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C R I M I N O L O G I A DIALÉTICA (*)
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fronto lúcido e leal dos nossos pontos de vista firmes, porém
abertos ao diálogo. A matéria permanece inçada de contro-
vérsias, e não há esperança dum acordo generalizado.
Ademais, a dificuldade inerente à vastidão escorregadia
do tema — a criminogênese é, em si, u m complexo entronca-
mento na ciência do crime e da criminalidade — soma-se ao
dever de resumir estudos epistemológicos (»), que, de certa
maneira, ultrapassam a rotina do trabalho cientifico, embora
se revelem, hoje, indispensáveis para deslindar questões do-
mésticas da Criminologia. Foi, aliás, o abandono dessas preo-
cupações que a deixou na situação diagnosticada por JEAN
PDÍATEL (*), com multo acerto. Há extravios, perplexidades,
dano à substância, à qualidade dos estudos empreendidos e
ineficácia n a aplicação poUtico-criminaL
A Criminologia Dialética é precisamente uma tentativa
de erguer nossa visão ao nível do amadurecimento da disci-
plina, ultrapassando as sendas duma adolescência t i o cheia
de vitalidade quanto de incertezas. O empreendimento insere-
se, portanto, n a doutrina crimlnológica presente, cujas dire-
trizes básicas pretende captar, fundir e integrar numa con-
cepção global, de timbre próprio.
Devido à Índole dialética, ela manifesta uma atitude con-
trastante com padrões, ainda vincados, entre os especialistas.
Enfrenta, sobretudo, a persistência duma lógica inapta para
assimilar as contradições da realidade, ao invés de tentar eli-
miná-las por melo de formalismos que lhe sacrificam a con-
textura e geram antinomias.
Mas não se trata, aqui, de propor um sistema definitivo
e acabado, à guisa de ne plus vltra. Este vezo, de par com o
vício da soberba, representaria uma descaída antidialética,
de que não escaparam certos teóricos no gênero dos que
SABTBS chamou de marxistas preguiçosos ( ). Uma posição 5
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dialética não 6 forçosamente marxista, (de resto, não o é a
minha), e não é nunca a daqueles marxistas condenados pelo
filósofo francês, ainda quando cedia, noutros aspectos, ao
mesmo defeito (•). Considero o marxismo, tanto quanto a
doutrina de FREUD, hoje não raro associados ( ), contribui- T
31
Influxo èla se toma criada de u m amo desconhecida ( ) / ciên- ia
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de cultura" e organizadora do sistema preventivo-repressivo
da defesa geral ou de grupo. ^
Ademais, como a Teoria do Direito esbarra nos pluralia-
mos jurídicos concorrentes e, com freqüência, armando situa-
ções conflituais, diante do projeto de hegemonia jurígena
estatal ("), a melhor Teoria do Crime supera o obstáculo
positivista em suas duas acepções (") para colher, com pre-
cisão, as, derivadas crimlnológicas. O conceito mesmo de cri-
me é, então, efetivamente dialetizado, pois a realidade o ofe-
rece a observação em termos que repelem** tomada como ele-
mento unívoco e confinado ao setor das definições prévias, a
partir das quais se desenvolveriam os esforços de explicar e
compreender as condutas qualificadas como delituosas.
Em resumo, a noção de criminogênese é, sob todos os
aspectos, a própria substância dum modelo que procura co-
lher a estrutura real, sistematizando a constelação de fatores
em termos duma grani theory (") criminológica. Isto vem ..a
dar no mesmo que dizer que criminogênese, enquanto con-
ceito, e síntese criminológica se equivalem.
Daí as tentativas de apertá-la em "fórmulas", cujo teor
esquemático mal encobre, ou determinismos mecanicistas e
«pifenomênicos, ou — pior — a inópia, no arremate, dum fal-
so ponto de partida, em que a pré-ciencia descritiva, criml-
nográflca, vestiu com operacionalismo e nominalismo frouxo
o desconhecimento da ontologia regional çom que lida. Neste
caso, temos a pseudoelucidação de fatos, ora carentes de sig-
nificação criminológica ( ), ora aberrantes, não como con-
20
(17) Cf. Roberto Lyra Filho, "Criminologia Dialética", clt., especialmente pags. 99/101
e conclusões (pags. 121 e seguintes).
