou simplesmente
aproveitar os afloramentos rochosos sempre existiu uma vez que a debulha inerente a
qualquer cereal assim o exige. Apesar deste facto pouco se sabe sobre a eira em épocas
anteriores ao período histórico. É o que se passa sobretudo para o Período Calcolítico e
para a Idade do Bronze, épocas que sabemos já se dedicarem ao cultivo de cereais. A
ausência da eira do registo arqueológico destes períodos não significa contudo que a
mesma não existisse, pelo contrário, o mais curial é até que a mesma fosse em terra
batida ou que simplesmente aproveitasse um qualquer afloramento rochoso plano

44
existente nas imediações do povoado para aí se realizarem os trabalhos de debulha do
cereal46. Mais evidente é a sua presença na Idade do Ferro e no Período Romano. Para a
Idade do Ferro, sobretudo pela altura do câmbio da Era, a eira fixar-se-ia no pátio
central de cada núcleo habitacional castrejo. Era nele, segundo Brochado de Almeida,
que se secavam os frutos e os cereais (Almeida CAB 2003, 130). No Período Romano,
segundo Jorge Dias, a eira, relacionada sobretudo com a debulha de cereais como o
trigo e o centeio, seria um amplo espaço térreo aberto e com contornos algo irregulares
(Dias et alii 1961, 22). Nos dias de hoje a eira, fundamentalmente em pedra, é um
espaço privilegiado de receção do cereal o qual aí fica durante algum tempo a secar,
sendo depois, no caso do milho-maís, malhado e guardado em estruturas de secagem e
armazenamento apropriadas como são por exemplo os sequeiros, os varandões e os
espigueiros (Moura 1995, 23).
Independentemente destas questões, origens e cronologias, na região do rio Lima
abundam essencialmente três tipos de eiras as quais resultam obviamente de
conhecimentos bebidos em épocas anteriores. O primeiro é o que aproveita os
afloramentos rochosos da região. Sem prejuízo de outros locais é o que se constata por
exemplo nas localidades do Soajo e do Lindoso, onde estas eiras são até de carácter
comunitário (Fig. 46) (Dias et alii 1961, 24)47. Diferentes são as do segundo tipo.
Embora existam também no Lindoso e no Soajo, a verdade é que este tipo de eira
encontra-se disseminado por toda a região e as mesmas são maioritariamente de carácter
individual (Dias et alii 1961, 24; Moura 1995, 23)48. Bem definidas fisicamente, são

46
Foi precisamente isto que Brochado de Almeida encontrou em Carlão, Alijó, e que
passamos a citar: “Os vestígios, neste tipo de estruturas, reduzem-se a um número
variável de buracos circulares (…) e no seu interior, o lageado, natural ou
intencionalmente preparado está mais ou menos aplanado. A função de tais
buracos (…) seria a de receber postes de madeira destinados a servirem de apoio a
uma vedação feita em madeira ou arbustos (…). A ser como acabamos de
descrever, estaremos perante um tipo de eira cuja a cercadura, ao contrário
daquelas que usam as fiadas de pedra, era feita com os materiais perecíveis. Tal
função, apesar de discutível, em face dos parcos elementos conservados, terá uma
certa lógica, apesar de não resolver o problema cronológico” (Almeida CAB, 1992-
1993, 237-239).
47
Tidas normalmente como comunitárias, o melhor conceito que se poderá aplicar é
contudo o de espaço público. Na verdade, trata-se sobretudo de uma reunião de
arquiteturas privadas que têm em comum a partilha de um espaço público, a eira
propriamente dita.
48
De referir que embora associadas a um carácter individualista também as há
coletivas. É o que se passa na pequena e rustica aldeia da Parada, junto a Lindoso,
em Ponte da Barca. Aqui, a eira, situada à entrada da aldeia, é constituída por lajes
de granito e o seu espaço – retangular – é delimitado por pequenos muretes de
pedra. A circundar a eira encontram-se os respetivos espigueiros, alguns dos quais
datáveis do século XVIII.

45
estruturas de planta quadrangular ou retangular delimitada quase sempre por pequenos
muretes que evitam que o cereal se espalhe. Apresentam dimensões médias, fixam-se
por norma junto à casa de habitação do lavrador e ostentam pavimento lajeado o qual
utiliza os materiais próprios da região, isto é, o granito ou a lousa, esta onde a há (Dias
et alii 1961, 24). Por último, o terceiro tipo, a eira em terra batida. Apesar de escasso
hoje este tipo de eira ainda é possível ver-se na paisagem da região. Foi o que
constatamos em Santa Leocádia de Geraz do Lima, em Viana do Castelo. Situada no
terreiro da casa da Maria Rites, no lugar do Coval, esta eira, em terra batida, apresenta
contornos deveras irregulares e de acordo com testemunho oral colhido no local durante
os meses do Inverno era coberta com ramos de caruma verde para evitar que a geada
levantasse a crosta do terreno, sendo as fendas tapadas com bosta 49. Esta prática de resto
não era exclusiva do local pois já Jorge Dias a refere para outras partes desta região
(Dias et alii 1961, 24)50.
O terceiro tipo de eira, que sumariamente aqui descrevemos, é, muito
provavelmente, o mais antigo dos modelos enunciados e as suas origens deverão
relacionar-se com o tempo em que o cereal aqui debulhado era o trigo, o centeio e o
milho-miúdo, pois que estes requerem processos completamente distintos daqueles que
se aplicam ao milho-maís. Como se sabe, o milho-maís é, fundamentalmente, um cereal
de regadio que depois de colhido tem de ser convenientemente secado antes de ser
armazenado. Assim, no caso deste cereal, a primeira secagem é feita ainda na eira,
mesmo antes da malha, razão pela qual é a mesma em pedra. Esta é de resto a evidência
maior que permite inclusivamente dividir a eira em duas tipologias de acordo com a sua
função: a eira de debulha, circunscrita sobretudo ao trigo e ao centeio, e a eira de
debulha e secagem, própria para o milho grosso (Dias et alii 1961, 22). Em suma, com a
introdução do milho-maís, no século XVI e XVII, as eiras de terra batida foram
lentamente desaparecendo da paisagem da região, tendo sido substituídas pelas eiras de
pedra que são mais propícias ao tratamento do milho-maís (Dias et alii 1961, 24)51.
A transformação da eira térrea em eira pétrea, em virtude da introdução do
milho-maís, foi acompanhada em muitos casos pelo surgimento de certas estruturas de

49
Agradecemos as informações prestadas pelo senhor Albano, hoje o proprietário.
No que respeita à dita eira, a mesma não é hoje utilizada.
50
Igual tipo de eira encontramos em Fornelos, freguesia do concelho de Cinfães.
51
Segundo Jorge Dias, que estudou o tema a fundo, havia eiras térreas temporárias
que depois de algum tempo de utilização eram pura e simplesmente abandonadas.
Assim, com o advento da eira formada por lajes de pedra pode dizer-se que estas
tornam-se doravante permanentes (Dias et alii 1961, 24).

46
apoio, as quais se relacionam fundamentalmente com a secagem e armazenamento do
cereal. É o que se passa por exemplo em várias freguesias do concelho de Ponte da
Barca onde abundam sequeiros e varandões. Estes são aqui em geral estruturas de planta
quadrangular com quatro águas, apresentam normalmente dois pisos alteados
suportados por pilares e ostentam amplas portadas e ripados de madeira na fachada
orientada ao sol os quais arejam o interior e lhe fornecem a luminosidade necessária. O
acesso ao interior faz-se por norma através de um escadório móvel, quase sempre de
madeira. No interior, resguardado da pluviosidade, há várias estruturas de armação
ripada que delimitadas por um corredor central permitem o acondicionamento das
espigas. É no rés-do-chão e no próprio andar sobradado que tem lugar a malha do
milho, a qual pode ser feita em qualquer altura, mesmo em dias de chuva pois toda a
estrutura é fechada (Dias et alii 1961, 117; Moura 1995, 23).
Estas estruturas, os sequeiros e os varandões, deveras especializados, abundam
não só no concelho de Ponte da Barca como também em vastas áreas da região do Lima,
ainda que em menor número (Fig. 47). Em geral, na bacia do rio Lima o sistema de
secagem e armazenamento de cereal que hoje domina na paisagem é o espigueiro, sendo
que o mesmo apresenta especificidades muito próprias e que variam de região para
região.
De um modo geral, o espigueiro mais não é do que uma pequena construção
granítica sobrelevada de planta retangular que se destina ao armazenamento e secagem
do milho-maís. Apresenta estreitas frestas nas fachadas que têm como função arejar e
iluminar o interior por um lado e por outro impedir o acesso das aves granívoras, as
quais como se sabe apreciam e muito o cereal. Outro aspeto importante nesta estrutura é
o facto de a mesma se situar sempre acima da cota do terreno. A estrutura principal, o
corpo retangular propriamente dito, apoia-se, grosso modo, em pequenos pilares
encimados por mesas ou mós e o pavimento é por norma em madeira. Este pormenor
arquitetónico é de suma importância uma vez que impossibilita o contacto da humidade
do solo com o cereal, assim como impede o acesso dos roedores ao interior. De relevo
neste tipo de estruturas é também o alinhamento do telhado. Este varia entre as duas e as
quatro águas, pode ser em telha ou em pedra, e ostenta normalmente beirais que
excedem os limites físicos do corpo principal o que permite um fácil e cómodo
escorrimento das águas das chuvas. O acesso ao interior é na maioria das vezes feito
através de uma escada de madeira móvel que se coloca na parte mais alongada do corpo
ou na parte mais estreita (Moura 1995, 24).

47
O espigueiro como sistema de secagem e armazenamento relacionado com o
milho-maís encontra-se, como atrás se disse, disseminado um pouco por toda a região e
o mesmo mereceu atenção especial no século XX, graças sobretudo à sua riqueza
arquitetónica e etnográfica. Estas estruturas foram estudadas pela primeira vez por Abel
Viana nos anos trinta, depois, nos inícios da década de 1960, por Jorge Dias e, mais
recentemente, nos anos 90 por Armando Reis Moura, tendo-lhes sido atribuídas
tipologias em função dos tamanhos, dos corpos edificados, dos materiais empregues na
construção e até na forma dos telhados. Assim, como facilmente se constata há uma
multiplicidade de tipologias de espigueiros na região as quais grosso modo se
distribuem nos seguintes termos: os espigueiros estreitos, os espigueiros de paredes
verticais, os espigueiros que são todos em pedra e aqui incluem-se naturalmente os
espigueiros do Lindoso e do Soajo por exemplo, os espigueiros do tipo da serra D` Arga
(Caminha), os espigueiros do tipo Cidadelhe (Ponte da Barca), os espigueiros de pedra e
madeira, os espigueiros só de madeira, os espigueiros com cápeas e guarda-ventos, os
espigueiros sem cápeas e guarda-ventos, os espigueiros de ripado horizontal e, entre
outros, os espigueiros de ripado vertical. Independentemente destas tipologias 52, pode
dizer-se que na região do rio Lima abundam essencialmente três tipos de espigueiros,
isto se tivermos em conta os materiais utilizados na elaboração do corpo principal, a
saber: os espigueiros que são totalmente em pedra, os espigueiros em pedra e madeira e
os espigueiros só em madeira.
O primeiro tipo encontra-se fundamentalmente sediado em várias freguesias dos
concelhos de Ponte da Barca e de Arcos de Valdevez, sobretudo, nos casos mais
conhecidos, no Soajo, Lindoso, e nos lugares de Parada e Cidadelhe. São normalmente
construções sobrelevadas por pequenos pés encimados por mesas, umas vezes circulares
e outras retangulares, enquanto vários balaústres biselados dão origem a sucessivas e
estreitas frestas de pendor vertical 53 que arejam e iluminam o interior do espigueiro e
que no seu conjunto dão forma a um corpo retangular alongado totalmente pétreo e que
pode apresentar mais do que um vão. A cobertura, quase sempre em duas águas e
provida de guarda-ventos, faz-se, na esmagadora maioria dos casos, com lajes graníticas
52
Reservamo-nos aqui ao direito de não descrevermos todas estas tipologias com o
intuito de não tornar o tema demasiado longo. Nesse sentido remetemos o
aprofundamento do tema para obras especializada, sobretudo para as que foram
assinadas por Jorge Dias e Armando Reis Moura, as quais constam da nossa
bibliografia geral.
53
Na região o espigueiro de frestas horizontais é bastante raro. A exceção encontra-
se em Cidadelhe e Parada, ambas em Ponte da Barca, onde de facto pontuam
alguns espigueiros deste género. (Dias et alii 1961, 67).

48
que excedem os limites físicos do edificado formando assim beirais (Fig. 48 e 49). Na
parte superior da cobertura fixam-se por vezes relógios de sol ou pequenas peanhas que
recebem no seu topo cruzes. A entrada, acompanhada por vezes por arco abatido e
cartela com a data da sua construção, fixa-se por norma na fachada frontal, sendo a
mesma enquadrada pelas colunas e padieiras do esqueleto do edificado. Porém, casos
há, em que a entrada se fixa na fachada lateral, como acontece por exemplo em alguns
espigueiros do Lindoso e do Soajo. O acesso ao interior faz-se normalmente através de
uma escada de madeira móvel e a porta, quase sempre no mesmo material, ostenta por
vezes requintes decorativos deveras impressionantes. Foi o que encontramos por
exemplo num espigueiro que se encontra na freguesia de Parada, em Ponte da Barca.
Aqui, mais do que o espigueiro em si merece certamente destaque os elementos
decorativos gravados na porta de entrada os quais compreendem lateralmente elementos
geométricos concêntricos e, na parte central, a figuração de uma custódia de base
triangular encimada por um fuste estreito que remata a nível superior com
circunferência raiada e no seu interior com a representação de uma lúnula, isto é, com o
espaço onde se guardava a Hóstia Sagrada o que em termos simbólicos nos remete para
o carácter sacro do pão.
O segundo tipo de espigueiro, aqueles que são feitos em pedra e madeira,
encontram-se disseminados um pouco por todo o Lima. Em geral, este tipo de
espigueiro pontua de forma isolada na paisagem 54, normalmente junto da habitação
rural, mas casos há em que os mesmos se fixam em núcleos significativos e em torno de
eiras comunitárias como acontece por exemplo em Santo Adrão55, Arcos de Valdevez.
São, no geral, construções de esqueleto granítico e ostentam ripados de madeira os quais
variam entre o tipo horizontal e o tipo vertical, embora o mais frequente seja mesmo o
segundo género. Apoiam-se, como é habitual, em pequenos pés encimados por mesas
circulares ou retangulares e a cobertura, quase sempre de duas águas, é telhada. O
acesso ao interior, cuja porta se encontra normalmente na parte mais estreita do corpo,
faz-se habitualmente, como em tantos outros casos e situações, através de uma escada
de madeira móvel (Fig. 50, 51 e 52).

54
Em geral, podem ser encontrados na faixa litoral do concelho de Viana do Castelo,
sobretudo a sul do Lima, assim como em algumas zonas interiores da Ribeira Lima.
Em Ponte da Barca por exemplo podemo-lo ver em Paço Vedro de Magalhães.
55
Estes espigueiros aqui, em Santo Adrão, eram em pedra e apresentavam nas
fachadas ripados de madeira, porém, nos dias de hoje o ripado de madeira foi
substituído por pequenos tijolos de formato retangular com orifícios circulares
pequenos.

49
Por último, o espigueiro inteiramente em madeira. Este tipo pontua em vários
pontos da bacia hidrográfica do rio Lima, sobretudo a poente do centro da vila de Ponte
de Barca, em Ponte de Lima, aqui, por exemplo em Beiral do Lima e Bertiandos, e em
várias partes do concelho de Viana do Castelo. De planta retangular têm como elemento
característico a caixilharia que forma o corpo propriamente dito e que é toda em
armação de madeira. Apresentam ainda como característica dominante a prevalência do
ripado horizontal, sendo a cobertura telhada e hoje em muitos casos em folha zincada.
O espigueiro, tal qual hoje o concebemos, está longe de ter sido o único sistema
de armazenamento e secagem do cereal na região do rio Lima. Antes da sua aparição,
tenha-se ela dado no século XVI/ XVII56, ou no início da Alta Idade Média por
influência dos Suevos como defende Jorge Dias 57, já por aqui pululavam estruturas que
tinham como finalidade armazenar e secar o cereal. É o caso dos caniços e dos celeiros,
estes frequentemente mencionados na documentação medieval, mas também dos dolia
da Época Romana e, por exemplo, dos silos cavados no substrato rochoso e que a
Arqueologia vem documentando em vários partes do Entre-Douro-e-Minho para o
Calcolítico, para a Idade do Bronze e para a Idade Média.
Os caniços, frequentes até há uns anos atrás no Soajo (Arcos de Valdevez) e nas
freguesias de Entre-Ambos-os-Rios e Britelo (Ponte da Barca)58, são uma espécie de

56
São várias as teorias sobre as origens do espigueiro. Entre outras, releve-se a
posição assumida por Frankowski que vê a sua origem na cultura palafítica local,
bem como a tese preconizada por Juan Lopes Soler e que grosso modo relaciona o
seu aparecimento apenas com o momento em que o milho americano foi
introduzido na Europa. Balbas por sua vez coloca as origens do espigueiro nos
tempos pré-romanos, relacionando-o com a casa regional asturiana enquanto para
Walter Carlé o seu desenvolvimento deverá ter-se dado a partir da existência de um
modelo primitivo de varas entrelaçadas, redondo ou quadrangular (Carlé 1948, 275-
293; Dias et alii 1961, 203-204; Moura 1995, 26). Por sua vez, Bustamante Álvarez
coloca as suas origens mais elementares no século V a.C., as quais evoluíram
depois para a forma romana (Bustamante Álvarez 2013, 4).
57
Jorge Dias defende que o espigueiro galaico-português, comum no Minho e na
Galiza, é anterior à introdução do milho-maís baseando-se fundamentalmente em
duas evidências. A primeira diz respeito ao códice escurialense datado do século
XIII e que representa iconograficamente dois espigueiros do género. A segunda tem
a ver com uma pequena urna funerária da Idade do Bronze que foi encontrada na
Alemanha, precisamente onde viviam os Suevos. Por estes factos, Jorge Dias coloca
a hipótese do espigueiro galaico-português ser anterior à Fundação da
Nacionalidade e ter sido introduzido pelos Suevos (Dias et alii 1961, 209). Ainda a
este respeito, uma nota mais. A Arqueologia tem encontrado no espaço Ibérico,
nomeadamente na parte sul do nosso país, alguns horreum de Época Romana
(Bustamante Álvarez 2013, 4). Mais próximo da região do Lima documenta-se um
horreum romano na Agra do Relógio, em São Paio D` Antas, Esposende.
58
Além desta localidade, merece igualmente destaque os caniços de Entre-Ambos-
os-Rios, Vila Chã de Santiago e São João Baptista. Estes são aqui em geral formas
domésticas de armazenamento e a sua construção rápida conferia-lhes um carácter
sazonal (Marques, 2013).

50
cestos encanastrados59 de formato circular e dimensões razoáveis 60 que repousam,
normalmente, sobre uma mesa ou estrado61 cuja grade, formada por quatro ou mais
pranchas de madeira ligadas entre si por entalhes resultando com isso o soalho
propriamente dito, assentam sobre blocos de pedra, os quais são por norma toscos e
irregulares mas que isolam a estrutura principal da humidade existente no solo (Fig. 53).
Possuem, a nível inferior, abertura para descarga do cereal, e, na parte superior,
cobertura cónica que excede o diâmetro do cesto, formando com isso um beiral. Esta
cobertura, designada normalmente por carucho, é armada com varas e revestida com
palha de centeio a qual remata no topo com entrelaçados que lhes dão um certo
requinte62. Suportado por forqueiras colocadas no interior do cesto, o carucho é peça
móvel e independente do corpo principal e permite que o cereal seja depositado a partir
dele63.
A origem do caniço é do ponto de vista histórico dúbia e incerta uma vez que o
mesmo é feito com recurso a materiais perecíveis e que logicamente desaparecem do
registo arqueológico com o tempo. Ainda assim, Jorge Dias coloca as suas origens
algures no Neolítico e associa a sua existência ao cultivo do milho-miúdo (Dias et alii
1961, 232)64. É provável até que tenha razão, contudo do ponto de vista arqueológico

59
De acordo com Jorge Dias a duração média destas estruturas feitas a partir de
materiais perecíveis era aproximadamente de quatro anos e as mesmas serviam
fundamentalmente as camadas mais pobres da população (Dias et alii 1961, 54).
60
As dimensões são em geral variáveis. Jorge Dias, que os estudou com
profundidade, encontrou um exemplar que media cerca de 1, 40 de diâmetro e 1,
75 de altura (Dias et alii 1961, 46).
61
No caso dos caniços do Soajo há algumas diferenças. A mesa é aqui feita com
pedras de ladeira nas quais se abrem buracos onde entram varas verticais. Outro
aspeto de relevo é a forma do cesto que geometricamente é troncocónico (Dias et
alii 1961, 47).
62
Ao contrário do que se passava noutros pontos da região do Lima onde existiam
estruturas do mesmo género, no Soajo o carucho era suportado por quatro
forqueiras e no alto, do lado de fora, era costume colocar-se um ramo de oliveira
(Dias et alii 1961, 47).
63
Em Viana do Castelo havia também canastros de varas os quais estavam voltados
sobretudo para o vale do Lima (Fig. 55). De dimensões semelhantes a tantos outros,
apresentavam contudo algumas diferenças significativas. A descarga fazia-se por
meio de um pequeno postigo colocado junto à base e para a capucha, assim
denominada aqui, empregava-se palha milha coberta com colmo (Dias et alii 1961,
54).
64
Segundo Jorge Dias não é verosímil pensar-se que antes da introdução do milho
grosso existisse o costume de se guardar e secar o milho-miúdo em edifícios
especializados, elevados e arejados. De acordo com este estudioso, a partir da
observação de casos semelhantes existentes em vários pontos do globo,
nomeadamente em Macondes, Moçambique, o tratamento dado ao milho-miúdo é
muito semelhante ao do sorgo. Em Macondes, do que pode observar, as espigas de
sorgo são guardadas em sequeiras de bambu estacadas no terreno (Dias et alii
1961, 208).

51
não existe qualquer indício ou evidência da sua existência. O mais parecido, que tem
surgido no registo arqueológico de alguns povoados Calcolíticos e da Idade do Bronze
da região, são uns quantos buracos de poste associados a cabanas circulares situadas
junto a fossas cavadas no solo. A dificuldade nestes casos está porém em associar esses
buracos a celeiros. É o que se passa, por exemplo, no povoado da Regueira, em Vitorino
de Piães, no concelho de Ponte de Lima. Aqui, entre outros aspetos de relevo
arqueológico, no sector 2 e mais especificamente na camada 3 do mesmo, além de dois
pavimentos argilosos e fossas cavadas no substrato rochoso identificaram-se cinco
buracos de poste relacionados uma cabana (Bettencourt et alii 2003, 94-95). Seria um
celeiro ou apenas um espaço de habitação? Não temos forma de o saber em virtude do
escasso material exumado. Outro exemplo, de resto do mesmo género, é aquele que se
pode retirar do resultado de uma intervenção arqueológica realizada na estação Penedos
Grandes, no concelho de Arcos de Valdevez. Aqui, uma vez mais, à semelhança do caso
anterior, identificam-se pisos e silos cavados no solo, assim como buracos de poste, os
quais se associam a cabanas (Bettencourt et alii 2000-2001, 210). Caso mais evidente e
paradigmático é aquele que resultou da intervenção arqueológica realizada no monte da
Cimalha, em Sernande, concelho de Felgueiras. Neste povoado, além de silos e
sepulturas, ambos cavados no solo, evidenciam-se duas lareiras delimitadas por
pequenas fossas circulares abertas no saibro e que os autores do Relatório Final da
intervenção interpretam como sendo buracos de poste de duas cabanas de planta circular
(Fig. 55) (Almeida CAB et alii 2008a, 23). Ora, a área de armazenamento nesta estação
situa-se fora do espaço habitacional o qual era delimitado por uma muralha cujos
vestígios ainda são percetíveis. Perante este facto, será possível relacionar os vestígios
destas duas cabanas a espaços de habitação? Sinceramente parece-nos que não até
porque o espólio cerâmico relacionado com atividades domésticas comuns exumado
nessa área foi escasso (Almeida CAB et alii 2008a, 23). Esta é de resto também a
opinião dos autores do Relatório Final que admitem a possibilidade destas duas cabanas
terem funcionado como estruturas de armazenamento o que a ser verdade as colocaria
indubitavelmente na rota dos caniços ou em algo do género, como por exemplo os
celeiros que se documentam arqueologicamente já na Idade do Ferro (Almeida CAB et
alii 2008a, 23-24 e 45).
Quanto ao celeiro, devemos referir que o termo presta-se a qualquer sistema de
armazenamento, sendo o mesmo empregue com frequência no Período Medieval, de tal
modo que é até possível identificar para esta fase os principais centros de

52
aprovisionamento de cereais. Entre outras referências, sabemos a partir da leitura das
Inquirições de 1258 que Darque, Serreleis, Deocriste, Ponte de Lima, Santo Estevão,
Fojo Lobal, Parada, Grovelas, Britelo e Lindoso, entre outros, eram locais privilegiados
de receção e armazenamento do cereal proveniente do pagamento das rendas (Marques
1978, 112)65. Para períodos mais recentes o celeiro é sem sombra de dúvida o
espigueiro, o sequeiro e o varandão, contudo, se recuarmos no tempo,
fundamentalmente ao período Calcolítico e à Idade do Bronze, o celeiro será também
certamente o silo, mas não só. Esta ideia advém-nos pois do que a Arqueologia advoga
para a vigência da Idade do Ferro. Neste período histórico verifica-se no registo
arqueológico a diminuição da popularidade do silo, o que se evidencia na raridade dos
seus achados66. Tal poderá estar relacionado com a preferência por uma outra estrutura,
o Celeiro no sentido restrito do termo, sendo que o mesmo pode ter como antecessor
precisamente os tais buracos de poste encontrados em Cimalhas fora do espaço
amuralhado e na envolvência da área de silagem. Este tipo de estrutura, agora na
vigência da Idade do Ferro, foi detetado por Brochado de Almeida no Castelo Faria, em
Barcelos, e no castro de São Lourenço, em Esposende (Almeida CAB et alii 2008b,
130). Aqui encontrou este arqueólogo nos meandros das vivências castrejas uma
estrutura completamente diferente das habitações circulares (Fig. 56). Este especialista
fundamenta a sua opinião num conjunto de especificidades muito próprias do edifício,
as quais passam num primeiro momento pelo facto de no seu interior se ter encontrado
in situ, cravados sobre o terreno natural, duas mós circulares com sinais de enorme
desgaste, o que evidência que aqui se praticava também a moagem (Almeida CAB et
alii 2008b,130). De relevo, segundo Brochado de Almeida, é também a traça
arquitetónica e os aspetos morfológicos do edifício, os quais pouco têm a ver com as
demais habitações castrejas. Como elementos distintivos entram por exemplo a planta
oblonga, ou próximo disso, assim como a fixação da entrada situada a um plano mais
elevado do que aquele que se verifica no comum das habitações castrejas (Almeida
CAB 2008b, 130-131)67.
65
De acordo com Oliveira Marques, na sua obra Introdução à História da Agricultura
em Portugal, com exceção dos grandes aglomerados populacionais, nomeadamente
Guimarães, Ponte de Lima e Prado, todos os demais celeiros se situavam em aldeias
insignificantes (Marques 1978, 113).
66
Mesmo assim continuam-se a documentar fossas de silagem na Idade do Ferro.
Entre outros casos é o que se passa no castro do Senhor dos Desamparados, em
Esposende.
67
É possível que este tipo de estruturas documentadas por Brochado de Almeida se
enquadrem no princípio dos celeiros e armazéns romanos do Alto Império,
nomeadamente com aquele que a Arqueologia encontrou em Braga e que tinha

53
Os espigueiros, os sequeiros e os varandões, tal como os caniços, mesmo
admitindo que estes sejam ancestrais, estão longe de terem sido os únicos sistemas de
secagem e armazenamento de produtos agrícolas perecíveis. Com efeito, muito antes
destes por aqui perdurou o silo, uma espécie de fossa de boca circular ou semicircular
cavada no substrato rochoso e que na Idade Média recebe a designação de tulha. Quem
o diz e confirma é a Arqueologia que os tem encontrado em vários pontos do Norte do
país e, no caso vertente do nosso estudo, no Entre-Douro-e-Minho e região do Lima
(Fig. 57 e 58).
Como se sabe, a Arqueologia conheceu nas últimas décadas um incremento
considerável do qual resultou a multiplicação de intervenções no terreno e,
consequentemente, a publicação de relatórios finais e estudos mais pormenorizados os
quais têm, grosso modo, contribuído para um melhor conhecimento sobre o tema. Tais
estudos mostram-nos pois a prevalência do silo no tempo, pelo menos até à Idade
Média, como indiretamente nos falam de costumes e práticas ancestrais. No seu
conjunto, as intervenções arqueológicas realizadas e os consequentes estudos e
relatórios finais ajudam-nos a perceber a dimensão das práticas agrícolas e do cultivo
dos cereais, por exemplo se se tratam de produções e armazenamentos pequenos,
provavelmente circunscritos apenas ao consumo interno da comunidade, ou, pelo
contrário, se estamos na presença de grandes produções e armazenamentos o que por
sua vez denota neste caso enorme pujança económica e práticas agrícolas que estão para
lá do autoconsumo. Assim, vejamos o que nos dizem sobre o tema alguns estudos e
relatórios, os quais resultam de algumas intervenções arqueológicas recentes.
Um dos vestígios mais antigos de silos no Norte de Portugal inscreve-se no
Cemitério dos Mouros, um povoado transmontano cuja cronologia mais antiga que se
conhece o coloca no III milénio a.C. O sítio, localizado na freguesia de Abreiro, uma
localidade enquadrada no aro administrativo do concelho de Mirandela, exibe
características suficientes do Período Calcolítico e o mesmo foi intervencionado do
ponto de vista arqueológico no século passado. Dessa intervenção arqueológica resultou
posteriormente o respetivo relatório, assim como a inserção de alguns dos seus dados
num pequeno artigo alusivo à “Contribuição da Antracologia para o estudo dos
recursos florestais de Trás-os-Montes e do Alto Douro durante a Pré-História Recente”
(Figueiral et alii 1998-1999, 71-101). Entre outros assuntos e referências a povoados da

como finalidade armazenar e conservar a curto prazo o cereal (Bustamante Álvarez


2013, 17).

