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Colecao Primeiros Passos O Que É Anarquismo PDF
Colecao Primeiros Passos O Que É Anarquismo PDF
INTRODUCGAO
Este livro esta dividido em quatro partes que pro-
‘curam dar conta de uma maneira bem geral do que
seja 0 anarquismo, ou melhor, os anarquismos; uma
vez que existem indmeras correntes distintas que
formam o que se convencionou chamar de movimen
to libertario.
0 primeiro capitulo, A ingénua lucidez, funciona
‘come uma introdugao ao tema. Alli estao historica
mente apresentadas as correntes mais marcantes no
seio_ do movimento anarquista: 0 Mutualismo,
inspirado no que deixou escrito o francés Pierre-
Joseph Proudhon no século passado; 0 Coletivismo
Bakuninista, que como diz © nome foi propegandea
do por Michail Bakunin; 0 Anarco-comunismo im-
pulsionado por P. Kropotkin; o Anarco-sindicalisimo
riado na Franga e desenvolvido posteriormente naCaio Tidio Vieira Costa
Europa e nas Américas e, finalmente, o Individualis
mo Anarquista que desembocou na violéncia de cu
ho politico,
© segundo capitulo, que tem por titulo Os ingo
verndveis, apresenta um resumo da vida e da obra
de alguns dos mais significativos e mais conhecidos
lideres anarquistas: William Godwin, Max Stirner,
Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Leon Tolstoi,
Errico Malatesta e Emma Goldman, esta altima in
corporada ao livra por ter sido uma das primeiras
mulheres que amou, escreveu e combateu em nome
do anarquismo.
No terceiro capitulo foi feito um pequeno histo:
rico das aspiragdes internaciona istas dos I
O capitulo comega com a historia da Associacao In
ternacional dos Trabalhadores, mais conhecida como
| Internacional, onde Karl Marx e Bakunin travaram
duras batalhas pelo controle do movimento operério
europeu na segunda metade do século passado. 0 ce:
pitulo segue acompanhando todas as iniciativas anér-
quicas na tentativa de criar um orgenismo revolu:
cionério internacional.
© quarto capitulo, A parte maldita, mostra e
relata um pouco dos fatos do movimento anarquis
ta onde ele foi mais forte e participante: Russia,
Franca, Itélia e Espanha. Af pode-se encontrar 2
historia da repress ao anarquismo na Russia
antes e depois da revolueso de outubro de 1917;
(© desdobrar dos atentados de violéncia politica
na Franga e na Itélia e uma simula do vigoroso
O que €0 Anarguisme
movimento libertério espanhol. No final, um peque
to panorama do anarquismo nas Américas @ no
Brasil
Para este estudo segui criteriosamente os rotei
ros tragados pelos estudiasos do anarquismo como,
entre outros, James Joll, Daniel Guérin, Paul Avrich
@ George Woodcock de cuja obra, Anarchism,
reproduzo @ cronologia e subscrevo a maioria das
opinides.A INGENUA LUCIDEZ
Richard Wagner, além de combater nds barrica
das de Dresden ao lado de Sakunin, compés uma
peca grandiosa, “O Holandés Voador”, musica
do cataclisma, apocaliptica; os metais vibram com
uma intensidade extraordindria, 0 som arrebata os
‘uvidos, & quase o fim do mundo, ou 0 comeco,
© ainda jovers idealista Michail Alexandrovich
Bakunin a0 passar em 1849 por Dresden conheceu
Wagner © apaixonou-se pelo “Holandés Voador”.
Foi quando cruzou também com a musica de Bee
thoven, prometendo, apés a revolucdo, quando
nada mais restasse em pé, salvar a partitura da “No:
na Sinfonia" em troca de sua vida, se fosse 0 caso,
Esta paixdo de Bakunin pela misica grandiosa,
pelo espectro do caos, da destruigo, onde as ima:
| gens se confundem e reviram céus e terra engolin
Pec cece es
O que 0 Anarquismo n
|
do a vida, a natureza e os homens, estendeu'se
por toda a sua existéncia. Nao foi gratuitamente que
ele mesmo sentenciou a criatividade do caos, pois
a paixdo pela destruiggo — em seu proprio dizer —
também é uma paixdo criadora.
No sentido comum, a anarquia sempre foi 0 caos,
a desordem, A palavra transformou-se em sindni:
mo de bagunca e os cronistas e historiadores de hoje
jamais lograram repor o significado veraz de um
pasado glorioso ©, no minimo, construtivo, Por
paradoxal que pareca, anarquia nao é bagunca,
muito menos ordem. Mas ndo com apenas uma
pequena dose de purgante que se limpam quase dois
séculos de distoredes acumuladas na cabeca dos
homens @ alimentadas dia a dia. Também, no hé
divida, foram os proprios anarquistas a colaboyer
para a’ imagem que se faz deles; como nunca quise
ram tomar 0 poder, é Sbvio que jamais iriam fazer
dde suas representacdes as imagens oficiais na mente
dos homens.
Os anarquistas, se é que se pode encontrar algo
de comum entre eles, tém em mira apenas o indivi-
‘duo, sem representantes, sem delegacées, produtor, |
naturalmente em sociedade, Positivamente, eles pre-
conizam uma nova sociedade e indica alguns
meios para isto.
Como em todas as revolugdes, diria Camus, a fi
berdade esté no seu principio. A justia também,
inimaginavel sem a liberdade, Mas chega 0 momento
do terror, da violéncia, do assassinio; € a justiga2 Caio Tito Vieira Costa
0 que 60 Anarquism
cobrando e exigindo a suspensio da liberdade.
© paradoxo deixa a pergunta da inevitabilidade da
revolugéo e expulsa do rosto dos revolucionérios
© ar de felicidade, Quase todos 0s anarquistas pro-
curaram a revolugdo, alguns foram violentos, outros
simplesmente apoiaram a violéncia.
Do anarquismo cristo de Leon Tolstoi — passan
do pelas bombas de Ravachol em Paris do fim do sé
culo, as comunidades libertérias espanholas, os
Kibutz israelitas de antes de 1948 — aos Indios
Metropolitanos na Itélia, que surgiram das ruas ar-
mados de arco e flexa aos gritos de “estais atentos,
16S somos os verdadeiros delinquentes”, esto pre
sentes os principios que 0 anarquistas plantaram no
século pasado. E como tudo que vive, nao existe
somente um anarquismo, abstrato ¢ detinido, con’
ceitualmente manejével concretamente percep-
tivel. Existem varios anarquismos. A tentativa é
detecté-los historicamente para compreendé-los
um pouco antes que nos obriguem a esquecé-los.
A idéia de caos na sociedade esta bem distante do
que um dia pensou Talstoi, Godwin, Thoreau ou
Kropotkin. A palavra anarchas, em grego, pode ser
usada para definir desordem na falta de um governo,
ou quando nao existe a necessidade dele. Portanto,
anarquia etimologicamente quer dizer sem governo,
sem autoridade, sem superiores. Somente.
(Os franceses tiveram a honra de usar a palavra pe:
jorativamente pela primeira vez. Durante a Revolu
0 Francesa, 0s girondinos usaram-na para injuriar
seus adversdrios da esquerda, Brissot xingava os En:
ragés de anarquistas. Robespierre foi vitima da mes
ma pecha. Coube a Pierre Joseph Proudhon a recu
peracdo e cunhagem do termo anos depois, ao rei
| vindiear para si o titulo de anarquista, usando-o
de maneira positiva e aproveitando a ambiglidade
dda palavra original grega, Sébastien Faure, outro te6:
Fico anarquista, diria depois: “quem negue a autori
dade e a combata ¢ um anarquista’”. Woodcock,
fem 1960, completou a definicdo relativizando-a’
“todo anarquista nega @ autoridade, muitos a com-
batem’’ E a idéia do caos continua distante.
Oferecendo um exemplo mais proximo, numa vo!
ta a historia com alhos mais complacentes, Noam
Chomsky lembra, numa entrevista, que os anarquis-
tas sempre se referiram favoravelmente ao ideal
da democracia jeffersoniana {Thomas Jefferson, pre
sidente dos EUA de 1801 a 1809), para o qual o me-
hor governo 6 © que governa menos. Chomsky adi
ciona ainda a observaggo de Henry David Thoreau
para quem © melhor gaverno & 0 que nao governa
em absolute.
As forcas sociais que erigiram o que hoje se chama
de século XIX encontraram pela frente duras bata-
Ihas. Foram tempos de coroacao do capitalismo,
da consolidaco da burguesia, ‘mas foram tempos
também de uma critica social violenta, de ensaios
revoluciondrios como o da Franca em 1848 ou mes
mo 0 da Comuna de Paris, entre milhares de exem:
plos; de produgao filoséfica constante e critica,14 Caio Titio Vieira Costa O gue bv Anarquisons
CC (econ ree ae er eciai
pelo homem, de questionamentos. {edo seguramente com a aparigdo, no cenério poli
tico, de Bakunin, um russo curioso e instigante
Antes dele os historiedares detectam outros perso:
hagens. fora do contexto conturbado da luta pol
tica, das barricadas, das reunides.internacionais,
das greves e das fugas espetaculosas. William Godwin,
Thoreau ou Max Stirner, por exemplo, desenvolve-
ram seus projetos 2 parte do movimento dito anar
auista, frutos apenas do espirito do tempo.
Os anarquistas sempre estiveram de acordo em
relagio a0 fim Ultimo de seus propésitos, divergin
do apenas quanto tética mais convincente para
consequi-lo. Os partidérios de Tolstoi, prdximos a0
que se pode chamar de anarquismo eristéo, nao admi-
tiem @ violéncia em nenhuma circunstancia. © in
alés William Godwin esperava determinar mudancas
mediante discussées. Proudhon e seus partidérios
propugnavem a mudanca social através. da_proli
feragdo das organizages cooperativas. Kropotkin
aceiteva a violéncia, mas a contragosto © somente
Porque a considerava inevitével na revolugio e esta
por sua ver inevitével na etapa do progresso huma
no. Bakunin em vérios momentos teve divides,
mas combateu em barricades e exaltou 0 caréter
sanguindrio da insurreigéo camponesa. Contrito,
chegou a dizer que as revolugdes cruéis s#0 neces
sérias, Unica e exclusivamente por causa da estupt
ddez humana; mas @ erueldade seria sempre um mal,
aes tum mal monstruoso e um grande desastrei aig Tito Vieira Costa
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| Exfeatem que 0 hamem seja bom por natures,
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| mente as tendéncias essenciais e desemberacar 0
Caminho para um melhor e mais répido desenvol
} vimento.
10 dio visceral de todos os anarquistas @ contra
este teviatd da sociedade moderna, este organismo
imenso e todo-poderaso, a sintese da autoridade ¢
da centralizacao, a espada de Damocles que, pendi
Ga sobre a cabega de cada cidadao, foi paulatinamen-
0 queen Anarguisme
te conquistando 0 poder politico, ecandmic
Ciats0 Estado, Todos o fulminam corm invectivas e
Adjetivos, Considerarmno seu inimigo. Bakunin en
laca 0 coneeito de Estado com 0 de Deus e os pro:
clam principais adversirios da liberdade humana
Proudhon ago cansa de repetir que 0 governo do
hhomem pelo homem a servidio e define dramatica
mente o que é ser governado: "é ser quardado a
rents o ave ardado a vis
f,nspetonado,espionado, dingo, epsiado, re
gblomentado,poraieade, endoutrinad, predic
conta, calculads, aprecinde, consrado,
omandado, por sores que nao tém nem o titulo,
nem a ciéncia, nem a virtude (..). Ser governado é
ser, a cada operagio, a cada transagio, a cada movi
mento, nota, regstrade, recenseado, taritado, se
ad, medio, cota, avatad,patentendo ene
dio, avtorizedo, ratulado, admoestado, impedico,
reformado, reenviado, corrigido. €, sob o pretexto
da utilidade piblica © em nome do interesse gera
sersubmetido @ contibutgEo, tiizado, resgatado,
plorado, monopotizado, extorquide, pressionado,
mistificado, roubado; e depois, @ menor resistencia,
@ primeira palavra de queixa, reprimido, multad 7
, fo, muitado, vi
lpeniado, vexodo,acssdo, malvatdo,espece
fo, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado,
metralhado, julgado, condenada, deportado, sacriti-
cado, vendo, ido e, no méxime ga, sed,
ularizado, ultrajado, desonrado. Eis 0 governo,
eis a sua justica, eis a sua moral! {...) Oh! persona.
lidade humana! Como foi possivel deixares-te afun
”1% Caio Taio Vieira Costa
dar, durante sessenta séculos, nesta abjecéo?”
Proudhon esqueceuse de acrescentar: torturado,
Também pudera, esta atribuigdo 0 Estado sofisti
cou apenas neste século, Para Stimer, todo Estado
€ uma tirania, Para Bakunin, é uma abstragdo de
voradora da vide popular, um imenso cemitério,
Para Malatesta, 0 governo rouba, destr6i e paralise
pelos seus métodos de aco.
E os anarquistas ndo fizeram mals, até hoje, do
que combater 0 Estado, 0 governo, a autoridade.
Certo, todos hdo de convir, jamais se encontraré
1a historia do anarquismo, sé olhada desde o panto
de vista oficial, uma vitéria duradoura. A observagio
de Susan Sontag, ensafsta norte-americana, acerca
das revolugdes nos paises capitalistas do ocidente
encaixa'se Como uma luva para 2s revolucdes que os
libertérios impulsionaram: parecem quase sempre
ser expressamente planejadas para nunca triunfar.
As comunidades falharam @ continuam falhando,
as barricadas no vingaram ¢ 0 proprio internacio:
nnalismo nunca encontrou um organismo a altura das
aspiraces dos que o planejaram, a revolugao es
panhola de 1936 (quando 2 Confederagdo Na
ional do Trabalho — CNT contava com nada menos
do que 1 milhdo de militantes anarco-sindicalistas)
{oi pisoteada e sufocada por Francisco Franco em
1939 com o apoio dos nazi-fascistas,
Anarquismo, grosso modo, talvez possa signifi
car também comunidades federadas © autonomas,
L Por isto os anarquistas criticaram em primeiro lu
oO.
.
ype 6 Anarquismes
gar a democracia burguesa que criou e garantiv a
existéncia permanente de uma aristocracia gover-
namental, nunca deixaram de denunciar 0 sufragio
Universal, apesar de Proudhon ter sido eleito depu:
tado @ Assembléia Francesa em junho de 1848,
Rejeitaram categoricamente a participacio poli
tica © boicotaram as urnas. Afirmaram fundamen
talmente, € aqui vai uma conceituagao-chave para
entendé-los, que 2 prioridade na luta de classes
estaria no campo econdmico e nao rejeitaram a poli-
tica_mas sim a politica burguesa. Profetizaram o
fracasso do comunismo de Estado ¢ denunciaram
(0 autoritarismo presente em Marx quando 0 comba-
teram dentro da sua orgenizagao, a | Internacio:
ral, ¢ levaram a melhor.
Antologica a observacdo de Kropotkin, na Russia,
em outubro de 1917, quando os boicheviques pu
blicaram os primeiros decretos tornando oficial 0
que jd era fato consumado, a expropriagso das ter
ras e das industrias, criticando a usurpacdo pelo Es:
tado do que ja era conquista das massas trabalhado
ras: “Eles estdo sepultando a revolug3o”, Pode-se
argumentar que outra atitude nao seria possivel
08 bolcheviques no momento. Mas tanto Kro:
potkin como os outros anarquistas foram até a mor
te contrarios 4 tomada do poder, & tomada do Es
tado. Em carta a Lenin tés anos depois, Kro
potkin deixaria novamente transparecer seus receios
pela sorte da revalucao russa e temia que a palavra
socialismo se transformasse num andtema por forga(Caio Taio Vieira Costa
@ obra do governo sovittico.
Cada comunidade, cada ind{viduo, para os anar
uistas, deve determinar sua vida. As minorias
tém todo 0 direito de discordar e fazer diferente-
mente, 0 homem precisa ser livre. Ingenuidade?
Talvez. Nao hd como negar este componente em to
das as formulagdes dcratas (acracia significa, em gre
go, sem govern; é sindnimo de anarquia).
Cada anarquista lutou a seu modo, agindo direta
mente. Mais uma pedra de toque do anarquismo:
8 agdo direta, Isto quer dizer simplesmente aceitar a
responsabilidade com todas as consequéncias, sem
delegéla 2 um terceiro. Isto foi definido recente
mente por um teérico simpatizante, Rudolf De
Jong. A aco direta é um conceito de maturidade
Frente 2 um conceito de infentilismo, pelo qual
© homem desiste de suas cesponsabilidsdes e as
delega a outros, a seus representantes, abstendo-se
de fazer e pensar por sua conta e risco. Fazer 0 que
tem de fazer ele mesmo, nunca como um indivi
duo solitério, mas como um participante consciente
em uma unidade social. Abaixo 0 Estado, os depu
tados, 0 prefeitos, 0 partido, 2 autoridade. Acdo
‘em casa, na fabrica, no escritério, na terra, no amor,
nna vida. Em suma: no delegar responsabilidades,
autogerirse a partir de certas organizacdes que esto
dads.
Desde 0s primeiros tempos da Internacional dos
Trabalhadores os anarquistas aficmam que todos jé
esto organizados desde cima pelos senhores, pelos
que é 0 Anarquismo a
capitalistas, pelo Estado, pelos burocratas, enfim,
Os homens, os trabalhadores esto unidos e reunidos
na empresa, nos bairros, no trabalho. A luta propos
1a é no sentido de que o trabalhador subverta esta
relago_organizando ele mesmo a sua vida, as suas
cocupacies, a sua organizagdo dentro de sua empresa
e de sua comunidade
Na comunidade ou fora dela alquém 36 pode ser
livre se 0s outros também o forem, ensinou Baku:
rnin nun momento caloroso de seu histérico debate
dentro do movimento internacional dos trabalha
dores, Convidados a participar da Associaeo Inter-
nacional dos Trabalhadores, os membros da Liga
da Paz e da Liberdade, da qual Bakunin foi parte
ativa e influente, realizaram um congresso em Ber-
nna, na Sulga, ao ano de 1868. Ocasido muito prop
cla para Bakunin definirse politicamente frente a
Karl Marx — uma das figuras mais notérias da In-
ternacional. Seu discurso foi particularmente interes:
sante: “Detesto a comunhio, porque é a negago
da liberdade e porque no concebo a humanidade
sem liberdade. Nao sou comunista, porque 0 comu:
ismo concentra e engole, em beneficio do Estado,
todas as forcas da sociedade; porque conduz inevi
tavelmente & concentracio da propriedade nas mos
do Estado, enquanto eu proponho a abolicao do
Estado, @ extingdo definitiva do principio mesmo da
autoridade e tutela, proprios do Estado, 0 qual,
com 0 pretexto de moralizar e civilizar os homens,
conseguiu até agora somente escravizé-los, perse-2
Caio Tilo Vieira Costa
gui-los e corrompé-los. Quer que a sociedade @ a
propriedade coletiva ou social estejam organizadas
de baixo para cima por meio da livre associago
e nao de cima para baixo mediante a autoridade,
seja de que classe for. Proponho a aboligao do Es:
tado, proponho ao mesmo tempo a abolicgo da pro:
priedade pessoal recebida em heranca, a qual nao
@ Sendo uma instituigdo do Estado, uma conseqiién:
cia direta dos principios do Estado. Eis af senhores
or que eu sou coletivista e ndo comunista””
Logo depois, dentro da internacional, seguiu-se
uma violenta disputa entre os bakuninistas e os au:
toritérios (este era o apelido dos partidérios de
Marx), tendo como fulcro esta questéo da heranga
Marx, apesar de ter teorizado brilhantemente sobre
© capitalismo e detectar-Ihe a maiswvalia produtora
do lucro, a exploragdo desenfreada e até a perpe
tuacio do modelo através da sucesso e ter deixado
todo um _compacto corpo doutrinério, um tijolo
de erudi¢go, foi contra Bakunin na questdo da he:
ranga, Mas isto € outra historia, uma velha rixa na
qual Marx langou mao de mecanismos pouco reco-
mendaveis contra seus adversérios, principalmente
Bakunin, como se vera adiante.