(18) Trata-se de positivismo, como corrente filosófica e tendo repercussões na
doutrina penal, e positivismo no sentido em que refere a Filosofia Jurídica
e a que também se poderia chamar de formalismo Jurídico, na medida em
que afasta as dimensões axiológica e factlca. Mais do que u m iustum qvia
l u i j u m , essa diretriz imposta em dissociar o fuaftim do vusium, pondo o
"Jurídico" neste e afastando aquele como irrelevante, para o conhecimento
do direito.
(19) Sobre a colocação da middle range theory e da gtand theory, ver Rooerto
Lyra FUho, "Criminologia Dialética", clt., pàgs. 35 a seguintes.
(20) Pinatel, ob clt., pag. 13«. é de cortante precisão: " n a ausência de t a l tomada
de posição (sobre uma concepç&o de base o homem), elas (as ciências do
homem) condenam-se ao aquartelamento em pesquisas de escassa enver-
gadura, ao extravio em m i l slmosldades de trabalhos de pormenor, a ser
pretextos de falsas aparências, pseudoclênclas".
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A visão exata da criminogênese reclama, pois, a dialeti-
zação de seus componentes — crime e gênese —, isto 6, soli-
cita u m modelo dialético por força da natureza dialética da
estrutura, que ele visa a sistematizar.
Desfazendo-se essa concepção de maior envergadura sem-
pre difícil, inacabada e perfectível, mas indispensável — o
feixe de investigações setoriais se desata, e elas procedem
tumultuariamente segundo pressupostos subliminares e car-
reando distorções da natureza, posição e alcance dos" elemen-
tos Interdependentes. -.
Troca-se, então, a parte pelo todo, já que o todo perma-
nece inexplicável e as partes são, em última análise, inex-
plicáveis, sem referência a ele; e proliferam os arremedos
explicativos, soi disant de médio alcance, porém com a ten-
dência a se tomarem por definitivos em caída ponto do itine-
rário. Desta maneira é que aparecem falsas correlações entre
variáveis arbitrárias, como se fosse possível, e. g., determinar
o nexo entre aberrações de cromossomos e criminalidade ou
criminalidade e disfunções endócrinas, sem uma opção clara,
a respeito da criminalidade mesma, que não pertence ao se-
tor biológico, mas ao cultural.
Certo é que não há cisão, mas o entrelaçamento das es-
feras blo-pslcossoclais, com a ressalva, porém, de que ele há
de ser, logo, determinado, em sua contextura dialética, me-
diante os dados que outras observações científicas, em outras
etapas construtivas, levaram ao traçado de u m esquema an-
tropológico de base.
Nessa linha de raciocínio, a criminogênese não pode ser
adequadamente situada com o simples apoio de um "proto-
colo metodológico" e vagos acordos interdisciplinares. O ex-
pediente é incorreto porque legitima isolacionismos atomís-
ticos e deturpadores de cada fator; e é ineficaz porque impede
a circulação final das investigações parciais, exibindo -produ-
tos deformados nas pesquisas pretensamente autônomas.
A explicação dos fenômenos está além desses limitados
horizontes na medida em que o esquema antropológico a que
parecem haver, antes, renunciado, é substituído pelos acha-
dos e perdidos dum empirismo no gênero da fábula dos cegos
e do elefante ( ). Daí as "explicações" de todo gênero, blo-
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lógico, psicológico, psicanalítico, sociológico — tais como di-
encefaloses, associações diferenciais, inadaptações psicosso-
ciais, hipo ou hiperfunção do super-ego, e assim por diante.