54
região, as autoras, Isabel Figueiral e Maria Jesus Sanches, relevam a notícia de uma “…
fossa que perfurava o solo geológico…”, tendo-se dela recolhido para análise alguns
grãos de cereal, o que indubitavelmente a relaciona com a prática e o costume de se
armazenar no Período Calcolítico o cereal no interior deste tipo de estruturas (Figueiral
et alii 1998-1999, 85).
O achado no Cemitério dos Mouros está longe de por si só se constituir como
um caso único e isolado no panorama da Arqueologia nortenha. Com efeito, vários são,
antes e depois dele, os relatórios e as publicações de cunho arqueológico que nos dão
conta da existência deste tipo de estruturas cavadas no solo um pouco por todo o Norte
do país. Entre outros casos, é o que se passa, por exemplo, em Bitarados, sítio
arqueológico que se fixa nos meandros do alvéolo do planalto de Vila Chã, em
Esposende. Aqui, de acordo com um pequeno artigo publicado em 2003 por Ana
Bettencourt, António Dias, Carlos Cruz e Isabel Silva, além de buracos de poste, que os
autores associam a cabanas, merece destaque a identificação de uma “… fossa de
armazenamento…” na camada 3, ou seja, nos níveis correspondentes ao III milénio
a.C., (Bettencourt et alii 2003, 25-44). Uma vez mais, à semelhança do que já se havia
constatado no espólio exumado do Cemitério dos Mouros, além de vestígios de troncos
e ramos carbonizados, destaca-se o achado de sementes de cereais e bolotas, o que
muito nos diz acerca dos hábitos alimentares, culturas agrícolas e formas de
armazenamento praticados nesta comunidade (Bettencourt et alii 2003, 33).
A tradição de preservar e armazenar a produção agrícola em silos cavados no
substrato rochoso, documentada como vimos para o Calcolítico, perdurou no tempo e
foi prática recorrente ao longo da Idade do Bronze. Tal ilação fundamenta-se num
conjunto de povoados deste período, os quais conheceram intervenções arqueológicas
nas últimas décadas. Fora da região do Lima, podem-se elencar como exemplos os
povoados de Vasconcelos, em Braga, São João do Rei, na Póvoa de Lanhoso, São
Julião, em Vila Verde, e Cimalhas, em Felgueiras (Bettencourt 2005, 25-26). Em todos
eles detetou Arqueologia silos de armazenamento68. Nos meandros do Lima os mais
conhecidos, fruto da realização de algumas escavações arqueológicas, são Regueira, em

68
Boa parte destes povoados apresenta ocupações de transição da Idade do Bronze
para a do Ferro. De destacar ainda o facto de em estações do Ferro Inicial surgiram
também fossas de armazenamento o que indicia claramente a prevalência desta
prática no tempo. Entre outros casos é o que se releva por exemplo de uma
intervenção arqueológica realizada no Castroeiro, em Mondim de Bastos
(Bettencourt 2005, 38).

55
Ponte de Lima, e Penedos Grandes, em Arcos de Valdevez 69. O primeiro é um pequeno
povoado aberto implantado numa elevação que emerge junto a uns campos de cultivo,
tendo como pano de fundo o rio Naboinho. Trata-se, no geral, de um pequeno povoado
expresso em algumas cabanas as quais se associam certamente a poucas famílias. Tal
repercutiu-se na quantidade de fossas cavadas no saibro, cerca de cinco, o suficiente no
entanto para garantir o sustento da comunidade (Almeida CAB 1994, 547-565; Almeida
CAB 2007, 39; Bettencourt et alii 2003, 91-133). Ao povoado da Regueira, em Ponte de
Lima, o único intervencionado no concelho, podem juntar-se os resultados obtidos na
estação Penedos Grandes, localizada na freguesia de Vale, em Arcos de Valdevez. À
semelhança do primeiro, também este povoado acolheu um número diminuto de
famílias o que se evidência nos poucos buracos de poste e pavimentos encontrados. Por
este facto, o número de fossas cavadas no saibro, geralmente de contorno circular ou
semicircular e com perfis ovais, é também diminuto (Bettencourt et alii 2001, 205).
Durante largas décadas o conhecimento arqueológico sobre as estruturas de
armazenamento cavadas no solo baseou-se nos resultados obtidos apenas em pequenos
povoados da Idade do Bronze e do Período Calcolítico. Tais dados, como vimos,
denunciam no geral práticas agrícolas vocacionadas para o autoconsumo de pequenas
comunidades. Porém, surgiram recentemente novos dados que embora não refutem o
conhecimento anterior lhe adicionam uma nova perspetiva: a agricultura extensiva,
destinada a comunidades humanas de dimensões consideráveis e eventualmente até a
trocas comerciais. É o caso da Cimalha. Ao contrário de outros povoados da Idade do
Bronze, a Cimalha, localizada no concelho de Felgueiras, é um povoado de dimensões
consideráveis e que albergava um conjunto numeroso de famílias, isto a julgar pela
quantidade de sepulturas e silos cavados no saibro e que ultrapassam em ambos os casos
a centena. De resto, o espaço apresenta-se aqui bastante organizado do ponto de vista
urbanístico, compreendendo essencialmente três áreas distintas: o núcleo habitacional,
localizado no interior do espaço amuralhado, a área de armazenamento e a necrópole,
estas duas fora do perímetro da muralha (Fig. 59).
69
Na região em estudo abundam fundamentalmente os povoados da Idade do Ferro,
sendo que estes, em muitos casos, como acontece por exemplo em Santo Estevão
(Facha) ou em Santo Ovídio, ambos em Ponte de Lima, conheceram ocupações
durante a Idade do Bronze. A antropização da paisagem nestes casos, posterior à
Idade do Bronze, derruiu os vestígios de estruturas deste período. Noutros casos
porém, subsistem alguns povoados da Idade do Bronze mas que nunca foram
intervencionados, pelo que pouco ou nada se sabe sobre as suas características.
Entre outros é o que se passa por exemplo no alto de Rendufe, onde abundam
cerâmicas típicas deste período e uma muralha, ou em São Lourenço da Armada
(Almeida CAB 2007, 37-40).

56
A riqueza da Cimalha, ao nível do conhecimento arqueológico das estruturas de
armazenamento encontra-se por um lado fundamentalmente no elevado número de silos
cavados no saibro, os quais nos dão uma ideia clara de que era necessário agricultar toda
a região envolvente para os encher. Em geral, os trabalhos arqueológicos aqui efetuados
entre 2004 e 2006 permitiram a localização de 122 fossas de aprovisionamento,
mormente de cereais como atestam as sementes e alguns fragmentos de mós de rebolo e
vaivém retiradas do seu interior (Almeida CAB et alii 2008a, 26). Por outro, ao
contrário do que se verifica noutros povoados, estes de menor dimensão, a intervenção
teve o mérito de identificar várias tipologias e formas de silos. Estes, abertos no saibro,
apresentam abertura circular ou semicircular, variando apenas o diâmetro da mesma,
que nuns casos é estreita e noutros larga. Diferente é também o seu aspeto interior. Pelo
facto de haver aqui um elevado número de silos constatou-se que o interior não é de
facto igual em todos eles. Nuns casos o interior do silo apresenta paredes côncavas e por
vezes bojudas. Noutros, porém, as paredes são verticais e casos há também em que as
mesmas são oblíquas e por vezes até irregulares (Almeida CAB et alii 2008a, 25). De
relevo ainda a este respeito, segundo a equipa de arqueólogos que aqui intervencionou,
em algumas fossas foi detetado no interior vestígios de entalhes escavados nas paredes
de saibro, o que na opinião dos relatores do Relatório Final serviria para colocar uma
tampa de modo a selar e a proteger o conteúdo interior das intempéries e roedores
(Almeida CAB et alii 2008a, 32).
Além da forma, diâmetro e aspeto interior dos silos, no caso do povoado da
Cimalha merece também relevo a profundidade e capacidade de armazenamento dos
mesmos (Fig. 60). Uma vez mais, a quantidade de silos aqui encontrados, ao contrário
do que se verifica em povoados de menor pujança e dimensão agrícola, permitiu
identificar essencialmente três tipos, isto de acordo com a sua profundidade e
capacidade de armazenamento. A este respeito os autores do Relatório Final dividiram-
nos em três grandes grupos os quais se repartem no seguinte modo: silos de pequena
profundidade, silos de média profundidade e silos de grande profundidade. Os silos de
pequena profundidade apresentavam capacidades de armazenamento inferiores a 300
m3, enquanto os silos de média profundidade, a maioria, cerca de 38% do total,
possuíam capacidades que variavam entre os 300 e os 600 m3. Por fim, o último grupo,
o de maior capacidade. Este, o menos numeroso, apresentava capacidades de
armazenamento superiores a 600 m3. Ainda a este respeito, tendo em conta o Relatório
Final a média de armazenamento no povoado da Cimalha rondaria os 400 a 500 m3,

57
valores que se forem multiplicados pelo número total de silos detetados permite
concluir-se que a capacidade total de armazenamento atingiria valores de grandeza na
ordem dos 48.880 a 61. 000 litros, o que é enormidade para o período em questão,
sobretudo se se quiser alinhar pela tese daqueles que defendem ser por esta altura a
agricultura pobre e incipiente (Almeida CAB et alii 2008a, 31). Com efeito, mesmo
admitindo que nem todos estes silos são contemporâneos, o que de facto se verifica, a
verdade no entanto é que a capacidade de armazenamento revelada no povoado da
Cimalha não se coaduna com a existência de uma agricultura pobre e incipiente, bem
pelo contrário. Na verdade, os números revelados são a prova evidente de que já na
Idade do Bronze se praticava, pelo menos em alguns povoados mais pujantes, uma
agricultura extensiva e muito provavelmente vocacionada para o mercado.
O silo enquanto sistema popular e privilegiado para o armazenamento de
produtos agrícolas perdurou na região do Lima com maior ou menor evidência
arqueológica pelo menos até aos finais da Idade Média70. A sua prevalência no tempo
documenta-se nas inquirições de 1220 e 1258 assim como do ponto de vista
arqueológico nuns terrenos contíguos à igreja de Santa Maria de Geraz do Lima, em
Viana do Castelo71. Aqui, fruto de uma intervenção nascida nos alvores de 2011, uma
equipe de arqueólogos, dirigida por Brochado de Almeida, pôs a descoberto nos níveis
medievais um número significativo de fossas cavadas no saibro, cerca de vinte e uma, e
que no essencial pouco ou nada diferem das que se encontraram no povoado da Cimalha
(Fig. 61). No geral, estas reportam-se às célebres tulhas e celeiros referidos na
documentação medieval, ou seja, utilizando a feliz expressão de Oliveira Marques,
“silos e celeiros encovados” (Marques 1978, 116)72.

70
Em concreto desconhecemos na região a existência deste tipo de estrutura na
Idade do Ferro o que não quer dizer que as mesmas não tenham existido. De acordo
com Oliveira Marques o silo, a que chama tulhas ou covas subterrâneas, foi
costume que persistiu em Espanha até ao século XX (Marques 1978, 111).
71
Agradecemos aqui a informação que nos foi facultada pelo Doutor Brochado de
Almeida a respeito desta escavação.
72
Entre outros, segundo Oliveira Marques que estudou o tema do ponto de vista
documental com alguma profundidade, no período medieval havia, para além das
tulhas, outros sistemas de armazenamento como por exemplo caves e paióis
(Marques 1978, 117). Para a nossa área em estudo na produção documental
histórica pode-se relevar o caso de Diogo Dias Colaço que em 1552 faz Prazo de uns
terrenos pertencentes ao mosteiro de Vitorino no lugar do Castelo (Santa Leocádia
de Geraz do Lima). No Prazo entre outras indicações diz-se que a habitação é “casa
terrea telhada ha metade e a metade colmaça”, serve de moradia e de celeiro e por
detrás da mesma uma eira cerrada (ADB, Fundo Monástico-Conventual, Salvador de
Braga, Livro 32 – Tombo de Vitorinho das Donas, 1595, fl. 255; Araújo 2013)

58
De acordo com a Arqueologia, ao longo da história o armazenamento de cereais
não passou somente pelo silo, pelo espigueiro ou pelos sequeiros e varandões. Em geral,
a Arqueologia vem documentando outras formas e sistemas de armazenamento, sendo
que os mesmos em determinados períodos foram até dominantes ou pelo menos
complementares. Vejamos então.
Entre os sistemas de armazenamento mais antigos que se conhecem encontra-se
também a cestaria73 e a cerâmica. No primeiro caso – a cestaria – poucas são as provas
da sua existência uma vez que se trata de um utensílio feito a partir de materiais
perecíveis e que por esse facto ausenta-se com facilidade do registo arqueológico. Ainda
assim, próximo do Lima, é possível identificar alguns indícios da sua existência. Sem
prejuízo de outras evidências, relevamos aqui o achado de uns parcos “… fragmentos
de madeira lavrada carbonizada” que na opinião de Brochado de Almeida poderão
estar relacionados com recipientes feitos com materiais perecíveis (Almeida CAB
2008b, 145). Esta de resto não é opinião única uma vez que já Carlos Alberto Ferreira
de Almeida admite a existência de recipientes em madeira mas para a Idade do Ferro e
Idade Média (Almeida CAF et alii 1981, 22). Independentemente deste aspeto, o qual é
de difícil aferição pela sua perecidade, certo é que a cestaria, utilizada para transporte e
armazenamento de produtos, está documentada nesta região. A ela se refere, entre
outros, Estrabão que na construção narrativa sobre os povos que aqui viviam nos diz
que “… usavam vasos lavrados em madeira como os Keltoi…” (Estrabão, 3-7).
Ao contrário do que se passa com a cestaria, a Arqueologia conhece muito bem
no Lima e não só os recipientes cerâmicos e suas utilidades em diferentes períodos
históricos. Os mais antigos remontam mormente ao Calcolítico e os mesmos aparecem
fundamentalmente em contextos tumulares, situação que de resto se repete em alguns
povoados da Idade do Bronze como por exemplo acontece em Cimalhas, donde se
retirou de sepulturas cavadas no solo cerca de 118 vasos (Fig. 62) (Almeida CAB et alii
2008a, 44; Marques 2012, 156). Tal porém não significa que o homem nestes períodos
desconhecesse a utilidade da cerâmica como utensilio de cozinha e armazenamento pois
que no registo arqueológico nos surgem fragmentos de taças, por vezes carenadas, de
potes e, entre outros, de panelas de asas interiores. Apesar desta nota, certo é que fora de
contextos rituais os indícios cerâmicos são de facto escassos na esmagadora maioria dos
povoados intervencionados (Bettencourt 2005, 26-27; Almeida CAB 2008b, pág. 156).
73
Para épocas mais recentes, ao nível das estruturas de armazenamento de cereais,
mormente aqui já moído, destacam-se entre outros as arcas de madeira, as quais
serão porventura antigas também (Dias et alii 1961, 19).

59
Apesar desta contrariedade é possível dizer com segurança absoluta que o homem, pelo
menos na Idade do Bronze, já utilizava recipientes cerâmicos para armazenar produtos
agrícolas perecíveis, nomeadamente cereais. Esta ilação recolhe-se arqueologicamente
no povoado da Regueira (Ponte de Lima), onde fruto de várias intervenções aí
realizadas, se permitiu a exumação de dois vasos cerâmicos com razoáveis dimensões
(Fig. 63). São, em ambos os casos, recipientes de fabrico manual com pastas arenosas e
texturas grosseiras. A sua cozedura é de qualidade mediana e apresentam acabamento
interno e externo alisado. Apresentam cor castanha clara e manchas escuras na parte
exterior, muito provavelmente em virtude da cozedura de que foram alvo. No caso do
primeiro vaso, o bordo é ligeiramente vazado e o lábio apresenta-se arredondado
enquanto o colo é relativamente pequeno e pouco acentuado. Diferente é o segundo
vaso nos pormenores. Entre outros aspetos, de menor relevo certamente, destaca-se aqui
as suas paredes, por serem de um castanho alaranjado, assim como o bordo, esvasado e
de lábio horizontal com cordão plástico disposto na horizontal sobre o colo (Bettencourt
et alii 2004a, 96).
A função utilitária da cerâmica é, no registo arqueológico de várias estações,
variável. Em geral, no acervo arqueológico, sobretudo castrejo e romano, abundam
diferentes recipientes, sendo que uns se destinam à cozinha e outros ao transporte e
armazenamento de produtos. No caso dos primeiros, sobressaem por exemplo as
panelas de suspensão com asa interior para ir ao lume, as panelas de asa em orelha,
assim como pequenas taças e vasos campanulados que entre outras funções serviam
também para beber (Almeida CAB 2008b, 146). Em relação aos segundos, aqueles que
nos interessam, destacam-se fundamentalmente a partir do século II a.C., altura em que
se dá a introdução da roda de oleiro, vasos de maiores dimensões, os quais se destinam
fundamentalmente ao aprovisionamento de cereais e líquidos (Almeida CAB 2008b,
146). É o caso sobretudo das ânforas, estas fundamentalmente para o aprovisionamento
e transporte de líquidos, e os dolia, ambos documentados em várias estações
arqueológicas como por exemplo Terronha, em Cardielos, Moldes, em Castelo de
Neiva, Roques, em Vila Franca, Calvário e Vieito, ambos em Perre, Peso, em Santa
Leocádia de Geraz do Lima, Santa Maria de Geraz do Lima, “Cidade Velha”, em Santa
Luzia, Santo Estevão e Prazil, na Facha, etc. Além destes merece certamente também
uma referência especial o vaso de Época Castreja encontrado no castro de Moldes, em
Castelo de Neiva, Viana do Castelo, pelas dimensões que apresenta. Tendo em conta o

60
porte e dimensões, este vaso foi certamente um recipiente de armazenamento (Fig. 64 e
65) (Almeida, CAB 2008b, 172).

IV – SISTEMAS TRADICIONAIS DE MOAGEM NA REGIÃO DO LIMA –


origens, evolução e caracterização

A agricultura na região do Lima, de acordo com o conhecimento científico atual,


surgiu em meados do V milénio a.C., e a ela se associou, logo nos primeiros tempos, o
cultivo dos cereais, designadamente o trigo e a cevada74. A produção destes cereais, tal
como noutras partes do globo, onde a agricultura fez também a sua aparição, destinar-
se-ia à produção de papas e de pão, estes incorporados agora na dieta alimentar das
comunidades agro-pastoris que lentamente foram abandonando as práticas e os
costumes paleolíticos. Tal destino porém – a fabricação de papas e de pão, este
provavelmente mais recente que o primeiro – implicava o prévio descasque e
esmagamento do grão, pelo que o início da moagem do cereal na região do Lima deverá
remontar a este período. Assim, como objetivo do presente trabalho propõem-se, neste
capítulo, a identificação, a evolução e a caracterização do ponto de vista arqueológico
dos sistemas de moagem aqui dominantes.
À luz do conhecimento arqueológico atual sabemos que as primeiras
comunidades agro-pastoris socorreram-se essencialmente de duas práticas para moer o

74
Tal está documentado nas mamoas do Alto da Portela do Pau, em Castro
Laboreiro, Melgaço.

61
cereal, a saber: o ato de esfregar e a trituração. O ato de esfregar era feito
primitivamente com recurso a duas pedras, uma fixa e côncava, e outra móvel, o rebolo,
normalmente pequeno, polido e afeiçoado de maneira a que o mesmo pudesse ser
agarrado com ambas as mãos (Fig. 12 e 13). O seu funcionamento era de resto muito
simples: o cereal, depositado na parte côncava, era esfregado com o rebolo através de
um movimento contínuo de vaivém, resultando com o mesmo a farinha. Quanto ao ato
de triturar o mesmo era feito com recurso a um almofariz e a um pilão (Fig. 14). Este
sistema implicava pois a existência de uma pia côncava, o almofariz propriamente dito,
normalmente pequeno, circular ou semicircular e relativamente profundo, e um pau, isto
é o pilão. Assim, o cereal – depositado sobre a pia – era triturado por um pilão através
de batidas sucessivas. Em resumo, destes dois atos, que têm em si a mesma finalidade,
isto é, a transformação do grão em farinha, resultaram pois dois instrumentos
complemente distintos: a mó de rebolo e o almofariz (Oliveira et alii 1983, 12).
Estes dois sistemas de moagem, primitivos é certo, pois ambos aparecem no
contexto arqueológico dos primórdios da agricultura, têm disputado entre si a
primordialidade cronológica e despertado com isso acesa discussão no seio da
comunidade científica. No caso da investigação portuguesa as posições assumidas
quanto à primordialidade de um ou outro sistema, ou até dos dois em simultâneo,
podem, grosso modo resumir-se no essencial a três. A primeira, preconizada por um
conjunto de investigadores, entre os quais se contam Jorge Dias e Mário Cardoso,
considera que o sistema de moagem mais antigo passava pelo ato de esfregar, logo as
mós de rebolo e vaivém que aparecem nas estações arqueológicas são mais antigas que
os sistemas baseados na trituração (Oliveira et alii 1983, 11). A segunda corrente sobre
o tema, que tem como figura de proa Nelson Borges, defende precisamente o contrário,
isto é, para esta o almofariz é, em relação à mó de rebolo, cronologicamente mais antigo
(Borges 1981a, 43)75. Posição mais conciliadora têm Ernesto Veiga de Oliveira,
Benjamim Pereira e Fernando Galhano. Para estes investigadores é provável que tanto
um sistema como o outro sejam cronologicamente contemporâneos pois os mesmos
aparecem nas estações arqueológicas. Nesse sentido, estes especialistas colocam a

75
Em termos concretos, Nelson Borges defende que a moagem primitiva passava
pela combinação de dois atos, o esfregar e o triturar. Com o evoluir dos tempos
estas duas práticas separaram-se e deram origem a dois instrumentos distintos: as
mós de rebolo e vaivém e os almofarizes. Segundo Nelson Borges, baseando-se nos
resultados de algumas estações arqueológicas do Médio Oriente, o almofariz é o
sistema mais antigo pois o mesmo é quem aparece em primeiro na cultura
Natufense (Borges 1981a, 37-43).

62
possibilidade de ambos os sistemas serem complementares, isto é, o almofariz seria
utilizado no descasque prévio do grão e numa trituração mais grossa do mesmo,
enquanto o rebolo estaria destinado a uma moagem mais fina e cuidada (Oliveira et alii
1983, 11).
A discussão em torno do sistema mais antigo de moagem, patente nas três
posições que sucintamente descrevemos, apesar de lógicas e fundamentadas não é capaz
de solucionar por si o problema. É provável até que nunca se venha a descobrir qual foi
de facto o sistema mais antigo de moagem utilizado pelas primeiras comunidades agro-
pastoris, contudo, quanto a nós, as raízes de tais sistemas não se encontram nos
primeiros tempos da agricultura mas nos tempos anteriores a esta.
O ato de esfregar, tal como o de triturar, numa perspetiva redutora e até primária,
é inerente ao ser humano. A ele recorre frequentemente o homem desde as suas origens,
através da dentição para esfregar, triturar e moer os alimentos que leva à boca. Assim, é
possível que o homem tenha partido da sua realidade biológica para produzir
instrumentos que o ajudassem a moer aquilo que metia na boca. Tais instrumentos,
sobretudo aqueles que são feitos em pedra, são bem conhecidos dos arqueólogos que,
grosso modo, lhes atribuem cronologias paleolíticas.
Na área em estudo, a bacia hidrográfica do rio Lima, abundam instrumentos
líticos paleolíticos. Tais instrumentos pressupõe técnicas de percussão, esfregamento,
trituração e moagem, ainda que esta última não se refira ao cereal. As comunidades
paleolíticas que aqui se instalaram produziram pois lascas, núcleos, pontas de seta,
trituradores e, entre outros, bifaces, estes de resto os mais abundantes na região,
sobretudo nas praias de Carreço, Afife e Rodanho. Tais instrumentos, de acordo com os
estudos elaborados por diversos especialistas no assunto, eram utilizados nas atividades
cinegéticas e piscívoras, assim como na preparação do peixe, no retalhamento da carne
dos cervídeos caçados, no tratamento das suas peles e no esmagamento das sementes
mais grossas que ingeriam (Almeida CAB 2008b, 51). Em suma, os atos de moer,
triturar e esfregar são mais antigos que os primórdios da agricultura.
Do exposto aqui fica pois claro, quanto a nós, que os sistemas primordiais de
moagem de cereal resultam de conhecimentos e práticas anteriores à agricultura,
contudo não se julgue, pelo exemplo que aqui demos, que tal evolução se deu no seio
das comunidades agro-pastoris que se estabeleceram em torno do Lima. Como se sabe,
os sistemas de moagem são muito mais antigos que a agricultura aqui, pois os mesmos
surgem no registo arqueológico das primeiras aldeias neolíticas do Médio Oriente, as

63
quais datam sensivelmente do décimo e nono milénio a.C. (Toussaint-Samat 2009, 116).
Assim, os sistemas primordiais exumados nas estações arqueológicas da região do Lima
não resultam de uma qualquer evolução de pensamento, mas sim da importação de um
conhecimento há muito praticado noutras áreas do globo.
Tal como noutros pontos do país e áreas do globo, os sistemas primordiais de
moagem de cereal encontrados na região do Lima são, grosso modo, condizentes com o
ato de esfregar e triturar. A dúvida porém, no que respeita a saber qual é o sistema mais
antigo, ou se são os dois contemporâneos nas suas origens, resulta fundamentalmente da
falta de informação arqueológica. Como se sabe, a Arqueologia do século XIX e de boa
parte do século XX preocupou-se mais com o artefacto do que com a escavação e o
registo científico e metódico das estações. Daqui resultou pois a falta e a omissão de
informação, sobretudo de cronologias e locais de proveniência de muitos objetos que se
encontram à guarda do Museu Municipal de Viana do Castelo. É, entre outros, o caso
dos almofarizes. Sabemos que existiram nesta região, pois encontram-se no Museu
Municipal de Viana do Castelo, calculámos até que os mesmos se relacionam como os
povoados da região, mas desconhecemos por completo, em alguns casos, as suas
cronologias e se são ou não contemporâneos das mós de rebolo no que às origens diz
respeito. Independentemente deste aspeto, tendo em conta o conhecimento arqueológico
produzido até ao momento na região, é possível traçar, com razoável certeza e
segurança, um quadro cronológico e evolutivo dos sistemas de moagem na região do
Lima, assim como apontar as suas principais características.
A agricultura nesta região foi antes e depois da cultura Castreja, pelo menos até
ao advento da romanização, uma atividade de subsistência 76. Assim, e no que aos
sistemas de moagem diz respeito, sabemos, em concreto, que o modelo de mó manual, a
mó de rebolo e vaivém, é o mais utilizado nesta região até pelo menos ao século II a.C.,
tal é a sua quantidade nos registos arqueológicos até esse período (Almeida CAB et alii
2009, 107).
Em termos concretos, os vestígios mais antigos de moagem baseados nos
sistemas primordiais atrás descritos, remontam pelo menos ao Calcolítico e à Idade do
Bronze. Tais sistemas, sobretudo as mós de rebolo e vaivém, aparecem em alguns
povoados desse período, nomeadamente em Bitarados (Esposende), Regueira (Ponte de

76
Bom exemplo disso, pelo menos para os primórdios da agricultura na região, são
os povoados Calcolíticos e da Idade do Bronze, os quais, pelos vestígios da cultura
material, sobretudo silos, parecem restringir-se a um número muito diminuto de
habitantes.