Os fundamentos do coletivismo bakuniniano es
‘to neste discurso. A revolugao seria feita pela acdo
espontanea e continua das ‘massas. Os coletivistas
eram favordveis as vastas organizagdes operdrias que
seriam guiadas por elites de anarquistas convictos,
a vanguarda consciente, ndo 0 chefe do povo, ape:
O queer tn
nas @ parteira que auxiliaria a autolibertago, Sob
© coletivismo anarquista cada membro das coope-
rativas operdrias estaria obrigado a realizar um tra
balho manual e receberia uma retribuicgo propor-
ional a sua contribuiedo direta ao trabalho. Poderia
desenvolver qualquer atividade intelectual. Trocando
fem mitidos, 0 critério da distribuigao basear-se-ia
no trabalho e no na necessidade, © Estado seria
substitu(do por uma federagao livre de associagbes
auténomas que destrutariam de liberdade de separa
coe garantiriam uma total liberdade pessoal
Anteriormente a Bakunin desenvolveu-se na Fran.
ca e por inspiracdo direta dos Ultimos escritos de
Proudhon 9 Mutualismo. Foi a doutrina que deu 0
tom nos primeiros tempos da Internacional e era
confundida facilmente com aquilo que nossas avés
chamam de reformismo, Ao contrario da maioria
dos grupos anarquistas, os mutualistas ndo se abs-
tinham de votar nos pleitos eleitorais. Seus lide:
tes mais notéveis foram Henry Tolain e Charles
Limousin, Tiveram muita influéncia nas organiza
cBes de orientacdo cooperativa e 0 movimento ere
de carater naorpolitico. Seu principal drgio_ de
idéias foi 0 La Tribune Ouvriére techado em 1865,
Eram conhecides pelo seu ferrenho anticlerica
lismo e contrérios a qualquer atividade clandestina
[esta muito a0 gosto de Bakunin, que fundou vé
rias organizagGes to secretas que de muitas nem
seus discipulos mais fieis ouviram falar). Atuaram
‘nas associages operdrias e propuseram um bancoCaio Tilo Vieira Costa
‘comum de crédito gratuito. Apés a segunda meade
do século perderam sua fora para os coletivistas
© posteriormente para 0 comunismo-andrquico &
anarco-sindicalismo.
© comunismo-andrquico ¢ de inspiragSo. kro:
potkiniana, Na Espanha os anarco-comunistas
sustentaram durante anos 2 necessidade de orga
nizagdo de grupos formados somente de propagan
distas ativos da causa libertaria, Kropatkin conside-
rava 0 comunismo-andrquico como uma verdadeira
antitese do sistema de salérios em todos os seus as
Pectos. Nenhum centro de poder poderia obrigar
inguém a trabalhar. Substituiu o principio da re-
muneracao salarial pelo principio das necessidades:
cada pessoa seria 0 juiz de suas préprias exigéncias,
tomando dos armazéns comuns tudo que conside-
rasse necessirio, contribuindo ou nao com sua parte
no trabalho. Este que foi considerado 0 generoso
otimismo de Kropotkin levou-o a estabelecer que,
uma vez eliminados 0 poder politica e a explora.
$80 econémica, todos 0s homens trabalhariam vo-
luntariamente, ‘sem nenhum tipo de obrigaco e
nao pegariam dos armazéns comunais nada mais do
que 0 necessério para uma existéncia confortével.
© anarquismo individualista tem suas bases nos
escritos de Max Stirner (considerado por Nietzsche
um dos espiritos mais férteis de seu tempo), para
quem 0 ideal é 0 egoista: o homem que se realiza
2 si mesmo em conflito com a coletividade e com
08 outros individuos, que ndo foge do uso de ne:
O que 6.0 Anarquismo
hum meio na luta de qualquer um contra todos,
que desapiedadamente avalia qualquer coisa do pon’
to de vista do seu bem e que, tendo proclamado
a sua soberania, pode formar com autras individuos
‘que pensam como ele uma “unidio de egoistas”,
sem normas nem regras, para providenciar as ques.
tes de interesse comum, Max Stirner publicou
O unico e sua propriedade em 1843. Seus herdeiros
politicos (muitos historiadores acrescentam ao.
individualismo anarquista a influéncia de Sergei
Nechaev, como se verd no préximo capitulo} procu:
raram destruir totalmente os valores aceitos pela so-
ciedade burquesa: politicos, morais e culturais. Exi
giam a libertacdo total da pessoa humana dos elos
da sociedade organizada. Baseavam-se na convicgo
de que a liberacdo, antes de ser coletiva e material,
tinha de ser individual e mental, Esta purificacgo,
como observa De Jong, pode-se buscar atualmente
por meios pacificos (o vegetarianismo, o esperanto,
© naturalismo, 0 espiritismo, 2 ioga, as tendéncias
orientalistas) ou por meios violentos, como no fi
nal do século passado: atentados e sacrificios pes
soais, a prova definitiva da pureza revoluciondria ou
de desespero. Quanto ao terror moderno, nao se
pode dizer que seja de inspiragao anarquista ou
que tenha tracos stirnerianos, As Brigadas Verme:
thas ou Baader Meinhof, por exemplo, funddm-se
num modelo militarista e centralizado e apesar da
semelhanga com 0s atentados praticadas a0 grito
de Viva a Anarquia! do século passado e comeco
asg
Caio Titio Vieira Costa
deste no ha nada que possa afirmar categorica-
mente sua vincula¢o explicita com os ideais liber:
trios detendidos pelos anarquistas.
Neste século, enquanto 0 anarquismo individue
lista conformou-se com uma radical critica tedri-
‘ca da sociedade burguesa ou levou a acdo individual
(tanto a terroriste do inicio de 1900 quanto 2
intimista), 0s outros anarquismos, comunitarios,
coletivistas, comunistas etc., desembocaram no
anarce-sindicalismo, a expresséo mais forte © mas
siva que encontrou 0 anarquismo em eral
Para os anarcosindicalistas a greve geral seria
‘9 supremo instrumento estratégico revolucionario,
Concebiam a sociedade formada de produtores de
um lado e parasitas do outro. O sindicato unia
estes produtores com uma Gnica finalidade: a luta,
© anarco-sindicalismo apareceu depois da organi
zagdo, na Franca, dos syndicats, a versio francesa
do trade-unionismo ingles.
Imbufdos do fervor anarquista a maioria dos sin
dicatos franceses tomou, no final do século pasado
no comego deste, posicdes hostis frente ao Estado
e foi contréria a tomada do poder politico. Incli
nou-se para uma revolugo social que destruiria
© sistema capitalista e inauguraria uma sociedade
sem Estado, cuja economia seria dirigida por uma
confederagao geral de sindicatos.
Posteriormente, na Espanha, o anarco-sindicalis:
mo desenvolveu'se e criou a CNT, a maior oF
ganizagao anarquista que 0 mundo jé conheceu.
~
O que co Anarguione
No comege do século, com a constante imigrago
para a América, 0 anarquismo chegaria robusto na
Argentina, no México, nos Estados Unidos e até
no Brasil, através principalmente dos italianos e es
panhéis. Malatesta e Buenaventura Durruti, para
citar somente um italiano e um espanhol, estive
ram na América do Sul e criaram varias organiza
Bes Scratas, No Brasil é famosa sobretudo a greve
geral de 1917, organizada e comandada pelos mi
litantes andrquicos aqui radicados, muitos dos quais
depois perseguidos pela repressdo do Estado e pe
lo stalinismo, que literalmente tentou arrasar com 0
anarquismo @m todo o planeta — tendo-o fogrado
‘completamente na URSS.
Numa conversa entre Lenin e Krapotkin perce
bese facilmente a dureza de um ¢ a fragilidade de
outro, sintetizando'se assim uma briga de quase
cinguenta anos entre os autoritérios e os liberté
Flos que combateram juntos pela mesma causa’
© socialismo, Logo apés a revolucdo de outubro,
um emigo comum promoveu um encontro entre
Lenin e 0 jd velho Kropotkin. Este chamou a aten:
G0 do lider bolchevique para a proibicdo das co:
‘operativas. O caso concreto era a perseguicgo de
alguns cooperados em Dimitrov, uma pequena ci
dade russa, pelos bolcheviques. Lenin concordou
que havia cometido e cometeria muitos erros, mas
disse também que a revolugéo nao poderia ser feita
de outra maneira @ no iria permitir estas coope-
rativas, perguntando a Kropotkin se ele acreditava
FoCaio Tito Vieira Costa
frente ao movimento cooperativista. Levantando-se
energicamente da cadeira, seus olhos flamajaram a0
sentenciar categoricamente que estas pequenas co:
operativas, esses “grupinhos de trabalhadores sem
poder algum"” acabariam esmagados e transfor
mados sem piedade em servidores do capital, O ve.
Iho Kropotkin no retrucou e acreditou na boa von
tade de Vladimir llich. Este o elogiou e falou da
necessidade de publicar os wrés volumes da obra de
Kropotkin sobre a Revolugio Francesa. Kropotkin
‘concordou mas, altivamente, disse que nao con
cordaria com uma edic&o estatal. Lenin sorriu e
mudou de assunto.
Uma das iiltimes manifestacdes de massa que |
0s anarquistes russos conseguiram realizar depois |
da revolugio foi durante 0 enterro de Kropotkin. |
Desapareceram todos depois, alguns assassinados |
nas prisées bolcheviques, outros doentes e desam
pparados. Poucos consequiram sobreviver no exilio, |
longe da primeira patria do socialismo,
Nao se pode negar que a0 combater © autori-
tarismo e todas as formas de poder os anarquis-
tas tocaram 0 cerne do problema da modernidade.
‘A ingenuidade das teorizac®es e a fraqueza da dou
trina que nunca se apresentou coma um corpo sis-
temético completo e acabado é da génese do pré-
prio anarquismo. O Estado, a autoridade que se so:
brepde 20 individuo e 0 transforma num verme,
num réptil submisso, eresceu @ tomou forma tanto
|
0 que 60 Anarquismo =
no capitalismo come no proprio socialismo,
Pode-se argumentar, concordando com um im
portante jornalista brasileiro, que sem 3 URSS o
mundo hoje talvez estivesse muito pior. Outro jor
nnalista, também brasileiro, Paulo Francis, defini
isto numa imagem particularmente feliz: a Unigo
Soviética é um breque que os EUA convertam o
mundo numa gigantesca Cingapura ou implantem
um Pinochet em cada lingua ou nag,
Mas deve se arqumentar também que sem os anar:
quistas singelos e aventureiros Marx no teria pre
conizado o fim do Estado apés a ditadura do pro
letariado e a aboliego das classes sociais. O Estado
ainda nfo foi abolido em parte alguma, as classes
sociais, na URSS, “acabaram” por um decreto de
Stalin, mas a autoridade continua,
E 0 anarquismo, esta peradoxal mescla de positi
vismo com idealismo, néo conseguiu jamais formar
lum organismo aglutinador e impulsionador de seus
objetivos; apesar de seus esforgos néo logrow sequer
abalar as estruturas do solid Estado moderno.
Eis seu fracasso e seu fascinio,OS INGOVERNAVEIS
Em 20 de novembro de 1977 matou'se aos 63
anos Luis Mercier Vega, ou Santiago Parene, ou
Charies Ridel. Dedicou toda sua existéncia a pesqui
sa histérica do anarquismo, o qual, para ele, sur
gia da vontade de conhecer-se @ conhecer a socie:
dade em que se vive para, com os outros, chegar a
ser dono de seu proprio destino; para que a socieda:
de seja uma comunidade livre e fraterna de seres
livres, Dizia que 0 anarquismo nao é uma repeticac
uma autojustificaggo, uma ideologia, mas uma
pergunta, uma inquietacgo, uma curiosidade, Que 0
anarquismo nao sdo as querelas de grupos e orga:
nizagées em torno da verdade ou da linha correta,
nas uma atene3o permanente aos probiemas sociais,
&s manifestagdes de rebeldia, 20s mecanismos de
poder e as resisténcias aos mesmas.
O que éo Anarquisno
Num de seus uitimos artigos citou uma frase de
Emile Henry: “Uma vontade que chega até ao sui
cidio pode engendrar afetos definitivos @ sem es
peranca". Morreu de lucidez, disseram os amigos.
Boa parte da producdo dos teéricos e militantes
anarquistas revelam esta atengo permanente aos
problemas sociais, uma desconsolada e paradoxal
desesperanca, uma busca incessante de mecanismos
de resisténcia a0 poder em todos os seus matizes,
Nao seria arriscado concordar com Gearge Wood
cock quando afirma a procura que os anarquistas
empreenderam de um equilibrio entre a necessidade
de uma geral solidariedade humana e os direitos
do individuo livre. Os fundamentos desta busca po
dem ser encontrados no que alguns pensadores liga
dos ~ uns diretamente, outros fraternalmente — 20
movimento anarquista deixaram eset
na pratica,
William Godwin (1756 — 1836) nunca se definiu
como um anarquista, mas sem divida exerceu
notdvel infludneia entre os militantes Acratas do sé:
culo XIX, Proudhon e Bakunin pauco ouviram falar
dele, mas Kropotkin leu a sua obra mais conhecida.
Godwin via a sociedade como um fendmeno que se
desonvolve naturalmente. Filiou'se 4 tradi¢ao ilu
minista quando deu 3 educagdo 2 funedo de verda
deira chave da liberdade. Repeliu de fata todo sis
tema social dependente de um governo. Formulou
uma sociedade simplificada e descentralizada, com
umn minimo decrescente de autoridade. Negou a va
ou fizeram
a2 Caio Tilo Vieira Costa
lidade de todos os governos e afirmou que © homem
moral no teria nada a repartir com 0 Estado. No
pice de seus projetos socials esbocou uma rede de
pardquias independentes (comunidades) sem nin
guém a governé-las, como estrutura ideal de base
| para uma sociedade libertaria.
Sobre sua cabeca, infelizmente, pairou o Estado
inglés. Godwin teorizou sobre ele e recomendou
que © aceitassem como um mal necessario. ..na
medida m/nima indispensdvel e observassern atenta:
mente que, em conseqiiéneia da gradual ilumina:
ao da mente humana, aquele mfnimo poderia ser
futuramente reduzido. Os historiadores déo-no
como um filésofo politico, um intérprete fiel dos
enciclopedistas franceses e autor da prifneira e mais
completa exposicgo dos principios anarquistas em
Political justice. Permaneceu descanhecido fora da
Inglaterra pelo menos até que Stirner desenvolvesse
suas idéias.
‘Max Stirner (1806 — 1866) era alemio; seu
verdadeiro nome foi Johann Caspar Schmidt. Re-
cebeu dos historiadores 0 eplteto de “O Egoista’
Muitos aspectos de sua obra ainda continuam obs:
curas © carecem de um estudo mais profundo &
sistemético. Escreveu entre 1840 e 1850 0 livro que
deu as bases ao individualismo anarquista do sécu-
lo XIX. Negou todo o absoluto e todas as insti
tuigdes baseando-se unicamente na incondicional
soberania do individuo humano. Negou todas as
leis naturais e uma humanidade comum.
O que é0 Anarquismo
Se para Godwin o principio supremo era a Razio,
para Stirner era a Vontade e os Instintos. Foi
radicalmente contra a realidade dos conceitos abs-
tratos e generalizantes como Homem e Humanidade.
Para ele 0 individuo humano era a Unica coisa de
que se podia ter um conhecimento seguro e cada
individuo era Gnico. Aconselhou cada pessoa que
cultivasse essa singularidade, sua unicidade. eu
seria a Unica lei, Nao existiriam direitos, somente
© eu em luta contra o resto da humanidade do
mundo. A dnica regra de conduta para o individuo
realizar-se a si mesmo seria sua necessidade, seus
desejos.
A liberdade para Stirner esteve em segundo plano
em respeito a singularidade e originalidade do indi-
viduo. Escreveu em 0 unico e a sua propriedade:
“Ser livre é uma coisa que nao posso verdadeiramen:
te querer, porque a liberdade ndo posso fazt-la,
No poso crié-la; posso somente desejé-la, aspirar
‘a esta que permanece um ideal, um fantasma. A
cada momento a realidade escava sulcos profundos
na minha carne. Mas eu permaneco””
Propés formalmente a destrui¢&o da sociedade
humana para transformé-la numa propriedade
formar em seu lugar uma Unido dos Egofstas. Sem
Estado de qualquer espécie, claro, pois este se
‘2 negagdio da vontade individual. Nao concebeu
este mundo da nova ordem egofstica como 0 reino
da rapinagem universal e do perpétuo massacre.
Nunca. O individuo nao deveria, em hipétese34
Caio Vio Vieira Coma
nenhuma, exercitar seu poder sobre 0 outro. Além
disso, como Gnico, ninguém teria nada em comum
com 0 outro. Partidos ndo existiriam. Cada indivi
duo teria liberdade para unirse a alguém e livre
mente separar-se.
Detalhes sobre a forma de organizagdo social
dos egoistas Stimer ndo deixou. Mas afirmou que
este tal mundo ndo poderia realizar'se sem luta.
Enquanto existisse 0 Estado, o egoista deveria
combaté:lo com tudo o que tivesse 2 mao, com to:
dos os meios disponiveis.
Para os historiadores Stirner antecipa a idéia da
insurreiggo espontanea das _massas, desenvolvida
depois pelos anarquistas. Como Albert Camus ele
negou @ revolugdo e exaltou a rebeligo. Fol um su
‘eessa escandalosa. Influenciou militantes politicos,
escritores e artistas. O século XIX, sem divida, seria
outro sem ele,
Pierre-Joseph Proudhon (1809 — 1865) é mais
conhecido hoje pelo que Marx disse dele do que
realmente pelo que escreveu e fez. Qualquer mi
tante liberal ou de esquerda com certeza leu ou tem
na estante A miséria da filosofia mas no leu nem
tem na estante 0 Sistema das contradie¢des econémi
cas ou Filosofia da Miséria de Proudhon. Este mes
mo militante jamais imaginou que o ataque que
Marx dirigiu a Proudhon tivesse sido extremamente
pessoal e carecesse de uma fundamentacdo filos6-
fica maior (0 que sem duivida Marx poderia ter feito,
pois sobravam-the méritos, conhecimento e talento.