O reconhecimento desses "impasses" representa, entre-
tanto, uma crise de crescimento e não de decadência ou morte
da Criminologia, como prematuramente anunciam certos au-
tores. Ela vem acumulando pesquisas e microteorias, às vezes
desfocadas, mas nem todas irrelevantes, nem completamente
inúteis, como "dados" para a reflexão, reajuste e enquadra-
mento que as transfunda n u m repertório orgânico e válido
de conclusões. Só assim, é claro, pode-se fundar a clearing-
house, ou câmara de compensação, onde tudo se elucida, e,
mais tarde, alimentar a praxis poÜticc-<:riminal com suges-
tões pragmaticamente viáveis e intrinsecamente legitimas.
Não se trata de qualquer mania filosofante, mas do reco-
nhecimento dessa presença de linhas cruzadas, científicas e
filosóficas, numa disciplina que, por ser ainda jovem, carece
de tradição metodológica firme e até de u m código semiótico
integrado, com os sinais perdidos na frouxidão de discursos
onde as denotações são freqüentemente arbitrárias e as co-
notações negligenciadas e, portanto, assimiladas sem revisão
crítica.
Ademais, em função duma crise mais vasta, que estabe-
lece a oposição radical de duas ordens de pensamento —
empirista-lógico e dialético ( ) — as próprias ciências mais
M
35
Dou como assente que a Criminologia tem, hoje, ao me-
nos, uma intencionalidade unificadora, alias manifesta em
sua feição atual, desde o Congresso Internacional de Paris
(1950). O que ainda permanece vago é o caminho de aber-
tura para a grand theory, reclamando sucessivas aufhébun-
gen, de t a l sorte que as passagens ao limite não carreguem
joio nem percam trigo. E isto importa numa elaboração teó-
rica lucidamente dialética. As perspectivas negadas e supera-
das não podem ser, sic et simpliciter, excluídas, mas hão de
ser aufgehoben.
A rnicrocriminologia arremata seus esforços com uma
teoria da personalidade delinqüencial, modulada com elemen-
tos da infra-estrutura biológica, passando às biotipologias e,
desta, à psicologia, à caracterologia e as incisões da psicaná-
lise, cujo travejamento reexpõe, em cada instante do percurso,
as coordenadas bio-psicossociais.
O projeto não é demasiadamente ambicioso e, aliás, já
foi tentado em aproximações razoáveis (**); cumpre aperfei-
çoá-lo, apenas, e isto é só um primeiro passo. O itinerário pros-
segue, pois na macrocriminologia também ocorrem as passa-
gens ao limite. A expressão ecológica já engloba, no Umwelt,
um elemento telúrico e outro cultural, geralmente designados
pela palavra "melo", e cujo teor unitário só pode. ser conce-
bido dialeticamente. Nesse terreno complexo é que a ação
social dinamiza as estruturas historicamente integradas, n u m
processo de polarização tenslva. De qualquer sorte, as estru-
turas hão de ser, sempre, consideradas geneticamente ( ), ou Sí
(33) Jean pinatil, por exemplo, tom ura Importante ensaio, no gênero; parece-me,
entretanto, que a projeto deveria ser retomado, nao só para rever a tentativa
de caracterização do delinqüente (agressividade, egocentrismo, labUldade e
indiferença afetiva), como para dlaletlza-la, pois o mestre francês parte do
"criminoso", sem a abordagem critica • aberta do conceito de crime, e nao
parece enfatizar suficientemente as condições da estrutura social que "norma-
lizam" certas características (a exemplo do egocentrismo, na expansão machis-
ta em sociedade patriarcal) e admitem a descarga de energética psíquica sobre
vitimas "institucionalizadas" (esposa, filhos...)
(23) A propósito, além das contribuições multo conhecidas do estruturalismo gené-
tico no género de Ooiman, a observação' de Jean Piaçtt, in "Dlverãos".
"Tendances Principales de l a Recherche dans l u Sciences Sociales et Humai-
nes," Paris — La Haye, Munton-Uncsco, 1970, pag. 373: "O problema central
do estruturalismo em ciências biológicas e humanas é conciliar estrutura e
génese, toda estrutura comportando uma génese e toda génese devendo ser
concebida como passagem formativa duma estrutura originaria a uma estru-
tura atingida".