64
Lima), e Penedos Grandes, no concelho de Arcos de Valdevez (Bettencourt et alii 2003,
33; Bettencourt 2004a, 96; Bettencourt et alii 2000-2001, 209). Além dos exemplares
encontrados nestas estações merece igualmente destaque um outro exumado numa
mamoa sediada no lugar do Monte, em São Paio de Antas, Esposende, localidade que
fica nas proximidades da Ribeira Lima pois dela dista apenas 15 km. No local,
conhecido também por Agra de Antas, encontrou Brochado de Almeida nos anos oitenta
junto a uma mamoa o fragmento de “… uma mó de sela bastante desgastada pelo muito
uso que teve…” (Almeida CAB 1986, 43). De acordo com este especialista é possível
que a mesma provenha da couraça ou mesmo da câmara funerária, que se encontra
violada, pelo que a ser verdade será porventura um dos mais antigos vestígios de
moagem na região. Apesar desta possibilidade, fica-nos contudo uma dúvida: a que
época pertencerá este fragmento de mó? Ao Calcolítico ou à Idade do Bronze? É que na
região várias são as mamoas de Época Calcolítica reutilizadas durante a Idade do
Bronze (Almeida CAB 1986, 39-59). Em todo o caso, embora subsistam dúvidas quanto
à sua cronologia, dois pontos de análise podem ajudar ao seu esclarecimento. Em
primeiro: se a mó fizer parte da couraça então é provável que a mesma esteja
relacionada com o momento da sua construção. O segundo ponto tem a ver com um
outro caso, de resto bastante semelhante a este. Em Canidelo, Vila do Conde, anos antes
do achado do Professor Brochado de Almeida, recolheu o Abade Sousa Maia também
uma mó junto a uma antela – Antela das Alminhas (Maia 1908, 619-625). Fora da
Ribeira Lima mas enquadrado no aro territorial do Entre-Douro-e-Minho, pois o mesmo
não nos é indiferente neste estudo, entre outros casos, destacamos o povoado da
Cimalha, em Sernande, Felgueiras, em cuja intervenção arqueológica tivemos a
oportunidade de participar. Neste povoado, com datação atribuível ao Bronze Médio e
Final, apareceram algumas mós de rebolo e vaivém bastante rudimentares, uma delas in
situ, isto é, no interior de um silo de armazenamento de cereal (Fig. 15) (Almeida CAB
et alii 2008a, 32)77. Enfim, à falta de melhores dados para os primeiros tempos da
moagem na região do Lima, sabemos, pelo menos, que entre o Calcolítico e a Idade do
Bronze já se utilizavam para moer o cereal as mós de rebolo.
A predominância da mó de rebolo e vaivém não se circunscreve somente ao
Calcolítico e à Idade do Bronze. Este sistema perdurou no tempo e o mesmo aparece no
registo arqueológico de vários povoados conotados com a Idade do Ferro e com a
77
Neste povoado da Idade do Bronze releva-se o facto de apenas se ter encontrado
durante a intervenção arqueológica mós de rebolo e vaivém. O almofariz parece
estar aqui ausente.

65
própria Idade Média (Almeida CAF et alii 1981; Almeida CAB et alii 2009, 137 e 173).
Exemplos disso mesmo têm sido pois recolhidos em diversos povoados
intervencionados (Fig. 16). Em Santa Leocádia de Geraz do Lima, por exemplo, no
centro paroquial e social, encontra-se exposto o fragmento de uma mó de sela exumada
no castro do Peso e que data da Época Castreja (Viana 2009, 206). Em Santa Maria,
entre outros artefactos exumados, o destaque vai para uma pequena mó naviforme
altimedieval (Fig. 17). Esta peça, que hoje se encontra hoje exposta na sala-museu da
igreja, tem similitudes com outros exemplares ibéricos, nomeadamente com os de
Época Castreja o que atesta a longa diacronia e vigência deste sistema. O “moleiro”,
ajoelhado, aconchegaria entre as pernas a mó e com o rebolo esfregava o cereal
resultando daí a farinha (Oliveira et alii 1983, 12). Por último, dentro da mesma
perspetiva, o caso de Santo Estevão, na freguesia da Facha, Ponte de Lima, um povoado
com larga cronologia, pois o mesmo estende-se da Idade do Bronze à Idade Média 78.
Aqui, de acordo com a equipa de arqueólogos que escavou esta estação, boa parte das
mós oblongas de vaivém79 foram encontradas nos níveis castrejos e medievais (Almeida
CAF et alii 1981, 21 e 35). Em suma, de acordo com os resultados obtidos em algumas
estações arqueológicas da região é possível afirmar com razoável segurança que o
sistema de moagem baseado no acto de esfregar perdurou pelo menos até à Idade
Média.
Além das mós de rebolo e vaivém, também os almofarizes têm feito a sua
aparição no registo arqueológico, ainda que em menor número. Apesar da limitação de
dados, que resulta como vimos do desconhecimento cronológico e proveniência de
alguns exemplares que se encontram à guarda do Museu Municipal de Viana do Castelo,
sabemos da existência de uns quantos. Desde logo o belo artefacto castrejo extraído na
“Cidade Velha” (Fig. 18), e depois um almofariz medieval em vidrado de chumbo com
tons verdes e com cerca de 50 cm de diâmetro e 30 de fundo e que foi recentemente
encontrado numa intervenção arqueológica realizada junto à igreja de Santa Maria de

78
Se tivermos em conta a capela da Senhora da Rocha e as habitações nas
proximidades então termos de dizer que a ocupação do espaço vem até aos dias de
hoje.
79
Carlos Alberto Ferreira de Almeida coloca a possibilidade destas mós se
relacionarem mais com a moagem de pedra mineral do que com a trituração de
grãos farináceos (Almeida CAF et alii 1981, 4). Ainda que tal seja verdade, pois na
região existem indícios de mineração, é de admitir que as mesmas foram utilizadas
na moagem de cereais tanto mais que no povoado surgiram várias sementes,
sobretudo de milhos-miúdos.

66
Geraz do Lima80. Um outro caso tem a ver com uma escavação arqueológica realizada
nos anos 80 do século passado em São João de Ester (Chafé) e que foi dirigida por
Abreu Lima. Do local, sede de uma pequena paróquia da Baixa Idade Média, além dos
alicerces de casas postos a descoberto, da extração de alguns esqueletos ainda intactos e
de umas quantas moedas e fragmentos cerâmicos, alguns romanos até, retirou-se um
almofariz (Almeida CAB 2008b, 38). Além destes casos releve-se na investigação
arqueológica o achado em alguns povoados da região de pias circulares cavadas na
rocha e que muito provavelmente serviram como almofarizes. Entre outros exemplos,
destacamos aqui a pequena “… pia circular…” cavada na rocha posta a descoberto pela
equipa que participou nas escavações do castro São Estevão (Facha, Ponte de Lima) e
que tem bastantes similitudes com as que se encontram na cividade de Âncora (Almeida
CAF et alii 1981, 35). Fora da região do Lima, entre outras estações arqueológicas de
relevo, destaque para os resultados obtidos em Monte Mozinho, Penafiel. Aqui, entre
outros objetos exumados, muitos dos quais de elevada qualidade, merece-nos destaque
os “… almofarizes de paredes fortes, internamente estriadas ou ásperas, [onde]
esmagam-se e fazem-se preparados…” (Soeiro 1999, 29). Enfim, como se vê, o ato de
triturar, mesmo que não aplicado em certos casos à moagem de cereais, era bem
conhecido.
A partir do século II a.C., de acordo com o registo arqueológico da época, surge
na região do Lima um novo sistema e mecanismo de moagem que é em tudo diferente
ao que até então aqui se fazia e praticava. Falámos pois, muito claramente, no advento
do moinho manual rotativo, também conhecido como moinho romano e que grosso
modo não figura nas estações arqueológicas anteriores a este período (Almeida CAB et
alii 2009, 137). Esta tipologia de moinho, que se acredita ter surgido no Próximo
Oriente nos finais do II milénio a.C., foi divulgada na Europa, primeiro pelos gregos e
depois pelos romanos, pelo que no caso vertente da região em estudo deverão ter sido os
segundos a introduzi-los aqui (Almeida CAB et alii 2009, 137). Trata-se, no essencial,
de um sistema constituído por duas peças, duas pedras circulares, picadas, polidas,
sobrepostas e unidas entre si por um eixo de modo a evitar que o dormente – pedra
circular inferior – descarrilasse. Na pedra circular superior, isto é, no movente

80
Informação gentilmente cedida pelo Professor Brochado de Almeida a quem desde
já agradecemos. Com respeito ao almofariz propriamente dito, é certo que o mesmo
não se destinava à moagem de cereais, contudo o seu aparecimento arqueológico
por aqui demonstra de forma clara e inequívoca que o processo era conhecido.

67
propriamente dito, colocava-se, sobre a parte superior ou lateral 81, num orifício ou
cavidade circular aberto para o efeito, um cabo de madeira que assumia a função
volante (Fig. 19) (Oliveira et alii 1983, 25). Desta forma, no essencial, este sistema
introduziu duas novidades. Em primeiro, o movimento giratório assegurado por um
movente através de um cabo de madeira e em segundo a moagem obtida pelo método
abrasivo e que era completamente oposta aos atos de esfregar e triturar típicos das mós
de rebolo e vaivém e dos almofarizes82.
Quando comparado o funcionamento dos três sistemas de moagem utilizados
pelo menos até ao advento dos moinhos hidráulicos, constata-se que o moinho manual
rotativo é de longe o mais fácil de manejar. Tal sistema exigia um esforço humano
menor e permitia que se obtivesse um produto final muito melhor, isto é, uma farinha
mais fina e cuidada. Estas serão porventura, quando aliados ao aumento da superfície
agrícola e cerealífera, sobretudo no decurso da dominação romana e depois dela, as
principais razões que justificam o sucesso e a abundância destes mecanismos de
moagem em várias estações arqueológicas da região do Lima. Exemplos disso mesmo,
sobretudo para o período romano, recolheram-se em povoados como a “Cidade Velha”
(Fig. 20), a cividade de Âncora (Fig. 21), o castro de Santo Estevão, o castro do Peso
(Santa Leocádia de Geraz do Lima), o castro do Vieito (Perre), o lugar do Paço e do
Outeiro (Alvarães), assim como nos sítios da Padela e São João (Anha) 83. Fora da
Ribeira Lima, mas ainda assim dentro do aro territorial do Entre-Douro-e-Minho, sem
prejuízo de outras estações arqueológicas, destacamos os exemplares obtidos nas
citânias de Briteiros e Sanfins, assim como em Monte Mozinho (Soeiro 1999, 23)

81
A colocação do volante na parte superior ou lateral do movente corresponde a
duas tipologias de moinhos manuais rotativos, a saber: moinho de punho horizontal
e moinho de punho vertical (Oliveira et alii 1983, 27). Nas estações arqueológicas
da Ribeira Lima o modelo que subsiste é o primeiro, contudo sabemos que o
segundo vingou em algumas partes da Península Ibérica pois conhecemos pelo
menos um exemplar desse tipo e que se encontra exposto no Museu Municipal de
Ávila, Espanha.
82
Nelson Borges considera que este sistema, baseado no movimento rotativo, pode
ter origens no movimento de vaivém ou no almofariz. Neste último caso, segundo o
mesmo autor o almofariz ter-se-ia transformado numa espécie de prato e o pilão
num disco. Ernesto Veiga de Oliveira, tendo como ponto de análise os argumentos
preconizados por Nelson Borges, considera mais aceitável a primeira solução isto é,
o movimento rotativo teria derivado das mós de rebolo (Borges 1981b, 63; Oliveira
et alii 1983, 25).
83
Sobre estes e outros locais arqueológicos, sobretudo os respeitantes ao concelho
de Viana do Castelo, vide: ALMEIDA CAB – Sítios que fazem história: Arqueologia
do concelho de Viana do Castelo, da Pré-História à Romanização, Câmara Municipal
de Viana do Castelo, 2008b.

68
A longevidade deste novo sistema de moagem – o moinho manual rotativo –
parece ser um facto, sobretudo no Período Altimedieval e Medieval. A afirmação de tal
ideia advém-nos dos resultados obtidos em algumas intervenções arqueológicas
realizadas na região, senão vejamos.
Santa Maria de Geraz do Lima, outrora sede do antigo concelho de Geraz,
compreende no espaço circundante com a igreja vestígios de várias épocas, os quais vão
do Castrejo, passam pelo Romano e, em termos ocupacionais e vivenciais do espaço,
encerram-se na Idade Média. Aqui abundam fragmentos cerâmicos, sepulturas, muros e
alicerces de casas circulares e retangulares, as quais nos deixam adivinhar um
povoamento deveras ancestral e contínuo (Almeida CAB 2008a, 291-293). Sem
prejuízo de outros elementos, numa intervenção arqueológica aqui realizada em 2011
por João Soares e coordenada pelo Professor Brochado de Almeida, relevam-se no
registo arqueológico Altimedieval e Medieval cerca de vinte e um silos de
armazenamento de cereais cavados no solo, e alguns moinhos manuais rotativos, este
agora conotado com a Alta e a Baixa Idade Média. Em suma, um caso, um exemplo
portanto que atesta perfeitamente a longevidade deste sistema e certamente muitos
outros existirão mas que só poderão advir de futuras intervenções arqueológicas.
A popularidade que o moinho manual rotativo romano logrou ter entre as
comunidades agrárias da Ribeira Lima e áreas circundantes não invalidou o
aparecimento de outros sistemas e mecanismos de moagem na região. É o caso, por
exemplo, das atafonas84, que sabemos terem aqui existido (Fig. 22). As referências
documentais, tal como os vestígios arqueológicos, são quase nulos, contudo com algum
esforço é possível identificar e provar não só a sua existência como também os seus
eventuais locais de implantação. Tais indícios encontram-se patentes em alguns
topónimos e documentos, estes sobretudo referentes à Época Moderna. A respeito destes
segundos – os documentos – veja-se o que os mesmos nos dizem sobre a porta oriental
da antiga muralha da cidade de Viana e que ficava situada ao fundo da rua de São Pedro.
De acordo com o Padre Carvalho da Costa em 1706 esta porta – a oriental – tinha duas
designações, a saber: Porta da Piedade e Porta das Atafonas (Costa 1706, 190; Aurora
84
O seu aparecimento deu-se na Grécia no decurso do século III a.C. Trata-se, no
essencial, de um deveras sistema engenhoso, pois utiliza mós giratórias de
dimensões e peso consideráveis, isto quando comparadas com as pequenas mós
manuais de rebolo e vaivém, e funcionava com base na tração animal. Em termos
gerais pode dizer-se que é a primeira máquina de produção industrial propriamente
dita a utilizar uma força motriz que não a humana, pelo que com ela alteraram-se,
radicalmente, as tradicionais formas e relações de produção que até então se
conheciam e praticavam (Oliveira et alii 1983, 44).

69
2007, 91). Ora é precisamente esta última denominação que nos interessa, pois a mesma
não só confirma como valida a existência destes engenhos de moagem na região 85.
Outra informação que recolhemos na bibliografia consultada diz respeito a Santa
Leocádia de Geraz do Lima. Entre outras informações sobre os sistemas de moagem
existentes nesta freguesia, o padre João Cunha Viana, na sua monografia, refere ter aqui
laborado – no lugar de Supipe – até meados do século XX “… um moinho de tração
animal…” (Viana 2009, 209).
Além da atafona, certamente que menos dominante por aqui quando comparada
com outros sistemas de moagem, destacou-se na região um outro mecanismo, sendo que
o mesmo teve aceitação considerável no seio da comunidade. Em termos concretos,
falámos das denominadas moinholas86, também conhecidas por outros nomes em
algumas regiões do país, um tipo de moinho manual rotativo que em certa medida
consubstancia a evolução que o moinho manual rotativo romano teve (Oliveira et alii
1983, 31). Este sistema, de acordo até com a bibliografia especializada sobre o tema, foi
muito popular entre nós desde a Época Medieval até ao século XX e era presença
constante entre o mobiliário da casa (Gonçalves 2007, 62; Oliveira et alii 1983, 31). Tal
sistema estaria certamente relacionado com as necessidades quotidianas da casa em
farinha e constituía-se como uma alternativa viável aos moinhos de água, sobretudo no
Inverno e no Verão, épocas em que estes eram muitas vezes obrigados a parar em
virtude do excesso ou falta de água (Oliveira et alii 1983, 31). Além deste aspeto,
certamente que importante e determinante, releva-se também o facto de se ter de pagar
importantes e consideráveis maquias ao moleiro pela moagem do cereal no moinho de
água, pelo que a existência deste sistema em cada casa representava uma importante
poupança (Oliveira et alii 1983, 31). Apesar desta evidência, certo é que este engenho
desapareceu praticamente dos hábitos e das casas dos limienses como bem o refere o
padre João Cunha Viana a respeito de Santa Leocádia de Geraz do Lima: “Estas mós
vulgarizaram-se, e chegaram mesmo aos nossos dias, de que podemos ver ainda um ou
outro exemplar junto de antigas casas agrícolas” (Viana 2009, 207).87
85
Convém salientar que as atafonas da Época Moderna são bem diferentes das
romanas. Ao contrário do que se verifica na Época Moderna, as atafonas do Mundo
Romano têm como elemento característico as mós cónicas.
86
Sobre as diferentes tipologias e particularidades regionais destes sistemas vide
OLIVEIRA, Ernesto Veiga; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim – Sistemas
de Moagem – Tecnologia Tradicional Portuguesa, Instituto Nacional de Investigação
Científica/ Centro de Estudos de Etnologia, Lisboa, 1983.
87
Em São Paio de Antas, Esposende, a adornar o jardim de uma casa encontramos
precisamente um exemplar deste género, só que desmontado. O dormente –
tendencialmente circular na parede exterior – encontra-se cavado na forma côncava

70
De todos os sistemas e engenhos de moagem que existiram na Ribeira Lima ou
que se sucederam ao longo do tempo, o moinho de água foi de longe o que maior
aceitação teve entre a comunidade local, ainda que tal não tenha sido imediato. Este
sistema, sobretudo o moinho de rodízio, que muito provavelmente resulta da evolução
do moinho manual rotativo, é, segundo a maioria dos investigadores, uma invenção
grega e tem cronologia assegurada no século I a.C., embora se admita que possa ser
anterior. A ele se refere num epigrama datado do ano 85 a.C., Antipatros de Tessalónica
e depois deste muitos outros autores clássicos, entre os quais Vitrúvio, que os desenha e
descreve, e Estrabão, este a propósito do espanto que os soldados de Pompeu tiveram
quando se depararam com “…um moinho de grão movido a água…” junto ao palácio
de Mitridates, rei do Ponto (Oliveira et alii 1983, pág. 69; Vitrúvio, Livro 10). O
segundo tipo de moagem hidráulica que abunda na Ribeira Lima é a azenha de roda
vertical. Esta, também conhecida como moinho romano, é invento relativamente mais
recente e a sua aparição no Mundo Romano resulta, muito provavelmente, de uma
evolução do moinho de rodízio, pois que de acordo com Vitrúvio, na sua obra De
Archichetura, data do século I a.C., mais concretamente do ano 25 (Oliveira et alii
1983, 70; Vitrúvio, Livro 10).
Apesar de algumas dúvidas quanto à ancestralidade destes sistemas de moagem,
sobretudo em relação ao moinho de rodízio, pois Rivals admite que o mesmo pode ter
origem no século IV ou III a.C., a verdade é que estes já figuravam na paisagem de
várias de regiões conhecidas por altura do câmbio da Era (Rivals 1967, 73). Quem o diz
são os autores clássicos e a arqueologia que os identifica e confirma em várias áreas do
Mediterrâneo assim como em regiões tão díspares como a China, a India e o Norte da
Europa, mais concretamente na Jutlândia, Dinamarca (Oliveira et alii 1983, 70; Rivals
1967, 70). Pese embora este aspeto, a difusão do moinho de água, certa e corroborada já
no câmbio da Era, parece não ter sido acompanhada por uma grande popularidade. Nos
primeiros tempos, de acordo com os relatos da época este novo sistema de moagem foi
olhado com desconfiança no espaço romano e considerado inútil pois que a moagem era
nesse período levada a cabo por escravos (Oliveira et alii 1983, 70; Rivals 1967, 73).

e apresenta em todo o seu diâmetro rebordo de maneira a que o movente não


descarrilasse. O mesmo sistema, igualmente desmontado, encontramos também
em Forjães, uma freguesia do concelho de Esposende. Dois casos, duas
reminiscências portanto em como este sistema prevaleceu nos hábitos das
comunidades rurais até há pouco tempo. Além destes, refira-se que Ernesto Veiga e
Oliveira et alii refere e desenha um exemplar em Montedor, Carreço, Viana do
Castelo (Oliveira et alii 1983, 41).

71
Independentemente deste aspeto sabe-se hoje, graças sobretudo à Arqueologia,
que o moinho de água foi lentamente conquistando o seu espaço no Mundo Romano.
Entre outros casos, foram detetados vestígios de moinhos de água em Barbegal,
localidade próxima de Arles, na antiga província Narbonense, assim como no atual
território português, mais concretamente em Beja, no sítio da Represa, onde abundam
sinais de uma ocupação romana, e em Conimbriga (Oliveira et alii 1983, 70; Rivals
1967, 78; Dias 1964, 40; Brun 1997, 30-31; Almeida CAB et alii 2009, 173). Além
destes e de outros casos, também a documentação histórica, sobretudo a que se refere
aos inícios da Alta Idade Média, os refere frequentemente no espaço Ibérico. Referimo-
nos aqui em concreto ao Código Visigótico, que entre outras premissas, não só dá
particular atenção ao usufruto e partilha da água como refere a existência de vários
moinhos de água, sobretudo e sem prejuízo de outras regiões, em San Millán de La
Cogolla, na atual província de Castela e Leão (Castellón 1997, 38).
Os dados obtidos pela Arqueologia e as referências documentais inscritas no
Código Visigótico levou, entre outros especialistas, Pierre Brun a considerar que “…
não há razão nenhuma para que não tenha existido um grande número de moinhos
hidráulicos” espalhados por todo o território romano, o que inclui necessariamente
também o espaço português (Brun 1997, 30-31). Esta posição, que parece lógica, é no
entanto contestada por Brochado de Almeida para a região do Lima em concreto.
Segundo este investigador, se é certa a presença de moinhos de água de Época Romana
na Península Ibérica, sobretudo em várias partes da Lusitânia e da Bética, é muito pouco
provável a sua presença a norte, nomeadamente nos antigos territórios pertencentes a
Bracara, Lucus e Asturica, pois a Arqueologia não deteta aqui quaisquer estruturas do
género. De acordo com este investigador nos níveis arqueológicos romanos e
altimedievais das estações do Lima figuram essencialmente os moinhos manuais
rotativos. Tal preferência por este sistema explica-se, segundo Brochado de Almeida,
pelo facto de serem extremamente populares entre a população, por serem mais fáceis
de manejar e por poderem trabalhar ao longo de todo o ano ao contrário do moinho de
água que nos meses estios e invernosos é obrigado a parar por falta de água ou por
excesso da mesma. Por outro lado, segundo ainda este investigador é provável que os
custos com a moagem do cereal no moinho de água tenha também desempenhado um
papel importante na preferência pelo moinho manual rotativo que teve como vimos em
Santa Maria de Geraz do Lima por exemplo uma utilização até períodos tardios da
própria Idade Média (Almeida CAB et alii 2009, 174-175, 177-178).

72
A lenta introdução do moinho de água na paisagem do Lima – parece ter sido
isso que aconteceu – poderá também justificar-se com a conjuntura política e económica
do final do Mundo Romano e do período subsequente. Como se sabe, estes períodos, de
forte instabilidade política e de insegurança constante, motivados primeiro pela vinda
dos Suevos, depois pelos Visigodos e por último pelas incursões muçulmanas, são
marcados aqui por um regresso aos antigos povoados de Época Castreja como bem o
comprova os níveis altimedievos da “cidade Velha” de Santa Luzia, do castro São
Lourenço e de Santo Estevão por exemplo (Almeida CAB et alii 2009, 9-30).
Apesar das vicissitudes políticas, económicas e sociais que retraíram uma
provável entrada do moinho de água na Ribeira Lima durante a dominação romana, a
verdade é que o mesmo aparece referido em documentos altimedievos 88. A sua
contabilidade é impossível de fazer, contudo para o período subsequente, isto é, para a
Idade Média Plena, é possível ter uma ideia aproximada do mesmo. Tendo como ponto
de partida a leitura das Inquirições de 1220 e 1258 pode dizer-se que o moinho de água
já figurava na paisagem da Ribeira Lima e que o mesmo encontrava-se disperso pela
região, isto é, pelas áreas de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos
de Valdevez. Em Viana do Castelo sabemos da existência de pelo menos dois moinhos
na Época Medieval, um dos quais sediado no lugar de Portuzelo, Meadela, onde de resto
ainda se encontram algumas estruturas de moagem só que mais recentes: “Item, in
Moyno de Gosendo jaz bouza, unde dam cada ano al Rey, quer ayam quer nom, de
censoria j. teiga de pan per filio set netos de Pedrino” (PMH, Inquirições de 1258,
332). Em Ponte de Lima, sem prejuízo de outras citações, porventura mais antigas até,
sabemos que existia uma “… azenia d`ommes foreiros d`el Rey…” em Arcozelo (PMH,
Inquirições de 1258, 339)89, na Facha três moinhos pelo menos, o “… Moyno do
Tacho…”, o “… Moyno da Portela…” e um outro sem nome (PMH, Inquirições de
1258, 344), em Santa Maria de Rebordões o “… moyno de Petro Afilado” (PMH,

88
Do ponto de vista arquitetónico e sobretudo arqueológico o moinho mais antigo
em Viana está localizado em Afife, junto da margem direita do ribeiro de Cabanas.
Igual a tantos outros o elemento que define a sua antiguidade é uma entrada de
arestas chanfradas de estilo manuelino (Almeida CAB 2008b, 340). Mais antigas
serão certamente as mós de moinhos de rodizio encontradas na necrópole de Fão,
em Esposende. Embora esta estação se fixe fora da zona do nosso estudo, não
deixa de ser significativo a ocorrência deste achado, o qual remonta à Baixa Idade
Média. Igualmente importante para o conhecimento arqueológico é o facto de as
referidas mós aparecerem a adornar as sepulturas o que por sua vez nos diz que os
moinhos que por aqui laboraram já não estavam em uso nesse período (Almeida
CAB 1990-1992, 111-126).
89
Estava sediada no lugar da Azenha. No local ainda hoje se encontram alguns
engenhos de moagem.

73
Inquirições de 1258, 345), e em Vitorino das Donas “… in Agrelo j. moyno…” (PMH,
Inquirições de 1258, 345), etc. No aro territorial de Arcos de Valdevez pode-se destacar
entre outros, em São João de Rio Frio, o “… moyno dos freires…”, assim como em
Santo André de Portela, e este é importante pela “… pedra da lavada velia do moyno
dos frades…” (PMH, Inquirições de 1258, 382 e 385)90. Em Ponte da Barca, além do
moinho de Paredes, que estava localizado em São Tomé de Vade, merece destaque a
seguinte referência por se encontrar no plural: “… Item, in Moynos, j. leira…” (PMH,
Inquirições de 1258, 407 e 414). Em suma, se somarmos todas as referências
compiladas nas Inquirições de 1258 obter-se-á um número próximo da vintena 91. Apesar
deste aspeto, é provável que o seu número fosse superior uma vez que as Inquirições de
1220 e 1258 procuram como se sabe aferir os territórios onde o rei tinha jurisdição, pelo
que muitos outros moinhos de água poderão ter sido omitidos no inventário.
Independente disso, certo é que o moinho de água não só vingou na região como se
tornou popular e dominante na paisagem da região do Lima, sobretudo após o século
XVI, aquando da introdução do milho-maís. Quem o diz e confirma são os relatos das
Memórias Paroquiais da região compiladas como se sabe em 1758 para o Dicionário
Corográfico e Geográfico do padre Luís Cardoso.
De acordo com o cadastro de moagens existente no Arquivo Hidrográfico do
Porto nos anos quarenta do século passado havia cerca de 2041 engenhos de moagem 92
de cereais na bacia hidrográfica do rio Lima 93. Tais engenhos, vulgarmente
denominados por azenhas e moinhos, distribuíam-se no espaço do seguinte modo, a
saber. Em Viana do Castelo, dentro da bacia hidrográfica do rio Lima existiam 235
engenhos de moagem dos quais 173 são moinhos de água e 62 eram azenhas, umas de
propulsão inferior e outras de propulsão superior. Em Ponte de Lima, dentro também do
90
Além deste, existem outras referências a moinhos, nomeadamente em Santo
André da Portela, em Santa Maria de Azere e em Vilela (PMH, Inquirições de 1258,
385, 414, 388)
91
Têm sido feitas algumas contagens de moinhos medievais com base nas
Inquirições de 1220 e 1258. Entre outros estudos, destacamos o realizado por Maria
Rosa Ferreira Marreiros para a área de Guimarães. Esta estudiosa contabilizou nas
Inquirições de 1220 um mínimo de 13 moinhos em Guimarães e nas de 1258 cerca
de 46 (Marreiros 1996, 401-475).
92
De acordo com os dados existentes no Arquivo Hidrográfico do Porto a maioria dos
engenhos de moagem de cereais na região do Lima compreende apenas um
proprietário. Dos 2041 engenhos de moagem apenas pouco mais de 300 estão na
posse de dois ou mais proprietários, sendo que na esmagadora maioria desses
casos tal se deve ao regime de heranças.
93
Sobre os moinhos de Viana do Castelo vide ALMEIDA CAB; GONÇALVES, Mário –
Inventário dos moinhos de água e de vento, engenhos e lagares de azeite, in
Cadernos Vianenses, tomos 42-47, 2007-2013.