Oaue ey Anarquismo
para isto).
Os dois foram o que se pode chamar de conheci
dos cuja amizade terminou em 1847 com a publi
cago da Miséria de Marx. Proudhon sequer se aba
ou com as criticas, escrevendo nas paginas do seu
exemplar que na verdade Marx estava enciumado.
Mas isto no vem ao caso e sim 0 que aprontou
aquele tipograto francés de origem plebéia que em
fevereiro de 1848 lancou o primeiro jornal anarquis:
ta de publicagio periddica regular, o Le Repre
sentant du Peuple,
Stirner tornou-se conhecido como o individualis:
ta ego(sta. Proudhon também foi um individualist
mas seus comentadores taxam-no de individualista
social. Homem dos paradoxes, também ¢ conhecido
como um aficionado do pensamento antindmico.
‘Ao mesmo tempo em que definiu 0 pove camo um
ser coletivo, intalivel e divino, execrou-o como
Plebe ignorante. Stimer considerou o individuo
Tudo a sociedade sua inimiga
Para Proudhon 0 individuo seria justamente
ponto de partida ea meta dltima dos esforcos huma-
nos. A sociedade representaria a matriz na qual
@ personalidade de cada homem deveria encontrar
@ sua funglo e realizaco. O homem néo poderia
viver 86, na natureza nenhum ser era isolado. Nova-
mente ~ e isto parece ser uma obsessio entre os
anarquistas — Proudhon viu a tiberdade individual
profundamente radicada no processo natural de de-
senvolvimento da sociedade humana,3
Calo Titio Vieira Costa
Odiou 0 Estado € as fronteiras 20 mesmo tempo
fem que professou conviceées nacionalistas e um
regionalismo apaixonado.
‘A justica obsedoulhe a mente, foi seu tema pre:
dileto € a0 qual se entregou ardosamente. O igua-
litarismo — a teoria de que 0 actimuto da proprie-
dade 6 um mal — e 0 senso de uma justica natural
€ imanente so elementos essenciais no pensamento
proudhoniano.
Nao foi sem razo que uma frase sua tornou-se
slogan dos libertéris do mundo inteiro: “A pro:
priedade é um furto”. Esta, a propriedade, no pas
seria da soma do abuso do roubo. Incompativel
com a justia pois determinaria a exclusio da maio:
ria dos produtores a uma justa parte do produto
do trabalho comum.
Para o libertario francés 0 comunismo negava
@ independéncia. A propriedade destruie a igual
dade. Somente na anarquia ou liberdade os indivl
duos poderiem encontrar uma sintese que elimina
ria a deficiéncia de todos 0s outros sistemas socials.
Proudhon esbocou uma sociedade onde poderiam
florescer juntos a iqualdade, a justica, @ indepen:
déncia e 0 reconhecimento dos méritos individuais
‘em um mundo de produtores unidos por um sistema
de livres contatos. Foi 0 chamado Mutualismo de
senvolvido e propagado pelos seus discipulos
Seu primeiro livro O que € a propriedade?, publi
cado em 1840, trouxe embrionariamente todos os
elementos das Sucessivas doutrinas libertérias. Prou:
0 que» Anarquisms
hon acabara de sair da pequena Besancon para a
industrializada Lyon, 0 que ampliou sua visd0 dos
problemas de seu tempo. Mas no foi ali, ainda,
que previu a revolucao violenta. Teorizou acerca
da transformacdo social mediante uma agdo econd:
‘mica ou industrial em contrapartida a idéia marxis.
ta de ago politica, Deus também seria um mal,
esgrimiu Proudhon,
Na convidativa Paris de 1848 foi as barricadas,
participou do assalto a Tuelleries, entregando-se
de coracdo 2 insurreiggo — sonho, combate, festa
1 decepedo de tantos revoluciondrios.
‘Apés seu fracasso disse ter sido uma revoluggo
sem idéla, pois a vitoria viria mais da debilidade
dda monarquia que da forca da revolugdo.
Em junho de 1848 com o apoio de 37 mil eler
tores (o poeta Charles Baudelaire foi um deles)
Proudhon clegeuse a Assembiia Constituinte
francesa. Usou a tribuna para denunciar a pro-
priedade, Cavaignac fechou seu jornal, Proudhon
fundou outro, 0 Le Peuple. Atacou Luis Bonapar-
te, foi julgado e condenado; fugiu e no regresso 2
Paris ficou preso durante 3 anos, amargados na imi:
da Conciergerie de onde Maria Antonieta safra para
a guilhotina. Livre da cadeia foi ajudado por um exi:
lado russo, importante por suas idéias progressistas,
amigo de Bakunin e de quase todos 08 revoluciond:
rios do século passado, Alexandr Herzen. Proudhon
publicou ainda dois jornais: La vorx du Peuple e
Le Peuple.
338 Caio Tilo Vieira Costa
Em seu livro L‘idée générale de la revolution
pode'se encontrar algumas de suas idéias centrais.
Um dos pontos mais importantes nesse livro é
© fato de o remédio aos males sociais no estar no
nivel politico. As origens desses males estariam na
raiz econdmica da sociedade. Nem seus herdeiros
mais chegados se convenceram depois de que a solu.
G80 poderia ser tao simples; um mero acordo con-
tratual como sugeriu Proudhon num de seus momen-
tos mais otimistas. Publicou ainda varios escritos,
Em seu Gltimo livro De /a capacité politique des
classes ouvriéres afirmou que 0 proletariado deveria
emancipar-se por si $6, celebrando assim 0 advento
dos trabalhadores como classe independente no cam:
po da politica,
Morreu em 1865, doente, sem ter visto a | In.
ternacional, Woodcock vé nele uma ponte entre 0
idealismo de Godwin e o empenho social de Bakunin
e seus sucessores.
Foi o teorico emergente de uma sociedade indus.
trial que brotava ¢ se tornava mais e mais receptiva
os confrontos de uma doutrina que parecia ofere:
Cer uma saida ao frustrado impasse das democracias
politicas. Suas idéias deram os contornos e emba:
saram todo um vasto setor revolucionério da classe
operdria. Seguramente, no foi Proudhon o funda:
dor do movimento anarquista; esta honra coube a
Bakunin, mas junto com Godwin pode ser consi
derado fundador da anarquia, No que escreveu
estiveram presentes os mais relevantes elementos
O que be Anarquisny 39
que caracterizariam as visbes dos anarquistas e de-
pois dos sindicalistas: a descentraliza¢do, 0 fede-
ralismo e 0 controle direto da produego por parte
dos trabalhadores, a famosa autogestao.
Quanto a0 caos, “L’anarchie c'est l'ordre” —
sentencionou Proudhon, Para ele nao havia contra.
digdo entre 2 ordem e o anarquismo,
Michail Alexandrovich Bakunin (1814 ~ 1876)
era filho de aristocratas russos. Nasceu na pequena
chacara Premugino — na provincia russa de Tver —
de propriedade de seu pai, um liberal conservador,
de familia enorme e influente. Abandonou a Russia
em 1839 para dedicarse a uma vida repleta de pe-
ripécias que o fariam dar a volta ao mundo parti
cipando de quase todas as barricadas que os insur.
| tectas do século XIX levantaram, fundando organi-
zagbes clandestinas, impulsionando movimentos
massivos, elaborando cédigos secretos, polemizan’
do com Marx e explorando os amigos, dos qu
dependeu da ajuda financeira durante toda sua vida.
De figura enorme e impressionante, andava nas
ruas acompanhado de um séquito formado pelos
amigos e criangas embasbacadas pelos seus 120
quilos e enorme cabeleira. Discursava arrebatando
08 auditérios, persuadia até os inimigos que se dei
xassem ouvito, lia durante noites inteiras e bebia
licor como se fosse vinho. Os detratores, amigos &
estudiosos de sua vida so undnimes em conside-
rarem-no inteligente, culto, ingénuo, espontaneo,
impotente sexual, elogiiente, generoso, astuto, ar:0 Caio Titi Vieira Costa
rogante, leal, imprudente. Foi revolucionério,
conspirador, organizador e propagandist de sua
Nunca teve uma idéia original; falhou como es
critor pois jamais deixou um livro pronto. Fol
sobretuda um homem de ago. Impossivel isolar
suas iddias e separé-las de suas agdes que inaugura:
ram um estilo e marcaram o advento do anarquismo
nos combates socials pela destrui¢go da autoridade
© pela instauragao de uma outra sociedade que
Bakunin, conscientemente, sequer esbocou, pois
seria parte e criacdo das massas,
Suss peripécias comecaram cedo. Aos dezesseis
anos fingiu uma doenga para abandonar 0 exérci
10 russo, obrigatério para todos 0s jovens. Foi para
Moscow ‘estudar e fazer amizades com todo o ci
culo literdrio da época; ficou fascinado pela filoso-
fia alema e decidido a estudéla in loco, inicial
mente Fichte e depois Hegel. Saiu da Rdssia com
@ ajuda do amigo Alexandr’ Herzen. Em Berlim,
inguieto, passava das leituras de um filésofo para
outro. Aos pouces foi perdendo seu anterior orto.
doxismo hegeliano.
Em 1841 foi para Dresden, Conheceu Arnold Ru
ge, um proudhoniano, critico feroz de Hegel, @ quem
05 historiadores atribuem o inicio da conversio de
Bakunin ao anarquismo. Esta foi celebrada publica
‘mente nas piginas do joral de Ruge, 0 Deutsche
Jehrbiicher, onde, sob 0 pseudénimo de Jules
Elysard, Bakunin produziu 0 seu primeiro e sem
O que 60 Anarquisms 4
diivida importante ensaio: A reagiio na Alemanha.
Nele estigmatizaria uma de suas maximas mais co
nhecidas: “o impulso destrutivo também é um im-
pulso criador’” Mas ainda no se apresenta todo 0
seu vigor andrquico, embora jd se declarasse em
perpétua revolta,
‘Aos 26 anos foi para Paris, conhecendo pessoal
mente Proudhon e tendo a oportunidade de discutir
‘com alguém que seria muito importante na sua vida
de incorrigivel insurrecto: Karl Marx. Sete anos de
pois consequiu ser expulso da Franca por causa de
lum discurso em que oferecia ajuda e conclamava os
poloneses a derrubar seu governo carista. Voltou
fem fevereiro de 1848 e foram as revolucées deste
‘ano que fizeram crescer sua fama em toda a Eu-
ropa.
Em abril foi detido em Berlim, de passage rumo
8 conspiracdes na Poldnia, Escreveu artigos breves
© ensaios nesta epoca, Nos Fundamentos de uma
politica estava (Bakunin foi partidério desde sempre
do pan-eslavismo, a unio de todos os povos esla:
vos} propés claramente a destruiggo do que con:
siderava a decadente ordem social impotente e
estéril: “o problema social — escreveu — ha de
resolver'se mediante 0 aniquilamento da sociedade
atual”. Numa carta a um amigo atacou toda a ins
tituicdo republicana: “os dias dos parlamentares
fe das assembiéias nacionais se extinguiram. Quem
‘quer que coloque cruamente a questo deverd con:
fessar que ndo encontrou utilidade nenhuma nestasformulas anacranicas (...). Nao creio na_ cons
tituigéo nem nas leis, a mais perteita constituiggo
do conseguiria satisfazer-me, Necessitamos algo
diferente: inspiragdo, vida, um mundo sem leis e,
portanto, livre”.
Acreditou na perfeicdo das instituig’es humanas
na bondade natural do homem. Estas virtudes,
entretanto, estavam corrompidas € somente o ato
inicial de revolucdo violenta as libertariam. Consi-
| derava 0 campesinato russo a encarnagSo dessas
virtudes e davathe o papel virtuoso de deflagra-
dor e carro-chefe do movimento pela redengdo da
Europa, Muito perto das convicg&es proudhonianas,
mais tarde definiria seu socialismo desejando que no-
vamento se praclamassem os princ{pios da revoluco
francesa, onde cada homem teria os meios materiais,
€ morais para desenvolver toda sua humanidade. Prin:
cipios traduzidos da seguinte maneira: que se organi:
zasse a sociedade de modo tal que cada individuo,
homem ou mulher (como Louise Michel e Emma
Goldman, precursoras das reivindicagdes que hoje
se chamam de feministas, Bakunin também se preo-
‘cupava com as mulheres por quem nutria um profun-
do respeito}, encontrasse ao nascer possibilidades
iguais para o desenvolvimento das suas diferentes
faculdades manuais ou mentais para sua methor
utilizago no trabalho; organizando uma sociedade
que tornasse impossivel a exploracéo de um pelo
outro, permitindo que cada um participasse da ri
queza desta sociedade somente na medida em que
Caio Tio Vieira Costa
Oqueéo
Anarquisoms 4B
| com seu trabalho tivesse contribuide para produ
7ila
Como foi dito no primeiro capitulo, mais tarde
Kropotkin discordou do mestre Bakunin, modelan-
do 0 socialismo anarquiste diferentemente; resumi
damente assim: “de cada um segundo suas possibi
Vidades, @ cada um segundo os seus desejos”
Livre da prio em Berlim com a promessa de no
ir para a Polénia, Bakunin encontrou-se por acaso
‘em Dresden na primavera de 1848. 0 cima estava
tenso, a populaedo se insurgia em apoio & Constitu:
go por uma Alemanha democrética e confederada |
rejeitando a autoridade do rei. Bakunin, como se
sabe, no tinha simpatia alguma por estas reivind:
cagoes que ele chamaria desdenhosamente de de-
mocratico-burguesas.ultrapassodas. Mas 9 convite
do amigo Richard Wagner visitou 0 quartel-general
dos rebeldes endo resistiu & tentaggo de entrar na
lta: 0 cheiro dos combates e das barricadas vira
vane a enorme e cabeluda cabeca. Combateu e |
organizou, viu-se repentinamente metido no seio da
violenta revolta em Dresden.
Foi preso e condenado a morte pela primeira
ver. Teve sua pena comutada, entregue aos austria
Cos sequiosos pela sua cabera por ter predicado a
destruigdo do império austriaco num congresso
pan-eslavista em Praga. Foi novamente condenado
4 morte. Afortunadamente, os austriacos preferi
ram entregé-lo aos russos que insistiram em casti
gélo enauanto cidado russoPere eeaeeaces
ae Caio Titio Viewa Costa
Pee ee oe
| € pedia perdao. Esta confiss8o foi encontrada depois
ee
Gates coe ee eana
eae ne egemen aguas no
fe ne ene ee
Soa imetensts ee cena
pores occ or one cua
7
O que b Anarquisme 4
coroamento e condi¢do estaria na revolucao social
Apés mais uma tentativa frustrada de participacdo
na insurreicdo polonesa, Bakunin resolveu mudar de
ares e escolheu a bela Fiorenga, na Itélia, para mo-
rar e sediar suas aces, durante 1864, 0 primeiro
ano da Associacdo Internacional dos Trabalhadores.
Mas no foi em Florenca que Bakunin encontrou
seus primeiros discipulos, foi em Népoles, ao
sul da Ilia: Giuseppe Fanelli, Saverio Friscia e
Alberto Tucci
Na Itdlia seu impeto destrutivo iria influenciar
decisivamente a politica italiana, Bakunin chegou
quando um dos grandes precursores da _unidade
italiana, Giuseppe Mazzini, comecou a perder sua as
cendéncia sobre os jovens. As caracter/sticas do
pafs — nao ter aristocracia operdria, possuir um
campesinato numeroso ~ eram as condigdes ideais
para desenvolver suas idéias de revolugao social (a0
contrario de Marx que achava possfvel a revolugsio
somente nos paises industrializados). Recrutou se:
guidores em meio 30s proudhonianos que achavam
vidvel a cooperagao entre artesios e camponeses.
Em Nipoles fundou oficialmente a primeira das
suas incriveis sociedades secretas: a Fraternidade
Internacional. Seu programa combatia qualquer tipo
de autoridade, o Estado e a religido. Propugnava
pelo federalismo e autonomia comunat, aceitava 0
socialismo @ afirmava que a revoluggo social no
poderia fiar-se nos meios pacificos. A estrutura so46 Caio Tito Vieira Costa
bre a qual se montou @ sua Fraternidade parecia
fazer piada 8s mais legitimas aspiracdes libertérias:
rigida hierarquia e uma férrea disciplina interna,
No seu topo estaria a “familia internacional”, uma
aristocracia de militantes com passado glorioso
que teria o mérito de formular os planas estratégi
cos da revolucao. Na base estaria a “familia nacio
ral ‘ cujos membros prestariam um juramento de in-
condicional obediéncia & “junta nacional", N3o exis.
tem indicios de participacgo massiva nesta sua pri
moira organizacSo, apesar de Bakunin, por varias ve-
2es, ter afirmado 0 contrario.
Em 1867 Bakunin mudou-se para a Su(ca, onde
exerceu considerdvel influéncia entre os relojoeiros,
artesaos da regiéo montanhosa do Jura, perto da
fronteira da Franca, Ali aumentou também sua fé
no potencial revoluciondria da Russia, Itélia e Es
panha, 0 que o animou a montar na Suica um verda-
deiro centro de encontros, conjuras, intrigas e proje-
108 conspirativos.
Participou em Genebra do congresso da Liga
da Paz e da Liberdade, organizacdo onde Giuseppe
Garibaldi teve muita influéncia, Mas era uma organi
zag liberal demais para o temperamento de Ba:
kunin, € dela ndo tardou a demitir-se para somar
seus esforeos a Associac8o Internacional dos Traba
|hadores, na qual teve participacdo decisive como se
veré no proximo capitulo. Por ora é bom que se sai
'ba que fundou também a sua Alianca Internacional
da Democracia Socialista com 0 objetivo de com ela
que bo Anarquisme a
atuar exatamente dentro da | Internacional, mas
Seria quiada, sem dovida, pela Fraternidade Interna
‘onal
: No programa da Alianca bakuninista, entre outras
coisas, constava 0 dusej0 de totale definitive aboli
G0 das classes sociait; a proposta de igualdade pol
fica, econamica social para os dots sexos. Para isto
propunha como tatica primeira 2 aboligdo da heran
Ger liana fo! convlada deur esertorio conta
fan Genebra, rsidencia de Bakunin, eteve vida pro
pra, fundando secdes em Barcelona, Madrid, Lyon,
| Marsa, Nipotes ena Sica, Bor esta ‘época,
Bakunin viveu um episodio que marcou profunda
| mente sua vide e fol tema de controvérsia para os
Mistoriadores etearicas do anarquismo
'N2 primavera. de 1869 deserbareou em Genebra
Sergei Nechoev, estudante da Universidade de Mos
cou. Procurou Bakunin e contourlhe como heroica
monte havia escapada da Fortaleza de S, Pedro
Paulo. © que em parte era mente, pois Nechaev
tinhe sido apenss perseguido pela policia por causa
{de suas atividades polticas na universidade. O joven
serescentou sua contigo de delegado de um comite
tevolucionario gue controlava uma rede de organi
tagbes clandestings em toda 2 Rossa. Bakunin acre
Gitou piamente na conversa do rapaz mas ndo dei
wou por mens. Imediatamente retriculou Nectaev
agente Ua seqdo russa de uma tal Aliangs Revolucio
nuria Mundial ¢ deu-lhe um papel com sua assinaturs
tnde Nechgev vinha inserito sob o numero 2.77148
Jamais, nem antes nem depois deste caso, ouviu-se
falar em semelhante organizacdo.
episddio Nechaev ndo teria maior repercussBo
nao fossem as caracter(sticas do mogo: fanatismo
niilista, uma total falta de compaixéo e calor huma.
no, uma amoralidade calculada, uma visio do ho-
mem e da mulher apenas como instrumentos para a
causa revoluciondria e indmeras justificatives para
© assassinato, 0 furto e a chantagem que ele mesmo
praticava, Varios especialistas em historia do anar
‘quismo — James Jol, George Woodcock e mesmo
© competente bidgrafo de Bakunin, E. Cart ~ co-
mentam a “‘influéncia maléfica” de Nechaev so-
bre a personalidade de Bakunin. Woodcock insinua
um latente fascinio homossexual escudado na co-
nhecida impoténcia sexual de Bakunin.