(37) Na critica do estruturalismo, ver Roberto Lyra Filho, "Criminologia Dialética",
cit., pags. 47 e 57, 58, 84/85; também: Gales Gaston Grangtr, "Pensée Formelle
et Sciences de l'Homme", Paris, Aúbler, 1967, pag. 5; Zyçmunt Bauman in
"Diversos", "Marx and Contemporany Sclentlflc Thought". Paris, The Ilaguo,
Mouton-UNESCO, 1969, págs. 483 e segs., especialmente pág. 492.
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Cada estrutura segrega a criminalidade correspectiva —
ponto em que a tese da "normalidade" duma quota crimino-
gênlca alia as observações de superfície à DUBHKLM, e as iro-
nias da criminalidade com "benefícios secundários", no texto
famoso de MAHX ( ) . De qualquer sorte, uma visão aparelha-
m
37
não hesita em pontilhar, com bastante complacência ideoló-
gica, a prática institucional, à guisa de "recursos heróicos".
Hoje, a Sociologia mala avançada Já deslocou a tônica do
controle para a mudança social, fazendo-se precisamente So-
ciologia das Mutações (**) no processo de transmutação da
Sociologia; e a teoria da sociedade criminogênica já se alar-
gou para além da consideração dos chamados fatores sociais
da delinqüência, no sentido de uma negação da criminalidade
de algumas condutas assim formalmente consideradas, com
desafio às definições ilegítimas daquelas condutas, enquan-
to criminais.
O roteiro das noções de white collar crime, de impuni-
dade e de silêncio social ( ) completa-se nas operações em
M
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organizado (*°) emergem no padrão mesmo da esclerose es-
trutural e vão ser reexaminadas, em sede ética (") e, por-
tanto, necessariamente dialética, para evitar o relativismo dos
"estatutos sociológicos" ( ). 48
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infenso às opções causais, para adotar o recurso no gosto do
empirismo — lógico; isto é, trocou as causas pelos fatores,
cuja associação atomísüca era garantida por formar de enla-
ce, passando do físico (paralelogramo de forças e resultantes
causais) para constelações lógico-simbólicas e matemáticas.
O fenomenismo naturalista joga, então, fora a polpa do fruto
positivista para conservar a casca de simples articulações for-
mais. Às "leis" deterministas sucede o artifício do retorno por
via de conexões probabilitárias e procedimentos estatísticos
mal acomodados ao real: é que tinham sido suprimidos, na
base, os vínculos de interdependência ontológica dos fatores
mesmos, em sua definição preoperacional. E uma aparência
de objetividade, rigor e matizamento vem pacificar os espíri-
tos. A pedra de toque seria a quantificação, retirada à função
instrumental para expandir-se como "técnica", substituindo a
ciência real, em jogo nominalista. O determinismo, que acha-
tara as primeiros teorias, elevou-se em arranjos estatísticos
de "fatos", colhidos à superfície dos fenômenos (**).
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mogênea. Geosfera, biosfera e noosfera reclamam o indispen-
sável adminículo duma sociosfera, acomodando a passagem
ao limite da "consciência ao quadrado" do indivíduo pára
algo que fosse menos do que a reificação duma "consciência
coletiva" e mais do que um atomismo subjetivista de cons-
ciências puramente individuais ("). Por outras palavras, a
passagem deveria ficar aberta, e em wech&élwirkung, entre
o individual, o intersubjetivo e o social, com u m recurso dia-
lético no gênero do que GOLDMANN chamaria o intrassubje-
tivo, para evitar, de u m lado, o sociologismo e, de outro, o
psicologismo, em superfície e profundidade. Assim, por exem-
plo, se recolocaria o super-ego freudiano em função receptora
de influxos societais, e não solto, à guisa da moralische Gesetz
in mir Kantiana. Por outro lado, as pulsões do id entrariam
na dialética do ego, dinamizando sua energia biológica sob
o impacto duma "censura" que não seria, de nenhum modo,
puramente individual e operaria transmutações na própria
infra-estrutura vital como, por exemplo, a acomodação orgâ-
nica ao bafio das sublimações impostas pelo comando ético-
social. Ê claro que essa dialética não elimina a liberdade, mas
o ego conscientizador e reagente terá de haver-se com os pró-
prios condicionamentos conscientizados.
tes) Roberto Lyra Filho, "Crimlnologla Dialética", clt., págs. 63/88. Atente-se para
a ligação entre a teoria crlmlnológlca e o paralelo entre a dlaletlzaç&o doa
conealtoa de crime e, na Psiquiatria, de doença mental.
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cfio do verstehen por WOLTOANO e F B U M C U T I , em obra, aliás,
sob muitos aspectos, notarei, constituindo um dos raros mo-
mentos criativos da Criminologia contemporânea ("). -
Subsiste a carência Já apontada do esquema antropoló-
gico de base, traçando opções de relevância fatorial, e não
apenas de associação de fatores, e fundando, ademais, a liber-
dade ontológica do homem a partir dos seus próprios condi-
cionamentos conscientizados, isto é, o enterro do livre arbítrio
e do determinismo mecanicista, pela liberdade e determina-
ção dialetlzadas.
A liberdade, no plano individual, não se põe como nega-
ção (cientificamente inviável) da determinação, em termos
dum livre arbítrio de homens, pelo espirito solto, ou de povos,
pelo Volksgeist, também inexplicado e despistador. A nega-
ção das determinações mecanicistas, que extinguem a liber-
dade, se faz pela negação da negação da liberdade na própria
afirmação das determinações, como condição para, conhecen-
do-as, superá-las.
Nesse plano, a atuação individual e coletiva, e o conheci-
mento delas, revelam-se impensáveis, sem o suporte recíproco
da " m i n h a " atuação, dq vinculo intersubjetivo e da inserção
"em m i m " do societal ihtrassubfetivo), tanto quanto " m e u "
saber e a ciência como instituição para conhecer a verdade,
na expressão de SCHXLER — tudo interdependente.
O processo, observado apenas no individuo, é escamotea-
do pela eliminação das imbricações sociais. O processo, visto
só na coletividade, forma uma união hipostática em que a
(46) Wolfgang k Ftrracutt, " T h * Subcultur* of VIolence". clt., prefacio de
Itannhtim, pies. XV. T/ata harmoniosa exposição da superposição de metodo-
logias explicativa • compreensiva, na análise crimlnológlca, Ja se encontrava
na "Biologia Criminal", d * Cxner (Barcelona, Bosch, 1946, pigs. 28 e segs.),
embora a ausência do elemento critico e dialético nao lhe permitisse realizar
a imbricação exata da* relações causal e de sentido. O mesmo se dá nas
considerações metodológicas de Michelangelo Peide* "Introduzlone alio studlo
delia Criminologia", U i l t o . Oluffrê, 1960, pag. 104). Ambos, alias, tendem a
dissolver a compreensão em u m estudo d * motivações e estudo psicológico.
(Exner, pag. 31), o que confunde mais aa coisas, pois obscurece o alcance
sociológico da relação de sentido. A propósito*. Roberta Lyra Filho, "Perspec-
tivas Atuais da Criminologia", clt., paga. 37/38, distinguindo, com Rodriguez,
u m entrosamento de operações, na compreensão teleológica, endopitlca e
integral, que devolve a própria intimidade do calculo de meios e fins à
analise da personalidade "em situação", isto e, enfatiza a compreensão, en-
quanto psicossociológica e governada, no sentido "objetivo", fundamental,
por elementos que ultrapassam o intersubjetivo (social, para alguns norte-
americanos) através do Influxo social (societal, naquele vocabulário). No
texto, emprego o termo "social" para designar tanto o "social" ítricto tentu
dos americano* (na medida em que tem relevo sociológico), quanto o "socie-
t a l " ; e uso esta ultima expressão, as vezes, para enfatizar, em certos casos,
a objetividade que, sem a relflcaçao durkheimlana, mostre, nas típicas forma-
ções sociais, algo que "transcende" o feixe de relaçóes lnter-subjetlvas.
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pessoa é puro verbo e os papéis são delineados sem a correção
perspéctica para análise dos atores em concreto e suas dife-
renças individuais. Essas antinomias indomadas ainda obs-
truem muitos trabalhos criminológicos, quando se apresen-
tam sem a assimilação dialética, fazendo com que a observa-
ção de fatores bio-psíquicos seja desafiada por sociólogos cri-
minais e as investigações sociológico-criminais sejam tidas
como irrelevantes, no plano microcrlmlnológico, por muitos
cultores da chamada Criminologia Clinica (* ). T
(47) Roberto Lyra Filho. "Criminologia Dialética", clt., paga. 17/22, 27/43. -
(48) Roberto Lyra Filho, "Criminologia Dialética", clt. pigs. 20/21, 75. 80/85;
"Feripectlvaa Atuais da Criminologia", clt., pigs. 19/22.
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fundamentais "do grupo" (qual deles?) nftb tem menos sabor
ideológico, pois reduz a mores
unívocos a dialética das culturas
em conflito, segundo o esquema cultural dominante, ou toma,
como SSLLXX, esse mesmo conflito para abordá-lo, como sin-
tomático, no plano meramente descritivo — em qualquer caso
demonstrando vinculação aos parâmetros do controle social
estabelecido e abrindo caminho para a admissão da presença
"subcultural", como índice de "desorganização", que entra
no rol das "patologias". Sacrifica-se a pluralidade das cons-
ciências éticas e Jurídicas (<*) e o impulso da mudança como
agente positivo de uma "contracultura". Finalmente, as cons-
tantes normativas trocam a validez substancial pela incidên-
cia estatística e confundem o quantitativo e o qualitativo.
Ora, o processo não é, sequer, plebiscitado, pois a "plebe"
não é, de nenhuma forma, reconhecida como jurigena.
A Criminologia Analítica, de um lado, e a Criminologia
Crítica, de outro, e ainda mais fortemente, atacaram a ques-
tão, embora constrangidas pelo modo de pensar que tende a
ver todo conflito como "impasse" e toda décalege entre for-
malização e legitimidade como antinomia, em lugar de en-
campar todo o processo, alargando, dialeticamente, a visão.
fi certo que, sobretudo a Criminologia Crítica, a partir
de NAGKL, desempenha uma função positiva, enquanto preci-
samente crítica, para vincular a teoria criminológica aos lan-
ces dramáticos da praxis e a política criminal a abordagens
valorativas. Além disso, a New Criminology do grupo formado
por TAYLOR, WALTON e Yomro ( ) ainda mais fortemente se
50
(49) Roberto Lyra Mho, "Crlmlnologia Dlalettca". elt., pigs. 19/22, 97/101.
(50) Ian Taylor, Paul Walton & Jock Xoung, "The New Criminology", Londres,
Rontledge * Regan Paul. 1973.
(51) Taylor; Walton & Young, "The New Criminology", clt., pag. 281.
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dades em que "os fatos da diversidade humana, pessoal, or-
gânica ou social" escapam in totum ao poder de tacriminar.
Ao contrário dos socialistas, em cujas utopias o crime residual
é uma espécie de "pecado" contra a sociedãHfl justa e o seu
desvalor é paternalmente tratado com benevolência correcio-
nal, a New Criminology prega a destacriminação generalizada,
um pluralismo ético, não dialético, mas caótico,, enquanto
troca a ficção da sociedade tutelar, no Estado socialista, pela
anarquia do individualismo sem freios. O ponto comum é,
todavia, a transformação do arremesso crítico perante o
statu quo, em crença num happy-end escatológico. O apoca-
lipse da sociedade combatida é, então, prelúdio do Faracleto,
lembrando a profecia de Joel ( I H , 1), em que o espírito de
Deus se derrama sobre a terra, despertando os sonhos dos
"velhos e as visões dos jovens.