74
aro territorial pertencente à bacia hidrográfica do rio Lima, contavam-se, grosso modo,
cerca de 246 engenhos relacionados com a moagem de cereais, os quais se distribuíam
do ponto de vista da sua tipologia na seguinte forma: 231 são moinhos e 15 eram
azenhas. Em Ponte da Barca, de acordo com o mesmo cadastro de moagens, pululavam
na paisagem cerca de 382 engenhos de moagem. Destes 382 engenhos 373 são moinhos
e 9 eram azenhas, a maioria das quais localizadas no curso do rio Lima e do Trovela.
Em Arcos de Valdevez, em igual período, na década de 1940 portanto, coexistiam na
paisagem cerca de 980 engenhos de água para moagem de cereais, os quais se
distribuíam por sua vez, segundo a tipologia, nos seguintes termos: 954 são moinhos de
água e 26 eram azenhas, estas implantadas fundamentalmente junto das margens do rio
Vez. Por último, duas áreas mais, a primeira localizada no aro territorial de Castro
Laboreiro (Melgaço), cujas águas correm para a bacia hidrográfica, e Vila Verde, esta a
respeito de cinco freguesias voltadas ao Lima. No primeiro caso, em Castro Laboreiro
contavam-se cerca de 114 moinhos de água e no segundo, em Vila Verde, entre as
freguesias de Aboim da Nóbrega, Codeceda, Covas, Gondomar e Penascais, 84. Em
suma, no que a contagens gerais diz respeito, pode concluir-se que dos 2021 engenhos
de moagem existentes na região 1910 são moinhos de água e 111 são azenhas.
Além da distribuição dos sistemas de moagem implantados na bacia hidrográfica
do rio Lima por concelhos é também possível aferir a sua dispersão pelos diferentes
cursos de água, assim como pelas freguesias que os compõe. Tal análise, a da dispersão
pelas diferentes freguesias e cursos de água, fornece-nos diversas leituras, as quais
revelam-se deveras importantes, pois as mesmas permitem-nos aferir se tais sistemas se
localizam na planície ou nas áreas montanhosas, qual a tipologia dominante, por
exemplo se se trata de moinhos de rodizio ou de azenhas de propulsão superior ou
inferior, ou ainda, entre obviamente outras leituras, onde se fixam os principais centros
de moagem da região.
Com respeito à parte Norte do concelho de Viana do Castelo, dentro da rede
hidrográfica do rio Lima, pois este município compreende mais do que uma bacia
principal, a freguesia de Outeiro é a que se evidencia como o principal centro de
moagem. Aqui, no total, laboravam cerca de 40 engenhos de moagem de cereais 94 os
quais se distribuíam segundo a tipologia nos seguintes termos: 20 são moinhos de água
e 20 eram azenhas, sendo que nestas últimas relevam-se no espaço e na tipologia do

94
Na verdade são 46 os sistemas de moagem aqui existentes, só que seis deles
encontram-se localizados na bacia hidrográfica do rio Âncora.

75
aparelho motor as azenhas de propulsão superior e as azenhas de propulsão inferior.
Este polo de moagem, tendo em conta a concentração e desenvolvimento dos engenhos,
assim como a sua fixação nos mesmos cursos de água, prolongava-se ainda pelas
freguesias de Perre, Meadela e Santa Marta Portuzelo. Assim, em Perre laboravam cerca
de 21 engenhos, dos quais 18 são rodízios e 3 eram azenhas. Em Santa Marta de
Portuzelo havia 7 moinhos e uma azenha enquanto na freguesia da Meadela laboravam
14 moinhos e 4 azenhas. No total, se somarmos os dados destas três freguesias,
contiguas todas elas do ponto de vista territorial e hidrográfico obtém-se o módico
número de 87 engenhos de moagem, os quais se repartem tipologicamente nos seguintes
termos: 59 são moinhos de rodizio e 28 são azenhas. Nas restantes freguesias de Viana
do Castelo, na parte Norte da bacia hidrográfica, podem-se ainda relevar no espaço os
casos de Nogueira, que conta com cerca de 22 engenhos de moagem, 15 dos quais são
moinhos e 7 são azenhas, assim como as freguesias de Meixedo e Vilar de Murteda. Em
Meixedo existiam cerca de 13 moinhos de água e uma azenha e em Vilar de Murteda 11
moinhos. Nas restantes freguesias o número é francamente residual. Enfim, no que à
parte Norte do concelho de Viana do Castelo diz respeito pode dizer-se que nos quarenta
do século passado laboravam cerca de 169 engenhos de moagem os quais se repartiam
de acordo com a tipologia do aparelho motor nos seguintes termos: 129 moinhos de
água e 40 azenhas.
A Sul do Lima, ainda no concelho de Viana do Castelo e bacia, o principal
centro de moagem estava sediado em Santa Leocádia de Geraz do Lima, outrora uma
freguesia do antigo concelho de Geraz. É aqui que se vislumbra o maior número de
engenhos e mecanismos de moagem os quais no seu total ascendem ao módico número
de 24 engenhos, sendo que deles faziam parte 16 moinhos de água e 8 azenhas, todas
elas de propulsão superior95. A Sul a segunda freguesia com maior número de sistemas

95
Este número é mais ou menos coincidente com o que vem inscrito nas Memórias
Paroquiais de 1758. De acordo com o abade José Gomes Dias, relator da memória
paroquial da freguesia para o Dicionário Geográfico do Pe. Luís Cardoso, em 1758
havia em Santa Leocádia “… vinte moinhos de moer centeio e milho, e três azenhas
que serviam do mesmo, e um fulão ou pisão de pisar burel”. Apesar deste aspeto o
cadastro das moagens de rama referente a Santa Leocádia de Geraz do Lima
encontra-se desatualizado à semelhança de resto do que se passa também em
vários outros pontos da Ribeira Lima. De acordo com o Padre Cunha Viana em 1980
havia ainda em Santa Leocádia de Geraz do Lima a memória de trinta e seis
indústrias que utilizavam a água como força motriz. Dos quinze moinhos de rodízio
inventariados apenas três funcionavam e quatro encontravam-se em estado de o
poder fazer em qualquer momento. Os restantes estavam em ruínas e um deles já
nem isso. Com respeito às azenhas, doze encontravam-se em funcionamento, oito
podiam ainda laborar e uma estava já dada como desaparecida (Viana 2009, 212).

76
de moagem hidráulicos era Subportela. Ao todo laboravam aí 14 sistemas do género,
fazendo parte deles 10 moinhos de água e 4 azenhas.
Quando comparado os números de engenhos de moagem existente na parte
Norte de Viana do Castelo com a parte Sul do mesmo, dentro da bacia hidrográfica do
rio Lima, constata-se que é a Norte que se fixa o maior número de sistemas de moagem.
Tal poder-se-á certamente explicar pelo carácter montanhoso e regime de pluviosidade,
que é maior a Norte do que a Sul, e pelo perfil dos rios, estes muito mais abruptos e
ingremes também a Norte. Outra explicação para a prevalência de um maior número de
sistemas de moagem a Norte poderá ter a ver com o facto de a Sul ter existido até
meados do século XIX o concelho de Geraz do Lima. Esta região, Geraz do Lima, foi
durante séculos uma entidade administrativa e política autónoma em relação a Viana do
Castelo o que obviamente também se repercutiu nas vicissitudes económicas. Com isto
queremos dizer que os engenhos de moagem existentes no antigo aro territorial de
Geraz do Lima seriam muito provavelmente suficientes para abastecer a população de
farinha e consequentemente de pão.
No concelho de Ponte de Lima, que à semelhança de Viana do Castelo vê o seu
território distribuído por ambas as margens do rio Lima, contam-se, de acordo com o
cadastro de moagens da década de quarenta do século XX cerca de 246 engenhos de
moagem os quais se repartem por ambas as margens nos seguintes moldes. A Norte do
rio Lima nos anos quarenta havia em laboração cerca de 138 engenhos de moagem dos
quais 131 são moinhos de água e 7 são azenhas. Na margem Sul do Lima estavam em
funcionamento 108 engenhos de moagem, sendo que desse número faziam parte apenas
8 azenhas. Em suma, tal como o sucedido em Viana do Castelo, as terras localizadas a
Norte do rio Lima são as que mais engenhos de moagem ostentam na paisagem.
No concelho de Ponte de Lima os principais centros de moagem a Norte, isto é,
as freguesias que ostentam um maior número de engenhos são Esturãos, Arcozelo,
Cabração, Bárrio, Cepões e Calheiros. De acordo com o cadastro dos anos quarenta
sabemos que em Esturãos laboraram cerca de 21 engenhos, 18 dos quais moinhos de
água e 3 azenhas, estas localizadas fundamentalmente nas margens do rio Esturãos. Em
Arcozelo havia cerca de 24 engenhos, designadamente 21 moinhos de água e 3 azenhas
enquanto em Cabração laboravam 15 moinhos de água. Em Bárrio na década de 1940
estavam em funcionamento cerca de 22 moinhos de água e em Cepões, freguesia
também de forte tradição cerealífera, cerca de 23 moinhos. Por último, no que à parte

77
Norte do concelho de Ponte de Lima diz respeito, a freguesia de Calheiros que contava
com cerca de 19 moinhos.
A Sul da Bacia, ainda no concelho de Ponte de Lima, podem-se identificar pelo
menos três núcleos industriais de moagens tradicionais. O primeiro, localizado na zona
mais Ocidental do concelho, diz respeito à freguesia da Facha onde contabilizamos
cerca de 31 engenhos de moagem, mais concretamente 29 moinhos de água e 2 azenhas,
o que comprova de forma clara e inequívoca uma forte tradição cerealífera e farinheira
aqui. O segundo núcleo de engenhos tradicionais parece localizar-se na parte central do
concelho, mais concretamente em Fornelos e a ele podem-se certamente juntar os
complexos industriais que se encontram implantados junto do rio Trovela, mais
concretamente em Santa Maria de Rebordões e em Souto-Rebordões. Em Fornelos,
freguesia que se desenvolve em socalcos sucessivos até às margens do rio Trovela,
contabilizamos 25 moinhos de água e 3 azenhas. Em Santa Maria de Rebordões, cujos
dados dos moinhos não se encontram inexplicavelmente no Arquivo da Direção
Hidráulica do Douro, sabemos da existência de pelo menos 21 moinhos, 10 dos quais
privados (Teixeira 1995, 7-14). Em relação a Souto de Rebordões não dispomos de
números, contudo sabemos da existência de uns quantos moinhos aqui, sobretudo em
volta do rio Trovela96. O terceiro núcleo de moagem de cereais encontra-se sediado na
zona Leste do concelho mais concretamente na freguesia de Beiral do Lima. Esta
região, extremamente montanhosa e declivosa, desenvolve-se em socalcos sucessivos
desde de São Lourenço da Armada até às zonas mais baixas e planas, estas já bem
próximas do rio Lima. É aqui, sobretudo na área de socalcos, que se fixam a maioria dos
23 moinhos de água.
No que respeita ao concelho de Ponte da Barca, uma vez mais tendo por base o
cadastro da moagem de rama que se encontra no Arquivo da Direção Hidráulica do
Douro, sabemos que na década de quarenta do século passado laboravam aqui cerca de
382 engenhos de moagem os quais se repartiam tipologicamente em 373 moinhos e 9
azenhas, estas fundamentalmente localizadas no rio Lima e Vade. Também aqui, à
semelhança do que se passa na margem Sul da bacia, mas no concelho de Ponte de
Lima, é possível identificar alguns pólos de moagem, isto é, algumas freguesias ou
conjunto de freguesias que muitas vezes servidas pelo mesmo curso de água agregam
entre si um vasto conjunto de moinhos. É o que se passa por exemplo no aro territorial
96
Com efeito, tivemos a oportunidade de ver um ou outro moinho nas margens do
rio Trovela há bem pouco tempo aquando do levantamento de cruzeiros e alminhas
no concelho de Ponte de Lima.

78
que se estende pelas freguesias de Lavradas e Bravães. Na freguesia de Lavradas,
situada na parte mais Ocidental do concelho, laboravam nos anos quarenta do século
XX cerca de 25 engenhos de moagem, um dos quais era azenha. Se a este número lhe
juntarmos os 10 moinhos e as 3 azenhas que existiam em Bravães facilmente se
concluirá que nesta zona Ocidental do concelho havia pelo menos 38 engenhos
relacionados diretamente com a moagem de cereais. O segundo núcleo de complexos
industriais de moagens tradicionais encontrava-se localizado na zona central do
concelho, mais concretamente entre nas freguesias Vila Chã, São João e São Tiago
respetivamente. Em São João de Vila Chã, freguesia que se situa a meia encosta,
imediatamente acima de São Tiago, encontravam-se em funcionamento nos anos
quarenta do século XX cerca de 42 moinhos de água. Abaixo desta, isto é, já no aro
pertencente a São Tiago havia 11 moinhos de água. Em suma, com respeito a este
segundo núcleo, o mesmo agregava em si cerca de 53 engenhos de moagem tradicional
e todos eram moinhos. Por último, o terceiro núcleo. Este está localizado na parte mais
Oriental do concelho e o mesmo pode ser considerado um tanto exagerado, tal é
extensão do território que cobre. Apesar deste aspeto, o número de indústrias
tradicionais de moagem é aqui bastante relevante e significativo. Na freguesia de
Lindoso sabemos que havia 62 moinhos de água em funcionamento nos anos quarenta,
pelo que o número, extremamente elevado como se vê, sobretudo quando relacionado
com outras áreas do concelho e até da bacia hidrográfica, justifica só por si que possa
ser considerado um pólo de moagem. Em Britelo, logo depois de se ultrapassar a
freguesia de Ermida, que conta com 11 moinhos de água, laboravam cerca de 39
engenhos de moagem, mais concretamente 37 moinhos de água e duas azenhas,
enquanto em Entre-Ambos-os-Rios havia 34 moinhos. Enfim, se somarmos todos estes
complexos industriais de moinhos e azenhas, chega-se ao módico número de 147
engenhos de moagem só na zona Oriental do concelho.
A Norte do concelho de Ponte da Barca está como se sabe Arcos de Valdevez
que de acordo com o “Cadastro da Moagem de Rama” da Direção Hidráulica do Douro
era titular de cerca de 980 engenhos de moagem, mais concretamente 954 moinhos de
água e 26 azenhas. Aqui a situação difere ligeiramente da de outros concelhos. Se em
Viana do Castelo, Ponte de Lima ou Ponte da Barca é possível identificar com razoável
segurança núcleos de indústrias de moagem tradicional em diferentes espaços, aqui tal
torna-se impossível uma vez que as mesmas se perpetuam pelas diferentes freguesias
em números verdadeiramente consideráveis. Apesar deste aspeto, tendo em conta o

79
conhecimento da região, assim como a análise dos dados que recolhemos no Arquivo da
Direção Hidráulica do Douro, pode-se dividir o concelho em três áreas de moagem de
cereal. A primeira, situada na zona mais oriental do concelho e desfasada da realidade
do Vez, fixamo-la em torno do Soajo, pois aqui laboravam nada mais nada menos que
119 engenhos tradicionais de moagem, sendo todos eles moinhos de água. A segunda
colocamo-la na margem esquerda do rio Vez, uma vez que é a área que acolhe o maior
número de engenhos de moagem. Por último, uma terceira área, também ela, tal como a
segunda, delimitada pela margem do rio Vez, só que agora na margem direita. É aqui,
nesta margem, que se situa o menor número de engenhos tradicionais de moagem, mas
ainda assim com números consideráveis.
Como atrás se disse, no concelho de Arcos de Valdevez, tal é a quantidade e
número de engenhos tradicionais de moagem movidos a água, é praticamente
impossível identificar núcleos específicos no espaço. Assim, em jeito de síntese,
enumeramos aqui as freguesias com o maior número de moinhos e azenhas, sendo que
esse número se refere tanto ao que se passa na margem direita do rio Vez, como na
esquerda. Entre outras freguesias, salientamos Cabreiro, com 66 moinhos de água,
Cabana Maior, com 31, Gavieira, com 40 moinhos, Gondariz, com 61 moinhos e 1
azenha, Rio Frio, com 52 moinhos, Sabadim, com 31 moinhos, e Sistelo que possuía 42
moinhos de água. Por último, a respeito ainda do concelho de Arcos de Valdevez, dois
aspetos mais. O primeiro diz respeito ao número de mós. Ao contrário dos moinhos
implantados na montanha, que por norma compreendem apenas uma mó, nas zonas
planas, sobretudo nas margens do rio Vez abundam vários complexos de moagem com
duas, três e mais mós. Em segundo, os complexos industriais de moagem são aqui, nas
margens do rio Vez, relativamente maiores quando comparados com os moinhos que se
implantam nas áreas mais altas e montanhosas do concelho.
A distribuição dos sistemas tradicionais de moagem movidos a água no território
que abarca a bacia hidrográfica do Lima demonstra de forma clara e inequívoca uma
forte tradição cerealífera. Tal distribuição no espaço justifica-se, entre outros aspetos,
pela abundância de cursos de água que alimentam o Lima. Tendo em conta uma vez
mais o “Cadastro da Moagem de Rama” da Direção Hidráulica do Douro, constata-se
que a maioria dos complexos industriais de moagem movidos a água não se encontram
implantados nos principais rios mas antes em pequenos regatos e ribeiros que por norma
alimentam os primeiros. Em Viana do Castelo o curso de água que alberga o maior
número de engenhos de moagem é o ribeiro de Portuzelo que recebe várias

80
denominações consoante a freguesia por onde passe. Ao todo laboravam aqui cerca de
45 engenhos. Em Ponte de Lima, onde se identificam cerca de 246 engenhos, os
principais cursos de água, isto é, os que compreendem um maior número de moinhos e
azenhas são o rio Labrujó, com cerca de 31 engenhos de moagem, o rio Covo, em Beiral
do Lima, com cerca de 22 e o rio Trovela com 29. No concelho de Ponte da Barca, terra
fortemente marcada pelo carácter montanhoso, detetam-se sistemas de moagem
tradicionais fundamentalmente junto dos cursos de água provenientes da montanha. A
exceção é, porventura, o rio Vade que se desenvolve aqui e até ao Lima numa região
mais ou menos plana. Neste abundam em geral cerca de 17 engenhos de moagem os
quais tomam as feições típicas dos moinhos de planície. Nas áreas montanhosas é onde
se encontra o maior número de moinhos os quais se implantam na bordadura dos
respetivos cursos de água ou afastados dos mesmos, sendo nesses casos alimentados por
levadas. Entre outros, pelo número e abundância de engenhos implantados nas suas
margens merece destaque o ribeiro da Levada, com cerca de 47 moinhos, o ribeiro de
Cabaninhas, com 32 engenhos de moagem tradicional, o ribeiro da Fervença, com 32
moinhos também, o ribeiro de Porto das Vacas com 17 moinhos, o rio Cabrão, com 12, e
o ribeiro do Castelo, em Lindoso, com 12 moinhos de água. No concelho de Arcos de
Valdevez, sem prejuízo de outros cursos e linhas de água, são dignos de relevo o ribeiro
de Santa Vaia, com 19 engenhos de moagem, o ribeiro de Sabadim, com 18, o ribeiro de
Senharei, com 21, o ribeiro de Guidão, com 24, o ribeiro da Paradela, com 19, o ribeiro
de Távora, com 23, o ribeiro de São Cosme, com 22, o ribeiro de Lingorinho, com 24, o
ribeiro de Gondariz com 25, e o ribeiro de Padroso, com 29. Acima três dezenas de
engenhos de moagem tradicional movidos a água relevem-se os casos do ribeiro da
Ladeira, com 37 sistemas do género, o ribeiro de Tóra, com 34, o ribeiro do Extremo,
com 46, o ribeiro de Cabrão, com 61 moinhos e, finalmente, o ribeiro de Cabreiro, com
40. Além destes cursos de água merece igualmente destaque o rio Vez, o mais
importante na região, assim como o rio Ázere. O segundo pela importância que sempre
teve entre a comunidade e por apresentar cerca de 32 sistemas de moagem tradicional e
o primeiro pelo número e características que tais sistemas ostentam. Quanto o número
contabilizam-se no Vez cerca de 71 engenhos tradicionais de moagem, sendo que os
mesmos se distribuem em moinhos de montanha, moinhos de planície e azenhas de
propulsão inferior, estas localizadas fundamentalmente na zona terminal deste curso de
água. É também nesta zona, como atrás se aludiu, que se encontram os moinhos com
mais de uma mó.

81
Os sistemas tradicionais de moagem que laboraram na bacia do Lima e que
utilizaram a água como força motriz, associados primeiro à moagem de cereais como o
trigo, o centeio, o milho-alvo e o painço e depois ao milho-maís, a partir do século XVI
e XVII, são hoje meros fragmentos históricos, meras memórias de um passado não tão
longínquos quanto isso, pois, na maioria dos casos laboraram até às últimas décadas do
século passado. Tais sistemas encontram-se hoje, na maioria dos casos, abandonados e
em estado de ruína, sendo que alguns até já desapareceram da paisagem. É precisamente
o estado em que se encontram, abandono e ruína portanto, que permite que estes
sistemas sejam hoje tratados e considerados como autênticas ruínas arqueológicas.
Assim, dentro do possível, pois no conjunto trata-se de um número extremamente
elevado, é nesta perspetiva que os iremos caracterizar97.
O moinho que se fixa nas áreas montanhosas da bacia hidrográfica do rio Lima é
por norma pequeno. A construção, em alvenaria seca, rude e tosca na maioria dos casos,
utiliza os materiais pétreos próprios da região, isto é, o granito e o xisto, este onde o há.
Por norma, quatro paredes de pedra irregular, umas pequenas, outras médias, dão corpo
e forma a uma planta retangular que é fechada a nível superior por uma armação de
madeira que recebe cobertura telhada, normalmente em meia cana e por vezes
enriquecida com beirais lajeados. Casos há porém em que a cobertura, maioritariamente
de uma água por enfrentar apenas a pluviosidade vinda de um dos quadrantes, é feita
com lajes de pedra, como acontece, por exemplo, num moinho do lugar de Parada, em
Lindoso, ainda que este apresente duas águas (Fig. 23)98.
Por norma, estes moinhos, implantados na bordadura dos pequenos ribeiros e
regatos ou ainda nos socalcos que os marginam, e quando tal acontece instalam a

97
Na generalidade dos casos os estudos existentes na região sobre os antigos
complexos de moagem debruçam-se essencialmente na estrutura física e no seu
inventário. Daqui resulta pois uma enorme omissão sobre os costumes e as
tradições a eles inerentes. Em todo o caso, sobre o assunto quem melhor nos
descreve os costumes e as tradições é o Conde d` Aurora que a respeito dos
moinhos de Afife nos diz que “… quando o rendeiro de um moinho de água tem o
seu dia (ou noite) para moer o milho, fica com o seu tempo totalmente, ou melhor,
tem que se manter de guarda ao trabalho do moinho, indo lá duas, três ou mais
vezes, para velar pelo bom resultado desse trabalho (…), verificar se a farinha fica
mortinha (muito fina); se o moinho enloda [ou seja para a mó devido à farinha ficar
pastosa e entalada entre as mós ou por causa do desregramento da saída do grão
da moega], se o grão acabou na moega e o moinho anda em vão; se a cheia do rio
(no Inverno) tomou o rodizio onde a água se projecta, etc” (Aurora 2007, 111).
98
Em Ponte da Barca a dicotomia do moinho de montanha versus moinho de
planície torna-se evidente em algumas freguesias como são os casos de Britelo,
Ermida, Germil e Lindoso. Aqui, ao contrário do que se passa na planície, os
moinhos, além de mais pequenos, apresentam em geral coberturas formadas por
grandes lajes de granito (Marques 2013).

82
moenda na leira de cima e o cabouco na debaixo, nem que para isso tenha sido
necessário escavar o terreno ou parte dele, apresentam apenas duas ou três aberturas
(Fig. 24). A entrada para a moenda, normalmente estreita, exibe por vezes na padieira a
data da sua construção e nas ombreiras pequenos símbolos de valor apotropaico,
geralmente cruzes e cálices insculpidos e que se destinam a esconjurar o demónio e a
proteger o pão (Fig. 25, 26 e 27). No lado oposto à entrada, por cima do cabouco, fixa-
se por vezes uma pequena fresta vertical retangular que se encarrega de iluminar o
interior. A terceira abertura, sempre presente, está situada na zona inferior do edifício e,
grosso modo, resguarda um rodízio, este em madeira ou em ferro, porque também os há
por aqui (Fig. 28 e 29). Trata-se, em concreto, do cabouco, também denominado
frequentemente por inferno, e o mesmo apresenta em geral planta retangular ou
trapezoidal. Segue por norma a traça arquitetónica do edifício e alberga no interior, além
do rodízio, este geralmente fixo à péla aqui, um pejadouro, frequentemente pétreo, e
uma seteira de madeira que permitia a regulação da água sobre as penas a partir de
mecanismo próprio instalado na moenda. Entre o cabouco e a moenda fixa-se o
pavimento. Este varia de região para região e de acordo com a topografia onde o
moinho se encontra instalado. Assim, casos há em que o pavimento é feito em madeira,
por exemplo no moinho Pequeno, em São Lourenço da Montaria (Fig. 30). Noutros
porém, sobretudo nos moinhos instalados em socalcos, o pavimento é térreo ou pétreo,
sendo neste caso formado por lajes (Fig. 24). Nestes casos o acesso ao rodízio faz-se
através do cabouco, sendo o movimento do rodízio interrompido quando o moleiro
fecha o pejadouro ou encerra a cale que antecede a entrada da água no cubo.
O moinho de montanha é na bacia hidrográfica do rio Lima alimentado por
presas e levadas que frequentemente se transformam junto ao edifício em caleiros, por
vezes sobrelevados até, e entre este e o cubo fixa-se uma pequena grelha que impede
que os detritos vão ter ao rodízio (Fig. 31 e 32). A arquitetura e tipologia do cubo varia
de região para região em função não da estética, mas antes da topografia do terreno e do
perfil do curso de água ou da levada. Assim, casos há em que o cubo apresenta planta
retangular, inclinação de cerca de 60º e é constituído por várias lajes. Noutros porém,
fundamentalmente nas regiões altas de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, por
exemplo em São Cosme e São Damião, em Couto, no Soajo ou no Lindoso, o cubo,
circular e quase vertical, é constituído por várias aduelas sobrepostas. Igual tipologia
encontramos também em alguns moinhos de Viana, sobretudo em Santa Leocádia e

83
Subportela, mas com uma pequena diferença. Embora circulares estes apresentam aqui
inclinações de cerca de 60º (Fig.33, 34 e 35).
Em menor número é certo, quando comparada com o moinho de montanha, a
azenha de propulsão superior preenche contudo alguns espaços da bacia do Lima. Sem
prejuízo de outros casos e regiões, elas encontram-se em maior número nas freguesias
de Outeiro, Nogueira, Subportela, Deocriste e Santa Leocádia de Geraz do Lima, aqui
com uma particularidade interessante uma vez que resultam de velhos moinhos
reconvertidos em azenhas.
A azenha de propulsão superior pulula fundamentalmente nas encostas e
socalcos da bacia do rio Lima e a sua construção é por vezes até relativamente mais
cuidada que a dos moinhos de montanha. Dentre os vários exemplares merece destaque
a azenha do Maral, em Outeiro, hoje musealizada e integrada no núcleo museológico
local alusivo ao pão e que pretende perpetuar a memória de um tempo e de um mundo
que por força do progresso e da Globalização se tornou nostálgico: o Mundo Rural (Fig.
36). Trata-se sobretudo para as gerações recentes de um espaço de novas experiências e
aprendizagens na medida em que essas gerações entram em contacto com um vasto
manancial de instrumentos e alfaias agrícolas que outrora faziam o amanho das terras e
das culturas do cereal sendo este depois levado ao moinho para ser transformado em
farinha. Do mundo rural de antemanho sobressai aqui fisicamente o aspeto rústico das
fachadas, bem como as frestas verticais de formato retangular que timidamente
iluminam o espaço interior. Além destes aspetos, merecem destaque, pela feição rústica
que emprestam, o recorte de duas entradas, uma ao nível do rés-do-chão, onde se
encontra o aparelho motor interno, e outra no primeiro andar que dá acesso à moenda e
que ostenta gravada na padieira a data da sua construção: 1900. Construída sob terreno
cavado de propósito para o efeito, destaca-se no conjunto visual e didático uma roda
vertical de madeira abastecida de água por meio de um caleiro de pedra que junto ao
edifício dá lugar a uma estrutura de madeira com inclinação considerável. Esta estrutura
remata junto à roda com pejadouro móvel de madeira que regulável permite que a água
incida sobre a parte dianteira.
No caso de Santa Leocádia de Geraz do Lima várias são as situações. Ainda que
não as refiramos todas, relevem-se dois casos, os quais se podem considerar típicos
aqui. O primeiro diz respeito à azenha da Cernada e a mesma foi “…outrora moinho de
cubos…” (Viana 2009, 210). De planta retangular e com piso térreo no interior,
apresenta a uma cota inferior à do próprio pavimento um antigo cabouco que deu

84
posteriormente guarida ao aparelho motor interno de uma roda vertical de madeira que
de resto ainda se encontra no exterior. As paredes são aqui em alvenaria, apresentam
símbolos apotropaicos no lintel da entrada e o telhado, de uma só água, encontra-se hoje
coberto com folha de zinco. O cubo, que ainda se conserva e que noutras eras alimentou
um rodízio, é de boca circular (Fig. 37, 38 e 39).
O segundo respeita ao moinho do Manuel da Ponte. À semelhança do que se
passou com a azenha da Cernada, o cérebro do moinho foi aqui, pelo menos nos
primeiros tempos, dois rodízios99 que os dois caboucos – toscos e de gosto popular –
deixam adivinhar (Fig. 40). Eram como que dois cilindros em madeira 100, estavam
providos de penas a toda a volta e recebiam as águas sacadas ao Lourinhol. Estas, uma
vez desviadas por meio de uma levada térrea, seguiam depois por um caleiro em pedra e
entravam diretamente para um cubo de pedra. Este, vertical e de boca circular,
direcionava depois a água para o interior, sendo que este à medida que se aproxima do
rodizio tornava-se mais afunilado e rematava com pejadouro e seteira 101. A verticalidade
do cubo permitia que a água fosse projetada sobre as penas dos rodízios com a força
suficiente, o que por sua vez acionava as respetivas penas, iniciando-se assim um
movimento de rotação contínuo. Este movimento era depois transmitido a um eixo
vertical – a péla – que por sua vez comunicava com a mó andadeira por meio de veios
que se decompunham em várias partes estruturantes, as quais nos abstemos aqui de os
mencionar por razão de tornar o tema longo e fastidioso102.
À semelhança do que se passou com outros tantos moinhos de Santa Leocádia,
também o moinho do Manuel da Ponte e a azenha da Cernada foram transformados em
azenhas (Viana 2009, 206-211). Tal como os moinhos de rodízio, as azenhas
relacionavam-se aqui com a trituração do cereal a partir do qual se obtinha a farinha. O
que as distingue é fundamentalmente a colocação da roda de propulsão que acionava o
aparelho motor e consequentemente a mó andadeira. Ao contrário do moinho, em que o
rodízio se fixava no cabouco, na azenha a roda está localizada numa das fachadas

99
Pelo que nos foi dado a observar nos moinhos existentes, ainda que estes estejam
em ruína, o rodízio deveria ser móvel ao longo da péla.
100
No concelho de Viana do Castelo, fruto dos tempos modernos, também os havia
em ferro.
101
No caso da azenha da Cernada, o cubo é oblíquo e circular, de resto a presença
de cubos com boca circular é constante em Santa Leocádia de Geraz do Lima.
102
Nesse sentido, porque o assunto está por demais estudado até, remetemos o
aprofundamento do tema para a seguinte obra: OLIVEIRA, Ernesto Veiga;
GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim – Sistemas de Moagem – Tecnologia
Tradicional Portuguesa, Instituto Nacional de Investigação Científica/ Centro de
Estudos de Etnologia, Lisboa, 1983.

85
laterais exteriores do edifício – o que se pode constatar na azenha da Cernada – e
comunica com um aparelho motor que se encontra no interior. A propulsão da roda, hoje
não tão fácil de apurar por falta de elementos, podia ser obtida de três formas, sendo que
a mesma se refere sempre ao ponto onde a água caía sobre a roda. Assim, a água
transportada à roda por meio de uma levada e depois por caleiro, que pode ser também
em madeira, era despejada por cima da roda ou pela parte intermédia 103. De acordo com
o que nos é dado a observar noutros casos pode dizer-se que as azenhas de Santa
Leocádia eram copeiras104. Assim, a transmissão da força motriz era aduzida pela água
que caía sobre a roda, enchendo os respetivos copos. Tal, aliada à força gravítica
proporcionada pelo jato de água, fazia com que se iniciasse o respetivo movimento de
rotação. Desta forma, o movimento rotativo da roda exterior, que podia seguir ou não o
sentido dos ponteiros do relógio, consoante a água caiasse à frente ou atrás da roda,
comunicava através de um eixo com o aparelho motor instalado no interior do edifício e
este por sua com a mó andadeira que se situava no patamar superior, isto é na moenda
propriamente dita.
O moinho de planície pode ser encontrado nas partes baixas e planas, mais
concretamente próximo das bacias terminais dos afluentes do rio Lima. Entre outros,
podem relevar-se aqui os moinhos de água de Santa Maria de Rebordões (Ponte de
Lima), assim como os que se encontram na freguesia da Gemieira (Ponte de Lima) e na
bordadura das margens do rio Vez, os quais compreendem mais do que uma mó (Fig. 41
e 42). O edificado deste tipo de estrutura, sempre maior do que a dos moinhos de
montanha, varia contudo. Nuns casos a estrutura é ampla e serve de habitação ao
próprio moleiro, pelo que apresenta vários recortes de janelas e entradas. É, por
exemplo, o que se pode constatar em Ponte da Barca, Gandra e Correlhã, estas em Ponte
de Lima. Noutros casos porém a estrutura é mais pequena, pois o moleiro não habita aí.
É, entre outros casos e evidencias, o que se pode observar por exemplo em Santa Maria
de Rebordões (Ponte de Lima) e nas margens do rio Vez (Arcos de Valdevez). Aqui,

103
Na extremidade do caleiro de madeira normalmente fixava-se uma seteira, mais
à frente ou mais atrás, e que tinha como finalidade regular a intensidade com que a
água era projetada sobre a roda. Além desta função, cabia a esta seteira determinar
o movimento giratório da roda. Se colocada mais à frente a roda seguia o sentido
dos ponteiros do relógio. Se colocada mais atrás a roda iniciava um sentido
contrário ao do ponteiro dos relógios.
104
Em Santa Leocádia ainda persiste uma azenha com boa parte deste sistema
intacto. Na azenha do Barros, entre outros elementos, destacam-se uma roda
vertical de propulsão superior dianteira alimentada de água através de um caleiro
de madeira com pejadouro. Este pejadouro está alinhado à parte dianteira da
respetiva roda.

86
agrupados em núcleos ou dispersos na paisagem – o mais frequente é mesmo a sua
dispersão – o moinho é normalmente construção granítica cuidada, por vezes rebocada,
e apresenta planta quadrangular ou retangular. Coberto com telha de meia cana ou
francesa e por vezes coroado com beirais lajeados, apresenta duas águas e a sua
dimensão varia em função do número de mós, entre uma e cinco respetivamente 105. De
resto o seu funcionamento é em tudo idêntico ao dos moinhos de montanha. Pese
embora este facto, o cubo é aqui menos acentuado e por vezes até substituído por um
canal que leva a água diretamente ao interior do cabouco onde se encontra o rodízio. A
tipologia do rodízio varia aqui, principalmente em função do curso de água. Nuns casos,
por exemplo em Santar, o rodízio é móvel à péla o que permite que o mesmo possa
funcionar durante a maior parte do ano. Em Santa Maria de Rebordões, junto ao rio
Trovela, os rodízios dos moinhos eram todos fixos à péla. Aqui, na esmagadora maioria
dos casos moía-se o cereal apenas no Inverno e na Primeira e por vezes nestas estações
os mesmos eram obrigados a parar por ficarem completamente alagados. No Verão e no
Outono os mesmos moinhos e respetivos rodízios, por vezes dois e três, eram obrigados
a parar pela escassez de água106. Quando tal acontecia o moleiro recorria aqui à
“poçada”, costume que consistia em encher uma poça de água (Teixeira 1995, 12-13)107.
Na planície da bacia do rio Lima abundam também azenhas de propulsão
inferior. Estas estão localizadas nos principais cursos de água da região assim como nas
margens do próprio rio Lima e por vezes até dentro do mesmo 108. É o que acontece por
exemplo numa azenha de propulsão inferior que se encontra na margem direita do Lima,

105
Importa referir aqui também o facto de algumas destas construções serem mais
cuidadas. Tal, além de se constatar no cuidado colocado nas fachadas e nos
materiais utilizados, evidencia-se também na própria arquitetura do cabouco. A este
respeito encontramos em Perre (Viana) um moinho que apresenta cabouco com
arco de volta perfeita.
106
Igual situação se constata nos moinhos de montanha, cujas águas escasseiam no
Verão. Entre outros exemplos destacamos o testemunho de Francisco José
Rodrigues de Cerqueira em 1897. Morador na freguesia de Salvador, concelho de
Ponte da Barca, a certa altura do seu requerimento para a reparação de um açude
refere que no Verão a população “Atendendo à falta de ágoas em quase todas as
freguesias das montanhas, por não terem onde moer os milhos e senteios, afluem
aos moinhos de Val de Fontes para terem pão” (ADVCT – 2.38. 3-5-40).
107
Os moinhos de Santa Maria de Rebordões contemplavam no interior da moenda
duas e três mós. À semelhança do que se passava noutros pontos da bacia do Lima,
a farinha moída nestes moinhos destinava-se exclusivamente ao consumo
doméstico. Os cereais aqui moídos eram o milho e o centeio (Teixeira 1995, 12-13).
108
No rio Lima estas azenhas, as de propulsão inferior, encontram-se implantadas
acima do sítio do Carregadouro. A grande maioria está hoje em ruína e, sobretudo
acima da albufeira da barragem de Ponte da Barca, foram tomadas pela subida do
caudal da água. São estruturas retangulares isoladas na paisagem, apresentavam
cobertura de duas águas e, regra geral, não serviam de habitação ao moleiro.

87
em Santa Maria de Távora, concelho de Arcos de Valdevez (Fig.7). À semelhança do
moinho de planície esta azenha é maior que o moinho que se encontra na montanha. O
edifício, retangular, em alvenaria rebocada nos interstícios e com cobertura de duas
águas, possui várias aberturas, uma das quais a dar acesso ao interior do espaço onde se
encontra o aparelho motor, e na entrada principal, sobre a padieira, a data da sua
edificação: 1786. A montante porém este complexo edificado deixa para trás a planta
retangular para formar um talhamar, impedindo assim que a força das águas do rio,
sobretudo no Inverno, derruam o edifício. Na fachada oposta ao curso de água apresenta
orifício próprio que permite a colocação de um eixo que estabelece a comunicação da
roda de propulsão inferior com o aparelho motor interno. A roda era aqui alimentada de
água por meio de um açude de alvenaria seca que se fixa a montante e cuja disposição
permite o desvio de parte da água do rio para um canal. Neste sistema, a montante do
local onde se encontra a roda, há um sistema de bloqueio e retenção do canal para
desvio das águas sempre que estas não eram necessárias.
A azenha que acabamos de descrever é apenas um exemplo. Como se disse, as
azenhas de propulsão inferior, pouco numerosas é certo, encontram-se implantadas nas
zonas planas, sobretudo nas bacias terminais dos cursos de água que alimentam o rio
Lima. Entre outros, é o que se passa por exemplo em Esturãos, Ponte de Lima, e na
freguesia da Meadela, sobretudo no lugar de Portuzelo e em alguns casos o complexo
edificado serve aqui até de morada para o moleiro. Em ambas as situações os edifícios,
amplos e cuidados, com telhado de duas águas, são em alvenaria, às vezes rebocada, e
apresentam planta retangular que por vezes se torna alongada e estendida
longitudinalmente, formando assim mais do que um corpo. A roda vertical – de
propulsão inferior – encontra-se sempre voltada para o rio e entre este e o edifício fixa-
se um canal cavado que nuns casos apresenta talude térreo e noutros muretes de pedra.
A roda, nos complexos que ainda as têm, é quase sempre de madeira, mas casos há em
que este material foi substituído pelo metal (Fig. 43)109.
Por último, no que aos complexos e sistemas de moagem que utilizam a água
como fonte de energia diz respeito, o moinho de maré. Esta tipologia, frequente em
algumas áreas do país, tem aqui, na bacia hidrográfica do Lima, uma presença residual e
o único exemplar do tipo que se conhece encontra-se localizado na freguesia de
Meadela, mesmo às portas de Viana do Castelo. O edifício, hoje reconvertido em museu
109
Tal evidência encontramos em Portuzelo, freguesia de Meadela, no moinho do
Dante. A mesma situação é encontrada em Santa Marta de Portuzelo, mas neste
caso relacionada com uma azenha de propulsão superior.

88
e integrado no Parque da Cidade, apresenta planta retangular alongada que uma parede
disposta longitudinalmente divide em dois corpos. As paredes, em alvenaria e recortada
por grandes janelões e abertas envidraçadas, são em granito. O telhado, de duas águas,
que segue de perto o alinhamento longitudinal da planta, encontra-se coberto com telha
marselhesa e os caboucos, inicialmente destinados a quatro mós, rematam com arcos de
volta perfeita. O interior, todo ele remodelado, conserva ainda duas moegas da Época
Industrial ligadas aos caboucos por intermédio de um engenhoso e complexo sistema de
rodas dentadas em ferro. O sistema de condução e regulação de águas é distinto de todos
os que se podem encontrar na bacia do Lima. Em linhas gerais, o mesmo baseia-se no
princípio da preia-mar e da maré baixa. Compreende um canal e comportas, uma a
montante e outra a jusante, que se abriam ou fechavam consoante a maré. Aquando da
maré baixa, as comportas, que alimentavam os rodízios da Época Industrial, eram
abertas e a água, sobre a forma de jato, incidindo sobre eles, fazia girar todo o sistema
de rodas dentadas e consequentemente as respetivas moegas (Fig. 44).
O último sistema de moagem que se pode encontrar na região do Lima é o
moinho de vento. É, como refere Brochado de Almeida, “… tradição menor no Entre-
Douro-e-Minho” pois o mesmo enfrentou a concorrência do moinho de água, muito
popular por estas bandas como se viu (Almeida CAB et alii 2009, 181). O facto de a
região ser rica em água, aliado à construção e funcionamento mais simples destes
sistemas serão porventura as principais razões explicativas para uma presença menor
aqui do moinho de vento. Ainda assim, com algum esforço e dedicação é possível
vislumbra-los na paisagem. Sem prejuízo de outras localidades e concelhos até, o
moinho de vento abunda fundamentalmente na orla litoral de Viana, contudo o mesmo
pulula na paisagem interior do Lima, sobretudo em freguesias como Vila Franca, Santa
Leocádia de Geraz do Lima, Perre, Santa Marta de Portuzelo e Nogueira, porém, o
estado em que se encontram impede-nos de aferir com razoável certeza e segurança a
sua tipologia. Do que pudemos observar, apresentam estrutura arquitetónica circular
obtida pela sobreposição de fiadas sucessivas de pedras irregulares de pequeno e médio
porte. O edifício é geralmente alto e compreende dois patamares, um fixado ao nível do
rés-do-chão e outro, com pavimento que era em madeira, no primeiro andar. O tejadilho,
seguramente circular, já não abunda pelo que nos é impossível saber se eram rotativos
como aqueles que se encontram por exemplo em Montedor, lugar de Carreço. Aqui,
entre outros merece destaque o moinho do Marinheiro. Este, contruído em 1877 e com
dois pisos e planta circular, evidencia-se pela armação trapezoidal de madeira das suas

89
velas com quatro braços, assim como pela cobertura cónica em igual material e que
excedendo o próprio diâmetro do edifício, forma com isso um pequeno beiral. A
adaptação do velame à direção do vento fazia-se aqui através do telhado. Este, cónico
como se disse, é rotativo e compreende um pequeno cavalete (Fig. 45). No mesmo local
encontram-se ainda mais dois moinhos de vento, designadamente o moinho do Petisco e
o moinho de Cima, este com o ano 1835 inscrito na padieira da porta de entrada para o
interior. Estes, não tão significativos do ponto de vista arqueo-etnográfico, têm a
particularidade de tal como o primeiro serem hoje imóveis de interesse público.

V – O PÃO NA RIBEIRA LIMA: origens e evolução

As mais recônditas origens do pão, tal qual o concebemos hoje, remontam ao


início do Neolítico, época em que o Homem começou a cultivar os cereais (Aguilera,
pág. 16)110. No entanto, entre o início do seu cultivo e a produção do pão propriamente
dita decorreram vários milénios (Aguilera 2001, 17). É possível que no início, numa
fase de aprendizagem e domínio da Natureza, o Homem ainda o tenha consumido no
estado cru. Depois, com o avançar do tempo e da experiência que foi acumulando no

110
A este respeito a Arqueologia tem hoje dados muito concretos sobre o assunto.
Sabe-se pois que entre 10.000 e 7.000 a.C., já existiam plantações de cereais,
mormente trigo e cevada, em várias regiões da Anatólia, Palestina e Eufrates. Entre
outros, o caso mais conhecido é sem dúvida Jericó (Aguilera 2001, 16).

90
amanho da terra, começou a triturar e a torrar os seus grãos, que misturados com leite ou
água deram lugar a uma espécie de papas, estas mais fáceis de ingerir e mais nutritivas
(Aguilera 2001, 17). Entre a passagem das papas ao pão propriamente dito sucederam-
se ainda alguns séculos, tendo a mesma dado-se fundamentalmente com o advento da
civilização tal qual a concebemos (Aguilera 2001, 17)111.
O pão, enquanto alimento nutritivo, cozido e apresentado na forma de massa, de
bolacha, de bola ou de bolo é um produto da civilização 112. Entre as mais antigas formas
de pão está a bola Assíria113, uma massa de pão feita a partir da mistura de farinhas de
trigo e de cevada que segundo a Arqueologia era cozida em pedras previamente
aquecidas ao lume (Aguilera 2001, 18)114. O maior contributo no que respeita à indústria
do pão foi dado no entanto por egípcios e hebreus. Os primeiros deixaram-nos a este
nível testemunhos notáveis como bem o demonstram algumas pinturas murais e
estações arqueológicas. Com efeito, nos seus monumentos encontrou a Arqueologia
detalhes impressionantes, designadamente pinturas e desenhos alusivos ao cultivo de
cereais e às várias etapas da produção do pão115. Entre outros, por ser até o mais
conhecido, merecem destaque as pequenas estatuetas egípcias, que se encontram no
Museu do Louvre, e que representam as padeiras e os moleiros do velho Egipto
111
É importante reforçar aqui o papel diacrónico e sincrónico do pão. Compreenda
ele as papas, as massas, os bolos ou as bolas, o pão não surge ao mesmo tempo
nos diferentes espaços. Se no Médio Oriente é possível encontrar indícios da sua
presença logo no início das civilizações, para a Península Ibérica, por exemplo, será
necessário esperar mais algum tempo pelo seu advento. Além deste aspeto,
importa referir igualmente que entre as civilizações mais antigas as papas, os bolos
e as bolas, assim como as massas coabitam frequentemente os mesmos espaços
temporais. Em geral, a descoberta de uma forma não acarreta o abandono de outra,
pelo contrário.
112
Entendamo-nos a este respeito. Na Antiguidade o conceito de pão é muito
abrangente e o mesmo engloba tanto as papas como as massas, os bolos e as bolas
(Giammellaro 2008,76). Como refere Montanari, deveríamos falar mais em cereais
do que em pão. Por exemplo, a respeito do consumo de pão por parte de gregos e
romanos, diz-nos este historiador que os gregos surgem fundamentalmente como
“…comedores de cevada…” enquanto os romanos eram “… comedores de papas…”
(Flandrini et alii 2008a, 95).
113
No meio arqueológico e historiográfico este pão é conhecido como Pão
Subcinerício.
114
Aguilera refere ainda um outro método de cozedura para o pão Subcinerício,
sendo que o mesmo veio a ser utilizado mais tarde também por hebreus e gregos.
Segundo este historiador, a massa de pão Assírio, o pão Subcinerício, podia
também ser cozida em grandes vasilhas invertidas de boca larga, entrando o lume
pela parte inferior e lateral (Aguilera 2001, 18).
115
Sobre a forma de fazer farinha diz-nos Edda Bresciani que os egípcios a faziam
em casa utilizando uma técnica rudimentar mas eficiente: “ Os grãos eram primeiro
triturados num almofariz de pedra, antes de serem moídos numa placa de pedra
inclinada; este pó grosseiro era depois peneirado. Para obter uma farinha mais fina,
os grãos de cereais eram levemente torrados ou secos ao sol antes de serem
moídos” (Bresciani 2008, 56).

91
(Marques 1964, 52). Além deste aspeto, deveras importante do ponto de vista
arqueológico e historiográfico, diga-se em boa verdade que aos egípcios se deve
também a descoberta do fermento (Bresciani 2008, 56)
Importante, como se disse, foi também o contributo dos hebreus na Arte da
produção de pão. Tal contributo, que para o conhecimento histórico e arqueológico
advém sobretudo da leitura de várias passagens da Bíblia, permite-nos numa primeira
análise ter uma perceção muito clara do tipo de pão que circulava na antiguidade ou
pelo menos no Mundo Hebraico. Graças pois à sua leitura sabemos por exemplo que
existia uma distinção muito clara: pão consagrado116 e pão comum. O primeiro
destinado a cerimoniais e o segundo, muito provavelmente, ao consumo quotidiano
como se depreende da seguinte passagem: “O sacerdote, contudo, respondeu a Davi:
Não tenho pão comum; somente pão consagrado; se os soldados não tiveram relações
com mulheres recentemente, podem comê-lo” (1 Samuel 21, 4). Noutras passagens da
Bíblia ficamos também a saber que havia pão de cevada, de trigo, de painço e de espelta
(Juízes, 7, 13; Gênesis, 40, 16; Ezequiel, 4, 9). Além destas menções e distinções, a
Bíblia é também muito clara quanto à tipologia e forma de consumir o pão, este aqui na
maioria dos casos sem fermento. Em Números, por exemplo, refere-se que os hebreus
consumiam pães finos e bolos (Números, 6, 19). No livro de Levítico menciona-se o
consumo de cereais torrados (Levítico, 23, 14). No livro de Êxodo supõe-se o consumo
de pão com ensopado de lentilhas e bolos assados com azeite enquanto no livro de Rute
se refere textualmente pães embebidos em vinagre (Gênesis, 25, 34; Rute, 2, 14; Êxodo,
29, 23). De acordo com a Bíblia é também possível aferir algumas formas de cozedura e
peso do pão. Quanto ao segundo, o livro de Ezequiel é claro: “Pese duzentos e quarenta
gramas do pão por dia e coma-o em horas determinadas” (Ezequiel, 4, 10). Em relação
ao primeiro, à cozedura propriamente, podem-se elencar duas ou três passagens, as
quais nos dão uma ideia aproximada dos métodos e técnicas utilizadas, as quais são
variadas. Em Reis, por exemplo, diz-se que “ Elias olhou ao redor e ali, junto à sua
cabeça, havia um pão assado sobre brasas quentes e um jarro de água.” (1 Reis, 16, 6).
Em Levítico “… dez mulheres assarão o pão num único forno e repartirão o pão a
peso.” (Levítico, 26, 26). No livro de Ezequiel faz-se ainda menção a mais uma técnica:
“Está bem, disse ele, deixarei que você asse o seu pão em cima de esterco de vaca, e
não em cima de fezes humanas.” (Ezequiel, 4, 15).

116
Pão Ázimo

92
De acordo com os Textos Sagrados os hebreus consumiam em geral pão
fermentado, isto é um pão em que a massa era deixada em descanso durante algum
tempo, e o consumo do mesmo estava proibido no período da Páscoa. Para este período
festivo, segundo a Mitologia Hebraica, reservou Deus para o seu Povo um pão sem
fermento, o pão Ázimo. Trata-se, em geral, de um pão adelgaçado, feito de massa
escura, pesada e cheia de humidade e o mesmo era cozido em forma de folha (Aguilera
2001, 17; Marques 1964, 45). No essencial era um pão sem fermento ou levedura visto
que esta era tida como símbolo de impureza e malícia enquanto o pão Ázimo significava
pureza e verdade como mais tarde explicitaria São Paulo aos Coríntios (Soler 2008,69).
Por este motivo, ainda hoje a essência do pão Ázimo entra nos costumes católicos o
qual se consubstancia simbolicamente na Hóstia Sagrada tida como a representação do
Corpo de Cristo, puro e incorruptível (1ª Coríntios, 11, 26; Marques 1964, 45).
O contributo civilizacional para a fabricação do pão foi imenso. Como se pode
imaginar, cada civilização, cada povo, um pouco à sua maneira, desempenhou o seu
papel. Uns destacaram-se na inovação direta da cozedura, inventando ou inovando os
fornos e outras estratégias de cozedura, outros por sua vez distinguiram-se nas várias
fases de produção, desde o cultivo do cereal ao aperfeiçoamento dos processos de
moagem. É o caso, por exemplo, dos gregos e dos romanos que entre o Mundo Antigo
souberam como ninguém difundir o moinho manual rotativo, depois o moinho
hidráulico e por fim, entre tantas virtudes, a atafona. Mas estes povos, além de terem
difundido novos mecanismos e práticas, distinguiram-se também na Arte de produzir
pão. Entre os gregos, além de outros tipos de pães, estes mais correntes certamente, era
costume oferecer-se às divindades um pão especial feito com farinha muito fina e
amassada em azeite e vinho (Aguilera 2001, 27-28). Este pão veio mais tarde a estar na
origem do pastel matrimonial dos romanos, que feito da melhor farinha de trigo era
amassado à maneira grega e em seguida oferecido a Júpiter (Aguilera 2001, 28). Trata-
se, em geral, de um bolo redondo vazado a meio e segundo Aguilera o mesmo é o
antecessor do bolo-rei que hoje conhecemos (Aguilera 2001, 28). Igualmente divulgado
e consumido por estes povos, gregos e romanos, foram também as massas e as papas
que num conceito alargado, de resto o que vigorava em todo o Mundo Antigo, eram
também considerados pão. Segundo Flandrini e Montanari, na sua épica obra sobre a
História da Alimentação, os gregos destacaram-se pelo consumo de massas de cevada

93
enquanto os romanos se distinguiram no consumo da puls117, uma espécie de papas com
cereais moídos em água e aos quais se juntavam algumas leguminosas secas (Flandrini
et alii 2008, 95; Almeida CAB 2001, 68; Almeida CAB et alii 2009,170). Apesar disso,
os romanos também se notabilizaram no fabrico de pão comum, o qual resultou,
obviamente, de conhecimentos e práticas há muito conhecidas no Mundo Antigo e que
depois foram difundidas por todo o império.
Regra geral, o historiador e o arqueólogo conhece muito bem a partir da leitura
das fontes clássicas algumas formas e tipologias de pão. Entre outras, elas falam-nos do
pão branco, um pão fino, macio e agradável ao paladar e que era feito a partir da melhor
farinha de trigo, a fina flor. Este, por ser de melhor qualidade, estava apenas acessível às
classes sociais mais abastadas, pelo que para todas as outras havia outros pães, estes
geralmente mais duros e feitos a partir de farinhas de segunda, mormente de centeio,
cevada e milhos-miúdos. Assim, o pão comum, sólido por assim dizer, adquiria em
Roma várias formas e o mesmo era por norma cozido e vendido em padarias, as quais se
começam a documentar aqui por volta do século II a.C., (Almeida CAB 2001, 74). A
este respeito o testemunho que nos deixou Plínio é bastante taxativo. Havia pois pães
cozidos sobre lareiras, pães cozidos em fornos tais quais os concebemos ainda hoje, e
pães cozidos em fornos portáteis, estes certamente no seio de um ambiente mais familiar
(Plínio, Nat., 18,88,18, 104; Bustamante Álvarez 2013, 3). Assim, como facilmente se
pode imaginar, havia em Roma uma infinidade de tipologias de pães. Entre outros,
pode-se destacar aqui o Panis Picentinus, um pão que era consumido com azeite e salsa,
ou o Panis Parthicus, um tipo de pão esponjoso por ser embebido numa maior
quantidade de água e que por isso mesmo era também designado por Panis Aquaticus
(Plínio, Nat., 18, 106; Bustamante Álvarez 2013, 3). Além destes merece igualmente
destaque uma ínfima variedade de pães aos quais se juntavam outros ingredientes como
leite, ovos, mel, azeite e queijo, como acontece por exemplo com o Panis Artolagnus
(Plínio, Nat., 18, 105; Bustamante 2013, 3). Por último, porque não os podemos referir
todos, duas referências mais. A primeira a respeito do Libum, um tipo de pão com cerca
de dois quilos de peso e que além de farinha levava ovos cozidos e era cozido sobre
uma grelha (Bustamante Álvarez 2013, 3). A segunda refere-se fundamentalmente à
forma. Em geral, conhece-se bem a forma de alguns pães romanos que se conservaram

117
Trata-se, no geral, de papas não levedadas feitas com farinha de farro (Triticcum
Dicoccum) ou com espelta (Bustamante Álvarez 2013, 2)

94
no registo arqueológico. É o caso sobretudo do pão pompeiano o qual apresenta em
geral forma redonda (Bustamante Álvarez 2013, 3).
O pão fosse ele qual fosse, desempenhou no Mundo Antigo um papel
extremamente importante ao ponto inclusive de ser considerado o elemento definidor de
Civilização. No essencial dele dependia a sobrevivência de povos e civilizações, cujo
grau se media muitas vezes pela quantidade de cereal produzido e vendido como bem se
demonstra no livro de Isaías que nos diz que à época do rei Salomão cevada e trigo
eram a mercadoria privilegiada nas trocas comercias entre Israel e a cidade Fenícia de
Tiro (Isaías, 23, 3). Em Roma, séculos mais tarde, já depois do câmbio da Era, por
questões de estabilidade e pacificação da ordem pública mas também pela presença de
algum populismo e oportunismo político distribuía-se gratuitamente o pão no Coliseu
numa política que ficou conhecida para a História como “Pão e Circo”.
No Mundo Antigo, tal como hoje de resto, além de fazer parte da dieta alimentar,
juntamente com o azeite e o vinho, a tríade mediterrânica alimentar, o pão foi como que
divinizado por diversos povos. Nas religiões antigas não faltam pois mitos alusivos ao
carácter sagrado do pão. Em Israel, como vimos, criou Deus, para o seu Povo Eleito, o
pão Ázimo. No Egipto os egípcios além de dedicarem os seus celeiros aos deuses nos
funerais incluíam a oferta de alguns grãos de cereais, pois que o defunto ia precisar
deles para se alimentar durante a viagem (Toussaint-Samat 2009, 117) 118. Na China o
painço, um dos cereais mais consumidos por aí na Antiguidade, adquiriu tal importância
que para esta nação “Prince Millet” era a figura celestial antecessora do primeiro
imperador (Toussaint-Samat 2009, 117)119. Na Grécia, e mais tarde em Roma, o mesmo
veio a suceder-se. Na Grécia Deméter era a deusa dos trigos e juntamente com Atena, a
deusa que concebeu o azeite, e Dionísio, o célebre deus do vinho, ocupava um lugar de
destaque na tríade alimentar mediterrânica. Em Roma a mesma Deméter recebeu a
designação de Ceres, nome que a imortalizou pois que é dele que saiu o nome que
designa genericamente os diferentes cereais (Aguilera 2001, 25-26). Com o advento do
Cristianismo o mesmo acontece e como refere Linda Civitella “... não deixa de ser
curioso que séculos mais tarde os cristãos retomem este principio [o néctar e a ambrósia
dos deuses gregos] extendendo-o contudo ao comum dos mortais: o vinho (néctar),

118
No caso do povoado da Cimalha (Idade do Bronze), em Sernande, Felgueiras,
verifica-se presumivelmente esta mesma crença, pois que da cabeceira das
sepulturas cavadas no saibro foram extraídos recipientes cerâmicos.
119
No continente americano, entre outros casos, os Astecas. Estes ofereciam espigas
de milho aos seus deuses (Toussaint-Samat 2009, 117).

95
representa o sangue de Cristo e a Hóstia (o pão) o Corpo de Cristo...” (Civitella 2007,
31-32)120.
Igualmente importante, no que respeita à simbologia e consumo do pão na
Antiguidade, sobretudo na Época Clássica, é a sua dimensão social e civilizacional.
Esta, quase sempre imbuída no espírito e cerimonial religioso, do qual o Syposium e o
banquete romano constituem o expoente máximo para o historiador, foi utilizada pelos
autores gregos e romanos para dividir o mundo entre os que eram “comedores de pão”
e os que não o consumiam ou raramente o faziam. Para gregos e romanos “… o pão é o
símbolo da civilização…”, contudo consumi-lo não era garantia de se ser civilizado pois
como refere Plutarco “… não nos sentamos à mesa para comer, mas sim para comer
juntos…” (Flandrini et alii 2008, 93). Para este, no fundo, não era o pão que distinguia
um ser civilizado de um bárbaro mas sim a forma como o primeiro o fazia. Se comer em
grupo era algo que os bárbaros desconheciam ou raramente praticavam, já para os
gregos e romanos significava a sua integração na comunidade, na sociedade
propriamente dita (Almeida CAB 2001, 69). Para estes o banquete, que integrava
naturalmente todos os ingredientes da tríada alimentar mediterrânica, o pão, o azeite e o
vinho, significava a inserção do indivíduo na comunidade. Assim, para gregos e
romanos o banquete mais não era que “…a expressão máxima da comunidade, algo que
se expressava nos lugares que cada um ocupava à mesa e nos alimentos que
consumiam, assim como no número de pratos que se serviam…” (Almeida CAB 2001,
69).
Em suma, a pertença civilizacional grega e romana era definida pelo consumo de
pão, acompanhado sempre pelo vinho e pelo azeite. Contudo, mais importante do que o
consumo era a forma como o faziam. Enfim, para gregos e romanos, o pão, o vinho e o
azeite eram a base da sua alimentação. Consumi-los era pois um ato normal de alguém
considerado civilizado. Pelo contrário, não o fazer era considerado bárbaro. É, pois, por
aqui que se pode entender a expressão homérica “comedores de pão”, assim como as
palavras que Estrabão utilizou para descrever os povos do Noroeste Peninsular. Para
este, esses povos não eram civilizados apesar de praticarem o banquete. Consumiam

120
Importante também nos ritos religiosos da Antiguidade é o papel da carne. Esta,
tantas vezes sacralizada e utilizada em ritos e sacrifícios, com o advento do
Cristianismo, sobretudo a partir do século III-IV d.C., é dessacralizada e passa a ser
consumida quotidianamente como um alimento comum. A isto, além do papel do
Cristianismo, não terão sido certamente alheias as incursões bárbaras que a partir
deste período se intensificam um pouco por todo o Império Romano (Flandrini et alii
2008, 100-101).

96
pão, é certo, mas de bolota. Comiam carne, sobretudo de cabra, o que os romanos
raramente faziam. Conheciam o vinho, mas bebiam habitualmente água, leite e zitós. E
não usavam azeite, apenas manteiga. Enfim, Estrabão penaliza estes povos por não se
alimentarem e comportarem à maneira romana (Estrabão, III, 7; Almeida CAB 2001,
72-74). Mas seria isso verdade ou, pelo contrário, criou Estrabão uma narrativa
alternativa em virtude da forte resistência que os romanos aqui encontraram? Em boa
verdade inclinamo-nos mais para a segunda pois é para aí que se encaminham os dados
que têm sido recolhidos pela Arqueologia, senão vejamos.
De acordo com o conhecimento atual, proveniente de ciências como a
Arqueologia, a Botânica e a Biologia, pode dizer-se que o cultivo dos cereais começou
com a manipulação de três espécies de trigo selvagem – Triticum Boeoticum, Triticum
Aegilopoides e Triticum Dicoccoides – e que estas terão dado origem a dezenas de
outras espécies, nomeadamente, sem prejuízo das restantes, ao Triticum Aestivum (trigo
comum), ao Triticum Turdidum Durum (trigo duro) e ao Triticum Spelta (Spelta)
(McCorriston 2000b, 159-168; Zohary et alii 2011, 238).
Os indícios mais antigos de domesticação de trigo e cevada remontam
sensivelmente ao X e IX milénios a. C. Estes indícios, que compreendem sobretudo a
presença de grãos de Triticum Monococcum, portanto espécie já domesticada, têm sido
encontrados em diferentes estações arqueológicas. Em Çayönü e em Cafer Höyük,
ambas na região da Anatólia (Turquia), os grãos encontrados têm sido datados de 10.600
a 9.990 a. C., (Zohary et alii 2011, 240). Um pouco mais a sul, em sítios como Tell
Aswad, em Damasco (Síria), e Jericó (Israel), os níveis onde se encontram os grãos de
Triticum Monococcum e de Triticum Dicoccum121 correspondem grosso modo, segundo
datação por método de carbono 14, a um período que se situa algures entre os 10.600 e
os 9.550 a. C., (Toussaint-Samat 2009, 116; Zohary et alii 2011, 240)122. Além destas
estações releve-se ainda no conhecimento arqueológico atual sítios como Tell Mureybet
(Turquia) e Jarno (Iraque). Em Tell Mureybet, tida como uma das cidades mais antigas
do mundo, nas suas unidades estratigráficas mais antigas, que remontam ao IX e VIII
milénios a.C., encontram-se já sementes de trigo domesticado (Triticum Monococcum)
em número superior ao da espécie selvagem (Triticum Boeoticum), facto que parece

121
É também conhecido pelo nome de Farro e foi entre os trigos a espécie mais
cultivada, sobretudo no Neolítico e na Idade do Bronze (Zohary et alii 2011, 240).
122
As datações destes grãos foram entretanto questionadas e revistas por alguns
especialistas. Hoje a cronologia que lhe é atribuída e a seguinte: 10. 500/ 10. 300
ou seja, 8.500 a 8. 300 a.C. (Zohary et alii 2011, 240).

97
atestar uma efetiva domesticação e plantação intencional desta espécie (Toussaint-
Samat 2009, 116)123. Em igual sintonia, ainda que para um período ligeiramente mais
recente parecem ser também os resultados que provêm das escavações arqueológicas
realizadas em Jarno, cidade situada no Iraque e cuja história nos é contada em 16
unidades estratigráficas. Aqui, nos níveis mais antigos, os quais correspondem grosso
modo a cerca de 7. 000 a. C., encontram-se com frequência grãos de trigo e de cevada
domesticados (Toussaint-Samat 2009, 116). De resto a cevada será mais ou menos
contemporânea nas suas origens ao trigo. Em geral, é nos registos arqueológicos do IX e
VIII milénios a. C., de sítios como Netiv Hagdud, Ohalo II, Jarno, Tell Aswad e Jericó,
só para mencionar os mais conhecidos, que surgem grãos de cevada domesticada em
número superior às sementes selvagens, o que em certa medida corresponde às
cronologias que se têm atribuído com alguma margem de segurança para o trigo
(McCorriston 2000a, 82-83).124
Por cá, no Norte da Península Ibérica e mais especificamente no território
setentrional português, sobretudo nas regiões de Trás-os-Montes e do Entre-Douro-e-
Minho o cultivo do trigo e da cevada são mais recentes e grosso modo remontam ao V
milénio a.C., (Almeida CAB 2007, 32; Almeida CAB 2008b, 62; Tereso 2012, 160;
Figueiral et alii 1998-1999, 77).125 Entre outros exemplos, pese embora o facto de pouco
se saber sobre os primórdios do seu cultivo, pode salientar-se os dados obtidos pelos
estudos carpológicos em As Aias (Espanha) e no Buraco da Pala (Mirandela). Tanto
num sítio como no outro se atesta o cultivo de Triticum, de Hordeum Vulgare (cevada de
grão vestido), Hordeum Vulgare Nudum (cevada de grão nú) e de Vicia Faba Minor
(fava) pelo menos desde meados do V milénio a. C., (Figueiral et alii 1998-1999, 81)126.

123
Os indícios mais antigos correspondem a níveis estratigráficos que se situam
cronologicamente num intervalo de tempo entre os 8. 600 e os 7. 800 anos a.C.
124
Com efeito a maioria da comunidade científica está hoje convicta de que a
domesticação da cevada ocorreu mais ou menos aquando da do trigo. Em geral,
considera-se que a cevada foi domesticada e cultivada em pequenas áreas
agrícolas onde o trigo não existia e que depois por força dos movimentos
migratórios deverá ter-se expandido a todo o Crescente Fértil. De acordo com
estudos recentes, sobretudo ao nível da genética e da biologia, a cevada teve
origem em dois locais: vale do rio Jordão (Israel) e Irão (Zohary et alii 2011, 244).
125
Como abordamos o cereal apenas do ponto de vista da aparição arqueológica,
remetemos a vertente etnográfica para as seguintes obras: AURORA, Conde d` –
Malhadas de Centeio no Entre-Douro-e-Minho, in Revista de Etnografia, vol. VII,
tomo I, Porto, 1966, págs. 24-54. BARBOFF, Mouette – Terra Mãe Terra Pão, Âncora
Editora, Lisboa, 2005. BARBOFF, Mouette – A tradição do Pão em Portugal, edição
Clube do Coleccionador dos Correios, Correios de Portugal, 2011.
126
Tal indicia claramente a possibilidade do cultivo da cevada e do trigo serem
contemporâneos nos inícios da agricultura pelo menos nestas regiões.

98
Independentemente das questões e sucessões cronológicas sobre a aparição
destes cereais, certo é que o trigo e a cevada se tornaram nos cereais de eleição das
primeiras comunidades agrícolas. A razão de tal preferência, sobretudo no caso do trigo,
parece residir no facto da sua cultura ser mais fácil de trabalhar, ter maior valor nutritivo
e do seu respetivo produto, o grão, se poder conservar mais facilmente e durante muito
mais tempo (Zohary et alii 2011, 240). De resto estes serão pois os motivos que
justificam a sua longa diacronia e dispersão pelo Noroeste português. Espécies como o
Triticum Aestivum, o Triticum Aestivum Durum e o Triticum Turdidum Durum abundam
no registo arqueológico de várias épocas, designadamente em locais como Bitarados
(Esposende) e Castelo de Aguiar no período Calcolítico 127, em Briteiros no século I a.C.,
em Mozinho e no Castro de São Lourenço por exemplo no período romano, sobretudo
entre o século III e o V d.C., (Bettencourt et alii 2004b, 81; Tereso 2012, 164, 223)128.
Logo a seguir ao trigo os milhos miúdos parecem ter sido o cereal mais
cultivado na bacia hidrográfica do Lima, isto pelo menos até meados do século XVII.
Milhete, milho-miúdo ou simplesmente painço são os nomes que se dão a uma enorme
variedade de milhos que taxinómica e morfologicamente nada têm a haver uns com os
outros, mas cujos usos e práticas similares permitem agrupar em apenas um grupo 129. De
entre a enorme quantidade de espécies no Mundo Antigo, sobretudo na Europa, parecem
ter circulado pelo menos três, duas das quais de resto muito populares por cá: o
Digitaria Sanguinalis130 (milho alvo), o Panicum Milliaceum131 e o Setaria Itálica
(painço)132. Relativamente ao primeiro mais popular por cá, o Digitaria Sanguinalis,
127
Além destas espécies refira-se também um outro dado: a presença de inúmeros
grãos de Triticum Spelta em povoados como Castrovite e Palheiros. A presença de
tais grãos atesta a ideia de que o Triticum Spelta era já muito cultivado antes da
chegada dos romanos ao território (Tereso 2010, 68).
128
Um alerta apenas a este respeito. As cronologias de sementes de trigo atribuídas
ao século I a.C., em Briteiros e ao período romano em Mozinho e São Lourenço não
significa que o trigo não fosse cultivado antes. No caso de São Lourenço, realidade
que conhecemos melhor, as datações atribuídas têm a ver com o sector que foi
analisado e que se prende precisamente com essa cronologia.
129
São várias as referências bibliográficas ao milho-miúdo, muitas vezes sem
especificar a respetiva variante. Em linhas gerais para a Idade do Ferro este cereal
está documentado em sítios como o Coto da Pena (Caminha), o castro de São
Estevão da Facha (Ponte de Lima), o Castelo de Faria (Barcelos) e, entre outros, em
São Lourenço, Esposende (Almeida CAB 2003, 243; Silva ACF 1986, 112).
130
A passagem do estado selvagem ao estado domesticado parece ter-se dado no
continente asiático por volta de 5000 a.C., e na Europa por volta do terceiro milénio
a.C., (Wet 2000, 118-119).
131
As evidências atuais apontam para uma ancestralidade próxima dos sete mil
anos a.C. no Norte da China e para os cinco mil a.C. na Europa (Zohary et alii 1988,
83).
132
Os indícios mais antigos da sua cultura, que se encontram no continente asiático,
remontam a um período que se cifra entre os 7.000 e os 5000 a.C. Na Europa a sua

99
também conhecido como milho-alvo é um cereal de cor branca e os seus grãos,
formando como que uma espécie de cachos são bastante pequenos e frágeis. É um
cereal de Verão, pouco exigente no que toca a solos, e semeado por altura de Maio
permite que se colha o produto no mês de Setembro. No Norte de Portugal, sobretudo
no Entre-Douro-e-Minho, assim como na região do Lima, foi um dos cereais mais
populares pelo facto de crescer rapidamente. Do ponto de vista arqueológico a sua
aparição no Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes dá-se durante a Idade do Bronze.
Entre outros sítios e estações arqueológicas desse período, destacamos, por exemplo,
Sola, São Julião, As Aias e Palheiros, neste ainda no decurso do Calcolítico (Bettencourt
et alii 2004b, 180; Tereso 2012, 164-171). Com o advento do Mundo Romano este
cereal parece manter a sua importância. Com efeito, as suas sementes aparecem com
alguma regularidade em povoados como Briteiros, Palheiros, Ermidas, Mozinho e São
Lourenço (Tereso 2012, 223). Com respeito ao Setaria Italica, conhecido entre nós
como painço pode dizer-se que se trata de um cereal extremamente importante e popular
no Mundo Antigo, a ponto de por vezes suprir a falta de trigo, sobretudo durante o
período romano. Em Portugal, em Trás-os-Montes, este cereal documenta-se
arqueologicamente em Palheiros pelo menos desde o Calcolítico (Tereso 2012, 164). No
Entre-Douro-e-Minho – no Período Romano – surge no registo arqueológico de sítios
como Briteiros, Mozinho e São Lourenço (Tereso 2012, 223).
Cereal de eleição no Mundo Antigo foi também o Secale Cereal (centeio)133. As
evidências mais antigas da sua domesticação recuam aos inícios da agricultura, ou seja
ao Neolítico e parece ter surgido como uma alternativa ao trigo e à cevada que não se
davam em ambientes de neve e em anos mais frios (Zohary et alii 1988, 64)134. A
dinamização do seu cultivo deu-se porém na Idade do Bronze e a mesma é atestada em
vários povoados de montanha do centro e do leste da Europa, nomeadamente na região
dos Alpes e dos Cárpatos (McCorriston 2000b, 150). Por cá, sobretudo no Entre-Douro-
e-Minho temos notícias deste cereal em povoados como Mozinho e São Lourenço135.

aparição parece ser mais tardia. Até ao momento a Arqueologia tem dificuldade em
encontrar grãos anteriores ao segundo milénio a.C. (Zohary et alii 1988, 82-86).
133
As suas origens são um tanto obscuras uma vez que se trata de um cereal muito
semelhante ao Triticum Spelta e que também se dá em ambientes frios (Behre
1992, 143).
134
As evidências mais antigas da sua domesticação encontram-se inscritas no
registo arqueológico de algumas estações montanhosas sediadas na Turquia e na
região o Cáucaso. Trata-se de um cereal que é capaz de germinar a 1 ou a 2 graus
negativos (Zohary et alii 1988, 64-65).
135
Há também, entre outras obviamente, notícias de centeio no Castelo de Faria
(Almeida CAB 2003, 243).

100
Em ambos os casos as sementes identificadas como centeio surgem em contextos do
século III e IV d.C., mas isso não significa necessariamente que o mesmo já por cá não
circulasse antes (Tereso 2012, 107 e 141-150).
A narrativa cronológica do cereal e da sua dispersão pelo espaço não se esgota
no trigo, na cevada, nos milhos miúdos e no centeio 136. No registo arqueológico do
Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes surgem outras espécies que não pertencendo
propriamente ao grupo dos cereais desempenhou essa função. É sobretudo o caso da
bolota137 que aparece já inscrita em níveis estratigráficos do III milénio a.C., (ex. S.
Jorge do Rei) e da Idade do Bronze e que depois se perpetua pela própria Idade do Ferro
(Bettencourt et alii 2004b, 181; Tereso 2007, 163)138. A ela se refere como vimos muito
especificamente Estrabão que sobre os costumes dos povos locais desta parte da
Península Ibérica afirma os mesmos alimentarem-se durante a maior parte do ano de
pão feito de glandes de bolotas (Estrabão, III, 7)139. Ora, nada mais falso! Os indícios
arqueológicos que temos vindo a descrever negam quanto a nós essa possibilidade, pelo
menos na dimensão que se lhe atribuiu (Almeida CAB 2003, 241; Silva ACF 1986,
112). Como temos vindo a ver, por cá, muito antes de Estrabão dedicar algumas
palavras sobre os povos que aqui viviam, já se semeavam várias espécies de cereais. No
universo cerealífero do mundo antigo do Noroeste Peninsular, há muito que circulava o
trigo, a cevada, o painço, o milho-alvo e até, eventualmente, o centeio. Enfim,
contrariando o que disse Estrabão, será lógico pensar-se que os povos que aqui viviam
há dois e três mil anos se alimentavam somente de pão de bolotas? Para que seriam os
silos cavados no solo que se encontram em vários povoados de Época Calcolítica e da
Idade do Bronze? Qual seria então o uso e o destino das sementes de trigo, de cevada,
de centeio e de milhos miúdos que se têm encontrado em povoados de diferentes

136
Uma referência ainda para a aveia. Não tendo sido um cereal muito divulgado por
cá é de salientar no entanto a sua presença em São João do Rei em níveis do século
IV e III a.C., (Bettencourt et alii 2004b, 180).
137
Além da bolota releve-se também o papel da castanha. Segundo Orlando Ribeiro
durante quatro a cinco meses do ano era a castanha quem substituía na
alimentação o pão. Não negando o papel que esta teve na alimentação temos no
entanto dúvidas quanto ao seu papel na substituição do pão por um período do ano
tão longo. As fontes, arqueológicas e sobretudo medievais não parecem dizer isso.
138
Com efeito, na região ela está presente em povoados como Senhor dos
Desamparados, em Esposende, e no castro Santo Estevão, na freguesia da Facha,
Ponte de Lima. Tanto num caso como no outro foram encontradas bolotas
queimadas em contexto de lareiras (Marques 2012, 246).
139
No sentido de não nos darmos a interpretações dúbias contestamos aqui não o
facto de Estrabão afirmar que os povos que aqui viviam consumiam pão de bolotas,
mas antes o enfase dado a esse consumo que nos parece exagerado face às
evidências arqueológicas.

101
épocas? À mercê do conhecimento arqueológico que hoje temos não será admissível a
ideia de que os povos que aqui vivam se alimentavam de pão de cereais? Quem o sugere
é a Arqueologia. É certo que pouco sabemos acerca do pão dos povos que aqui viviam
na altura em que os romanos cá chegaram, contudo não nos parece descabida a ideia de
o mesmo já por cá existir. É provável que o mesmo não seguisse a maneira romana de
produzir o pão, contudo, se tivermos em conta o conceito de pão vigente à época o
mesmo poderia muito bem ser consumido sob forma de papas. Se este aspeto é inegável,
até pelo tipo de cerâmicas que normalmente aparecem no registo arqueológico e que
muito nos dizem sobre os hábitos alimentares140, é bem possível no entanto que os
povos deste canto peninsular consumissem igualmente o pão na forma sólida. A este
respeito tomemos por exemplo os parcos indícios que a Arqueologia tem identificado:
as lareiras encontradas junto a áreas de silagem, como acontece em Cimalhas, Bitarados
e Penedos Grandes. Será que nessas lareiras não se cozeu pão na forma como por
exemplo se refere frequentemente em algumas passagens da própria Bíblia? Será assim
tão descabida a ideia do consumo de cereais torrados sobre pedras previamente
aquecidas? Mais ainda. Será que os povos que aqui viviam desconheciam em absoluto
outras formas de fazer pão que não o de bolota? Afinal a Arqueologia atesta em vários
povoados da região do Lima e de todo o Norte de Portugal a presença de cerâmicas e
outros materiais de importação. Será que os povos que aqui viviam importaram apenas
objetos ou, pelo contrário, novos conhecimentos e técnicas e entre elas novas formas de
fazer pão?
Independentemente destas questões e aspetos, certo é que pouco ou nada se sabe
sobre o pão anteriormente à chegada dos romanos mas de uma coisa temos a certeza: na
produção do pão entravam seguramente outras farinhas. Por isso é até admissível que
houvessem vários tipos de pães, uns de trigo, outros de cevada, outros de milho-miúdo
e, claro, também de bolota como refere Estrabão. A este respeito coloca Brochado de
Almeida a possibilidade do pão castrejo, antes da vinda dos romanos, ser aqui do tipo de
bolo do telho, uma espécie de pão cozido entre cinzas quentes e embrulhado em folhas
de couve-galega ou de figueira (Almeida CAB 2001, 74). Outra possibilidade, aventada
pelo mesmo autor, é a possibilidade do pão castrejo, seja ele de farinha de trigo, de

140
Sobretudo a prevalência de panelas de suspensão para ir ao lume e a abundância
de “malgas” o que faz supor que a alimentação na Época Castreja se baseava muito
em papas e ensopados. Em relação às panelas de suspensão para ir ao lume não é
de excluir a possibilidade de as mesmas poderem ter funcionado como fornos
portáteis o que poderá por sua vez sugerir formas mais sólidas de consumo de pão.

102
cevada, ou de milho-miúdo, ser consumido sob a forma de papas e até de caldo 141. Neste
último, segundo Brochado de Almeida, entrariam seguramente uma série de
ingredientes, designadamente, tal como hoje de resto acontece, farinha, couve, ervilhas,
favas, nabos, grão-de-bico e, possivelmente também algum naco de porco (Almeida
CAB 2001, 74).
É evidente que com a chegada dos romanos e com o advento da romanização
muito se alterou por aqui na Arte de fazer o pão 142. Quem o diz e confirma é a
Arqueologia que grosso modo identifica para este período o aparecimento de novas
estruturas, as quais se relacionam inevitavelmente com a cozedura do pão e que em
geral não se vislumbram para períodos anteriores nas estações arqueológicas da região
(Almeida CAB 2001, 175). Falámos pois, muito em concreto, no forno propriamente
dito, o qual tem vindo a ser encontrado em vários povoados castrejos do câmbio da Era,
designadamente nos meandros das suas casas, sobretudo nos vestíbulos. Enfim, tais
estruturas têm sido pois encontradas em povoados como São Lourenço (Esposende),
“Cidade Velha” de Santa Luzia, Terronha (Fig. 66) (Cardielos), Vieito e Calvário,
ambos na freguesia de Perre, e ainda em Santo Estevão, na Facha. Sobre este último, o
que melhores elementos nos fornece, diz-nos Carlos Alberto Ferreira de Almeida e a sua
equipa que era um forno pequeno com base granítica semicircular aplanada na parte
superior. As suas paredes, no momento da intervenção arqueológica, pareciam
inclinadas para o interior o que por sua vez poderá supor que a parte superior seria em
cúpula. Além este aspeto é também de relevar o facto de o forno ser aqui construído
com a mesma técnica das casas castrejas e de o mesmo estar revestido no interior por
uma espessa camada de barro (Almeida CAB 2008b, 132; Almeida CAF et alii 1981,
35)143. Em suma, fixados por norma nos meandros da casa castreja, sobretudo no
vestíbulo como atrás se disse, duas questões se levantam no entanto sobre eles. Seriam
fornos domésticos ou comunitários, como aqueles que aparecerão mais tarde? É que o
número diminuto dos achados em cada povoado parece sugerir mais a segunda hipótese
141
A respeito do consumo de papas a partir de milho-miúdo, diremos que as
mesmas seriam semelhante ao arroz.
142
Sobre o pão romano que por aqui circulou pouco ou mesmo nada sabemos,
contudo estamos em crer que o mesmo não deveria ser, pelo menos nas formas
mais elementares, diferente daqueles que se produziam em Roma. Em todo o caso,
por se tratar de uma região extremamente rural à época, é possível que o mesmo
tomasse formas mais ou menos rústicas, as quais muito provavelmente chegaram
com uma ou outra variante à Idade Média.
143
A Arqueologia documenta para outras regiões, além da tipologia aqui descrita,
pequenos fornos portáteis (Bustamante Álvarez 2013, 12). Visíveis sobretudo em
Roma, desconhece-se em absoluto na área do nosso estudo a sua existência.