Os dois, Bakunin © Nechaev, escreveram vérios
opisculas, ou melhor, Nechaev escreveu e assinou
também com o prestigioso nome de Bakunin. Entre
08 escritos que levam as duas assinaturas esto o
Catecismo do Revolucionério e Principios da revolu.
40. Neles podem-se encontrar coisas como “ndo
reconhecemos outra atividade que a aco de exter.
minio, admitimos que esta atividade pode manifes-
‘tar'se de muitas formas: 0 veneno, 0 punhal, a cor-
da etc. Numa contenda como a nossa a revolugéo
santifica este género de procedimento”.
Realmente, Bakunin nunca havia escrito dessa
maneira. Mas bastou esta proclamacdo, escreve
James Joll, para introduzir 20 anarquismo um ele
(Caio Tito Vieira Costa
Oaque ev Anarauisme 0
mento que iria marcar época no final do século:
“la propagande par le fait”, a “propaganda pela
acdo", onde se estimulou a a¢do violenta pessoal &
imediata, como se vera mais adiante,
Depois de orientar Bakunin no sentido de ngo
traduzir O Capital de Marx para 0 russo (Bakunin,
que de vez em quando tinha recaldas e decidia
ganhar um dinheirinho que nao fosse o emprestado
dos amigos, resolveu traduzir 0 livro mais importan
te de Marx para 0 russo, recebendo um adiantamen:
to por isto), Nechaev tentou namorar 2 filha de
Herzen @ roubar um monte de documentos secretos
de Bakunin; voltou a Riissia e fundou a sure organi-
zacio: Justiga Popular. Teve um fim misterioso e
repulsive depois de 10 anos de cércere. Nao sem
antes deixar selado e vinculado 0 anarquismo
‘com a pratica da terror individual
Mas Bakunin ainda viveria emocionantes momen:
tos na sua pentiltima incurséo nas barricadas do s¢-
culo pasado. Em setembro de 1870 explodiu a re:
volta em Lyon durante @ guerra franco-prussiana,
A‘ Bakunin vislumbrou fortes possibilidades de se
realizar 0 infcio da revolugdo mundial. Escreveu as
Cartas a um francés {que por sinal eles no chega-
ram a ver em tempo) propondo a reviravolta da guer-
a e sugerindo a revolugio social: “uma sublevacdo,
elementar, possante, apaixonadamente enéraica,
destrutiva, sem freios"”. Depois da derrota de Sedan
fo! proclamada a repiiblica em Paris, Em Lyon al:
gumas fabrices foram nacionalizadas e um Comité
{50 Caio Tito Vieira Costa
de Saiide Péblica foi nomeado para depois ceder seu
lugar a um Consetho Municipal eleito pela popula-
$80.
A convite de uns amigos anarquistas da cidade,
Bakunin chegou € resolveu dar a situagdo o seu ver.
dadeiro destino: um tom revoluciondrio. Junto com
‘05 amigos criou 0 Comité pela Salvagao da Franca,
Numa reuniéio massiva realizada em praga pdblica
@ populagdo aprovou uma resolugZo que tributaria
0 ricos © democratizaria o exército da cidade atra.
vés da elei¢ao direta dos oficiais. Bakunin e seus
asseclas, esperando capturar 0 poder, publicaram
imediatamente uma proclamagao abolindo o Estado,
© qual seria substituido por uma federacéo de co.
munas; institufram a justia do povo no lugar dos
tribunais ¢ suspenderam os impostos e as hipotecas
‘As mesmo tempo exortaram as outras cidades fran.
ccesas_ a mandar seus delegados a Lyon para uma con.
venedo do Comité pela Salvagio da Franga. Entreta
to, 0 Conselho Municipal, desastradamente, decreta
fa uma redugdo nos salérios dos trabalhadores das,
industrias e organismos nacionalizados. Contrarios
a isto 08 operarios safram as ruas com 0 apoio do
Comité bakuniniano. O estrategista apocaliptico
© desmesurado que habitava Bakunin havia se es
forcado para que salssem todos armados, mas foi
voto vencido em seu propria comité.
Mesmo assim a massa insurrecta tomou a sede mu:
nicipal. Instalou-se o caos criador. A quarda nacional
tentou impedir e foi escorracada até que chegaram
O queéo Anarquisne st
oe
ee
porao da prefeitura onde roubaram-lhe todo o di- |
icles
Seger re
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a etait
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be eg
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Before enlinee
iota ei
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ale venterrs
vel estado da condi¢ao humana.
Feeney uae
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eet deey aoe ate
Ppa ree
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re oer ae
Sol teat eg
Soe
etter
ee ed Ee on pie
AOC ee baa
Sheree
Se= Caio Tito Vieira Costa
Um acidente precipitou seu desgosto pelos mé:
todos autocréticos: a quarda czarista assassinou
© exilados poloneses em fuga, Kropotkin demi-
tiu-se e voltou aos estudos de geografia em Petro:
grado. Notabilizou-se como cientista mas abando-
ow a carreira aos 30 anos, quando foi para a Suf-
a, conheceu James Guillaume e entrou para as
fileiras da | Internacional, solidarizando-se de ime: |
diato com a ala antiautoritéria,
Piotr Kropotkin (1842-1921),
0 que bo Anarguisme
Voltou & Russia em 1872 para desenvolver ati
vidades revolucionarias pelas quais foi preso e fugiu
ramaticamente quatro anos depois, retornando
$'Sulea, Le Revolte toi seu primeiro jornal em 1878.
| Expulso da Sufga pelas suas atividades politicas,
passou pela Franca e pela Inglaterra em 1882,
| voltando a franca acompanhado por uma escalada
de explosies e violencia politica
|’ A polieia 0 deteve, acusando-o pelos atentados,
No inicio de janeiro de 1883 Kropotkin e mais 53
camaradas compareceram ante 2 corte de Lyon
para um espetacular julgamento onde os acusados
Fealizaram uma brilhante defesa publica em favor
Gas idéias andrquicas. Kropotkin redigiv e lev uma
declaracio de principios denunciando © governo
9 capitalismo, Pregou a igualdade como condiggo
dda liberdade, numa retumbante defesa que causou
algun efeito entre os juizes mas ndo os impediu
de condenar Kropotkin juntamente com 3 com:
panheiros a cinco anos de prisdo. Ele aproveitou
2 reclusdo para escrever verbetes para a Enciclopé-
dia Britanica e artigos para a Geografia Universal
do camarad, anarquista, gedgrato e amigo Elisée
Reclus.
Livrau-se apds tr8s anos de pena curprida e retor
rou 8 Inglaterra. Contribui na fundaeo do jornal
Freedom, talver @ tinica e duradoura organizacdo
narquista inglese, fazendo de seus artigos apenas
tima atividade esporddica, Retirou-se das lides para
tm suburbio londrino, entregando-se a seus estudosa Caio Tio Vieira Costa
€ 20 cultivo de um belo e invejado jardim. Fre
dalientaram sua casa intelectuais ingleses das mais
variadas tendéncias. Escreveu no Times. Devagar.
modificou e aprimorou suas idéias dando um relevo
maior a0 aspecto evolutivo da mudanga social, deso
conselhando a violencia como método, angustiado
com 05 atentados anarquistes do fim do século,
De qualquer forma, sua presenga e sua atuacéo
colaboraram decisivamente para “melhorar” a ima
gem do anarquismo junto 2 opinigo publica, Em
1891 ele acreditava e acenava com 2 possibilidade de
que © anarquismo se formasse gracas a ““maturagio
da opinio pablica e com o minimo poss(vel de
agitagdo e desordem”. Entretanto sua desespera
da tentativa de dar a0 anarquismo ‘um cardter
evalutivo € positivo no encontraria respaldo maior
na propria histéria da ago andrquica, nem antes
nem depois dele mesmo.
Aproveitou seus dias de paz em Londres para co.
tocar no papel suas Memdrias de um revolucionério,
‘um dos seus livros mais importantes. Escreveu tam
bém A ajuda muitua que nada mais foi do que a
cléssica formulagdo das idéias comuns a quase todos
5 anarquistas de que a sociedade no passa de um
fendmeno natural existente antes da apari¢go do ho:
mem que por sva vez e por sua natureza respeitaria
a8 leis sem precisar de regulamentos artificiais, onde
8 pessoas se solidarizariam ajudando-se umas as
‘outras, como sugere o titulo.
© espocar da Primeira Guerra Mundial trouxe
0 que &0 Anarquismo 7
junto a cis8o entre Kropotkin @ os anarquistas,
Ele foi a favor da guerra, ele foi a favor principal-
mente de que @ Russia entrasse na guerra contra a
Alemanha
Desembarcou triunfalmente na Petrogrado de
1917 recebido e abracado por Kerensky. Mais uma vez
exortou ¢ fatigado povo russo a prosseguir a guerra.
Isolado completamente da esquerda russa (anarquis:
tas, socialistas-revolucionérios, bolcheviques etc.),
este valvez tenha sido o seu principal engano, pois
2 tradiggo anarquista nunca apoiou a participacso
‘militar nas forcas de um Estado, principalmente con-
tra outro Estado, Finda 2 guerra e a revolucdo rus-
sa {a qual Kropotkin deu seu apoio e ajudal, recon:
Ciliou-se com oS anarquistas contra os bolchevi
ques ndo s6 pelo sentido ditatorial que a revolu¢ao
assumiu, mas também pela violenta perseguicao que
‘sofreram da Cheka, a polfcia secreta soviética. Mor-
reu em 8 de fevereiro de 1921, enquanto Nestor
Machné sublevava os camponeses na Ucrania, a0
sul da Russia, e um ano antes da revolta dos ma
rinheiros e trabalhadores de Kronstadt.
Bernard Shaw, que conheceu a freqiientou
1a casa de Kropotkin, confessou certa vez sua admi-
ago por aquele homem “doce e amavel até a san
tidade”. Sua importéncia no anarquismo, ressalta
Woodcock, deveu-se sobretudo a sua personalidade
@ a seus escritos, De inspiragao nitidamente positi:
vista amou sobretudo o aspecto construtivo do anar-
quismo. Apesar de acreditar sempre na inevitabiliee
7 Caio Tito Vieira Costa
ativo como o foi Bakunin, Preferia a discuseso aber
ta e romantica & conspiracao secreta,
Contrério & violéncia por temperamento, escre
veu que a revoluedo social ndo seria possivel pelos
meios pactficos unicamente porque a burguese
ndo cederia sem tuta, persistia até os dltimos me
mentos. Viu através dos tempos duas correntes de
Pensamento se digladiando: uma anérquica, “»
forca criadora e construtiva das massas, que elebor
‘ara as instituigdes da lei comum com 6 fito de de
fenderse da minoria dominadora. A outra corrente
seria @ formada dos magos e sacerdotes represen
lando a ciéncia e @ religifo que se juntaram ass
chefes e conquistadores. Para 0 seu triunfo futuro
3 _anarquia teria a seu lado 2 eficdcia construtive
dos povos € 0 auxilio do poder da ciéncia v de tée
mica modernas no fomento da nova sociedade, 20
Gesbancar as minorias governamentais privilegiadas
Viu desde a Grécia antiga individuos ¢ tendén,
Cias de a¢do que perseguiam no a substituigao de
uma autoridade por outra, mas a destruigio. de
autoridade mesma sem criar uma nova em seu
lugar.
‘Considerou a revolugao como um evento concreto
0 Qual os trabalhadores rebveldes deveriam renderee
& Conseaiiéncias de sua agdo, a fim de que a revol,
13 nao desagliasse na criacdo de novos drgios de
Poder. A revolueéo deveria assegurar imediatamente
duas coisas: a frustragéo de qualquer tentativa
-_
O que Eo Anarquisme
de eriagdo de um “governo revo
tum substance) progreso 4 igueldade soci Nel,
0 gradalixmo seria Taal exatamente porque todos
cecaspactor da via soil econdmica esto come
tadon, #0 4 complets © imediata varsformacto da
sociedad poderia garantr uma arma eftez cons
Deservolveu at idfiss do comunismo-andrquico,
camo diz 2 palavra, uma combinagdo de dees do
Cornunisa com o anarquisma. © que odstingue det
outrar doutriat liberia & a ala da "ure dst
bu", segundo. os historiadores, mat valha do
ue 2 prépria snaraui, onde cada incividuo part
Cina com sa trabalho e ead wn retra Je 260100
3608 deseos
ee Charles Fourier — considerado pelos marxis:
tas como um dor representantes do scilismo vt
pico Kropotkin etomou a tla do trabalho are
dlivel: a tratgo do trabaino pelo indviduo que nfo
sera explorado por outer uma das chavs doce
dade livre. E 0 prequigso? Kropotkin defini como
tm homer inate portante a sociedade lure tera
O direrte de presionsio moralmente,
7 adia do comunismoandrauiceteve uma répida
disominagio, Em. 1877 todo 0 credo Nbertirio
savas, oilanor, como, Gr Caro 6
rico late, ember Em 1000, com a aud
de Calero ¢ Reels, Kropotkin persuadis 0 conse
$0 da Federoedo do Jura acta como doutting8 Caio Tito Vieira Costa
ezanoie of sn propo pare 8 noe soi. |
dade libertaria
Leon Tolstoi (1823 — 1910) também nasceu de
uma familia nobre da Russia. Desenvolveu o que os
estudiosos chamam de anarquismo cristo, apeser
de deixar a patavra anarquista apenas aos partidarios
da transformagéo violemta e de preferir definirse
apenas como um cristo fiel ao evangelho. Mas tem
seu lugar reservado na histéria do anarquismo, pois
refutou incansavelmente 0 Estado e a propriedade.
Influenciado desde cedo pelos escritos de Prou
dhon (a quem conheceu pessoalmente) no sentiu
‘nenhuma atragio por Bakunin mas nutri um grande
respeito peas idbies & pelo homem que tol Kro._ |
Potkin. Seu racionalismo cristo e sua’ teoria do
Fomor er com Que seus comentaores ae |
ximassem das idéias da “ajuda mitua” de Kropo-
tkin.
A guerra da Criméia e alguns anos passados no
Céucaso tornaram-no um pacifista e um apeixona
do das virtudes de ume sociedade simples. Uma exe.
cugo capital na Paris de 1857 feriu profundamente
seus sentimentos; a guilhotina encarnou para ele,
entdo, 0 simbolo do Estado, Prometeu a si mesmo
jamais servir a nenhum governo, de qualquer
parte do mundo,
A interpretagdo da obra de Tolstoi ¢ contrad:
toria @ sobre ‘ela os criticos raramente chegam
um acordo, felizmente. George Woodcock acena
‘com a importancia de se recanhecer a continuidade
O que to Anarguisme
da veia anirquica no pensamento de Tolstoi, do
Comeco de seus escritos até a sua morte, Neles
Solstor exprimis sempre um profundo dessjo de
justiga ¢ amor, fescinado pela Beleza singela do
tmundo natura
‘A tensio entre 0 esritor e 0 reformador sempre
esteve presente nele. Em seus. primeiros livros
Guerra’ e Paz, Anna Karenina, Ressurreicdo etc.)
pode-se sentir 0 seu desejo de uma universal frater
Ridade humana, Posteriormente deixou claro qual
{ua maior ana: @ negaggo da obediéncia. O recurso
2 tezdo seria 0 principal melo para a trarsformaro
da sociedade e em Ultima instancia apelou 8 persua
soe 205 exemplos. Pediu aos que queriam abolir
@ Estado ue denasm de oper com ee ne |
gando-se 2 servi a0 exército, 8 policia, ndo pagando
Os impostos.Ensinou que a forea moral do hemem |
alia mais que a forga de uma multiddo de eseravos
Sileneiosos. Como observou Woodcock, sua regio
nao teve misticismo; humanizada, 0 reino de Deus
tstaria aqui na terra entre of homens
Exereeu uma imensa influéncla, Milhares de rus:
sos ¢ ndorussos fundaram, tanto.na sua terra como
fo exterior, colonias tolstoianas beseadas na coma
nhdo dos bens e num ascético cegime de vida. A
tnaioria fay em um perfodo relativamene Breve ©
Sigumas comunidades estiveram em atividade ‘até
1930. Tolstoi influenciou também os anarquistas
pacifistas holandeses, ingleses e norteamericanos
Seu maior dscipulo foi Mahatma Ghandi60 (Caio Tiilio Vieira Costa
Errico Malatesta (1853 — 1932} foi caso a parte
entre os anarquistas italianos. Teve uma vida to
aventureira quanto a de Bakunin, insuflando rebo.
lies, insurrei¢&es, organizando movimentos de card.
ter anarquista, viajando e deixando as sementes
libertérias na América do Sul
Preso diversas vezes, condenado, fez greve de
fome, discordou e propés idéias novas e totalmente
contrérias aos dogmas anérquicos. Filho de peque-
no-burgueses, néo foi rico mas, como se diz, bem
de vida. Estudou medicina em Népoles, foi socialis.
‘ta para depois aderir a ala libertéria da | Interna.
cional. Todo dinheiro que teve dedicou a sua
causa. Publicou jornais, reuniu artigos em livros
(Anarquia & 0 mais conhecido), foi o fundador do
Snico jornal anarquista que ainda sobrevive desde.
sua fundagao, em 1920: 0 Umanité Nova, iniciaimente
cotidiano; publicado semanalmente em Mild nos
dias de hoje.
Seu ingresso na | Internacional deveu-se a forte im-
ressio que the causou a Comuna de Paris em 1871.
Conheceu pessoalmente Bakunin e fez presenca no
congresso antiautoritério que fundou a Internacional
de Saint-Imier apés 0 fim da | Internacional. Promo-
veu pequenas insurreigdes na Itdlia em 1874, Depois
Ge ser preso, julgado e colocado em liberdade, defen.
deu no mesmo ano em Florenga a passagem do cole.
tivismo bakuninista para o comunismo-anarquista de
Kropotkin. Nesta mesma época ele e seus camaradas
tentaram capitalizar 0 descontentamento geral das
O que é0 Anarquismo st
opulacdes citadinas e camponesas italianas, insul-
Flando uma insureisdo @ parr das montanes do
Meiodia napolitano. Foram tra(dos, tentaram ante-
cipar a rebelio mas acabaram presos. Malatesta saiu
da cadeia somente quatro anos depois.