Nesse contexto, a dialética imanente no processo histó-
rico desfaz-se a u m sopro "idealista", tanto no sentido mar-
xista quanto no comum, de trocar o homini lúpus pelo agnus
leigo duma pastoral de crentes. O debate, então, passa à
Filosofia da História e ao marxismo como ponto final da
Filosofia, que faz culminar as contradições dialéticas numa
contradição à dialética ("). E a isto se acrescenta a outra
grande ambigüidade do marxismo, que é a sua concepção do
Estado e do Direito, levando a um positivismo d rebours, no
gênero de VYSHINSKI e a u m ingrediente jusnaturalista, su-
blinhado, nas fontes básicas, por H E L L E R ( ) e outros. m
45
da Filosofia, inserl-lo ao processo e passar adiante ("). O
Espirito Absoluto de Hkan., mesmo desvirado por MARX, deixa
a marca de sua infradlaletlzação derradeira.
Noutro lugar procurei desenvolver os pressupostos de
Filosofia do Direito que fornecem uma base para inserção do
conceito de crime no afazer do criminólogo, sem perder o fio
da meada e desandar num relativismo dissolvente ou num
íixismo "metafísico". Não é este o momento adequado para
reproduzir aquele esboço, já aperfeiçoado e desenvolvido
noutras análises. Talvez seja, entretanto, elucidativo repetir
aqui as conclusões principais, com a ressalva de que sua
demonstração exaustiva se encontra nos textos que as pre-
cedem e sucedem, com retoques e novas aplicações.
"Reconhecido o insucesso das explicações puramente bio-
lógicas ou psicológicas, tanto quanto do neo-sociologismo da
aberração (deviant behaviour), a criminologia, mais recen-
temente, voltou a apelar para a ética. Mas esta, salvo dire-
ções ultrapassadas, importa no reconhecimento da liberdade
real do homem, com admissão simultânea das determinantes
a que está sujeito. Aprópriando-se dos índices de seu próprio
enquadramento nos processos naturais e sociais é que o
homem dialético pode escapar ao mecanicismo e ao relati-
vismo, e reorientar, criticamente, a própria conduta. A super-
estrutura normativa com que se defronta mergulha raízes
na estratificação da sociedade chamada global, e no conflito
de posições e interesses dentro dessa estrutura. As normas
jurídicas e morais têm a mesma origem social e se di-
versificam nos processos de formalização e aplicação — as
primeiras, heterônomas, externamente coercívels, mediante
sanções organizadas, e bilateralmente atributivas; as segun-
das, relativamente autônomas, difusamente sancionadas e
unilaterais. Ambos os tipos de norma geram, em seus âmbitos
comunicantes, uma pluralidade de ordenamentos, que dispu-
tam a hegemonia Há, sempre, mais de u m modelo em vias
de positivação. Daí os conflitos de "cultura" e "subculturas"
entre si e até mesmo internamente. É preciso avaliar as
parâmetros concorrentes do sein sollen, 'ontologicamente
vinculado ao próprio sein. Cientificamente, a bússola me-
todológica exige a dialetização para superar o jogo das
(55) A propósito, Alphonse de Waelkens, "La Phllosophle et les Expérlences Natu-
relles", Hala, Nljhoff, 1981, paga. 1 e segs., especialmente paga. 11 • segs.,
com ênfase critica na redução da. consciência individual à consciência de
classe. Substancialmente, a apresentação esboça uma dialética histórica, no
desafio do mito, da ciência, da praxis, da filosofia mesma, que se vai
transformando para sobreviver.
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microvisões e o cancelamento recíproco dos resultados, nas
formações multidisciplinares. Por esse caminho é, então,
possível enfrentar o feixe tríplice de aspectos, indissoluvel-
mente coligados e referentes: a) à formalização (em que se
determina a origem e constituição do elenco de normas posi-
tivadas) ; b) à eficácia (em que semede o poder efetivo de
atuação daquelas normas, em retorno imperativo, para buscar
o controle dos processos sociais donde emergem); c) à legiti-
midade (em que se analisam, critico-valorativamente, os
conteúdos positivados, para a cooptação de indivíduos e
grupos, segundo os rumos históricos duma consciência jurí-
dica e moral "desideologizada"). A noção de "subcultura" é:
a) formalista (pela hierarquização acrítica dos elementos,
conforme o arranjo dominante); b) meramente conservadora
(pela admissão de uma espécie de homeostase no próprio
sistema). Por outro lado, a anomia, longe de representar,
sociologicamente, a simples rejeição niilista de toda e qual-
quer norma, denuncia a polarização de novos projetos de
positivação normativa, conquanto ainda hesitantes ou so?