103
do que a primeira 144. Se tal se confirmar então será de admitir a possibilidade deles
serem o espelho de uma especialização de tarefas em que a padeira assumiria um papel
de relevo. É certo que não temos forma de o saber, contudo não nos admiraria esta
possibilidade, o que ser a verdade representaria o início daquilo que mais tarde, já na
Época Medieval, virá a ser a especialização desta profissão.
A epopeia do pão, depois da presença romana no território que viria a ser mais
tarde Portugal, continuou e a sua importância perdurou até aos dias de hoje. Não é crível
pois que a ruralização da sociedade e seus costumes, nos alvores da Idade Média, tenha
alterado negativamente uma prática que vinha já de trás, pelo contrário. Por um lado,
porque Suevos e Visigodos145, conhecedores há muito da prática agrícola, foram agentes
privilegiados dessa ruralização. Aos Suevos, sobretudo a estes, segundo Jorge Dias, se
devem várias inovações. Entre elas, o espigueiro do tipo galaico-português, o arado
radial e a boroa (Dias et alii 1961, 209 e 223). Aos Muçulmanos, que assolaram o
espaço ibérico nos auspícios do século VIII, entre tantas outras virtudes, se deve,
segundo a maioria dos especialistas, a introdução do moinho de vento por cá (Oliveira
et alii 1983, 222-224). Por outro lado, porque ao pão se refere muito especificamente a
nossa documentação medieval, sendo que o mesmo aparece frequentemente como
“moeda” de pagamento de rendas e de foros dos casais e propriedades então existentes.
Regra geral, a partir da leitura dos escritos medievos, conhece-se muito bem a
geografia do cereal e a sua dispersão no nosso território 146. Até ao século XVI os cereais
que por aqui circulam e se produzem são, grosso modo, os mesmos que no período
romano. No sul, principalmente na Estremadura, o trigo é rei enquanto na Beira Baixa
os campos se compunham de cevadas. No Norte e Beira Interior predominava entre
todos os outros cereais o centeio e no Entre-Douro-e-Minho abundava
fundamentalmente o centeio, a cevada, os milhos-miúdos e alguma aveia (Marques
1978, 81-86; Rodrigues 2007, 76)147.
144
A este respeito a Arqueologia tem feito alguns progressos. Em Mozinho existem
alguns quarteirões que apontam para a existência de padarias.
145
O contributo dos Visigodos foi também importante do ponto de vista agrícola.
Entre outros aspetos, o Código Visigótico é disso um bom exemplo, sobretudo no
caso vertente do nosso estudo, pelo cuidado que dá à partilha da água e à
conservação dos moinhos existentes (Castellón 1997, 38).
146
Além dos cereais a população portuguesa recorreu durante a Idade Média com
alguma frequência a outras formas panificáveis como a bolota e a castanha
(Marques 1978, 201).
147
A produção de cereal na Idade Média foi quase sempre deficitária. Entre outros
fatores, a maioria dos historiadores associam tal à fraca qualidade dos solos, pouco
propícios ao cultivo de cereais, ao regime de propriedade, quase toda na posse das
instituições religiosas e dos senhores locais, ao sistema de afolhamento bienal e

104
Na bacia hidrográfica do rio Lima, tanto quanto nos permitem as Inquirições,
sobretudo as de 1258148, por serem mais completas, pode dizer-se que por aqui pululava
na paisagem a cevada, o trigo, o centeio, o milho-alvo, o painço e alguma aveia. Em
Viana do Castelo as Inquirições de 1258 identificam produções de trigo em Deião, em
São Salvador do Átrio, em Perre, em Santa Marta de Portuzelo, em Serreleis e em São
Salvador da Torre. O centeio, que merece neste concelho poucas referências,
documenta-se em Santa Marta de Portuzelo e em São Salvador da Torre, enquanto o
milho-miúdo, sobretudo o milho-alvo, é assinalado em Deião, Vilar de Murteda,
Mazarefes e São Salvador da Torre. A aveia, pouco documentada, o que pode indiciar
uma produção residual, é moeda de pagamento de rendas em Deião.
No concelho de Ponte de Lima, nas freguesias voltadas para o Lima,
documentam-se produções de trigo em Arcozelo, Gandra e Refoios do Lima. A cevada
está presente em pelo menos sete freguesias 149 enquanto o centeio se deteta em Santa
Comba, Vitorino das Donas, Refoios do Lima e São João de Vilar (Vilar do Monte). A
produção de milho-miúdo merece também referência nas Inquirições de 1258,
documentando-se a mesma em Fontão, São Pedro d` Arcos, em Sá, em Refoios do
Lima, em Vitorino das Donas, Vilar do Monte, Beiral do Lima e em São Miguel da
Facha, onde de resto já a própria Arqueologia o deteta nos níveis medievais do castro
Santo Estevão (Almeida CAF et alii 1981, 21). Igualmente importante parece ser
também nesta região a produção de castanha, verde, seca e pisada, pois que a mesma,
utilizada por vezes para panificação, sobretudo quando não havia outros cereais, surge
como moeda de pagamento de prestações e rendas em locais tão díspares como Labruja,
Cepões, Calheiros, Brandara, Vitorino das Donas, Souto e Santa Maria de Rebordões.
Digno ainda de registo neste concelho é o facto de em algumas freguesias haver casais
cujas rendas eram pagas com animais domésticos ou de caça, o que poderá indiciar que

respetivo pousio e, por fim, às incipientes formas de aprovisionamento do cereal,


sobretudo na forma de tulhas, que não garantiam completamente a boa
conservação do produto colhido no campo (Marques 1978, 89-99; Gonçalves 2007,
50-53).
148
Os textos medievais, sobretudo as Inquirições de 1220 e 1258 constituem-se
como uma fonte de enorme riqueza para o historiador. Apesar disso é necessário ter
em conta que as informações de carácter agrícola e económica são apenas a fração
da uma realidade que seria porventura muito maior. Em geral, as inquirições
reportam-se às terras que pertencem à coroa pelo que as mesmas não contemplam
informações relativas às terras que estavam na posse da Igreja ou de senhores
locais. Por este facto faltam informações a respeito de muitas freguesias e
paróquias.
149
Fontão, São Pedro d` Arcos, Arcozelo, Facha, Santa Maria de Rebordões e São
João de Vilar, hoje Vilar do Monte.

105
o cultivo de cereais não era aí dominante ou suficiente para satisfazer as necessidades de
consumo e a renda150. É, entre outros casos, o que se passa em São Julião de Moreira e
em São Tiago de Brandara, ou ainda em Rebordões do Souto, onde além de castanhas se
incluíam aqui também entre a renda as favas (PMH, Inquirições de 1258, 347).
No concelho de Ponte da Barca as Inquirições de 1258 referem
fundamentalmente as produções de trigo, cevada, centeio e milho-miúdo, aqui além do
milho-alvo o painço. Dentro do que estas inquirições régias permitem, podem-se
assinalar produções de trigo em Paço Vedro, em São Salvador de Touvedo e em São
Tomé de Vade, ou seja, num espaço mais ou menos confinante ao vale do rio Vade. A
cevada, já presente em Viana e Ponte de Lima, marca a paisagem em localidades como
Cuide de Vila Verde, São Pedro e São Tomé de Vade, enquanto o centeio surge referido
como renda em Lindoso, Sampriz, São Salvador de Touvedo e Vila Nova de Muía. O
milho-miúdo, aqui sobretudo o painço, pois as Inquirições identifica-o de forma
bastante explícita, presencia-se em Lindoso, a par do milho-alvo, em São Salvador de
Touvedo, assim como nas freguesias encostadas a Ponte da Barca mas que já se
encontram no aro administrativo do concelho de Vila Verde. Por fim a castanha. Esta
documenta-se em quase todas as freguesias e, em muitos casos, surge como o único
género envolvido no pagamento de rendas. Sem prejuízo de outras referências, a
castanha documenta-se em Azias e Cuide de Vila Verde, em Oleiros, em Paço Vedro, em
Sampriz e em São Pedro e São Tomé de Vade.
Com respeito ao concelho de Arcos de Valdevez as Inquirições de 1258, que nos
dão informações de relevo quanto ao pão ou à rega por exemplo, são relativamente
omissas na maioria das freguesias quanto à produção de cereais. Ainda assim, pese
embora este obstáculo, o qual inviabiliza uma visão mais apurada do seu raio de
dispersão pelo território, identificam-se produções de trigo em São Salvador de
Padreiro, em Santa Maria de Jolda e São Tiago de Rodalio, hoje simplesmente Cendufe.
A cevada, dentro do que se pode descortinar, era semeada em São Salvador de Padreiro,
em São Paio de Jolda e em Cendufe. O centeio marca presença na paisagem em Paçô,

150
Colocamos aqui a duas hipóteses, contudo inclinamo-nos mais para a primeira,
isto é, a produção de cereal não seria dominante nestas freguesias. Tal ilação
baseia-se numa passagem das Inquirições de 1258 que sugere que o pagamento
em cereal se fazia mesmo que não existisse: “ Item, dixerunt que in Sangilde há
Sanctus Salvator de Torre iiij. casaes, et Sanctus Romanus j. casal et uno meyo
casal que foy de Martino Suarizm, et dam cada ano al Rey de cada uno destes v, se
poblados fossem, scilicet: in cada mes senas mondas centeas cum iiij. iiij. ovos; et
se nom ouverem estas mondas dam li senas boroas de sesta de j. alqueire …”
(PMH, Inquirições de 1258, 332-333).

106
Santa Marinha de Prozelo, Rio Frio, São Salvador de Padreiro, São Paio de Jolda e em
São Martinho de Moimenta, hoje conhecida como Extremo. A respeito dos milhos
miúdos, de acordo com os textos de 1258, os mesmos encontravam-se em São Paio de
Jolda, Giela, Gavieira, Santa Marinha de Prozelo e São Salvador de Prozelo. Por fim, a
castanha que juntamente com o vinho, frutos e animais domésticos e de caça preenchem
também o universo das rendas pagas em géneros. Referências a ela podem-se encontrar
pois em várias passagens dos textos de 1258, sobretudo a respeito de casais existentes
em São Salvador de Padreiro, Rio Frio e Giela.
Com exceção da cevada e da aveia, que se destinavam fundamentalmente a
forragens para animais, os demais cereais produzidos e colhidos na região destinavam-
se à panificação151. Quem o diz e confirma são os textos medievais, sobretudo as
Inquirições de 1220 e de 1258, senão atente-se a estas duas passagens, as quais são
meramente exemplos do que se pode encontrar. Em Cendufe diz-se “… que de quantos
fogos y ouver dam cada ano al Rey pro Sancto Johannes senas fugazas centeas (…) et
quando dam estas fugazas im pam cocto dam cum elas lecte…” (PMH, Inquirições de
1258, pág. 390). Em Meadela diz-se também que “… dam de cada auno deles ao
Mayordomo mayor in tres vezes do ano iii.iii. tertias de pam tritico per midida velia…”
(PMH, Inquirições de 1258, 331).
As Inquirições de 1258 não nos falam somente na produção de cereal. Para a
região do Lima há pois referências muito precisas quanto às práticas agrícolas, ao tipo
de pão e até à sua “confeção”. Em certa medida, se colecionarmos todas as referências é
possível aferir as várias etapas do pão, isto é, desde os cuidados que este merece no
campo até à sua colocação na mesa. É o que faremos em seguida, o qual nos dará
certamente uma visão mais abrangente de como seria o pão medieval na região.
Não são muitas as citações a respeito de práticas agrícolas. Em geral, a maioria
das que encontramos respeitam ao uso da água e às regras da sua partilha, contudo, no
caso da inquirição régia feita à paróquia da Meadela faz-se referências muito específicas
aos trabalhos no campo e aos seus costumes como se pode ver: “… quantos lavrarem
estas devanditas erdades de termio de Ameadela pam et sal, os lavradores apanam o
pam et o sal im termio dessa devandita vila in una eira u lis mandar o Mayordomo del
Rey: et esses devanditos omes levam a palia et o colmo pora suas casas: et quando
maliam o pam dá lis esse devandito Mayordomo del Rey a comer, scilicet pam et vino

151
As numerosas referências a pão, a moinhos e a fornos nas Inquirições de 1258
permitem de facto esta leitura.

107
…” (PMH, Inquirições de 1258, 332). O cereal, colhido no campo e malhado na eira,
como se vê, era depois acondicionado em celeiros como se explicita na inquirição feita
a Deião: “ Item, dixerumt que quando el Rey quer o pão meter in seu celeiro deste
devandito regaengo, dam li xxx módios de pam per midida velia regaenga de Dayam
(…) et levam no ao celeito d el Rey a Ponte, a Darqui, ou a Portela de Douchristi…”
(PMH, Inquirições de 1258, 327). É certo que pouco se sabe sobre estes celeiros, em
todo o caso, julgamos que os mesmos não seriam muito diferentes daqueles que a
Arqueologia encontrou recentemente nuns terrenos contíguos à Igreja de Santa Maria de
Geraz do Lima e que mais não são do que simples fossas cavadas no substrato
rochoso152.
O pão, colhido no campo, malhado na eira e acondicionado em celeiros, de
acordo com o que se pode deduzir da leitura das Inquirições de 1258, era depois
triturado e transformado em farinha nos moinhos existentes, sendo que estes, pelo
menos no caso dos que pululavam na freguesia da Facha, pagavam a sua renda em pão:
“Item do moyno da Portela vj. Teigas de pam per regaenga. Item d outro moyno que
stat so ele j. teiga de pam…” (PMH, Inquirições de 1258, 344). Em todo o caso, este
não perece ter sido o único processo de moagem existente na época. Com efeito, fora
agora do âmbito do que nos diz as Inquirições de 1258, a Arqueologia documenta para o
Período Medieval outros sistemas de moagem, sendo estes são, grosso modo, de
carácter doméstico e estariam muito possivelmente relacionados com um tipo de
economia autárcica. Em São João de Ester, Chafé, numa estação arqueológica da Baixa
Idade Média documentou a Arqueologia um almofariz. No castro Santo Estevão, Facha,
nos horizontes medievais identificou a equipa de arqueólogos que aqui intervencionou
nos finais dos anos setenta do século passado algumas mós oblongas (Almeida CAF et
alii1981, 21). Por fim, os parcos fragmentos de mós exumados na recente intervenção
arqueológica efetuada nuns terrenos que confinam a sul com a Igreja de Santa Maria de
Geraz do Lima. Três casos, três exemplos portanto que indiciam formas e práticas
alternativas à moagem no moinho de água, o que de resto se compreende pelos custos
que a farinação nestes implicava.
152
Apesar desta nossa posição, fundamentada na evidência arqueológica do local,
não descuramos a possibilidade de outras estruturas de armazenamento, pois que
certamente as houve. Sobre o assunto vide DIAS, Jorge; OLIVEIRA, Ernesto Veiga
de; GALHANO, Fernando – Sistemas primitivos de secagem e armazenamento de
produtos agrícolas – os espigueiros portugueses, Instituto de Alta Cultura – Centro
de Estudos de Etnologia Peninsular, 1961. MOURA, Armando Reis – Espigueiros de
Portugal, Parque Natural da Ria Formosa, Instituto da Conservação da Natureza,
Portimão, 1995.

108
O produto saído do moinho, seja ele de água ou de manejo manual, é a farinha. A
este respeito, a melhor passagem nas inquirições é certamente a que respeita a São
Salvador do Átrio, a qual nos diz textualmente que “… dam cada uno deles [casais]
por xii meses xxiiii. xxiiiii cacifeiros de farina (…) et por Natal senas cacifeiras de
farinas im pam …” (PMH, Inquirições de 1258, 330). Pese embora esta passagem,
pouco sabemos de facto sobre a qualidade das farinhas produzidas na região do Lima.
Em todo o caso, é possível que o processo aqui não fosse tão diferente do que se
passava noutras partes do País. De acordo com alguns estudos existentes sobre o pão, no
Portugal medievo circulavam essencialmente três tipos de farinhas que de qualidades
diferentes davam origem a pães distintos 153. A farinha de melhor qualidade era obtida
por meio de uma peneira alva. Esta aproveitava menos farinha, contudo da sua
peneiração saía o melhor pó o qual era depois empregue no pão alvo 154. Depois da
peneira alva havia a peneira de antemão, da qual saía uma farinha mais grossa e que
dava por sua vez origem a um pão mais grosso, mas ainda assim de boa qualidade. Por
fim, o terceiro processo: a peneira de rala. Dela quase tudo se aproveitava, inclusive
pedaços mal moídos. Era daqui pois que saía o pão da pior espécie, aquele que
alimentava as camadas mais desfavorecidas da população (Gonçalves 2007, 66). Enfim,
é talvez por meio desta distinção e explicação que podemos compreender a referência
inscrita na inquirição feita a Viana a qual refere textualmente pão de segunda: “ Item,
da Vila de Atrio, que chamam Viana dan cada ano al Rey de seu regaengo xxiiiii
módios de pam ataeigados (…) et sund inde iiii módios vi teigas de tritico; et xxvi
módios iii quarteiros de secunda per totum ataeigamentum…” (PMH, Inquirições de
1258, 330).
O produto moído no moinho e depois peneirado era amassado e cozido, de resto
tal como hoje. Quanto ao primeiro processo, o amassar o pão, a inquirição de 1258 feita
à paróquia de Arcozelo, em Ponte de Lima, descreve-o com razoável detalhe: “ Item
dixerunt que os omes que moram in estes devanditos iiij casaes fazem o pam al Rey
quando lis derem o tritico: et quando amassarem dá lis el Rey sal de que salguem esse
pam: et dixerunt ca lis dá el Rey que comiam quando amassem o pam…” (PMH,
153
Além do processo da peneiração, na qualidade das farinhas influía também o tipo
de mó. Para o trigo usavam-se as mós alveiras, também apelidadas de trigueiras e
que eram em quartzito. Os restantes cereais eram moídos nas mós segundeiras e
que eram em granito (Rodrigues, 2007, 77). Dentro desta perspetiva diremos ainda
que o pão moído em almofarizes, mós oblongas de vaivém e em moinhos manuais
rotativos não deveria ser certamente o da melhor qualidade.
154
A respeito da cor branca do pão de trigo candial diz-nos Flandrini que a mesma se
prendia com o grau da peneiração (Flandrini 2008, 191).

109
Inquirições de 1258, 338). Em relação ao segundo, à cozedura propriamente dita,
julgamos que o mesmo poderia incluir dois processos: a cozedura na lareira, esta muito
provavelmente no seio das casas menos abastadas, e a cozedura no forno. O primeiro
processo deduzimo-lo sob a perspetiva arqueológica. É certo que são pouquíssimas as
suas evidências, contudo, no castro de Santo Estevão sabemos que existia uma lareira
no registo medieval que compreendia cinzas, carvões, ossos, fragmentos de cerâmica de
cozinha e restos de milho-miúdo (Almeida CAF et alii 1981, 21)155. A segunda forma, a
cozedura no forno, encontramo-la numa parte da inquirição feita à paróquia da Facha a
qual refere que um forno paga como renda pão: “ Item, do Forno de Jusão j. teeiga de
pan per regaenga…” (PMH, Inquirições de 1258, 344). A ainda a este respeito
recolhemos mais duas evidências. Em Viana, de acordo com o Conde d` Aurora,
conceituado investigador cuja produção literária e científica é por demais conhecida de
todos, sabemos que existia um forno medieval comunitário localizado no Campo do
Forno (Aurora 2007, 90). A segunda tem a ver com o castelo de Lindoso. No interior
deste encontra-se um forno que embora não seja medieval bem poderá representar a
reminiscência do um156.
O processo, a cadeira produtiva relacionada com o pão, descrito como vimos em
várias passagens das Inquirições de 1258, levam-nos, como facilmente se pode imaginar
a uma única conclusão: o tipo de pão consumido na região do Lima. Contudo, antes de
passarmos à sua explicitação eis que urge um esclarecimento sobre o mesmo, isto é,
sobre as diferentes qualidades. No Lima, tal como em praticamente todo o território
português, circulavam vários tipos e qualidades de pães. O pão alvo, o pão de trigo, era
de todos os demais o de melhor qualidade e, regra geral, estava acessível somente às
camadas sociais mais abastadas. Depois havia o pão de centeio, presente sobretudo nos
meios rurais, sendo o seu consumo muito popular no Entre-Douro-e-Minho. Por fim, o
pão de mistura, isto é, o pão feito a partir da mistura de vários tipos de farinhas
(Gonçalves 2007, 233-234). Neste último havia pois o pão meado, uma mistura em
partes iguais de centeio e milho-miúdo. Depois o pão terçado, com trigo, centeio e
155
São escassos os indícios arqueológicos medievais relativos a lareiras. O mais
conhecido na região encontra-se no castro Santo Estevão e o mesmo não deverá ter
sido muito diferente do de outros casos. Em geral, a lareira situar-se-ia pois ao nível
do chão de terra batida ou quanto muito um pouco a cima dele, sendo nesse caso
muito provavelmente lajeada e delimitada por pequenas pedras avulsas dispostas
em cutelo.
156
São várias as referências a fornos na região do Lima, mas pouco sabemos sobre
os mesmos para a Época Medieval. Em todo o caso, julgamos que os mesmos não
deverão ter sido muito diferentes daqueles que demos conta para o período da
romanização.

110
milho-miúdo ou, em alternativa, centeio, milho e cevada, e, por fim, o pão quartado, um
pão com mistura de farinhas de trigo, cevada, centeio e milho-miúdo (Marques 1964,
109-110)157. É pois por aqui que podemos percecionar no geral o pão da região do Lima.
As Inquirições de 1258 são claras quanto ao universo do pão aqui existente,
sendo que as mesmas referem uma enorme variedade, as quais são por sua vez mais ou
menos comuns em toda a região. O pão alvo, o pão de trigo, o de melhor qualidade,
documenta-se em várias paróquias do Lima, nomeadamente em Refoios do Lima, onde
de resto colhe-mos a seguinte citação a qual nos indica inclusive o seu valor: “… et iiij.
dineiros de pan tritico…” (PMH, Inquirições de 1258, 395). Sendo um pão de melhor
qualidade, o mesmo, como vê, estava apenas ao alcance das camadas sociais mais
abastadas, mormente senhores locais e instituições religiosas 158. Por este facto, não
faltam nas Inquirições de 1258 referências a outros tipos de pães, estes certamente mais
de acordo com as posses da classe campesina. É o caso do pão do centeio que de menor
qualidade, sobretudo se o compararmos com o pão de trigo, documenta-se um pouco
por todo o lado. A ele, entre outras passagens, se refere de forma bastante evidente a
inquirição elaborada a respeito da paróquia de Santa Comba, em Ponte de Lima, a qual
nos diz que os moradores “… dam por Natal senos alqueires de pam Centeno cocto…”,
ou seja, cozido (PMH, Inquirições de 1258, 337).
Bastante abundantes nas Inquirições da região são também as referências às
fogaças, o que por sua vez sugerem que estas granjeavam grande popularidade entre as
comunidades aqui fixadas. Este tipo de pão dispensava o forno, era pois cozido à lareira
e, por isso mesmo, não apresentava a tradicional côdea, a qual é típica dos pães que vão
ao forno. Trata-se pois, segundo Iria Gonçalves que estudou a fundo o pão minhoto nas
Inquirições de 1258, de um pão extremamente mole e podia o mesmo apresentar vários
pesos e tamanhos, chegando os maiores a atingir grandezas na ordem dos quinze quilos
(Gonçalves1999, 238). De acordo com o que nos é dado a observar nas Inquirições de
1258, estas fogaças podiam de trigo ou de centeio. Sobre as fogaças de trigo pode-se
157
Em geral estas designações e distinções usaram-se até há bem pouco tempo no
nosso país, sobretudo nos meios rurais.
158
Nem sempre a capacidade económica determina o acesso ao tipo de pão. Na
leitura que fazemos das Inquirições de 1258 perceciona-se com facilidade a
preferência por um determinado tipo de pão por questões de tradição e
popularidade. É o caso da boroa, muito comum como se sabe em todo o Entre-
Douro-e-Minho. Por outro lado, torna-se também importante referir que o consumo
de pão de melhor ou pior qualidade se prende com os recursos cerealíferos
existentes em cada área. Por fim, uma ideia mais. A preferência por pães de menor
qualidade, sobretudo nos meios rurais, prende-se, na ótica de Flandrini, pelo facto
do pão branco, o pão de trigo portanto, ser “…demasiado leve e insuficientemente
alimentício para os trabalhadores braçais” (Flandrini 2008, 190-193).

111
destacar a inquirição relativa à freguesia de Santa Maria de Jolda a qual nos diz
textualmente que “… dam cada anno al Rey pro Sancto Johanne (…) senas fugaças de
tritico …” (PMH, Inquirições de 1258, 394). Quanto às fogaças de centeio, entre outras
passagens que se podem colher nos textos medievais, releve-se a seguinte a respeito da
paróquia de São Salvador de Padreiro e que no geral nos diz que aqui se dá “… pro
Sancto Johannes senas fugaças centeas…” (PMH, Inquirições de 1258, 393). Curioso,
ainda a respeito das fogaças, é o facto de em algumas inquirições se fazer referência a
fogaças de pão. É o que se encontra coligido por exemplo nas inquirições de Santa
Cristina de Padreiro e de Santa Maria de Távora, ambas no concelho de Arcos de
Valdevez (PMH, Inquirições de 1258, 392-394). Como o termo pão é nesta altura
utilizado de modo indiscriminado, fica-nos a dúvida se estas referências dizem respeito
ao trigo ou a outro cereal como por exemplo o milho-miúdo.
O pão alvo, o pão de centeio, tal como as fogaças, sejam elas feitas com farinha
de trigo ou de centeio, não foram as únicas formas de pão que pulularam pela região do
Lima. As Inquirições de 1258 referem para esta região e não só a prevalência de dois
outros hábitos de consumo de pão. O primeiro, documentado para outros locais do
mundo, assim como para outras auroras do tempo, é o consumo de papas. A melhor
referência que encontramos a este respeito está inserida na inquirição feita à paróquia de
Refoios do Lima, a qual refere a certa altura que entre as rendas e os foros a pagar
estavam “… jj. olas de milo…” (PMH, Inquirições de 1258, 395). Ora, o termo Olas,
como se sabe, diz respeito a panela, pelo que a referência ao milho se deve compreender
dentro dela. Tal, quando conjugado com certos dados arqueológicos, como o de uma
lareira de barro com enorme abundância de cinzas e carvões, de ossos e de fragmentos
de cerâmica de cozinha, e de restos de milho-miúdo encontrados no castro Santo
Estevão (Facha), nos levam a concluir que esses restos de milho eram ou destinavam-se
a papas (Almeida CAF et alii 1981, 21; Montanari et alii 2008, 257).
O segundo hábito de consumo, referido nas Inquirições, depois ou par das
referências que fizemos ao pão alvo, ao pão de centeio e às fogaças, é a boroa. Sobre
ela, escudado nas opiniões de Juan Soler e de Alberto Sampaio, tece Jorge Dias algumas
considerações. De acordo com este especialista, a boroa, feita a partir dos milhos-
miúdos, é de origem suévica, pois que é do seu vocabulário que o termo advém e o
mesmo só se encontra num território estendido geograficamente entre a Galiza e o
Minho (Dias et alii 1961, 223). Verdade ou não, o argumento baseia-se apenas no aspeto
linguístico e no âmbito territorial, ignorando a popularidade do milho-miúdo para

112
épocas anteriores à chegada dos Suevos, certo é que são inúmeras as referências a este
tipo de pão no Entre-Douro-e-Minho, as quais vêm por sua vez justificar as produções
abundantes de milho-miúdo e os cuidados a ter na partilha da própria utilização da água,
pois que este cereal era regado. Independentemente disso, a boroa, documentada em
tantas paragens do Lima, como por exemplo em Rio de Moinhos, onde a inquirição o
refere textualmente, “…iiij. boroas de xij. Boroas na teeiga…”, foi a par com as
mondas o pão destinado às camadas populares de menores posses (PMH, Inquirições de
1258, 390). Sobre este último, sobre as mondas, algumas considerações, ainda que
poucas e sucintas. Trata-se, no geral, de um pão pequeno, feito com centeio ou milho-
miúdo e muitas vezes até com a reunião destas duas farinhas. Tal como a boroa é pão de
menor qualidade e o mesmo destinava-se à classe campesina. A sua existência na região
do Lima, sem prejuízo de outras referências, documenta-se por exemplo em Perre, aqui
juntamente com a própria boroa como se pode constatar no excerto que recolhemos da
respetiva inquirição: “…in cada mês senas mondas centeas cum iiij. ovos; et se nom
ouverem estas mondas dam li senas boroas de sesta de j. alqueire…” (PMH, Inquirições
de 1258, 332-333).
Regressando de novo à geografia e dispersão do cereal, a partir agora sobretudo
do século XVII, verifica-se que na região do Lima o domínio dos cereais clássicos é
posto em causa pela chegada de um intruso, o milho-maís. Oriundo do continente
americano, este cereal, semeado na Primavera e requerendo verdadeiras sachas e regas,
desenvolve-se vegetativamente mais depressa nos meses quentes e secos do Verão, e é
colhido, consoante os casos, em Setembro e Outubro. A sua aparição no território
português dá-se entre 1515 e 1525, sendo o mesmo documentado por essa altura nos
campos do Mondego e depois em Lamego (Ribeiro 2011, 156).
A respeito da sua introdução na região do Lima pouco se sabe, contudo,
conjugando as várias fontes que se encontram disponíveis ao historiador, é possível
dizer-se que o mesmo surgiu por aqui, muito provavelmente, ainda no século XVI. Tal
ideia advém-nos pelas parcas referências a ele na documentação da época. Em geral,
sobretudo a respeito dos tombos das propriedades que o mosteiro de Vitorino das Donas
tinha em várias freguesias da Ribeira Lima159, constata-se e refere-se que os cereais
produzidos e utilizados como pagamento de rendas nos finais do século XVI é o trigo e

159
ADB, Fundo Monástico-Conventual, Salvador de Braga, Livro 17 - Index ou
mostrador das propriedades e bens e rendas e pensões, desde 1604, fl. 3v.

113
o centeio, sendo que o milho americano é ainda poucas vezes mencionado 160. Enfim, a
partir das fontes disponíveis parece-nos pois certo e lógico que a entrada em força do
milho-maís se deu na região apenas no século XVII o que de certa forma vem ao
encontro do que já defendia o Professor Aurélio de Oliveira cuja posição se fundamenta
na seguinte citação: “Dizem os de Viana em 1653 que os assentistas lhes estavam
exigindo a palha paínça mas, por razão de já não o semearem e não lavrarem do dito
milho, já não têm dessas palhas [ainda a este respeito, diziam os moradores de Viana
que] o único que corre é o milho grande e que palha paínça já não corre” (Oliveira
2005, 57-59)161.
Independentemente da questão do momento da sua introdução, certo é que o
milho-maís destronou os cereais clássicos na região. Quem o diz e confirma são os
relatos paroquiais de 1758 que atestam praticamente a sua cultura em quase todas as
freguesias voltadas ao Lima. Ainda assim, ao contrário do que hoje se verifica, os
cereais clássicos continuaram a ser cultivados. Em geral, a produção de trigo, cevada,
centeio e milhos-miúdos é referida nas Memórias Paroquiais da maioria das freguesias,
contudo no que respeita à sua abundância, sobretudo produtiva, os textos são claros e
indiciam o seu declínio. A este respeito a melhor panorâmica é-nos oferecida por um
estudo recente, elaborado por João Soares, o qual se encontra ainda no prelo. De acordo
com este investigador, a respeito da produção de trigo verifica-se que a mesma é apenas
abundante em cinco freguesias. Em trinta e cinco paróquias do Lima a sua produção era
escassa e em quarenta e cinco apenas moderada (Soares 2013). Com respeito às
produções de centeio verifica-se praticamente o mesmo. Em vinte e cinco paróquias este
cereal é produzido em menor quantidade, enquanto em setenta e seis freguesias se diz
que a sua produção é abundante ou quanto muito satisfatória (Soares 2013). Em todo o
caso, ao contrário do que se passa com o trigo, o centeio parece ter ainda por esta altura
alguma popularidade o que em certa medida se compreende se tivermos em conta que o
pão de milho para ficar rico e nutritivo necessita sempre de adição de um pouco de
farinha de outro cereal. Por fim, a questão em torno dos milhos-miúdos, um cereal que

160
É por exemplo o caso das propriedades que João Dias Colaço possuía. Por elas
sabemos que pagava 11 alqueires, sendo 9 de milho e 2 de centeio, 2 galinhas
“boas de receber”, 1 carro de lenha com o peso de uma pipa de vinho, sendo
obrigado também ao pagamento de 1 carneiro por lutuosa, ou seja, por falecimento
de cada uma das vidas do contrato (ADB, Fundo Monástico-Conventual, Salvador de
Braga, Livro 32A – Trelado do Livro do Tombo, 1612, fl. 23vrs; Araújo 2013).
161
Um outro argumento utilizado por Aurélio de Oliveira diz respeito às crises
demográficas do século XVI motivadas pela falta dos cereais clássicos (Oliveira
2005, 54-56).

114
como vimos foi extremamente popular por cá noutras Eras. O estudo elaborado por João
Soares é quanto a ele bastante elucidativo. O autor localiza produções de milho-alvo e
painço em várias freguesias do Lima, cerca de quinze pelo menos, contudo, a partir do
estudo que elabora das Memórias Paroquiais, dá conta que o mesmo é já pouco
abundante (Soares, 2013). De resto esta é a mesma ilação que se pode colher num outro
estudo, este sobre o “Pão e Vinho nas Memórias Paroquiais de Ponte da Barca” da
autoria de Marta Marques, e que apenas identifica aqui duas freguesias com produções
de milho-alvo e painço (Marques 2013)162. De acordo ainda com esta investigadora, a
respeito agora do que se passa somente em Ponte da Barca “… na segunda metade de
setecentos a trilogia cerealífera mantinha-se (…). Das cerca das 18 paróquias de que
dispomos informações, em 1758, cerca de 60% ainda produzia trigo (…). No que
respeitava ao centeio (…) era (…) plantado em praticamente todas as freguesias (…)
facto que se prende com a própria versatilidade (…), adaptado a temperaturas mais
extremas e a terrenos com maior acidez” (Marques 2013).
Como é evidente, pelo que atrás se disse, muito se alterou no panorama
cerealífero da Época Moderna. Os cereais clássicos entram pois em declino face à
expansão das áreas de milho-maís o que por sua vez se repercutiu obviamente no tipo
do pão. Com o triunfo do milho americano assiste-se pois ao “nascimento” de uma nova
farinha, esta mais pobre, pelo que à confeção do seu pão será necessário adicionar-lhe
alguma farinha de trigo ou de centeio. O pão que dela sai, levedado, compacto e mais
pesado que os anteriores, é aqui, nesta região, a boroa de milho a qual se consubstancia
não como um novo tipo de pão mas antes como uma evolução da boroa Medieval à qual
se retira o milho-miúdo e se lhe junta a farinha de maís (Fig. 67, 68, 69 e 70) 163. Quanto
aos antigos pães, aos que vinham da tradição Medieval por assim dizer, de acordo com a
documentação existente para a Época Moderna, sobretudo no Arquivo Municipal de
Ponte de Lima, pode dizer-se que os mesmos continuaram a ser produzidos e vendidos
na região164. A eles, sobretudo ao pão branco, ao pão de trigo portanto, se referem as
162
Tal como o estudo anterior, também este se encontra no prelo, estando a sua
publicação prevista para o próximo número do GEHVID.
163
A boroa de milho não é de forma alguma o único pão produzido e consumido no
Entre-Douro-e-Minho. Entre outros, veja-se por exemplo o que se passa nos
arredores do Porto ao nível da panificação. No vasto universo da panificação
abundam aí as sêmeas feitas a partir de farinha de trigo de segunda. Trata-se neste
caso de um pão de segunda, qualidade dada no entanto na Época Medieval ao pão
de centeio. Por sua vez, o pão de primeira, que aqui se chama molete, por ser mole
e macio, é também um pão de trigo. Além deste tipo de salientar ainda a regueifa e
a rosca, ambas igualmente em trigo.
164
No essencial e ao contrário do que se passa noutras regiões do pais, no Lima não
se pode falar em variedades de pão, nem tão pouco na sua especialização por

115
antigas vereações do concelho de Ponte de Lima, sobretudo as do ano de 1699. Nelas se
faz referência à cozedura e venda de pão branco e boroa, sendo que se desconhece no
entanto as suas fisionomias e tipologias (Araújo 1991, 11) 165. É provável no entanto que
este pão, sobretudo o de trigo e de centeio, corresponda às formas tradicionais que se
encontraram em circulação até há pouco tempo 166. Enfim, as antigas fogaças, muito
populares entre a documentação Medieval, deverão corresponder mais ou menos hoje
mais ou menos as algumas regueifas e roscas, assim como às sêmeas, sejam estas de
trigo ou de centeio167. Por último, outro caso evidente: o caldo que nos tempos
modernos assume a designação de caldo verde 168. Este, muito apreciado na região nas
suas origens mais não é do que as velhas papas da Época Castreja ou as olas do Período
Medieval, contudo, tal como acontece com a boroa, também aqui se dá uma alteração
significativa: os cereais clássicos que entravam na sua composição, sobretudo os
milhos-miúdos, são substituídos pela farinha de maís, mantendo-se no entanto os
restantes ingredientes, isto é as couves e os nacos de carne, sobretudo de porco.
Por fim uma palavra mais, ainda que pequena para a cozedura do pão. Com
exceção dos fornos elétricos, hoje patentes em qualquer padaria, pode dizer-se, no que
respeita às formas tradicionais de cozedura, que ao longo dos últimos dois mil anos não
se vislumbram alterações significativas. O caldo verde, assim designado hoje, é a
reminiscência do consumo de pão sob a forma de papas que continuaram a ser
produzidas à lareira até há bem pouco tempo numa panela preta de três pés em ferro.
Quanto ao pão propriamente dito, pode dizer-se que continuou a ser fabricado no forno
a lenha, isto sobretudo nos meios rurais (Fig. 70). Em geral, tendo como ponto de
análise alguns fornos existentes na região, pode dizer-se que os mesmos não diferem no
regiões. Em geral, salvo uma ou outra exceção, o pão tradicional, comum em
praticamente toda a região, é a boroa de milho.
165
Em relação à boroa propriamente dita, a partir da leitura das vereações não é
possível dizer-se se trata já da boroa de milho ou se é ainda a de milho-miúdo.
166
Curioso, sobretudo no que respeita ao pão feito a partir das fórmulas tradicionais,
é o facto de por vezes se lhe juntar alguns nacos de carne, o que em certa medida
representa a reminiscência de um costume que vem já da Época Romana.
167
Nos dias de hoje a forma tradicional destas praticamente desapareceu dos
costumes limianos. A reminiscência destas fogaças, regueifas e roscas pode no
entanto ser encontrada, ainda que já bastante adulterada, em certas romarias da
região, as quais estão como se sabe ligadas e impregnadas de costumes e tradições
antigas. É o caso das roscas das mordomas das festas de Santa Marta de Portuzelo,
que são em U, e dos bichos, um pão com representações antropomórficas. Em todo
o caso, pese embora as adulterações evidentes, de assinalar é o facto destes pães,
decorativos e festivos, serem feitos com farinha de trigo, um cereal que há muito
desapareceu da paisagem (Pacheco et alii 1983, 99-112).
168
Deve-se entender aqui o caldo verde nas formas mais embrionárias e não na
atual que é como se sabe bastante elaborada. Certamente que para períodos
anteriores este caldo seria mais simples.

116
essencial daquele que Carlos Alberto Ferreira de Almeida e a sua equipa de arqueólogos
descobriu no castro Santo Estevão. Com efeito, uns mais pequenos, outros um pouco
maiores, como aquele que se encontra no castelo de Lindoso169, na generalidade dos
casos, os fornos de cozer pão que por aqui abundam apresentam mesa semicircular
pétrea e as suas paredes, salvo uma ou outra exceção, além de serem feitas com pedra e
estarem rebocadas com barro apresentam-se ligeiramente inclinadas à medida que nos
aproxima-mos da parte superior para formar a respetiva cúpula. Em geral foi isto
mesmo que pudemos observar em Santa Leocádia de Geraz do Lima, no lugar do Coval,
onde se encontram dois fornos deste género, um deles com a particularidade de ter sido
construído com materiais pétreos reutilizados de antigas estruturas como bem o prova
uma pedra almofada de feições altimedievais que se encontra na base inferior, mesmo
por baixo da boca. A respeito de fornos feitos com tijolo de barro, sobretudo a partir da
Época Moderna, desconhecemos em absoluto a sua existência na região, contudo não
excluímos a possibilidade de os mesmos existirem ou terem existido por cá uma vez que
por aqui abundam alguns fornos cerâmicos com cronologias desse período. Em todo o
caso, fora da região em estudo, conhecemos um forno de pão construído com tijolo de
barro pelo que a existirem não deverão ser assim tão diferentes deste. Localizado na
freguesia da Ourada, em Melgaço, junto da velha igreja românica, era um forno
relativamente pequeno (Fig. 73). Encastoado a uma parede de alvenaria popular
apresentava base pétrea e perfil circular obtido pela sobreposição de pequenos blocos de
tijolo que se estreitavam na parte superior para formar a respetiva cúpula.
Independentemente destes aspetos, estes fornos, sejam eles em pedra ou em tijolo, são
no entanto de carácter familiar e destinar-se-iam muito provavelmente ao consumo
doméstico. Porém, casos houve em que o forno na região do Lima foi também
comunitário. Além dos emblemáticos fornos de Castro Laboreiro, merece destaque,
pelos costumes e tradições a ele inerentes, o antigo forno do Serafim, fixado na
proximidade da viela das Padeiras, junto ao Campo do Forno, em Viana do Castelo, e
que em certa medida representa a própria reminiscência do forno comunitário medieval
(Aurora 2007, 90). A ele dedica algumas palavras o Conde d` Aurora, conceituado
investigador cuja produção literária é por demais conhecida de todos. Segundo este
especialista para não haver confusões de massas era costume “…os fregueses marcarem
a sua farinha, ou massa manipulada que mandam para o forno, enviando uma tirinha
169
Na freguesia de Fornelos encontramos um forno relativamente parecido com
este, ainda que um pouco mais pequeno. Em geral, aqui, era necessário mais da
metade da manha para o aquecer (Fig. 72).

117
de papelão, uma rôlha cortada (…) uma talisca de madeira afeiçoada…” (Aurora
2007, 91). De acordo ainda com este especialista, em 1948 ainda por ali circulavam “…
umas marcas da gente antiga…” e que passavam por exemplo por um buraco feito pela
pressão da cabeça do dedo sobre a massa, um bolisco obtido com as pontas dos dedos
indicador e polegar, uma orelha, resultante da junção dos dedos indicador e médio
deitados e, entre outras, uma cataruta, um alto na massa feito com a ponta de quatro
dedos. Da combinação destes sinais resultava pois um número infinito de marcas
diferentes (Aurora 2007, 91).

CONCLUSÕES FINAIS

118
O presente estudo revelou-se uma tarefa emocionante e gratificante do ponto de
vista do enriquecimento do conhecimento científico, ainda que a mesma tenha sido
extremamente árdua. Assim, de tudo quanto se disse em páginas anteriores, nada mais
se nos oferece que não sejam as respetivas conclusões. Será pois, neste espaço, por meio
de um resumo que denunciaremos a sua visão de conjunto assim como as ideias finais.
De um modo em geral, como vimos, o presente trabalho centrou-se no estudo de
uma região – o Lima – e à luz do conhecimento produzido pela Arqueologia procurou
analisar e caracterizar a evolução do pão e das estruturas que lhe são inerentes. Nesse
sentido, recuámos ao V milénio a.C., época em que surgem por aqui os primeiros
indícios do cultivo dos cereais. Tais indícios, muito ténues por sinal nos primeiros
tempos, resumem-se por cá à presença de algumas sementes de trigo e de cevada, a
umas quantas ervas daninhas que lhes andam associadas, assim como ao aparecimento
de novas manifestações artísticas e religiosas, mormente antas, mamoas e menires, as
quais por sua vez nos falam de novos hábitos e de novas atitudes perante o Meio. Estas
novas manifestações artísticas e religiosas por sua vez parecem surgir que a agricultura
surgiu em primeiro nas terras altas da região e depois, sobretudo à medida que nos
aproximamos do III milénio a.C., difundiu-se pelas zonas baixas. Independentemente
deste facto, o que começou por ser uma atividade complementar ao modo de vida
paleolítico, patenteado por exemplo na exumação de pontas de seta facilmente
conotadas com a transumância, tornou-se com o avançar do próprio tempo numa
atividade primordial. Quem o diz são as intervenções arqueológicas efetuadas na região
pois que entre o III e o II milénio a.C., surgem evidências arqueológicas de princípios e
práticas mais consentâneas com o sedentarismo, o que por sua vez indiciam que a
agricultura e o cultivo dos cereais se havia entranhado no seio das comunidades aqui
fixadas. Com efeito, povoados como Bitarados, Regueiras e Penedos Grandes exibem já
vestígios de estruturas mais ou menos permanentes. Entre outras, nestes povoados há
pequenos buracos de poste associados a cabanas habitacionais, fossas cavadas no
substrato rochoso para armazenamento de produtos, recipientes cerâmicos com alguma
capacidade de armazenamento e, entre outros artefactos, moinhos de manuseamento
manual.
A investigação arqueológica produzida na região, respeitante agora sobretudo à
Idade do Ferro, Romanização e Idade Média, relata-nos no essencial, de forma indireta
até, a evolução da agricultura e do cultivo do cereal. Tal exibe-se primeiramente no

119
aparecimento dos povoados amuralhados (a partir do século IV a.C.), todos agora em
pedra e que denotam não só evolução urbanística como também alguma pujança
económica, sendo que esta só pode advir para o período em questão das atividades
relacionadas com a exploração dos recursos aqui existentes. Além deste aspeto, e da
exumação de certas alfaias agrícolas retiradas no campo arqueológico, é de assinalar
também, sobretudo a partir mais ou menos do câmbio da Era, a procura das terras
baixas, das terras onde enfim se encontravam os melhores solos. É pois durante a
Romanização que se assiste à descida das populações do alto dos montes para se
fixarem nas zonas mais baixas ou próximas da planície. É assim que começam a nascer
as primeiras leiras e os primeiros casais que depois com o avançar da própria
Romanização evoluem para villas como aconteceu por exemplo na Agra do Relógio, em
Prazil ou ainda em Santa Maria de Geraz do Lima. Este processo, a descida das
populações do alto dos montes para zonas mais próximas da planície, que se iniciou nos
alvores da Romanização, parece ter perdurado no tempo. Certo ou não, a verdade é que
com o advento da Idade Média a documentação, agora fundamentalmente escrita, diz-
nos que as zonas baixas e planas da região não só são povoadas como são também
agricultadas.
A evolução da prática agrícola, percetível no processo que temos vindo a
descrever – aparecimento de novas manifestações artísticas e religiosas, povoados
permanentes e procura de novas áreas de cultivo – foi mormente acompanhada pela
cultura do cereal. Graças ao contributo e labor de muitos arqueólogos que se têm
debruçado sobre a região, sabemos em concreto que os cereais primordiais foram o trigo
e a cevada. Em geral, são as sementes destes que surgem nos contextos mais antigos das
estações arqueológicas da região, nomeadamente em Bitarados. Mais tarde, com o
avançar do tempo, surge no panorama cerealífero outros cereais. É o caso dos milhos-
miúdos e do centeio, os quais se começam a documentar em vários povoados do Norte
de Portugal e mais especificamente nos do Entre-Douro-e-Minho a partir sobretudo da
Idade do Bronze. Na região em estudo porém, sobretudo no caso do centeio, ele
documenta-se no castro São Lourenço fundamentalmente a partir do século III d.C., o
que em certa medida não quer dizer que não seja anterior. Em geral, a cronologia que
lhe é atribuída advém do sector de onde se recolheram as amostras para estudo.
Independentemente deste aspeto, certo é que por volta de meados da Romanização já
por aqui circulam todos os cereais clássicos, ou seja, todos aqueles que mais tarde, na
Idade Média, figurarão na documentação escrita como forma de pagamento de renda e

120
de pão. Por fim, o milho-maís. Este foi o último cereal a surgir e é hoje o mais
importante e o mais cultivado em toda a região. A sua aparição deu-se ainda no século
XVI, pois um ou outro documento o refere explicitamente, contudo o verdadeiro
incremento do seu cultivo e produção só se dá a partir do século XVII. Trata-se, no
geral, de um cereal de regadio que se tornou muito popular na região e que encontrou
aqui condições únicas. Por um lado, a riqueza da região em água e por outro um
conhecimento profundo do aproveitamento da água alcandorado em práticas e costumes
bem mais antigos do que aquilo que se pensa.
O cereal, seja ele qual for, constitui hoje, tal como no passado a base da dieta
alimentar humana. Por isso, semeado no Inverno ou na Primavera, consoante o tipo e o
género, é depois colhido no Verão ou nos meses do Outono e acondicionado em
estruturas apropriadas capazes de garantir o seu bom estado de conservação. Estas
estruturas porém foram ao longo dos tempos muito diversificadas e nenhuma delas
extinguiu as existentes, pelo contrário, em muitos casos coabitaram os mesmos espaços
físicos e temporais. Os primeiros sistemas de armazenamento foram pois os recipientes
cerâmicos, a cestaria e os silos cavados no substrato rochoso, os quais perduraram na
região com maior ou menor evidência arqueológica, consoante as épocas e os contextos,
pelo menos até aos finais da Idade Média. Além destes, muito provavelmente os
primordiais, surge no registo arqueológico, sobretudo no da Idade do Ferro, o celeiro,
uma estrutura retangular totalmente pétrea cujas características arquitetónicas a
distinguem das demais que se fixam nos meandros habitacionais castrejos. Depois deste
sistema, entre muitos outros, a maioria dos quais secundários, nunca dominantes
portanto, surgem os caniços, os espigueiros e os varandões, cujas características e
morfologias variam de região para região de acordo com hábitos e costumes há muito
enraizados no seio das comunidades. Trata-se, em geral, de sistemas de armazenamento
que diferem no essencial dos antecessores por desempenharam também a função de
secagem do cereal. A sua origem, dúbia é certa para alguns, parece ser anterior à
introdução do milho-maís na região, contudo a vulgarização deste tipo de estruturas, que
hoje pontificam em vários locais do Lima, umas vezes de forma isolada e outras em
núcleos significativos, deu-se fundamentalmente no século XVIII e XIX.
Desde que a agricultura fez aqui a sua aparição que a ela se associou o cultivo do
cereal. Este cultivo, tal como acontece noutras partes do globo, onde a agricultura fez
também a sua aparição, destinou-se na maioria dos casos à produção de pão. Tal destino
porém implicava o prévio descasque e esmagamento do grão, pelo que o início da

121
moagem do cereal deverá recuar aqui aos próprios primórdios da agricultura. Assim, os
primeiros sistemas de moagem, documentados em vários povoados da região, desde o
Calcolítico à Idade do Ferro e até mesmo à Idade Média, foram as mós oblongas de
movimento vaivém e os almofarizes. Estes perduraram pois no tempo, conheceram
larga diacronia e por isso mesmo coexistiram no tempo e no espaço juntamente com
outros sistemas, estes mais recentes. É o caso, por exemplo do moinho manual rotativo
que se torna visível no registo arqueológico a partir do século II a.C., e que conheceu
pela simplicidade e graciosidade do seu manuseamento grande aceitação no seio das
comunidades aqui fixadas. É do seu princípio funcional que sairá mais tarde a moinhola,
artefacto de moagem manual que além de popular perdurou até aos nossos dias. O
moinho manual rotativo, juntamente com as mós oblongas e os almofarizes, não foram
de forma alguma os únicos sistemas de moagem introduzidos na região. Com efeito, nos
últimos dois milénios coexistiram no tempo e no espaço da região muitos outros
sistemas, designadamente a atafona e o moinho de vento, estes menos populares, assim
como o moinho de água, seja ele o moinho de rodízio ou a azenha. O momento da sua
introdução é porém dúbio e incerto. Sabe-se que é uma a invenção grega, sabe-se que
foram os romanos quem o difundiram e até se conhecem algumas estruturas em várias
partes da Península Ibérica. Porém, não conhecemos quaisquer vestígios romanos seus
na região. Em geral, no registo arqueológico romano e altimedieval da região o que
surge, de forma abundante até, são os moinhos manuais rotativos. É possível pois que o
moinho de água tenha conhecido aqui uma implantação mais lenta e tardia. Em todo o
caso, através da leitura e análise dos escritos medievais, sabemos que o mesmo já por
aqui figurava na paisagem. Independentemente deste aspeto, certo é que o moinho de
água não só vingou na região como destronou todos os outros sistemas de moagem,
sobretudo após a introdução do milho-mais.
Por fim o pão. As mais recônditas origens do pão, tal qual o concebemos hoje,
encontram-se inevitavelmente nos primórdios da agricultura, pois foi nessa época que o
homem começou a cultivar os cereais, porém pouco sabemos sobre o mesmo. É possível
que no início o homem o tenha consumido ainda no estado cru, porém, com avançar do
tempo e da experiência que entretanto foi acumulando esse mesmo homem começou a
desenvolver outras formas de o consumir. A Arqueologia da região é pois a este respeito
bastante clara. O aparecimento de mós e almofarizes dizem-nos pois que o cereal era
moído. Se a este facto lhe juntarmos certo tipo de louças domésticas, malgas e panelas
de ir ao lume por exemplo, então facilmente se poderá concluir que o homem, pelo

122
menos desde o Calcolítico, consumia o pão sob a forma de papas. Se este argumento é
certo e válido para o Calcolítico, para a Idade do Bronze e até para a Cultura Castreja,
ficam-nos no entanto duas questões no ar. Por um lado, qual o cereal utilizado na
elaboração das papas? Por outro, haveria outras formas de pão, mais sólidas porventura?
A primeira questão é quanto a nós de fácil resposta pois a Arqueologia da região
documenta para os períodos em questão a recolha de bolotas, de trigo, de cevada, de
milho-miúdo e até de centeio, pelo que estes cereais entrariam certamente na confeção
das papas, principalmente o milho-miúdo, como mais tarde se explicitará na
documentação medieval. A segunda questão é mais complexa, pois os indícios, muito
ténues por sinal, não permitem asseverar com razoável segurança a existência de pão na
forma sólida. Em todo o caso, julgamos que o mesmo não só existia como era
consumido, senão vejamos. É certo que o forno, um pouco como o concebemos hoje,
surgiu mais ou menos por volta do câmbio da Era pois, entre outros locais, ele
documenta-se na cidade velha de Santa Luzia, em São Lourenço, no castro do Vieito, na
Terronha e em Santo Estevão por exemplo, contudo sabe-se que noutras áreas do globo
um dos costumes mais propalados de produzir pão passou pela lareira. Ora esta estrutura
está sempre presente nas estações arqueológicas da região pelo que é perfeitamente
admissível a ideia delas terem facultado também a produção de pão sobre as brasas. É
possível pois, como sugere Brochado de Almeida, a respeito agora sobretudo do pão
castrejo, que o mesmo fosse aqui do tipo bolo de telho, uma espécie de pão cozido entre
cinzas quentes. Em suma, fica-nos pois em todo o caso a ideia de que o pão assumiu
durante estes períodos formas ainda muito embrionárias.
Para o período subsequente, isto é, para a Idade Média, conhece-se melhor o
pão. A documentação escrita, produzida pelo homem medieval, é pois bastante clara
quanto a ele. Na região circulam pães de trigo e de centeio, sendo no entanto muito
populares por cá as fogaças, as papas, a boroa e as mondas que não só se destinavam às
camadas populares mais pobres como também parecem representar a prevalência de
certos hábitos, costumes e tradições, estas muito provavelmente anteriores. O pão de
trigo e de centeio, tal como a boroa eram cozidas no forno. A documentação medieval
refere esta prática e a Arqueologia deteta a presença desta estrutura desde o câmbio da
Era. As fogaças e as papas de acordo como vários especialistas seriam cozidas à lareira.
No caso das segundas, as papas portanto, os resultados arqueológicos obtidos em torno
de uma lareira do castro Santo Estevão parecem confirmar igualmente esta prática.

123
Com o advento da Época Moderna e Contemporânea muito se alterou no
panorama cerealífero da região. Os cereais clássicos entraram pois em declínio face à
expansão e à popularidade que o milho-maís obteve entre as comunidades locais. Tal
repercutiu-se também no pão. Com o triunfo do milho-maís assiste-se pois ao
nascimento de uma nova farinha, esta mais pobre, pelo que à confeção do seu pão será
necessário adicionar-lhe alguma farinha de trigo ou de centeio. O pão que dela sai,
levedado, cozido no forno, compacto e mais pesado que os medievais é aqui a boroa de
milho a qual se consubstancia não como um novo tipo de pão mas antes como uma
evolução da boroa medieval à qual se retira o milho-miúdo e se lhe junta a farinha de
maís. Quanto aos outros pães, eles parecem hoje perpetuar-se sob a forma de regueifas e
sêmeas.

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