No foi bem recebido no Egito, na Siria, na
Franca e na Su(ca. Resolveu radicar-se em Londres,
© Gnico local possivel para os exilados politicos
da época. Freqiientou Kropotkin, admiraram-se
@ confiaram-se mutuamente, concordaram no geral
com respeito as premissas do comunismo-anar:
quista, mas tiveram profundas divergéncias que apa
receram claramente por ocasigo da primeira grande
guerra, na_qual Malatesta foi contrério a qualquer
participagio. Segundo seu amigo, correspondente
@ bidgrafo Max Nettlau, Malatesta achava que 0 co:
nhecido otimismo e certas expectativas de Kro-
potkin careciam de base realista
Contrério 30 espontaneismo, achava-o impos:
sivel em qualquer acordo para a acéo revolucio-
néria, Buscou, e isto valeu-lhe severas criticas dos
proprios anarquistas, concérdia com os socialis:
tas autoritérios para destruir 0 capitalismo e o Es
tado; esperava no momento oportuno separar-se
deles caso 0 impedissem de suas realizagdes. Lutou
muito para dar uma efetiva coesdo a Internacional
que queria reorganizar. Sua maior investida contra
(0s dogmas libertérios deu-se ao propor a formagao de
um partido socialista andrquico_revolucionério.
Acreditou ser til e possivel uma internacionalSpeer ees
@ (ia Tio Vieira Costa
libertaria revoluciondria que unisse os elementos
| anarquistas revolucionsrios de todas ax tendBecne
Pode'se imaginar o impacto que estes ideias cou,
soram numa comunidade politica que até endo
havia vivido sem nenhumeorganizapdo conten
da, pols © que consequiram facer foi a mancton
G0 de eszritérios de correspondéncia que noe peu.
0s iam perdendo suas fungdes. Resist. tambon
3 inimizede des anarquists quando estes comers
ram a teorizar acerca da greve gel como suprene
instrumento da revolugao, ingpitados pelos sree
lstas franceses, Para Malatesta, a greve geral neo
sendo a prépriarevolucio, ndo passava de urncontlitg
passagero. Kropotkin eo fiel amigo e companheltg
| de Malatesta, Saverio Merlino, saram ef sua deters
| Tentou, depois, relacionar o comunismo-anartuiss
com 0 ’sindicalismo, experando arejar ot sindicatee
20 institu a prtics da agdo direta, Solideriecade
0 federalisno.
| _Viveo muito tempo em Londres sempre partici
pando de todas as inicativas locas e internacional,
| escrevendo para jornais italianos com o objetivo
42 unio. No congresso de. Amstorda, que fundos
uma abortada Internacional Anarquista ele esteve
Dresente e foi eleito membro do. Comite Organica
tivo. Ne Italia fer eampanhe contra 2 participey
© 8 propria guerra de 1914, Ecitou além do Umantd
AMova uma revista, Pensiaro e Volont, fechada em
1926 pelos fascistas. Morreu seis anos depois doente
recluso domiciirmente por erdem de Mussolint
0 que é0 Anarquismo a
Emme Goldman {1869 — 1940} nascou na Rasa
emigrou ainda jover para of Estados Unio, Esta
presente agul por ser uma das prineiras mulheres
Que apaixonadamente eserevey, amou e combate
plo anarquisina. Fol ume des melores detensorat
Gs emanciagso e dos deter de mulher, pionera
no. dolsa, dos antconoepcionals, Foi presa e de
Portada Jos EUA em fungdo de sues atvidades liber
Considerava @ humanidade ainda do temanha de
ury plgmeu e 0 amor algo desconhesido para malo
ra dos gentes. Nao peda 40s homens que perdoas
ee ee
a verdadeira emancipacao social, que se entendessem
todos mutuamente, Detestave, 9 propesto, a fase
de Modame do Steel que dizi “entender tudo sig
nica perdosr tudo
“Griucou.volentarnente of que achavam que @
emancipayao ds mulher vira pelo direito 20 ¥ot0
Gorgainou em elma isto ¢ perguntou © que havia
Conseguigo 2 mulher com 0 voto, pas ete ndo hovia
purfeado @ vida poltioa da sociedade em se todo.
Proclamavo que casartento © amor ads tnham
em comum, apesar de alunseasomentosserem pro
dutos do amor. Oradoraretumbante,colaborou com
sue vor para a causa libertra em indmeras conte
Tencio, Defenceu os mmigos e amantes com uma
Gelidade exasperada. Ficou famaro 0-ces0 em que,
errata de um latego, chizotaau em public, vilen
ibinente 0 resto deJohan Most, um orador anarCalo Taio Viein Costa
tho cometde gor Acad Berar compunns. |
Scena Goran ns €UA
Emma Goran mosou ave nen sb de probie |
rae paca ow grantee soya actos
Sem vin tr Invidcs noes bas
bertres que tba clout on chu oo 36
2*voleade capita, ms oer a ess on
io esamor ene a pesrur eaves elo
O INTERNACIONALISMO
| A bandeira negra do anarquismo internaciona:
lista esteve novamente hasteada em 1976 na Franca
@ mais recentemente, em setembro de 1979, em Ve-
reza. Em Paris houve mais um conaresso da Associa:
| 40 Internacional dos Trabalhadores, 0 ultimo de
que se tem noticia, exatamente 112 anos depois
| que sob 0s auspicios de alguns sindicatos briténi-
cos @ franceses e sob 0 comando do férreo pulso
de Karl Marx se estabeleceu em Londres pela pri
meira vez 0 organismo que se tornou mundial
mente conhecido como a | Internacional. Modes:
tamente, em Veneza houve apenas um encontro so:
bre a autogesto com representantes de pafses euro:
ppeus © americanos.
Neste Gltimo congresso anarco-sindicalista em
Paris de 1976 0 clima, sem divida, foi mais para atristeza do que para 0 otimismo e a curiosidade dos
primeiros e gloriosos tempos da internacional operd
fia. Quase disseminados e praticamente condenados
4 exist no exilio, os anarco sindicalistas em 1876
onseguiram reunir apenas cinco delegacdes: @ fran
esa, a venezuelana, a britinica e os exilados a
CNT espanhola e bilgars. Portugal, desinteressado,
ndo_mandou representantes; as anteriormente com
bativas sees argentinas © uruguaias estavam e cont
nam na clandestinidade. Do resto des organizagées
sindicalistasandrquicas sequer existiam noticias ¢on
cretas na época. Mas a década de 70 marcou também
© vigoroso ressurgir da CNT espanhola e uma pro
metedora reorganizacdo e atuapio de vérios ncleos
anarquistas na Itéia, Holanda, Estados Unidos, Ja
pao e Suécia,
Antes de entrar nas explicagdes, fatos, méritos ©
deméritos dos anarquistas que teimam em exist
na atualidade é preciso retomar & incomum e qui¢d
desconhecida histéria da | Internacional, onde a‘in-
fluéncia de Marx e 2 de Bakunin se mesclarom,
se confundiram e se separaram em conjunto com &
histéria do movimento operério.
Proudhon sonhou um dia com 2 perspective
ambiciosa de uma associago internacional de
Produtores, um orgenismo que aglutinasse em todos
0s paises os partidérios das cooperativas e que pu
esse impulsionar os produtores dos bens materiais
uma luta comum em torno de sua causa. Os mu
twalstas, sequidores figis das idéias proudhonianos,
Caio Tito Vieira Costa
0 que és Anaryuirne -
jogaram a grande cartada na fundacio da | Inter
nacional. No camego de setembro de 1864, Henry
Tolain, Charles Limousin e E. C. Fribourg, Ifderes
sindicalistas franceses, proudhonianos, desembarca:
ram em Londres para participar de uma grande reu
niido no St, Martin’s Hall, onde os briténicos e alguns
exilados europeus (Marx entre eles, representando
(0s alemées) esperavam-nos para ouvir a proposta de
uma Associa¢o Internacional dos Trabalhadores,
Entretanto, Marx tinha na cabeca idéias muito
claras a respeito do futuro que queria dar aquela |
‘organizagio. Os mutualistas franceses também.
Endo era nada daquilo que 0 alemgo imaginava,
Aspiravam a uma sociedade em que todos 0s ho-
‘mens seriam proprietérios e cada um teria de volta
105 frutos de seu proprio trabalho, Para isto tinham
‘esbogado um sistema genial: uma instituicgo pabli-
a, auténoma, inclu fda em ConstituigSo, uma espé-
ie de banco de crédito popular que instituiria o cré
dito gratuito concedendo aos produtores.lindivi-
duais ou em grupo) adiantamentos de capital livre
de interesses. Eram contrarios 4 igualdade econd-
mica e cada individuo deveria ser remunerado con:
forme seu servico. Defendiam apenas uma reforma
no sistema da propriedade para torné-lo livre da ex-
ploracdo de classes. Consideravam a familia a base
essencial da sociedade e a propriedade da terra e dos
outros meios de producdo condigao necessaria para
2 existéncia social da familia, Quanto a Internacio-
nal, aspiravam, com apoio dos sindicalistas ingleses,Caio Tito Vieira Cota
2 que esta mantivesse suas bases nos sindicatos
operdrios endo fosse jamais uma federagdo de
partidos, livrando-a assim da participagdo nas insti
tuigdes politicas da democracia burguesa. Ndo foram
somente os marxistas que os criticaram pela es
séncia de suas aspiragbes, mas também os anarquis
tas de cunho bakuninista e anarco-sindicalista
(estes mais tarde), que viam nos mutualistas prow
dhonianos apenas uns reformistas incorrigiveis.
Mas nao foram os mutualistas que levaram a
melhor nesta reuniéo em St, Martin’s Hall. Nomes:
dos os 21 membros para redigir os regulamentos
uma constituiggo, este Comité Central eaiu nas maos
dos representantes das trade-union inglesas, de
alguns refugiados franceses, italianos é de Marx. A
situa¢o continuo a mesma quando dois anos mais
tarde se estabeleceu 0 primeiro congresso interna
clonal em Genebra. Prevaleceu, entretanto, a argiicia
® sutileza de Marx que redigiu 0 regulamento usando
alguns jogos de retorica para passar suas proposig&es
politicas, sem entrar em conflito aberto com as
idéias contrérias 4 sua.
© congresso de Genebra decidiu-se pela aprovacgo
do sonhado Banco de Crédito Gratuito e a favor das
sociedades cooperativas de produgdo dos mutualis-
tas. Marx apresentou e conseguiu aprovar sua tese
gue dava importéncia as greves e organizagées
sindicais contra os patrdes, objetivando acabar com
© sistema salarial e criar uma outra ordem social sob
© poder da classe trabalhadora; introduzindo habil:
Oque
mente © conceito de “estado operirio”. Com
alguma oposic¢go aprovou se também uma proposta
fem favor da lei regulamentando a jornada de traba
tho em 8 horas e outra propugnando a educagio
publica para todas as criancas,
No final, Marx teve razdo em rejubilarse, o
ccongresso foi uma vitéria contra os anarquistas
franceses, Mas sua alegria duraria pouco.
Dois anos depois 0 congresso da Internacional em
Lausanne, na Suica, apoiou a Liga da Par e da
Liberdade (organismo sob a inspiracao de Garibaldi
€ aglutinador de varias personalidades politicas e
culturais da época) na sua luta contra a guerra e
pela unigo de toda a Europa sob um governo repu:
blicano, Mas esta mesma Liga ndo aprovou depois as
condicdes pedidas pela Internacional para apoiéla
fato foi importante porque causou uma profunda
desiluséo em Michail Bakunin, dirigente da Liga,
dela demitindo-se por consideri-la muito pouco
radical. Foi engrossar as fileiras da Internacional que
jd estava Ihe dando 4gua na boca
Desta data em diante os proudhonianos perderam
a primazia de disputar com Marx as concorridas
discuss6es no seio da Internacional, O cenério deu
lugar a uma ferrenha briga entre dois gigantes,
intermediados por Georg Eccarius, um alfaiate
alemo, lugar-tenente de Marx que tinha por hébito
1ndo participar das reunides plenarias dos congressos
imternacionais
O conflito ngo seria apenas politico, mas tempera-
Anarausr 670 Cio Tilo Vieira Costa O que €0 Anarquisme m
mental. Segundo G.O.H. Cole e James Joll, podemos favordveis aos intoresses da classe trabalhadora (mais
encontrar em Marx. algumas caracteristicas bésicas direitos politicos ov reducdo da jornada de trabalho,
autoritério; centralista; aspirou 3 ativa intervengio por exemplo). Bakunin, neste ponto, era bem mais
politica dos trabalhadores; namorou ardentemente expedito © claro: literalmente contra qualquer tipo
© poder do Estado e teorizou acerca da nacionali de apoio aos politicos burgueses,
zago dos meios de producio. € Bakunin: um © advento de Bakunin na Internacional deu-se de
Dartigério’ da uniBo de todos os poves. eaves, mmaneira.pouco eonvencional. final ele era. um
tim spaixonado da revolucSo espontanea cuja base focohecide dirigente, "das. masses © N80. podia
seriam os camponeses es elementos margingis da Simplesmente chogar 0 eseritrio. da AssocagSo
sociedade urbana; um libertario; federalista; opositor Internacional dos Trabalhadores e pedir sua inscri¢go.
ané as riot da inoldncia da agdo politica nos ava tcartirnha, No, fundou entdo a sua. Alianea
dros parlamentares; irado com qualquer tipo de Internacional da Democracia Socialista para atuar
Estado apenas queria velo abaino. enquanto com ea dentro da’ Internacional, aproveitando 8
precicava_o controle dos wabalhadores sobre os Faireedtrutura ‘que esta [8 organicara em. quate
meios de producio. quatro. anos_de atividades. A nova organizacdo
7A mente ordenadissima e disciplinada de Marx fkuniniane, por sua. ver” seria contvolada pele
jamais poderia se convencer de que, como queria | indefectivel Fraternidade Internacional (a organi
Bakunin, Unica cols importante era a aitagao das | Sido secrets“ Bakunin que por sus ver seria
masias para a apocaliptica destrugdo revolucondria, |. GGhtvolade pelo Familia Internacional, que por sua
deixando 4 sua espontaneidade a. treta de crat ter estara Sob 0 inquestionivel controle de Mestce
uma nova ordem social, Marx concebia a Internacio._| Bakunin). A rissdo da. Alianga bakuniniana serie
nal como um movimento sob uma diregdo central e treinar e formar “propagandistas, apéstolos, e por
Uniicada, apesar de permiir uma relativa liberdade Utmo.ergenizadores" assim como recrutar, caso
is sogdes nacionas. Para Bakunin, cada movimiento, hecairio, as. forces’ de_choque revolucionrias
ro #6 nacional, ras local, deveria ter complaté para dirgir os wabalhos na Europa, Uma organi
utonomia pare Yormular sua propria politics sem Yeedo\avancada que injetaria.em sous membros um
receber instrugies de fora. continuo fervor revolucionario, Em 1868 foram
Marx, que realmente ndo tee limites eas censuras Imediatomente criadas segdes em Lyon © Marsctha
que 0pés & burguesia, achava necessério apoid-la alam do envio de Giuseppe Fanelli para organizar a
taticamente quando tentasse implantar reformas Alianga em territério espanhol. Foi assim quen Caio Tito Vieira Costa
Bakunin requereu seu ingresso nos quadros da
Internacional; com outra organizacdo,
Desconfiado e receoso, Marx, de Londres, acom
panhava as manobras de Bakunin e podia sentir a
eficdcia da Alianca com sede estabelecida em Gene-
bra, A reagdo nao tardou; de Londres, o Conselho
Geral_da_ Internacional pronunciou'se contra a
Alianga bakuniniana, manifestando que no toleraria
um segundo corpo organizado dentro da AIT.
Bakunin relutou um pouco, escreveu elogiosas
infrutiferas cartas @ Marx, mas acabou concordando
em dissolver sua Alianca e passar suas secBes para 0
controle direto da Associagdo Internacional dos
Trabathadores. Finalmente institucionalizou-se seu
ingresso,
Os conflitos maiores dentro da_ Internacional
‘comecaram no congresso de Basiléia em 1869.
Entrou na pauta a célebre questio da heranca
Bakunin exigiu do congresso que incorporasse 20
Programa da AIT um item sobre a necessidade da
abolicio dos direitos a heranca. Argumentou que a
propriedade hereditiria era a base sobre a qual se
assentava a ordem social existente e sua abolicéo
essencial na dissolucdo do Estado. Foi mais longe,
considerou as fortunas hereditérias em onosiggo 4
igualdade entre 0s homens, pois ndo existiriam
diferengas baseadas nos dons naturais de cada um,
G. Eccarius, anteriormente instruido por Marx,
argumentou ‘ponderadamente que 2 abolicso da
heranca seria consequida com 0 préprio aconteci:
O que é0 Anarquismo 7
mento revoluciondrio e no via a necessidade de
transformer uma reivindicacao imediata em primor-
dial, na primeira fase revolucionéria
Em seu intimo, Marx achava 0 ataque bakunini
‘ano a heranga uma perda de tempo, uma atitude
pequeno-burguesa e no arredou pé de sua tese
segundo a qual as condig8es econdmicas eram as que
fundamentalmente determinavam as relagdes de
propriedade. Bakunin concordava com isto mas
fopunha a questo da heranca como tética principal
na luta pela emancipacgo da sociedade. Ninguém
levou a melhor, Apesar de expressiva votagdo obtida
pela tese de Bakunin, ela foi derrotada pela grande
‘quantidade de votos brancos que contavam contra.
No entrevero armouse o cisma e descobriv-se a
pouca influéncia do Conselho Geral, comandado por
Marx, no seio da Internacional. Bastou Bakunin
‘opor outra tética que ndo a anteriormente planejada
2 0 confronto se instalou entre os delegados inter-
rnacionais.
Desta date em diante Marx e Engels partiram
diretamente para um ataque politico e pessoal
contra Bakunin, convencidas de que ele preparava
luma vastissima conspiracdo. Por dois anos nenhum
congresso se realizou. Os internacionalistas assistiram
‘20 mesmo tempo ao colapso da Comuna de Paris e
2 violenta repressao que se seguiu. Preocupado com
esta situacdo e concomitantemente com a da Inter-
nacional, Marx convocou para o vero de 1871
luma conferéneia de cardter privado em Londres,” Gaia Tito Vieira Costa
com a participacdo da maioria dos congregados
marxistas, expressando'se a favor da criagao de um
partido opergrio. Nesta conferéncia alguns delegados
defenderam pontos de vista contrérios aos de
Marx, de cardter anarquista, mas no foi em funcao
deles que @ maioria rejeitou o plano de um partido
dirigido por Marx e pela Internacional.