mente implícitos. Esses projetos inspiram-se na praxis social
e organizam-se em movimentos ilegítimos (entrando no fluxo
de anacronismos regressivos) ou legítimos (quando buscam
o alargamento da quota de liberdade e justiça conscientiza-
das, perante os sistemas ainda atuantes e em exasperado e
agressivo declínio). A anomia representa o prenúncio de
mudança Iminente na estrutura institucionalizada, quando
esta entra em décalage com a corrente histórica. As próprias
contradições dum sistema, tornando-se mais agudas, desper-
tam a consciência crítica, hoje arrimada no impulso, cada
vez mais forte, da comunicação, que estabelece um contato
ecumênico. Neste plano é que se forma o desenho imantado
da nova moral e do novo direito.
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platônica. Também não dá ensejo para a subsistência dos
formalismos jurídicos e sociológicos das teorias puras ou de
médio alcance (middle range theory). No Brasil, o favoreci-
mento, pessoal de escravos em fuga inscreveu, a seu tempo,
os abolicionistas, no rol dos "criminosos'' comuns. Na Alema-
nha nazista, o genocídio prosperou dentro da "normalidade"
duma experiência "jurídica", influenciando até as teorias
criminológicas das "causas" raciais e da política criminal de
"eugenia" social.
"O itinerário da criminologia crítica, atualmente em
foco, deverá consumar-se, a meu ver, em criminologia dialé-
tica. Nesta, evitando-se tanto a alienação quanto o compro-
metimento cego numa praxis acrítica, poderá ser visto o que
ocorre não só no palco, mas também nos bastidores da filo-
sofia, da ciência e da política criminais." ( ) B<
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o núcleo do ser, ho desterro eleátíco, pára devolvê-lo à vida,
cuja trama só não o absorve em puro imanentismo, porque
ele subsiste como força real e conceito-limite necessário para
movimentar o processo, fazendo com ele "seja", isto é,
"ex-ista", num impulso transcendente, associando ação e
contemplação, teoria e prática, transformação do mundo e
interpretação do mundo, exercício da razão e fundamento
transracional dela, existência e regulação normativa da exis-
tência, sem esquecer que o sein soüen do fiat normativo é u m
sein, implantado na História e seu incessante movimento.
A criminogênese, portanto, reclama uma visão capaz de
fazer o tríplice enlace dialético: a) das esferas macro e micro-
criminológicas, para a transfusão da síntese, como doutrina,
exprimindo a estrutura, como realidade, n u m modelo ajus-
tado a esta; b) da investigação parcial e totalizadora, segundo
os lineamentos dum esquema antropológico de base, sem a
qual o trabalho é caótico e a síntese impossível; c) do exame
do processo delinqüencial, enquanto feixe dialético de conexões
com o processo nomogenétlco e sua derivada criminológica e
vltlmológica, em termos de eficácia das normas e legitimidade
delas, nas formalizações histórico-soclais emergentes, que
procuram "qualificar" condutas como delituosas. E, nisto, a
formalização normativa não é evidência incontroversa, mas
indício de juridicidade, como já intuía o malogrado gênio de
LASX.
& justamente para que as abordagens críticas já pre-
sentes na melhor doutrina criminológica não atuem, apenas,
em sentido negativo, gerando antinomias e obstruções, que
se torna indispensável desenvolver uma Criminologia Dialé-
tica. Sem ela, frustra-se o projeto duma Criminologia unitária,
com base em teoria criminológica integrada e ecumênica, em
fecundo intercâmbio entre modelos, estrutura real levada a
exame e repartição de setores a investigar, numa divisão de
trabalho que evite a fragmentação daquela realidade; em
resumo, que não deturpe a síntese criminológica para não
deturpar a captação da criminogênese. ( ) M
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