‘Ao mesmo tempo, em novembro de 1871, a ié
estabelecida ala antiautoritéria_da_ Internacional
reuniu-se em Sonvillier, numa conferéncia que
‘marcou 0 inicio das conversagbes para a fundagio
de uma internacional exclusivamente anarquista
Participaram os delegados da Federacdo do Jura,
varios expatriedos radicados em Genebra, represen:
tantes de federacdes bakuninistas da Espanha e
Itélia, sequidores de Cesar de Paepe (italiano andr
quico com tendéncias sociais-democratas), partidé
rios anarquistas da Holanda ¢ da Inglaterra. Todos
estavam com Bakunin pelo menos em uma questo:
eram contra 0 modo de Marx tentar controlar
autoritariamente o Conselho Geral da internacional.
Subscreveram a Circular de Sonvillier que formulou
‘uma organizago operéria descentralizada,
Entretanto, de Londres, @ persequigio movida
contra os libertérios continuava. Em 1872, Marx
convocou um congresso em Haia (longe da Suica,
Espanha ou Italia, onde ele sabia que teria proble
mas com 0s antiautoritérios) e os congressistas
aprovaram a expulsdo de Bakunin e seus partidérios
O que eo Anarquismo Si
da tnternacional, Para maior seguranga, os marxistas,
ino aff de se verem longe das idéias “nocivas” dos
anarquistas, mudaram a sede do Conselho Geral da
Internacional exatamente para Nova York, com isto
selando, inadvertidamente, sua morte.
‘As causas ditas imediatas da derrocada da | Inter:
nacional estdo af, limpidas. Muitos estudiosos do
anarquisma do marxismo aprofundaram um pouco
esta questéo e James Joll parece dar uma das
explicagdes mais plausivels, Para ele, 0 comunismo
de Estado baseado em um partido centralizado &
disciplinado foi criticado pelos anarquistas que
propunham em troca comunas livremente federadas
@ independentes, Nelas, o capital, as fabricas, as
maquinas e as _matériasprimas pertenceriam a5
‘associagBes e as terras seriam dos que a cultivassem.
Para Karl Marx, a revoluco ocorreria por causa do
fatal proceso historico e da gradual consciéncia
por parte do proletariado do lugar que the cabia na
inevitével luta de classes. Bakunin, como ja foi
visto, achava que esta revalucdo poderia ser provoca:
da por uma vanguarda que explorasse inteligente
mente 0 potencial revoluciondrio ja existente
Enquanto Bakunin deu nitida preferéncia as socie:
dades secretas como condutoras do proceso, Marx
preferia os massivos partidos politicos. Sem davida,
uma radical diferenga tética embora ambos sonhas-
sem com @ mesmo fim, apesar de, sempre @ bom
frisar, 0 primeiro desejar ardentemente ver-se livre
do Estado & 0 outro usé-lo como instrumento de16 Caio Tidio Vieira Costa
transi¢ao.
‘Adiante! Os libertarios e simpatizentes que
pparticiparam da conferéncia de Sonvillier resolveram
levar em frente o movimento internacional, Reuni
ram-se entdo em Saint-Imier e ocuparam-se da
criagio de uma nova internacional, ou, como que-
iam, 2 reforma da antiga. Inauguraram assim um
segundo periodo no internacionalismo anarquista,
na divisio feita por George Woodcock que 0 separa
em cinco periodos distintos.
Os anarquistas em Saint-Imier tinham sobretudo
lum grande trunfo:0 apoio das bases. Este passou-thes
5 mos devido em grande parte a transferéncia do
quartel-general marxista para Nova York, Antes do
cisma de Haia, a Internacional contava'com quase
1 milhdo de filiados em todos os paises. De 1873
fem diante este nimero baixou muito, mas até 0
ano de 1877 0s anarquistas conseguiram muitos
adeptos entre os que antes professavam o marxismo.
Sabe-se também que em 1873 05 marxistas
tentaram realizar um congresso em Genebra, 0 qual
do passou de “uma coisa piedosa” no dizer dos
observadores. Marx, em Nova York, exclamaria
quando soube dos frustrados resultados: “A partida
estd encerrada”.
Das resolugdes de Saint-Imier pode-se ressaltar
que esta nova Internacional no assumiu um caréter
especificamente andrquico. Proclamou a autonomia
de todas as segdes e federagdes. Negou terminante.
mente a competéncia legislativa dos congressos
O que éo Anarguismo -
(
periédicos. Recebeu apoio incondicional dos grupos
antimarxistas, dos tradeunionistas ingleses ¢ dos
anarquistas considerados extremistas. A nica
resoluco de carster nitidamente andrquico foi a que
condenou a importancia dada 8 aco politica nos
congressos anteriores, e em seu programa pode'se
ler que propunha “'a destruiggo de qualquer tipo de
poder politico”.
Este segundo periado do internacionalismo
anarquista estendeu-se até 1881, quando os liberté:
rigs tentaram novamente criar um outro organismo
internacional. No entreternpo ocorreram congressos,
nada originais, em Genebra, Bruxelas, Berna e
Veviers. A Internacional foi proscrita na Franga,
Espanha e Itélia. Teve uma existencia tempestuose
ea partir de 1875 adquiriu novas cores, sua influén-
cia aumentou na Franca, fundaram-se federagbes na
‘América Latina, apareceram sees em Portugal,
Grécia e Alexandria. Infortunadamente, durante 05
‘anos 70 do século pasado, ela assistiu também &
sua propria desagregacdo, em parte motivada pelo
rescimento da social-democracia junto as bases.
‘0 iltimo congresso anarquista desta década, na
cidade francesa e industrial de Veviers, contou
somente com a participa¢do de Kropotkin, Paul
Brousse (da delegaco francesa e depois socialista),
Gonzales Morago (da delegagdo espanhola), James
Guillaume (representando os suigos de lingua
francesa), Werner (representando 0s suicos de
lingua alema}, mais os delegados de grupos anarquis* Caio Titio Viera Costa
tas da Alemanha, México, Uruguai e Argentina,
além de Andrea Costa, ecompanhado da belissima
‘Anna Kuliscioff, ambos importantes na posterior
fundagio do Partido Socialista Italiano, mas até 0
momento libertérios. Neste congresso faleceu a
Internacional de Saint-Imier, ou melhor, deixou de
existir pois jamais foi dissolvida oficialmente.
Londres seria mais uma vez sede de um impor
tante movimento conspirativo contra a espoliaggo
burguesa. Numa pequena taberna em Carrington
Street, quarenta e cinco anarquistas representando
59 grupos individuais de quase cinqdenta mil mili
tantes inauguraram em 1881 mais uma arganizagio
internacional sob os olhos preocupados do governo
francés e britanico.
Alem de Errico Malatesta, Saverio Merlino e
Kropotkin estavam presentes 2 lider feminina
francesa Louise Michel ¢ Emile Pouget. A parte um
delegado mexicano — insofismavelmente o precursor
do napalm, da guerra bacteriolégica, pois defendia 0
‘emprego da quimica como arma na luta de classes —,
@ reunigo pautou-se por uma grande indeciséo
variedade de posicionamentos, Uns preferiam 0
movimento na clandestinidade e outros, como
Kropotkin, defendiam bravamente 0 ponto de
vista em favor de um vasto e espontineo movimento
insuflado pelo impulso popular. Apenas em um
ponto estavam de acordo: a inevitabilidade da
violéncia revolucionéria contra a prépria violéncia
desencadeada pela represso. Os historiadores
0 que éo Anarquismo ”
afirmam que ainda ndo existia nenhuma corrente
pacifista dentro do movimento libertério e que a
fase terrorista também ndo comegara com toda
sua forge. Mas 0 assassinato de Alexandre II, na
Russia, por obra da organizagdo Nerodnaja Volja
{A vontade do povo), influenciou muito nas discus:
ses. Apesar da incerteza entre a criagdo de uma
organizagdo legal ou clandestina, 0 fato concreto &
que de 1881 até o final do século os libertérios
abandonarem a idéia dos movimentos massivos pela
‘dos grupos secretos de ativistas, inaugurando os
pequenos grupos de aco direta que promoveram
atentados ou insurreigoes. Foi a famosa cra da
“propaganda pela acdo”. Este seundo periodo
continuou com uma série de congressos abortados
—
0 tereviro periodo foi de 1889 até 1896, quando
| 98 anarauistas eoncantraram seus esforos na fracas
sada tentativa de se insinuarem dentro da I Inter
nacional Socialista, Esta nascera em 1869 em Paris
com a unificagdo de dois congressos_socialistas,
rivais: 0 dos partidérios de Jules Guesde, com apoio
‘dos marxistas europeus, e o congresso dos partidé
rios de Paul Brousse, anteriormente em luta contra 0
exanarquista Guesde pelo controle do socialismo
parlamentar na Franga. Dizem os observadores que
‘98 anarquistas se infiltraram nas duas organizagoes
com louvavel imparcialidade. (Os leitores poderdo
encontrar maiores detalhes no volume O que é 0
a desta mesma colegao.)80 Caio Tito Vieira Costa
A definitiva expulséo do congresso socialista de
Londres {e ndo seria mais uma que iria abalar
quem mais se exercitara nestes casos) em 1896
marcou 0 inicio do quarto periodo, cujo pice foi 0
ccongresso em Amsterd3 no ano de 1907 onde os
incorrigiveis libertérios, numa das reunides mais
vivazes que consequiram fazer, buscaram uma orga:
nizagio composta apenas de anarquistas convictos,
O ‘sindicalismo revolucionario. (anarco-sindicalis
mo) desabrochou com toda sua plenitude. Daniel
Guérin considera que somente a partir dai o anar:
quismo mostrou-se em toda a sua forca, poisacredita
que no século passado ele mal chegou a esborar 0
seu papel. Concorda que, gragas a Bakunin, o
‘anarquismo participou de um verdadeirs movimento
de_massas_no século XIX: 0 da I Internacional.
Guérin aproveita e ressalta 0 papel do francés
Fernand Pelloutier, um dos responsiveis pela entra
da triunfal dos anarquistas nos sindicatos, passando
da tatica da dinamite para 2 do contato direto com
‘as_massas, criando uma escola prética onde as
idgias antiautoritarias puderam vicejar. E preciso
lembrar também de outro grande impulsionador do
sindicalismo revolucionério, o francés Pierre Monat:
te, defensor no congresso de 1907 das idéias sind
calistas, contra Malatesta que via no sindicalismo
apenas um meio ~ e imperfeito — de combate, pois
levava ao descuido de outros meios de luta.
Apesar de todos, Malatesta inclusive, 0 anarco-
Sindicalismo venceu, deu 0 tom, definiu-se e apon.
0 que é0 Anarquisme A
tou como o grande movimento massivo libertario
do século XX. 0 quinto periodo do internacionalis
mo anarquista foi do fim da primeira grande guerra
até 0 auge da guerra civil na Espanha. Este periodo
assistiu ao episodio de Nestor Machné e Kronstadt,
‘ambos na Riissia, como se verd adiante, Ainda nesta
Spoca os anarquistas refundaram, em 1923 na cidade
de Berlim, a sua Associagao Internacional aos Traba
thadores que existe até hoje com sede em Estocolmo
na Suécia, O congresso contou com o apoio de
delegacdes anarco-sindicalistas da Argentina, Chile,
México, Noruege, Suécia, Dinamarca, Alemanha,
Teheco:Eslovaquia, URSS, Italia, Franga, Holanda,
Portugal e posteriormente da Espana
Depois 0 mundo viu e participou da Segunda
Guerra Mundial, acompanhou a querra fria e 0
espetacular crescimento do capitalismo. Burocrati
zou'se, persequiu'se e reformouse a AIT. Faltou
Ihe a flexibilidade para acompanhar os variados
matizes de um novo anarquismo, autogestiondrio,
antiautoritario, ecolégico, autnomo, grupos dé
afinidade, comunitario ou nome ou rétulo que Ihe
queiram dar. Alguns anarquistas nostélgicos recu:
sam-se até a comentar a atual situagdo da AIT,
pensam que nunce retomard o vico e 0 vigor do
século pasado quando os libertérios de toda a
Europa enfrentavam cansativos dias de viagem para
ouvir a voz de Bakunin ou Malatesta em aigum
‘congresso ou encontro internacional.
‘Apesar de tudo, proliferaram de alguns anos para2
Caio Tito Vieira Costa 0 que £0 Anarquismo
3
Leon Tolstoi {1828-
1910)
Albert Camus (1913
1960)Caio Titio Vieira Costa
podem acrescentar a gosto seus pensadores antiau
toritarios de preferéncia: Antonin Artaud, André
Breton, Albert Camus, Augustin Garcia Calvo, Andy
Warhol, Anyon Pannekoek, Baltasar Porcel, Bertrand
Russell, Boris Vian, Cioran, Carlos Diaz, C. Castoria
dis, Claude Lefort, Carlos Semprun, D. H, Lawrence,
David Cooper, Edgar Wind, Edgar Rodrigues, Fer
nando Arrabal, Felix Guattari, George Bataille,
Giles Deleuze, Groucho Marx, Cohn Bendit, Georges
Sorel, Henry Miller, Herbert Marcuse, Hans Mayer,
Herbert Read, H. M, Enzensberger, Henri Simon,
Jean Paul Sartre, Jacques Monod, Jean Baudrillard,
Joan Peird, Luis Bufiuel, Luis Nazario, Lima Barreto
Maurice Bianchot, M. J. Harner, Michel Foucault
Noam Chomsky, Paul Goodman, R. Dutscke, Ri
chard Gombim, Samuel Beckett, Susan Sontag,
Simone de Beauvoir, Savater, Schumacher, Theodor
Adorno, Tristan Tzara, Valerie Solanas, Victor
Serge, Victor Garcia, Walter Benjamin, W. Bour
roughs e Yona Friedman,
A PARTE MALDITA
Na Russia
Era uma festa animada na casa daquele latifun-
digrio russo. As garrafas de bebida iam-se esvaziando
as canges enchendo a noite. De repente, como nu: |
ma magica, caiu do céu, pulou os muros e se esque:
rou pelas paredes gritando frases incompreensiveis
um bando enorme de soldados da milcia ucraniana.
‘N3o sobrou um convidado em pé, foram todos sub-
jugados e muito tempo depois ainda nio tinham
compreendido como 6 que sua policia poderia té-los
assaltado. Estavam enganados. Erem os militantes
do Exército Insurgente da Ucrinia distarcados e co-
mandados por Nestor Machn6. Vinham expropriar
as terras dos nobres e distribu*-las entre os campone:
ses, no verdadeiro estilo de Robin Hood. Travestidos
de oficiais do exército para melhor chegar até o fa
zendeiro, aproveitavam-se dessa condigao para ga‘ther sua contianes © hospitalidade, e, depois, com
um dramético golpe teatral, revelaremse e justica
rem o inimigo do povo.
Por alguns anos no houve nem lei nem autorida
de a0 sul da Ucrénia, numa regio que abrangia uma
4rea de 280 km de comprimento por 250 de largura,
om aproximadamente 7 milhoes de_habitantes
Nestor Machné ou simplesmente “o pai” como era
chamado, quer queira, quer néo, reinou absoluta
mente. Expulsou 0s soldados do Exército Branco
que vinham acabar com a revolucao, distribuiu terra
208 camponeses, criou comunas livres, combateu
‘ombro a ombro e também contra o paderoso Exér-
ito Vermetho comandado por Leon Trotsky para
depo's ser esmigalhado por este, criandd mais uma
historia das momentaneas e espetaculares conquistas
desastrosas derrotas do anarquismo,
Todos 0s estudiosos que se debrugaram sobre a
Russia concordam que o anarquismo somente se ma
nifestou em toda a sua plenitude, organizativamente,
a partir do finzinho do século passado,
Apesar disto, 0 passado russo assinala violentos le
vantes populares, principalmente nas regibes frontei-
rigas, com fortes caracteristicas libertias devido ao
Seu espontanefsmo. Abundaram seitas anarco-eli
giosas, pacifistas, que se revottaram contra qualquer
coergio externa, tanto da parte religiosa como da
das autoridades leigas, recusando'se a pagar os im
postos © @ pegar em armas para servir a0 Czar
Conta a lenda que por volta de 1875 formaram-se
Caio Pilio Vieira Costa
O que 6 Anarquism "7
em Kiev e Odessa alguns grupos comunitarios escon:
endo armas e sequiosos por uma insurreigao campo-
nnesa 30 gosto e delicia das idgias de Bakunin. Trés
jovens empolgados pelos escritos anarquistas organi
zaram entio uma pequena conspiragdo que iria no:
tabilizar-se pelos métodos nada ortodoxos do ponto
de vista snarquista. Aproveitaram-se das noticias di
fundidas entre os camponeses de que 0 Czar amava
seu povo e no sabia em absoluto das atrocidades
‘que cometiam em seu nome,
Num distrito pert de Kiev soltaram dois docu-
mentos em meio @ populagéo camponesa. O primei
ro era uma Carta Imperial Secreta na qual 0 Czar
reconhecia os direitos dos camponeses as terras mas
lamentava ago ter bastante forca para obrigar os
nobres a ceder suas fazendas e exortava os trabalha
dores rurais a formar milicias secretas @ ficar de
prontidgo para a revolta quando soasse 0 momento.
(0 segundo documento era o Estatuto da Milicia Se
ereta que trazia instrucées particularissimas para @
lorganizagao dos rebeldes. Os camponeses cairam na
arapuca € a milicia se formou com mais de mil vo
luntarios. Guardaram todo 0 processo em segredo
por mais de um ano até que uma indiscri¢ao colocou
a policia czarista em seu encalgo. Centenas de cam
poneses foram presos e deportados para a Sibéria,
Os trés responsaveis também foram detidos mas es
caparam com a ajuda de um amigo que se empregou
‘como carcereiro na prisdo onde estavam. :
Entretanto, o que correu bem profundo na RéssiaL
Caio Tito Vieira Costa
rias através dos escritos dos exilados anarquistas que
tinham seus textos reproduzidos e distribuidos de
mo em mao entre os jovens e os conspiradores. Os
deratas russos aprenderam muito com Bakunin e
Kropotkin, devem muita coisa a Alexandr Herzen,
que foi sempre um socialists, mas também um dos
iniciadores de toda tradi¢ao revoluciondria russa e
um dos primeiros a difundie as idéias de Proudhon
entre os radicais de Moscou.
No comeco dos anos oitenta do século XIX
meernaeaeecmnmee
delineou'se a tendéncia ao terrorismo, heranca de
Nechaev. Alguns grupos anarquistas no foram corr
‘tra. mas também néo participaram dos atentados que
perpetrou o famoso grupo Naradnaja Votja, respon
sivel pelo assassinato de Alexandre Il em 1881
Este golpe selou também uma onda de prisées e exi:
lio e somente nos iltimos anos do séeulo XIX for:
maram-se na Russia os primeiros grupos declerada
mente anarquistas.
Publicaram varios jornais como o Jeb i Volia que
‘em 1903 ~~ um ano de grandes fermentagdes sociais,
greves, tumultos no campo, demonstragdes estudan.
tis e descontentamento no exército — deu a estas
manifestaces um sentido libertario.
Em todo caso, até mesmo para gs anarquistas foi
dificil dizer em que medida estes jornais e grupos co-
laboraram para o estoura da revolucgo de 1905.
Kropotkin creditou-a apenas a espontaneidade e ex:
plosdo do descontentamento popular e considerou-se
O que se Anarguismo
ego de surpresa pelos acontecimentos anteriores a0
“Domingo Sangrento” (quando o exército czarista
reprimiu e assassinou centenas de manifestantes),
marcados pelo estouro de areves, operdrios nas ruas,
‘camponeses incendiérios e saqueadores; e 2 humilha
‘sao da Russia nas derrotas frente ao Japo na guerra
‘que comeeara um ano antes.
Realmente eram poucos os anarquistas ativos du:
rante a revolugdo de 1905. Paul Avrich diz que 0 ni
mero nunca passou de 200.
No ano seguinte, 0$ anarquistas conseguiram ter
grupos em quase todas as grandes cidades russas e 0
movimento se tornou particularmente forte nos
Urais. Em 1907 veio a vigorosa reagio oficial e 0
anarquismo, j8 dividido, perdeu sua forga. Quatro
grupos distintos atuaram nesta época: 05 comunistas-
‘anarquistas, 08 individualistas, os anarco-sindicalis:
{as e 05 pacifistas tolstoianos.
| ‘Com a Primeira Guerra Mundial a atividade anar-
‘quista cessou quase que completamente. Na revol
do de outubro de 1917 os anarquistas participaram
€ sua aco se confundiu com a de todas as forgas de
esquerda que batalharam para fazer da Russie uma
repiblica soviética. Nao obstante, foi preciso que re:
tornassem todos 0s exilados para que o anarquismo
russo, enquanto tal, retomasse o seu brilho.
Nao faltaram acasiBes. A principio os anarquistas
divergiram quanto & participagao no governo bolche-
vique, alguns colaboraram ativamente. Rapidamente
1a grande maloria compreendeu que 0 governo im:
8990 Cain Taio Vieira Costa
plantado na Russia era a ditadura de um partido, ab-
solutamente inconcilidvel com toda a tradigdo ¢ os
Iideais libertarios. Afinal de contas, eles sempre com
bateram qualquer forma de autoridade, e o Estado
sempre foi 0 maior inimigo. Dai ao combate aos bol
cheviques foi um passo.
Este combate assumiu varias formas. Sepatei o
episédio da Machndvschina e de Kronstadt (apesar
deste Ultimo no ter sido dirigido diretamente por
anarquistas) pela relevancia com que se expressaram
0s sentimentos andrquicos e pela violéncia dos bol
cheviques na sua repressio.
Em abril de 1919, na cidade de Jarkov, reuni-
ram‘se anarquistas de todas as tendéncias — com
exceeio dos sindicalistas — numa conferéncia que
ficou conhecida depois como Nabat (Alerta) e lar
garam 0 embrigo do “anarquismo Unica” preconiza-
do por um anarquista russo, Voline, que insistia na
unio dos anarco-comunistas, individualistas e anar-
co'sindicalistas. Criaram a Confederacéo de Organi:
zacdes Anarquistas. Opuseram:se taxativamente a0
conceito de ditadura do proletariado, mas concorde:
ram que a investida dos contra-revolucionérios
“brancos” era um perigo maior para a revolucao rus
se. Decidiram organizar ou apoiar qualquer grupo
guerrilheiro que estivesse fora da estrutura oficial
do Exéreito Vermelho. Estavam de olho naquilo que
chamavam de "ndcleo fundamental” deste novo
exército, um bando de guerrilheiros organizados en:
tre as massas camponesas e liderados por um jovem
o Ararquism a
teimoso, Nestor Machné. & Conferércia de Nab
estluiambém Bo apolar nenhum soviete ou sind
toro que estvese sob tnfludnciaparticria Prope
Tarn erm troca comites noo ico aglutnadores de
(Ss as enters oe oer, comporeae
pulando revoldciondia em gol
re Machnbvschine, como fol batizada pelos histo
riadores comenou corn figura deste jover TUS,
Nestor Mechno, nasido ern 1869, sho de campo.
hoses uoterianos. Battante ativo a revoluggo. de
7905, quando tomou conato. com at dios aner
usstis eonhectu bom as prises cra stas, onde pe
fl eto. anos de trabalnosForeados, depos dao”
mmutgedo de uma pena de morte em vrtuge de sua
participagao num ato terrorista que custou a vida de
dim ofa somentelivrouse por deretode anistia do
governo prowsori em margo de 1917. Nesta époce
chou pore sua terra, a cidade de GullatPole, onde
{oi nomeado presidente do sovete local. Em agosto
teste mesmo ano organizou uma quadritha de cam
nese: artados pars expropriar a5 trrs dos ices e
Thtnbui tes entre os deovalidos. Comeau af umacar
fea fulminante que ina calocélo no posto de um
dos mals formidives entre todos os chefes do anar
quis.
Na primavera sequinte ot Boleheviquesassinarim
9 tatedo do BrestLitovse e 8 Urania fot ocupada
or tropes austrfacase elem.
Pei gachno ficou profundamente indignado com este
compromisso assurmido com of inimigos imperiaisLe
92 Caio Tilio Vieira Cost
tas alemées. Viajou até Moscou para parlamentar
com Kropotkin. Este recusou-se @ dar-Ihe qualquer
consetho mas causou-lhe uma grande impressao.
Conferenciou com Lenin e disse-Ihe que quem esta:
va fazendo a revolucao no Sul eram os anarquistas €
0s socialistas revoluciondrios. O chefe bolchevique
fez pouco caso, falou do “fanatismo vazio” dos
anarquistas mas ofereceu ajuda para Machno voltar
para sua terra. Uma grande surpresa 0 aquardava,
Guliai-Pole estava totalmente ocupada pelas tropas
austriacas, sua casa fora invadida e seu irmao execu.
tado sumariamente,
Imediatamente Machno organizou, sob a bandeira
‘negra do anarquismo, mais um destacamento guerri
Iheiro © atacou os ocupantes, tomandd a cidade.
Em novembro foi beneficiado pelo armisticio
conseqiiente retirada das tropas, 0 que Ihe rendeu
grande quantidade de armas e munigées. Partiu en:
to para cima dos seguidores do lider nacionalista
ucraniano Petliura e os expulsou da regio de
Ekaterinoslav, para perder a posi¢go pouco depois
Para o mesmo Petliura que, por sus vez, foi poste
riormente arrasado pelo Exército Vermelho.
Nos primeiros meses de 1919 manteve relagBes
‘amistosas com os bolcheviques sendo continuamen.
te saudado pela imprensa saviética. Em marco deste
mesmo ano o seu Exército Insurgente da Ucrania
aceitou um acordo com o Exército Vermelho para
‘combater as tropas brancas do General Denikin que
marchava sobre Moscou, onde no chegou pois so-
|
'
|
O que 60 Anarguisme
9
freu um sério revés provocado pelos homens de
E a istas
jachné, Nesta unio tempordria, os machnovist
tuisvam ome cldusula que preservasre fue InGepen
dincia organizativa com relagéo aos. vermelhos.
Convoraram 0 3° Congreso Regionale o mesmo
‘oi proibido pelo Exército Vermelho sob a alegapao
dai em diante as relagdes nunca mais foram muito
amistosas entre ambas as partes.
Para of bolcheviques os outrora valorosos comba
tantes ueranianos se transformaram ern “anarco ban
dios ou simplesmente “bandidos” como os aval
ficava Trotsky, Em abril os bolcheviques ordenaram
também o cessar das atividades da Nabat. Em maio
foram capturados e executados agentes da Cheka, a
policia secreta bolchevique, que tinham por missa0,
6 assessinato de Machn. Er julho varios anarquistas,
reuniram-se ao quartelgeneral de Machno em
Guliai Pole. oe
‘A ruptura final ocorreu com a convocacio do 4:
Congresso Regional pelos Machnovistas que convida
tam of soldados de bose do Exército Vermetho a
articipar. Trotsky ficou literalmente possesso e de:
bretou a protbieao do congresso eolocando Machn®
fora da lei, acusando-o de alta traigo e combate 20
poder dos sovietes na Ucrénia, Ordenou @ captura
dos delegados do congresso.
No final de 1919, raposamente, mandou instru
0es taticas a Machné para que se destocasse com
seu exército até os combates na frente potonesa, ten:
Me94 Caio Palio Vieira Costa
{ando tirar Machné dali e partir para a bolchevizagao
Gefinitiva de Ucrania, Machné recusou-se a cumprir
2 ordem eo Exército Vermelho dispés-se a marchar
Sobre @s forcas do insolente desobediente.
A batalha de guerrithas teve inicio e nela somente
Cs Insurgentes machnovistas levaram a melhor. Sus
8
5
| xe or eens ord ra
| Sse opupc ote calan a aroma
Estas unidades de produco eram federades em dis- |
fconomico conjunto independente de qualquer par
Jue Politico. A autogestdo foi praticada. Voline,
Baron @ Ashinov publicarsm um jornal e organize,
fam uma Comissao de Cultura e Educacdo: conferen,
ciavam as tropas e planejaram escolas de acordo com
Os métodos de Francisco Ferrer (um educador es
Panhol anarquista), tendo como base a espontanei
Gade ¢ a independéncia entre os alunos; abrivam um
teatro experimental & prepararam um programa de
O que éo Anarguisme
9s
ai a comuna era compos-
educagdo para 0 adultos. Cada comuna rac
ta de mais ou menos 200 casas num total de 300
pessoas. A primeira comuna recebeu 0 nome de
Rosa Luxemburgo © o soviete live local gaanta a
Cada uma © gadoe as ferramentas oa eolas contisea
das aos nobres e latitundirios. O Exereito Insur
gente, que chegou a ter quase 50 mil homens ato,
garantia cada comune t
As experinels comunitiris urbanas no deram
cero, em parte pela pouca dsposiege de Machn6
om relagdo as clades pois sempre exaltara asim
plicdade do campo e via nel o unico lugar posive
ara sas ealizagbes,
. Entretanto, em detrimento de toda sua terminolo-
sia libertiria, seu exéreito foi asin somente no ne
me. Woodeock resaltou 0 grande dominio que ee
2 seus comendantes exeriam sobre a mass Insur
gente. Voline, om sua monumental A Revoluedo
Dosca dter magnanimo e
Desconhecida,pintuine um cardter og
formidivel apesar de sua queda pelo alcool que 0
fea, inimerahvezes, perder cabece,
Machné e 0 Exérito Vermeth, no seu entrevero,
areomaram nova isu quando combatram con
juntamente at tropas.brances do. Bardo Weangel,
sucessor de Denikin, na segunda metals de 1920. AS
foxes inate de Mecnd mana ro,
Em novembro deste ano océrebro de Trotsky
lou ame de us roe franan. Convio
para um conselho
oficeis do exéreito machnovista p
militar na Crimi fim do conversare comemorer
aaa aac eee eee eect eeaaeeR EEE
= <Gtio Taio Vieira Costa
uns “amigos espanhdis sak
gone Wvaram-no ‘da morte pela
0 gato finland
Goria quara cil na Re
© Caos na industria, sap
eclosd de grover
cidade. Os reba
com, mat com
em 1921. A fome,
4 insatisfacdo politica levaram 4
m Petrogrado, Moscou e outras
wadores, nas rues, solicitavam mals
Se ais combustivels © mais meias de trans
patna geciam a supresséo dos “Batalhies de Tra.
Poe ee glfotsky: a reaparicéo dos sovietes e on
iés de fabrica livres; liberdade de palavra; restay
80 da Constituinte; supressio da policia secrete
© @ liberacdo imediata dos presos politics,
0 queéo Anarquiimo
”
Uma delegacdo de marinheiros e trabalhadores de
Kronstadt dirigiu-se a Petrogrado para levar solida
riedade aos grevistas e foi obrigada a retroceder.
Realizaram entio na Praga da Ancora em Kron
stadt duas grandes assembléias apoiando as reivindi
cages dos grevistas ¢ adiantando outros pedidos,
Nao existia exatamente nenhum anarquista desem:
penhando papel de lideranca em Kronstadt, mas os
slogans formulados traziam fortes caracteristicas
libertérias (como “onde ha autoridade no hé liber
dade”), Pediram o fim do trabalho obrigatdrio, a
restauragio do controle operario, a substituiggo do
Exército Vermelho por grupos guerrilheiros auto-
nomos e clamaram pela destruicéo da “comissario-
cracia”. Fizeram chacotas de Lenin e Trotsky e exi
giram a imediata restauraco das liberdades e ele
‘c6es livres para todos os drgios da democracia sovie-
tica,
Imaginem a surpresa dos chefes comunistas. Ve
rem-se criticados exatamente pelos trabalhadores ©
marinheiros de Kronstadt que haviam dado um vigo:
roso impulso 8 revolucao em 1917. A reagao foi ins-
tantnea. Trotsky chamou a si a dire¢ao das opera
Bes, Bradou no microfone aos amotinados: “Se
persistirem na vossa atitude, cagar-vos-emos como
perdizes”. € cagou mesmo. Alexandr Berkman —
que junto cam Emma Goldman e mais dois anarquis:
tas se ofereceram para mediar 0 conflito, inutilmen-
te — contou que de Petrogrado podie-se ouvir o rui98 Caio Titio Vieira Costa
do surdo dos canhdes vermelhos transformando
Kronstadt num matadouro, numa orgia de sangue.
Num ultimo apelo os sitiados proclamaram: “Que
‘© mundo o saiba! O sangue dos inocentes caird sobre
1 cabeca dos comunistas sedentos de poder! Viva 0
Poder dos sovietes!”. A 18 de margo de 1921 estave
Gebelada a rebeligo na ilha e os trabalhadores em
Petrogrado sob o jugo da lei marcial impossibilitados
de qualquer reacao.
No fim do ano seguinte os anarquistas que resta:
vam na Russia estavam na cadeia ou mortos. A maio-
ria tinha-se exilado e os que permaneceram e no fo-
ram detidos reduziram-se a um completo mutismo,
Na Franga
“Vive lanarchie.”” Assim Ravachol, ou melhor
Koenigsten, acolheu sua sentenca de morte. O ex:
ladrao, ex-contrabandista e ex falsério sem sucesso
e depois anarquista de sucesso subiu os degraus que
© levaram & guilhotina recitando versos anticlericais.
Sua importancia, como notou Barbara Tuchman,
ndo reside em suas bombas, mas na sua execucao.
A partir dela Paris ouviria constantemente o estri
biho “‘Chegara, chegard. Cada burgués sua bomba
receberdl””
‘Mas nao foi Ravechol 0 pai do “terror anarquis
ta’ na Franga. Vale a pena relembrar um pouco da
-
O que éo Anarquis
histaria de terra de Proudhon, de onde seus discipu:
los impulsionaram a | Internacional; pela primeira
ver se desenvolveu 0 anarco-sindicalismo; 0 indivi
dualismo anarquista, no terrorismo, alcangou as mais
sinistras proporcées ¢ os poetas, escritores e pintores.
se influenciaram perdidamente pela doutrina dorata
no apotedtico fim de século.
Na metade do século pasado, & parte Proudhon
e seus discipulos, desenvolveramse na Franca nume-
rosas correntes anarquistas. Destas se destacaram a
de Ernest Coeurderoy, um apaixonado da destrui
io, € a de Joseph Déjacque, um dos precursores da
posterior “propaganda pela acdo”
Mas, até o final dos anos setenta do século XIX,
prevaleceu na Franga a doutrina mutualista, como jé
foi visto no capitulo anterior, Perderam sua influén:
cia depois para as idéias coletivistas, através dos
| bakuninistas franceses: Elisée Reclus, Bendit Malon,
| Albert Richard e outros. Foi visto também o fiasco
da Comuna de Lyon, levado a cabo diretamente por
Bakunin. Mas no pararam em Lyon as pretensbes
comunitarias ¢ os anarquistas jogaram tudo na Co-
muna de Paris.
Woodcock anota muito bem que a Comuna de Pa:
ris foi marcada por um fato singular: nao foi blan:
quista, nem anarquista, nem marxista @ sua historia
se mesclou com a de todas as correntes politicas de
seu tempo. Com a queda da Comuna em 1871 veio
a perseguigao Internacional dos anarquistas, decla
rada subversiva e posta na clandestinidade, provo-
99
|
es100 Caio Taio Vieira Co
cando 0 exilio de toda a turma libertaria.
Somente no final dos anos setenta os diversos gru
pos tentaram a unificago do seu movimento. O ano
de 1879 marcou a anistia aos participantes da Co-
muna, a revigorago das diversas tendéncias politicas
© 0 consequente aprofundamento das divergéncias.
Em 1881 um movimento declaradamente andraui
co iniciou sua carreira independente na Franca. O
Prestigio do anarquismo nesta época, um pouco an
tes das dinamites, deveuse menos a suas agdes do
que 4 eminéncia ‘dos intelectuais que professavam
sua doutrina. Estavam no auge de suas produgies:
Sébastien Faure, filésofo e pedagogo; Emile Pouget,
diretor do corajoso e influente periddico Pére
Peinard; Jean Grave, jornalista; Louise Michel, lider
feminina e participante ativa da Comune de Paris; e
Elisée Reclus, ge6grato,
De 1881 até 1894 2 burguesia francesa, os pode:
0308 @ varios “inocentes” sofreriam na carne e no
espirito as agruras da violéncia politica que congre.
gou uma exiqua minoria entre os anarauistas, mas
Provocou um enorme tumulto e muita sedugdo, Os
historiadores creditaram o sucesso da violéncia poli-
tica na Franga também a sinistra influéncia de um
delegado de policia, Louis Andrieux, e de um agente
Provocador belga conhecido por Serreaux, cujo
ome verdadeiro era Egide Spilleux. Este Ultimo in
filtrou-se entre os grupos parisienses e defendeu elo
qiientemente a violéncia. Com um dinheiro arrume:
do pela poticia ajudou a fundagSo de um jornal li-
O que be Anarquismo, ia
er aac ates
eee ae
AE ee ce SancGonan mast emt
Sea eta ores te in
ae eee etn 88h cbqou ora
baron ranma Lace Grane ae
a cae suns omc arate
ones ene cal esee So pent
tie honeasse vite ce omic
| cane oa one ene we abs ont
Se eet eone ma
Sabena
ee Staou a eve oder = anarte
tas. Em 1883 promoveu em Lyon o célebre processo
Serbs ere
No mesmo ano, Louise Michel e Emile Pouget
gies 360 manent Re
Sane ania lata de yore raat
Im a a pinot corer pals FOS
sear titania", rabato ou chm!
ee ae ne ee ee
eae stor Pas, Laws tele102 Caio Talis Vieira Costa
Pouget foram condenados. Frente a violenta indigna
¢0 da opinido pablica 0 governo foi forcado a anis
tié-los em conjunto com 0s condenados no proceso
de Lyon.
Ficaria por conta de Ravachol a estréia de mais
uma fase violenta de margo de 1892 a junho de
1894. No entretempo foram cometidos onze atenta
dos a dinamite com um saldo de nove mortes. Na
Sérvia, 0 ministro residente foi gravemente ferido, 0
presidente da republica apunhalado e morto, quatro
assassinos justicados. O pais inteiro tremia e os ins
trumentos postos em acio pelo Estado destrutram
a imprensa libertéria, processaram os lideres e dis
persaram todos os grupos autdnomes.
Contrapondo-se 20 individualismo exaterbado, 0
tradicional comunismo-anérquico reagiu opondo &
“propaganda pela aco” a propaganda pela palavra;
experimentou @ inovou, foi para 0 campo e criou co-
lénias anarquistas (algumas comunidades sobrevive
ram até 1940) e fundou escolas libertarias como a
conhecida La Ruche de Faure.
‘A reago ao individualismo nao ficou por conta
somente dos tradicionais anarco-comunistas__kro-
potkinianos. © ano de 1894 assinalou 0 inicio da
escalada do anarco-sindicatismo que, no inicio, con
viveu amigavelmente com os anarco-comunistas
depois substituiu-os enquanto corrente dominante
‘no movimento libertério. O apogeu de sua influéncia
entre 08 trabalhadores franceses seria marcado pela
famosa Charte d’Amiens, de 1906, onde se procla
O que én Anarauisme 2
(pou » completa atorenia do mouinento sea
| tista & negava-se qualquer solidariedade pol/tica aos
partidos ce esquerda e de direta. Aos poucos, @ par
Te de 1908, apos uma série de groves desastrosas ©
prisbes de Iieres, 0s singieatos nacionais, menos ra
Seas, foram conguistando o poder da Confederarao
Geral'dos Trabalhadores, a entdo dominada pelos
Srarco-sindicaistes. Com a guerra viram também as
| divergéncias entre os anarquistas com respeito a0 mi-
| fitarsmo, e, com 2 Revoluedo Russo, a desagregacio
total dentro da CGT.
Somente em 1920 os anarquistas tentaram uma
reamroximagio mais duradoura e eriaram 3 Unido
tiot Anarquistas Franceses — UAF, reagrupando to
des. at tendéncias dispersas, © jornal O Libertdrio,
Grado desta associapdo,stria diariamente de 1923 2
| 1925. Novas amarguras e dispersdes aguardavam os
libertarios com 2 ascensio do fascismo europeu
‘Os exilados russos em Paris (Piotr Archinof, Nes
tor Machné e Ida Mett entre outros) tentaram em
Conjunto com Sébestien Faure riar uma nova Plata
forma de Organizaedo Geral dos Anarauistas. A UAF
fo. 0 paleo estas tentatives. Em sintese, eles que
J Harr snitiear os individualises, oF anarco-comunis
| tare os anreosindenines. Sébastien Faure, 3
txemplo de Voline nd Rosia, teorizou 9 respeito
Gesta unio e escreveu a Sintese Anarquista. Mas 0
rojeto de unido acsbou levando os anarquistas a
ine cisao entre os organizacionais e 0s antiorgani
avionais, De 1926 até 08 dias de hoje 0 anarquismoLouise Michel (1830-1905).
(io Tito Vieira Cosa
‘Fmma Goldman 11869-1940),
O que é Anarquisme 10s
francés viu ¢ participou de varias cisées que criaram
siglas e mais siglas ou pequenos grupos. Alguns acei-
taram @ sintese anarquista, outros a repudiaram.
Mas, orgenizativamente, nada permaneceu de muito
conereto e as grandes manifestagdes antiautoritérias,
| como no caso da revolta estudantil em maio de 1968,
pouco tiveram a ver com os tradicionais nucleos
| snérquico, Em junto de 1977 em Toulon um con
(gress0 perecia tirar do estancamento a Federagao
Anarquista Francesa — FAF, reconstitufda em de-
zembro de 1953 sob © principio da pluralidade de
tendéncias,
Na Italia
Os herdeiros de Malatesta assistiram aténitos o
enfraquecer do anarquismo na Itélia depois da t
Guerra Mundial. Fracassada a reconstrucao imedie-
ta da Unido Sindieal Italiana ~ USI, os debates des
locaram-se apenas para o nivel ideoldgico; e 0 tradi
ional humanisme anarquista, de cunho malatestia
no, influiu e orientou 0s anarquistas apenas em suas
preocupagdes organizativas em detrimento do sin-
dicalismo-anarquista, que via o reformismo dominar
totalmente as organizacdes dos trabalhadores. Este
reformismo pode ser traduzido assim: lutas esporadi
cas apenas por reivindicagbes imediatas sem nenhum
conteddo mais radical ou profundamente revolucio:106 Caio Titio Views Costa
Um pouco antes de 1968 os anarquistas italianos
impulsionaram decisivamente 0 seu movimento
através do Umanité Nova. Criaram a Federagio
Anarquista Italiana — FAl, que procurou um pacto
federativo entre os humanitaristas, os anarco-comu:
nistas e os sindicalistas. Em 1965 comecaram as
cisdes dentro da FAI e dela surgiram os Grupos de
Iniciativa Anérquica ~ GIA, uma pequena federaco
de grupos de orientacao pacifista em defesa da auto:
nomia pessoal e contra a participago em qualquer
Orgdo do sistema, os sindicatos inclusive.
Outra cisio provocou o nascimento dos GAF —
Grupos Anarquistas Federados, que resistiram até
1967, tentando criar uma base tedrica para os gru
pos de afinidade.
Outra corrente paralela foi a formada pelos "Co:
munistas libertérios” ou anarco-comunistas centra
dos sob a antiga plataforma organizativa elaborada
pelos exilados russos na Franga. Em conjunto com
outros grupos anarco-comunistas organizados fora
da FAI, os “comunistas libertarias" formaram ni
cleos de defesa sindical nos bairros e nas fabricas,
Os anarcovsindicalistas sdo ainda fortes sobretudo
na Toscana e trabalham na reconstrucio de uma
‘oposi¢ao sindical revoluciondria dentro dos sindice-
tos existentes e considerados reformistas.
A ascensao dos “auténomos” foi marcada princi
palmente em 1977 com a ocupagdo das universide
‘des pelos estudantes. Defendiam a autonomia na es
cola e nas fabricas. Apoiaram as reivindicacbes fe-
=
O que br Anarguivme 107
ay—
mulher de Bakunin, advogado napolitano, intimo
do proprio Bakunin e fiel colaborador, Alberto Tue
ci, membro da céipula internacional da Fraternidade,
napolitano,
A partir de 1869 firmou se na Itélia um influente
movimento anarquista. A principio com muita forca
Ro centro do pais depois revigorado com a adesso
de mais de 4 mil membros na regigo napolitana ¢
Posteriormente adesées na Campania e na Sictlia
Em 1871 alguns jovens entraram em cena, Eram
eles: Malatesta, Carlo Cafiero e Carmello Palladino,
todos com pouco mais de 20 anos e uma fantéstics
Gisposi¢go para os combates libertérios. Com o eres.
imento da Internacional cresceu também 0 apoio dos
italianos a Bakunin contra Marx e Engels. O centro
maior das atividades anarquistas foi a Romagna
sob a batuta de Andrea Costa.
Em 1873 0 governo reprimiu e prendeu varios de
legados de um congresso nacional anarquista em Bo.
lonha. Neste congresso a principal resolugdo exorta-
va a propagande libertérie no seio dos 14 mithdes de
camponeses da Lombardia e regigo Meridional que
Passavam fome e febre. Durante 0 ano de 1874 os
internacionalistas registraram 30 mil membros ete.
tivos na Itélia, Em 1876 Carlo Cafiero e Malatesta
Partiram para o campo aberto da luta revolucioné
ria e passaram a propor a “propaganda pela aqa0""
como tética para os anarquistas de todo o mundo.
Esta nova doutrina dominou as atividades dos anar.
quistas na Europa até 10 anos antes do fim do sécu-
aio Tio Vieira Costa
-)
109
Oque éy Anarquiome
1. Conforme salientou Andrea Costa, também um
des primers inpubonadores do novo cred,
fagdo violenta era necessiria, principalmente na its
iia, para iluminar o novo ideal entre os velhos ga
ribaldinos e mazzinistas que estavary esmorecendo.
Griaram organizacées secretas e planejaram insurrei
oes em diversas regides italianas, todas fracassadas,
© que acarretou varias prises e 0 estancamento
des atividades anarquistas durante muito tempo |
apesar da simpatia papular que encontraram os anar.
qhstes, pinelpalmente contra 0 einado de Vittorio
| EKGs poucos os italanos eequeceram 0 cousin
Juniniano e passaram a0 comunismo anéraui
| o'mesme tempo, em 1878, comezaram oon de
violencia. Um cozinheico, Giovanni Passamante, ten
tou golpear 0 novo Rei Umberto; um dia depois ex
plodiu uma bombs matando 4 pessoas nui cortejo
Mondrquico em Florenca e dat a dois dias foi deto
nada outra bomba em Piza, Intensificaram os aten
tados, as mortes € as prisbes entre os anarquistas. |
‘Andrea Costa desertou das ides libertirias © se
elegeu para a Camara dos Deputados, siudando logo |
depois na fundagio do Partido Socialista Italiano
Carlo Catiero, em 1882, conclamou os anarquistas
4 entrar massivamente na Social-Democracia. O pro:
letariado italiano partiu quase em bloco em apoio a0
Socialsmo parlamentar @ os anarquistasfiaram re
duzidos 2 uma progresiva minora, Sobreiveram
funcdo das atividades incansdveis de Saverio MerlinoCaio Tito Vieira Costa
€ Malatesta. Como na Franca ena Espanha,o ome.
Ge do séeuloaxsatu na Nala ao reer ds cre
es libortiias através do araveosindiealinng ee
i812 um conjeso em Bolom tundou 2 Ust em
oposgdo aberta Confedercto Geral go Tebak
Em 1819 a USI tinha S00 ml membros pear de
estorcos de Malatesta om Tevver um anetig
tals ortodoxo em opesgdo sos norcosinacaieen
A Primera Guerra Mural depos 6 tosis
eriaram um fongohiate do cual © anarcuene nae
no no saiia com a mesrna paviipaglo meena
influente de antes. goles eid
Na Espanha
A Expanhs foi 0 Gnico pais do mundo
teorias revolucionérias de Bakurin se comereees
erm um poder real. A airmagio & de HM Eneern
berger em O curto veréo da anarquia, uma espécie
de biogratia de Buenaventura Durr uin des noe
importantes lideres anarauistos eapanfon, Denes
Guerin considera os anarquistas expan esherne
198 epiriuais de Bakunin, Os dos tem vaste goo
Geria ser acrescentado que na Espanha osnarcese,
Aieaismo eeangou seus meiores momantes,
O quedo Anarguims m1
bem
maior e mais interessante na Espanha, muito antes
da chegada de Fanelli, o emissério elogdente de
uma doutrina brava, calorosa e criativa
Nos anos quarenta do século passado 0 parlamen-
to espanhol produziu entre os camponeses uma ver-
dadeira revolugio ao confirmar a posse das terras
‘aos “novos fazendeiros” citadinos, desapropriando
fas pequenas propriedades. Os camponeses, defen:
dendo-se daqueles que vinham de longe tomar suas
terras, armaram-se e criaram uma das formas mais
primitiva de defesa: 0 bandoleirismo. Isto obrigou
‘a nova “classe” de fazendeiros a desenvolver uma es
pécie de exército de ocupagio das terras dando int
‘cio. a uma permanente guerra de guerrilhas.
Segundo os historiadores, as insurreigdes sequiam
um roteiro prefixado: os camponeses ‘matavam os
‘quardas civis, sequestravam os padres e funcioné:
rios, incendiavam as igrejas, queimavam os regis:
tros cadastrais e oS contratos de arrendamento,
aboliam o dinheiro, deciaravam-se_independentes
do Estado, proclamavam comunas livres e explora:
vam coletivamente a terra. Tudo isto na melhor tra
digo, embora muito antes, dos ensinamentos li
bertarios.
Max Nettiau nota a propésito que em 1845 um
discipulo proudhoniano, Ramén de La Sagra, con:
siderado 0 primeiro anarquista espanhol, fundou em
Corufia o jornal Ef Porvenir, fechado imediatamente
pelas autoridades, mas que pode ser considerado 0mm Caio Pilg Vieira Costa
primeiro entre todos os jornais anarauistas
Tsolade da Europe, com fortes caracterfsticas con
servadoras e a0 mesmo tempo revolucionéras, a Bs
pana produziu um potent, movimento anorauista
entre 0s operdrios de Barcelona, Madrid e sobretudo
entre os eamponeses da Andaluzia, Aragio, Levante
Galicia
Antes do aparecimento dos bakuninistas aconte
ceram greves em Barcelona, tumultos em Madr,
sublevagdo de camponeses e insurregdes rurals na |
Catalunia, “Aragio e Valencia, Em setembro de
1868 0s espanhois forcaram o exilio da Rainha Isa
bella, quando comecou imediatamente a historia de
uro' do anarquismo espanhol. Em outubro, apro
veitondo um perodo de grandes fermentagées 50. |
ais, Faneli disseminou entre of jovens intelectuals
© operarios das eidades as idéias antiautortaras de.
i
fendidas dentro da I Internacional. A adesio foi qua
se_unanime e imediata, Apareceram os primeiros
jornais e as primeiras segdes da Internacional em An:
daluzia, Valencia e na Espanha setentrional. No ano
de 1870 fundou-se 2 Federacdo Espanhola da In.
ternacional com a presenca de 90 delegados em Bar:
celona. Dois anos depois, apesar das gestées contré:
rias do genro de Marx, os anarquistas tomaram as
mesmas decisdes da Internacional de Saint-Imier,
descentralizando as segdes locais que ganharam ple.
‘na autonomia e criaram um escritério central apenas
ara correspondéncia e estatistice. Na proclamaggo
a repiiblica, em 1873, a Federagdo Espanhole esta
0 que bu Anarquivmo 4B
va com 50 mil membros.
‘pos a efémera e desafortunada presidéncie do
federalista Pi y Margall — com a abstinéncia politica
dos anarquistas —, 0 exército tomou 0 poder e sus
pendew a Federagéo Espanhola da internacional,
prendeu anarquistas e obrigou muitos @ se exilarem. |
Na clandestinidade, porém, os anarquistas continua |
ram atuando com relative sucesso.
Em 1878 um jovem consertador de barris tentou
assassinar Alfonso XII. A repressio_contra-atacou
violentamente e provocou greves na Catalunha e in:
céndios nas fazendas de Andaluzia. Em 1881 um mi
histério mais liberal legalizou as organizacdes operé-
rias ea se¢do espanhola da Internacional voltou as. |
claras mas 2 onda de violéncia implantada por alguns
fgrupos que se diziam anarquistas levou-a novamente
3 clandestinidade um ano depois. Como na Franca &
na Italia, # Espanha do Ultimo decénio do século
pasado presenciou insurrei¢Bes, bombas detonadas
E assassinatos. Ao mesmo tempo os anarquistas es |
panhdis dividiam-se em comunistasanarquistas (sus |
tentando a necessidade de levar adiante a propagan
da pela a¢do) e coletivistas (fidis 8 linha politica da
finada Internacional, favoréveis és vastas organiza
‘goes operdrias guiadas pelas elites de anarquistas
Convictos). Estas duas correntes persistiram dividi
das_mas mantendo relagdes amigaveis até 1940.
‘0 movimento sindical espanho} nasceu da ala co
letivista totalmente revigorada a partir do finzinho
do século. A importancia da greve geral na revolugao |14 Caio Titio Vieira Costa
imediatamente aceita pelos libertérios espanhiis.
Varias insurreigdes tracassadas ¢ a morte de muitos
militantes nos confrontos abertos contra a policia
desnudaram a necessidade de uma forte organizagao
de luta. Em outubro de 1910, em Sevilha, num his-
torico congresso, os representantes dos sindicatos
de toda a Espanha fundaram a CNT ~ Contederagio
Nacional do Trabalho, faltando-Ihes apenas 0 apoio
dos socialistas, federados anteriormente na UGT —
Unido Geral dos Trabalhadores.
Inspirada diretamente na CGT francesa, a CNT
destacou-se logo da irm& mais velha principalmente
Porque os anarquistas souberam tomé-la nas maos
rapidamente sem perder seu controle. Fundou-se so-
bre os sindicatos locais tnicos de cada cidade, orga-
rnismos nos quais se reuniam operdrios de todos os
tipos. A CNT evitou a criacdo de uma burocracia
permanente, Até 1936 existiu somente um funcio-
ério pago para toda a organizagao que chegou a ter
tum milhao de mifitantes ativos. Em 1912 0 premier
Canalejas declarou ilegal a CNT. Um anarquista
matou-o, Quatro anos depois a CNT voltou 3 legali
dade e obteve um relativo sucesso durante a Primeira
Guerra. Em 1917 apoiou a UGT numa greve geral
fracassada © devido as suas posigdes e a Revolugao
Russa adquiriu mais prestigio. Cortejada pela II In:
temacional a CNT foi receptive no inicio. Entre
tanto, frente as persegui¢des bolcheviques aos anar-
quistas russos retirou-se da INI Internacional reafir
mando sua 1 no socialismo libertério e aderiu em
One eo Anarquiome ae
>
1923 a recém-fundada Associagae Internacional dos |
a a ET aa nde Ss
ee HSAs! seen om Sop116 Caio Titi Vieira Costa
continuaram sua politica de manter o pa(s num per
marente estado de expectativa e agitacéo. A revolu-
‘edo, no entender dos cenetistas, era iminente. Com a
revolt dos generais em julho de 1936, estourou a
guerra civil. No primeiro perfodo a CNT ea FAI es-
tiveram entre os grupos dominantes da Espanha re-
publicana, tendo participado, imaginem, inclusive
do governo. A partir de 1937 perderam a influéncia
para os comunistas e dois anos depois toda a Espa:
rnha caiu sob o jugo de Francisco Franco.
Como ressalta George Woodcock, as razées para
© insucesso dos anarquistas na Espanha, tanto no
| plano militar quanto no plano politico, esto no fa-
| to de que eles nao podiam permanecer figis & sua
doutrina e ao mesmo tempo participar do governo
e da guerra total
Em compensagio, os anarquistas podem somar
‘0s seus lauréis uma vitoriosa experiéncia durante
a guerra civil: praticaram com sucesso extraordinario
2 coletivizacao industrial e agricola, realizando na
pratica a autogestao na Espanha.
Muito ainda se tem a dizer sobre as maltiptas for-
mas sob as quais se desenvolveu 0 anarquismo em
outras partes do planeta. Nada devem em criativida
de as experiéneias espanholas, francesas ou russas,
por exemplo. E nada perdem em termos de perse-
‘quigGes, detencdes, mortes ou exitio. Juntamente
‘com a histéria destas idéias e expedi¢&es deflagradas
por alguns anarquistas, como foi visto neste livro,
correu bem profunda a historia do anarquismo em
O que bo Anarquismo uy
toda a Europa, na China, no Japao, nas Américas.
Nas Américas
‘A América Latina conheceria os ideais anérquicos
no fim do século passado, por idéia e obra dos imi: