DECIFRADOR DO BRASIL
Felipe Macedo de Holanda
Jhonatan Uelson Pereira Sousa de Almada
Ricardo Zimbrão Affonso de Paula
(Organizadores)
IGNACIO RANGEL,
DECIFRADOR DO BRASIL
homenagens pelo centenário de nascimento
(1914-2014)
São Luís
2014
Copyright © 2014 by EDUFMA
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. André Luiz Gomes da Silva, Prof. Dr. Antônio Marcus de Andrade Paes, Prof. Dr.
Aristófanes Corrêa Silva, Prof. Dr. César Augusto Castro, Bibliotecária Luhilda Ribeiro Silveira,
Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro,
Profª Drª Márcia Manir Miguel Feitosa, Prof. Dr. Marcos Fábio Belo Matos
Editoração Eletrônica
Roberto Sousa Carvalho
Marcos André Cerveira
Impresso no Brasil
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, armazenada
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do autor.
CDD 923.3
CDU 923:33
SUMÁRIO
13 17
Prefácio ,QWURGXomRjVDYRFDo}HV
2GHFLIUDGRUGR%UDVLO FRQMXQo}HVHLQFXUV}HVQDREUDGH
João Batista Ericeira Ignacio Rangel
Jhonatan Almada
Ricardo Zimbrão Affonso de Paula
Felipe Macedo de Holanda
I
IGNACIO RANGEL, avocações
37
Ignacio Rangel em São Luís
Bandeira Tribuzi
38
&RQÀVV}HVGH,JQDFLR5DQJHO
Vamireh Chacon
40
Ignacio Rangel
Marcelo Minterhof
II
IGNACIO RANGEL, conjunções
45
2FHQWHQiULRGDXVLQDGRSHQVDPHQWR
,JQDFLR5DQJHODFDSDFLGDGHGHGHFLVmRHRVDQWRGHFDVD
Raimundo Palhano
64
&DQomRG·DPLJRSDUD,JQDFLR5DQJHO
Rossini Corrêa
75
Ignacio Rangel e seus interlocutores
Armen Mamigonian
83
$GLDOpWLFDGDUHEHOGLDGHVGH5DQJHODWpKRMH
Fernando Pedrão
100
2YRRGDiJXLDUHPLQLVFrQFLDVVREUHRSHQVDPHQWRFUtWLFRGH,JQDFLR
Rangel
José Maria Dias Pereira
122
8PPHVWUHGDHFRQRPLDEUDVLOHLUD,JQDFLR5DQJHOUHYLVLWDGR
Luiz Carlos Bresser-Pereira
José Márcio Rego
III
IGNACIO RANGEL, incursões
153
2GHVDÀRGDVFRQFHVV}HVGHVHUYLoRVGHXWLOLGDGHS~EOLFD
DWXDOLGDGHGRSHQVDPHQWRGH5DQJHO
Felipe Macedo de Holanda
162
&RQYHUJrQFLDVHQWUH,JQDFLR5DQJHOH'HOÀP1HWWR
XPDOHLWXUDFRPEDVHHP/rQLQ
Paulo de Tarso Pesgrave Leite Soares
202
(OHPHQWRVGHHFRQRPLDGRSURMHWDPHQWR
Márcio Henrique Monteiro de Castro
229
$LPSRUWkQFLDKLVWyULFDGDWHRULDGH,JQDFLR5DQJHOXPEUHYHHQVDLR
Arissane Dâmaso Fernandes
248
$FDWHJRULDGXDOLGDGHEiVLFDFRPRXPDLQWHUSUHWDomRGR%UDVLO
Maria Mello de Malta
268
$FRQMXQWXUDRVHWRUSULYDGRHRFDPLQKREUDVLOHLUR
ao socialismo em Ignacio Rangel
Elias Jabbour
276
,JQDFLR5DQJHOHRSUREOHPDGDLQÁDomRQDPDFURHFRQRPLDEUDVLOHLUDGD
LQGXVWULDOL]DomR
Thiago Leone Mitidieri
292
5DQJHOHD*HRJUDÀDDOJXPDVFRQVLGHUDo}HV
José Messias Bastos
306
5DQJHOGXDOLGDGHHLQÁDomR
RULJLQDOLGDGHHLQGHSHQGrQFLDQRSHQVDPHQWREUDVLOHLUR
Celso Eugênio Breta Fontes
Felipe dos Santos Martins
Felipe Eduardo Lima Reina de Barros
333
1RWDVGHSHVTXLVDSDUDQRYRVFDPLQKRVLQYHVWLJDWLYRVHP,JQDFLR
Rangel
Ricardo Zimbrão Affonso de Paula
Jhonatan Almada
341
Os autores
Agradecemos ao Sr. Dorgival Pereira, à VALE e
ao Sr. Carlos Gaspar pelo apoio para publicação
deste livro
Sabemos, entretanto, que a história, precisamente
por ser história, isto é, desenvolvimento e
mudança, jamais se repete, não obstante o
caráter obviamente cíclico de muitos dos seus
processos. Uma coisa, porém, é certa: a de que a
nova geração, precisamente como a minha, deve
estar preparada para a luta, para rijos combates,
que exigem bravura e inteligência.
Ignacio Rangel
(Discurso como Patrono da turma de Economia da UFRJ, 1979)
Prefácio
O decifrador do Brasil
-RmR%DWLVWD(ULFHLUD
D
D 13
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 14
WtWXOR´,JQDFLR5DQJHOGHFLIUDGRUGR%UDVLOµ1RVVRVFRPSDQKHLURVQD(VFRODGH
Formação de Governantes (EFG), Raimundo Palhano, Rossini Corrêa, Jhonatan
Almada, estão à testa do merecido tributo.
5RVVLQLDXWRUGH´&DQomR'·$PLJRSDUD,JQDFLR5DQJHOµVXJHUHTXHD
8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGR0DUDQKmROKHFRQFHGD´SRVWPRUWHPµRWtWXORGH'RXWRU
´+RQRULV&DXVDµ1DGDPDLVPHUHFLGR
Sem nunca ter sido professor universitário, era por excelência o
pesquisador, o acadêmico, a quem a cultura nacional deve muito. Sem adentrar
nas categorias rangelianas propostas para as ciências econômicas, reservadas
DRVHVSHFLDOLVWDVÀFRDSHQVDUFRPRRPHVWUHDYDOLDULDDSUHVHQWHFRQMXQWXUD
socioeconômica brasileira. O que diria a Guido Mantega, um dos seus discípulos.
Profundamente ético e buscando sempre o equilíbrio da Justiça, provavelmente
recomendaria aos atuais dirigentes: não deixem de ouvir as vozes das ruas,
ecoadas nas manifestações de junho do ano passado, naqueles dias que
abalaram o Brasil.
-RmR%DWLVWD(ULFHLUDpDGYRJDGRSURIHVVRUXQLYHUVLWiULRHGLUHWRUGD()*
D
D 15
Introdução às avocações,
conjunções e incursões
na obra de Ignacio Rangel
-KRQDWDQ$OPDGD
5LFDUGR=LPEUmR$IIRQVRGH3DXOD
)HOLSH0DFHGRGH+RODQGD
D
D 17
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
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D 18
KLVWyULD 2 SULPHLUR QRV DQRV R VHJXQGR QD SULPHLUD GpFDGD GR VpFXOR
XXI e este na segunda década do século XXI. O primeiro nasceu no contexto
da recente democratização, de efervescência intelectual e social. Aqueles anos
testemunharam uma das últimas manifestações de força da sociedade civil
organizada e dos movimentos sociais, resultando no LPSHDFKPHQW de Fernando
Collor de Melo, primeiro presidente civil eleito democraticamente depois da
GLWDGXUDPLOLWDUGH2VHJXQGRVXUJLXHPXPPRPHQWRGHWUDQVLomRSROtWLFD
local e no bojo de um novo grupo no poder, surfava no apagar das luzes da
expansão econômica do segundo mandato do Governo Lula da Silva e no início
GDFULVHHFRQ{PLFDGH
Comparamos a publicação de um livro com o nascimento para Hannah
Arendt. Segundo ela, o recém-chegado tem a oportunidade de começar algo
novo, recolocando o mundo em relação à sua infância, isto é, à sua capacidade
de começar ou começar-se. Este livro emerge em um ano de transição carregado
da possibilidade da mudança, do começar algo novo. Também foi tocado pelos
ventos das mobilizações sociais que varreram o Brasil em junho de 2013 e
continuam a ocorrer de forma pulverizada. Mesmo que nasça no contexto dos
desdobramentos da crise econômica mencionada, sinaliza para a necessidade
de outros caminhos para o Brasil e para o Maranhão. Exige o pensar com a
SUySULD FDEHoD H D UHÁH[mR ULJRURVD H UHVROXWLYD GRV SUREOHPDV GH QRVVD
realidade, atentos às conexões entre o local e o global – característica essencial
da produção intelectual de Rangel.
Um quadro de Paul Klee representa um peixe diferente nadando em
água escura na companhia de outros. Ele se distinguia dos demais por sua
luminosidade dourada, enquanto os outros se confundiam com a água escura.
Ignacio Rangel entre os economistas foi um dos poucos intérpretes do Brasil, IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
entre estes, um dos poucos decifradores. Nesse sentido, tomando o conjunto
de textos dos colaboradores, entendemos que a luz própria do pensamento
rangeliano tem e terá um papel fundamental no dissipar das penumbras pairando
sobre as análises e decisões quanto aos problemas brasileiros e maranhenses.
Dessa forma, o livro está organizado três partes, reunindo dezoito
WH[WRV $ SULPHLUD IRL GHQRPLQDGD GH ´,JQDFLR 5DQJHO HYRFDo}HVµ H UH~QH
artigos de jornal, cujos autores avocam, no sentido de chamar para si, a defesa
da importância e atualidade do pensamento rangeliano. A segunda parte foi
GHQRPLQDGD ´,JQDFLR 5DQJHO FRQMXQo}HVµ UHXQLQGR WH[WRV HQVDtVWLFRV RX
acadêmicos que buscam uma análise de conjunto da obra rangeliana. A terceira
SDUWHIRLGHQRPLQDGDGH´,JQDFLR5DQJHOLQFXUV}HVµFRQJUHJDQGRRVWH[WRVTXH
incursionam em determinados aspectos da obra rangeliana, enfatizando esses
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Conjunções
D
D 20
de Rangel se situa entre os intérpretes do Brasil pela originalidade, inovação
H FDSDFLGDGH IRUPXODGRUD $ÀUPD TXH DSHVDU GRV LQ~PHURV HVIRUoRV GH
sistematização dos últimos anos, ainda não dispomos de um dimensionamento
completo da obra ignaciana.
Rangel, segundo Palhano, permanece como um dos poucos economistas
que conseguiram produzir sistema teórico e conceitual abrangente, complexo
e articulado sobre a evolução e a realidade da economia brasileira. Palhano
ressalta que no Maranhão, Rangel não foi plenamente descoberto, permanece
privilégio de restritíssimos grupos sociais bem formados. Conclui que o resgate
GDREUDLJQDFLDQDTXHWHYHR%UDVLOFRPRGHVDÀRHODERUDWyULRFRQWULEXLUiSDUD
que o Maranhão saia da penumbra, exposta de forma crua pela violência do
presídio de Pedrinhas em São Luís, de repercussão nacional e internacional.
O segundo texto intitula-se &DQomR G·DPLJR SDUD ,JQDFLR 5DQJHO, de
autoria de Rossini Corrêa, destaca que as relações com Rangel, gradualmente
se tornaram menos institucionais até se tornarem uma amizade transgeracional.
5HFRQVWUyL D ELRJUDÀD GH ,JQDFLR 5DQJHO SDUD GHVWDFDU D XQLÀFDomR WHRULD H
SUiWLFDTXHOKHHUDPFDUDFWHUtVWLFDVHVXDVLQÁXrQFLDVLQWHOHFWXDLV(QWUHHODV
Rossini destaca a de Karl Marx, cujo instrumental teórico e metodológico, Rangel
se apropriou de forma criativa. Aponta que na sua atuação acadêmica busca
PDQWHUYLYRRSHQVDPHQWRGH,JQDFLR5DQJHOQDVRULHQWDo}HVGHPRQRJUDÀDV
dissertações e teses que realiza, colhendo de seus orientandos, surpresa e
deslumbramento, quando entram em contato com a obra rangeliana.
Muitos intelectuais, segundo Rossini, por temer a originalidade de
Rangel, o ignoravam ou silenciavam quanto às suas ideias, entre eles, cita Celso
)XUWDGR'HOÀP1HWWRH1HOVRQ:HUQHFN6RGUpFXMDYLJrQFLDLQWHOHFWXDODWXRX
em desfavor de Rangel. IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Palhano e Rossini são dois dos intelectuais daquela geração pioneira
do Ipes que introduziram Rangel no Maranhão. Convergem ao apontar nos seus
textos a necessidade de um novo volume que se somará às Obras Reunidas de
Ignacio Rangel (2 volumes), organizada por César Benjamin e publicada pela
Editora Contraponto. Esse novo volume deveria resgatar artigos, entrevistas,
SDUHFHUHV SURMHWRV UHODWyULRV H HSLVWRORJUDÀD GH ,JQDFLR 5DQJHO GLVSHUVD
pouco conhecida ou mesmo inédita. Rossini organizou um pequeno almanaque
reunindo boa parte do material que está em seu acervo particular, dos quais
incorporamos com exclusividade para o presente livro: os textos de Bandeira
Tribuzi e Vamireh Chacon, além das capas dos livros publicados por Rangel.
O terceiro texto denomina-se Ignacio Rangel e seus interlocutores, cuja
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D 21
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
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D 22
acumulação periférica, apontando a limitação de uma política de curto prazo ali
delineada com a verdadeira condição estrutural da economia periférica.
3HGUmRDÀUPDTXHDDWXDOFULVHLQVWDODGDQRFHQWURGRVLVWHPDGRFDSLWDO
fragiliza sua capacidade de controle do poder, atualiza as críticas de Rangel às
políticas de curto prazo e torna inevitável a volta às análises de longo prazo e a
teoria dos ciclos. Isso demanda a superação do absolutismo lógico e a construção
da análise estrutural por um movimento de autoregeneração do marxismo.
2YRRGDiJXLDUHPLQLVFrQFLDVGRSHQVDPHQWRFUtWLFRGH,JQDFLR5DQJHO
de autoria de José Maria Dias Pereira é o quinto texto. O autor compara a
capacidade crítica e de largo alcance de Rangel, incompreendida à esquerda e
à direita, com a águia de Zeus. O pensamento rangeliano em único voo abrangia
a macro e a microeconomia, entendendo-a como processo histórico, cíclico e
dialético.
Pereira considera a teoria dos ciclos e a tese da dualidade como as
maiores contribuições de Rangel para a análise e compreensão da economia
brasileira, sobretudo por evidenciar a singularidade do caso brasileiro onde
existe uma interação entre o desenvolvimento das forças produtivas internas e
externas em face de sua dependência em relação às economias centrais.
Rangel, segundo Pereira, é tanto profeta como visionário, devendo ser
resgatado para inspirar as novas gerações de economistas. Profeta, como já
DÀUPDGRSRU$UPHQSRUSUHGL]HURIXWXURYLGHRFDVRGDFULVHQRVDQRV
HDUHFHVVmRGRVDQRVFXMDVROXomRDQWHFLSDDLGHLDGHSULYDWL]DomRGRV
VHUYLoRVS~EOLFRVSUDWLFDGDQDGpFDGDGH9LVLRQiULRSRUVRQKDUTXHR%UDVLO
caminharia para o socialismo, não o estatismo soviético, mas sua perspectiva de
socialismo, elemento a ser estudado na sua obra com mais precisão.
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
O cartão de visitas de Ignacio Rangel e a notícia de seu falecimento pelo
jornal Folha de São Paulo que ilustram o livro são achados de Pereira. O cartão
pOHPEUDQoDGHVHX~OWLPRHQFRQWURFRP5DQJHOHPSRURFDVLmRGHXPD
palestra na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no Rio Grande do Sul.
Pereira nos chamou atenção quanto ao nome de Rangel.
$JUDÀDGRQRPHGH,JQDFLR5DQJHOFRQIRUPHSHUFHELGRQDVFDSDVGH
seus livros e nas citações dos colaboradores deste livro muda bastante. Ignacio
p HVFULWR VHP DFHQWR DJXGR QD OHWUD ´Dµ $OJXPDV YHUV}HV HTXLYRFDGDPHQWH
SXEOLFDUDPQRFRPR,QiFLRVHPDOHWUD´JµHFRPDFHQWRQDOHWUD´DµRXFRPR
,JQDFLRFRPDFHQWRQDOHWUD´Dµ+á em Ignacio Rangel, uma escrita própria do
VHXQRPHFXMDHVSHFLÀFLGDGHUHFRQKHFHPRVHLQFRUSRUDPRV
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Incursões
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GH,JQDFLR5DQJHODUHVSHLWRGDFULVHEUDVLOHLUDQDGpFDGDGH7DOFULVHIRL
avaliada como um período de superposição da fase descendente do quarto ciclo
GH .RQGUDWLHII LQDXJXUDGD FRP D FULVH GR SHWUyOHR HP TXH GHX OXJDU
uma crise mundial sincronizada, com impactos maiores nos países importadores
de petróleo, a exemplo do Brasil) com uma crise interna. Esta se caracterizava
FRPRXPDFULVHGRSDGUmRGRÀQDQFLDPHQWRGRVHWRUS~EOLFREUDVLOHLURWHQGR
FRPRGHFRUUrQFLDRDSURIXQGDPHQWRGRGHVFRQWUROHLQÁDFLRQiULR'HVVDIRUPD
o diagnóstico de Rangel apontava a contraposição entre um setor privado
superinvestido, principalmente nos segmentos de bens de capital e de insumos
intermediários, e um setor público subinvestido, principalmente nos segmentos
GRV VHUYLoRV GH XWLOLGDGH S~EOLFD WDLV FRPR FRPXQLFDo}HV HOHWULÀFDomR
transportes, saneamento básico, entre outros. A solução para o desbloqueio dos
investimentos seria a conversão da concessão dos serviços de utilidade pública
das empresas públicas para empresas privadas, as quais poderiam acessar
fontes de crédito públicas e privadas de forma mais barata e com menores
condicionalidades do que as empresas públicas.
O mecanismo proposto por Rangel para permitir às empresas privadas
concessionárias o acesso ao crédito público e privado seria o aval do Estado
brasileiro, com base em garantias hipotecárias sobre as instalações e
equipamentos das concessionárias dos serviços públicos. Neste arranjo,
impunha-se a prática de um realismo tarifário, que tivesse como referência o
custo da execução dos referidos serviços, considerando-se a soma das despesas
FRUUHQWHV GD SUHVWDomR GRV UHIHULGRV VHUYLoRV D GHSUHFLDomR GR FDSLWDO À[R
investido e um lucro legalmente autorizado referenciado no custo de capital, de
acordo com as condições do mercado acionário e de títulos internos. Tal era, em
suma, segundo a formulação de Rangel, o mecanismo que permitiria a superação
da crise recessiva de então e a geração de um novo ciclo de crescimento. IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
De acordo com Holanda, hoje, um quarto de século após, é impressionante
como a análise de Rangel e suas prescrições permanecem pertinentes. O tema
das concessões dos serviços públicos às empresas privadas transformou-se na
grande aposta para a aceleração dos investimentos e a consequente viabilização
de uma taxa de crescimento do produto menos modesta em comparação
DR SDWDPDU TXH YLJRUD DSyV D HFORVmR GD FULVH ÀQDQFHLUD LQWHUQDFLRQDO GH
O texto de Paulo de Tarso Pesgrave Leite Soares, &RQYHUJrQFLDV HQWUH
,JQDFLR5DQJHOH'HOÀP1HWWRXPDDQiOLVHFRPEDVHHP/rQLQ, se divide em
três partes. Na primeira parte mostra o consenso entre autores marxistas,
estruturalistas e até liberais de que a agricultura brasileira entravava o
D
D 25
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
desenvolvimento do país.
$VHJXQGDSDUWHPRVWUDTXH'HOÀP1HWWRH,JQDFLR5DQJHOVHRSXVHUDP
a esse discurso consensual, negando-o ponto por ponto. Isto é, negaram que a
agricultura não respondia aos preços do mercado; negaram que a oferta agrícola
era inelástica; negaram que a agricultura atrapalhava o desenvolvimento da
indústria; negaram que faltasse ao país uma revolução agrícola e/ou agrária;
negaram que a agricultura tivesse qualquer responsabilidade pela crise em
TXHRSDtVSDVVRXQRVDQRVHlast not but least negaram que houvesse
qualquer perspectiva estagnacionista para a economia brasileira. Para o autor,
mais surpreendente é ver que os argumentos dos dois obedecem a uma matriz
teórica em estreita concordância com a de Lênin.
A terceira parte cumpre três objetivos. Em primeiro lugar, que a
FRQYHUJrQFLD HQWUH DV SRVLo}HV GH 5DQJHO H GH 'HOÀP 1HWWR WHP VXD UDL] QD
maneira como eles entendem o relacionamento entre a cidade e o campo no
GHVHQYROYLPHQWRGRFDSLWDOLVPR'RPHVPRPRGRTXH/rQLQ5DQJHOH'HOÀP
Netto entendem que o movimento da transformação da economia se dá da
cidade para o campo e não do campo para a cidade. É a cidade que transforma
o campo.
(PVHJXQGROXJDUPRVWUDTXHKDYLDHQWUH5DQJHOH'HOÀP1HWWRXPD
convergência tática e uma oposição estratégica. A acentuação do desenvolvimento
GR FDSLWDOLVPR SDUD 5DQJHO HUD WiWLFD H SDUD 'HOÀP 1HWWR HUD HVWUDWpJLFD
5DQJHO UHSUHVHQWDYD RV LQWHUHVVHV GR SUROHWDULDGR 'HOÀP 1HWWR UHSUHVHQWDYD
os interesses da grande burguesia progressista. O consenso ao que eles se
opunham representava o interesse da pequena burguesia. Um confronto que foi
tão bem descrito por Lênin no embate contra os populistas russos.
Em terceiro lugar, sugere que a diferença entre Rangel e os demais
notórios marxistas também está em que estes, ao que parece, subestimavam
a capacidade do capitalismo para submeter formas sociais pretéritas e/ou
superestimavam a capacidade para, no Brasil, se transformar o desenvolvimento
GR FDPSR SDVVDQGR GD YLD ´SUXVVLDQDµ SDUD D YLD ´IDUPHUµ 8PD yEYLD
contradição coerente com a matriz pequeno-burguesa que se vê como marxista.
Em (OHPHQWRV GH HFRQRPLD GR SURMHWDPHQWR, assinado por Márcio
Henrique Monteiro de Castro, o autor faz uma leitura do homônimo escrito
por Ignacio Rangel com o objetivo de servir de material didático num curso da
8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGD%DKLD8)%$HPHSXEOLFDGRHP2REMHWLYR
de Castro é incentivar a leitura e a avaliação de um texto que foi mantido hibernado
pela ausência de debate, bem como provocar uma aprofundada investigação do
D
D
legado rangeliano.
Segundo Castro, o objetivo de Rangel com (OHPHQWRV GH HFRQRPLD
GR SURMHWDPHQWR foi construir uma teoria econômica para um novo modo de
produção que estava tomando corpo com as transformações do capitalismo do
VpFXOR;;HSULQFLSDOPHQWHFRPDHFRQRPLDSODQLÀFDGDVRYLpWLFD
Para tanto, Rangel utilizou-se de um ecletismo teórico econômico
LQVWUXPHQWDLV NH\QHVLDQR QHRFOiVVLFR FOiVVLFR FRPELQDGR FRP XPD
profunda concepção historicista, típica de um autor que vê o mundo pela lente do
PDU[LVPR5DQJHOVHMXVWLÀFDDÀUPDQGRTXHRSRQWRGHSDUWLGDSDUDRHVWXGRGD
economia é a história, pois a ciência econômica varia com o modo de produção
e este muda ininterruptamente. Assim, nômeno (história) e fenômeno (teoria) se
complementam.
$ SDUWLU GHVVD DERUGDJHP HFOpWLFDKLVWRULFLVWD R DXWRU GHÀQH
SURMHWDPHQWR, como uma prática que se desenvolve em paralelo com uma teoria
que evolui no tempo e se alimenta com os problemas e soluções enfrentadas por
aproximações sucessivas e sistematizando, quando for possível, experiências dos
analistas que, naturalmente, são de diferentes escolas teóricas e de diferentes
SURÀVV}HV
A HFRQRPLDGRSURMHWDPHQWR, segundo Rangel, seria um modo de produção
que está em desenvolvimento, no ocidente e no oriente. Seu objetivo é produzir
valor de uso (como é universal na atividade econômica qualquer que seja o modo
de produção) regulado pela vontade consciente e racional, através de um cálculo
econômico. A categoria utilidade, apesar de seus problemas de medida, é a nova
base para o cálculo econômico. Plano e projeto, através de seleção de técnicas
e alocação de recursos, são seus instrumentos fundamentais. Isto difere do
capitalismo onde a produção de valores de uso é regulada pelo mercado através IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
do valor, seja ele explicado pelo trabalho, para os clássicos, ou pela utilidade
marginal, para os neoclássicos.
Rangel, com isso, desenvolve a categoria utilidade afastada da categoria
valor, isto é, o autor elabora uma categoria nova: a XWLOLGDGHDEVWUDWD. O valor como
nômeno e a categoria teórica valor como fenômeno estão relacionados a uma
economia mercantil. A HFRQRPLDGRSURMHWDPHQWR, que começa a tomar corpo, é
o devir, está relacionada a outro momento histórico, outro nômeno, portanto. A
utilidade está relacionada com essa problemática, ou seja, se exprime no fato de
que todos os objetos úteis atendem a uma necessidade humana e social.
Castro conclui que hoje a HFRQRPLD GR SODQHMDPHQWR está superada.
(PSULPHLUROXJDUDSHUHVWUyLFDRÀPGD8566HDWUDQVLomRDFHOHUDGDSDUDR
D
D 27
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 28
DSDUHOKR GH (VWDGR H VXD WHRULD UHÁHWH LQHYLWDYHOPHQWH VHX SRVLFLRQDPHQWR
dentro desse espaço.
'HQWURGHVVHFRQWH[WRDDXWRUDUHODWLYL]DD´LQGHSHQGrQFLDLQWHOHFWXDOµ
de Rangel, uma vez que foi a partir das temáticas discutidas pelo grupo da
Assessoria, do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e da CEPAL
(Comissão Econômica da América Latina e Caribe) que ele desenvolveu as bases
da sua teoria.
O texto de Maria Malta, $ FDWHJRULD GXDOLGDGH EiVLFD FRPR XPD
LQWHUSUHWDomR GR %UDVLO, tem por objetivo mergulhar na compreensão da tese
rangeliana da GXDOLGDGHEiVLFDSDUDYHULÀFDUDSRVVLELOLGDGHGHUHFXSHUiODFRPR
uma rica chave de leitura, no campo da economia política, para a interpretação
do Brasil.
Para tanto, divide sua análise em três etapas. Na primeira discute
o método da GXDOLGDGH EiVLFD. Segundo Malta, consiste numa adaptação
original do materialismo histórico e da teoria econômica para a análise do
caso brasileiro. Desta análise Rangel pretendia retirar leis gerais da formação
histórica e de funcionamento da economia brasileira, descrevendo o processo de
desenvolvimento do país, no campo da economia política.
Na segunda parte do texto, Malta discute a GXDOLGDGHEiVLFD enquanto
FDWHJRULDHHQTXDQWRWHRULD(QTXDQWRFDWHJRULDFXPSUHRSDSHOGHLGHQWLÀFDU
os modos de produção (articulação dinâmica entre estrutura e superestrutura)
existentes no Brasil em cada época. A condição histórica de se ter constituído
como nação tardiamente em relação aos países do centro capitalista, na
compreensão de Rangel, trazia a necessidade de apreciar sempre o movimento,
de forma simultânea, de uma perspectiva interna e externa. Assim, cada
dualidade da economia brasileira como um todo seria originada a partir da dupla IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
determinação das relações internas e externas, que também vão consubstanciar
a dualidade presente em todas as instituições econômicas brasileiras.
Enquanto teoria, ao descrever a história, fala de algo que já está
determinado e aponta para uma dinâmica que pode ser mantida ou rompida.
Porém, permanece a questão de se o rompimento teria que também vir do
centro do capitalismo, ou se está aberto um movimento nacional ou da periferia
articulada como possível saída.
3RUÀPQDWHUFHLUDSDUWH0DOWDGLVFXWHFRPRHVWHFRPSOH[RHVTXHPD
teórico deu origem a uma interpretação do Brasil. Para a autora, a GXDOLGDGH
básica tem a função de representar os modos de produção tipicamente
brasileiros, por meio de uma combinação delicada entre formas estruturais e
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
formas superestruturais.
A autora conclui questionando o porquê de uma interpretação do Brasil
tão rica e articuladora de teoria e história pôde ser tão amplamente abandonada.
As respostas, para Malta, encontram-se na seguinte forma: em primeiro
lugar, a GXDOLGDGHEiVLFD tem o limite de sua época, pois representava uma visão,
um modo de pensar, que era irreconciliável com o movimento real que Rangel
pretendia revelar e explicar. Neste sentido, uma teoria que não representasse a
visão de nenhum dos grupos sociais mais destacados na política e na economia
brasileira cairia no campo das curiosidades, muitas vezes incômodas, que
pensamentos de vanguarda podem carregar.
Também, a visão de Rangel não encontrava base nas formulações dos
dominados e de suas vanguardas representativas. Seu marxismo era mais
brasileiro que universal, mais original que ortodoxo. Sua dialética era mais
evolucionista que dinâmica e carregava a ordem de um cientista do seu tempo.
3RUÀPDDXWRUDVHQWHQFLDVHPEDVHVRFLDOFRQFUHWDDKHWHURGR[LDGH
5DQJHOVXDFULDWLYLGDGHHVHXHFOHWLVPRIRUDPDRPHVPRWHPSRDIRQWHGHVXD
LQRYDomRLQWHUSUHWDWLYDTXHGHXRULJHPDXPDDXWrQWLFDLQWHUSUHWDomRGR%UDVLO
HRPRWLYRGHVHXRVWUDFLVPR.
O texto $FRQMXQWXUDRVHWRUSULYDGRHRFDPLQKREUDVLOHLURDRVRFLDOLVPR
em Ignacio Rangel, de Elias Jabbour, tem por objetivo a tentativa de atualização
das ideias de Ignacio Rangel no Brasil contemporâneo.
O texto está dividido em cinco partes. Na primeira o autor discute a taxa
de investimento e o setor privado no período pós-Plano Real. Defende que o setor
SULYDGRpLPSRUWDQWHSDUDRGHVHQYROYLPHQWRGRSDtVPDVQmRFRPRXPÀPHP
si. Em seguida, aborda capital estatal e capital privado na complexa formação
social brasileira, defendendo que o socialismo brasileiro será construído a
partir do FDSLWDOLVPR GH (VWDGR por meio de um 1RYR 3URMHWR 1DFLRQDO GH
'HVHQYROYLPHQWRVHQGRTXHHVVH131'GHYHUiQDVFHUFRPRFDSLWDOÀQDQFHLUR
nacional e, por conseguinte, não prescinde da unidade de contrários entre o
grande conglomerado privado e sua congênere estatal.
Na terceira parte, o autor discute a reorganização das atividades
econômicas sob a estratégia do NPND. Em resumo, Jabbour defende que o
VLVWHPD ÀQDQFHLUR EDQFRV SULYDGRV H HVWDWDLV H EROVD GH YDORUHV GHYHVH
fundir com a grande empresa, viabilizando a reprodução ampliada e o próprio
FDSLWDOLVPR QDFLRQDO VXEVWLWXLQGR IRUPDV DUFDLFDV GH ÀQDQFLDPHQWR SHOD YLD
do endividamento externo e da simples utilização de recursos do tesouro e do
D
D 30
RUoDPHQWRJDUDQWLQGRRÀQDQFLDPHQWRGR131'
Na quarta parte, seguindo o caminho de construção do NPND, o autor
propõe um 1RYRSDSHOGR(VWDGR, qual seja, a institucionalização do monopólio
estatal sobre as instituições que gerenciam os instrumentais macroeconômicos.
Ou seja, o Estado exercerá centralidade numa estratégia de fortalecimento dos
conglomerados nacionais (estatais e privados), conformando uma teia onde
pulsarão os dois elementos constituidores de uma forte nação moderna: grandes
empresas baseadas e fundidas com um poderoso sistema de intermediação
ÀQDQFHLUD
3RU ÀP GLVFXWHVH D UHYROXomR EUDVLOHLUD QR GHVHQYROYLPHQWR QD TXDO
DÀUPDTXHDHVWUDWpJLDGR131'pGHVXPDLPSRUWkQFLDSDUDDFRQVWUXomRGR
socialismo no Brasil.
Thiago Mitidieri, no texto ,JQDFLR 5DQJHO H R SUREOHPD GD LQÁDomR QD
PDFURHFRQRPLDEUDVLOHLUDGDLQGXVWULDOL]DomR, discute o livro $LQÁDomREUDVLOHLUD,
SXEOLFDGRSRU5DQJHOHPIRFDQGRRVWUrVREMHWLYRVSULQFLSDLVGDUHVSHFWLYD
obra: fazer uma análise estrutural da economia brasileira, ser uma crítica do
Plano Trienal e traçar as linhas gerais para uma política econômica alternativa.
Segundo o autor, $ LQÁDomR EUDVLOHLUD p XP SURGXWR GD UHÁH[mR GH
Rangel nas circunstâncias políticas em que se encontrava o país naquele
PRPHQWR VLWXDGR QXP LQWHUUHJQR FUtWLFR HQWUH R ÀP GR FLFOR SURPRYLGR SHOR
3ODQRGH0HWDVHRJROSHPLOLWDUHPFRPDHFRQRPLDSUHVVLRQDGDSHOD
DFHOHUDomRLQÁDFLRQiULDGHXPODGRHDUHFHVVmRSRURXWURWXGRLVVRDPSOLÀFDGR
pelo desejo popular de se avançar no processo de modernização da estrutura
socioeconômica brasileira.
Para Mitidieri, $LQÁDomREUDVLOHLUD é essencialmente uma obra com um IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
objetivo político. Ao demonstrar os equívocos teóricos que fundamentavam o
GLDJQyVWLFRGR3ODQR7ULHQDOVREUHRSUREOHPDGDLQÁDomR5DQJHOGHVHQYROYHX
conceitos originais e fez abordagens inovadoras sobre a estrutura e funcionamento
da economia brasileira.
Em 5DQJHOHD*HRJUDÀDDOJXPDVFRQVLGHUDo}HV, de José Messias Bastos,
FRQWD FRPR ,JQDFLR 5DQJHO VH DSUR[LPRX GD JHRJUDÀD EUDVLOHLUD QR FRQWH[WR
da crise estrutural da década de 80, através de debates, cursos, conferências
HWF $ SDUWLU GH HP SUDWLFDPHQWH WRGRV RV DQRV HVWHYH HP )ORULDQySROLV
GHEDWHQGRQD6HPDQDGH*HRJUDÀDPLQLVWUDQGRFXUVRHSDUWLFLSDQGRGHEDQFD
QR3URJUDPDGH3yVJUDGXDomRHP*HRJUDÀDGD8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH6DQWD
Catarina (PPGG-UFSC) ou concedendo entrevista para a Revista Geosul no
D
D 31
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 32
Entrevista com Ignacio Rangel
em São Luís, Maranhão
O entrevistado
D
D 33
IIGNACIO RANGEL,
avocações
Ignacio Rangel em São Luís*
%DQGHLUD7ULEX]L
&RQÀVV}HVGH,JQDFLR5DQJHO*
9DPLUHK&KDFRQ
*
Publicado originalmente no jornal Correio Brasiliense, Brasília-DF, 6 de janeiro de 1992 e gentil-
mente cedido por Rossini Correia, organizador do livro “Canção d’amigo para Ignacio Rangel: pequeno
almanaque comemorativo do seu primeiro centenário”.
D
D 38
Moreira, entre muitos. Uma das questões consiste em saber se os marxistas
continuaram internacionalistas num ambiente em que o nacionalismo
HFRQ{PLFRDXWDUTXL]DQWHHUDRGHQRPLQDGRUFRPXPHQWUHWDQWDVGLYHUVLÀFDGDV
procedências. Uma espécie de nacional-socialismo, termo evitado no Brasil
por suas conexões racistas alemãs, no caso brasileiro um nacional-estatismo
desenvolvimentista com toques sindicalistas a que não faltaram, na prática,
PXLWRVFRUSRUDWLYLVPRVRÀFLDOL]DGRVSRU*HW~OLR9DUJDVFRP-RmR*RXODUWFRPR
EHQHÀFLiULR
Todo esse modelo vem sendo posto em questão. O próprio Marx
apontava, com uma das missões da burguesia internacionalizar o capital,
criando um mercado mundial. É na ex-União Soviética a fórmula estatizante
jamais conseguiu socializar-se, seus adeptos estão agora prometendo outra
tentativa, da próxima vez sem Stálins, como se eles não fossem produtos dos
/rQLQV20DU[TXHVREUHYLYHUiWHQGHDVHURMRYHP0DU[ÀOyVRIRKHJHOLDQRQmR
o inimigo do socialismo humanista de Proudhon e do anarquismo de Bakunin
que, para combatê-los, teve de começar a criação de uma máquina burocrática,
daí em diante em marcha tirânica, irreversível porque sem contrapesos internos
ou externos.
( QR %UDVLO R GHVDÀR WHFQROyJLFR QmR SRGH YHUVH UHVSRQGLGR SRU
repartições públicas. Ao Estado terá de caber a ajuda indireta mediante
ÀQDQFLDPHQWRVHQTXDQWRLQYHVWLPHQWRHSURWHFLRQLVPRDGXDQHLUROLPLWDGRQR
tempo, para evitar mais outro parasitismo.
Mesmo assim continua interessante e importante a visão dualista do
Brasil por Ignacio Rangel, ao mesmo tempo capitalista e feudal, uma síntese das
perspectivas de Caio Prado Júnior e Paulo Cavalcanti outro em polêmica.
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Ignacio Rangel*
0DUFHOR0LWHUKRI
*
Este artigo foi publicado originalmente pelo autor no jornal Folha de São Paulo, dia 9 de maio de
2013, o qual foi gentilmente cedido pela empresa Folha da Manhã S/A para este livro.
D
D 40
3DUD5DQJHODLQÁDomRWLQKDRXWUDIRQWHGHDFHOHUDomRXPDHVWUXWXUDGH
mercado cartelizada, que elevava seus lucros espremendo tanto os consumidores
ÀQDLVTXDQWRRVSURGXWRUHVHPHVSHFLDOQRVEHQVDJUtFRODV&RPRDSURFXUDGH
alimentos é pouco elástica, o aumento de seus preços fazia cair o consumo de
outros bens pelos assalariados, aprofundando a recessão.
0DVDLQÁDomRHUD~WLO$RSHQDOL]DUDOLTXLGH]LQFHQWLYDYDLPRELOL]Do}HV
–tanto pela antecipação da compra de bens duráveis pelos mais ricos quanto em
investimentos incrementais – quando um ciclo de mudança estrutural dava sinais
de excesso de capacidade.
Essa imobilização especulativa mitigava a recessão e permitia alinhar as
condições institucionais e o planejamento dos investimentos que fariam parte da
nova fase de expansão industrial.
5DQJHO QmR YLWXSHUDYD FRQWUD D LQÁDomR PDV WDPSRXFR DGHULX D HOD
sabendo que seu papel foi circunstancial. A retomada do desenvolvimento viria
pela realização de aperfeiçoamentos institucionais que o novo status de nação
LQGXVWULDOH[LJLD3DUDLVVRRFDSLWDOÀQDQFHLURSUHFLVDYDVHLQWHJUDUDRLQGXVWULDO
o que permitiria melhor coordenar os investimentos, algo que o país ainda está
longe de ter.
Também estava claro que a capacidade de expandir a infraestrutura por
meio de empresas públicas tinha se esgotado. Rangel tinha apontado nos anos
TXHHVVHPRGHORHUD~WLOPDVHVEDUUDULDQDOLPLWDomRGHHQGLYLGDPHQWRGD
8QLmRRTXHÀFRXSDWHQWHQRLQtFLRGRVDQRV(QWmRHUDSUHFLVRUHJHQHUDURV
sistemas de garantias, o que envolvia mudar o direito das concessões e realizar
privatizações.
+RMHDLQIUDHVWUXWXUDQR%UDVLOVHH[SDQGHSRUPHLRGR´SURMHFWÀQDQFHµ
HPTXHVRFLHGDGHVGHSURSyVLWRVHVSHFtÀFRVFRPFRQWUROHSULYDGRÀQDQFLDPRV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
projetos com base na receita esperada. Nisso, a ideia de Rangel vingou.
Rangel não se furtava a mudar de posição, mas sem trocar uma crença
idealizada no desenvolvimentismo e na cooperação por outra igualmente idealizada
no liberalismo e na competição. Ele se manteve de esquerda e heterodoxo.
Isso não o impediu de transigir em questões concretas, defendendo que
DLQGXVWULDOL]DomRSDUDVHYLDELOL]DUSUHFLVRXGDHOLWHDJUiULDHTXHDLQÁDomRQmR
HUDXPPDODEVROXWR4XDQGRRSURMHWRLQGXVWULDOPRVWURXVLQDLVGHHVJRWDPHQWR
defendeu as privatizações, antes de elas virarem uma efetiva bandeira liberal.
É possível discordar de Rangel em vários pontos, mas, houvesse mais
economistas como ele, a economia avançaria bem mais, tanto como teoria quanto
na política.
D
D 41
II
IGNACIO RANGEL,
conjunções
O centenário da usina do pensamento:
Ignacio Rangel, a capacidade de
decisão e o santo de casa
5DLPXQGR3DOKDQR
3DUD-KRQDWDQH(UQHVWR$OPDGD
QRYR H UHFpPQDVFLGR SHOD FRQVWUXomR GH
´XPPXQGRVyµ
D
D 45
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
pensamento econômico e social latino-americano. Tal fato, longe de desmerecer,
atribui às interpretações passadas e presentes um extraordinário mérito:
justamente o de terem evidenciado a necessidade do preenchimento de várias
ODFXQDV2TXHFRQVWLWXLVHPG~YLGDXPQRYRGHVDÀRjFDSDFLGDGHGDVQRYDV
gerações de economistas e cientistas sociais brasileiros.
,QFRUSRUDQGR R SRQWR GH YLVWD GH 5LFDUGR %LHOVFKRZVN\ HP VHXV
HVWLPXODQWHV WUDEDOKRV VREUH R KRPHQDJHDGR R ´SULQFtSLR RUJDQL]DGRUµ GR
pensamento de Rangel é a sua Tese da Dualidade.
Trata-se de engenhosa construção analítica que articula contribuições do
materialismo histórico marxista, de economistas clássicos como A. Smith, de J.M.
.H\QHVGDWHRULDGRVFLFORVHGDVFULVHVGH/.RQGUDWLHIIH-XJODUjIRUPDomR
HFRQ{PLFDEUDVLOHLUDQRLQWXLWRGHHQWHQGHUVXDGLQkPLFDHHVSHFLÀFLGDGHVD
SDUWLUGDFRQMXJDomRGHGRLVSRORVGHÀQLGRUHVXP´LQWHUQRµDWUDVDGRHRXWUR
´H[WHUQRµFDSLWDOLVWD
4XDQGRDUHGLJLXRULJLQDOPHQWHHPRDXWRUGD7HVHGD'XDOLGDGH
WLQKDDQRV(PFRPDOJXQVUHWRTXHVIRLSXEOLFDGDSHODSULPHLUDYH]
Inscreve-se como uma resposta penetrante de Rangel ao tema focal colocado à
VXDJHUDomRFODULÀFDURVLJQLÀFDGRGDTXHVWmRDJUiULDSDUDRGHVHQYROYLPHQWRGR
país e a maneira em que se daria a revolução brasileira, no sentido da evolução
e superação do capitalismo.
(PPDLVVHJXURGDYDOLGDGHGHVXDVSUHPLVVDV5DQJHOSXEOLFD
na Revista de Economia Política - REP 1 (4), out./dez., o artigo “A História
GD 'XDOLGDGH %UDVLOHLUDµ QR TXDO FRP H[WUDRUGLQiULD FODUH]D GHVHQYROYH
apropriadamente, as articulações entre a dinâmica da Dualidade e os princípios
teóricos de Kondratieff.
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
O resultado último desse esforço intelectual foi a construção de uma
verdadeira teoria do desenvolvimento brasileiro, algo inédito no tempo em que foi
esboçada e, ainda hoje, extremamente raro nos quadros da produção acadêmica
sobre economia, no Brasil.
3DUD HIHLWRV DQDOtWLFRV YDOH OHPEUDU VmR FODVVLÀFDGDV HP FLQFR DV
grandes teses de Rangel, expressões de suas interpretações sobre a economia
brasileira, a teoria econômica e o desenvolvimento econômico, social, político,
FODVVLÀFDomRHVWDFRQVWUXtGDSRUHVWXGLRVRVGRVHXSHQVDPHQWRFRPR0RQWHLUR
GH&DVWUR%HOVFKRZVN\*XLGR0DQWHJD'DYLGRII&UX]7ROPDVTXLPHQWUHRXWURV
[1] Tese da Dualidade Básica, que conjuga e sistematiza as leis gerais
da formação histórica (em Marx), à estrutura e funcionamento da economia
brasileira;
D
D 47
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
[2] Tese da Dinâmica Capitalista, que articula as teorias dos ciclos, das
crises e a questão tecnológica ao movimento da economia brasileira e mundial;
>@7HVHGD,QÁDomR%UDVLOHLUDFRQWLGDHPVHXIDPRVROLYURGRPHVPR
nome, transformada, pela sua densidade analítica, nível de formulação e grau de
XQLYHUVDOLGDGHHPXPDYHUGDGHLUDWHRULDGD,QÁDomRIHLWRLQLJXDOiYHOQDKLVWyULD
do pensamento econômico brasileiro;
>@ 7HVH GD 4XHVWmR $JUiULD TXH LQWHUSUHWD RV GHWHUPLQDQWHV GD FULVH
agrária brasileira e suas consequências para o desenvolvimento do capitalismo
no Brasil;
[5] Tese sobre a Intervenção do Estado e Planejamento, que analisa
o valor do planejamento do setor público como fator de equilíbrio econômico
global e de redução de ociosidades setoriais na economia, campo este do qual
VHYDOHSDUDGHPRQVWUDURVLJQLÀFDGRSRVLWLYRGHXPYLJRURVRVLVWHPDÀQDQFHLUR
mobilizador de recursos ociosos para os setores produtivos, com ênfase nos
investimentos em serviços de utilidade pública e infraestrutura.
D
D 48
O intelectual a serviço da capacidade de decidir
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 50
Rangel: um tesouro a descobrir no Maranhão
&RQÀUPDQGRRGLWRSRSXODU´VDQWRGHFDVDµQmRRSHUDPLODJUHV5DQJHO
continua sendo um ilustre desconhecido entre os seus conterrâneos. Círculos
UHVWULWtVVLPRV SRVVXHP DOJXPD LQIRUPDomR VREUH R SHQVDGRU 2 GHVDÀR GH
popularizar a sua contribuição à cultura local e nacional ainda permanece
atual, a despeito dos muitos esforços já feitos por admiradores e seguidores
maranhenses, com o objetivo de desmentir o adágio popular.
Com efeito, desde o início dos anos 80 do século anterior, um grupo de
economistas e representantes de outras áreas das ciências sociais, vinculados
ao ex-Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) e ao Departamento de
Economia da Universidade Federal do Maranhão, vêm promovendo e divulgando
a obra de Ignacio Rangel no Estado.
(P KRXYH R SULPHLUR FRURDPHQWR GDTXHOD LQLFLDWLYD 5DQJHO
passou a ter seu nome em salas do IPES e Departamento de Economia/UFMA,
emprestando-o também aos concludentes do curso de Especialização em
Economia do Setor Público.
0DLV WDUGH IRL DJUDFLDGR FRP R WtWXOR GH ´(FRQRPLVWD GR $QRµ SHOR
Conselho de Economia do Maranhão, acontecendo uma grande cobertura da
mídia na ocasião de sua passagem por São Luís.
A partir daí tornou-se um colaborador regular da revista FIPES, do IPES.
1R '(&218)0$ QR LQtFLR GRV DQRV LPSODQWRXVH XP SURMHWR
visando estudos sobre desenvolvimento econômico que levou seu nome, tendo
como um dos seus objetivos preservar a documentação e a memória intelectual
do autor. IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Além disso, realizou-se um convênio tripartite, envolvendo UFMA, IPES
HR6HUYLoRGH,PSUHQVDH2EUDV*UiÀFDVGR0DUDQKmR6,2*(TXHVHSURS{V
DGHVHQYROYHUXPDOLQKDHGLWRULDOGHQRPLQDGD´&ROHomR,JQDFLR5DQJHOµFXMR
sentido era difundir, através de livros, a obra do economista.
Os frutos daquele trabalho de divulgação apareceram ainda mais nítidos
HP VHQGR R VHX QRPH ODQoDGR D XPD YDJD QD $FDGHPLD 0DUDQKHQVH
de Letras, por iniciativa de intelectuais e literatos da terra, e o Governo do
Maranhão, por intermédio da Secretaria de Cultura, evidenciando seu interesse
em conceder-lhe uma comenda, pelo valor de sua contribuição cultural ao Brasil
e ao Maranhão.
D
D 51
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 52
UHVSHLWRVDPHQWHGH´PHVWUHµ$ULPDWpLD&LVQHFRPTXHPDSUHQGHX/DWLPDOpP
de outros fora do ambiente intelectual, como João Vasconcelos Martins e Caio
&DUYDOKRGLUHWRUSUHVLGHQWHHFKHIHGRHVFULWyULRGDÀUPD0DUWLQV,UPmRV &LD
sua primeira e grande escola de aprendizagem da ciência econômica.
$SHVDUGHWHUFRQVWUXtGRXPGRVPDLVFRPSOH[RVHVRÀVWLFDGRVVLVWHPDV
explicativos do desenvolvimento da formação social brasileira, presente na
7HRULDGD'XDOLGDGH%iVLFDRÀRGH$ULDGQHGHVXDREUDFRPRFRVWXPDYDGL]HU
Rangel jamais confundiu a ciência econômica com os fundamentos do equilíbrio
neoclássico, ou com as matemáticas, ou com a econometria, tendência esta,
segundo alguns, uma das mais importantes causas do empobrecimento do
SHQVDPHQWR HFRQ{PLFR EUDVLOHLUR QRV ~OWLPRV DQRV UHÁHWLGR QD FULVH H QD
decadência por que passam as escolas e faculdades de economia.
O desenvolvimento capitalista criou uma enorme periferia, da qual
R %UDVLO EXVFD VDLU D WRGR FXVWR WHQGR DQWHV TXH VXSHUDU GpÀFLWV KLVWyULFRV
de infraestrutura e de desigualdades. Para decifrar o país, seus problemas e
crises, não basta examinar o desenvolvimento econômico como se observa o
comportamento dos modos de produção clássicos. É fundamental antes de tudo
TXHVHGHFLIUHDGLQkPLFDHDVHVSHFLÀFLGDGHVGDSHULIHULDHGHVXDVUHODo}HV
FRPRVSDtVHVFHQWUDLVGRFDSLWDOLVPRDÀUPDYD5DQJHO
'R LQtFLR GRV DQRV DWp PHDGRV GRV DQRV GR VpFXOR DQWHULRU
quando vem a falecer, Ignacio Rangel foi quem melhor explicou os fundamentos
da formação social e do desenvolvimento econômico do Brasil, de maneira
DUWLFXODGDHO~FLGDGHQWURGHXPHVFRSRWpFQLFRFLHQWtÀFR
A despeito da conspiração do silêncio e dos impactos produzidos pelo
SURFHVVR GH JOREDOL]DomR HFRQ{PLFD H ÀQDQFHLUD VXDV WHRULDV FRQWLQXDP
plenamente válidas e assim permanecerão por muito tempo, pois não se trata IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
de uma contribuição datada e localizada e sim de uma obra que agrega valores
imensuráveis ao pensamento humano.
Em sua última visita a São Luís, falando a um grupo de admiradores,
HQWUHPRGHVWRHRUJXOKRVRFKHJRXDDÀUPDU´3DUHFHTXHHQÀPPLQKDYR]
ID]HFRµ
Não temos dúvidas que os ecos da presença rangeliana no Maranhão
existem, ainda que difusos, aqui e ali. É também verdadeiro admitir que são
ecos muito tênues, fracos, distantes, ainda privilégio de restritíssimos grupos
sociais bem informados presentes no meio maranhense, portanto muito aquém
do esperado como divulgação para uma obra seminal como a do brilhante
economista.
D
D 53
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Mesmo nos dias que correm, é possível perceber, nos círculos culturais e
sociais mais institucionalizados e destacados da maranhensidade, que Ignacio
5DQJHODLQGDQmRIRLSOHQDPHQWHGHVFREHUWRÀJXUDQGRSDUDPXLWRVFRPRPDLV
um nome a integrar o pantheon de barro em que se transformou a memória
cultural maranhense.
Trata-se pois de um tesouro que precisa ser descoberto pelas escolas
GHHFRQRPLDVRFLRORJLDSROtWLFDJHRJUDÀDHKLVWyULDGHVWH(VWDGRHWDPEpPGR
País, sobretudo pelos seus estudantes, para quem Rangel tinha uma verdadeira
predileção, pois acreditava que seriam eles os fecundadores das sementes de
um novo Brasil.
D
D 54
humanidade viria a ser plenamente evoluída e feliz.
A maior de todas as suas utopias: a certeza de que todos os povos da
7HUUDFDPLQKDULDPSDUDXPDFRPXQLGDGH~QLFD²SDUD´8P0XQGR6yµ
$ÀUPDPRVQRGLDGRODQoDPHQWRGDV´2EUDV5HXQLGDVµTXH5DQJHOQmR
havia morrido.
Estava vivo e pulsando nas páginas do referido livro.
Estava mais belo do que nunca porque ressuscitara por mãos femininas,
como as de Liudmila e Ana Rangel, sua sobrinha e de muitas outras que ali se
encontravam.
Encerramos nosso pronunciamento com uma alegoria, que bem
representa a alma ignaciana.
Não seria surpresa para nós, se, ao chegarmos em nossos lares, o
Velho, de beijos e abraços com Aliete, sua inspiradora e combativa esposa, José
/XFDV H $OEHUWR REVHUYDGRV SRU 6RORQ 6\OYLR 3DXOR GH -HVXV (YDQGUR /XFDV
Celso Augusto, José Aldo e Dirceu Carmelo nos mandasse, como presentes por
aquela festa comovente, uma bússola, um compasso, um relógio e uma régua de
FDOFXODURVPHVPRVTXHGHUDGHSUHVHQWHSDUDRVÀOKRV-RVp/XFDVH/LXGPLOD
quando fazia o curso da CEPAL no Chile.
Seria, sem nenhuma dúvida, mais um convite desse bravo “sobrevivente
GD GLJQLGDGH QHVWHV WHPSRV GH FDQDOKLFH RUJDQL]DGDµ FRPR GLULD 5RVVLQL
Corrêa, para não desistirmos de decifrar e reinventar o Brasil.
Rangel foi um caminhante incansável que se fez ao caminhar.
Autodidata, estudou, com rigor, História e Economia. Cursou Direito na
antiga Faculdade de São Luís. No imediato pós-guerra radicou-se no Rio de Janeiro, IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
RQGH SHUPDQHFHX DWp R ÀQDO GH VXD YLGD $WXRX LQLFLDOPHQWH FRPR MRUQDOLVWD
tendo sido secretário da United Press e como tradutor e, posteriormente, como
jurista, historiador e, principalmente, como economista.
A partir dos anos 50 esteve presente, lúcida e ativamente, nas instituições
e nas trincheiras de luta pelo desenvolvimento nacional, a saber: Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), hoje BNDES, Comissão Econômica
para a América Latina (CEPAL), Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),
Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), Assessorias de
Vargas e Goulart, Plano de Metas de Juscelino, Clube dos Economistas, Conselho
Regional de Economia do Rio de Janeiro, Instituto de Economistas do Rio de
Janeiro (IERJ) e, por último, na Academia Maranhense de Letras.
D
D 55
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
literária;
4.Há o Rangel militante. Tanto aquele que optou pela militância intelectual
como uma forma de atuação, como o militante político, autêntico e
GHVWHPLGR$TXLWDPEpPVXDELRJUDÀDpH[SUHVVLYD&RPDSHQDVDQRV
SDUWLFLSRX HP 6mR /XtV GR PRYLPHQWR GH GH RXWXEUR GH (P
meados daquela década integrou a ANL. Como consequência do levante
GHSHJRXGRLVDQRVGHSULVmRHHPVHJXLGDDQRVGH´GRPLFtOLR
FRDFWRµGHGRPLFLOLRIRUoDGRHP6mR/XtVSURLELGRSRUWDQWRGHDWUDYHVVDU
os Mosquitos e de outros direitos fundamentais, como o de tornar público
o seu pensamento. Igualmente notável sua militância na burocracia e
planejamento governamentais. Atuou e ajudou a construir instituições
básicas ao desenvolvimento brasileiro do pós-Segunda Guerra, como
GHVWDFDGRDQWHULRUPHQWHQHVWHWH[WR'RLQtFLRGRVDQRVDWp
Rangel ocupou posição privilegiada nos principais centros de decisão
econômica do Brasil. Ele próprio escreveu, deixando evidente sua peculiar
PRGpVWLDQDLQWURGXomRGHVHXOLYUR´(FRQRPLD0LODJUHH$QWL0LODJUHµ
“Fui testemunha atenta de fatos importantes de nossa história por pura
VRUWHPLQKDµ
5.Há ainda o Rangel missionário. O Rangel conselheiro. O Rangel profeta.
Neste particular, aliás, ele se caracterizou como um analista que se
houve sempre bem como antecipador dos desdobramentos históricos da
economia brasileira;
6.Há ainda um Rangel muito especial, do qual Ignacio Rangel se orgulhava
muito. O Rangel funcionário público. Aquele que tem a consciência e
YHUGDGHLUD QRomR GR TXH VLJQLÀFD VHU XP VHUYLGRU S~EOLFR 2 KRPHP
íntegro que não foi seduzido pelas alturas, preferindo semear na planície. O IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
cidadão que soube dizer sim, quando era para dizer e disse não, quando foi
preciso. Instado pelo então presidente Goulart, no dia em que completava
seus 50 anos, de vida, a escolher entre os cargos de Ministro Extraordinário
da Moeda e do Crédito, a SUMOC, hoje Banco Central, Rangel, honrado
e agradecido, recusou o convite, demonstrando ao Presidente que seria
mais útil ao país continuando como servidor público, temeroso do poder
imobilizador da alta burocracia e, como ele mesmo confessaria, da crise
que cercava o Governo Goulart naquele momento.
Sua produção intelectual é vasta, não se limitando apenas a livros e
PRQRJUDÀDV HQVDLRV H DUWLJRV )RL UHVSRQViYHO SRU FRSLRVD HODERUDomR GH
pareceres técnicos, planos de desenvolvimento, projetos institucionais e tantos
outros.
D
D 57
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
7RPDQGRSRUEDVHDELEOLRJUDÀDRUJDQL]DGDSRU*LOEHUWRGH&DUYDOKRH
)HUQDQGR 3LQWR GH ´/LWHUDWXUD (FRQ{PLFDµ FRUUHVSRQGHQWH DR SHUtRGR
DPSOLDGD H DWXDOL]DGD DWp ÀQV GRV DQRV SHOR DXWRU GHVWH WH[WR
através de levantamentos em outras fontes, são estes os livros e principais textos
avulsos de Rangel:
>@ ´$ 'XDOLGDGH %iVLFD GD (FRQRPLD %UDVLOHLUDµ HODERUDGD HP
apresentada à Assessoria Econômica da Presidência da República e publicada
HPQR5LRSHOR,6(%
>@´(O'HVDUROOR(FRQRPLFRHQ%UDVLOµGHPRQRJUDÀDGHFRQFOXVmR
de curso na CEPAL;
>@ ´,QWURGXomR DR (VWXGR GH 'HVHQYROYLPHQWR (FRQ{PLFR %UDVLOHLURµ
FRQIHUrQFLDV SURQXQFLDGDV HP QR ,%(63 H SXEOLFDGDV HP SHOD
Livraria Progresso de Salvador-BA;
>@ ´'HVHQYROYLPHQWR H 3URMHWRµ GH WUDEDOKR GHFRUUHQWH GH VXD
passagem pelo Departamento Econômico do BNDE;
>@ ´(OHPHQWRV GH (FRQRPLD GR 3URMHWDPHQWRµ FXMD SULPHLUD HGLomR p
GH SURGXWR GH FXUVR PLQLVWUDGR QD )DFXOGDGH GH &LrQFLDV (FRQ{PLFDV
da Universidade da Bahia, obra pela qual Rangel reserva grande apreço, tendo
merecido edição da Editora Bienal, de São Paulo;
>@ ´9LVmR GR 'HVHQYROYLPHQWR H GD (FRQRPLD %UDVLOHLUD 3URJUDPD H
3ROtWLFD²23URJUDPDGH0HWDV(FRQ{PLFDVGR*RYHUQRµGHSXEOLFDGD
no Rio pelo BNDE;
>@ ´5HFXUVRV 2FLRVRV QD (FRQRPLD 1DFLRQDOµ GHFRUUrQFLD GH DXOD
LQDXJXUDOSURIHULGDHPQR,6(%
>@´$SRQWDPHQWRSDUDR6HJXQGR3ODQRGH0HWDVµGHSXEOLFDGR
pelo CONDEPE, Recife-PE;
>@´$4XHVWmR$JUiULD%UDVLOHLUDµGHIUXWRGDVDQiOLVHVHUHÁH[}HV
desenvolvidas em grupo de trabalho pela Presidência da República, visando
apontar soluções ao problema agrário brasileiro, publicado pelo Conselho de
Desenvolvimento da Presidência da República, no Rio de Janeiro-RJ;
>@´$,QÁDomR%UDVLOHLUDµRULJLQDOPHQWHGHHGLWDGRSHOD7HPSR
Brasileiro, reeditado posteriormente pela Zahar, Brasiliense e Bienal, estando
próximo da 10ª edição, sendo o trabalho mais divulgado de Rangel e hoje um
clássico do pensamento econômico brasileiro;
>@´5HFXUVRV2FLRVRVH3ROtWLFD(FRQ{PLFDµGHSXEOLFDGDSHOD
D
D 58
HUCITEC, São Paulo, compreendendo uma reedição revista dos trabalhos
´5HFXUVRV 2FLRVRV QD (FRQRPLD 1DFLRQDOµ H ´$SRQWDPHQWRV SDUD R 6HJXQGR
3URJUDPDVGH0HWDVµDWXDOPHQWHQDHGLomR
>@ ´&LFOR 7HFQRORJLD H &UHVFLPHQWRµ GH UHXQLmR GH DUWLJRV
FRQIHUrQFLDVHWH[WRVSURGX]LGRVHQWUHSXEOLFDGRSHOD&LYLOL]DomR
Rio (RJ);
>@´(FRQRPLD0LODJUHH$QWL0LODJUHµGHLQWHJUDQWHGDFROHomR
´2V $QRV GH $XWRULWDULVPRµ GD =DKDU (GLWRUD 5LR GH -DQHLUR5- DERUGDQGR D
economia brasileira durante o regime militar;
>@ ´(FRQRPLD %UDVLOHLUD &RQWHPSRUkQHDµ GH UHXQLQGR WH[WRV
selecionados, publicados em jornais e revistas de circulação nacional, período
GHDSXEOLFDGRSHOD(GLWRUD%LHQDO
$LQGD QD ELEOLRJUDÀD RUJDQL]DGD SHORV DXWRUHV D TXH QRV UHIHULPRV
anteriormente, estão arrolados, como contribuição intelectual de Rangel:
>@ WUDEDOKRV SXEOLFDGRV HP SHULyGLFRV GH UHQRPH QR FDPSR GD
Economia e das Ciências Sociais, tais como Digesto Econômico, Cadernos do
Nosso Tempo, Desenvolvimento e Conjuntura, Revista do BNDE, Revista da
Civilização Brasileira, Estudos CEBRAP, Revista Agrária, Ensaios FEE e Revista de
Economia Política;
[7] trabalhos de fôlego, como contribuição em coletâneas organizadas por
HQWLGDGHVFXOWXUDLVHFLHQWtÀFDVFRPRR,6(%D8)0*D(GLWRUDGRV(QFRQWURV
FRPD&LYLOL]DomR%UDVLOHLUDHR&RQVHOKR1DFLRQDOGH'HVHQYROYLPHQWR&LHQWtÀFR
e Tecnológico;
[3] teses sobre o pensamento de Ignacio Rangel, elaboradas por
Manoel Francisco Pereira (EASP/FGV/SP), Paulo Davidoff (UNICAMP) e Ricardo IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
%LHOFKRZVN\HPFXMDWHVHGHGRXWRUDGRGHIHQGLGDQD8QLYHUVLGDGHGH/HLFHVWHU
,QJODWHUUDÀJXUDPFDStWXORVVREUHDFRQWULEXLomRGH5DQJHO
Destacam-se mais dois trabalhos acadêmicos: a dissertação de F.J.C.
de Carvalho (IFCH/UNICAMP) e o texto de Mauricio Tiommo Tolmasquim, estes
sobre os ciclos na obra de Rangel, elaborado para o curso de Teoria e História
GDV &ULVHV GH 5 %R\HU QD eFROH GH +DXWHV (VWXGHV HW +LVWRLUH HP 6FLHQVHV
Sociales, de Paris.
Nos últimos anos de sua vida tornou-se colaborador assíduo dos
principais jornais brasileiros, entre os quais a Folha de São Paulo e o Jornal de
Brasília, onde veiculava sua produção.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
6HJXQGRQRVVRVGDGRVVyQD)ROKDHQWUHH5DQJHOSXEOLFRX
DUWLJRVDVDEHUDUWLJRVDUWLJRVDUWLJRV
DUWLJRVDUWLJRVDUWLJRVDUWLJRV
(23 artigos), perfazendo, no período uma média de quase 3 artigos novos por
mês.
Não menos volumosa foi sua contribuição, nos últimos anos, a jornais e
revistas especializadas em economia, tanto de projeção nacional quanto regional
e estadual. São artigos, ensaios, entrevistas, veiculados pela grande imprensa e
periódicos dos grandes centros do sul e de outras regiões brasileiras.
Adicionem-se a isto as crescentes solicitações a Rangel, provenientes
das mais variadas instituições sociais e culturais do país, e até de universidades
estrangeiras, interessadas em ouvir suas conferências, palestras e depoimentos.
$GHVSHLWRGHVXDVSURSRUo}HVFRQVLGHUiYHLVDLQGDpYDVWDDELEOLRJUDÀD
de Rangel que permanece inédita ou desconhecida. São pareceres, relatórios
técnicos, estudos e projetos, referentes a questões econômicas dos anos
H SHUtRGR HP TXH GHVHPSHQKRX IXQo}HV GHFLVLYDV QD EXURFUDFLD
governamental e militou nas instituições estratégicas, na formulação de idéias
sobre o desenvolvimento do Brasil.
Em 2005, por iniciativa de César Benjamim, a Editora Contraponto editou
DV´2EUDV5HXQLGDVµGH,JQDFLR5DQJHOGLYLGLGDVHPGRLVYROXPHV29ROXPH
UHXQLQGRDWHVHTXHRDXWRUGHIHQGHXQD&(3$/OLYURVHPRQRJUDÀDVDRWRGR
oito títulos essenciais de sua produção intelectual. O Volume 2 compreende
FROHWkQHDVGHDUWLJRVHODERUDGRVHQWUHHDOpPGHDUWLJRVDYXOVRV
TXH YmR GH D SRUWDQWR DWp RV GRLV DQRV TXH DQWHFHGHUDP D VXD
morte.
Apesar do hercúleo esforço de César Benjamin, Márcio de Castro e
Liudmila em reunir a obra completa de Rangel, com certeza uma nova incursão
em fontes ainda inéditas poderá fazer emergir textos e contribuições do autor
espalhadas por esse imenso país, sob guarda de seus amigos e admiradores.
1DYHUGDGHRPpULWRPDLRUGRVRUJDQL]DGRUHVGHVWDV´2EUDVµUHVLGLXQRIDWRGH
terem recolhido e juntado tesouros que se encontravam dispersos e que faziam
uma falta enorme ao patrimônio cultural da nação, em especial à sua ciência
econômica.
D
D
Rangel e a penumbra
2PHOKRUGRWHPSRpRVRO$SHQXPEUDpXPWHPSRLQGHÀQLGRFUHSXVFXODU
sombrio. O sol levanta e movimenta. A penumbra convida a permanecer. O Brasil
visto de longe parece um sol imortal. O país de perto tem muitas sombras. O
Maranhão muitas noites. Rangel é o sol vagueante que precisa ser encontrado
para clarear noites e sombras.
Vivemos em um universo de poucas luzes, sobretudo o maranhense,
que sobrevive das ilusões de um passado distante, muitas vezes eivado de
mentiras e falsidades, e das miragens cotidianas, completamente ilusórias. Por
LVVRVmRHVFDVVDVDVELRJUDÀDVTXHPHUHFHPGHYHUGDGHUHFHEHUKRPHQDJHQV
centenárias, solares. Tudo e todos estão cada vez mais líquidos, pastosos,
penúmbreos.
Não se trata de pessimismo ou de culto a personalidades. O Brasil já
ultrapassou a barreira dos 500 anos desde a ocupação colonial e parece que
QmRFRQVHJXLXHQFRQWUDURVHXÀRGH$ULDGQH20DUDQKmRGLQiVWLFRGDV~OWLPDV
décadas vive o destino das encruzilhadas frente ao ocaso anunciado: o desespero
de não ter mais tempo e capacidade para se renovar.
&DGD YH] PDLV DXPHQWDP DV FODUH]DV VREUH RV StÀRV UHVXOWDGRV GDV
decisões tomadas no passado remoto e recente do Maranhão, muitas das quais
completamente equivocadas e incapazes de promover esperanças e aspirações
coletivas sustentáveis. Avolumam-se os sentimentos de que erramos e por muito
tempo.
1R %UDVLO D UHDOLGDGH YHP ID]HQGR DÁRUDU YRQWDGHV H YHUGDGHV TXH
colocam em xeque a capacidade de decidir dos governantes, tornando difícil IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
encontrar e compreender as saídas do enorme labirinto de vontades construído
pela sociedade em transe, colocando em risco a reputação e a competência das
elites governantes e dirigentes, muitas delas plenamente incapacitadas ética,
PRUDOHWHFQLFDPHQWHSDUDHQIUHQWDURVGHVDÀRVSRVWRVDWRGRPRPHQWRSHOD
conjuntura nacional, internacional e também pelas ruas.
Estamos em uma difícil encruzilhada, ofuscados por um sol escaldante
ou completamente cegos na noite escura. Dia ou noite, cada vez mais, buscam
DÀUPDUVXDVKHJHPRQLDVVLPEyOLFDVHPXPDVRFLHGDGHFRPRDQRVVDSULVLRQHLUD
em arapucas da política partidária e amordaçada pela força das exclusões, em
especial as educacionais, que negam o direito a uma leitura crítica dos contextos
em que se insere.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
A realidade nua e crua tanto pode ser uma oportunidade para mudar,
como uma ameaça a qualquer projeto transformador. O mundo em profusão de
hoje relegou a segundo plano os poderes das fórmulas mágicas e a força dos
milagres.
As lições deixadas pelo homenageado, em seu primeiro centenário,
indicam que, sem coragem, capacidade e determinação, a vitória das trevas será
inexorável.
Revelam que é preciso semear a terra, plantar em campos imensos e
tomar decisões corretas para garantir a melhor das safras.
Em muitos casos a semeadura não produz frutos imediatos, precisa de
WHPSR SDUD ÁRUHVFHU HP SOHQLWXGH 6HPSUH QDVFHUmR HVSHUDQoDV TXDQGR RV
semeadores forem luminosos e preparados.
Rangel não foi um fatalista, nem tampouco um pessimista em relação
ao futuro do Brasil e do Maranhão. Seu otimismo era tão forte que não fez outra
coisa na vida que se aprofundar no conhecimento dos problemas brasileiros e
DMXGDUQDIRUPXODomRGHVDtGDVFRQVLVWHQWHVHHÀFD]HV
Todavia precisamos aprender com o seu exemplo de vida. As benesses
não chegarão sem trabalho, dedicação e criatividade. O panorama apresentado
SHODUHDOLGDGHSROtWLFDHVRFLDOGR0DUDQKmRQRVUHPHWHDGHVFRQÀDUGRIXWXUR2
processo de centralização e concentração de poderes pelas oligarquias estaduais
e municipais levaram a sociedade inclusiva a um estado de penúria material e
cultural sem paralelo.
Aqui estão naturalizadas as injustiças, o compadrio, o apadrinhamento.
O mérito pessoal como valor intrínseco pesa muito pouco nos processos de
inserção no mundo do trabalho e da vida ativa, em especial na máquina do
poder público, o que tem levado as instituições locais a crescentes níveis de
LQFDSDFLGDGHGHFXPSULUHPVHXVREMHWLYRVÀQDOtVWLFRV
Aplicação aos estudos, valorização dos talentos dispersos no meio social
não contam em nada se estiverem na outra margem do rio que banha o poder
local.
A prova da falência desse sistema de dominação política e os sinais
de sua incapacidade de encontrar saídas esta à mostra no noticiário nacional
e internacional, cada dia mais com suas câmeras voltadas para a Província,
revelando uma sequência crescente de crises fruto da incapacidade no setor
público de planejar e gerir as políticas públicas.
D
D
A implosão do sistema de segurança e a consequente eclosão de motins,
UHEHOL}HVIXJDVHDVVDVVLQDWRVQRSUHVtGLRGH3HGULQKDVGHVDÀDQGRDDXWRULGDGH
policial e ameaoDQGRDVRFLHGDGHHYLGHQFLDPDIDOWDGHOX]QRÀPGRW~QHO
O inusitado em tudo isso é constatarmos que o cismo que abala as
estruturas de poder no Maranhão tem origem em representantes da escória
VRFLDOMRYHQVGHVFODVVLÀFDGRVHQWUHHDQRVHQMDXODGRVHVHPLDQDOIDEHWRV
portanto inadmissíveis em partidos políticos e nas instituições acadêmicas, de
onde sempre esperamos que viessem os fundamentos da ruptura.
3UHFLVDPRVDJLUFRPRVSpVEHPSODQWDGRVQRFKmR2ÀPGDKHJHPRQLD
GRV JUXSRV GRPLQDQWHV QmR ID] DÁRUDU R UHPpGLR SDUD WRGRV RV PDOHV TXH
precisam de cura. É necessário sabedoria de decisões. Pensar que o tesouro
do setor público, por mais entulhado que esteja de recursos arrecadados da
sociedade, não vai secar nunca, portando nos permitindo queimar recursos
públicos, como muitos ainda fazem hoje, é um erro que produzirá efeitos
desastrosos.
Necessitamos de uma vida comunitária e social que escape desses
determinismos que ameaçam o desenvolvimento do Maranhão e do Brasil. Os
novos políticos precisam conhecer formas alternativas de direção política da
sociedade e não continuarem imitando estratégias dos antigos regimes, ou
por má fé ou por ignorância. Rangel nunca admitiu as fórmulas prontas, tanto
da direita, como da esquerda. Penetrou fundo nos problemas recorrentes para
construir as melhores soluções possíveis. Sem arrogância e vaidade.
O que iremos construir daqui para frente, inspirados no exemplo
rangeliano, terá forçosamente que valorizar a competência e o talento, negar o
imediatismo político, focar nas necessidade do desenvolvimento da sociedade
como um todo, tendo como transversalidade um contrapoder social inteligente IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
e capaz de avaliar decisões que sejam as mais adequadas e pertinentes à
FRQVWUXomRGHXP´PXQGRVyµ
Os efeitos das várias penumbras que ameaçam o destino do Maranhão
precisam ser superados com urgência para que o otimismo rangeliano se
concretize. Precisamos vencer a apatia e ampliar a capacidade de decidir sobre
a sustentabilidade do desenvolvimento local. Precisamos de talentos vivos e
ideias originais capazes de indicar os melhores caminhos e as mais consistentes
saídas para fugirmos da noite soturna e chegarmos inteiros ao sol radiante do
dia que virá.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
3DUD$QQD5DSKDHODGR&RXWR&RUUrDTXH
IRL JUDQGH DPLJDPLULP GR VHX TXHULGR
¶9RY{5DQJHO·
²4XDQGRFRQKHFHXHTXDLVHUDPVXDVUHODo}HVFRP,JQDFLR5DQJHO"
Conheci Ignacio Rangel em São Luís do Maranhão, em conexão com
o então Instituto de Pesquisa Econômicas e Sociais (IPES), organismo que
congregou uma plêiade de estudiosos – entre os quais, os sociólogos Maureli
Costa, Pedro Braga, Leo Costa e José Caldeira e os economistas Raimundo
Palhano, José Augusto dos Reis, Ana Maria Saraiva e Saturnino Moreira. Sociólogos
e economistas, bem como agrônomos, a exemplo de José Policarpo Costa Neto,
demógrafos, estatísticos e outros mais – cuja nominata é naturalmente mais
extensa.
As minhas relações com Ignacio Rangel daí derivaram, tornando-
se menos institucionais e, de maneira gradativa, cada vez mais pessoais,
conformando uma amizade transgeracional, que terminou por vencer o tempo,
pois perpassou menos de uma década e meia e ultrapassará tanto a dele quanto
a minha vida.
Fui casado com a excelente socióloga Maureli Costa e a amizade com
RFDVDO5DQJHO²$OLHWHH,JQDFLR²HUDWULSODPLQKDGH0DXUHOLHGHQRVVDÀOKD
Ana Raphaela, que chamava o velho economista de Vovô Rangel, retribuindo o
afeto que lhe era dispensado.
² 4XH PDUFDV WHULDP GHL[DGR QHOH PRPHQWRV FRPR (QYROYLPHQWR
DLQGD PXLWR MRYHP QD OXWD DUPDGD QR 0DUDQKmR 3ULVmR QR 5LR GH -DQHLUR
5RPSLPHQWRFRPR3DUWLGR&RPXQLVWD"
*
Este texto prefacia o livro “Canção d’amigo para Ignacio Rangel: pequeno almanaque comemorativo
do seu primeiro centenário”. O “pequeno almanaque” (são 274 páginas) será publicado posteriormente
e contém rica documentação inédita de Ignacio Rangel ou sobre Ignacio Rangel em parte incorporada a
este livro, com a autorização e a gentileza do autor.
D
D
As marcas deixadas por momentos como luta armada no Maranhão,
prisão no Rio de Janeiro e rompimento com o Partido Comunista foram indeléveis
na existência de Ignacio Rangel.
Primeiro, porque no percurso rangeliano houve a constante
SHFXOLDULGDGH GD EXVFD GD XQLÀFDomR HQWUH WHRULD H SUiWLFD SUiWLFD H WHRULD
em um jogo de retroalimentação dialética. Ter participado da luta armada no
0DUDQKmRFRQÀJXURXXPDH[SHULrQFLDYLWDOGHTXHPHPFHUWRVHQWLGRDEUHYLRX
R FDPLQKR H FRPHoRX SHOR ÀP GHQWUR GD WHRULD GD PXGDQoD H GD UHYROXomR
vigente no mundo. Creio que o episódio em questão preparou Ignacio Rangel
para uma compreensão mais adequada de sua futura inserção no aparelho de
planejamento do Estado, colaborando para a teoria e a prática de novos níveis
de mudança de equilíbrio no Brasil.
Segundo, porque a prisão no Rio de Janeiro conferiu ao jovem Rangel
uma possibilidade de convívio com parte do que o Brasil tinha de mais inteligente,
cívico e generoso, ainda que pudesse ser – também – equivocado. O cárcere
instaurou o jovem Rangel no centro do debate em torno do Brasil e do mundo, em
uma década fatal, a de 30, esmagada entre as duas Guerras Mundiais e marcada
por extrema polaridade ideológica, subsequente j&ULVHGHHFRQWHPSRUkQHD
do socialismo de Estado, crise do liberalismo, ascensão do fascismo e crescente
apelo e legitimação do nazismo.
Terceiro, porque o rompimento com o Partido Comunista representou,
para Ignacio Rangel, a possibilidade intelectual de existência de Ignacio Rangel,
sem o que seria mais um militante a repetir fórmulas e cartilhas de uma teoria da
revolução forjada em Moscou, pelo Politburo. Este era a elite stalinista pensando
‘a revolução mundial’ a partir do ‘socialismo em um só país’ e ditando caminhos
H SROtWLFDV HQWUH H FRPR LQVWkQFLD H[HFXWLYD VXSHULRU GR 3DUWLGR IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Se ali permanecesse,
Rangel seria um militante de brilho, mas sem autonomia intelectual, a repetir
fórmulas abstratamente construídas pelos 11 membros eleitos pelo Comitê
Central do Partido Comunista, a realizar análises equivocadas da realidade,
FRPRDFRQWHFHXQR%UDVLOFRPD$OLDQoD1DFLRQDO/LEHUWDGRUDHP2XYL
inúmeras vezes Ignacio Rangel repetir que o maior anseio intelectual só poderia
ser pensar com a própria cabeça. Rompendo com o Partido Comunista, Rangel
carimbou o passaporte para pensar com a própria cabeça.
²4XDLVDVFDEHoDVTXHPDLVSURYRFDUDP5DQJHOLQWHOHFWXDOPHQWH H
SRUTXr"
4XDQWR às LQÁXrQFLD LQWHOHFWXDLV GH ,JQDFLR 5DQJHO QR kPELWR
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
GRPpVWLFR KRXYH D H[WUDRUGLQiULD LQÁXrQFLD GR -XL] 0RXUmR 5DQJHO VHX 3DL
formado no espírito iluminista da Revolução Francesa, na Faculdade de Direito
do Recife. Fora do círculo familiar, sem dúvida, a ascendência maranhense
foi de Antônio Lopes, também advindo da Escola do Recife, que representou
uma referência intelectual com abertura sociológica, na formação do pensador
maranhense.
1D HVIHUD GDV LGHLDV JHUDLV EHP FRPR QD HVSHFtÀFD GLPHQVmR
HFRQ{PLFD WUrV LQÁXrQFLDV IRUDP PDUFDQWHV QD HVWUXWXUD GLQkPLFD GR
SHQVDPHQWR UDQJHOLDQR .DUO +HLQULFK 0DU[ -RKQ 0D\QDUG .H\QHV H 1LNRODL
Dimitrievich Kondratieff.
A peculiaridade de Ignacio Rangel residiu na capacidade de dialogia e de
LQWHUWH[WXDOLGDGHFRPRVWUrV².DUO+HLQULFK0DU[-RKQ0D\QDUG.H\QHVH1LNRODL
Dimitrievich Kondratieff – sem se reduzir a nenhum dos três, interpretando-os,
reelaborando-os e construindo a si mesmo, na singularidade da sua perspectiva
de teoria econômica.
Constato, inclusive, que aquilo que parecia inexorável teimosia em
Ignacio Rangel a exemplo da teoria dos ciclos – vi uma vez Maria da Conceição
7UDYDUHVGL]HUOKH¶pXPDORXFXUD1XQFDYLXPYHOKRPDLVWHLPRVR·²VHUDJRUD
REMHWRGHUHFRQVLGHUDomRFRPSOHWD1REULOKDQWHOLYUR´$VRPDHRUHVWRµ)HUQDQGR
Henrique Cardoso não enuncia outra coisa, ao ponderar “A crise econômica
JOREDOGHHGHL[RXFODURTXHRVLVWHPDFDSLWDOLVWDpPDLVFtFOLFRGR
que se pensava e que, portanto, a previsibilidade através do planejamento, da
antecipaomRGHPHGLGDVpPXLWRGLItFLOµ.
Finalmente, registro a singularidade intelectual de Ignacio Rangel, em
virtude da circunstância de que dispunha de cultura geral, transitando pelas
KXPDQLGDGHVGDOLWHUDWXUDjHFRQRPLDFRPSDVVDJHPREULJDWyULDSHODÀORVRÀD
história, sociologia e direito, em poliedro difícil de encontrar entre os economistas.
² 5DQJHO ÀFRX FRQKHFLGR SRU XPD DQiOLVH EDVWDQWH RULJLQDO GR
PDU[LVPR4XHH[HPSORVSRGHULDPVHUFLWDGRVGDOHLWXUDSHFXOLDUTXHHOHIH]GH
0DU["
Em uma formação social periférica e dependente, como a do Brasil, a
tentação era, como efetivamente foi, a de transplantar o modelo marxista para
uma realidade estranha à sua paisagem europeia, típica da sociedade urbana e
industrial do século XIX.
2XDOWHUQDWLYDPHQWHRSURYiYHOHUDTXHSRURXWUDYLDVHÀ]HVVHPDLV
do mesmo, produzindo o divórcio das ideias com a realidade, desembarcando
D
D
aqui, mais uma vez, ideias fora do lugar, para recuperar a imagem de Sérgio
Buarque de Holanda. Este caminho foi o do Partido Comunista, com o transplante
de toda uma teoria da revolução formulada pelo Politburo, na União Soviética de
Josef Stálin.
O tratamento que Ignacio Rangel conferiu a Karl Marx correspondeu
a uma apropriação criativa do seu instrumental metodológico e teórico, com a
ÀQDOLGDGH GH SULYLOHJLDQGR D UHGXomR VRFLROyJLFD UHFRPHQGDGD SRU *XHUUHLUR
Ramos, não deixar, em hipótese alguma, de conferir prioridade empírica
às circunstâncias peculiares da formação social brasileira, em sua singular
historicidade.
Daí que, no Karl Marx de Ignacio Rangel, não há a sua apropriação
dogmática segundo as fórmulas da teoria da revolução do Politburo, que se
tornaram regras de ferro do Partido Comunista no Brasil, despindo-o o economista
EUDVLOHLURGDVFUHQoDVQHOHSUHVHQWHVRXGHOHGHULYDGDV4XDLV"$FULVHJHUDOGR
capitalismo, o desaparecimento das classes médias, o imperialismo como último
estágio do capitalismo, a total incompreensão do agir histórico periférico, a
exemplo da percepção de Simón Bolívar por Karl Marx, tipicamente etnocêntrica
ou eurocêntrica e, no mínimo, a visão de Karl Marx quanto a destruição colonial
das formas de vida pré-capitalistas existentes nas Américas.
Em síntese, Ignacio Rangel depurou e reconstruiu o seu Karl Marx.
²1DVXDRSLQLmRFRPRHOHHVWDULDKRMHDYDOLDQGRDSROtWLFDHFRQ{PLFD
SHWLVWDHRTXHSURSRULDSDUDRFUHVFLPHQWRGRSDtV"
Com fundamento no discurso econômico rangeliano, não tenho dúvida
de que a política econômica petista seria objeto de crítica e de discordância. O
Ministro da Fazenda Guido Mantega é um conhecedor do pensamento de Ignacio IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Rangel, porém, no poder e na gestão, é menos o acadêmico Guido Mantega e
PDLVXPDSHoDQDPDFURDUWLFXODomRTXHGHÀQHDSROtWLFDHFRQ{PLFDGR%UDVLO
A preocupação rangeliana com a ativação dos recursos ociosos na
economia brasileira, na dialética do setor privado com o setor público, sempre
representou, em última instância, um compromisso com dinamismo e com o
crescimento econômico no país.
No momento, as modestíssimas taxas de crescimento da economia
EUDVLOHLUD DFRPSDQKDGDV GR FUHVFHQWH UHWRUQR GR SURFHVVR LQÁDFLRQiULR H GD
retomada da ascensão dos juros, sem dúvida, mereceriam a reprovação de
Ignacio Rangel. Esse não poderia aplaudir o crescimento de 2% em 2012 e a
previsão de, no máximo, 3% em 2013, ano em que a América Latina e o Caribe,
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
do privado no Brasil, por exemplo, entre demais temáticas instigantes. Estas
SHUSDVVDP RV FDPLQKRV GD IRUPDomR HFRQ{PLFD GR SURFHVVR LQÁDFLRQiULR
GRVHWRUGHLQWHUPHGLDomRÀQDQFHLUDGDGLQkPLFDWHFQROyJLFDGDFDSDFLGDGH
ociosa, dos movimentos cíclicos e das diferentes fases e formas de inserção na
economia internacional.
Assim caminho levando comigo – nos espaços onde circulo – a
semeadura do pensamento e a construção da permanência de Ignacio Rangel,
não por acaso, chamado de mestre dos mestres.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 70
De maneira retrospectiva, compreendo aqueles instantes como de
puro exercício de responsabilidade do velho Rangel para com o futuro, nos quais
HVSDOKDYDHOHVHPHQWHVIpUWHLVFRPRDJULPHQVRUGHVXDIUXWLÀFDomR2PXQGR
R%UDVLOHR0DUDQKmRSRUDOLGHVÀODYDPFRPRREMHWRVGHLQWHUHVVHVFHQWUDLVHP
busca de dois elementos conectados: consciência e compromisso. Com efeito,
contemporâneo do futuro, Ignacio Rangel venceu o tempo e consignou na agenda
das gerações sucessivas, preocupações teóricas e práticas de que foi semente
fecunda, fonte criativa e cadeia inteligente de transmissão.
Do convívio com egrégio economista em São Luís nasceu a pequena
MyLD RX OLYUR LQWLWXODGD ´8P )LR GH 3URVD $XWRELRJUiÀFD FRP ,JQDFLR 5DQJHOµ
( ÀFDUDP RV LQVWDQWHV GH YLGD SULYDGD ² QD UHVLGrQFLD GR VHX LUPmR TXHULGR
6RORQ6\OYLRGH0RXUmR5DQJHOVLWXDGDQD5XD*HQpVLR5rJRQQR%DLUUR
do Monte Castelo – motivados pelo trabalho, ou na minha, debruçados sobre
camaroadas, peixe pedra, torta de camarão, creme de bacuri e juçara de açaí,
como dizia Graça Aranha.
Em Brasília, reencontrei Ignacio Rangel, para cá deslocado em função de
convite formulado por uma central de empreendedores, interessada em rediscutir
a questão nacional. Na oportunidade, em companhia do então jornalista –
atualmente advogado maranhense radicado na Capital Federal, Eduardo Antônio
Leão Coelho – pude facilitar que este o entrevistasse, em matéria estampada
no ‘Jornal de Brasília-JBR’, ao qual emprestava a sua experiência de periodista
econômico, desenvolvida na grande imprensa de São Paulo. Peregrinamos de
extremo a extremo da Capital da Esperança, como a designou André Malraux, a
usufruir da vitalidade e da disposição ainda visíveis, do sertanejo maranhense.
Em João Pessoa foi e não foi diferente. Baseados no Recife fomos
QR FRPERLR SDUD D 3DUDtED HP {QLEXV RÀFLDO HP TXH HVWDYD R FDVDO 5DQJHO IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
acompanhado de uma carga pesada em cérebros, composta, entre outros, pelo
geógrafo Milton Santos. A motivação comemorativa estava nos setent’anos de
Celso Furtado, ali a recepcionar, com o Governador Cunha Lima, convidados
P~OWLSORV $UPDQGR 6RXWR 0DLRU 3DXOR %RQDYLGHV 8O\VVHV *XLPDUmHV 0LJXHO
Arraes, Hélio Jaguaribe, Armando Mendes, Maria da Conceição Tavares, Fernando
Pedrão, Cristovam Buarque e muitos outros mais, que a memória esmaece.
A salvo, naturalmente, Manuel Correia de Andrade, duas vezes notável, como
historiador e como geógrafo.
Regressei para Recife em companhia do casal Rangel, em táxi
solidário, posto que pareceu-nos melhor retornar logo, depois de uma semana
GHDWLYLGDGHVGRTXHÀFDUjHVSHUDGHWUDQVSRUWHRÀFLDOSRUPDLVXPGLD1D
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Mauriceia privamos ainda, antes do retorno do ilustre casal para o Rio de Janeiro.
Desse encontro mais duas recordações são imorredouras. A primeira, relativa a
Ignacio Rangel: vi-o alquebrado pela primeira vez, como se estivesse envelhecido
décadas em um dia, depois de ter passado mal, salvo engano, em São Paulo,
onde fora participar, a convite de Joelmir Beting, de um debate na ‘Folha’ ou
no ‘Estado’, e onde, segundo Dona Aliete Martins Rangel, tivera um eclipse
total. A segunda, ao testemunhar o encontro, no calçadão do Hotel Tambaú,
do constitucionalista paraibano radicado no Ceará, Paulo Bonavides, com o
homenageado economista Celso Furtado:
Eis o sol dos trópicos:
²&HOVRTXHDOHJULD3DUDEpQV
Eis a lua da Sibéria:
²%RPGLD&RPRHVWiR6HQKRU"
O último contato pessoal que mantive com Ignacio Rangel foi quando
o hospedei no Recife, a caminho de São Luís, para a sua posse na Academia
Maranhense de Letras. Conduzi o mestre dos mestres a duas conferências: uma,
na Secretaria de Estado de Planejamento do Estado de Pernambuco; outra, na
Faculdade de Economia da Universidade Federal de Pernambuco. O co-cicerone
foi meu sobrinho Fabrício Henrique Goulart do Couto Corrêa, que cogitava a
KLSyWHVHGHVHUHFRQRPLVWDPDVWHUPLQRXÀHODVLPHVPRHDVXDJHQWHFRPR
excelente advogado.
Caminhei com o velho Rangel pelo teatro das Revoluções Libertárias
de 1817 e derivadas, da resistência liberal e radical de 1824 e do vulcão social
de 1848, de que seus antepassados participaram ativamente. Bem como,
em companhia do ilustre visitante, embalei-me pelos corredores do Palácio
do Campo das Princesas, da Faculdade de Direito do Recife e dos antiquários
livreiros confundidos com a alma esclarecida da cidade em que os seus
ancestrais também derramaram sangue e sonhos. Na companhia do mestre
dos mestres, percorri passo a passo os monumentos comemorativos da bravura
pernambucana, um deles, o organismo vivo e pulsante da Rua da Praia, em
rememória da Revolução Praieira.
Não fui a São Luís para a posse rangeliana na Academia Maranhense de
Letras. Por uma destas coisas estranhas da vida, no instante do seu falecimento no
Rio de Janeiro, soube que começara para Ignacio Rangel a ‘Grande Viagem’ pelo
ÀOWURVHQVLWLYRGDHQHUJLDFyVPLFD(QÀPVLQHUJLD8PWHOHIRQHPDPDLVWDUGH
DSHQDV FRQÀUPRX R IDWR $JRUD jV YpVSHUDV GR FHQWHQiULR GH QDVFLPHQWR GR
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D 72
extraordinário brasileiro, a mim me satisfez sugerir que a Universalidade Federal
do Maranhão lhe conceda – SRVWPRUWHP – o título de Doutor Honoris Causa,
para seu engrandecimento institucional. A mensagem foi entregue a Jhonatan
Almada. Tomara esteja a instituição à altura do homenageado. A mim me parece
muito adequada a continuidade dos esforços para publicar a obra rangeliana
– sobre o que tenho conversado com Raimundo Palhano – muito dispersa, a
GHVSHLWRGDV´2EUDV5HXQLGDVµHPGRLVYROXPHVSHOD(GLWRUD&RQWUDSRQWRDR
que parece, com o concurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES). Ficaram à margem artigos, estudos, ensaios e entrevistas de
DOWRUHOHYR(WDPEpPDVXDHSLVWRORJUDÀD
Perguntam-me sempre sobre o silêncio de Celso Furtado sobre Ignacio
Rangel. Acredito tratar-se de uma questão de vigência intelectual, a carga que,
SHORVLOrQFLRRXSHODSDODYUD&HOVR)XUWDGR'HOÀQ1HWRH1HOVRQ:HUQHFN6RGUp
HQWUHPXLWRVRXWURVÀ]HUDPHPGHVIDYRUGRPHVWUHGRVPHVWUHV2YHOKR5DQJHO
HUDVHQKRUGHXPDVLJQLÀFDomRKLVWyULFDHVSOHQGHQWHGHOtGHUMXYHQLOGHWRPDGD
PLOLWDUQR0DUDQKmRGD5HYROXomRGHGR %DWDOKmRGH&DoDGRUHV4XDUWHO
do Exército e de preso na Ilha das Cobras, em consequência do fracassado golpe
GH(VWDGRGHSURPRYLGRSHOD$OLDQoD1DFLRQDO/LEHUWDGRUD(QDHVIHUD
da formulação teórica, foi o economista maranhense o mais criativo e o mais
original de todos os que pensaram a matéria em cinco séculos de Brasil.
&RQÀGHQFLRXPH ,JQDFLR 5DQJHO TXH TXDQWR PDLV FRQKHFLD 5DXO
Prebisch, mais tomava consciência do tamanho da dívida de Celso Furtado
para com o pensador argentino. O velho Rangel, pela autonomia criativa de
formulação teórica, sem dúvida, era uma segura ameaça à pretensão de vigência
LQWHOHFWXDOGHVWHHRXGDTXHOH4XDQWRD&HOVR)XUWDGR5DQJHORPHVWUHGRV
mestres, junto a mim estava quando exibiu uma obra do economista paraibano IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
²´$(FRQRPLD%UDVLOHLUDFRQWULEXLomRjDQiOLVHGRVHXGHVHQYROYLPHQWRµ²SRU
sinal, dedicada a Raul Prebisch, cujo exemplar ostentava uma dedicatória do
DXWRU SDUD R SHQVDGRU PDUDQKHQVH GDWDGD GH $ WtSLFD OHWUD PL~GD DOL
estava, com a manifestação bem mais calorosa do que o compreensível silêncio
posterior, pois a eclosão rangeliana em livros clássicos, como “Dualidade Básica
GD(FRQRPLD%UDVLOHLUDµH´$,QÁDomR%UDVLOHLUDµDLQGDQmRFRPHoDUD
A propósito do livro com dedicatória, leu-a Celso Furtado, devolvendo
o exemplar ao mestre dos mestres, no mais espectral silêncio. Em seguida
àquele gesto, permaneceu o notável economista paraibano em hierática solidão
povoada, enquanto o sábio maranhense, voltando-se para mim, comentou tratar-
se do melhor livro de quantos escrevera o homenageado, que permanecera
indisputável no conjunto de sua obra econômica.
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
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Ignacio Rangel e seus interlocutores*
$UPHQ0DPLJRQLDQ
*
Tomo a liberdade de indicar textos que escrevi sobre Rangel: Introdução ao pensamento de Ignacio
Rangel, GEOSUL, 1987; Entrevista de Ignacio de Mourão Rangel, GEOSUL, 1991-92; Nota sobre as ra-
ízes e originalidade do pensamento de Ignacio Rangel, UFSC, 1997 e reeditado pela Editora 34, 1988; O
retorno do profeta desarmado, Carta Capital n° 352, 2005; e O pensamento de Ignacio Rangel e a questão
nacional hoje, Princípios n° 103, 2009.
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
O irracionalismo
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Artesãos das ideias
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
privada. Não se tratava de vender usinas elétricas existentes, por exemplo, mas
permitir a construção de novas usinas pela iniciativa privada. Rangel sabia que
contaria com J. Soares Pereira nessa difícil batalha, que acabou derrotada, mas
que é retomada hoje nas concessões em andamento do governo Dilma, com
mais de vinte anos de atraso…
7DPEpP QRV DQRV ,JQDFLR 5DQJHO OHPEURX YiULDV YH]HV TXH D
URSS, o Japão e o Brasil foram as economias mais dinâmicas do mundo no
SHUtRGRSRUFLQTXHQWDORQJRVDQRV(OHVDELDFRPRWRGDVDVSHVVRDV
honestas, que esses resultados extraordinários haviam exigido muitos sacrifícios,
muita competência de seus dirigentes, incluindo a capacidade de enfrentar
IRUWHVSUHVV}HVFRQWUiULDVGDVSRWrQFLDVGRPLQDQWHVFKHÀDGDVSHORV(8$1R
caso do Brasil, o resultado excepcional resultou da vitória da Revolução de 30,
GDTXDO5DQJHOSDUWLFLSRXDRVDQRVGHLGDGHFRPDUPDVQDPmRGHSHQGHX
GD SROtWLFD LQGXVWULDOL]DQWH LQFOXLQGR R SHUtRGR GR (VWDGR 1RYR H
continuada no segundo governo Vargas, com Rangel na assessoria econômica
FKHÀDGDSRU-63HUHLUD'HSHQGHXWDPEpPGRVDFULItFLRGRSUHVLGHQWHHOHLWR
democraticamente e de outros sacrifícios, como a cassação dos direitos políticos
GH-63HUHLUDSHORJROSHPLOLWDUGHVHXH[tOLRQR&KLOHRQGHIRLWUDEDOKDU
H VHX SUHFRFH IDOHFLPHQWR HP - 6RDUHV 3HUHLUD 2 KRPHP H VXD ÀFKD
,QIHOL]PHQWH R ´GpÀFLW HP FRQWDFRUUHQWH GR EDODQoR GH SDJDPHQWR D
GHVIDoDWH] GD GLUHLWD H D LQFRPSHWrQFLD GDV HVTXHUGDVµ RV LQVWUXPHQWRV GD
dominação do imperialismo segundo Rangel e que levaram ao desastre de
LJXDOPHQWH HVWDYDP OHYDQGR R %UDVLO DR GHVDVWUH QD GpFDGD GH $
carta aberta de Ignacio Rangel dirigida aos economistas Roberto Campos e M.
Conceição Tavares (22/3/85), solene e didática sobre a necessidade de se pôr
em prática a concessão dos serviços públicos estrangulados à iniciativa privada,
não obteve respostas. A Revista de Economia Política, da qual Rangel era um
dos patronos, abandonou o campo nacionalista e assumiu o neoliberalismo
agressivo, assim como os economistas do PT G. Mantega (Folha de São Paulo,
13/XI/83) e P. Sandroni (Folha de São Paulo 22/XI/83), seguidos, anos depois,
pelo apoio político de A. Mercadante à venda da Usiminas pelo governo Collor.
Ignacio Rangel caracterizou o governo Collor como contra-revolucionário e pró-
imperialista $SRVWDVLDV)ROKDGH6mR3DXOR,2VSODQRVGH´HVWDELOL]DomRµ
monetária dos anos 80, o Cruzado, o Bresser, etc, bem a gosto e a mando do
FMI, abriram o caminho ao neoliberalismo de Collor e FHC.
Como I. Rangel aprendeu com Lênin, outro marxista genial, as apostasias
tendem a fracassar. Assim, em 2002 o governo Lula começou, a duras penas,
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D 78
D HQIUHQWDU D ´KHUDQoD PDOGLWDµ H UHWRPDU R FDPLQKR GR GHVHQYROYLPHQWR
econômico, apesar de não ter contado, assim como o governo Dilma, com
assessoria econômica verdadeiramente competente. Também é interessante
OHPEUDUTXHQDFDPSDQKDSUHVLGHQFLDOGHGLVSXWDGDSRUWUrVFDQGLGDWRV
social-democratas fortes (Lula, Brizola e Covas), mais uma incompetência das
esquerdas na visão de Rangel, ele e Lula trocaram ideias sobre o Brasil.
$DQJ~VWLDGDLQÁXrQFLD
2 PXQGR GH HUD PXLWR GLIHUHQWH GR PXQGR GH TXDQGR R
adolescente Ignacio Rangel começou sua militância política em favor do Brasil.
A URSS, com perdas humanas e materiais gigantescas, havia derrotado o
nazismo, prestando um extraordinário serviço à humanidade. O Japão, derrotado
PLOLWDUPHQWHKDYLDLQYHQWDGRRWR\RWLVPRSURFHVVRGHWUDEDOKRTXHVHHVWHQGHX
ao mundo todo. O Brasil havia se tornado uma pequena potência industrial na
periferia do capitalismo mundial e estava dando as costas aos EUA e mesmo
fazendo acordo espacial com a China.
No Brasil nos anos 80 o ambiente intelectual passava por grave crise e
QmRHUDPDLVRPHVPRDPELHQWHULFRGRVDQRV*LOEHUWR)UH\UH6HUJLR%XDUTXH
de Hollanda e Caio Prado Jr, os intérpretes do Brasil, eram todos nacionalistas
HRWLPLVWDVVXSHUDQGRSRUH[HPSORDLGHLDGDV´WUrVUDoDVWULVWHVµTXHWHULDP
IRUPDGRDDOPDEUDVLOHLUD2VGRLVSULPHLURVVHPQHQKXPDLQÁXrQFLDPDU[LVWD
naturalmente, apontavam traços semi-feudais da nossa realidade, que os ex-
marxistas de hoje, da USP e de outras academias detestam admitir. Mas foi
de C. Prado Jr (Evolução política do Brasil) que Rangel herdou a ideia de como IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
agem e se comportam as classes dominantes brasileiras, como os senhores de
escravos. Eles foram acabando com a escravidão lenta, gradual e seguramente,
GDPHVPDPDQHLUDTXHRVJHQHUDLV*HLVHOH*ROEHU\GLULJLUDPDDEHUWXUDSROtWLFD
GRV DQRV $QWHV PHVPR GD ,QGHSHQGrQFLD D ,QJODWHUUD SUHVVLRQDYD
pela abolição, mas o processo levou o século XIX inteiro, com as várias leis
UHIHUHQWHVDRWUiÀFRGHSRLVFRPDOHLGRYHQWUHOLYUHGHSRLVDLQGDFRPDOHLGRV
VH[DJHQiULRVHÀQDOPHQWHFRPDOHLiXUHDTXDQGRRVH[VHQKRUHVGHHVFUDYRV
já haviam monopolizado as terras e assim os antigos escravos se transformaram
em servos da gleba, com casas, casamento e alguma roça. Tudo lenta, gradual e
seguramente, como C. Prado Júnior explicou na obra citada. Ignacio Rangel teve
a capacidade de aplicar esta ideia luminosa a toda a história brasileira.
No Brasil dos anos 80 já estava ocorrendo uma mudança para pior no
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
mundo das ideias e dos intelectuais. O racionalismo dos intelectuais dos anos
30 e 40 acima descrito havia dado lugar, pouco a pouco, a um irracionalismo
crescente. Assim, por exemplo, C. Prado Júnior insistia no tripé exportação,
escravidão e latifúndio, que fazia sucesso nas esquerdas. Este tripé explicaria o
Brasil na sua gênese como colônia portuguesa, que era uma colocação didática,
mas sem profundidade marxista, pois não colocava os modos de produção no
centro da análise, mas que assim mesmo serviu de ponto de partida para Celso
)XUWDGR VHP R UHFRQKHFLPHQWR GR GpELWR H FRP ´D DQJ~VWLD GD LQÁXrQFLDµ
Ignacio Rangel, muito mais rigoroso, analisou o senhor de engenho como dono de
escravos e vassalo do rei de Portugal, vendo o Brasil como dualidades sucessivas
de modos de produção externos e internos.
Aliás, C. Prado Jr e Celso Furtado, apesar de brilhantes intelectuais, foram
excessivamente europeizantes e focados na Europa, sobretudo Celso, e não se
FDQVDYDPGHODPHQWDUR´DWUDVREUDVLOHLURµQmRSHUFHEHQGRTXHHVWHPHVPR
atraso era uma das razões do fantástico crescimento nacional, comparável aos
maiores do mundo, como URSS e Japão. No entanto, como Caio foi pioneiro na
caracterização das classes dominantes brasileiras, Rangel apontou o pioneirismo
de Celso em caracterizar a gênese de um centro econômico dinâmico no Brasil
GRVDQRV$HFRQRPLDEUDVLOHLUDFDS,9RFLFORMXJODULDQREUDVLOHLUR
Na verdade, enquanto C. Prado Jr e C. Furtado foram apenas grandes intelectuais,
Ignacio Rangel foi um extraordinário profeta, e como tal detestado pelos anões
intelectuais.
D
D 80
sobre a Teoria do Caos, resolveu ironizar Rangel como capaz de ver lógica até no
YRRGHXPDDQGRULQKD*LDQHWWLGD)RQVHFDH[PDU[LVWD´FRPPHLOIDXWµVXELX
YiULDV YH]HV D HVFDGD GD IDPD SDUD LURQL]DU RV ´DQRV JUHJRULDQRVµ GRV FLFORV
Kondratieff, até ser lembrado que as revoluções industriais ocorrem de dois em
dois Kondratieff, e os Kondratieff intermediários são extensões da Revolução
industrial ao setor de transportes, como o trem e o navio a vapor.
As ideias de Rangel
&RPRVHYrRLUUDFLRQDOLVPRHD´DQJ~VWLDGDLQÁXrQFLDµQmRSDUDUDPGH
DXPHQWDU$SyVRJROSHPLOLWDUGH&)XUWDGRGHFUHWRXR´HVWDJQDFLRQLVPRµ
como nosso destino manifesto e C. Prado Jr clamava por uma reforma agrária
urgente para retomar o crescimento. Além deles, outros denunciavam o “social-
IDVFLVPRµHRXWURVDLQGDR´VXELPSHULDOLVPRµEUDVLOHLURHPFUHVFHQWHYHUERUUDJLD
esquerdista e todos juntos estimulavam direta ou indiretamente a inglória luta
armada, que levou muitos jovens inexperientes ao sacrifício, em pleno “milagre
GR'HOÀPµLQLFLDGRHP0HVPRDQWHVGLVWR5DQJHO$LQÁDomREUDVLOHLUD
FULWLFDYDDDOLDQoDGHHVWUXWXUDOLVWDVHPRQHWDULVWDVVRERFRPDQGRGH
Celso Furtado, na aplicação do referido Plano Trienal, a pretexto de combater a
LQÁDomRSURYRFDQGRPDLVUHFHVVmRTXHDMXGRXDSUHFLSLWDUDTXHGDGRJRYHUQR
Jango. Mas como a história se repete como farsa, o malfadado Plano Cruzado, já
HVERoDGRHP3$ULGD'tYLGDH[WHUQDUHFHVVmRHDMXVWHHVWUXWXUDOUHXQLX
estruturalistas da Unicamp e da PUC-RJ, com direito à exibição televisiva das
lágrimas de M. Conceição Tavares e com novos resultados trágicos para o Brasil.
Àquela altura Ignacio Rangel, patrono da Revista de Economia Política, IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
WHYHUHMHLWDGDDSXEOLFDomRGRVHXEULOKDQWHWH[WR´)RJREOLQGDJHPHFRQMXQWXUDµ
por carta burocrática de Bresser3HUHLUD2RVWUDFLVPRYHLRHQWmRGRV´DPLJRVµ
dos anos 80, serviçais inconscientes do imperialismo norte-americano que já
KDYLDDVVDVVLQDGR7RUULMRV3DQDPiH5ROGyV(TXDGRUHPHQTXDGUDGR
R-DSmRFRPDYDORUL]DomRGR<HQHPDFRYDUGDGRRVGLULJHQWHVVRYLpWLFRV
FRP D *XHUUD QDV (VWUHODV H LPSXQKD R FRPEDWH j LQÁDomR DRV JRYHUQRV
subalternos do mundo todo. Note-se que quando M. H. Simonsen propôs
DR JHQHUDO )LJXHLUHGR FRPEDWHU D LQÁDomR FRP PHGLGDV UHFHVVLYDV IRL ORJR
VXEVWLWXtGRSRU'HOÀP1HWWRTXHDSOLFRXDVLGHLDVGH5DQJHOGHXWLOL]DomRGDV
capacidades ociosas nas indústrias, alavancando exportações, tirando o Brasil
GDFULVHHUHGX]LQGRDLQÁDomR
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
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A dialética da rebeldia desde Rangel
até hoje
)HUQDQGR3HGUmR
A rebeldia essencial
6
Refere-se à taxa garantida de crescimento proposta por Roy Harrod como aquela que o sistema pode
sustentar por períodos prolongados.
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D 83
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
EXUJXrVDSRLDGRHPWHRULDVGRHTXLOtEULRGH:DOUDVD.H\QHVTXHVXS}HTXH
políticas em curto prazo podem dar conta de problemas de desenvolvimento
em ambientes externos controlados pelos interesses de grandes capitais. As
SURSRVWDVGHGLQkPLFDGRFDPSRNH\QHVLDQRWUDWDPFRPPRYLPHQWRVJHUDLVGH
FUHVFLPHQWR+$552'HQmRLQFRUSRUDUDPQHPDVQRo}HVGHFRPSRVLomR
GRFDSLWDOQHFHVViULDVHP0DU[QHPRVLJQLÀFDGRGHPRYLPHQWRVVLVWrPLFDV
em ciclos tal como proposto por André Marchal.
A incapacidade do marginalismo para conviver com uma economia
mundial sujeita a depressão profunda se estendia ao fato de que as economias
periféricas operam no contexto de ciclos dependentes. Se essa foi a brecha
SHOD TXDO VH LQVHULX D FRUUHQWH NH\QHVLDQD IRL WDPEpP VXD UXtQD 2 (VWDGR
LQWHUYHQWRU WRUQDVH iUELWUR GD LQÁDomR YLQGR SRU LVVR D VHU DQWDJ{QLFR DRV
interesses do capital. O desenvolvimento aceito será transformação social
tolerada pelo sistema sem destruição da lucratividade das empresas. Assim, o
que se desenvolveu e consolidou como políticas de desenvolvimento, de Arthur
Lewis, Tinbergen e todos eles, são políticas de crescimento com dispositivos de
distribuição da renda que não contemplam as condições de complexidade dos
sistemas produtivos periféricos. Como se em todos os lugares e momentos as
políticas de desenvolvimento pudessem ser igualmente válidas.
$FUtWLFDDR3ODQR7ULHQDOGHIRLXPDJXHUUDSDUWLFXODUGH5DQJHO
que marcou sua posição no debate econômico no Brasil e foi consequência de
uma posição teórica incompatível com planejamento em curto prazo que é a de
entender que o sistema capitalista gera suas próprias restrições, mas tem que
superar seus bloqueios de mercado. Observe-se que aquele foi o momento em
que os setores conservadores norte-americanos e latino-americanos montavam
as bases da reação contra a CEPAL em seminário em Lago Como e quando
o HVWDEOLVKPHQW IHFKDYD ÀOHLUDV FRQWUD D 5HYROXomR &XEDQD e XPD TXHVWmR
relativa à interpretação do funcionamento do sistema, se a prosperidade geral
WUDQVERUGDUiSDUDRVVXEGHVHQYROYLGRVRXVHHOHVÀFDUmRPDLVSREUHV1mRVH
pode responder a essa pergunta sem entrar na engrenagem do sistema produtivo.
Ao reconhecer que na relação global capital/produto há um capítulo
especial da relação entre capital social básico e capital produtivo direto haverá
um ajuste entre os períodos de maturação da infraestrutura e dos investimentos
na indústria. Os sistemas de infraestrutura são de lenta maturação e longa
duração operacional. Essa leitura da organicidade do sistema indica como a
UHQRYDomRGRVVLVWHPDVEiVLFRVFULDRDPELHQWHHPTXHVHGHÀQHPDVUHJUDV
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D 84
dos novos investimentos. É um tempo médio de ajustes entre essas duas escalas
de investimentos, que faz a relação entre os planos estatais e privados de
investimentos e o anonimato do mercado.
Essa ruptura se funda em um aspecto fundamental da teoria do capital em
Marx que é a constatação da tendência à instabilidade do sistema produtivo que
se materializa por meio de movimentos cíclicos. O ciclo em Marx é organicamente
necessário e não é incidental como na teoria marginalista. Os ciclos de duração
PpGLDUHÁHWHPVXEVWLWXLo}HVGHHTXLSDPHQWRVPDVRVFLFORVGHORQJDGXUDomR
respondem por deslocamentos na base da composição do capital na relação
entre a composição técnica e a orgânica do capital. É deles que Rangel se ocupa.
2 SURFHVVR GH LQGXVWULDOL]DomR VLJQLÀFD D PRGHUQL]DomR GH GLYHUVRV
segmentos de capital em diferentes condições de tecnologia, envolvendo as
relações entre setores e regiões, alterando as condições de contratação de
trabalhadores. No entanto, a análise industrial continuava com o viés de confundir
LQGLFDGRUHVGHHVWDEHOHFLPHQWRVFRPFRQGLo}HVGHHPSUHVDVHWURFDUHÀFLrQFLD
QD SURGXomRFRPHÀFLrQFLDGHFDSLWDOXPHUURTXHMiWLQKD VLGRDFXVDGRSRU
Marshall7 PDV FRQWLQXRX D VHU SUDWLFDGRV SHORV NH\QHVLDQRV (VVH HUUR WHP
FRQVHTXrQFLDVWHyULFDV1RTXHDLQG~VWULDUHÁLWDFRPSRUWDPHQWRVGHHPSUHVDV
logicamente será parte da teoria do ciclo, como aliás está claro em Marx.
Em consequência dessas desigualdades as transformações no sistema
mundial do capital derivam diferentes condições de instabilidade no centro e nas
periferias do sistema, determinando composições de restrições externas e internas
para cada economia nacional. As condições nacionais de desenvolvimento estão
internacionalmente situadas no ambiente cíclico da economia mundial.
As visitas de Rangel à Bahia no momento em que se elaborava o Plano
GH'HVHQYROYLPHQWR(FRQ{PLFRH6RFLDOSDUDOLGHUDGRSRU5{PXOR IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Almeida e em que se realizavam pesquisas no Instituto de Economia e Finanças
da Bahia, lugares que militei, deram lugar a uma amizade e intercâmbio de
LGHLDV TXH MXVWLÀFDP HVWH HQVDLR 'H WRGRV RV PRGRV UHÁHWLU VREUH 5DQJHO p
uma oportunidade para voltar à busca do essencial e expor as tergiversações
que são ameaças renovadas de substituir o processo pelo fenômeno, o essencial
pelo circunstancial e o necessário pelo oportunismo. Os retornos da velha direita
atualizada com a mesma alegação de privatizar passando à esfera privada a
riqueza acumulada pelo Estado e enxugar a máquina pública mostram a
atualidade daquela rebeldia fundante de identidade nacional.
7
Alfred Marshall, Industry and trade, Londres, Macmillan, 1926.
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O homem primordial
8
Ver a teoria do planejamento escrita por Strumilin porta-voz da posição stalinista em economia, tal
como aparece em seu artigo.
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De fato, o grande capital se atualizava muito mais depressa que o Estado,
por não dizer a estrutura política. Com a pouca clareza com que se via o papel
do Estado, tratava-se mais de pioneirismo que de estatização, mas no BNDE já
HVWDYD FRQÀJXUDGD XPD OXWD FRQWUD D YLVmR SULYDWLVWD H D GH 5REHUWR &DPSRV
que assumiu a presidência do órgão com uma política contraria à do governo
GH 9DUJDV GHÀQLQGR R HQWUHJXLVPR GR JRYHUQR GH -. DQWHFLSDQGR D SROtWLFD
de alinhamento automático com os Estados Unidos de Castelo Branco. Rangel
tornava-se parte da contracorrente nacionalista do BNDE.
1RSHUtRGRGHDDGLVSXWDHPWRUQRGDSROtWLFDHFRQ{PLFD
ÀFDULD EDOL]DGD SHOD SROrPLFD HQWUH PRQHWDULVWDV H HVWUXWXUDOLVWDV TXH
entretanto, era apenas a superfície de uma disputa mais profunda pelo modo
de desenvolvimento do país que tinha desdobramentos setoriais e regionais e
principalmente implicava no contraste entre uma visão independentista em longo
prazo e uma outra de uma aliança subordinada com os Estados Unidos. Rangel
tornou-se uma referência na disputa que se seguiu, em que a burocracia técnica
VHWRUQDYDXPFDPSRGDVH[SUHVV}HVLGHROyJLFDVGDFODVVHPpGLD$LQÁXrQFLD
da CEPAL, onde Rangel foi o primeiro bolsista brasileiro, viria pelo aspecto de
técnica de planejamento e de internacionalização do debate do desenvolvimento.
Ficavam em aberto o recuo da polêmica ideológica e a perda da dimensão
histórica do processo. Seriam as questões da consciência social do operariado e
DVFRQWUDGLo}HVGDLQWHUYHQomRVRYLpWLFDQD+XQJULDGH,PUH1lJ\)LQDOPHQWHD
Hungria não queria se tornar capitalista e aquela invasão determinou a ruptura
de muitos intelectuais que inclusive viram a importância da autonomia da
&KLQD PDRtVWD 'HVFREULDVH R VLJQLÀFDGR PDLV SURIXQGR GH XPD FRQVFLrQFLD
social brasileira, muito além do celebrado debate sobre desenvolvimento. Mas
esse debate se dividia entre um ramo acadêmico, disperso entre algumas
universidades onde assumiu o fundo ideológico, e um ramo de setor público IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
em que foi principalmente técnico. Somente a direita assumia sua orientação
liberal no setor público. Homem do setor público, Rangel foi o único na época que
atravessou a ponte e participou do debate do campo universitário ao qual levou
a visão crítica do campo governamental. No governo em que prevaleceram as
WHVHVGDPRGHUQL]DomRWHFQROyJLFDFRUSRULÀFDGRHPDQRVHP1RFDPSR
governamental a ideologia do crescimento suplantou a do desenvolvimento
retirando de cena as questões de distribuição da renda e mobilidade social.
$ SROrPLFD LGHROyJLFD ÀFRX FHQWUDGD HQWUH FUHVFLPHQWR SULPHLUR H
desenvolvimento depois ou desenvolvimento primeiro e representada pelo
GLOHPD HQWUH LQÁDomR H HPSUHJR HP TXH R UHODWLYR j FDSDFLGDGH SURGXWLYD
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O panorama doutrinário
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9
1mR HVTXHFHU TXH HVVD HVTXHUGD FHSDOLQD DSRLDULD D VHJXLU D UHYROXomR FXEDQD H VHULD VDFUL¿FDGD
quando da queda de Salvador Allende.
10
Nota-se que os primeiros pós-keynesianos como Joan Robinson e Nicholas Kaldor, que representaram
posições criticas e reformistas, podem ser incluídos como progressistas. Outros como Kenneth Kurihara,
apareceram com um reformismo operacional não critico. Outros ainda, Alvin Hansen e Hyman Minsk,
representaram o lado monetarista de Keynes, conservaores como o próprio Keynes. Alguns atuais neo-
-keynesianos representam posições reformistas discretas que se diferenciam dos neoclássicos empeder-
nidos, aparecendo como progressistas comparados com o conservadorismo pesado da “austeridade” mas
FRQWLQXDPFRPDVXSHU¿FLDOLGDGHGRFXUWRSUD]R
D
D
2 HVVHQFLDO GH XP SHQVDPHQWR HVWUXWXUDO KLVWyULFR p LGHQWLÀFDU R
equilíbrio dinâmico que surge da progressão orgânica de contradições que
respondem pelas transformações do sistema sócio-produtivo11. Distinguem-se
contradições aparentes e essenciais, que são as que ligam o sistema econômico
e o politico. A essência da esquerda é caminhar sobre a progressão orgânica
GDV FRQWUDGLo}HV TXH VH GHVFREUHP VRE RV FRQÁLWRV DSDUHQWHV FRORFDGRV
pelas forças sociais organizadas. O essencial é ousar discutir em nome de uma
representatividade histórica fundamental. Como as contradições historicamente
surgem de processos desiguais do capitalismo e não há como pensar em dialética
do mundo social que não seja sobre as progressões das forças envolvidas. O
mundo dominado ou pertencente a condições anteriores de organização é
absorvido de modo subordinado pelo processo de poder com suas irradiações
econômicas, políticas e culturais. A diferença entre a dialética genuinamente
KLVWyULFDHDTXHVHGHGLFDDMXVWLÀFDUSURJUDPDVSUpHVWDEHOHFLGRVRXDOLDQoDV
FRQWUDGLWyULDVFRPDSHUFHSomRFRQÁLWLYDGDUHDOLGDGHpTXHHODpLQWUDQVLJHQWH
Certas novas leituras do esforço de reconstruir os fundamentos ontológicos do ser
social, que revelam aproximações subterrâneas das correntes que repudiaram o
racionalismo dirigido do grande capital, convergindo para uma rebeldia essencial
à inércia dos acordos de composição das diversas versões centristas12.
Frente a uma aceleração da substituição de tecnologia. O essencial da
perspectiva da esquerda é focalizar em mudanças socialmente positivas o que a
obriga a registrar a pluralidade do mundo social em que trata. Temas como pequena
SURGXomRUXUDOHLQIRUPDOLGDGHUHTXHUHPPDLRUTXDOLÀFDomRSRUTXHWUDWDPGH
pessoas. O mundo da pequena produção rural no Maranhão não se parece com
o do oeste do Paraná. Há, portanto, um problema geral de representatividade
GDV IRUPDV GH SURGXomR 'H] DJULFXOWRUHV TXDOLÀFDGRV VREUH PLO QmR WrP D
representatividade de cem sobre mil. Em universos amplos e complexos como IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
o brasileiro a questão geral de representatividade atinge a própria reprodução
do capital e a do trabalho. O movimento histórico do capital é a síntese de uma
pluralidade de movimentos de diversos capitais historicamente formados que
não se resumem nos dos capitais na ponta do sistema. Contemporâneo não
coetâneo, dizia Rangel. O comando dos diversos sistemas nordestinos não
11
Por trás desse esclarecimento há todo um debate sobre a diferenciação entre a dialética moderna e a
antiga, em que esta se distingue por compreender a noção de progresso, por extensão a de irreversibi-
lidade.
12
É o Brasil das intermináveis composições partidárias girando em torno do poder de veto dos partidos
centristas, produzindo acordos improváveis mais representativos dos interesses na sobrevivência dos
próprios partidos.
D
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
2GHVFREULPHQWRGRGHVDÀR
0\UGDOIRLRSULPHLURDFRORFDUDVXSHUDomRGRVXEGHVHQYROYLPHQWRFRPR
XP GHVDÀR TXH VH UHQRYD H D UHFRQKHFHU TXH UHYHUWHU DV WHQGrQFLDV
DR VXEGHVHQYROYLPHQWR VLJQLÀFD UHPDU FRQWUD D FRUUHQWH GR FRQVHUYDGRULVPR
-i &DQQDQ IDODYD GD SVHXGRGLVWULEXLomR HQWUH SHVVRDV TXH
HQFREUHDFRQFHQWUDomRGDUHQGDHQWUHFODVVHV&HOVR)XUWDGRIRLTXHP
primeiro viu desenvolvimento e subdesenvolvimento como dois processos
concomitantes e opostos no contexto da globalização da captura de recursos
naturais. A dinâmica econômica surgiu observando movimentos positivos do
sistema. O registro de movimentos negativos é a ruptura com a ortodoxia, que
revela o papel do imperialismo.
A questão central é o descompasso entre acumulação de capital e
expansão de mercado. Haverá um mínimo de acumulação necessário para a
reprodução do sistema, uma acumulação pretendida pelo capital e uma possível
nas condições orgânicas do sistema produtivo. Por sua vez, a expansão do
mercado dependerá da renda total gerada e de sua distribuição. A expansão
do mercado envolve mudanças na composição de produtos e nos sistemas de
comercialização. Refere-se a dados concretos de oferta e procura e nada tem a ver
com propensões nem expectativas. Torna-se necessário expurgar o subjetivismo
da teoria do desenvolvimento que trata com situações sociais concretas. Não
se trata de talentos inovadores de empresários, mas de demanda concreta de
capital das empresas.
D
D
Com a perspectiva das contradições do capital globalizado torna-se mais
IiFLOSHUFHEHUDIDOiFLDGDLQGXVWULDOL]DomRQRTXHHODVLJQLÀFDYDSHUGHUGHYLVWD
a organicidade da relação entre indústria e agricultura e a essencialidade do
sistema, com a necessidade de transformar simultaneamente os setores de
produtores de matérias primas e de manufaturados. No essencial, fortalecer
a capacidade de intervir do Estado. Necessário lembrar que os resultados
alcançados pela América Latina eram modestos e incertos e que o obstáculo
j VXVWHQWDomR GR FUHVFLPHQWR HVWDYD QD SUHVVmR FUHVFHQWH GR FRHÀFLHQWH
de importação, que não necessariamente era causada pela substituição de
importações13. Na verdade a política nacional de desenvolvimento que tinha
começado com um grande esforço em infraestrutura passava a um imediatismo
de produtos manufaturados. O quadro externo certamente não era favorável.
O controle politico do Brasil era parte da estratégia norte-americana da Guerra
Fria14, mas isso não se traduziu em vantagem econômica alguma. Na prática a
proposta reformista de política de desenvolvimento patrocinada pelas Nações
8QLGDV HQFRQWUDYD OLPLWHV LQVXSHUiYHLV LGHQWLÀFDGRV SHOD &(3$/ QD IRUPD GH
XPD´EUHFKDFRPHUFLDOGRVSDtVHVHPGHVHQYROYLPHQWRµ15.
A perda de espaço nas condições estruturais de formação de capital
FRUUHVSRQGH D XPD PDLRU YXOQHUDELOLGDGH jV ÁXWXDo}HV FtFOLFDV PHQRU
capacidade para gerar os recursos para reproduzir e ampliar os sistemas sociais
de utilidade pública. Foi o caso notório dos sistemas de habitação popular que se
tornaram inviáveis, mas cuja visão de casas individuais continuou até hoje. Em
suma, uma pressão crescente para contratar empréstimos externos que não se
consegue pagar. Começava o longo e tortuoso caminho do endividamento que
marcaria as décadas seguintes.
2 ÀP GR JRYHUQR -. VLJQLÀFDYD XP PRPHQWR HP TXH R SDtV WHULD TXH IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
avaliar suas reais condições de governabilidade econômica e política, claramente,
quando teria que inovar para sobreviver. Em vez disso houve uma proliferação de
EDQFRVHXPXVRGDLQÁDomRFRPRPHLRGHÀQDQFLDPHQWR2FHQiULRGDFULVH
13
2FRH¿FLHQWHGHLPSRUWDo}HVVXELDSRUTXHDXPHQWDYDRFXVWRHPGLYLVDVGHREWHURVPHVPRVPDWH-
riais para a reprodução do sistema produtivo cuja atualização dependia de importação de tecnologia. A
primeira restrição desse processo era o custo das moedas de onde provinham as importações.
14
Hoje se publica que Lyndon Johnson cogitou desembarcar fuzileiros em São Paulo e fazer ataques
aéreos a partir da Argentina (Le monde diplomatique) em apoio ao golpe de 64. Outras notícias foram
veiculadas pelo Washington Post em 1967 que houve um plano de aportar porta-aviões em Vitória para
isolar o Nordeste.
15
Título de uma ampla pesquisa realizada por aquele órgão em 1970.
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
HVWDYDDUPDGRHRSRSXOLVPRFRQVHUYDGRUGH-kQLR4XDGURVDFLRQRXDWHQVmR
social, polarizando um bloco de interesses bancários e industriais favoráveis à
sustentação da taxa de lucros pela compressão dos salários e a progressão dos
diversos movimentos de trabalhadores construindo um poder sindical.
Ao tratar desse período da história econômica não se podem ignorar
RVHIHLWRVFRQVHTXHQWHVGDJHQHUDOL]DomRGDVGLÀFXOGDGHVQD$PpULFD/DWLQD
Fracassaram iniciativas de integração do Pacto Andino e a Aliança para o Progresso
marcou uma cooperação controlada pela OEA. A sequência de turbulências
começada com o Bogotazo em 48 e de golpes de Estado começada na Guatemala
em 54 desenhava um continente instável em que os acordos de cooperação
fracassavam seguidamente. A concentração do comércio internacional com os
Estados Unidos era cada vez maior e as possibilidades de contornar a pressão
FRPRXWURVÁX[RVGHFRPpUFLRHUDPPtQLPDV
O modelo de desenvolvimento reformista defendido pela CEPAL foi
bloqueado na Argentina pelo golpe que derrubou Frondizi e as possíveis opções
representadas pelo pacto da democracia cristã também representavam outro
tipo de interferência externa europeia. Esse esgotamento das condições
concretas para um desenvolvimento reformista sob a pressão ascendente dos
grandes interesses é o dado fundamental de um problema de política econômica
que estava além das condições operacionais do governo. Na relação entre a
composição política, basicamente formada de forças tradicionais, e o aparelho
governamental encontra-se uma clivagem entre as concepções políticas do
(VWDGRHDVFRQGLo}HVRSHUDFLRQDLVGRJRYHUQR2VLPSOHVIDWRTXH-kQLR4XDGURV
adotasse um modo pessoal de governar, passando por cima das instituições, é
a prova dessa falha.
Em tal contexto a experiência do ISEB é extraordinária porque representa
XPHVIRUoRGHUHÁH[mRFHQWUDOLQpGLWDVREUHR%UDVLOPDVGHYHVHUFRQIURQWDGR
com o lado central do país, isto é, com o planejamento estadual em que a Bahia
e Pernambuco foram os pioneiros. A experiência baiana foi a que provocou o
Governo Federal para a criação da SUDENE, mas essa foi uma iniciativa que
repetiu o pecado original de ignorar todas as experiências anteriores e começar
do zero na concepção dos problemas da região.
O esgotamento do modo reformista de desenvolvimento foi um
movimento de grande complexidade para as opções de desenvolvimento que
WHYHHIHLWRVLPHGLDWRVHRXWURVSURORQJDGRVHFXOPLQRXFRPRJROSHGH
cujas motivações mais profundas não foram visíveis para seus próprios autores.
A composição de interesses, genuínos e externamente controladas, caiu na
D
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DUPDGLOKD GD VLPSOLÀFDomR LGHROyJLFD VRPHQWH GHVSHUWDQGR SDUD R SUy[LPR
HVJRWDPHQWRHP
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
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como se eles não existissem. Nesse contexto, políticas em curto prazo são
alienadas em relação com as verdadeiras condições estruturais da economia
periférica.
Logicamente, o caráter cíclico da economia do capital não é parte da
SROtWLFDUHIRUPLVWDSHULIpULFD(PDSDUHFHXRWUDEDOKRGH0DULD&RQFHLomR
Tavares sobre Acumulação e crise que trata da condição cíclica da industrialização
no Brasil, com uma contribuição para uma revisão marxista dos processos
industriais periféricos, mas não estendeu a crítica à política de desenvolvimento
em geral em que a indústria continuou na ciranda de inovação, tecnologia,
aprendizagem, como se não se tratasse de processos do capital. No modo de
acumulação do sistema do capital em geral as décadas de 70 e 80 foram de
repetidos movimentos de instabilidade nas periferias e em 2008 reconheceu-se
RÀFLDOPHQWHTXHDLQVWDELOLGDGHWLQKDSDVVDGRSDUDRFHQWURRQGHVHSDVVRXD
realizar políticas de reanimação, supostamente breves mas que se prolongam
sob eufemismos tais como austeridade.
3RQGHUDo}HVÀQDLV
16
Quando capitais árabes compram o Waldorf Astoria e chineses compram o edifício do Citycorp em
Manhattan e brasileiros aquecem o mercado imobiliário na Florida fazem parte desse movimento.
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5HIHUrQFLDV
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RANGEL, Ignacio. Economia: milagre e anti-milagreRio de Janeiro: Jorge Zahar,
BBBBBB Breves notas com vista a um plano de desenvolvimento econômico
5HYLVWDGH'HVHQYROYLPHQWR(FRQ{PLFR, Salvador, n. 3, 2000.
ROBINSON, Joan. 7KHDFFXPXODWLRQRIFDSLWDO/RQGUHV0DFPLOODQ
STRUMILIN, S.G. (OIDFWRUWLHPSRHQORVSUR\HFWRVGHLQYHUVLyQGHFDSLWDO(O
7ULPHVWUHV(FRQyPLFR0p[LFRDEULO
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Introdução
17
Numa crônica publicada no jornal do Brasil, em 18/09/1979, reclamava da assessoria econômica de
Miguel Arraes que continuava criticando-o por ser contra a reforma agrária quando, há muito, havia mu-
dado de opinião. Escreveu ele: “Em matéria de assessoramento econômico, nossa esquerda é, em geral,
uma catástrofe [...]. Ora, Miguel Arraes não constitui exceção. Sua assessoria não aprendeu nada, nem
esqueceu nada, nestes três lustros [...] Só faltaria que, agora, em 1979, quando eu estou sustentando que
isso (tese contrária a reforma agrária como pré-condição para o desenvolvimento) não é mais verdade,
eles levantem a bandeira do meu velho livro (refere-se ao livro A Questão Agrária Brasileira), para
D¿UPDUDTXHODVYHUGDGHVWRUQDGDVFDGXFDV1mRVHULDHVVDDSULPHLUDYH]´5$1*(/E
D
D 100
Sua visão sobre desenvolvimento ia além das ideologias de esquerda e
GLUHLWD1DWULOKDGH.H\QHVH.DOHFNLFRORFDYDRLQYHVWLPHQWRFRPRFRQGLomR
fundamental para o desenvolvimento. Considerando a condição do Brasil como
SDtV SHULIpULFR DSULQFtSLR SURS{VTXHR(VWDGREDQFDVVHRÀQDQFLDPHQWRDR
LQYHVWLPHQWR &RP D FULVH GRV DQRV VXJHULX DR PLQLVWUR GD )D]HQGD GR
primeiro governo militar a correção monetária como estratégia alternativa18.
2XWURH[HPSORGRSUDJPDWLVPRGH5DQJHOpTXHQRÀQDOGRVDQRV
face às distorções causadas pela correção monetária, sugeriu a criação de
uma nova lei de concessão de serviços públicos. Através dela, o setor privado
passaria a encarregar-se, de forma crescente, pelos investimentos públicos de
infraestrutura. Essa sugestão não deixa de ser surpreendente, considerando
que Rangel teve um papel importante na criação de grandes empresas estatais
brasileiras, como a Petrobrás e a Eletrobrás. Nem em sonhos Rangel poderia
LPDJLQDU TXH DSyV R VHX IDOHFLPHQWR D SULYDWL]DomR GH HPSUHVDV
estatais iria tão longe.
1RTXHVHUHIHUHjLQÁDomRIRLDPHVPDFRLVD$GYRJDGRSRUIRUPDomR
o único curso formal de economia que Rangel frequentou foi, nos anos 50,
na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), templo do
estruturalismo latino-americano, no Chile. Nem por isso, Rangel poupou o
HVWUXWXUDOLVPR QD VXD DQiOLVH GDV FDXVDV GD LQÁDomR EUDVLOHLUD 1R FOiVVLFR
´$ LQÁDomR EUDVLOHLUDµ SXEOLFDGR QR OLPLDU GR UHJLPH PLOLWDU 5DQJHO
LURQL]DYD RV ´QRVVRV RUWRGR[RV HVWUXWXUDOLVWDVµ SRU FRQIXQGLUHP D HVWUXWXUD
concentrada de intermediação – causa principal da alta do preço dos alimentos
– com inelasticidade da oferta agrícola. Igualmente, não poupava os “nossos
RUWRGR[RV PRQHWDULVWDVµ SRU QmR VH GDUHP FRQWD TXH D PRHGD p SDVVLYD RX
seja, é o aumento de preços que leva as autoridades monetárias a aumentarem IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
a quantidade de moeda e não o contrário.
1mRpGLItFLOLPDJLQDUTXHQmRVHÀOLDQGRDQHQKXPDFRUUHQWHGRPLQDQWH
de economistas de esquerda ou de direita, Rangel fosse, com raras exceções,
solenemente ignorado por ambos os lados. Em certo momento, deixou
transparecer alguma mágoa em relação a isso. O que poucos perceberam é
18
Conforme Bresser Pereira (Folha de São Paulo, 06/03/1994).
19
(PFU{QLFDMiFLWDGD5DQJHOGHVDEDIRX³1DGDPHREULJDDHVFROKHUOtGHUDOJXPSRUTXHD¿QDOQmR
sou apenas um cidadão, mas também um economista. Um economista de esquerda (grifo do autor) [...]
que continuou, infatigavelmente, a trabalhar seus esquemas, contra o vento e a maré, mas que tem a
consciência de estar vencendo. Que viu chegar o momento de ver suas ideias – aquelas pelas quais se
bateu, solitariamente, por tantos anos, expondo-se à chacota dos doutores – serem postas em circulação,
VHPUHIHUrQFLDDRVHXQRPH´,ELGQRWDS1XPDSRVVtYHOLGHQWL¿FDomRDRV³GRXWRUHV´DTXH
D
D 101
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
que Rangel tinha maior autonomia de voo. Ambicionava construir uma teoria dos
FLFORVGDHFRQRPLDEUDVLOHLUDTXHQmRIRVVHVLPSOHVPHQWHUHÁH[RGDVYLFLVVLWXGHV
das economias do centro capitalista desenvolvido. Para chegar até ela, baseou-
se nas teorias dos ciclos longos (50 anos) do russo N. Kondratieff e dos ciclos
médios (10 anos) do francês C. Juglar. Do ponto de vista da teoria econômica, foi
EXVFDUVXEVtGLRVHP0DU[HP.H\QHVHHP6FKXPSHWHUGHQWUHRXWURV6XUJLD
assim, a tese da dualidade da economia brasileira.
Rangel se referia, em artigo-homenagem na semana de seu falecimento, na Folha de São Paulo, Bresser
3HUHLUDDRFLWDUXPVHPLQiULRQD863RUJDQL]DGRSRU'HO¿P1HWWRGL]TXH³'HO¿PHVHXVDVVLVWHQWHV
criticavam Rangel pela imprecisão de seus conceitos econômicos” (1994, B2).
20
Rangel (1981:12).
21
Segundo Rangel (1982:17), “Kondratieff tornou-se um profeta maldito dos dois lados da Cortina
de Ferro”. Na ex-União Soviética, foi destituído de seus cargos, preso e deportado para a Sibéria. No
Ocidente, se não fosse Schumpeter que usou o seu nome para denominar os ciclos longos, teria sido um
ilustre desconhecido. Rangel atribui esse descaso ao fato de que a sua teoria era desfavorável tanto ao
capitalismo, por prever que, de tempos em tempos, a prosperidade acabaria (entraria na fase “b”); quanto
ao socialismo, por admitir que, após cada crise, o capitalismo não se enfraqueceria – como previra Lênin
– mas se fortaleceria (entraria novamente na fase “a”).
D
D 102
QDIDVH´EµRXGHVFHQGHQWH2%UDVLOVHLQVHUHQRVFLFORVORQJRVGDHFRQRPLD
mundial da seguinte forma: na fase ascendente, é favorecido pelo aumento de
suas exportações; na fase descendente (crise), devido à escassez de divisas,
VHGHGLFDDVXEVWLWXLULPSRUWDo}HV$VIDVHV´DµGRFLFORGH.RQGUDWLHIIIRUDP
HHQTXDQWRDVIDVHV´EµFRPSUHHQGHUDP
RVSHUtRGRVH5DQJHOLQFOXLXPFLFORGH
.RQGUDWLHIIVHQGRDIDVH´DµHDSyVFKRTXHGRSHWUyOHR
WHULDFRPHoDGRDIDVH´Eµ22.
O que diferencia o caso brasileiro das demais formações históricas
clássicas, segundo Ignacio Rangel, é que existe uma interação entre o
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção internas e
externas e, por causa da sua dependência em relação às economias centrais,
estas últimas são determinantes em última instância do desenvolvimento das
primeiras. Para explicar o desenvolvimento econômico, Rangel divide a economia
brasileira em três setores: o primeiro, e mais atrasado, formado pela agricultura
feudal ou pré-capitalista (ou de subsistência); o segundo, pela economia de
mercado capitalista (todas as demais atividades) e, o terceiro, pelo comércio
exterior. A transformação da economia seria sempre resultado da ação que
o segundo setor (o capitalista) exerce sobre o primeiro, a partir de estímulos
oriundos do terceiro setor.
A contrapartida política da tese da dualidade estaria na base da
formação do Estado brasileiro. A mudança de um modo de produção para outro
HVWiDVVRFLDGRDXP´SDFWRGHSRGHUµTXHUHVXOWDGDDOLDQoDGHDSHQDVGXDV
classes dirigentes, uma representando o segmento interno e outra o segmento
externo. A transição, de uma dualidade para outra, se faz por cooptação, isto é,
“pela exclusão, pelo próprio grupo dirigente, dos elementos mais arcaicos, e sua IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
VXEVWLWXLomRSRURXWURVUHSUHVHQWDWLYRVGDVQRYDVIRUoDVVRFLDLVHPDVFHQVmRµ
23
. A história das dualidades brasileiras, segundo a cronologia de Ignacio Rangel,
é mostrada nos diagramas a seguir24.
22
Ver, a esse respeito, o texto “O Brasil na fase “b” do 4º Kondratieff” incluído na coletânea Ciclo,
Tecnologia e Crescimento5$1*(/
23
Rangel (1962) Apud %LHOVFKRZVN\
24
A análise que segue, assim como a elaboração dos diagramas está baseada no artigo de Rangel “História
da Dualidade Brasileira”, publicado na Revista de Economia Política (vol1, n.4, out-dez/1981).
D
D 103
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
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LQFDSD]HVGHJDUDQWLUDDXWRVVXÀFLrQFLDDTXDOHVWDYDOLJDGDWDQWRDRQ~PHUR
de cativos quanto à disponibilidade de terras. Ambas as condições passaram a
H[LVWLUFRPDSURLELomRGRWUiÀFRHFRPDOHLTXHJDUDQWLDTXHWRGDVDV
terras devolutas passassem a pertencer aos fazendeiros. Abria-se, portanto, a
possibilidade de mudança de dualidade.
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
$RLQLFLDUVHDIDVH´DµGRFLFORORQJRQDVHJXQGDPHWDGHGRVpFXOR
;,;HTXHVHSURORQJDDWpD,*XHUUD0XQGLDODSURGXomRGHFDIp
no Brasil cresceria em progressão geométrica25$SyVRÀQDOGDJXHUUDRFRUUH
D SDVVDJHP SDUD D IDVH ´Eµ GR .RQGUDWLHII TXH VHULD PDUFDGD SRU GRLV
DFRQWHFLPHQWRV GH JUDQGH UHSHUFXVVmR PXQGLDO $ *UDQGH 'HSUHVVmR
H D ,, *XHUUD 0XQGLDO $ WHUFHLUD GXDOLGDGH EUDVLOHLUD SRUWDQWR
seria inaugurada justamente numa ocasião em que a produção de café se
25
³$SURGXomREUDVLOHLUDTXHKDYLDDXPHQWDGRGHPLOK}HVGHVDFDVGHNJHPSDUD
HPDOFDQoDULDHPPLOK}HV´)857$'2
D
D
encontrava no auge e que a demanda externa tendia a se retrair. A principal
mudança foi a passagem do capital industrial para o lado interno do polo externo
da dualidade em substituição ao capital mercantil. Sua exclusão do lado externo
do polo externo, por sua vez, possibilitaria que outra formação (superior, porque
o capitalismo hegemônico está sempre mais avançado) ocupasse o seu espaço,
QHVWHFDVRDGRFDSLWDOÀQDQFHLUR27.
Embora como sócio menor da terceira dualidade, a burguesia industrial
surgida como dissidência da classe dos comerciantes teria papel fundamental
para alavancar o processo de substituição de importações. Como estudado por
vários autores28, o esgotamento das reservas cambiais e a escassez de divisas
criaram, automaticamente, uma reserva de mercado para a produção nacional
VXEVWLWXWLYDGHLPSRUWDo}HV6HJXQGR&RQFHLomR7DYDUHVTXDQGRVHLQLFLD
a Grande Depressão, o Brasil dispunha de um mercado interno relativamente
amplo e uma estrutura industrial que, embora incipiente, possuía uma relativa
GLYHUVLÀFDomR,VVRSRVVLELOLWRXDJUDGDWLYDVXEVWLWXLomRGHLPSRUWDo}HVGHEHQV
não duráveis ou simples para bens duráveis ou complexos. Mais adiante, no após-
JXHUUDDRLQLFLDUVHDIDVH´DµGR.RQGUDWLHIIHVVHHVIRUoRGHVXEVWLWXLomRGH
importações, com o apoio decisivo de recursos do Estado, alcançaria os bens de
capital.
O processo de substituição de importações não só não é interrompido na
terceira dualidade como, a partir dela, a economia brasileira passaria a produzir
o seu próprio ciclo endógeno. Não se tratava do ciclo longo, causado pela
gestação e propagação de novas tecnologias, que é, por sua própria natureza,
prerrogativa dos países industrializados integrados ao centro dinâmico. Tais ciclos
26
³$SURGXomRGHFDIpHPUD]mRGRVHVWtPXORVR¿FLDLVUHFHELGRVFUHVFHXIRUWHPHQWH>@(QWUHH
1929 tal crescimento foi quase cem por cento [...] Enquanto aumenta dessa forma a produção, mantêm-
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
-se praticamente estabilizadas as exportações. Em 1927-29 as exportações apenas conseguiam absorver
duas terças partes da quantidade produzida”. Ib. p. 181
27
2FDSLWDO¿QDQFHLURDTXH5DQJHOVHUHIHUHQDWHUFHLUDGXDOLGDGHpQRVHQWLGRDWULEXtGRSRU+LOIHUGLQJ
ou seja, surgido da união do capital industrial com o capital bancário, com a dominância do primeiro
sobre o segundo. Não é como ocorre hoje em dia, onde os papéis se encontram invertidos.
28
6REUHRSURFHVVRGHVXEVWLWXLomRGHLPSRUWDo}HVYHU&RQFHLomR7DYDUHV)XUWDGRH
Cardoso de Mello (1982), entre outros.
29
“Outra singularidade da terceira dualidade está no fato de que, embora havendo começado nas con-
dições da fase recessiva do ciclo longo, a industrialização substitutiva de importações [...] não se inter-
rompeu com a passagem ascendente do 4º Kondratieff. O dinamismo do processo de industrialização,
engendrando demandas de importações sempre novas, fez com que o impulso se mantivesse” (RAN-
*(/
D
D 107
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
30
³>@XPDYH]FXPSULGRRSURJUDPDGHVXEVWLWXLomRGHLPSRUWDo}HV>@GHVFREUtDPRVTXHDLQVX¿-
ciência da capacidade para importar ressurgia sob a forma de demanda insatisfeita de um grupo novo
de produtos [grifo do autor]. Este é o núcleo do problema que proponho que se estude sob a rubrica de
dialética da capacidade ociosa, manifestada pela circunstância fundamental de que, no próprio ato de
implantar-se, engendrava o seu contrário, tendendo, portanto, a perpetuar o esforço de desenvolvimen-
WR´5$1*(/
D
D 108
A quarta dualidade brasileira, que seria também a última, ainda não
havia se completado à época em que Rangel estudava o fenômeno. O ano de
FKRTXHGRSHWUyOHRVHJXQGRHOHPDUFDULDDHQWUDGDGRVSDtVHVGR
FHQWURFDSLWDOLVWDKHJHP{QLFRQDIDVH´EµGRFLFORGH.RQGUDWLHII1R%UDVLO
DIDVHGHVFHQGHQWHGRFLFORORQJRFRLQFLGLULDFRPDIDVH´EµGRVHXFLFORPpGLR
HQGyJHQRSRQGRWHUPRQRFKDPDGR´0LODJUH(FRQ{PLFRµ$SDUWLU
daí o esforço do II PND (governo Geisel) de manter o crescimento “em marcha
IRUoDGDµ31 de forma a completar a substituição de importações no Departamento I
da economia (produção de bens de capital) e insumos importados (principalmente
petróleo) desembocaria numa grave crise do balanço de pagamentos, a partir do
início dos anos 80 do século passado.
'LDQWH GD LQFDSDFLGDGH GH FRQWLQXDU ÀQDQFLDQGR R FUHVFLPHQWR GD
HFRQRPLDFRPFDSLWDOH[WHUQRHVVHÀQDQFLDPHQWRGHYHULDVHUIHLWRFRPSRXSDQoD
interna. Nessa fase, diante do avanço de sua industrialização, o Brasil estaria
deixando de produzir muitas coisas importadas simplesmente pela falta de um
VHWRUGHLQWHUPHGLDomRÀQDQFHLUDFDSD]GHÀQDQFLDUDDFXPXODomRGHFDSLWDO2
´0LODJUH(FRQ{PLFRµKDYLDOHYDGRDDOJXPDVDWLYLGDGHVHFRQ{PLFDVDFUHVFHUHP
além dos limites impostos pelo mercado, gerando, portanto, sobreacumulação de
capital. Era preciso fazer com que essas atividades detentoras de poupança, mas
impossibilitadas de investir em suas próprias instalações, fossem estimuladas
a transferir recursos para outras atividades carregadas de antiociosidade, que
5DQJHOLGHQWLÀFRXQRVVHUYLoRVS~EOLFRV6XDVXJHVWmRQDpSRFDIRLDFULDomR
de uma nova lei de concessão de serviços públicos, que permitisse ao setor
privado encarregar-se, de forma crescente, pelos investimentos públicos de
infraestrutura.
$ EXUJXHVLD LQGXVWULDO ÀQDOPHQWH VH WRUQDULD R VyFLR PDLRU QD TXDUWD IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
dualidade, representando o polo externo, e tendo como sócio menor a nova
burguesia rural, representando o polo interno. Para viabilizar a mudança no polo
interno da dualidade, seria preciso eliminar os últimos resquícios do latifúndio
feudal – condição necessária para criar empregos no meio rural. Nesse sentido,
Rangel advoga a diminuição do preço da terra. Na sua visão, o preço da terra
no Brasil não decorre do seu uso enquanto tal, mas da sua utilização como
HVSHFXODomRÀQDQFHLUD$HVWDJQDomRHFRQ{PLFDVHJXLGDGHLQÁDomRQDIDVH
descendente do ciclo endógeno) desencadeia um processo de valorização dos
ativos reais, como a terra, que nada tem a ver com o seu valor territorial. Nesse
31
$H[SUHVVmR³PDUFKDIRUoDGD´FRPRFDUDFWHUtVWLFDGRSHUtRGRVHGHYHD&DVWUR
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
,QÁDomRDLOXVmRPRQHWDULVWDHHVWUXWXUDOLVWD
32
³>@RPHVPRSURFHVVRUHFHVVLYRTXHVHID]DFRPSDQKDUGHH[DFHUEDomRGRSURFHVVRLQÀDFLRQiULR
também desencadeia um processo de “valorização” da terra, no sentido de elevação dos preços desse
fator, em óbvio descompasso com a renda territorial (grifo do autor). Por outras palavras, os títulos fun-
diários comportam-se em contracorrente com os mobiliários. A mesma recessão que deprime os valores
PRELOLiULRVLPSHOHSDUDFLPDRVWtWXORVIXQGLiULRV´5$1*(/D
33
“Há tempos que o problema da terra, no Brasil, tomou a forma de um SUREOHPD¿QDQFHLUR[grifo do
DXWRU@$VVLPDFRQ¿JXUDomRJUDGDWLYDGRQRYHOFDSLWDOLVPR¿QDQFHLURWUDUiHPVHXERMRXPDUHIRUPD
agrária, nada menos. Noutros termos, a reforma agrária que não precedeu a industrialização, como
julgávamos nós, os revolucionários dos anos 30, terá de vir agora, como coroamento da mesma indus-
WULDOL]DomR´5$1*(/
34
-iQR¿QDOGRVpFXOR;9,RVHVFULWRVPHUFDQWLOLVWDVID]LDPUHODomRGDLQÀDomRFRPDVUHVHUYDVGH
RXUR GH XP SDtV H VHX EDODQoR GH SDJDPHQWRV (QWUH RV FKDPDGRV ¿OyVRIRV SROtWLFRV GH PHDGRV GR
VpFXOR ;9,,, FUtWLFRV GRV PHUFDQWLOLVWDV H SUHFXUVRUHV GRV HFRQRPLVWDV FOiVVLFRV D FRUUHODomR HQWUH
moeda e preços era ainda mais visível (em especial, em David Hume).
D
D 110
é a quantidade de moeda M – que representa a demanda – é responsável pela
alteração no nível geral de preços P.
-i D DQiOLVH HVWUXWXUDOLVWD GD LQÁDomR VXUJLX GHQWUR GR UHIHUHQFLDO
teórico desenvolvido pela CEPAL35, cujas teses principais foram resumidas por
6XQNHO DWUDYpV GH XP HVTXHPD JHUDO SDUD D DQiOLVH GD LQÁDomR (VVH
HVTXHPDLGHDOL]DGRFRPEDVHQDHFRQRPLDFKLOHQDVHSURSXQKDDLGHQWLÀFDU
DVSUHVV}HVLQÁDFLRQiULDVHRVVHXVPHFDQLVPRVGHSURSDJDomR$VSUHVV}HV
LQÁDFLRQiULDVEiVLFDVUHÁHWLDPDLQFDSDFLGDGHGRVVHWRUHVSURGXWLYRVGHDWHQGHU
ao crescimento da demanda, em especial a agricultura devido à inelasticidade
da oferta de alimentos.
$SDODYUD´LOXVmRµXVDGDSRU5DQJHOSDUDFDUDFWHUL]DUWDQWRDYLVmR
monetarista quanto a estruturalista, dá bem uma ideia do quanto não acreditava
QRSRGHUGHH[SOLFDomRGHVVDVHVFRODVSDUDH[SOLFDUDLQÁDomREUDVLOHLUDQRVDQRV
8PDQRDQWHVGHSXEOLFDURVHXFOiVVLFR$LQÁDomREUDVLOHLUD, escreveu um
artigo com esse mesmo título em que ironizava a ortodoxia, seja de direita, seja de
esquerda. Nossos ortodoxos monetaristas (de direita), dizia ele, não percebem
que a moeda é passiva, ou seja, é o aumento de preços que leva as autoridades
monetárias a aumentarem a quantidade de moeda e não o contrário. Nossos
ortodoxos estruturalistas (de esquerda), por outro lado, “tomaram a nuvem por
-XQRµDRQmRSHUFHEHUHPTXHpDHVWUXWXUDFRQFHQWUDGDGHLQWHUPHGLDomRTXH
DR QmR UHSDVVDU RV DXPHQWRV GH SUHoRV REWLGRV DR QtYHO GR FRQVXPLGRU ÀQDO
para o produtor, desestimula o aumento da produção por parte deste último e
QmRXPDVXSRVWDLQHODVWLFLGDGHGDRIHUWDDJUtFROD5DQJHO
$R FRQYHUJLUHP SDUD D WHVH GDV ´LQHODVWLFLGDGHV GD RIHUWDµ ² RV
monetaristas com base na hipótese do pleno emprego clássica; os estruturalistas
LGHQWLÀFDQGR ´SRQWR GH HVWUDQJXODPHQWRµ QD DJULFXOWXUD DPEDVDV FRUUHQWHV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
FRQFOXtUDP HTXLYRFDGDPHQWH WUDWDUVH GH LQÁDomR FDXVDGD SRU H[FHVVR GH
35
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, órgão ligado às Nações Unidas, sediado em
Santiago do Chile, fundada em 1948, tendo à frente o economista argentino Raúl Prebisch, cujo objetivo
principal era desenvolver um marco teórico alternativo (Desenvolvimentismo) para a América Latina,
até então dominado por teorias construídas com base no cenário das nações que detinham a hegemonia
econômica.
36
“[...] Cumpre notar que essa ortodoxia verdadeira não é privilégio nem de esquerda, nem da direita,
sendo, ao contrário, um fundo comum da ciência econômica, pois as equações de Fisher já estavam per-
feitamente formuladas nos parágrafos de Marx, e não há, no mundo moderno, nenhuma ortodoxia mais
verdadeiramente ortodoxa do que a dos economistas soviéticos” (Rangel, 1962:267). Dizer isso hoje é
IiFLOPDVQmRQDTXHODpSRFDHPTXHRFRQÀLWRLGHROyJLFRHQWUHHVTXHUGDHGLUHLWDHUDPXLWRDFLUUDGR
D
D 111
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
38
“Tudo se passa, portanto, como se a sociedade civil, movida por maquiavélica malícia, preparasse
XPDDUPDGLOKDSDUDR(VWDGR(VWHVHUiSUHPLDGRVHGHVHPSHQKDURVHXSDSHOQDWUDJLFRPpGLDGDLQÀD-
ção; e será punido se recusar a fazê-lo” (Rangel, 1978:26).
D
D 112
O problema fundamental, para Ignacio Rangel, é descobrir por que
algumas empresas privadas que dominam o mercado, em certos períodos,
decidem elevar os seus preços – e mais – por que preferem até mesmo não
OHYDUXPDSDUWHGRSURGXWRDRPHUFDGRDRLQYpVGHEDL[DUHPRVSUHoRV"2UDj
medida que nos afastamos do regime de concorrência pura e adotamos a tese
mais realista da concentração de mercado, a manutenção da margem de lucro
(regra do PDUNXS), em períodos de escassez da demanda, passa a ser uma
explicação convincente.
Nesse ponto, a teoria de formação de preços de Ignacio Rangel em muito
se assemelha a de Michal Kalecki, embora não seja certo que ele conhecesse
a obra do economista polonês j pSRFD LQtFLR GRV DQRV 0HVPR QmR
FRQKHFHQGR.DOHFNLDDÀQLGDGHSURYDYHOPHQWHVHGHXSRUTXHDPERVWLYHUDP
o mesmo ponto de partida (Marx). Para Kalecki, a característica normal da
economia é operar com capacidade ociosa devido ao grau de monopolização
das economias capitalistas40. O preço do produto (S) é determinado por uma
margem (PDUNXS) sobre os custos diretos (u), calculado pela equação S PX
+ n , sendo m e n FRHÀFLHQWHVSRVLWLYRVTXHUHSUHVHQWDPDSROtWLFDGHÀ[DomR
GH SUHoRV GD ÀUPD H R SUHoR GRV GHPDLV FRQFRUUHQWHV QDTXHOH PHUFDGR 2
SRGHUGHPHUFDGRGDHPSUHVDUHÁHWHRVHXJUDXGHPRQRSyOLRGDGRSHODUD]mR
4XDQWRPHQRURSRGHUGHPHUFDGRGDHPSUHVDPDLVSUy[LPRGHGHYHUiVLWXDU
se seu preço e vice-versa41.
Conquanto a escola estruturalista tenha entendido, corretamente, a
LQÁDomRFRPRXPIHQ{PHQRHQGyJHQRWDPEpPSDUD,JQDFLR5DQJHOSURGX]LX
RXWUD´LOXVmRµ$RDVVRFLDURDXPHQWRGRVSUHoRVFRPRV´JDUJDORVµGDHVWUXWXUD
da economia, notadamente a inelasticidade da oferta agrícola, os estruturalistas
inverteram a ordem natural das coisas: a inelasticidade está na demanda e IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
não na oferta. É o intermediário oligopsonista-oligopolista que impede que a
39
A primeira edição de $,QÀDomR%UDVLOHLUD é de 1963, quando a obra do economista polonês era pou-
co conhecida no Brasil. Por esse motivo, no prefácio da 3ª edição (1978), Luiz Carlos Bresser Pereira
não acredita que Ignacio Rangel estivesse familiarizado com a teoria kaleckiana. O próprio Rangel, no
posfácio que escreveu para a edição de 1978, mostrou estar em dúvida a esse respeito. “[...] tanto podia
dizer que sim, como que não” (Rangel, 1978:129).
40
Não é outro o pensamento de Rangel, como pode ser comprovado pela leitura do prefácio do livro
Recursos Ociosos e Política Econômica ;,³>@RSURJUHVVRQmRGHSHQGHQHFHVVDULDPHQWH
da expansão das forças produtivas, dado que, normalmente (grifo do autor), a sociedade subutiliza as
forças de que dispõe. Assim, quando o marxismo me ensinou que toda crise é crise de superprodução,
disse-me uma antiga novidade”.
41
Ver Kalecki (1983:8).
D
D 113
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
elevação dos preços pagos pelo consumidor seja transferida para o produtor.
Como a elevação de preços deprime o salário real do trabalhador – dado o peso
da alimentação no orçamento das classes de renda mais baixas – o que existe é
uma crônica inelasticidade da demanda e não da oferta.
A parte mais surpreendente do raciocínio de Rangel ainda não foi
desvendada. A redução da demanda não ocorre nos chamados bens-salário e
sim em outros bens, cuja procura é mais elástica do que os alimentos, tais como
vestuário, calçados, etc. Em outras palavras, o aumento da parcela da renda do
trabalhador comprometida com a alimentação provoca um efeito substituição na
estrutura de consumo popular, aumentando o peso dos alimentos em detrimento
de outras mercadorias e serviços menos essenciais. O aumento dos estoques,
SRUWDQWRQmRVHYHULÀFDQRVHJPHQWRGHHPSUHVDVTXHDXPHQWDUDPRVSUHoRV
dos seus produtos e sim nas empresas cuja elasticidade preço da demanda é
maior. Os preços não caem, como supõem os monetaristas, porque a elevação
inicial de preços e a retenção de estoques têm lugar em setores diferentes
do mercado e são estas últimas empresas que recorrem ao sistema bancário
à procura de crédito para manter os estoques que forçam o governo a emitir,
VDQFLRQDQGRDLQÁDomR
'HVIHLWDV DV ´LOXV}HVµ PRQHWDULVWD H HVWUXWXUDOLVWD ,JQDFLR 5DQJHO
passa a expor o seu próprio pensamento a respeito das causas do processo
LQÁDFLRQiULR EUDVLOHLUR GD SULPHLUD PHWDGH GRV DQRV 6XDV UHIHUrQFLDV
WHyULFDVVmR.H\QHVH0DU['RSULPHLURIRLEXVFDURFRQFHLWRGH´SURSHQVmR
PDUJLQDODFRQVXPLUµSDUDH[SOLFDUDSURSRUomRGDUHQGDTXHpJDVWDFRPEHQV
GHFRQVXPR'RVHJXQGRVHDSURSULRXGRFRQFHLWRGH´WD[DGHH[SORUDomRµ²
proporção do excedente ou PDLVYDOLD realizada sobre os salários pagos pelo
trabalho – para entender o processo de concentração de renda no país. Juntando
os dois conceitos, Rangel concluiu que pelo fato da taxa de exploração ser alta é
que a propensão marginal a consumir é baixa.
Um passo mais adiante e Rangel consegue explicar a recorrência de
crises econômicas ou, como costumava chamar, as fases descendentes dos
ciclos econômicos. Na medida em que é apropriada uma fatia maior da PDLV
valia (ou que aumenta a taxa de exploração), as condições para aumento do
LQYHVWLPHQWR WHQGHP D VH GHSULPLU SRU FDXVD GD LQVXÀFLrQFLD GH GHPDQGD
efetiva. Esta queda, por sua vez, resulta do aumento de produtividade não
repassada para os salários. O dilema da economia brasileira reside, para Rangel,
entre escolher entre crescimento cada vez mais acelerado – de forma a ocupar
a grande carga de capacidade ociosa acumulada em seu parque industrial – e a
crise econômica.
D
D 114
)LQDOPHQWH5DQJHOFRQFOXLTXHDLQÁDomRpXPDHVSpFLHGHPHFDQLVPR
de sustentação do nível de crescimento da economia. Para que a economia
cresça é preciso manter um nível mínimo de demanda, o que só é possível
GHYLGRjH[LVWrQFLDGDLQÁDomR$HOHYDomRGHSUHoRVWHPFRPRFRQWUDSDUWLGDD
GHVYDORUL]DomRGDPRHGDHFRPLVVRSURYRFDXPD´FRUULGDDRVEHQVPDWHULDLVµ
promovendo uma elevação forçada dos investimentos pelas empresas e das
FRPSUDV GH EHQV GXUiYHLV SHODV IDPtOLDV GH UHQGD PpGLD H DOWD $ LQÁDomR
portanto, está relacionada com aquilo que de mais estratégico existe para uma
economia, ou seja, a sua própria taxa de formação de capital42.
42
³>@9LVWDVREHVVHkQJXORDLQÀDomRVHUHODFLRQDQmRFRPPRYLPHQWRVVXSHU¿FLDLVGDHFRQRPLD
mas com o que há de mais estratégico nela, isto é, com a taxa de capitalização ou de formação de capital”
(Rangel, 1978:32).
43
9HUHVSHFLDOPHQWHRDUWLJR³5HFHVVmRLQÀDomRHGtYLGDLQWHUQD´SXEOLFDGRQRVHJXQGRVHPHVWUHGH
QDRevista de Economia PolíticaYROQMXOVHW
D
D 115
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
GHPDQGDµHYLDDLQÁDomRFRPXPFRPSRQHQWHGD´VtQGURPHGDUHFHVVmRµ 44.
6RPHQWHVHSRGHULDIDODUHP´DTXHFLPHQWRµGDGHPDQGDQDIDVHDVFHQGHQWH
do ciclo, mas não na fase descendente, quando a demanda é mínima. Ora, na
recessão, a tendência é haver subutilização da capacidade instalada, de modo
que a redução da oferta é, até certo ponto, planejada. Porém, o que leva o
HPSUHViULRDRSHUDUFRPFDSDFLGDGHRFLRVDHJHUDUDXPHQWRGRVSUHoRV"2FRUUH
que, numa economia oligopolizada como a brasileira, quando a capacidade
instalada ultrapassa a demanda, as empresas, defensivamente, reduzem a
oferta e aumentam os preços para manter a sua margem de lucro. Essa é a
explicação.
4XDQGR5DQJHOGL]TXHDLQÁDomRID]SDUWHGD´VtQGURPHGDUHFHVVmRµ
HOHTXHUGL]HUTXHQmRKiFRPREDL[DUDLQÁDomRVHPDWDFDUDFDXVDGDUHFHVVmR
1HVVH SRQWR HQWUD HP FHQD D ´GLDOpWLFD GD FDSDFLGDGH RFLRVDµ 1D UHFHVVmR
RXIDVH´EµGRFLFORHQGyJHQRH[LVWHXP´SRORGHRFLRVLGDGHµFRPSRVWRGH
atividades que estiveram se modernizando prioritariamente na fase ascendente
GRFLFORHXP´SRORGHDQWLRFLRVLGDGHµGRTXDOID]HPSDUWHDWLYLGDGHVDWUDVDGDV
tecnologicamente e cujo desenvolvimento passa a ser exigido pela sistema
para sair da recessão. O nó a ser desatado consiste em criar condições para
investimento de recursos das empresas daquelas atividades carregadas de
RFLRVLGDGHSDUDRVVHWRUHVUHWDUGDWiULRV4XHVHWRUHVVHULDPHVVHV"2VJUDQGHV
serviços de utilidade pública, como transportes pesados de carga, transportes
de massa de passageiros (metrôs), energia, serviços urbanos, etc. Admitindo
TXHQDpSRFDRVHWRUGHLQWHUPHGLDomRÀQDQFHLUDDLQGDQmRHVWDYDSUHSDUDGR
para transferir poupança de um setor para outro, a solução do problema teria de
passar pela intervenção do Estado.
2 SUREOHPD VHJXQGR 5DQJHO DGPLWH GXDV VROXo}HV D D
poupança privada seria transferida (via dívida pública) para o Estado que
se encarregaria de investir nas atividades retardatárias; b) ao Estado apenas
caberia criar condições propícias ao investimento do setor privado nos serviços
públicos, mediante mudanças no arcabouço legal. Desde logo, Rangel descarta
a primeira alternativa, por se colocar no longo prazo, enquanto o problema exige
solução de curto prazo. Para reforçar seu argumento, lembra que, no limiar de
nossa industrialização, os atuais serviços públicos nasceram como concessões
44
“Trata-se, em suma, de precisar a síndrome da recessão. Os sintomas isolados que compõem essa sín-
drome já se encontram razoavelmente cobertos, mas cada especialista tende a privilegiar o aspecto que,
per faz et nefazREWHYHDVXDDWHQomRSHUGHQGRGHYLVWDDÀRUHVWDSRUFDXVDGDViUYRUHV´5$1*(/
D
D
D
a empresas privadas, quase sempre estrangeiras45. Posteriormente, o Estado
promoveu a nacionalização desses serviços. Agora, não deverá ser diferente.
Haverá uma redistribuição de responsabilidades entre o setor público e o setor
SULYDGRPDVD´YDULiYHOHVWUDWpJLFDpDSULYDWL]DomRµFRQFOXL5DQJHO.
A retomada do crescimento exigiria, para Rangel, uma reformulação
LQVWLWXFLRQDOGRVHWRUGHLQWHUPHGLDomRÀQDQFHLUDGHPRGRDSRVVLELOLWDUTXHRV
lucros dos setores portadores de capacidade ociosa sejam transformados em
H[FHGHQWHVRFLDODVHUUHLQYHVWLGRHPSURMHWRVFDSD]HVGHHOLPLQDURV´JDUJDORVµ
da economia. A mudança institucional a que se refere Rangel passaria por uma
JHQHUDOL]DomR GR XVR GR ´SRGHU GH DYDOµ GR (VWDGR PXGDQoD QD TXDO R %1'(6
GHYHULD GHVHPSHQKDU ´IXQomRFKDYHµ 47. Mas não basta apenas uma mudança
no arcabouço legal; seria preciso fazer com que as taxas reais de juros se
transformassem de positivas em negativas – como acontecia à época em que os
serviços públicos foram estruturados no Brasil. Aqui a análise de Rangel sofre forte
LQÁXrQFLDGH.H\QHVQDPHGLGDHPTXHFRQVLGHUDTXHRLQYHVWLPHQWRVypYLiYHO
VHDHÀFiFLDPDUJLQDOGRFDSLWDOIRUPDLRUTXHDWD[DGHMXURVGHPHUFDGR
Não resta dúvida que o problema dos juros é o mais difícil de ser resolvido,
GDGRTXHR%UDVLOWDQWRQRÀQDOGRVpFXORSDVVDGRFRPRQRSUHVHQWHVpFXORHVWi
entre os países que apresentam as mais elevadas taxas de juros reais do planeta.
Mas se há algo errado, adverte o mestre, é a existência de taxas reais de juros
fortemente positivas e não o fato de, eventualmente, serem negativas. Segundo
HOHDHÀFiFLDPDUJLQDOGRFDSLWDOGDVHPSUHVDVFRPFDSDFLGDGHRFLRVDpQHJDWLYD
HSHODOyJLFDpHVVDHÀFiFLDTXHGHYHRULHQWDUDWD[DGHMXURV(QWUHDVFDXVDVTXH
contribuíram para que a taxa real de juros se tornasse positiva está o fato de que o
setor público não tem outra garantia a oferecer a não ser o aval do Tesouro. Ora, o
endividamento crescente do Estado e o risco de insolvência deste tornam esse aval IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
de valor discutível, o que explica a existência de taxas reais de juros positivas.
45
Um exemplo de que a economia brasileira ainda não estava preparada para o fornecimento de tais ser-
viços é o da empresa estrangeira Light que, para implantar o serviço de bondes nas grandes cidades, teve
que importar desde o equipamento pesado para a geração e transporte de energia até os próprios bondes
5$1*(/
46
“A presente crise deverá desembocar numa solução desse segundo tipo. Isso implicará, numa primeira
etapa, a progressiva participação do capital privado na implantação de projetos rompedores de pontos de
estrangulamento; [...] numa segunda etapa, não é possível excluir a possibilidade, ou de privatização pura e
simples da atividade ou, dependendo das circunstâncias, de conversão dos serviços públicos de administra-
ção direta, ou das empresas públicas, em VHUYLoRVS~EOLFRVFRQFHGLGRVDHPSUHVDVSULYDGDV´5$1*(/
1982c: 81).
47
Ib. nota 30, pág. 22.
D
D 117
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
48
³6HULDI~WLORXPDOLQWHQFLRQDGRLGHQWL¿FDUHVVHHVWDGRGHFRLVDVFRPRDGYHQWRGRVRFLDOLVPR2
Brasil, por certo, caminha também para o socialismo, mas não pela via da mera estatização da economia,
WDQWRPDLVTXDQWRHVWDFRPR¿FRXGHPRQVWUDGRpXPDUXDGHPmRGXSODQDTXDORFDSLWDOLVPRSULYDGR
tem ressurgido sempre das próprias cinzas”. Ibid., nota 31, pág. 81.
D
D 118
3URIHWDRXYLVLRQiULR",JQDFLR5DQJHOHUDXPSRXFRGHFDGDFRLVD7DQWRSRGHULD
ser visto como um indivíduo que prediz o futuro, quanto como um sonhador.
A simples comparação com o presente, que emerge da leitura das seções
precedentes deste texto, revela um Ignacio Rangel profeta. Previu, com cerca
de duas décadas de antecedência, a privatização dos serviços públicos ou a
concessão de serviços públicos à empresa privada, iniciada durante o governo
de Fernando Henrique Cardoso e que chegou, em menor ou maior grau, até o
governo Dilma Rousseff. Tinha também sonhos, que alguns podem considerar
como utopias, como sua inabalável convicção de que o Brasil caminhava para
o socialismo, embora talvez não no sentido comumente associado à palavra.
6XD YLVmR GH VRFLDOLVPR QmR HUD VLQ{QLPR GH ´HVWDWLVPRµ SRLV DFUHGLWDYD
que os ciclos exógenos (das economia centrais) e endógenos (determinados
SHOD´GLDOpWLFDGDFDSDFLGDGHRFLRVDµPDLVDHVFDVVH]GHUHFXUVRVS~EOLFRV
impunham limites a atuação do Estado no sistema de economia de mercado.
Daí haver necessidade da parceria do capital público-privado – sempre com o
controle do primeiro –, alternando as suas áreas de atuação ao longo do ciclo
HFRQ{PLFRVHMDSDUDURPSHUFRPDVIDVHV´EµGRVFLFORVHQGyJHQRVVHMDSDUD
galgar mais rapidamente as etapas do desenvolvimento, o qual pressupõe
avanço tecnológico e justiça social.
0DLV LPSRUWDQWH GR TXH WUDoDU R SHUÀO GH , 5DQJHO FHUWDPHQWH
multifacetado, é resgatar a sua contribuição no terreno da economia, de sorte que
possa servir de inspiração para as novas gerações de economistas, assim como
foi para a formação deste articulista50. Formado em Direito, Rangel foi, ao longo
49
Ignacio Rangel já pensava globalmente numa época em que a globalização ainda não fazia parte da
agenda dos economistas.
50
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
7RPHLFRQKHFLPHQWRGDWHRULDGDLQÀDomRGH,5DQJHOSRURFDVLmRGDHODERUDomRGDPLQKDGLVVHUWD-
omRGHPHVWUDGR3(5(,5$GHIHQGLGDQD8)5*6DRSHVTXLVDUDLQÀXrQFLDGDDOLPHQWDomRQD
LQÀDomREUDVLOHLUDQRVDQRV1DpSRFDLQtFLRGRVDQRVRUHJLPHPLOLWDUMi³ID]LDiJXD´HRGHEDWH
VREUHDVFDXVDVGDLQÀDomRDVVXPLDXPFRQWRUQRFODUDPHQWHLGHROyJLFRHQWUHHVWUXWXUDOLVWDVHVTXHUGD
e monetaristas (direita). O livro $,QÀDomR%UDVLOHLUD, de I. Rangel, que havia sido recentemente (1978)
UHHGLWDGRDEULDXPDQRYDSHUVSHFWLYDGHLQWHUSUHWDomRGDLQÀDomRFRPrQIDVHQDHVWUXWXUDFRQFHQWUDGD
GHFRPHUFLDOL]DomRGHSURGXWRVDJUtFRODV(PTXDQGR5DQJHOGHXXPDSDOHVWUDQD8)5*6SRU
ocasião do lançamento do seu livro Ciclo, Tecnologia e Crescimento, conheci-o pessoalmente. Na oca-
sião (11/08/1982), no curto diálogo que tivemos enquanto ele dava o autógrafo, mencionou que o meu
sobrenome lhe trazia à lembrança um amigo muito querido (referia-se a Jesus Soares Pereira, já falecido,
que, junto com Rangel, teve um papel importante na criação de grandes empresas estatais brasileiras,
como a Petrobrás e a Eletrobrás). Cerca de uma década depois, quando fazia meu doutoramento, na
8)3(QR5HFLIHRFRRUGHQDGRUGD3yV*UDGXDomRTXHQRFDVRHUDWDPEpPPHXRULHQWDGRU&DUORV
Osório de Cerqueira), trouxe Rangel para uma conversa com os estudantes. Daí surgiu a ideia de escre-
ver uma “comunicação” sobre os 30 anos da 1ª edição do seu livro $,QÀDomR%UDVLOHLUD, publicada pela
Revista de Economia Política (v.3, n.13, jul-set/1993). Meu derradeiro encontro com I. Rangel se deu
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5HIHUrQFLDV
há cerca de um ano antes de seu falecimento (ocorrido em 04/03/1994). Embora com a saúde debilitada,
Rangel aceitou o convite para fazer uma palestra, na instituição em que eu trabalhava (UFSM), se não
PHHQJDQRSRURFDVLmRGD³VHPDQDGRHFRQRPLVWD´)DODYDFRPGL¿FXOGDGHPDVFRPRHQWXVLDVPRGH
sempre. Deixou um legado de valor inestimável, mas pouco reconhecido. Ao escrever o presente texto,
além do propósito de homenagear o grande mestre expondo suas principais ideias, o autor pretendeu
também a ajudar a reparar essa injustiça.
D
D 120
RANGEL, Ignacio Mourão. $LQÁDomREUDVLOHLUD,Q,QÁDomRH'HVHQYROYLPHQWR
5LRGH-DQHLUR9R]HVH[WUDtGRGH´(FRQ{PLFD%UDVLOHLUDµDEULOMXQKR
______. $LQÁDomREUDVLOHLUDHG6mR3DXOR%UDVLOLHQVH
______. 5HFXUVRVRFLRVRVHSROtWLFDHFRQ{PLFD6mR3DXOR+XFLWHF
BBBBBB $ TXHVWmR ÀQDQFHLUD ,Q 5HYLVWD GH (FRQRPLD 3ROtWLFD, v.1, n.1. São
3DXOR%UDVLOLHQVHMDQHLURPDUoR
______. A história da dualidade brasileira. In: 5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFD, v.1,
Q6mR3DXOR%UDVLOLHQVHRXWXEURGH]HPEUR
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6mR3DXOR%UDVLOLHQVHRXWXEURGH]HPEUR
SUNKEL, Osvaldo. 8P HVTXHPD JHUDO SDUD DQiOLVH GD LQÁDomR ,Q ,QÁDomR H IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
'HVHQYROYLPHQWR 5LR GH -DQHLUR 9R]HV H[WUDtGR GH ´(FRQ{PLFD %UDVLOHLUDµ
MXOKRGH]
D
D 121
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 122
1mRREVWDQWHVHXYDORUQDVHJXQGDPHWDGHGRVDQRVHQDSULPHLUD
metade dos anos 70 a obra de Ignacio Rangel foi relegada, por circunstâncias
políticas e pessoais, ao ostracismo, evidenciado na falta de reedição de seus
livros já esgotados. Seu clássico $ ,QÁDomR %UDVLOHLUD, por exemplo, que havia
WLGRGXDVHGLo}HVHVJRWDGDVQRPHVPRDQRGHOHYRXTXLQ]HDQRVSDUD
UHFHEHU D WHUFHLUD HGLomR $ SDUWLU GH SRUpP LQWHQVLÀFRXVH R SURFHVVR
de reavaliação de suas contribuições para o pensamento econômico brasileiro
FRPRVWH[WRVGH)HUQDQGR&DUGLPGH&DUYDOKR%UHVVHU3HUHLUD
:LOVRQ&DQR3DXOR'DYLGRII&UX]3DXOR3UHVJUDYH/HLWH6RDUHV
*XLGR 0DQWHJD 5LFDUGR %LHOVFKRZVN\ 0DULD +HOHQD
&DVWURH5LFDUGR%LHOVFKRZVN\HQWUHRXWURV1RERMRGHVVHSURFHVVRH
no reconhecimento de ter sido um dos fundadores do pensamento econômico
brasileiro, quando foi criada a 5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFDHP,JQDFLR
Rangel foi considerado um de seus patronos, ao lado de Caio Prado Jr. e Celso
Furtado.
Também o próprio Rangel, após graves problemas de saúde,51 voltou nos
anos 70 à sua produção com a inteligência e o vigor que lhe eram característicos.
Cremos que seu primeiro aparecimento em reunião de economistas ocorreu na
reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) em São Paulo.
Depois de muito tempo desaparecido, ele trouxe um artigo baseado na teoria dos
ciclos de Kondratieff, onde ele previa que em breve a economia mundial entraria
em uma grande crise, embora naquele momento no Brasil vivêssemos em ritmo
de milagre, e no resto do mundo as taxas de crescimento continuassem muito
IDYRUiYHLV /HPEUDPRV GD GHVFRQÀDQoD TXH DV LGHLDV GH 5DQJHO SURYRFDUDP
nos economistas presentes, mesmo nos economistas estruturalistas. Mais uma
vez Rangel estava confrontando o saber convencional tanto neoclássico quanto
HVWUXWXUDOLVWD (QWUHWDQWR QR DQR VHJXLQWH VXDV SUHYLV}HV VH FRQÀUPDYDP DR IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
GHVHQFDGHDUVH D FULVH D SDUWLU GR SULPHLUR FKRTXH GR SHWUyOHRGH 1RV
YLQWHDQRVGHSRLVGHDVWD[DVGHFUHVFLPHQWRQRSULPHLURPXQGRIRUDPD
PHWDGHGRTXHIRUDPQRVYLQWHDQRVDQWHULRUHVHGHSRLVGHFRQWLQXDUDP
LQIHULRUHV jV GRV DQRV GRXUDGRV GR FDSLWDOLVPR (P %UHVVHU3HUHLUD
promoveu a publicação da terceira edição de $,QÁDomR%UDVLOHLUD, na qual incluiu
51
³)HOL]PHQWHRFDUGLRORJLVWDTXHHPSURJQRVWLFRXPHQDVHTXrQFLDGHXPHQIDUWHXPDYLGD
muito breve, estava equivocado, porque hoje ainda aqui estou, com uma sobrevida razoavelmente sau-
dável e laboriosa... Eis que a história, nada menos, brindou-me com outro régio presente: o prazer de
conhecer e de conviver com a geração que se supunha perdida por efeito do golpe de Estado de 1964...
Muitos deles me desvanecem apresentando-se como meus discípulos e estão atentos ao que digo e
escrevo... Estou tendo, pois, a alegria de conhecer o julgamento dos meus pósteros, sem ter-me dado o
trabalho e o desprazer de morrer”. (Rangel, 1987: 7)
D
D 123
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
XPH[WUDRUGLQiULRSRVIiFLR$VVLPDTXDVH´FRQVSLUDomRGRVLOrQFLRµLPSHUDQWH
HPWRUQRGHVXDREUDSRUDOJXQVDQRVGHXOXJDUDXPHQWXVLDVPRTXHIUXWLÀFRX
em novos trabalhos transformados em livros, bem como na reedição de outros
livros já esgotados.
'LYLGLPRV HVWH DUWLJR HP FLQFR VHo}HV 1D SULPHLUD XP SHUÀO
ELRELEOLRJUiÀFR1DVHJXQGDVHomRVXDPHWRGRORJLDEHPFRPRDSHUVSHFWLYD
cíclica. Na terceira seção, sua teorização sobre o ciclo longo, e na quarta, sobre
a dualidade, os dois instrumentos fundamentais que utilizou em sua análise da
economia brasileira. Finalmente, na quinta seção, a abordagem de Rangel sobre
RVSUREOHPDVGDLQÁDomRGDHFRQRPLDEUDVLOHLUDDSDUWLUGDVXDYLVmRVREUHD
capacidade ociosa e os ciclos decenais ou de Juglar. Em todo o texto procuramos
recorrer, sempre que possível, às palavras do próprio autor.
%UHYHELRELEOLRJUDÀD
,JQDFLRGH0RXUmR5DQJHOQDVFHXDGHIHYHUHLURGHHP0LUDGRU
no Estado do Maranhão. Sendo seu bisavô, seu avô e seu pai juízes de direito,
também foi educado para ser juiz. Desde a década de vinte, Rangel lia muito.
Seu pai, José Lucas Mourão Rangel, era um magistrado esclarecido, sempre em
oposição ao governo. Em consequência, era nomeado para comarcas pequenas
RQGHPXLWDVYH]HVQmRKDYLDHVFROD,VVRIH]GHOHRSUHFHSWRUGHVHXVÀOKRV
A tradição familiar de Rangel, sua personalidade, bem como suas leituras
LQÁXHQFLDPQRDSHJDUHPDUPDVFRPDSHQDVDQRVSDUDDMXGDUDGHUUXEDUR
Governo Federal.
Ainda no início dos anos 30 começa a ler Marx. A partir de então, torna-se
militante do Partido Comunista Brasileiro e participa da tentativa de tomada de
SRGHUHP'HUURWDGRIRLSUHVRHP6mR/XtVHHQYLDGRDR5LRGH-DQHLUR
RQGHÀFDSRUGRLVDQRV1RSHUtRGRGHSULVmRFULDFRPFRPSDQKHLURVGHSUHVtGLR
XPVLVWHPDGHXWLOL]DomRGHOLYURVGHIRUDSDUDRIXQFLRQDPHQWRGHWUH]H´FXUVRVµ
HQWUHRVTXDLVVRFLRORJLDPDWHPiWLFDHHFRQRPLD/LEHUWDGRHPÀFDQR
entanto, proibido de se afastar da cidade de São Luís.
(P DEULO GH RV MRUQDLV GR 0DUDQKmR SXEOLFDP R SURJUDPD GD
1a. Conferência das Classes Produtoras (CONCLAP) que seria realizada em
Teresópolis, Rio de Janeiro. Rangel, além de escrever dois trabalhos para a
&21&/$3 p FKDPDGR SDUD FKHÀDU D DVVHVVRULD GD $VVRFLDomR &RPHUFLDO GR
Maranhão, que representaria esse Estado no evento. A participação no evento das
D
D 124
classes produtoras em Teresópolis faz o chefe de polícia de São Luís lhe fornecer
XPDQRYDFDUWHLUDGHLGHQWLGDGHHSHUPLWLUHQÀPVXDVDtGDGR0DUDQKmR'R
Rio de Janeiro escreve para sua mulher discutindo a possibilidade de não voltar
para São Luís, recebendo dela encorajamento para começarem uma nova fase
de suas vidas na então Capital Federal. Rangel começa a trabalhar no Rio de
Janeiro como tradutor de novelas policiais. Em seguida, também como tradutor,
trabalha para a agência de notícias Reuters. Seus trabalhos de tradução
eram sempre de meio expediente. O outro meio expediente era em sua casa.
´4XDQGRFDOFXODYDTXHDVGHVSHVDVPHQVDLVHVWDYDPFREHUWDVSDUDYDFRPDV
WUDGXo}HVSDUDHVWXGDUHFRQRPLDHPWHPSRLQWHJUDODWpRÀQDOGRPrVµ
(PUHFHEHDYLVLWDGHXPDPLJRHPRVWUDDHOHDOJXQVDUWLJRVVREUH
economia que escrevia somente para sistematizar suas ideias. Cinco deles são
selecionados e vendidos por esse amigo para a Associação Comercial do Rio de
Janeiro. A partir desse primeiro dinheiro que Rangel ganha como economista,
inicia uma intensa produção de artigos para publicação.
(P5DQJHOpDSUHVHQWDGRD5{PXORGH$OPHLGDTXHFKHÀDYDD
assessoria da Confederação Nacional da Indústria e passa a trabalhar com ele.
(PGDGDDTXDOLGDGHGHVHXWUDEDOKRHRLQWHUHVVHGHVSHUWDGRSHORVVHXV
LQ~PHURVDUWLJRVSXEOLFDGRVDSDUWLUGHVHXQRPHIRLVXJHULGRSRU5{PXOR
de Almeida ao então Presidente Vargas, que o convida para sua assessoria. Assim,
HP5DQJHOSDVVDDID]HUSDUWHGRVHOHWRHFRHVRJUXSRGHDVVHVVRUHVGH
Vargas, grupo este muito prestigiado pelo Presidente. Nessa assessoria, entre
inúmeras tarefas, colabora na elaboração do projeto da Petrobrás e da Eletrobrás.
(P DOpP GH WUDEDOKDU LQWHQVDPHQWH QD DVVHVVRULD GH 9DUJDV
Rangel escreve seu primeiro livro, $'XDOLGDGH%iVLFDGD(FRQRPLD%UDVLOHLUD,
SXEOLFDGR HP *XHUUHLUR 5DPRV XP GRV PDLV LPSRUWDQWHV VRFLyORJRV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
brasileiros, antevendo a importância de Rangel nas ciências sociais do Brasil,
registra, no seu prefácio ao livro, que este “é um marco na história das ideias do
QRVVRSDtVµ2JUDQGHVRFLyORJRTXHQHVWDpSRFDHVWDYDHVFUHYHQGR
um dos textos fundamentais da sociologia brasileira ($ 5HGXomR 6RFLROyJLFD),
fora companheiro de Rangel no Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia
H 3ROtWLFD ,%(63 TXH HP VH WUDQVIRUPDUD QR ,QVWLWXWR %UDVLOHLUR GH
Estudos Econômicos e Sociais (ISEB). Nesses dois institutos um grupo de
intelectuais, entre os quais se salientavam, além do economista Rangel e do
sociólogo Guerreiro Ramos, os cientistas políticos Hélio Jaguaribe e Cândido
0HQGHV GH $OPHLGD R KLVWRULDGRU 1HOVRQ :HUQHFN 6RGUp SHUWHQFHQWH DR
3DUWLGR&RPXQLVWDHRVÀOyVRIRVÉOYDUR9LHLUD3LQWRH5RODQG&RUELVLHUKDYLDP
desenvolvido um pensamento poderoso e original sobre a evolução econômica,
D
D 125
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
VHU0LQLVWURGD)D]HQGDFRQYLWHTXHQmRDFHLWD2JROSHGH(VWDGRGH
RDWLQJHSURIXQGDPHQWH(P5DQJHOpDFRPHWLGRGHXPHQIDUWHHVH
OLFHQFLDGR%1'(5HWRPDDSURGXomRGHWH[WRVVyHP9ROWDDR%1'(HP
condições especiais, porque os médicos nunca lhe deram alta. Aposenta-se em
PDVFRQWLQXDDGDUFRQVXOWRULDDR%DQFRDWpDYpVSHUDGR*RYHUQR&ROORU
Publicou ainda as coleções de ensaios - Recursos Ociosos e Política Econômica
&LFOR 7HFQRORJLD H &UHVFLPHQWR (FRQRPLD 0LODJUH H $QWL
milagreTXHpXPDDQiOLVHGDHFRQRPLDEUDVLOHLUDQRSHUtRGRDXWRULWiULR,
(FRQRPLD %UDVLOHLUD &RQWHPSRUkQHD H 'R 3RQWR GH 9LVWD 1DFLRQDO
, que reuniu os artigos que escreveu para a sua coluna diária com esse
título no jornal Última HoraGR5LRGH-DQHLURHQWUHH1RLQtFLRGRV
DQRV D 8QLYHUVLGDGH GR 0DUDQKmR SXEOLFRX XPD HQWUHYLVWD ELRJUiÀFD GH
5DQJHO'HVGHSXEOLFRXGLYHUVRVDUWLJRVQD5HYLVWDGH(FRQRPLD
PolíticaHQWUHRVTXDLV´$KLVWyULDGDGXDOLGDGHEUDVLOHLUDµDH´5HFHVVmR
LQÁDomRHGtYLGDH[WHUQDµFQRTXDOHOHGHÀQLUiD´FXUYDGH5DQJHOµHVH
tornou colaborador assíduo da )ROKDGH6mR3DXOR
Metodologia
D
D 127
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 128
econômica a partir dos fenômenos históricos novos que estão permanentemente
transformando a realidade econômica.
Para Rangel, o bom desenvolvimento da teoria econômica deve ser feito
simultaneamente nas duas fontes, familiarizando-se tanto com o estudo atual
da ciência quanto com os clássicos do passado. O objetivo, entretanto, é sempre
compreender a realidade concreta ou histórica da economia brasileira. Para isto
a ciência econômica desenvolvida no exterior é essencial, mas, de acordo com
um dos princípios básicos que o grupo do ISEB defendeu mas que hoje parece
estar sendo crescentemente esquecido, esta ciência deve estar sendo sempre
submetida à nossa crítica, em função da nossa realidade, para que possa
VHU VLJQLÀFDWLYD DR LQYpV GH DOLHQDGD ´1mR VH WUDWD GH DEDQGRQDU D FLrQFLD
econômica estrangeira - antiga ou contemporânea, ‘radical’ ou ‘conservadora’
- ou de demoli-la, para, sobre seus escombros, erigir uma ciência autóctone,
mas, ao contrário, de salientar um aspecto próprio da nossa economia... pela
LQYHVWLJDomRVLVWHPiWLFDGDVQRVVDV¶SHFXOLDULGDGHV·µ
(PVXDSRVWXUDPHWRGROyJLFD´HFOpWLFDµ5DQJHOUHJLVWUDTXH´GHYHPRV
HVWDUSUHSDUDGRVSDUDXVDUDOWHUQDGDPHQWHRLQVWUXPHQWDOPDU[LVWDRNH\QHVLDQR
RQHRFOiVVLFRRFOiVVLFRHDWpRÀVLRFUiWLFRVHJXQGRDVFLUFXQVWkQFLDV3RGHPRV
aperfeiçoar esses instrumentos, reformular os princípios, pelo emprego da
moderna tecnologia, no que esta for aplicável, mas não podemos excluir in limine
QHQKXPGHOHV7RGRVQRVVHUmR~WHLVQRWUDEDOKRSUiWLFRµ
Do instrumental marxista, Rangel utiliza, além do método histórico,
o método dialético. Rangel vê o desenvolvimento econômico, sobre o qual
concentrou todo o seu esforço intelectual, como um processo marcado por
FRQÁLWRVFRQÁLWRVGHWHQGrQFLDVHFRQWUDWHQGrQFLDVGHLQWHUHVVHVHPFKRTXH
de movimentos cíclicos, de dualidades - que trazem sempre embutidos a sua IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
própria síntese: a retomada do desenvolvimento depois de uma crise cíclica, a
LQÁDomRFRPRPHFDQLVPRGHGHIHVDGLDQWHGDH[LVWrQFLDGHUHFXUVRVRFLRVRV
a reversão do ciclo econômico a partir da transferência de recursos dos setores
onde eles se tornaram ociosos devido ao excesso de investimentos para os
setores nos quais não existem oportunidades para a acumulação, o surgimento
de uma nova formação social dominante a partir da superação da dualidade
anterior.
A dialética faz parte intrínseca da forma de pensar de Rangel. As relações
entre as variáveis não são meramente de causa e efeito, como pretende a lógica
formal, mas relações muito mais complexas de interdependência, em que as
consequências muitas vezes se transformam em causas, obrigando o analista
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 130
O Ciclo Longo
52
Para uma discussão teórica sobre os ciclos longos de Kondratieff no Brasil ver Bresser-Pereira
(1986b). A literatura sobre o tema desenvolveu-se extraordinariamente nos últimos anos, provavelmente
a partir do fato de que a desaceleração das economias desenvolvidas, ocorrida a partir do início dos anos
FRQ¿UPRXDVSUHYLV}HVHPEXWLGDVQDWHRULDGH.RQGUDWLHII3DUDXPDDQiOLVHPDLVUHFHQWHHUD]RD-
velmente completa do assunto ver Solomou (1990).
53
Ver Rangel (1981b), onde Rangel examina a dinâmica dos ciclos de Kondratieff.
D
D 131
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
YHPRVQR4XDGURSDUDFRPSUHHQGHURSURFHVVRGHGHVHQYROYLPHQWREUDVLOHLUR
O paralelismo que faz entre as vicissitudes de nossa história econômica e política
e os ciclos longos é sugestivo.54 $V IDVHV ´Eµ GRV FLFORV TXDQGR D HFRQRPLD
se desacelera, embora mantendo taxas positivas de crescimento, é sempre
LGHQWLÀFDGDFRPPXGDQoDVPDUFDQWHVQDKLVWyULDEUDVLOHLUD&RPHIHLWR´QDIDVH
‘b’ do 1o. Kondratieff, tivemos a Independência; a ‘b’ do 2o. deu-nos a Abolição-
5HS~EOLFDTXDQWRj5HYROXomRGHTXHHQTXDGUDULDLQVWLWXFLRQDOPHQWHD
industrialização, foi, segundo todas as aparências, um incidente da fase ‘b’ do
R.RQGUDWLHIIµ1R%UDVLORXVHMDHPXPDHFRQRPLDSHULIpULFDDVIDVHVCE·
ou recessivas dos ciclos longos “manifestam-se primordialmente pelo relativo
HVWUDQJXODPHQWR GR FRPpUFLR H[WHULRU H SLRUDQGR RV WHUPRV GH LQWHUFkPELRµ
. Como essa fase ocorre de forma sustentada por todo um quartel de século,
as economias periféricas têm tempo para se ajustarem à nova situação. “No
caso brasileiro, a economia tem encontrado sempre meios e modos de ajustar-
se ativamente à conjuntura implícita no ciclo longo. Em especial, confrontada
com o fechamento do mercado externo para os nossos produtos resultante
da conjuntura declinante dos países cêntricos, temos reagido por uma forma
qualquer de substituições de importações, ajustada ao nível de desenvolvimento
GHQRVVDVIRUoDVSURGXWLYDVHDRHVWDGRGDVQRVVDVUHODo}HVGHSURGXomRµ'Dt
resultar que o nosso desenvolvimento econômico “dista muito de ser limitado
jV IDVHV ´Dµ RX DVFHQGHQWHV GRV FLFORV ORQJRV 1RVVD HFRQRPLD FRQIURQWDGD
FRPPRYLPHQWRVGXUDGRXURVGHÁX[RHUHÁX[RHPVXDVUHODo}HVFRPRFHQWUR
GLQkPLFR XQLYHUVDO HQFRQWUD PHLRV GH FUHVFHU ´SDUD IRUDµ H[SDQGLQGR D
SURGXomR H[SRUWiYHO RX ´SDUD GHQWURµ SURPRYHQGR XPD IRUPD TXDOTXHU GH
VXEVWLWXLo}HVGHLPSRUWDo}HVµ
54
RFLFORORQJRIDVH³D´ IDVH³E´
2o. ciclo longo: fase “a”: 1847-1873 fase “b”: 1873-1896
3o. ciclo longo: fase “a”: 1896-1920 fase “b”: 1920-1948
4o. ciclo longo: fase “a”: 1948-1973 fase “b”: 1973- (?)
D
D 132
Ignacio Rangel não utilizou a teoria dos ciclos longos apenas para
FRPSUHHQGHUR%UDVLO(PTXDQGRR%UDVLOYLYLDVHX´PLODJUHµHFRQ{PLFRH
na economia mundial o primeiro choque do petróleo ainda não ocorrera, Rangel,
que após o seu enfarte estava desaparecido, surpreendeu a todos quando
previu a crise mundial a partir da dinâmica de Kondratieff.55 Rangel observa que
HP HVJRWDVH D H[SDQVmR GR WHUFHLUR .RQGUDWLHII H FRPHoD XP SHUtRGR
GHSUHVVLYR GXUDQWH R TXDO VH DFXPXODYDP SUHFRQGLo}HV FLHQWtÀFDV SDUD XP
QRYRFLFORGHLQRYDo}HVWHFQROyJLFDV(VWDIDVHUHFHVVLYDGXUDDWpTXDQGR
tem início uma nova onda de expansão que atravessa a Segunda Guerra Mundial
e o período de intensa reconstrução. Entretanto, observa Rangel, temos, “depois
GHSHUtRGRFDUDFWHUL]DGRSRUFUHVFHQWHVVLQWRPDVGHTXHD¶UHFRQVWUXomR
DPSOLDGD· GR ,, SyVJXHUUD IRL FKHJDQGR DR ÀP QDV iUHDV GHFLVLYDV GR ¶FHQWUR
dinâmico’. Noutros termos, acumulam-se os indícios de que entramos numa
era semelhante jTXHVHVHJXLXDµ'XUDQWHRVDQRVMi
FRPHoDYDPDVHGHÀQLUDVFRQGLo}HVSDUDDUHYHUVmRFtFOLFDDTXDOHQWUHWDQWR
VyVHFRQVXPDULDHPTXDQGRFRPHoDDIDVH´EµGRTXDUWRKondratieff.
Em um artigo posterior Rangel reconheceu este fato. Equivocou-se, entretanto,
HP UHODomR j VXD UHSHUFXVVmR VREUH D HFRQRPLD EUDVLOHLUD $R DÀUPDU TXH ©D
LGHLDGHTXHDIDVH¶E·GRFLFORORQJRVLJQLÀTXHQHFHVVDULDPHQWHSDUDRVSDtVHV
periféricos, uma queda do dividendo nacional , ou mesmo uma desaceleração
GR VHX FUHVFLPHQWR GHYH VHU OLPLQDUPHQWH GHVFDUWDGDª 5DQJHO
supunha que poderia novamente reproduzir-se a expansão que ocorrera na fase
recessiva do terceiro Kondratieff, quando isto, de fato, já não podia ocorrer, já
que o modelo de substituição de importações se esgotara.
55
Este artigo foi apresentado em São Paulo, em julho de 1972, ao congresso anual da Sociedade Brasi-
leira para o Progresso da Ciência. Entre outros, estavam na reunião, Antônio Barros de Castro, Francisco
de Oliveira e Paulo Singer. O artigo foi publicado no ano seguinte em Estudos CEBRAP.
D
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 134
No prefácio ao seu livro $,QÁDomR%UDVLOHLUD, registra Rangel a importância
GD GXDOLGDGH EiVLFD SDUD R VHX SHQVDPHQWR ´$ FODVVLÀFDomR GDVFLrQFLDV GH
Comte-De Greef, dialetizada por meu professor de Introdução à Ciência do
Direito, mostrou-me a conexão entre o Direito e a Economia. Descobrir o fundo
HFRQ{PLFRGHQRVVDVOHLVSDVVRXDVHURPHXREMHWLYRFHQWUDO$VGLÀFXOGDGHV
iniciais só serviram para acirrar-me o interesse, e a 'XDOLGDGH%iVLFDGD(FRQRPLD
%UDVLOHLUD estava no desfecho lógico dessas cogitações. O leitor vai encontrar
aqui (em $,QÁDomR%UDVLOHLUD) uma aplicação concreta da teoria da dualidade.
Sem esta, não poderemos entender o Brasil: seu direito, sua economia e sua
política. O Brasil é uma dualidade e, se não o estudarmos assim, há de parecer-
nos uma construção caótica, sem nexos internos estabelecidos e, sobretudo,
VHPKLVWyULDµ
A teoria histórica da dualidade de Rangel analisa a contradição essencial
que colocou em movimento a história do país. A explicação dialética sobre o
desenvolvimento oriundo da teoria da dualidade de Rangel, como vimos no
trecho do autor anteriormente citado, não é apenas uma explicação sobre a
dinâmica da esfera econômica. É uma teoria que abarca também outras esferas
da realidade social, concebida como uma totalidade histórico-estrutural, que
WHQWDGDUFRQWDGDHVSHFLÀFLGDGHGDHFRQRPLDHGDVRFLHGDGHEUDVLOHLUDTXH
possui um setor capitalista e outro pré-capitalista.
Para Rangel, que se municiou do instrumental metodológico marxista,
QmR VH WUDWD DSHQDV GH YHULÀFDU TXH XPD HFRQRPLD FRPR D QRVVD DSUHVHQWD
características correspondentes a várias etapas do desenvolvimento histórico
da economia mundial. Para ele, o que é necessário é “investigar atentamente
como agem umas sobre as outras as leis correspondentes a essas diferentes
HWDSDVµ 0DU[ MiKDYLD UHJLVWUDGRTXH XPD IRUPDomRVRFLDO MDPDLV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que
possa conter, e as relações de produção novas e superiores não tomam seu
lugar antes que as condições materiais de existência dessas relações tenham
sido instaladas no próprio seio da velha sociedade. Nestes termos, durante
muito tempo coexistem relações de produção diferentes. Rangel utilizou com
grande criatividade esta ideia básica de Marx. Para ele diferentes economias ou
diferentes relações de produção que coexistem na economia brasileira “não se
justapõem mecanicamente, ao contrário, agem umas sobre as outras, acham-
VHHPFRQÁLWRDYHUTXDOLPSRUiVXDGLQkPLFDHVSHFtÀFDDRVLVWHPD1RXWURV
WHUPRVHVWmRHPXQLGDGHGLDOpWLFDXQLGDGHGHFRQWUiULRVµ
D
D 135
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
6HJXQGR 5DQJHO ´D KLVWyULD GR %UDVLO QmR UHWUDWD ÀHOPHQWH D KLVWyULD
universal, especialmente a europeia, porque nossa evolução não é autônoma,
QmRpSURGXWRH[FOXVLYRGHVXDVIRUoDVLQWHUQDVµ$QRYLGDGHDQDOtWLFD
GH 5DQJHO FRQVLVWH HP DÀUPDU D FRH[LVWrQFLD GXDO GH UHODo}HV GH SURGXomR
historicamente defasadas em relação às relações de produção existentes na
(XURSD $ GXDOLGDGH DSDUHFH QD H[LVWrQFLD GH GRLV ´SRORVµ XP SROR LQWHUQR
outro externo. No polo interno situam-se, internamente, as relações de produção
dominantes e a correspondente classe dominante, que ele chama de “sócio-
PDLRUµ 1R SROR H[WHUQR VLWXDPVH LQWHUQDPHQWH DV UHODo}HV GH SURGXomR
emergentes e o correspondente sócio menor, que na dualidade seguinte se
transformará no sócio maior. A dualidade, porém, aparece também no fato de
TXHWDQWRQRSRORLQWHUQRTXDQWRQRH[WHUQRKiXP´ODGRH[WHUQRµFRUUHVSRQGHQWH
às relações de produção vigentes nos países centrais e que no Brasil vão ser
dominantes no polo seguinte. Estas relações estão sempre adiantadas em
relação às relações vigentes no Brasil, assinalando o caráter dependente do
desenvolvimento brasileiro. A dinâmica histórica brasileira se distingue, portanto,
dos casos clássicos porque os processos sociais, econômicos e políticos não
decorrem apenas da interação entre desenvolvimento das forças produtivas e
relações de produção internas ao país, mas também da evolução das relações
que este mantém com as economias centrais. Conforme observa Rangel:
“Embora seja mais fácil surpreender o fato da dualidade no estudo de um instituto
particular do que na economia nacional como um todo, é evidente que a sua
origem se encontra nas relações externas. Desenvolvendo-se como economia
complementar ou periférica, o Brasil deve ajustar-se a uma economia externa
diferente da sua, de tal sorte que é, ele próprio, uma dualidade. Os termos dessa
dualidade se alteram e desde logo podemos assinalar que mudam muito mais
UDSLGDPHQWHQRLQWHULRUGRTXHQRH[WHULRURTXHVLJQLÀFDHVWDUPRVTXHLPDQGR
etapas. Nos primeiros quatro séculos de nossa história, vencemos um caminho
correspondente a, pelo menos, quatro milênios da história europeia. A rigor,
nossa história acompanha SDULSDVVX a história do capitalismo mundial, fazendo
eco as suas vicissitudes. O mercantilismo nos descobriu, o industrialismo nos
GHXDLQGHSHQGrQFLDHRFDSLWDOLVPRÀQDQFHLURDUHS~EOLFDµ
D
D
Quadro 2: A dualidade básica da sociedade brasileira
A dualidade está em toda parte na economia e na sociedade brasileira. IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Está na fazenda de escravos que é mercantil e escravista, está no latifúndio
após-Abolição, que é mercantil e feudal (porque dominado pelo instituto jurídico
GDHQÀWHXVHHSHORSULQFtSLRIHXGDOGHTXHQHQKXPDWHUUDGHL[DUiGHWHUVHQKRU
está na fábrica capitalista que enfrenta um mercado de insumos e um mercado
para seus produtos ainda mercantil ou mesmo pré-capitalista. A partir daí, Rangel
GHÀQH ´D OHL GD GXDOLGDGHµ R SUREOHPD HVWi HP ´H[DPLQDU TXDLV DV UHODo}HV
dominantes dentro e fora de cada unidade da economia, ou seja, de por em
evidência as GXDV HFRQRPLDV GRPLQDQWHV porque cada uma delas, em seu
próprio campo, é dominante. A isso proponho que se chame GXDOLGDGHEiVLFD
da economia brasileira. A dualidade é a lei fundamental da economia brasileira.
Podemos formulá-la nos seguintes termos: a economia brasileira se rege
EDVLFDPHQWHSRUGXDVRUGHQVGHOHLVWHQGHQFLDLVTXHLPSHUDPUHVSHFWLYDPHQWH
D
D 137
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
QR FDPSR GDV UHODo}HV LQWHUQDV GH SURGXomR H QR GDV UHODo}HV H[WHUQDV GH
SURGXomRµ 3DUD 5DQJHO D FRQWUDSDUWLGD SROtWLFD GD GLQkPLFD GD
GXDOLGDGHUHÁHWHVH QRV SDFWRV GH SRGHU TXH VH IRUPDP HP WRUQRGR (VWDGR
SRLV´R(VWDGREUDVLOHLURQmRSRGHVHQmRUHÁHWLUDGXDOLGDGHEiVLFDGDHFRQRPLD
HGDVRFLHGDGHµ
Rangel analisa a história econômica e política do Brasil a partir do século
XIX como uma sucessão de dualidades, que correspondem às fases de declínio
H H[SDQVmR GH FLFORV GH .RQGUDWLHII 5HVXPLPRV HVWDV GXDOLGDGHV QR 4XDGUR
2LQtFLRGHFDGDGXDOLGDGHFRUUHVSRQGHDRLQtFLRGDIDVH´EµGRVVXFHVVLYRV
ciclos longos de. E corresponde também a um fato político dominante: a
Independência na primeira dualidade; a Abolição e a República, na segunda
GXDOLGDGH D 5HYROXomR GH QD WHUFHLUD GXDOLGDGH (P FDGD GXDOLGDGH
WHPRVXP´SRORLQWHUQRµTXHSDVVDUHPRVDFKDPDUGHSRORSULQFLSDOHXP´SROR
H[WHUQRµTXHFKDPDUHPRVGHSRORVHFXQGiULRMiTXHDVH[SUHVV}HVXVDGDVSRU
5DQJHOSURYRFDPXPDFRQIXVmRFRPDVUHODo}HVH[WHUQDVRXGR´ODGRH[WHUQRµ
existentes em cada polo. De uma forma até um certo ponto mecânica mas muito
instigante, a relação de produção dominante no polo secundário corresponde
à relação de produção dominante no lado externo do polo principal, e se
transformará na relação de produção dominante no polo principal da dualidade
VHJXLQWH(PUHODomRDRV´VyFLRVµRFRUUHRPHVPRSURFHVVR2VyFLRPHQRUGH
uma dualidade se transformará no sócio maior da seguinte.
Na SULPHLUD dualidade (1815-1870), a relação de produção principal ou
interna é o escravismo. A fazenda de escravos, entretanto, é essencialmente
dual. Externamente, ou secundariamente, dada a fase do capitalismo na
(XURSD HOD p PHUFDQWLO $ EXUJXHVLD PHUFDQWLO QDFLRQDO TXH VH DÀUPD FRP D
,QGHSHQGrQFLDpRVyFLRPHQRUTXHQDVHJXQGDGXDOLGDGHVHUiR
sócio maior. Esta dualidade é caracterizada pelo que Rangel chama de “latifúndio
IHXGDOµ RX ´IHXGDOLVPR PHUFDQWLOµ (VWi PXLWR FODUR SDUD HOH HQWUHWDQWR TXH
“o latifúndio brasileiro não é idêntico ao feudalismo medieval europeu ou
DVLiWLFRµ 2 ´DJUHJDGRµ GR ODWLI~QGLR EUDVLOHLUR HQWUHWDQWR OHPEUD
R VHUYR IHXGDO $ UHYROXomR GH p SDUD 5DQJHO XP PRPHQWR GHFLVLYR GD
KLVWyULDGRSDtV0DUFDDIDVHUHFHVVLYDGDWHUFHLUDGXDOLGDGH(VWD
começa com a transformação do sócio menor da segunda dualidade no novo
VyFLR PDLRU RV ID]HQGHLURVODWLIXQGLiULRV (VWHV ´ID]HQGHLURVODWLIXQGLiULRVµ
não são precipuamente os cafeicultores, mas o que Rangel chamou, muito
VXJHVWLYDPHQWH GH ´ODWLI~QGLR VXEVWLWXLGRU GH LPSRUWDo}HVµ UHSUHVHQWDGR
pelos pecuaristas do Sul (Getúlio Vargas) e por latifundiários do Norte-Nordeste,
que irão se aliar à burguesia industrial nascente para comandar a revolução
D
D 138
LQGXVWULDOEUDVLOHLUDDSDUWLUGHHQTXDQWRRVFDIHLFXOWRUHVTXHGHYHULDP
VHUWD[DGRVSDUDQHXWUDOL]DUDGRHQoDKRODQGHVDÀFDPGHIRUDGDFRDOL]mRGH
classes dominante.1DTXDUWDGXDOLGDGHÀQDOPHQWHRVyFLRPHQRUGDWHUFHLUD
dualidade (a burguesia industrial) transforma-se no sócio maior.
Nem sempre Rangel é claro em sua análise. Na terceira dualidade, referida
DSHQDVQRWH[WRGH5DQJHODÀUPDTXHDUHODomRGHSURGXomRGRPLQDQWH
no polo interno é ainda feudal, como já era na segunda dualidade. Houve aqui
provavelmente um erro, uma repetição. Devíamos ter aqui o capital mercantil
como relação dominante e os latifundiários-fazendeiros, que eram o sócio menor
QDGXDOLGDGHDQWHULRUGHYHULDPVHUDJRUDRVyFLRPDLRU1R4XDGURÀ]HPRV
HVVDFRUUHomR$TXDUWDGXDOLGDGHHVWiQDWXUDOPHQWHPXLWRLQGHÀQLGD(PWRGD
a análise, uma ausência é marcante: a tecnoburocracia. Em nenhum momento
Rangel reconhece a importância extraordinária que a burocracia civil e militar,
pública e privada vinham assumindo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os
intelectuais a serviço do Estado, como Rangel, são tecnoburocratas, mas têm
XPDHQRUPHGLÀFXOGDGHHPUHFRQKHFHUDWUDQVIRUPDomRGHVVHHVWDPHQWRHP
uma verdadeira classe social. Entretanto, apesar das restrições que cada um
de nós possa ter, não há dúvida que a teoria da dualidade básica de Rangel
permite-nos uma compreensão muito melhor da dinâmica histórica da economia
brasileira, combinando de maneira extremamente esclarecedora e original seu
caráter cíclico, dependente e dual.
&DSDFLGDGHRFLRVDFLFORVHLQÁDomR
'HVGH R LQtFLR GH VXDV UHÁH[}HV VREUH HFRQRPLD Mi KDYLD 5DQJHO IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
percebido que a natureza de um dos problemas centrais de nosso processo de
acumulação era a necessidade de transferir excedentes dos setores atrasados
ou pouco dinâmicos para os setores de maior potencial de expansão. Suas ideias
RULJLQDLV VREUH D LQÁDomR H DR VXSHULQYHVWLPHQWR HVWDYDP YLQFXODGDV DR TXH
GHQRPLQRX´GLDOpWLFDGDFDSDFLGDGHRFLRVDµ(PVXDVSDODYUDV´PHXLQWHUHVVH
pelo problema dos recursos ociosos é coevo dos primeiros movimentos de
minha consciência no sentido da problemática econômica, a um tempo em que
R HVWXGR GR GLUHLWR HUD DLQGD R PHX GHVWLQR HYLGHQWHµ E 3UHIiFLR 6XD
56
Rangel não fala em “doença holandesa”, que não era então um conceito conhecido, mas percebeu
que Vargas montou seu pacto político envolvendo a parte da oligarquia que não exportava, e, portanto,
era preciso impor um imposto de exportação sobre os produtores de commodities, particularmente os
cafeicultores, para manter a taxa de câmbio competitiva.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 140
fenômeno.57 Mas foi Rangel quem primeiro desenvolveu de forma clara a ideia.
)RL HVWH IDWR TXH OHYRX XP GRV DXWRUHV GHVWH WUDEDOKR D DÀUPDU TXH FRP A
,QÁDomR%UDVLOHLUDGHÀQHVHRVHJXQGRPRPHQWRSDUDGLJPiWLFRGDWHRULDQHR
HVWUXWXUDOLVWDGDLQÁDomRLQHUFLDO2SULPHLURKDYLDVLGRGHÀQLGRDQWHULRUPHQWH
SRU1R\RODH6XQNHOTXHIXQGDPDSHUVSHFWLYDHVWUXWXUDOLVWDGD
LQÁDomR(RWHUFHLURVXUJHQRLQtFLRGRVDQRVTXDQGRDWHRULDGDLQÁDomR
DXW{QRPDRXLQHUFLDOpGHÀQLWLYDPHQWHGHVHQYROYLGD58
A oferta de moeda é, portanto, endógena ou passiva para Rangel. Os
estruturalistas, por sua vez, embora compreendendo o caráter endógeno
GD LQÁDomR DWULEXHPQD D LQHODVWLFLGDGH GD RIHUWD LPDJLQDQGR FRPR RV
PRQHWDULVWDV TXH D LQÁDomR VHMD GH GHPDQGD 2UD FRQIRUPH HQVLQD 5DQJHO
R TXH H[LVWH QR SDtV p XPD LQVXÀFLrQFLD FU{QLFD GH GHPDQGD GDGD D Pi
distribuição da renda. Essa má distribuição ou essa alta taxa de exploração deriva
da estrutura agrária baseada no latifúndio e do desemprego crônico. O problema
se agrava com a expulsão dos agricultores do campo à medida que a agricultura
VH PRGHUQL]D 1mR EDVWDVVH LVVR D LQGXVWULDOL]DomR GHVHQFDGHDGD HP
ao se basear na substituição de importações, permitirá que a industrialização
tenha êxito sem prévia mudança da estrutura agrária. A alta taxa de exploração
causada por esses fatores implica uma baixa propensão a consumir e capacidade
ociosa – algo que monetaristas e estruturalistas não conseguiam detectar
QD pSRFD GDGD VXD WHRULD GH LQÁDomR EDVHDGD QR H[FHVVR GH GHPDQGD 2V
HVWUXWXUDOLVWDVHQWUHWDQWRHVWDYDPFRUUHWRVTXDQGRDÀUPDYDPTXHDLQÁDomR
HUDHQGyJHQDDRVLVWHPDHFRQ{PLFR'HIDWRSDUD5DQJHODLQÁDomRWHPRULJHP
no bojo da economia. É o resultado de um duplo processo. De um lado, as
grandes empresas, a começar por aquelas que controlam a comercialização de
produtos agrícolas, organizam-se em forma de oligopsônio-oligopólio, e passam
a aumentar seus preços autonomamente, como uma forma de defender seus IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
OXFURV GD LQVXÀFLrQFLD GD GHPDQGD (VVH SURFHVVR FRPHoD QR VHWRU DJUtFROD
mas estende-se para a grande indústria e para os serviços públicos. Nesse
VHQWLGRDLQÁDomRVXUJHFRPRXPPHFDQLVPRGHGHIHVDGDHFRQRPLD$LQÁDomR
é principalmente administrada ou de custos, e não de demanda.
3DUD 5DQJHO D LQÁDomR p XP PHFDQLVPR GH GHIHVD GD HFRQRPLD QRV
momentos de crise; é ela que impede que a economia entre em uma crise
57
9HUDUHVSHLWRDUHVHQKDGH0HUNLQ1HVWHWH[WR¿FDFODURTXHDWpVyKDYLDPVXJHVW}HV
jamais uma explicação clara do caráter endógeno da moeda, que hoje é uma ideia essencial não apenas
SDUDRSHQVDPHQWRHVWUXWXUDOLVWDPDVWDPEpPSyVNH\QHVLDQRGDLQÀDomR
58
Ver Bresser-Pereira (1986b).
D
D 141
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 142
WLUD HOHPHQWRV SDUD D FRPSUHHQVmR GR SURFHVVR LQÁDFLRQiULR H UHFHVVLYR
dos anos 80. “Os ciclos breves - também apelidados de Juglar-Marx, ou, na
FODVVLÀFDomRGH6FKXPSHWHUGHFLFORVPpGLRVWrPXPDGXUDomRYDULiYHODFHLWD
como de 7 a 11 anos. Mas é de notar que nossos ciclos breves, companheiros
de nossa industrialização substitutiva de importações, cobrem lapsos muito
UHJXODUHVGHGH]DQRVHQWUHRVDQRVÀQDLVGHFDGDGHFrQLRHGRVXEVHTXHQWHµ
3DUD 5DQJHO R FRQWH~GR GH FDGD XP GHVVHV FLFORV WHP VLGR D
implantação de sucessivos grupos de atividades, isto é, dos setores em que é
possível dividir o sistema econômico brasileiro: “começando pela indústria leve
e empreendendo, depois, a indústria pesada e os serviços de infra-estrutura.
(PUHVXPRDRFRQFOXLUVHDIDVH´DµGHFDGDXPGHQRVVRVFLFORVHQGyJHQRV
VRPRVFRQIURQWDGRVFRPGRLV´VHWRUHVµXPGRWDGRGHH[FHVVRGHFDSDFLGDGH
SURGXWLYDHRXWURUHWDUGDWiULRHPUHODomRDRVLVWHPDFRPRXPWRGRµ
1HPWRGDVDVÁXWXDo}HVHFRQ{PLFDVWrPFDUiWHUFtFOLFRPDVDIDVH´Dµ
GRFLFOREUHYHGHFRLQFLGLXFRPDHWDSDÀQDOGDIDVHDVFHQGHQWHGRFLFOR
longo. Para Rangel, não é improvável que esse fator tenha gravitado sobre o nosso
FLFOREUHYHUHWDUGDQGRSRUDOJXQVDQRVDSDVVDJHPGDIDVH´DµSDUDDIDVH´EµR
´PLODJUHµGH$VVLPDIDVH´EµRXUHFHVVLYDGRQRVVRFLFORHQGyJHQR
dos anos 70 foi, não apenas mais curta, como mais amena. Entretanto, como é
sabido, a situação inverteu-se violentamente no início dos anos 80. Teve início
a fase recessiva do ciclo breve endógeno, e isso nas condições da persistência
da fase recessiva do ciclo longo, que é exógeno, do ponto de vista brasileiro.
'LÀFLOPHQWHSRGHUHPRVHQFRQWUDUHPQRVVDKLVWyULDXPSHUtRGRWmRGHSUHVVLYR
FRPR
$SDUWLUGHVWDUHFHVVmRHFRPEDVHHPVXDYLVmRPDLVJHUDOGDLQÁDomR
FRPRXPPHFDQLVPRGHGHIHVDGDHFRQRPLDHP5DQJHOIRUPXODGHIRUPD IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
SUHFLVDXPDLGHLDTXHMiYLQKDGHVHQYROYHQGRKiPXLWRD´FXUYDGH5DQJHOµ(OH
nega a teoria universalmente aceita, embutida na curva de Philips, segundo a
TXDODLQÁDomRVHDFHOHUDQRVSHUtRGRVGHSURVSHULGDGHHH[FHVVRGHGHPDQGD
3HOR FRQWUiULR VHJXQGR HOH ´Ki SHOR PHQRV XP TXDUWHO GH VpFXOR D LQÁDomR
integra a síndrome da recessão, isto é, surge ou se exacerba TXDQGRDHFRQRPLD
VHGHVDTXHFHe, inversamente, desaparece ou, pelo menos, tem sua intensidade
reduzida quando a HFRQRPLD VH DTXHFH. Não há, portanto, nenhum WUDGHRII
D ID]HU SRUTXH R FRPEDWH j LQÁDomR p LQVHSDUiYHO GR FRPEDWH j UHFHVVmRµ
F 3DUD VXEVWDQFLDU VXD KLSyWHVH 5DQJHO FRQVWUyL GXDV FXUYDV GH
PpGLDV WULHQDLV PyYHLV FRP GDGRV GH D 8PD FXUYD DSUHVHQWD D
SURGXomR LQGXVWULDO D RXWUD D LQÁDomR 9HULÀFDVH SRU HVVD FXUYD XPD TXDVH
SHUIHLWDDVVLPHWULDTXDQGRDSURGXomRLQGXVWULDOFUHVFHDLQÁDomRGHVDFHOHUD
D
D 143
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
+RMH HVWi FODUR TXH QDV FULVHV ÀQDQFHLUDV GH EDODQoR GH SDJDPHQWRV
a taxa de câmbio se deprecia violentamente e, em consequência, a taxa de
LQÁDomR DXPHQWD 3RU LVVR 5DQJHO DÀUPDYD TXH D LQÁDomR QD PHGLGD TXH p
um mecanismo de defesa da economia nos momentos de crise, é também um
sintoma da crise. Por isto temos a curva de Rangel: quando a crise se agrava, a
LQÁDomRVHDFHOHUDTXDQGRDHFRQRPLDYROWDDFUHVFHUDLQÁDomRGHVDFHOHUD
0DV HP FHUWRV FDVRV QR FXUWR SUD]R D LQÁDomR SRGH VHU GH GHPDQGD H VH
acelerar devido à prosperidade ou ao excesso de demanda. Mas este é um
fenômeno de curto prazo, enquanto que a curva de Rangel é um fenômeno de
ORQJRSUD]R&RPRDPRHGDpHQGyJHQDWDPEpPDLQÁDomRpHQGyJHQDQDYLVmR
de Rangel.
(VWD FUHQoD QD HQGRJHQLGDGH GD LQÁDomR H VXD UHODomR DVVLPpWULFD
com os movimentos cíclicos da economia levou Rangel a não compreender a
D
D 144
LPSRUWkQFLDGDWHRULDGDLQÁDomRLQHUFLDO1mRFRPSUHHQGHXTXHHVVDWHRULDTXH
YrWDPEpPDLQÁDomRFRPRXPSURFHVVRDXW{QRPRGDGHPDQGDpSHUIHLWDPHQWH
FRPSDWtYHOFRPDVXDSUySULDWHRULDGDLQÁDomR$WHRULDGDLQÁDomRLQHUFLDOHVWi
baseada na distinção entre os fatores aceleradores e os fatores mantenedores
GDLQÁDomR Seguindo a tradição de todos os economistas que precederam essa
teoria, Rangel não faz essa distinção. Torna-se, assim, difícil para ele admitir
que a indexação formal e principalmente informal da economia mantenha a
LQÁDomRHPXPGHWHUPLQDGRSDWDPDULQGHSHQGHQWHPHQWHGRVIDWRUHVFtFOLFRV
que a estão acelerando ou desacelerando. Por outro lado, e neste caso com mais
UD]mRSDUDHOHpLQWHLUDPHQWHLQDFHLWiYHOTXHRSURFHVVRLQÁDFLRQiULRTXHVHP
dúvida se acha profundamente inserido no processo cíclico da economia, possa
ser eliminado com um simples choque, como algumas visões mais vulgares da
WHRULDGDLQÁDomRLQHUFLDOVXJHULDP4XDVHLQGLJQDGRDÀUPD5DQJHOORJRDSyVR
fracasso do Plano Cruzado: “Alguns mestres explicavam que, para acabar com a
LQÁDomRHUHVROYHUDVVLPWRGRVRVQRVVRVSUREOHPDVEDVWDULDTXHDFDEiVVHPRV
com as variações dos preços relativos. Outros mestres, igualmente eminentes,
GL]LDPTXHDLQÁDomRVXUJLUDFRPRXPDHVSpFLHGH¶'HXVH[PDFKLQD·SRGHQGR
ser mandada embora não menos miraculosamente, visto não ter nenhuma
FDXVDomRSURIXQGDSHUVLVWLQGRSRUVLPSOHVLQpUFLDµE
Conclusão
59
$YLVmRGDLQÀDomRGH%UHVVHU3HUHLUDIRLVHPSUHIRUWHPHQWHLQÀXHQFLDGDSRU5DQJHO(PXPDUWLJR
GH³$LQÀDomRQRFDSLWDOLVPRGH(VWDGR´QRTXDOSHODSULPHLUDYH]IRUPXORXDLGHLDGDLQÀDomR
LQHUFLDOVXDH[SOLFDomRSDUDDLQÀDomRHUDDLQGDHVVHQFLDOPHQWHUDQJHOLDQD(QWUHWDQWRQRDUWLJRGH
1983, com Yoshiaki Nakano, os autores distinguem com clareza os fatores aceleradores dos mantenedo-
UHVGDLQÀDomRTXHVLJQL¿FRXXPSDVVRDGLDQWHGHFDUiWHUWHyULFR
60
&RQIRUPHREVHUYRX-RVp$UWKXU*LDQQRWWLHPXPDHQWUHYLVWD³4XDQWRPDLVQyVHVWXGDPRVRVFOiVVL-
cos, maior é a nossa angústia diante das coisas que nos escapam por entre os dedos” (Veja, 14.10.1992,
S
D
D 145
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5HIHUrQFLDV
D
D
BRESSER-PEREIRA, L.C. e NAKANO, Yoshiaki. ,QÁDomR H 5HFHVVmR. São Paulo:
%UDVLOLHQVH
BRESSER-PEREIRA, L.C e NAKANO, Yoshiaki. Fatores aceleradores, mantenedores
H VDQFLRQDGRUHV GD LQÁDomR $QDLV GR ; (QFRQWUR 1DFLRQDO GH (FRQRPLD GD
$13(&%HOpPGH]HPEUR5HSXEOLFDGRHP5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFD,
MDQHLURHHP%UHVVHU3HUHLUDH1DNDQR
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5DQJHO6mR3DXOR%UDVLOLHQVH
BBBBBBB$,QÁDomRQRFDSLWDOLVPRGH(VWDGRHDH[SHULrQFLDEUDVLOHLUDUHFHQWH
5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFDDEULO5HSXEOLFDGDHP%UHVVHU3HUHLUD
H1DNDQR
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BBBBBBB,QÁDomRLQHUFLDOH3ODQR&UX]DGR5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFD
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CARDIM DE CARVALHO, Fernando. Agricultura e Questão Agrária no Pensamento
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81,&$03GLVVHUWDomRGHPHVWUDGR
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5DQJHODRSHQVDPHQWRHFRQ{PLFREUDVLOHLUR(P,JQDFLR5DQJHOD
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,QtFLRGRV$QRV&DPSLQDV81,&$037HVHGHGRXWRUDGR
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LEITE SOARES, Paulo Presgrave. 4XDWURLQWHUSUHWDo}HVVREUHDFULVHGRVDQRV
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D
D 147
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
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D 148
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_______. Revisitando a ‘questão nacional’. (QFRQWURVFRPD&LYLOL]DomR%UDVLOHLUD,
QD
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RXWXEURD
BBBBBBB2%UDVLOQDIDVHCE·GRRKondratieff. ,Q,JQDFLR05DQJHO
Artigo apresentado ao 33o. Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso
GD&LrQFLD6mR3DXORMXOKRE
_______. &LFOR7HFQRORJLDH&UHVFLPHQWR (coleção de ensaios). Rio de Janeiro:
&LYLOL]DomR%UDVLOHLUD$VFLWDo}HVFRPDGDWDUHIHUHPVHDR3UHIiFLR
de Rangel a este livro.
_______. (FRQRPLD0LODJUH H $QWL0LODJUH. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
D
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,QVWLWXWRGRV(FRQRPLVWDVGR5LRGH-DQHLURQPDUoRE5HSXEOLFDGR
HP,JQDFLR5DQJHOD
BBBBBBB5HFHVVmRLQÁDomRHGtYLGDH[WHUQD5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFD, 5(3),
MXOKRF
_______. (FRQRPLD %UDVLOHLUD &RQWHPSRUkQHD (coletânea de ensaios), São
3DXOR(GLWRUD%LHQDOD IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
BBBBBBB $ FRPSRQHQWH LQHUFLDO ,Q ,JQDFLR 0 5DQJHO D 3XEOLFDGR
originalmente em )ROKDGH63DXORE
_______. 8P ÀR GH SURVD DXWRELRJUiÀFD FRP ,JQDFLR 5DQJHO. São Luís:
Universidade Federal do Maranhão, Instituto de Pesquisa Econômica e Social e
6HUYLoRGH,PSUHQVDH2EUDV*UiÀFDVGR(VWDGR
_______. As crises gerais. 5HYLVWDGH(FRQRPLD3ROtWLFDDEULO
_______. 'R3RQWRGH9LVWD1DFLRQDO (coletânea de artigos no jornal Última Hora,
5LRGH-DQHLUR6mR3DXOR(GLWRUD%LHQDO
_______. 2EUDV5HXQLGDV(dois volumes), organizador: César Benjamin, Rio de
Janeiro: Contraponto, 2005
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 150
III
IGNACIO RANGEL,
incursões
2GHVDÀRGDVFRQFHVV}HVGHVHUYLoRV
de utilidade pública:
atualidade do pensamento de Rangel
)HOLSH0DFHGRGH+RODQGD
$WUDMHWyULDLQWHOHFWXDOSROtWLFDHSURÀVVLRQDOGH,JQDFLR5DQJHOHVSHOKRX
as grandes transformações ocorridas na sociedade brasileira ao longo do século
XX: esta, de eminentemente rural a avassaladoramente urbana; de pré-industrial
D ÀQDQFHLURLQGXVWULDO GR YRWR GH FDEUHVWR DR SRSXOLVPR HOHWU{QLFR 2 0HVWUH
5DQJHO SRU VHX WXUQR GH DFDGrPLFR HP GLUHLWR H ÀORVRÀD D DXWRGLGDWD HP
economia e quadro da CEPAL; de integrante da Aliança Libertadora Nacional e
encarcerado pela ditadura de Getúlio Vargas a conselheiro econômico deste último
e também dos presidentes JK e Jango. Como tecnoburocrata e formulador da
política econômica, Rangel foi participante e observador privilegiado do processo
de transformação dos mecanismos de intervenção estatal e planejamento que
deram sustentação à referida trajetória histórica do Brasil.
Na abordagem singular de Rangel sobre o desenvolvimento econômico
brasileiro aparecem dois construtos teóricos dotados de centralidade – a teoria
dos ciclos econômicos e o processo de substituição de importações como motor
GR GHVHQYROYLPHQWR HFRQ{PLFR 6XD DERUGDJHP j WHRULD GRV FLFORV LGHQWLÀFD IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
RV FLFORV GH .RQGUDWLHII FRPR ÁXWXDo}HV GH FXQKR HFRQ{PLFRWHFQROyJLFR
emanadas do centro dinâmico da economia mundial, com aproximadamente 50
anos de duração, as quais determinam a forma como se desenvolve a divisão
internacional do trabalho, vale dizer, as possibilidades de inserção das economias
periféricas no mercado internacional.
No caso brasileiro, economia periférica, as fases ascendentes do ciclo
externo se traduziram em um intenso dinamismo do setor exportador, com
ampliação da corrente de comércio e da especialização da estrutura produtiva.
Nas fases descendentes do ciclo de Kondratieff, a contração da demanda externa
e a decorrente redução da capacidade de importar (expressa na desvalorização
dos termos de intercâmbio) dá lugar a um ciclo de substituição de importações
D
D 153
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 154
Este processo de realocação de recursos envolvia também uma redivisão
GH WDUHIDV HQWUH RV VHWRUHV S~EOLFR H SULYDGR VLJQLÀFDQGR D SULYDWL]DomR GH
determinadas atividades, ao mesmo tempo em que exigia a assumpção pelo
Estado de uma gama de novas funções e atividades necessárias para dar
sustentação ao novo ciclo de expansão econômica. Tais medidas, nada triviais,
muitas vezes foram adotadas pelos gestores sem que estes soubessem
exatamente o alcance que as mesmas teriam nos anos seguintes.
Cada crise recessiva, relacionada a determinado estágio do
desenvolvimento das forças produtivas do país, exigiria, segundo Rangel,
PHGLGDV HVSHFtÀFDV SDUD SHUPLWLU D UHDORFDomR GH UHFXUVRV HQWUH RV VHWRUHV
super e subinvestidos. Assim, no período pós 2ª guerra mundial, a Instrução 70
da SUMOC representou o cerne de tais medidas, viabilizando a continuidade da
substituição de importações de bens duráveis de consumo, através da criação
de taxas de câmbio preferenciais para a importação de máquinas, equipamentos
e insumos industriais.
$ FULVH UHFHVVLYD GRV DQRV TXH OHYRX DR ÀP D MRYHP GHPRFUDFLD
parlamentar brasileira, abrindo um ciclo ditatorial que demoraria 20 anos para
se exaurir, exigiu outro conjunto de medidas para viabilizar a transferência de
recursos dos setores superinvestidos para os subinvestidos. A correção monetária
constituiu o cerne das inovações institucionais que criaram as condições para o
SHUtRGRGHLQWHQVRGLQDPLVPR TXHÀFRX FRQKHFLGRFRPRR0LODJUH %UDVLOHLUR.
O problema fundamental que se colocava na época era estruturar um novo
SDGUmRGHÀQDQFLDPHQWRTXHSHUPLWLVVHHPFRQYLYrQFLDFRPWD[DVGHLQÁDomR
relativamente altas, viabilizar a aquisição de bens duráveis de consumo
(automóveis e eletrodomésticos) e a formação de um mercado secundário
para os títulos da dívida pública federal que lastreassem operações de crédito IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
destinadas à implantação dos grandes fundos de investimentos públicos em
infraestrutura e serviços de utilidade pública (Eletrobrás, Telebrás, Siderbrás,
Petrobrás) e em habitação (Sistema Financeiro da Habitação).
5DQJHOQRVHQVLQDTXHFDGDFRQMXQWXUDFUtWLFDWUD]VHXSUySULRGHVDÀR
político-institucional: a crise dos anos 80 foi avaliada por ele como um
período de superposição da fase descendente do quarto ciclo de Kondratieff
LQDXJXUDGDFRPDFULVHGRSHWUyOHRHPTXHGHXOXJDUXPDFULVHPXQGLDO
sincronizada, com impactos maiores nos países importadores de petróleo, a
exemplo do Brasil) com uma crise interna. Esta se caracterizava como uma crise
GRSDGUmRGRÀQDQFLDPHQWRGRVHWRUS~EOLFREUDVLOHLURWHQGRFRPRGHFRUUrQFLD
RDSURIXQGDPHQWRGRGHVFRQWUROHLQÁDFLRQiULR
D
D 155
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
2 GLDJQyVWLFR GH 5DQJHO DFHUFD GD FULVH GRV DQRV DSRQWDYD
a contraposição entre um setor privado superinvestido, principalmente nos
segmentos de bens de capital e de insumos intermediários, e um setor público
subinvestido, principalmente nos segmentos dos serviços de utilidade pública,
WDLVFRPRFRPXQLFDo}HVHOHWULÀFDomRWUDQVSRUWHVVDQHDPHQWREiVLFRHQWUH
outros.
O processo brasileiro de urbanização acelerada, caracterizado pela
ausência de planejamento e pela formação de enormes aglomerados urbanos
carentes de infraestrutura básica, apontava para a necessidade imperiosa da
realização de grandes investimentos nos serviços de utilidade pública. Tais
investimentos, na medida em que ofereciam um canal de valorização para os
recursos ociosos existentes no setor superinvestido da economia, apontavam o
caminho para a superação da crise.
O problema é que as empresas públicas responsáveis pela prestação dos
referidos serviços de utilidade pública, encontravam-se em situação de “profunda
LQVROYrQFLDµGDGRRIDWRGHTXHMiWLQKDP´ODQoDGRPmRGHWRGRVRVUHFXUVRV
ÀVFDLVDQWHFLSiYHLVVHMDSHORFUpGLWRLQWHUQRVHMDSHORH[WHUQRµ. A solução para
o desbloqueio dos investimentos seria a conversão da concessão dos serviços
de utilidade pública das empresas públicas para empresas privadas, as quais
poderiam acessar fontes de crédito públicas e privadas de forma mais barata e
com menores condicionalidades do que as empresas públicas.
O mecanismo proposto por Rangel para permitir às empresas privadas
concessionárias o acesso ao crédito público e privado seria o aval do Estado
brasileiro, com base em garantias hipotecárias sobre as instalações e
equipamentos das concessionárias dos serviços públicos. Neste arranjo,
impunha-se a prática de um realismo tarifário, que tivesse como referência o
custo da execução dos referidos serviços, considerando-se a soma das despesas
FRUUHQWHV GD SUHVWDomR GRV UHIHULGRV VHUYLoRV D GHSUHFLDomR GR FDSLWDO À[R
investido e um lucro legalmente autorizado referenciado no custo de capital, de
acordo com as condições do mercado acionário e de títulos internos. Tal era, em
suma, segundo a formulação de Rangel, o mecanismo que permitiria a superação
da crise recessiva de então e a geração de um novo ciclo de crescimento.
Hoje, um quarto de século após, é impressionante como a análise de
Rangel e suas prescrições permanecem pertinentes. O tema das concessões dos
61
Um dos motivos pelos quais se agravou a insolvência das concessionárias de serviços de utilidade
S~EOLFDIRLDXWLOL]DomRGDVWDULIDVSDUDFRQWUROHGHLQÀDomRHGDVSUySULDVHPSUHVDVFRPRYHtFXORVGH
captação de empréstimos externos no período 1973-1980. Sobre o tema ver CRUZ (1984).
D
D
VHUYLoRVS~EOLFRVjVHPSUHVDVSULYDGDVDSDODYUD´SULYDWL]DomRµWRUQRXVHXP
anátema no atual governo) transformou-se na grande aposta para a aceleração
dos investimentos e a consequente viabilização de uma taxa de crescimento do
produto menos modesta em comparação ao patamar que vigora após a eclosão
GDFULVHÀQDQFHLUDLQWHUQDFLRQDOGH
Os acontecimentos do último quarto de século podem ser sumarizados
com o apoio de algumas das categorias rangelianas. A forte ampliação da
OLTXLGH]LQWHUQDFLRQDOQRLQtFLRGRVDQRV²XPVXESURGXWRGDVSROtWLFDVGH
combate à recessão no centro dinâmico do capitalismo mundial – permitiram ao
governo brasileiro renegociar a dívida externa e ampliar o estoque de reservas
internacionais, o que viabilizou o lançamento de uma estratégia bem sucedida de
estabilização monetária - o Plano Real - em um horizonte de tempo bem inferior
ao que Rangel imaginara.
$UHGXomRGDLQÁDomRSDUDSDWDPDUHVGHXPGtJLWRSDUDDOpPGHWHUVH
tornado um importantíssimo ativo eleitoral, permitiu o alongamento do horizonte de
crédito das empresas e dos consumidores, o que engendrou um aprofundamento
dos mercados de consumo, especialmente de bens duráveis. As mudanças
institucionais novamente foram fundamentais para permitir a realocação de
UHFXUVRVHQWUHVHWRUHVVXSHUHVXELQYHVWLGRVGDHFRQRPLD$FOiXVXODGHÀG~FLD
abriu o caminho para a expansão do crédito e dos investimentos imobiliários. O
tripé macroeconômico herdado do segundo governo Fernando Henrique Cardoso
VXSHUiYLW SULPiULR ÀVFDO PHWDV GH LQÁDomR H FkPELR ÁXWXDQWH PDQWLGR QRV
dois governos do Presidente Lula, deu sustentação ao crescimento do crédito
GRPpVWLFRFRPWD[DGHMXURVUHDOHPGHFOtQLRHLQÁDomREDL[D
A política de elevação real do salário mínimo em cerca de 40% acima da
LQÁDomRRÀFLDOQRSHUtRGRDUHSHUFXWLXQDDFHOHUDomRGRFUHVFLPHQWR IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
da massa salarial brasileira, com maiores impactos entre os trabalhadores de
renda mais baixa, reduzindo a desigualdade salarial e ampliando o acesso desses
segmentos da população ao mercado de bens de consumo. Após duas décadas
de elevação do desemprego e de ampliação do peso do segmento informal,
62
O sucesso obtido com estabilização monetária teria sido maior não fossem os graves erros de estra-
tégia cometidos: a experiência internacional e a teoria econômica relevante recomendam que a abertura
¿QDQFHLUDVHMDSUHFHGLGDSHODDEHUWXUDFRPHUFLDOHTXHHVWDVHMDIHLWDGHPDQHLUDJUDGXDOSDUDHYLWDU
WUDXPDVVREUHDHVWUXWXUDLQGXVWULDO1R%UDVLOGHXVHRFRQWUiULRXPDDEUXSWDDEHUWXUD¿QDQFHLUDQRV
anos 1992-3, seguida por uma rápida abertura comercial, o que levou a uma rápida valorização cam-
bial, ampliando a pressão competitiva sobre a indústria. A abertura externa, funcional para o controle
GDLQÀDomRWHUPLQRXSRUOHYDUDXPDFULVHFDPELDOQR¿QDOGDGpFDGDGXUDQWHDTXDORHQGLYLGDPHQWR
mobiliário do setor público que se encontrava no patamar de 27% do PIB no lançamento do Plano Real,
XOWUDSDVVRXRSDWDPDUGHGR3,%QRLQtFLRGH
D
D 157
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
64
1HVWDOLYUHXWLOL]DomRGDWHRULDGRVFLFORVUDQJHOLDQDDIDVHDVFHQGHQWHGRFLFORGH.RQGUDWLHII
teria como fatos marcantes a revolução da internet e a emergência da China como potência industrial,
DRSDVVRTXHDSDVVDJHPSDUDVXDIDVH%GHVFHQGHQWHVHULDPDUFDGDSHODFULVH¿QDQFHLUDLQWHUQDFLRQDO
GHÀDJUDGDSHORHVWRXURGDEROKDLPRELOLiULDsubprime nos EUA.
D
D 158
dos investimentos, em função do crescimento da participação das importações
de máquinas, equipamentos e insumos industriais no valor dos novos projetos
em instalação no país.
+i HYLGrQFLDV GH TXH QD ~OWLPD GpFDGD KRXYH XP ´GHVDGHQVDPHQWRµ
de importantes cadeias produtivas na estrutura industrial brasileira, a exemplo
dos segmentos da eletroeletrônica, mecânica, química e têxtil, o que coloca
HP FKHTXH DYDOLDo}HV GH TXH R %UDVLO WHULD ´FRPSOHWDGRµ QR SHQ~OWLPR FLFOR
expansivo um departamento D1 (de bens de capital) integrado e resiliente.
No que tange à natureza do ciclo de crescimento da última década,
é importante observar que o mesmo se sustentou, além do dinamismo das
exportações líquidas, em um acelerado crescimento do consumo doméstico,
tanto do setor privado, quanto do setor público. O investimento agregado registrou
XPPHQRUGLQDPLVPRFRPVXDSDUWLFLSDomRQR3,%RVFLODQGRQRSDWDPDUGH
a 18% no período, incapaz de promover o desejável crescimento sustentando no
longo prazo.
$FULVHÀQDQFHLUDLQWHUQDFLRQDOGHÁDJUDGDDSDUWLUGRHVWRXURGDEROKD
imobiliária VXESULPH nos EUA e com profundos impactos nos países no centro
dinâmico da economia mundial, veio para interromper o período de bonança
no comércio internacional, com uma abrupta redução da taxa de crescimento
dos países avançados, avanço do desemprego e volatilidade nos mercados de
capitais. O cenário tornou-se menos favorável ao Brasil, cuja taxa de crescimento
GR3,%UHFXRXSDUDSDWDPDUHVPpGLRVGDVGpFDGDVGHH
2 DJUDYDPHQWR GR GpÀFLW HP WUDQVDo}HV FRUUHQWHV EUDVLOHLUR HP XP
cenário de menor liquidez internacional (redução dos estímulos monetários nos
(8$GHYHUiOHYDUDXPVLJQLÀFDWLYRDMXVWHGDWD[DGHFkPELRTXHSURYDYHOPHQWH
se completará somente após o encerramento das eleições gerais de 2014, em IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
XPFRQWH[WRGHDMXVWHÀVFDOHFRQWUDomRGRFUpGLWRGRPpVWLFR
Neste cenário, a partir do inevitável ajuste da relação câmbio-salário,
novamente se acionará um processo de substituição de importações, cuja
intensidade e extensão, dependerão da capacidade de fazer operar no Brasil
do próximo quinquênio a transferência de recursos dos setores com excesso
de capacidade (complexos industriais primário-exportadores e seus respectivos
EUDoRVÀQDQFHLURVSDUDDTXHOHVVHWRUHVVXELQYHVWLGRV
Destacam-se, dentre os setores subinvestidos, retomando o diagnóstico
UHDOL]DGRSRU5DQJHOHPPHDGRVGDGpFDGDGHRVVHUYLoRVGHXWLOLGDGH
pública, a exemplo do segmento de transportes (rodovias, ferrovias e hidrovias),
logística (portos, aeroportos) e armazenamento (silos e centrais de distribuição
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5HIHUrQFLDV
D
D
+2/$1'$ ) 0 $1&+,(7$ -5 9 ´$ GLQkPLFD GR PHUFDGR GH WUDEDOKR
PDUDQKHQVHQRSHUtRGRDRTXHPXGRXHRTXHSHUPDQHFH"µIn:
HOLANDA, F. M. (Org.). (VWXGRVVREUHDHFRQRPLDPDUDQKHQVHFRQWHPSRUkQHD.
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NERI, M.C. $QRYDFODVVHPpGLD. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2008. Disponível
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POCHMANN, M. 1RYD FODVVH PpGLD" 2 WUDEDOKR QD EDVH GD SLUkPLGH VRFLDO
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5$1*(/,(FRQRPLDPLODJUHHDQWLPLODJUH,Q5$1*(/,2EUDV5HXQLGDV
– Volume 1 (organização de Cesar Benjamim). Rio de Janeiro: Contraponto:
Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2012.
BBBBBB 2 SDSHO GRV VHUYLoRV GH XWLOLGDGH S~EOLFD ,Q 5$1*(/ ,
2EUDV 5HXQLGDV – Volume 2 (organização de Cesar Benjamim). Rio de
Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o
Desenvolvimento, 2012.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Apresentação
D
D
da fase monopólica do capitalismo. Basta mostrar destreza na aplicação de
um modelo. Para um velho como eu, no entanto, aquelas coisas ainda têm
importância, ainda estão na memória e Ignacio Mourão Rangel, portanto, ainda
é uma referência fundamental, inclusive pela argúcia teórica e política, pela
KRQHVWLGDGHHFRUDJHPLQWHOHFWXDOHSURÀVVLRQDO
2V DUHV GDV PRQWDQKDV PH À]HUDP EHP -i DYDQoDGR QD WDUHID GH
´UHFRUWDUµH´FRODUµFRPHFHLDÀFDULQFRPRGDGR&RPHFHLDÀFDULQVDWLVIHLWRFRP
o resultado que estava obtendo. Comecei a conjecturar que o texto original estava
PHOKRU GR TXH D ´PRGHUQL]DomRµ TXH HX HVWDYD WHQWDQGR SURPRYHU -XQWDQGR
DV WHVHV GRV 0HVWUHV 5DQJHO 'HOÀP 1HWR H /HQLQ DR LQYpV GH VLPSOLÀFDU HX
HVWDYDGLÀFXOWDQGRDFRPSUHHQVmRGROHLWRUWRUQDQGRRPDLViULGRSDUDRVQmR
iniciados nos temas ali tratados. Não me parece conveniente que um texto em
KRPHQDJHP ÀTXH UHVWULWR D FRPSUHHQVmR GRV LQLFLDGRV GRV Mi ´FRQYHUWLGRVµ
1mRSDUWLOKRGRDXWLVPRGDDFDGHPLDVXSRVWDPHQWHPDLVVRÀVWLFDGD
A tática original começou a me parecer mais didática: primeiro mostrar o
FRQVHQVRDRTXDO5DQJHOH'HOÀP1HWRHVHRSXVHUDPGHSRLVPRVWUDUDVFUtWLFDV
deles ao consenso. Finalmente mostrar como essas críticas estavam de acordo
FRPDVWHVHVGH/HQLQ4XDQGRHVVDSHUFHSomRWRUQRXVHXPDFRQYLFomRUHVROYL
GHVFDUWDUR´UHFRUWDHFRODµHHQYLDURWH[WRRULJLQDODFUHVFLGRGHXPDGHVWD
Introdução. Não estou em competição por número de publicações estimulada
SHOD&DSHVSHORHVSHWiFXOR´GHERUGLDQRµTXHWRPRXFRQWDGDDFDGHPLD(VWRX
interessado apenas na compreensão dos alunos.
O texto que se segue é fruto de uma pesquisa no estágio probatório do
Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) na Universidade
de São Paulo (USP). Ele seria um dos quatro capítulos de uma futura Tese de Livre
Docência, todos tendo como matriz teórica os trabalhos do Lenin. O impedimento IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
ao meu acesso, como professor, ao curso de pós-graduação em economia fez
FRP TXH HVVD 7HVH QmR H[LVWLVVH FRPR WDO H HVVH WH[WR ÀFDVVH JXDUGDGR DWp
agora. A única mudança aqui promovida foi no título. Antes era “Sobre as teses
GH'HOÀP1HWWRHGH,JQDFLR5DQJHOUHODWLYDVDRGHVHQYROYLPHQWRGDHFRQRPLD
EUDVLOHLUDµ PDV DJRUD OHYD R WtWXOR GH ´&RQYHUJrQFLDV HQWUH ,JQDFLR 5DQJHO H
'HOÀP1HWRXPDOHLWXUDFRPEDVHHP/HQLQµ
A pesquisa e o texto em que ela se consubstanciou e está aqui sendo
apresentado é uma continuidade do esforço desenvolvido na minha Tese de
Doutorado (Um estudo sobre Lenin e as defesas da reforma agrária no Brasil,
)($863HPTXHDQDOLVHLSDUWHGDOLWHUDWXUDGHKLVWyULDHFRQ{PLFDQR
Brasil com base nos trabalhos de Lenin.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
HUDHVWUDWpJLFD5DQJHOUHSUHVHQWDYDRVLQWHUHVVHVGRSUROHWDULDGR'HOÀP1HWR
representava os interesses da grande burguesia progressista. O consenso ao que
eles se opunham representava o interesse da pequena burguesia. Um confronto
que foi tão bem descrito por Lenin no embate contra os populistas russos e em
GHIHVDGROLYUHFDPELVWD6NDOGLQH$ÀQDOGL]LD/HQLQVyVHFRQVHJXHPXGDUXP
sistema quando ele esgotou suas potencialidades e, sendo assim, defender os
interesses da pequena burguesia era atrasar esse esgotamento e, portanto, a
chegada da revolução socialista. A terceira parte, em terceiro lugar, sugere que
a diferença entre Rangel e os demais notórios marxistas também está em que
estes, ao que parece, subestimavam a capacidade do capitalismo para submeter
formas sociais pretéritas e/ou superestimavam a capacidade para, no Brasil, se
WUDQVIRUPDURGHVHQYROYLPHQWRGRFDPSRSDVVDQGRGDYLD´SUXVVLDQDµSDUDD
YLD´IDUPHUµ8PDyEYLDFRQWUDGLomRFRHUHQWHFRPDPDWUL]SHTXHQREXUJXHVD
que se vê como marxista.
O encerramento do texto se dá, propositalmente, de forma abrupta, com
uma citação, sem complementos escritos por mim. A intenção de tal encerramento
é deixar marcado para o leitor uma citação do Mestre Ignacio Mourão Rangel que
sintetiza o que foi tratado.
$ SDUWLU GD GpFDGD GH FRPHoRX D JDQKDU FRUSR XP HQRUPH
pessimismo quanto ao futuro da economia brasileira. O desempenho da
agricultura era visto como tendo um papel fundamental na formação desse
SHVVLPLVPR6HJXQGRDVPDLVYDULDGDVFRUUHQWHVWHyULFDVSROtWLFDVRLQVXÀFLHQWH IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
desenvolvimento da agricultura retardava o desenvolvimento da indústria.
Este diagnóstico estava presente em diversos autores marxistas, dos
quais o mais famoso, talvez, seja Alberto Passos Guimarães que, no texto clássico
LQWLWXODGR´4XDWURVpFXORVGHODWLI~QGLRµDTXL UHIHULGRFRPR´4XDWURVpFXORVµ
DÀUPDYD
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
e estava presente em autores como Mário Alves que, no texto intitulado “Dois
FDPLQKRVSDUDDUHIRUPDDJUiULDµDTXLUHIHULGRFRPR´'RLVµFDPLQKRVGHIHQGLD
D
D
primas, reclamando imperiosamente a exploração das terras dos
latifúndios e a elevação da produtividade do trabalho agrícola.
(QTXDQWRQRSHUtRGRGHDRSURGXWRLQGXVWULDOFUHVFHX
de 135% em termos reais, o produto agrícola aumentou de apenas
42%. A expansão da indústria impõe, paralelamente, a ampliação
do mercado interno mediante a elevação do poder aquisitivo da
SRSXODomRUXUDOµ$OYHV'RLVFDPLQKRVS
$WpPHVPRRVTXHWRPDUDPRSRGHUHPWLQKDPRGLDJQyVWLFRGHTXH
a agricultura entravava o desenvolvimento da indústria e, consequentemente, do
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
país. Roberto Campos, num documento elaborado para explicar o relacionamento
entre o Programa de Ação do Governo do Marechal Castelo Branco e as Reformas
de Base do Governo João Goulart, intitulado “O programa de ação e as reformas
GHEDVHµDTXLUHIHULGRFRPR´3$(*HDVUHIRUPDVµHVWiHVFULWR
D
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
A crítica do consenso
2FRQVHQVR´SHVVLPLVWDµTXDQWRDRIXWXURGDHFRQRPLDEUDVLOHLUDSRGH
ser sintetizado na seguinte maneira: em razão da ausência de uma revolução/
modernização no campo, a agricultura crescia extensivamente, constituindo-se
num setor que não respondia aos preços, tinha uma oferta inelástica, retardava
o crescimento da indústria.
A estratégia de exposição, aqui adotada, será a de começar por apresentar
os argumentos que questionam a alegada falta de resposta, da agricultura, aos
preços, contestar a existência da citada inelasticidade de oferta agrícola. O
passo seguinte será o de apresentar os argumentos que contestam a proposição
de que o crescimento da agricultura não acompanhava as necessidades do
FUHVFLPHQWRGDLQG~VWULD(VVHVGRLVWLSRVGHDUJXPHQWRVVmRVXÀFLHQWHVSDUD
mostrar o equívoco da proposição sobre a necessidade de uma revolução
agrícola/agrária, mas os dois autores em tela apresentam outros argumentos
contra essa proposição e eles serão aqui reproduzidos.
D
D
6HDVWHVHVGH'HOÀP1HWWRHGH5DQJHOHVWDYDPFRUUHWDVFRPRH[SOLFDU
DJUDYHFULVHSHODTXDODHFRQRPLDEUDVLOHLUDSDVVRXHPPHDGRVGRVDQRV"
Os diagnósticos desses autores serão, então, apresentados na seção seguinte.
O capítulo será concluído com uma seção mostrando as perspectivas que esses
autores vislumbravam para a economia brasileira.
$QW{QLR 'HOÀP 1HWWR HP RXWXEUR GH QXP WH[WR DSUHVHQWDGRQR
Seminário de Economia Brasileira realizado na FEA/USP, intitulado a “Agricultura
QR3URJUDPDGH$omR(FRQ{PLFDGR*RYHUQR²µGHDJRUDHPGLDQWH
UHIHULGRFRPR´$JULFXOWXUDQR3$(*µFULWLFDDXWLOL]DomRGDGLIHUHQoDQRSHUtRGR
HQWUHDVWD[DVGHYDULDomRQRVSUHoRVSDJRVSHORFRQVXPLGRUÀQDO
(27,8% a.a.) e recebidos pelo produtor rural (24,5% a.a.) como indicadora do
atraso relativo da agricultura.
Uma contestação, de ordem puramente estatística, dizia que essa
GLIHUHQoDGHWD[DUHÁHWLDEDVLFDPHQWHRUHVXOWDGRGHWUrVDQRVHVSHFtÀFRVD
TXDQGRRVSUHoRVQRFXVWRGDDOLPHQWDomRQD*XDQDEDUDFUHVFHX
FRQWUDQRVSUHoRVDRSURGXWRUETXDQGRDUHODomRIRLGH
FRQWUD H F TXDQGR D UHODomR IRL GH FRQWUD 'HOÀP
1HWWR$JULFXOWXUDQR3$(*SSH
Uma contestação, de ordem econômica, dizia que essa diferença podia
UHÁHWLUVLPSOHVPHQWHXPDYDQoRGRSURFHVVRGHWUDQVIRUPDomRLQGXVWULDOL]DomR
da produção agrícola:
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
A prova em si mesmo é falha quando se sabe que nos últimos
dez anos houve uma verdadeira revolução na comercialização
dos produtos agrícolas e que quase todos eles são fornecidos aos
FRQVXPLGRUHV FRP DOJXP JUiX GH HODERUDomR LQGXVWULDO 'HOÀP
Netto, Agricultura no PAEG, p. 285).
,JQDFLR5DQJHOQROLYUR´$LQÁDomREUDVLOHLUDµGHDJRUDHPGLDQWHUHIHULGR
FRPR´,QÁDomRµFRQWHVWDDWHVHGDLQHODVWLFLGDGHGHRIHUWDDJUtFRODHQIDWL]DQGR
que os estruturalistas ignoravam um problema fundamental, o da estava na
existência de um cartel comercializador de produtos agrícolas. O sucesso desse
cartel só era possível devido à existência de grande elasticidade de oferta e baixa
elasticidade de demanda:
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
'HOÀP 1HWWR QR Mi FLWDGR ´$JULFXOWXUD QR 3$(*µ TXHVWLRQD R UHFXUVR
ao argumento da diferença de taxas de crescimento setorial para explicar o
caso brasileiro pois o próprio PAEG reconhecia que “DV GLIHUHQoDV QRV UtWPRV
GHH[SDQVmRGRVHWRUDJUtFRODHGRVHWRULQGXVWULDOQmRGHYHPVHUHQWHQGLGDV
FRPRLQGLFDomRGHXPDDJULFXOWXUDWHQGHQWHSDUDRDWUDVRµS"$UHIHULGD
diferença de taxas de crescimento setorial, além do mais, não suportava a tese
D
D 170
de atraso da agricultura pois correspondia à diferença entre as elasticidades
renda da demanda por cada um desses setores:
'HOÀP 1HWWR QXP 6HPLQiULR QD )($863 HP QRYHPEUR GH
FRQVXEVWDQFLDGRQRWH[WR´5HIRUPDDJUiULDRQRYRGLDJQyVWLFRµGHDJRUDHP
GLDQWHUHIHULGRFRPR´1RYRGLDJQyVWLFRµFRQWHVWDDQHFHVVLGDGHGHXPFKRTXH
exógeno no campo, para incentivar o desenvolvimento da agricultura brasileira:
D
D 172
2FUHVFLPHQWRH[WHQVLYRGDDJULFXOWXUDEUDVLOHLUDSDUD'HOÀP1HWWRQmR
tinha explicações apenas na racionalidade privada. No já citado “Agricultura no
3$(*µDHVFDVVH]GHFDSLWDOHDDEXQGkQFLDGHPmRGHREUDMXVWLÀFDYDPWDOWLSR
de crescimento:
H[LVWHXPDUHODomROLQHDUSUDWLFDPHQWHÀ[DHQWUHDiUHDGHFXOWXUD
H R Q~PHUR GH WUDEDOKDGRUHV ,VVR VLJQLÀFD TXH DXPHQWDQGR D
produção pela extensão da área, a agricultura aumenta o emprego
quase na mesma proporção, absorvendo o excedente de mão-
GHREUD TXH QmR SRGH VHU XWLOL]DGR QR VHWRU LQGXVWULDO 4XH LVVR
é conveniente para o país é evidente, quando se considera que a
produtividade marginal do capital é mais elevada no setor industrial
do que no setor agrícola e quando se lembra que neste setor existe
mais possibilidade de aplicação de técnicas poupadoras de capital
'HOÀP1HWWR$JULFXOWXUDQR3$(*S
Uma unidade de capital que possa ser utilizada alternativamente na
agricultura ou na indústria, deve ser aplicada no segundo setor. De
fato, utilizando o capital no setor industrial criamos emprego urbano
e aumentamos a demanda de produtos agrícolas, sem prejudicar
em nada a produção, porque pode-se supor que a produtividade
marginal do trabalhador (ainda que não a produtividade marginal
do trabalho) seja nula. Utilizando essa unidade de capital no
setor agrícola temos que se libera mão-de-obra (que não encontra
emprego urbano), mas não se aumenta a produção global: substitui-
VH PmRGHREUD SRU FDSLWDO 'HOÀP 1HWWR $JULFXOWXUD QR 3$(* S
4XDQGR FUHVFH HP H[WHQVmR SRUWDQWR R VHWRU DJUtFROD SHUPLWH
não apenas que se maximize a produtividade marginal do capital,
mas também a taxa de utilização de mão de obra, dois resultados IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
altamente desejáveis em qualquer caminho de expansão para o
GHVHQYROYLPHQWR'HOÀP1HWWR$JULFXOWXUDQR3$(*S
5DQJHO QR Mi UHIHULGR ´,QÁDomRµ UHJLVWUD TXH R %UDVLO DYDQoRX SHOD
industrialização sem ter necessitado reformar, previamente, as relações sociais
no campo:
D
D 173
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
2PDXGHVHPSHQKRGDHFRQRPLDEUDVLOHLUDQRSHUtRGRSDUD
'HOÀP1HWWRQDGDWLQKDDKDYHUFRPRVDOHJDGRVHQWUDYHVDRGHVHQYROYLPHQWR
D
D 174
do capitalismo que teriam suas origens no atraso da agricultura. O desempenho
medíocre da economia brasileira era resultado da política econômica adotada.
Numa apostilha de sua autoria, elaborada para a cadeira XXV Economia
IV, no curso de economia da Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo (FEA/USP), aqui referida como Agricultura no PAEG,
'HOÀP1HWWRDÀUPRXTXH´DHVWUDWpJLDEiVLFDGHFRPEDWHjLQÁDomRSRVWDHP
SUiWLFDQRSHUtRGRFRQVLVWLXHPUHGX]LUDGHPDQGDJOREDOGHEHQVH
VHUYLoRVDÀPGHHOLPLQDURTXHH[FHGHVVHjRIHUWDGHSOHQRHPSUHJRµS
mas essa estratégia, ao ser implementada, “SDUHFHWHUSURYRFDGRXPDUHGXomR
GHGHPDQGDVXSHULRUjGHVHMDGDSHORPHQRVHPIDVHVORFDOL]DGDVGDH[HFXomR
GDSROtWLFDEHPFRPRDOJXPDVHOHYDo}HVGHFXVWRVHRDJUDYDPHQWRGDOLTXLGH]
TXH DWXDUDP VREUH D RIHUWD JOREDOµS $ FULVH HQWmR GHFRUUHULDGH TXH ´a
H[LVWrQFLDGHWHQV}HVGHFXVWRVDOLDGDVDXPUtJLGRFRQWUROHGHGHPDQGDWHQGH
DSURYRFDUUHGXo}HVQDSURGXomRHQRHPSUHJRVHPTXHRQtYHOGHSUHoRVFHVVH
GHDXPHQWDUµS
5DQJHO QR Mi UHIHULGR ´,QÁDomRµ DÀUPDYD TXH R PDX GHVHPSHQKR
da economia brasileira era resultado do superinvestimento na indústria,
generalização da capacidade ociosa na indústria. Um resultado temporário,
TXH SHUPDQHFHULD DWp TXH XP QRYR VHWRU ´FDUURFKHIHµ GR FUHVFLPHQWR IRVVH
preparado institucionalmente para receber os investimentos:
D
D 175
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
'HOÀP1HWWRQXPD0HVD5HGRQGDSDWURFLQDGDSHOR$GYHUWLVLQJ&RXQFLO
Inc. e pela Fundação Getúlio Vargas, aqui referido como Advertisinga Council
)*95- HP DJRVWR GH QR 5LR GH -DQHLUR DÀUPRX TXH R WDPDQKR GR
mercado e a expansão da infra-estrutura econômica permitiam a realização de
investimentos com elevada relação capital-produto e, consequentemente, não
havia qualquer perspectiva estagnacionista para a economia brasileira:
Haviam inúmeros campos virgens para serem explorados pelos IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
investimentos, faltando apenas prepará-los institucionalmente. O fantasma da
estagnação não rondava a economia brasileira:
9LPRVjOX]GRTXHÀFRXGLWRQRVFDStWXORVDQWHULRUHVTXHDLQÁDomR
brasileira corresponde a um mecanismo de defesa do sistema
econômico, contra a depressão econômica, agravando-se sempre
que esta nos ameaça, quando se esgotam as oportunidades de
inversão suscetíveis de utilização. Vimos, também, que se trata de
um arranjo extremamente feliz, visto como os inconvenientes da
LQÁDomR ² JURVVHLUDPHQWH H[DJHUDGRV DOLiV HP QRVVD OLWHUDWXUD
econômica – são incomensuràvelmente menores do que as
devastações que costumam acompanhar a depressão econômica.
Finalmente, considerando que a escassez de oportunidades de
D
D 177
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5HÁH[}HVVREUHDVWHVHVGH'HOÀP1HWWRHGH5DQJHO
$ VHomR DQWHULRU DSUHVHQWRX DV LGHLDV GH 5DQJHO H GH 'HOÀP 1HWWR
FULWLFDQGRR´FRQVHQVRµVREUHRGLDJQyVWLFRHDVSHUVSHFWLYDVSDUDDHFRQRPLD
EUDVLOHLUD QRV DQRV H $ SUHVHQWH VHomR DSUHVHQWDUi R UHVXOWDGR
da investigação sobra a raiz das coincidências e das divergências entre esses
autores.
D
D 180
'HOÀP 1HWWR QR Mi FLWDGR ´1RYR GLDJQyVWLFRµ QHJD D SRVVLELOLGDGH GH
XP GHVHQYROYLPHQWR ´SX[DGRµ SHOD DJULFXOWXUD FDVR R LPSXOVR QmR YHQKD GR
comércio exterior:
1RMiFLWDGR´$JULFXOWXUDQR3$(*µ'HOÀP1HWWRDÀUPDTXHDOLPLWDomR
para o desenvolvimento da agricultura estava no desenvolvimento da indústria:
D
D 181
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
'HOÀP1HWWRHQWmRFRQFOXLFRPXPDUJXPHQWRVDUFiVWLFR
D
D 182
A agricultura, nesse processo de transferência de atividades, precisa
gerar um excedente de produção agrícola e liberar mão-de-obra:
D
D 183
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
(P VXPD SDUD /rQLQ DVVLP FRPR SDUD 5DQJHO H SDUD 'HOÀP 1HWWR
se a cidade não se desenvolve, o campo também não se desenvolve. Uma
coincidência de concepção que, com certeza, surpreenderá a muitos. Se Rangel
WLYHVVH VLGR PLQLVWUR WHULD GDGR SULRULGDGH D LQG~VWULD FRPR ´FDUURFKHIHµ GR
GHVHQYROYLPHQWR DVVLP FRPR 'HOÀP 1HWWR R IH] j IUHQWH GR PLQLVWpULR GD
)D]HQGD2IDWRGHXPVHUGH´HVTXHUGDµHRRXWURGH´GLUHLWDµQmRID]FRPTXH
LPSOHPHQWDVVHPSROtWLFDVGHVHQYROYLPHQWLVWDVVLJQLÀFDWLYDPHQWHGLIHUHQWHV
&RLQFLGrQFLDWiWLFDHRSRVLomRHVWUDWpJLFD
65
$³KHUDQoD´DTXHRWUHFKRVHUHIHUHpDKHUDQoDUHYROXFLRQiULDGRVDQRVHGRVpFXOR;,;QD
5~VVLD2WHUPR³GLVFtSXORV´HUDXVDGRQRVDQRVGRVpFXOR;,;FRPRGHVLJQDomROHJDOGRVPDU[LV-
tas: adeptos de Marx e Engels. Este termo era usado, conforme nota explicativa no. 82, conforme nota do tradutor.
D
D 184
A obra foi escolhida porque representava uma ideologia burguesa
progressista e a intenção era mostrar o caráter progressista das teses dos
´GLVFtSXORVµGH0DU[
D
D 185
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 187
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
/rQLQQRWH[WR´4XLHQHVVRQORV¶DPLJRVGHOSXHEOR·\FRPROXFKDQFRQWUD
ORVVRFLDOGHPyFUDWDV"5HVSXHVWDDORVDUWLFXORVGH5XVVNRLH%RJDWVWYRFRQWUD
ORV0DU[LVWDVµGHDJRUDHPGLDQWHUHIHULGRFRPR´$PLJRVGHOSXHEORµPRVWUD
porque o capitalismo prepara as bases políticas para o socialismo. Na etapa da
grande indústria, a exploração está completamente desenvolvida, está com seu
aspecto puro e, por isto, o trabalhador pode ver claramente que o que o oprime
é o capital e que sua luta tem que ser contra uma classe, contra a burguesia. O
desenvolvimento do capitalismo, portanto, torna mais fácil para o trabalhador
compreender adequadamente a questão da luta pela abolição da exploração:
D
D 188
subordinación al gran capital. Esta subordinación es progresista en
compración con aquella - apesar de todos los horrores de la opresión
del trabajo, de la agonía lenta, del embrutecimiento, de la mutilación
de los organismos femininos e infantiles etc. - porque DESPIERTA
/$&21&,(1&,$'(/2%5(52FRQYLHUWHHOGHVFRQWHQWRVRUGR\YDJR
en protesta cosciente, convierte el motín aislado, pequeño, ciego,
en lucha organizada de clases por la liberación de todo el pueblo
trabajador, lucha que extras su fuerza de las condiciones mismas
GH H[LVWHQFLD GH HVWH JUDQ FDSLWDOLVPR \ SRU HOOR PLVPR SXHGH
contar incondicionalmente con un EXITO SEGURO (Lênin, Amigos del
pueblo, p.128).
Skáldine, por seu turno, criticava o regime de servidão e defendia IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
o desenvolvimento do capitalismo. As teses de Skáldine eram, portanto,
progressistas e os discípulos deviam apoiá-las na luta contra as teses populistas:
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
$V FRLQFLGrQFLDV VmR PXLWDV HQWUH 5DQJHO H 'HOÀP 1HWWR QR TXH VH
refere ao desenvolvimento da economia brasileira, em particular quanto ao
relacionamento cidade-campo. Existe, no entanto, uma diferença fundamental
HQWUHTXDQWRDRVLJQLÀFDGRGHVVHGHVHQYROYLPHQWR
Ambos estão interferindo no debate com o objetivo de ajudar a promover
o desenvolvimento, mas a avaliação e o objetivo último são absolutamente
distintos. O ponto que distingue Rangel é a avaliação crítica desse processo.
Rangel, apesar de defender o desenvolvimento da economia brasileira IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
pela via capitalista, não era ufanista. Ao contrário, Rangel apontava, denunciava,
que esse desenvolvimento se dava com uma série de distorções, com um
conjunto de irracionalidades.
A industrialização sem reformar, previamente, as relações sociais no
campo é que permitiu o pacto de poder entre o latifúndio feudal a burguesia
industrial. A tese de Rangel, no jargão atual, é que o acelerado desenvolvimento
do capitalismo, no campo brasileiro, não fora de acordo com o modelo conhecido
FRPRYLD´IDUPHUµHVLPGHDFRUGRFRPRPRGHORFRQKHFLGRFRPRYLD´SUXVVLDQDµ
A modernização da economia brasileira, consequentemente, não se deu de
maneira a assegurar as condições para o surgimento de uma policultura mercantil,
capaz de assegurar uma ocupação estável do solo. A rápida transformação do
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
é, do processo de desagregação da velha estrutura agrária (feudal) e
de sua conversão na nova estrutura agrária (capitalista). Em especial,
age como elemento perturbador do mercado de trabalho capitalista
DIRUPDomRGRVH[FHGHQWHVGHPRJUiÀFRVUXUDLVSRLVLVWRLPSRUWDQD
formação de uma oferta excessiva de mão-de-obra, a qual deprime
o poder de barganha das massas trabalhadoras do setor capitalista
5DQJHO,QÁDomRS
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
os produtores, cabe, então, perguntar por que ele não usou a argumentação de
5DQJHOFRPRPDLVXPDHYLGrQFLDGRHTXtYRFRHVWUXWXUDOLVWD"
A resposta não pode ser encontrada no campo da teoria econômica e sim
no campo da política. Ao não enfatizar a oligopolização do setor comercializador
GH SURGXWRV DJUtFRODV 'HOÀP 1HWWR QmR UHVVDOWD XP DUJXPHQWR XWLOL]DGR SRU
um adversário político e não ressalta uma falha no mecanismo de mercado,
justamente num ponto tão importante para o desenvolvimento do país. A falta
de ênfase na oligopolização do setor comercializador pode ser vista como uma
RPLVVmRGHOLEHUDGDPRWLYDGDSHORFRPSURPLVVRSROtWLFRGH'HOÀP1HWWR
,JQDFLR 0RXUmR 5DQJHO H $QW{QLR 'HOÀP 1HWWR DSHVDU GDV PXLWDV
coincidências no que diz respeito ao desenvolvimento da economia brasileira,
particularmente no que se refere ao relacionamento cidade-campo, têm uma
diferença fundamental: o compromisso de classe, a opção doutrinária. Rangel
quer o desenvolvimento para desenvolver a classe operária e promover a
WUDQVIRUPDomRVRFLDOLVWD'HOÀP1HWWRTXHURGHVHQYROYLPHQWRSDUDFRQVROLGDU
o capitalismo. A coincidência tática não exclui a divergência estratégica.
'LIHUHQoDVHQWUHVLHFRPRVPDU[LVWDV
0DU[ VHxDODED \D HQ HO WRPR ,,, GH (O &DSLWDO TXH OD IRUPD GH
propriedad agraria que encuentra en la historia el modo capitalista
de producción cuando comienza a desarrollarse, no corresponde
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
O caso Inglês é um exemplo típico de como o capital é implacável nessa
transformação. Nesse país, todas as condições que não correspondiam ou que
se contradiziam às condições do capitalismo, foram, literalmente, “varridas sem
SLHGDGHµ 2 IDPRVR ´FOHDULQJ RI HVWDWHVµ VLJQLÀFRX D GHUUXEDGDGDV FHUFDV D
limpeza das terras para o capital. Esse processo foi tão intenso, na Inglaterra,
que pode-se dizer ter sido um processo de negação da propriedade privada das
terras para o capital, feito na perspectiva do grande proprietário de terras:
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
'HOÀP1HWWRQmRWHPTXDOTXHUDWHQomRSDUDDGLIHUHQoDHQWUHRVGRLV
caminhos de transformação do campo pela cidade. O ponto central de sua
preocupação, na relação cidade-campo, era se a agricultura respondia aos
preços, se tinha atendido de maneira satisfatória aos requisitos da indústria. O
ponto central da sua preocupação, no processo de desenvolvimento, era se a
indústria estava se desenvolvendo. Em ambos os casos sua resposta era positiva.
Rangel estava atento para a questão dos dois caminhos da transformação
do campo pela cidade. Conforme já referido na seção anterior, a transformação
GRODWLI~QGLRIHXGDOHPODWLI~QGLRFDSLWDOLVWDVHJXLDDFKDPDGDYLD´SUXVVLDQDµ
com manutenção da grande propriedade fundiária e grande sofrimento para os
trabalhadores.
Com o que foi exposto, fundamentado em Lênin, sobre os dois caminhos
da transformação do campo pela cidade, pode-se compreender a diferença
entre Rangel e os marxistas como Alberto Passos Guimarães, Mário Alves e
D
D
5X\ )DFy (VWHV ~OWLPRV RX VXEHVWLPDYDP D FDSDFLGDGH GR FDSLWDOLVPR SDUD
subordinar relações sociais pré-capitalistas ou imaginavam poder transformar a
YLD´SUXVVLDQDµHPYLD´IDPHUµ2EMHWLYDYDPDVVLPGLPLQXLURVRIULPHQWRGRV
trabalhadores, melhorar suas condições de vida.
Rangel entendia ser impossível, naquela ocasião, tal transformação. A
impossibilidade decorria da falta de condições objetivas para tanto:
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5HIHUrQFLDV
D
D 200
6LJOR9HLQWLXQRUHIHULGRFRPR´$PLJRVGHOSXHEORµ
BBBBBBB 3DUD XQD FDUDFWHUL]DFLyQ GHO URPDQWLFLVPR HFRQyPLFR 6LVPRQGL \
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PLPHR7HVHGH'RXWRUDPHQWR6mR3DXOR)($863
D
D 201
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Elementos de economia do
projetamento
0iUFLR+HQULTXH0RQWHLURGH&DVWUR
66
Devemos registrar como exceção a conferência proferida pelo Professor Milton Santos no SEMINÁRIO IG-
NACIO RANGEL E A CONJUNTURA ECONÔMICA, em 10/11/1997, no Anfiteatro de Geografia da USP.
D
D 202
SURMHWRWHyULFRGROLYURRXSRUXPDVXSHUÀFLDODYDOLDomRGHTXHVHWUDWDYDGHXP
mero material didático não sabemos responder, mas devemos concordar que não
existe urgência em se responder essa questão.
Ao contrário, avaliar se a tentativa de síntese teórica de Rangel tem
algum sentido e se a busca de uma nova teoria, para uma pretensa nova etapa
dos modos de produção, é um programa de pesquisa válido, são questões que
PHUHFHPDWHQomRGRVSURÀVVLRQDLVGHHFRQRPLD
O artigo que se segue objetiva, quando muito, incentivar a leitura e a
avaliação de um texto que foi mantido hibernado pela ausência de debate. Não
pretende fazer um estudo exaustivo do livro. Destaca dos seis capítulos que o
compõem algumas passagens e aspectos, que incentivarão uma aprofundada
investigação do legado rangeliano.
Peço desculpas ao leitor pelo excesso de uso de citações e reproduções
do texto original, mas dado o caráter polêmico, ou original, dos enunciados preferi
esconder-me nas palavras do autor. Também abusei da utilização dos colchetes
não só para abreviar com minhas palavras as inúmeras citações, como é usual,
mas como um recurso para explicitar ideias mais íntimas, buscando num cochicho
com o leitor alguma cumplicidade.
D
D 203
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
HHPVXDFRQVFLrQFLDVHJXQGRDUHDOLGDGHVRFLDOHWHO~ULFDHPTXHVXUJHHFUHVFHµ
LGHP 'HYHPRV DLQGD ´DGPLWLU PRGLÀFDomR GHVVD UHDOLGDGH QR HVSDoR
HQmRKiFRPRQHJiODQRWHPSRµLGHP&RQWLQXDQGRQDDERUGDJHP
historicista, Rangel relata que “em meus estudos sobre economia brasileira,
SDUWRGDKLVWRULFLGDGHGDVOHLVHPFLrQFLDµLGHP$YHVVRjLQFRUSRUDomR
acrítica dos modelos importados – marxistas ou não- sinaliza que “o que importa
pFRQKHFHUFRPRDVRFLHGDGHFRQFUHWDVHFRPSRUWDHPVXDYLGDHFRQ{PLFDµ
LGHP3DUD5DQJHO´HFRQRPLDSROtWLFD¶FOiVVLFD·pFHUWDPHQWHRSRQWRGH
partida de todo e qualquer estudo. Mas, é preciso compreender que não é a única
FLrQFLDHTXHVXDVYHUGDGHVQHPVmRXQLYHUVDLVQHPHWHUQDVµLGHP.
Apesar do ecletismo teórico e do relativismo historicista, a obra tem
unidade lógico-teórica, muitas vezes desconsiderada por seus interlocutores. O
papel da teoria da dualidade básica como “princípio organizador básico de seu
SHQVDPHQWRµ UHVVDOWDGR SRU %LHOVFKRZVN\ RSFLW DWp HQWmR WLQKD VLGR
pouco valorizado por seus interlocutores, o que provocou manifestações de
Rangel para esclarecer sua importância.
Um dos aspectos de sua obra que merece melhor atenção é seu ecletismo
teórico, explicitado na nota de rodapé do parágrafo anterior . E aqui, nosso autor
é réu confesso70.
Podemos transcrever inúmeras e provocativas passagens onde sua visão
sobre as diferentes abordagens teóricas aparece sem nenhum disfarce. Vamos a
algumas delas.
O ponto de partida é a já apresentada historicidade da economia,
68
Reforço o argumento com outras citações “economia é uma ciência histórica por excelência. Quer isso
dizer que está submetida a um duplo processo evolutivo: o fenomenal e o nomenal. O conceito vulgar ad-
mite explicitamente pen s evolução fenomenal da economia” (Rangel, 2005, vol. I, DESENVOLVIMENTO
E PROJETO, 204). Para Rangel “tudo flui – no campo da coisa representada como no campo da represen-
tação da coisa” Com revolução russa “o planejamento econômico tornou-se possível e tivemos as teorias
que correspondem à nova problemática ”(idem, 206).
69
“idéia central da dualidade [é] fecunda para explicar a evolução econômica, social e política do Bra-
sil” “embora surgissem aqueles que julgavam poder concordar em numerosas coisas sem aceitar idéia
central da dualidade” “Trata-se, evidentemente, de um equívoco, visto como toda a minha contribuição
ao esclarecimento da problemática brasileira pode ser definida como a aplicação do marxismo ao enten-
dimento da economia e da sociedade brasileiras” sem me privar “de utilizar outras contribuições, com
especial atenção para as teorias econômicas ‘ocidentais’ destacando-se, aí, Marshall e Keynes” “E a teoria
da dualidade foi precisamente chave para isso” (Rangel, 2005, vol. II, DUALIDADE E “ESCRAVISMO
COLONIAL” 634).
70
Ecletismo ressaltado por Bresser Pereira & Rego(1998) e por Santos (1997).
D
D 204
enquanto processo real e expressão teórica desse processo. No nosso caso
histórico, no caso brasileiro para sermos exatos, a historicidade da teoria é
ainda mais relativizada, na medida em que a formação social é dúplice, ou seja,
XPDGXDOLGDGH3DVVHPRVDSDODYUDDRDXWRU´4XHGL]HUGHXPDHFRQRPLDTXH
VHMD DR PHVPR WHPSR PRGHUQD H DQWLJD" 'H XPD HFRQRPLD RQGH VXEVLVWDP
virtualmente, lado a lado e agindo umas sobre as outras, todas as formas que a
KLVWyULDFOiVVLFDUHJLVWUD"$tHYLGHQWHPHQWHWRGDVDVOHLVGDHFRQRPLDDVEHP
pesquisadas, como as do capitalismo, e as imperfeitamente estudadas, podem
WHUYDOLGDGHREMHWLYDµ5QJHOYRO,'8$/,'$'(%É6,&$
´4XHULVVRGL]HUTXHVRPRVDRPHVPRWHPSRDQWLJRVHPRGHUQRVTXH
nosso nômeno é G~SOLFHHTXHSRUWDQWRQRVVRIHQ{PHQRWDPEpPGHYHVrORµH
FRQWLQXDQRSDUiJUDIRVHJXLQWH´LVVRVLJQLÀFDTXHGHYHPRVHVWDUSUHSDUDGRVSDUD
XVDUDOWHUQDGDPHQWHRLQVWUXPHQWDONH\QHVLDQRRQHRFOiVVLFRRFOiVVLFRHDWpR
ÀVLRFUiWLFRVHJXQGRDVFLUFXQVWkQFLDVµ5DQJHOYRO,'(6(192/9,0(172
E PROJETO, 207).
Ainda no mesmo livro encontramos uma argumentação didática que
DSUHVHQWDMXVWLÀFDWLYDSDUDRHFOHWLVPRHRKLVWRULFLVPRQRTXDOHVWiFRQWHPSODGD
a evolução do nômeno, ou seja, da história, e do fenômeno, da teoria.
“A história do desenvolvimento capitalista apresenta duas etapas muito
EHPGHÀQLGDV8PDHPTXHRVLVWHPDWHQGHHVSRQWDQHDPHQWHDSRUPHLRGH
ÁXWXDo}HVFtFOLFDVSURGX]LUPDLVSURFXUDHIHWLYDGRTXHRIHUWD2XWUDHPTXH
a tendência espontânea do sistema é para a estagnação por falta de procura
HIHWLYD VXÀFLHQWH 2V HFRQRPLVWDV ¶FOiVVLFRV· HVWXGDUDP D SULPHLUD HWDSD
´RV¶PRGHUQRV·NH\QHVLDQRVHQHRFOiVVLFRVµHVWXGDUDPDVHJXQGD(DGLDQWH
conclui “Se ampliarmos um pouco a perspectiva histórica, para abarcar o período
anterior ao capitalismo – uma produção baseada no artesanato, na ‘pequena IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
produção’ não capitalista de mercadorias – quanto o que o sucede – o socialismo
– encontraremos duas situações que, díspares de todos os pontos de vista, têm
LVWRGHFRPXPTXHFRPRQDVLWXDomRGHVFULWDSHODOHLGH6D\DRIHUWDHDSURFXUD
tendem a tornarem-se efetivas no mesmo momento e são LJXDLV (Idem, 237).
Com desenvoltura pragmática em relação à ciência econômica, Rangel
UHDÀUPD R KLVWRULFLVPR H HFOHWLVPR QXP SDVVDJHP H[HPSODU GD ´'8$/,'$'(
%É6,&$'$(&2120,$%5$6,/(,5$µ´IRUDDWpFQLFDGHWUDWDPHQWRGRVIHQ{PHQRV
econômicos – que é algo que progride sempre e constitui um fundo comum -, tudo
PXGDQDFLrQFLDHFRQ{PLFDDRPXGDUDUHDOLGDGHHVWXGDGDµS3RGHPRV
para sublinhar o processo de evolução da teoria, retomar a já citada passagem
que sinaliza uma nova problemática teórica com o planejamento soviético. (ver
D
D 205
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
QRWDGHURGDSpQ
É com esse espírito que Rangel se afastará do estudo da realidade
brasileira e partirá para uma de suas mais ambiciosas obras: ELEMENTOS DE
ECONOMIA DO PROJETAMENTO. É pela história, portanto, que ele chega à teoria.
Vale sublinhar que o objetivo dessa obra é construir uma teoria econômica para
um novo modo de produção que estava tomando corpo com as transformações do
FDSLWDOLVPRGRVpFXOR;;HSULQFLSDOPHQWHFRPDHFRQRPLDSODQLÀFDGDVRYLpWLFD
5DQJHOFRPHoDROLYURSRUXPFDStWXORIDOVDPHQWHWULYLDO4XHPMiHVWi
DFRVWXPDGR FRP DV WUHWDV GR DXWRU ÀFD GH VREUHDYLVR )DOD PDQVDPHQWH TXH
as FDWHJRULDV IXQGDPHQWDLV GR SURMHWDPHQWR são o custo e o EHQHItFLR E que
“projetar consiste em última análise em ordenar o emprego de... recursos [para]
obter... recursos. E “toda a teoria do projetamento... [é] um esforço para precisar
RVGRLVWHUPRVµ (I, §1 e §2).
Seria imprópria uma analogia com os clássicos e mais precisamente
FRP0DU["'XDVLGpLDVYrPORJRjFDEHoDRPRGHORULFDUGLDQRGRWULJRHVHX
GHVHQYROYLPHQWRVUDIÀDQRHRFDStWXORVREUHDPHUFDGRULDGH0DU[$VVLPFRPR
DFpOXODGDVRFLHGDGHFDSLWDOLVWDPHUFDQWLOpDPHUFDGRULDRHVSHFtÀFRGHXPD
economia do projetamento é o projeto produtor de utilidade, que se exprime no
quociente custo/benefício expresso em riqueza, entendida esta última como
´TXDOLGDGHTXHWrPFHUWDVFRLVDVGHVHUHP~WHLVjVRFLHGDGHKXPDQDµ,RX
seja, a riqueza como um conjunto de utilidades.
Uma questão analítica similar à questão do valor aparece quase
imediatamente. Como homogeneizar recursos para podermos construir uma
UD]mR EHQHItFLRFXVWR" ´D PLVVmR GR SURMHWDPHQWR HFRQ{PLFR FRQVLVWH HP
HQFRQWUDUDGHQRPLQDomRFRPXPµ,
Um parênteses. O leitor que leu com atenção a introdução do livro, está
informado que o projetamento é uma prática que se desenvolve em paralelo
com uma teoria que evolui no tempo e se alimenta com os problemas e soluções
enfrentadas por aproximações sucessivas e sistematizando, quando for possível,
experiências dos analistas que, naturalmente, são de diferentes escolas teóricas
HGHGLIHUHQWHVSURÀVV}HV
71
As referências das citações do texto “ELEMENTOS DE ECONOMIA DO PROJETAMENTO” indica-
rão em algarismos romanos os capítulos e em arábicos os parágrafos.
D
D
Mas vamos em frente de onde paramos: a busca de uma denominação
comum para a razão custo/benefício.
Antecede essa busca uma citação esclarecedora do pensamento do autor
sobre o caráter provisório e relativo do conhecimento teórico. “Dezenas de teorias
IRUDPHVHUmRFRQVWUXtGDVFRPHVVDÀQDOLGDGHHFRQGX]HPDDSUR[LPDo}HVPDLV
ou menos aceitáveis, segundo as condições de sua aplicação. Preliminarmente,
cabe advertir que todas essas teorias, e os critérios de prioridade que nelas
assentam, por um lado não podem conduzir senão a aproximação e, por outro,
VXDYDOLGDGHpREMHWLYDPHQWHOLPLWDGDSRUFLUFXQVWkQFLDVHVSHFtÀFDVµ
“Todas estão subordinadas à cláusula FRHWHULV SDULEXV a qual pode
HVFRQGHU FLUFXQVWkQFLDV DFHVVyULDV RX HVVHQFLDLV GHÀQLQGR YDOLGDGH RX
LQYDOLGDGHUHODWLYDVGRFULWpULRµ,
O que tem de comum o custo e o benefício “é qualidade que esses objetos
WrP GH FRQVWUXtUHP ULTXH]Dµ , ( FRPR PHQFLRQDPRV DFLPD ´ULTXH]D
é qualidade que tem certas coisas de serem ~WHLVjVRFLHGDGHKXPDQDµ72 e,
FRQWLQXD R WH[WR ´SRGHPRV DJRUD GHÀQLU EHQHItFLR H FXVWR FRPR D VRPD GH
utilidade contida respectivamente nos produtos e nos fatores. O objetivo da
unidade produtiva ou do projeto é produzir, e produzir é, muito estritamente,
conferir o atributo de utilidade a coisas que não o tinham, ou acrescentar utilidade
DFRLVDVTXHMiDWLQKDPµ,
Devemos concordar que, em termos de heterodoxia e ecletismo, Rangel
apresenta-se sem disfarces. Faz reengenharia de questões da economia clássica
com soluções próximas do neoclassicismo. Veremos no segundo capítulo a
combinação Marx-Marshall determinando o valor da força de trabalho pela
utilidade marginal.
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
E para não deixar dúvidas com relação à naturalidade de suas composições
teóricas explica.
“É mister advertir que não cogitamos aqui da antiga polêmica em torno
do valor. Os fatores e produtos devem, a rigor, ser medidos enquanto recursos,
ULTXH]DSRUWDGRUHVGHXWLOLGDGHµ,1DVGXDVSUHVWLJLRVDVHVFRODVDULTXH]D
uma quantidade de utilidade, “pode ser diferente da soma dos valores de bens e
VHUYLoRVµ,
Talvez seja oportuno abrir outro parênteses para esclarecermos um
aspecto central. A economia do projetamento é um modo de produção que está
72
“ as coisas são úteis quando o homem pode satisfazer suas necessidades por meio delas” (I §9) um con-
ceito genuinamente marshalliano.
D
D 207
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 208
FHUWDVFRQGLo}HVDVRFLHGDGHFULDXPPHFDQLVPRSHORTXDOÀFDRUGLQDULDPHQWH
excluído o emprego menos produtivo de quantos tenham o fator, ou HPSUHJR
PDUJLQDO É pela utilidade total do fator nesse emprego – utilidade marginal –
TXHGHYHPRVFRQWDELOL]iORFRPRFXVWRµ. E prossegue “O custo, portanto, SRGH
VHUUHGHÀQLGRFRPRDVRPDDOJpEULFDGDVXWLOLGDGHVPDUJLQDLVDOWHUQDWLYDVµ,
GRVIDWRUHV HPSUHJDGRVSHORSURMHWRSimilarmente, “REHQHItFLRSRGH, pois,
VHUUHGHÀQLGRFRPRDVRPDDOJpEULFDGDVXWLOLGDGHVPDUJLQDLVGRVSURGXWRVGR
SURMHWRPHQRVRFXVWRWDOFRPRDFLPDIRLGHÀQLGRµ,
A ponte entre a microeconomia e a macroeconomia começa a ser
superada ao mostrar como o projeto afeta o sistema da economia nacional pela
PRGLÀFDomRGDXWLOLGDGHPDUJLQDOGRVSURGXWRVHGRVIDWRUHVTXHLQWHUDJHPFRP
as demais unidades através dos respectivos mercados “O efeito líquido sobreWRGR
RVLVWHPDGDHFRQRPLDQDFLRQDO encontra sua expressão característica... [e] se
exprime através de variações da XWLOLGDGH´SHUFDSLWDµ (que encontra expressões
aproximativas como produto SHUFDSLWD e renda SHUFDSLWDµ (I, §41).
As relações entre projeto e economia nacional geraram polêmicas em torno
da validade ou mesmo viabilidade de projetar e planejar. Rangel, entretanto, não
se deixa enredar nestas polêmicas. Alerta que os fatos desmentem os argumentos.
O projetamento está evoluindo e planos e projetos estão se aperfeiçoando. Unindo
as duas práticas, temos “circunstância já apontada de que o efeito global – seja
do projeto, seja do plano – encontra sua expressão mensurativa na referência
da XWLOLGDGHWRWDO dos fatores a um só desses fatores. Ora, esse efeito pode ser
investigado QRQtYHOGHFDGDSURMHWRHVSHFtÀFR . É graças a isso que podemos e
GHYHPRVDERUGDUFRQÀDGDPHQWHDFKHJDUDRSODQRSHORSURMHWRµ (I, §43).
Como “os efeitos de cada projeto são, ao mesmo tempo, globais e
HVSHFtÀFRVµRSURMHWRGHGHVHQYROYLPHQWRVHUiDTXHOHTXHSRUVXDVLQWHUUHODo}HV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
“conduz o resultado buscado da elevação da utilidade SHUFDSLWDµ,
Como conclui Rangel “desenvolvimento não é perseguição do equilíbrio,
mas a introdução de causas de novos desequilíbrios de natureza especial.
Essas mudanças assumem duas causas: mudança tecnológica e realocação de
UHFXUVRVµ,H
A medida da utilidade
8PD YH] GHÀQLGR TXH RV UHFXUVRV ² IDWRUHV H SURGXWRV ² GHYHP VHU
expressos em utilidade e que esta deve ser entendida como utilidade abstrata, a
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 210
A partir da relação marginalista entre salário e utilidade marginal da mão-
de-obra, Rangel faz ponderações mostrando que nas condições de desemprego
ou de subemprego a igualdade entre salário e utilidade marginal do trabalho não
ocorreria. Para a empresa, entretanto, o salário igualaria a utilidade marginal da
mão-de-obra empregada, que seria diferente da utilidade marginal da mão-de-
obra total. Da mesma maneira, a utilidade total do produto é diferente da receita
da empresa, que expressa a utilidade marginal que determina o preço. Tudo isso
LQGLFDTXH´FRQWDELOLGDGHGDÀUPDQmRUHJLVWUDRHIHLWRWRWDOGRSURMHWRVREUHD
HFRQRPLDQDFLRQDOµ,,
A percepção da discrepância entre salário e utilidade marginal do trabalho,
TXHHVWiQDEDVHGDYLVmRNH\QHVLDQDH[SOLFDRGHVHQYROYLPHQWRGDHFRQRPLDGR
projetamento, na medida em que não podemos garantir que o melhor emprego
GRVIDWRUHVSDUDDÀUPDVHULDRPHOKRUHPSUHJRSDUDDVRFLHGDGH
Mas, apesar de todas essas ponderações sobre o construto neoclássico
DÀUPDTXH´LVVR>RXVHMDRVSUREOHPDVVLQDOL]DGRVGDGLIHUHQoDHQWUHXWLOLGDGH
marginal e total] não impediu o suposto marginalista de instruir a solução de
QXPHURVRV SUREOHPDV GH HFRQRPLD GD HPSUHVD H GH SDVVDJHP UHÀQDU
grandemente os instrumentos de análise, que provavelmente nos permitirão
em breve retomar as teses abandonadas provisoriamente dos clássicos, para
UHIRUPXOiODVµ,,
As páginas se sucedem apresentando a ideia de que o esforço de
construção da ciência econômica deve continuar e, para isso, todas as heranças
– a ocidental e a oriental - são válidas. Discorrendo sobre esta questão, comete
XPDLURQLDÀQDDRDÀUPDUTXHTXDQGRRVVRFLDOLVWDVFKHJDUDPDRSRGHUWLYHUDP
TXHODQoDUPmR´GRVPpWRGRVRFLGHQWDLVGHFRQWDELOLGDGHTXHUHÁHWLDPPXLWRGD
contribuição teórica do marginalismo. Isso, entre parênteses, não os impediu de IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
continuarem a cultivar cuidadosamente a ignorância mais completa de todos os
aspectos teóricos dessa elaboração – do que, de resto, eram pagos na mesma
PRHGDSDJRVHFRQRPLVWDVRFLGHQWDLVµ,,
Além da convergência teórica na construção de uma teoria da economia
GRSURMHWDPHQWRUHVSHFWLYDPHQWHPHLRHÀQDOLGDGHGROLYURGXDVLGpLDVGRPLQDP
DSDUWHÀQDOGRVHJXQGRFDStWXOR
A primeira delas é o reconhecimento do “defeito fundamental do trabalho
FRPR PHGLGD GD XWLOLGDGHµ ,, $ H[SUHVVmR PRQHWiULD GD XWLOLGDGH GR
trabalho, o salário, depende dos preços [o que também implicaria em circularidade,
argumento que não foi explorado pelo autor], mas os preços expressam a utilidade
marginal e não a utilidade média, que se relaciona com a utilidade total. Com o
D
D 211
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
tempo a utilidade marginal diminui e com ela a média. A não consideração desse
aspecto pode levar a uma superestimação do produto total expresso em utilidade.
Continuando a ponderação sobre o trabalho como medida da utilidade,
levanta hipótese de que “os graves desequilíbrios ultimamente denunciados no
seio da economia dos países socialistas podem estar perfeitamente relacionados
FRP HVWD OLPLWDomR GR WUDEDOKR FRPR PHGLGD GH ULTXH]D LVWR p GH XWLOLGDGHµ
0DVDSHVDUGRUHFRQKHFLPHQWRGHVVHSUREOHPDDÀUPDTXH´pOtFLWRVXSRUTXH
HVWDGHÀFLrQFLDGRWUDEDOKRFRPRPHGLGDGHXWLOLGDGHQmRVHMDVXÀFLHQWHPHQWH
JUDYHSDUDLQXWLOL]DUGHYH]RLQVWUXPHQWRµ,,
“Em resumo, portanto, o problema capital do projetamento, a medida da
XWLOLGDGHFRQWLQXDSHQGHQWHSRUIDOWDGHXPSDGUmRUHDOPHQWHUHSUHVHQWDWLYRµ
,,74
A segunda ideia foi expressa em duas frases lapidares “É indispensável
WUDEDOKDUSDUDFRQVWUXLUXPDFRQWDELOLGDGHGDÀUPDTXHVHUHÀUDGLUHWDPHQWHj
contabilidade social e YLFHYHUVDµ , e, enquanto esse objetivo não se alcança,
[devemos] elaborar [balanços separados] (40) “O primeiro balanço, deverá
GHÀQLU R TXH VH FRQYHQFLRQRX FKDPDU GH UHQWDELOLGDGH GD HPSUHVD; outro, o
HIHLWRGDQDomRµ,,HVSHUDGRVREUHDSURGXWLYLGDGH¶SHUFDSLWD·§ 41).
Seleção de técnica
5DQJHO LQLFLD R FDStWXOR SRQGR XP SRQWR ÀQDO QD TXHVWmR GD PHGLGD
da utilidade, com um pragmatismo emblemático. “Embora informados de que
mensuração desse atributo [utilidade] comum é problema que não comporta
senão soluções tópicas e aproximativas, o fato de que, em casos particulares, tal
VROXomRpHYHQWXDOPHQWHSRVVtYHODXWRUL]DQRVDFRQVLGHUiORUHVROYLGRµ,,,
Trata-se, agora, de analisar os fatores em sua heterogeneidade, ou seja,
HPVHXYDORUGHXVRDTXHOHTXHUHÁHWHDV´OLPLWDo}HVGHRUGHPWpFQLFDµ,,,
Rangel cria um conjunto de exercícios onde um mesmo produto pode ser
produzido com diferentes funções de produção. A escolha entre elas é orientada
pela melhor razão benefício/custo. Este resultado nos permitirá escolher a técnica.
Pondera que além da substituição imediata entre os fatores poderá haver uma
substituição com a interposição de uma produção intermediária que resolverá
possíveis estrangulamentos de recursos, o que é feito em algum intervalo de
74
Esse problema será mencionado diversas vezes ao longo do texto.
D
D 212
tempo. A busca da elaboração de soluções com produção intermediária, quando
esta for a escolha técnica, pode ser melhor viabilizada no projetamento.
O passo seguinte é discutir a relação seleção de técnica e desenvolvimento
econômico.
,QLFLDDÀUPDQGRTXH´RGHVHQYROYLPHQWRHFRQ{PLFRSRGHVHUFRQFHLWXDGR
como o aumento de produto SHUµ,,,2SURGXWRp´RÁX[RWRWDOGHXWLOLGDGHV
FDSLWD JHUDGDV HP FDGD DQRµ H GLIHUH GD UHQGD SRUTXH FRQWpP SURGXomR GH
autoconsumo E “o objetivo do projetamento é promover o desenvolvimento e,
SRUWDQWRDH[SDQVmRµGRSURGXWRSHUFDSLWD . (III, §23).
Avançando na explicação da seleção de técnicas, demonstra que, no
pleno emprego, o aumento do produto SHUFDSLWD , ou seja, o desenvolvimento,
só poderá ocorrer devido a funções de produção que substituam trabalho por
terra(recursos naturais). “Podemos, pois, conceituar o desenvolvimento como
IUXWRGHXPDVpULHGHPXGDQoDVQDWpFQLFDGHSURGXomRWDLVTXHUHVXOWHPHP
FRPELQDo}HV GH IDWRUHV RQGH R WUDEDOKR SDUWLFLSH FDGD YH] PHQRV H D WHUUD
SDUWLFLSHFDGDµ,,,>SRGHPRVSHQVDUHPDOJXPDDQDORJLDYH]PDLVcom a
elevação da composição orgânica do capital].
4XDQGR H[LVWH GHVHPSUHJR p SRVVtYHO HOHYDU R SURGXWR SHU FDSLWD
independentemente da conversão de trabalho por terra. O objetivo, portanto, do
projetamento nessa situação será buscar o emprego de toda a mão-de-obra. (III,
§34).
Conclui o capítulo dizendo que o projetista deve ser orientado por um
plano-mestre geral, mesmo que este não esteja formulado e “se há desemprego
deve trabalhar para induzir o emprego pleno; alcançado este, deve buscar a
JUDGXDOUHWLUDGDGRWUDEDOKRGHQWUHRVIDWRUHVGHSURGXomRµ,,, IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
A alocação de recursos
D
D 213
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
'DGRTXHDSURMHomRGHGHPDQGDUHÁHWHRSDVVDGRRTXHpYHUGDGHLUR
para o projetista e menos verdadeiro para o planejador, e o projeto está voltado
para o futuro, o esforço do projetamento será para compatibilizar as duas
estruturas. No projetamento complexo – GRSODQHMDPHQWR - a relação entre os
diferentes projetos e a demanda derivada de bens de capital formata uma opção
consciente, inteiramente subordinada aos imperativos da técnica.
O equilíbrio formal via preços pode ser aparente “... a análise da
contabilidade das indústrias, tomadas estas isoladamente, poderá revelar
GHVHTXLOtEULRV VRE D IRUPD GH UD]}HV EHQHItFLRFXVWR GLIHUHQWHVµ ,9 (
alerta que o equilíbrio microeconômico pode diferir do verdadeiro equilíbrio do
sistema. “O sistema não estará operando ao seu maior rendimento a menos que
as razões benefício/custoFRQVROLGDGDV de todas as indústrias tenham o mesmo
valor, e que qualquer discrepância... implica em desperdício de recursos, isto é,
VLJQLÀFDTXHDVRFLHGDGHQmRHVWiREWHQGRWRGDDXWLOLGDGHDTXHSRGHDVSLUDUµ
,9
Rangel constrói um exercício para apresentar o argumento ou seja “se
não seria possível obter um razão consolidada melhor para as duas indústrias
[do exemplo apresentado], tomadas conjuntamente, independentemente de
melhoramento da técnica, assunto que foi objeto do capítulo anterior. Noutros
termos, trata-se de saber se não poderíamos melhorar dita razão consolidada pela
WUDQVIHUrQFLDGHUHFXUVRVGHXPDLQG~VWULDSDUDDRXWUDµ,9,VVRpSRVVtYHO
de acontecer no socialismo, onde os recursos podem ser alocados levando-se
em conta a razão benefício/custo consolidada das indústrias; no capitalismo,
cada empresa cuida apenas de sua própria razão e a igualação ocorre entre as
empresas independentemente das indústrias.
Em resumo, o desenvolvimento, o aumento do produto SHU FDSLWD,
depende da técnica selecionada e da alocação de recursos. [Mas a alocação
de recursos pressupõe uma coordenação, entre as unidades produtivas, mais
complexa e abrangente do que a seleção de técnicas, que na maioria dos casos
pode ser feita pela empresa individualmente]75 .
A partir desse ponto duas questões são explicitadas. A primeira mostra
que pela expansão de diferentes indústrias podemos nos aproximar “da
FRPELQDomRVRFLDOGHPDLRUEHQHItFLRµPDVHVVDDSUR[LPDomRpIHLWDDWUDYpVGH
projetos marginais, ou, nas palavras do autor, “desde que nos possamos apoiar
75
Será que encontramos nessa passagem a diferença entre capitalismo e socialismo no que se refere à
inovação? Até que ponto o planejamento atrasou a incorporação no aparelho produtivo dos avanços tec-
nológicos?
D
D 214
QRVUHVXOWDGRVUHODWLYRVGHVVDV~OWLPDVHPSUHVDVµ,9
A segunda questão gira em torno das “correlações entre as razões das
~OWLPDV HPSUHVDV H DV UD]}HV FRQVROLGDGDV GDV LQG~VWULDVµ,9 $TXL LUmR
DSDUHFHU VLJQLÀFDWLYDV GLIHUHQoDV HQWUH HFRQRPLD FDSLWDOLVWD RQGH D UD]mR
consolidada por indústria não tem sentido, pois as empresas tendem igualar
as razões e o “regime socialista, onde em princípio, é possível operar à base
do balanço consolidado, [e] a exigência da identidade das razões das últimas
HPSUHVDVSRGHVHUDEDQGRQDGDµ,9GHVGHTXHDUD]mRFRQVROLGDGDVHMD
considerada.
“Mas ainda aí no regime socialista regra prática deve ser a identidade das
razões marginais benefício/custo de todas as empresas a criar, isto é, de todos
RVSURMHWRVµ,96mRYLVtYHLVDVUHODo}HVHQWUHPLFURHPDFURHFRQRPLDEHP
como entre projeto e plano.
Rangel retoma a diferença entre a receita da empresa e a utilidade
criada, (diferença que é a renda do consumidor), para discutir a diferença entre a
FRQWDELOLGDGHGDÀUPDHRVHIHLWRVWRWDLVGRSURMHWRVREUHDHFRQRPLD0DVDOHUWD
TXHVREFLUFXQVWkQFLDVDFRQWDELOLGDGHGDÀUPDWHQGHDLPSHOLURVLQYHVWLPHQWRV
SULYDGRV´QRVHQWLGRJHUDOGDFRPELQDomRGRPDLRUEHQHItFLRµ,9
Mas nem sempre as decisões privadas levarão ao equilíbrio. Esta seria
uma das razões para a intervenção do estado na economia. O que não se faz
sem problemas. “Intervenção do estado na economia apresenta problemas
absolutamente novos... todas as soluções até aqui oferecidas... são... parciais e
FRQWLQJHQWHV²LQFOXVLYHRSODQHMDPHQWRVRYLpWLFRRPDLVH[DXVWLYRGHWRGRVµ,9
§40).
Como a riqueza social se mede pela utilidade e não pelo valor, é “útil
FRQVHUYDU DQWLJD GLVWLQomR GRV FOiVVLFRV HQWUH YDORU H XWLOLGDGHµ $ TXHVWmR GD
medida da utilidade, a discrepância entre valor (= utilidade marginal) e utilidade,
reaparece na abertura desse capítulo para apresentar outra questão. “O progresso
da técnica permite-nos vislumbrar a possibilidade de uma sociedade onde as
coisas úteis [utilidades] sejam tão abundantes que não mais tenham utilidade
PDUJLQDOYDORUµ9
“Vimos que essa marcha no sentido da abundância resulta de inovações
tecnológicas... cuja essência está no fato de permitirem a progressiva substituição
D
D 215
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
do fator trabalho pelo fator terra, único meio de elevar o produtoµ9(QWUHWDQWR
a inovação só se SHUFDSLWDefetivará através de novos projetos “o que implica
HPVXERUGLQiODjFRQGLomRGHWHPSRµ9(VVD¶FRQGLomRGHWHPSR·VHUiD
principal questão tratada nesse capítulo.
Parte de ideias simples. A descoberta, no tempo, de utilidade nova para
coisas já existentes é “fonte de enriquecimento... independente da técnica de
SURGXomRµ90DVDSDUWLUGRWHPSRHSRUFDXVDGHOH5DQJHOFRPHoDHVWXGDU
o papel do capital na produção. [E faz uma análise do que poderíamos chamar de
‘fetichismo do capital’. Alerta que a participação do capital no processo produtivo
deve ser analisada com cuidado. Na aparência, “o que parece acontecer é maior
participação do capital, enquanto os GRLVRXWURVIDWRUHVGHFOLQDPµ90DV
como já foi visto “no aumento líquido de capital não vamos encontrar senão terra
HWUDEDOKRFRPRIDWRUHVµ9
A resultante da acumulação de capital, portanto, é o aumento do produto
SHU FDSLWD e um aumento da razão terra/trabalho. O capital abaixo da superfície,
o que só pode ser visto através de análise, é apenas o meio para substituir o
trabalho humano pela natureza ou seja “o meio objetivo para poupar o fator
OLPLWDGR²RWUDEDOKR²QRVTXDGURVGRSURFHVVRGHGHVHQYROYLPHQWRHFRQ{PLFRµ
9
Mas na aparência, o fetichismo se impõe “de modo que os méritos [da
FRPELQDomRWHUUDWUDEDOKRRVGRLVRXWURVIDWRUHV@VmRDWULEXtYHLVDRFDSLWDOµ9
´,VWRH[SOLFDSRUTXH>QRFDSLWDOLVPR@DVSHVVRDVGHWHQWRUDVGRFRQWUROHGR
capital assumem o comando de todo o processo produtivo e podem [se apropriar
de uma parcela do produto]. Mas, vale prestar atenção, “essas considerações
dizem respeito à GLVWULEXLomR da utilidade criada, escapando, assim, a nossas
SUHVHQWHVFRJLWDo}HVµ9&RPRPHQFLRQDGRDQWHULRUPHQWHDGLVWULEXLomR é
assunto da economia política (I, §20).
E segue o caminho para ligar tempo e capital.
“O que importa compreender é que, qualquer que seja o regime [capitalista
ou socialista], o capital terá sempre custo diferente do custo dos fatores usados,
elo fato de que implica em LPRELOL]DomR . É como FXVWRGHLPRELOL]DomR que, em
HFRQRPLDGHSURMHWDPHQWRGHYHPRVHVWXGDURFXVWRGRFDSLWDOµ9
O investimento é um “DSUD]DPHQWR GR FRQVXPR. Noutros termos, a
utilidade alternativa contida nos fatores usados para a produção do bem de capital
será transitoriamente HVWHULOL]DGDµSRLV irá decorrer um “lapso de tempo... entre
o momento em que é produzido o bem de capital e aquele em que a sociedade
UHFHEHUiFRPRSURGXWRÀQDODXWLOLGDGHµ9
D
D
Vamos tentar explicitar algumas diferenças entre a economia política
e a economia do projetamento. Supondo que o processo de desenvolvimento
(aumento do produto SHU FDSLWD) prossiga, haverá o aumento da relação terra/
trabalho “qualquer redução relativa da participação do trabalho implica em declínio
GRFXVWRGHSURGXWRSDUDDVRFLHGDGHLPSOLFDHPDXPHQWRGDSURGXWLYLGDGHµ(
agora atenção “O preço da terra é um fato de GLVWULEXLomR [de economia política],
TXHVLJQLÀFDTXHDVSHVVRDVGHWHQWRUDVH[FOXVLYDVGHFHUWRVUHFXUVRVQDWXUDLV
eventualmente se colocam em condições de cobrar ao resto do corpo social certa
parcela das utilidades produzidas. Mas, para a sociedade como todo, a terra
é rigorosamente gratuita, de modo que o aumento relativo de sua participação
UHSUHVHQWDUHGXomRGHFXVWRµ9
Voltemos ao tempo.
Como o capital é produto “e como tal, cristaliza certa soma de utilidade
>H@WHPXPFXVWRTXHpH[SUHVVRHPFHUWDTXDQWLGDGHGHWUDEDOKRµ9VHX
custo diminui no tempo desde que ocorra aumento da produtividade, ou seja, com
o desenvolvimento econômico. Dessa maneira, deverá ser paga uma diferença
entre o menor custo futuro, quando do consumo, e o custo maior efetivado no
momento de produção.
A questão da valoração do capital no tempo põe em relevo a taxa de
desconto, isto é, a taxa que atualiza os valores futuros, que assume a forma de
taxa de juros.
Para Rangel, os economistas do século XIX, de Menger a Marx, não
aprofundaram o estudo sobre a taxa de juros.
$FRQVWUXomRGHWHRULDVPDLVHVSHFtÀFDVVXUJLUiFRPRUHÁH[RGDHYROXomR
GRFDSLWDOLVPRFRPRVXUJLPHQWRGHXPQRYRFDSLWDOÀQDQFHLURHSHODFRQVWUXomR IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
GR VRFLDOLVPR Y ·V H $ VHSDUDomR HQWUH D JHVWmR GR FDSLWDO H D
propriedade, fato típico do capitalismo avançado, provocará uma distinção entre
lucro – utilidade virtual dos fatores – e o juros – preço do fator capital (V, §17), que
é a HÀFiFLDPDUJLQDOGRFDSLWDO e, como qualquer preço, varia inversamente a
quantidade ofertada. Dessa forma “o juro tem... fundamento material, relacionado
ao processo real de crescimento [e o juro é] a expressão monetária da utilidade
PDUJLQDOGRVEHQVGHFDSLWDOµ9
A visão dos economistas modernos, de que a taxa de juros seria
determinada no mercado monetário, levaria a uma distinção entre taxa monetária
e taxa natural de juros.
5DQJHOHQWUHWDQWRDÀUPDTXH´SDUDDIHULomRGRHIHLWRGRSURMHWRVREUHR
D
D 217
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
produto SHUFDSLWD não nos interessa senão a taxa real de juros, para o efeito
de desconto, e que a única maneira de pesquisá-la é a referência ao ritmo de
crescimento do produto SHUFDSLWDµ (V, §20).
A taxa monetária não é um instrumento válido para a avaliação dos
YDORUHVDWUDYpVGRWHPSR(ODGHYHUiVHUFRQVLGHUDGDQDVSURMHo}HVÀQDQFHLUDV
´PDV Dt VHP TXDOTXHU SUHRFXSDomR TXDQWR DRV VHXV IXQGDPHQWRV UHDLVµ 9
§20). Adiante retorna ao tema e reforça a conclusão “taxa corrente de juros pode
discrepar da taxa natural por estar presa muito mais a vicissitudes da moeda... do
que à taxa real de crescimento... [portanto] torna-se indispensável relacionar os
valores futuros com os preços por um fator que exprima o crescimento esperado
GDHFRQRPLDµ9
Em sendo o projeto, do ponto de vista das projeções dos custos e benefícios
QRWHPSRXPÁX[RGHXWLOLGDGHV>VHPHOKDQWHDXPÁX[RGHFDL[D@PDUFDGRSRU
uma assimetria estrutural, a determinação do fator, que relacione as utilidades no
tempo é fundamental “Esse fator é a taxa de crescimento do produto SHUFDSLWD
TXHWUDGX]GLUHWDPHQWHDUHGXomRGRFXVWRVRFLDOPHGLGRHPWUDEDOKRµ9
E nesse fator, e não a taxa monetária de juros, temos uma fundamental diferença
entre a cálculo econômico do projetamento e o do capitalismo.
0DVHVVHIDWRUDIHWDRSHUÀOGRVLQYHVWLPHQWRVHDVHOHomRGHWpFQLFDV
pois quanto maior a taxa de crescimento, que se projetará na taxa de desconto,
maior depressão dos valores futuros o que será “fator tendente a dar preferência
– FRHWHULV SDULEXV ² DRV SURMHWRV GH YLGD PDLV EUHYHµ 9 H LQWURGX] XPD
dialética na adoção de novas técnicas, na medida em que a inversão, que mobiliza
nova técnica também a imobiliza e, uma vez realizada, impede, ordinariamente,
inovação subsequente. As consequências dessa dialética da técnica – do
congelamento fruto do investimento, com uma estabilização temporária da
função de produção, e adiamento de novas inovações fruto da não depreciação
GR LQYHVWLPHQWR UHFHQWH ² DWXDUmR QRV FLFORV H QR GHVHPSUHJR 4XHVW}HV TXH
serão tratadas no último capítulo.
A macroeconomia do projeto
D
D 218
ORQJRSUD]RWRGRVHVWDUHPRVPRUWRV·µ9,
É desta maneira que Rangel introduz o tema do último capítulo que versa
sobre a estratégia do desenvolvimento diante de uma economia com desemprego.
Pois diante dessa circunstância “o projetista deve ajustar seus critériosµ9,
3DUDWUDWDUGHVVHSUREOHPDFRPELQDDDERUGDJHPNH\QHVLDQDFRPDYLVmR
de projetamento, mas, nesse arranjo, diante do desemprego, recupera a idéia
desenvolvida no capítulo IV de que o crescimento do produto SHUFDSLWD pode
RFRUUHUSHODUHDORFDomRGHUHFXUVRVVHPLQWHQVLÀFDomRGDWpFQLFD>HOHYDomRGD
razão terra/trabalho].
“O desemprego dos fatores limitados trabalho e capital] representa
a possibilidade de expansão do produto SHU FDSLWD independentemente de
mudança nas combinações de fatores. Noutros termos, o produto pode crescer
LQFOXVLYHQRVTXDGURVGHFHUWDUHYHUVmRWHFQROyJLFDµ9,
1RLQtFLRGRFDStWXORDERUGDDVGLÀFXOGDGHVTXHWrPRVPHFDQLVPRVGH
mercado de engendrarem uma solução para o desemprego.
'HVFDUWD D ÁH[LELOL]DomR GRV SUHoRV >KLSyWHVH SUpNH\QHVLDQD@ FRPR
forma de promover o pleno emprego e alerta que “as empresas não dispõem
GHWDPDQKRJUDXGHOLEHUGDGHQDPRGLÀFDomRGHVXDVFRPELQDo}HVGHIDWRUHVµ
rigidez das combinações de fatores da indústria moderna, (VI, §12)] O que faz com
“que no curto prazo, a demanda de fatores [seja] consideravelmente inelástica ao
SUHoRµ9,
Em seguida levanta a questão do mercado para o produto das empresas
Resgata o argumento fundamental de “que a fonte última que nutre o poder de
FRPSUD VmR RV SDJDPHQWRV IHLWRV SHODV HPSUHVDV DRV IDWRUHV GH SURGXomRµ
HQXQFLDGRLQHTXtYRFRGHGHPDQGDHIHWLYDTXHHQFRQWUDPRVQRDUWLJRGH.H\QHV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
@ 'HVWD IRUPD XPD GLPLQXLomR GRV VDOiULRV DIHWDULD QHJDWLYDPHQWH ´R
YROXPHGDVYHQGDVHFRQVHTXHQWHPHQWHDSURGXomRµ9,(FRQFOXLFLWDQGR
DOHLGH6D\QXPDSURYRFDomRH[SRVLWLYD´TXHGHPDQGDGRVSURGXWRVGRSURMHWR
GHWHUPLQDVHHP~OWLPDLQVWkQFLDQRLQWHULRUGRSUySULRSURMHWRµ9,
Por esse chiste, para usarmos uma palavra grata ao autor, imediatamente,
se vê obrigado explicar “o modo como realmente o projeto cria sua própria
GHPDQGDµ
Duas ideias são combinadas para esclarecer a questão. A primeira é a já
apresentada DVVLPHWULDGRSURMHWR que nada mais é do que o reconhecimento
GH´TXHRÁX[RGRVSDJDPHQWRVDRVIDWRUHVFXVWRpIRUWHQRLQtFLRHGpELOQRÀP
GDYLGDGRSURMHWRDRSDVVRTXHRÁX[RGHSURGXWRVEHQHItFLRSHVDPDLVSDUD
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
R ÀPµ 9, >,GpLD TXH p DQiORJD DR DUJXPHQWR NDOHFNLDQR GH GHIDVDJHP
entre criação de demanda e de capacidade produtiva]. Essa assimetria estará na
explicação dos movimentos cíclicos, como se lê na seguinte passagem “é graças
a essa característica, que se torna cada vez mais acentuada, à medida que a
técnica progride, que, ao invés de uma tendência continuada para a depressão
RXSDUDDSURVSHULGDGHWHPRVDDOWHUQDWLYLGDGHGHGHSUHVVmRHGHSURVSHULGDGHµ
(VI, §15). Mas, apesar do movimento cíclico “o capitalismo tende no longo prazo a
uma situação de emprego menos que pleno por causa do modo como se distribui
UHQGDµ ( GDGR TXH FLWDQGR SDODYUDV NDOHFNLDQDV HQFRQWUDGDV HP .DOGRU ´R
gasto dos capitalistas é (relativamente) independente de seus lucros correntes,
ao passo que o gasto dos trabalhadores depende de seus salários, os capitalistas,
FRPRFODVVHJDQKDUmRRTXHJDVWDUHPµ9,LVWRp´GHPDQGDJOREDOYDULD
segundo os capitalistas encontram ou não interesse em gastar além de suas
necessidades correntes de consumo – vale dizer, na medida em que descubram
LQWHUHVVHHPLQYHUWHUµ9,
A diminuição de salário em condições de desemprego levaria a redução da
demanda global ao invés do aumento de investimentos. Por um lado, a rigidez da
técnica impede a substituição dos fatores, por outro, o barateamento do trabalho
com relação à terra e ao capital [que pode ser decomposto em terra e trabalho]
OHYDUi ´XP HVIRUoR SRU SDUWH GRV FDSLWDOLVWDV SDUD LQWHQVLÀFDU R HPSUHJR GR
fator mais barato – o trabalho – e que portanto diminuirá a procura de bens de
FDSLWDOµ9,´7UDWDVHGRGHVHQYROYLPHQWRGHGLDQWHSDUDWUiVGRLQYHUVRGR
GHVHQYROYLPHQWRµ9,
Mas a demanda de mão-de-obra diminuiria em função da queda dos
investimentos. E nada levaria os capitalistas a investir “se produção corrente não
pYHQGLGDµ9,$FULVHSRUWDQWR´QmRSRGHFHVVDUSRUHIHLWRGHLOXVyULRV
aumentos de inversão induzidos por uma queda no salário, mas por algo que
provoque independentemente, com relação a este, um aumento geral nas
FRPSUDVµ9,
Podemos esperar, para os países de capitalismo pouco desenvolvido,
uma espontânea saída da crise. O setor pré-capitalista de subsistência sustenta
níveis absolutos de salário e consumo. Com a quebra das empresas mais débeis
“demanda efetiva os preços vigentes torna -se maior do que a oferta, criando-se
FOLPDSDUDRODQoDPHQWRGHQRYRVSURMHWRVµ9,0DVRFDVRJHUDOpGLIHUHQWH
“Nos países de capitalismo desenvolvido esse mecanismo de sustentação do
salário pela via do emprego alternativo na produção para autoconsumo perde
LPSRUWkQFLDUHODWLYDµ9,3HODGRXWULQDNH\QHVLDQD´OXWDFRQWUDFULVHSDVVD
D
D 220
DVHUHQFDUJRREULJDWyULRGR(VWDGRµFXMD´HVVrQFLDGDSROtWLFDDQWLFtFOLFDpD
VXVWHQWDomRGRSUHoRGRWUDEDOKRUHODWLYDPHQWHDRGRFDSLWDOµ9,
A variável chave é o preço do capital, que pode ser entendido como “duas
FRLVDV GLVWLQWDV D R SUHoR GRVµ 9, 0DV EHQV GH FDSLWDO ; b) a WD[D GH
juros preferência pela liquidez pode impedir a queda ou mesmo elevar a taxa
de juros e, com isso, o preço do capital. Aqui, encontramos papel para a política
econômica “manipulação do poder emissor pode satisfazer a sede de liquidez do
S~EOLFRHSRUHVVHPHLRGHL[DUDVDXWRULGDGHVÀQDQFHLUDVHPFRQGLo}HVGHÀ[DU
livremente a taxa de juros... Desta maneira, o capital pode tornar-se relativamente
mais barato que o trabalho e induzir combinações de fatores propendentes a
HQIDWL]DURHPSUHJRGHFDSLWDOHDUHGX]LURHPSUHJRGHWUDEDOKRµ9,
No curto prazo, o aumento do investimento provoca a expansão do
emprego nas palavras de Rangel “DGHPDQGDGHPmRGHREUDDXPHQWDTXDQGR
RVFDSLWDOLVWDVGHFLGHPSRXSDUPmRGHREUDSHORHPSUHJRLQWHQVLYRGHFDSLWDOµ
E com essa observação introduz outra problemática alertando que
“iludido pelas aparências o planejador ou o projetista de país subdesenvolvido ou
de país em depressão pode sentir-se inclinado a preferir técnicas que enfatizem
diretamente o emprego de mão-de-obra, no nível do SURMHWRSULPiULRµ (VI, §30),
o que não seria atitude sábia
Mas informa que, excepcionalmente, “há um caso em que escolha do
projeto mais primitivo do ponto de vista técnico... é o [projeto] que assegura a
PDLRUGHPDQGDWRWDOGHPmRGHREUDµ (VI §31). É quando a demanda derivada de
um “projeto mais avançado do ponto de vista tecnológico (mais poupador de mão
GHREUDµpDWHQGLGDSRUXQLGDGHVSURGXWLYDVORFDOL]DGDVIRUDGDHFRQRPLDHP
questão. Em outras palavras, é necessário um estudo sobre aspectos espaciais
do efeito multiplicador dos investimentos. IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Conclui o capítulo chamando atenção para as possíveis formas de utilização
dos fatores locais na formação de capital. Como a construção civil, principalmente
na época da elaboração do livro, tendia a empregar fatores locais, a questão incidia
sobre os equipamentos. Estes poderiam ser fabricados localmente ou comprados
por recursos locais que seriam materializados em produtos de exportação ou de
substituição de importações. Seguindo a ponderação, Rangel alerta que, no caso
GRÀQDQFLDPHQWRGREHPGHFDSLWDOSDVVDDH[LVWLUXPLQWHUYDORGHWHPSRHQWUH
o investimento e um possível efeito no emprego de recursos locais. E conclui
“análise do custo social de um projeto pode obrigar-nos a investigações em
DWLYLGDGHVVHPTXDOTXHUFRQH[mRLPHGLDWDFRPHVVHSURMHWRµ9,
D
D 221
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
3DODYUDVÀQDLV
D
D 222
como instrumento de avaliação de investimentos e alocação de recursos cedeu
a vez para operações de mercado onde os usos e as fontes são desprezadas
WHQGRHPYLVWDDVSHUVSHFWLYDVGHYDORUL]DomRÀFWtFLDV1DVSDODYUDVNDQWLDQDV
de Rangel, poderíamos falar que o nômeno deixou de existir tirando o substrato
histórico da teoria.
5HIHUrQFLDV
D
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D225
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D227
D
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D
228
D
A importância histórica da
teoria de Ignacio Rangel:
um breve ensaio
$ULVVDQH'kPDVR)HUQDQGHV
76
Bielschowsky, 2000:209.
77
Bresser Pereira e Rego, 1998:13.
78
1998:131.
79
1980:01.
80
No artigo “Ignacio Rangel”, publicado em 2001.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
82
A militância política de Ignacio Rangel ocorreu entre 1930 e 1947, ano em que ele se desvinculou do
Partido Comunista.
83
Revista Geosul, 1991/92:117.
84
A revolução democrático-burguesa constitui, na ótica comunista, uma etapa da revolução socialista
na qual se consolidaria a chamada ditadura do proletariado, quando os trabalhadores assumiriam o
controle do Estado. Naquela etapa os “entraves” para um desenvolvimento capitalista autônomo seriam
eliminados, essencialmente o imperialismo e, com ele, o latifúndio e a burguesia vinculada ao capital
estrangeiro, tidos como os seus “sócios internos”. Essa etapa da revolução seria realizada por uma asso-
ciação entre camponeses, operários e a burguesia nacional. Assim, as duas etapas fundamentais desse
programa nacional democrático da revolução brasileira seriam a “revolução agrária” (suprimindo as
relações de produção baseadas no monopólio latifundiário da terra e instaurando relações de produção
em que os trabalhadores assumissem o controle da terra) e a “revolução nacional”, que visava suprimir a
dominação imperialista. Juntas, essas duas “revoluções” eliminariam os obstáculos à produção nacional
e ao progresso social, condições tidas como essenciais para que a “ditadura do proletariado” pudesse
RFRUUHU0RUDHV$VGLVFXVV}HVVREUHDUHYROXomRGHPRFUiWLFREXUJXHVDDQWLLPSHULD-
lista e antifeudal, foram reverberadas no Brasil a partir da década de 1920, através do PCB, advindas da
teoria leninista e da Internacional Comunista. A partir daí essa temática passou a ser discutida por vários
intelectuais (como Astrojildo Pereira, Otávio Brandão, Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré e Jacob
*RUHQGHURVTXDLVVHHPSHQKDUDPHPGH¿QLUDVEDVHVGHVVHSURFHVVRGHQWURGDVFRQGLo}HVEUDVLOHLUDV
D
D 230
para a América Latina e Caribe) e, também, composto o quadro de professores do
,6(%,QVWLWXWR6XSHULRUGH(VWXGRV%UDVLOHLURVXPGRV´DSrQGLFHVLGHROyJLFRVµ
do governo JK – Rangel desenvolveu um modelo teórico de fato original o qual
representava não somente sua percepção sobre a realidade brasileira, mas a
defesa de seus próprios interesses (enquanto integrante de uma classe social)
no aparelho de Estado.
Dessa maneira, a intenção deste ensaio é chamar a atenção para a
importância histórica da teoria rangeliana a qual, ao apresentar uma interpretação
da realidade brasileira tinha uma intenção concreta: intervir nessa realidade,
através de uma análise que buscava propostas efetivas de ação. A l é m
dessa característica, a teoria desenvolvida por Ignacio Rangel apresenta uma
abordagem interessante da história econômica brasileira, uma leitura da chamada
´UHYROXomREUDVLOHLUDµ1HOD5DQJHOQmRDSHQDVGHPRQVWURXVXDLQWHUSUHWDomR
acerca desse processo como defendeu que o grupo ao qual ele pertenceu, os
quais podem ser denominados de intelectuais nacionalistas, deveria ocupar
uma posição privilegiada na condução (ou assessoria) das decisões políticas do
SDtV&RQVLGHUDQGRHVVHDVSHFWRDÀUPDVHTXHXPDDQiOLVHTXHVHSURSRQKD
D FRPSUHHQGHU R VLJQLÀFDGR KLVWyULFR GD WHRULD GH ,JQDFLR 5DQJHO EHP FRPR
a importância de sua atuação político-institucional, não pode desconsiderar
o contexto no qual esse intelectual atuou e as relações institucionais que ele
GHVHQYROYHX DV TXDLV LQHJDYHOPHQWH LQÁXHQFLDUDP VXD SURGXomR WHyULFD 2X
VHMD,JQDFLR5DQJHORFXSRXXPHVSDoRGH´REVHUYDomRµSULYLOHJLDGRGHQWURGR
DSDUHOKR GH (VWDGR H VXD WHRULD UHÁHWH LQHYLWDYHOPHQWH VHX SRVLFLRQDPHQWR
dentro desse espaço.
$RUHDOL]DUXPUHVJDWHELRJUiÀFRGH,JQDFLR5DQJHOFKDPDDDWHQomR
o fato de que a sua militância (prematura), teria terminado a partir de uma IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
discordância teórica com a direção do Comitê Central do Partido Comunista
Brasileiro85. Esse desacordo teria emergido, anos antes, de constatações surgidas
DSyVXPDWHQWDWLYDIUDFDVVDGDGH´UHYROXomRDJUiULDµQR0DUDQKmRFLWDGDKi
pouco, da qual Rangel teria sido um dos dirigentes. Após esse episódio, em
HOHWHULDVLGRSUHVRHDLQGDQRSUHVtGLR)UHL&DQHFDQR5LR-DQHLUR5DQJHO
teria iniciado uma espécie de revisão das bases do pensamento comunista,
do qual ele teria sido adepto até ali. A dissidência de Rangel em relação à
teoria comunista, como já apontado, estaria na ideia de que, ao contrário do
que o PCB postulava, a reforma agrária não necessariamente deveria preceder o
85
Rangel, 1991:62-63.
86
Revista Geosul, 1991/92: 117-118.
D
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87
Rangel, 1991:62.
88
Rangel, 1991:67.
D
D 232
conseguinte, a economia brasileira era tida como uma economia complementar
ou um “complemento de outras economias muito mais desenvolvidas, aquelas
TXH FRPSUDP SURGXWRV HP EUXWR H YHQGHP SURGXWRV HODERUDGRVµ 6HJXLQGR
HVVHV SDUkPHWURV R UHIHULGR LQWHOHFWXDO DÀUPRX TXH ´RULJLQDULDPHQWH DV
unidades econômicas aqui surgidas como um prolongamento da economia
europeia, relacionavam-se diretamente com o mercado europeu e eram, a rigor,
SDUWHGHOHµ
Sendo assim, Rangel (2005a: 448) via o Brasil como “uma formação
social periférica, que toma algum tempo para se aperceber de certos fatos
ocorridos no centro dinâmico em torno do qual gravita, muito embora sofra muito
SUHFRFHPHQWHHDPSOLÀFDGDPHQWHVXDVFRQVHTXrQFLDVµ1HVVHVHQWLGR5DQJHO
explicou que, justamente por ser dependente das economias centrais, a dinâmica
da economia brasileira, seria marcada por movimentos que alternavam uma
LQWHQVLÀFDomRGDVH[SRUWDo}HVRXXPDLQWHQVLÀFDomRGRSURFHVVRGHVXEVWLWXLomR
de importações, conforme a conjuntura externa. Conforme explicações do próprio
Rangel:
D
D 233
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
90
(VVDVLWXDomRIRLH[SOLFDGDSRU,JQDFLR5DQJHODDSDUWLUGDDGRomRGRPpWRGRGLDOpWLFR
De acordo com ele, “toda a marcha do nosso desenvolvimento em forma mais abstrata” poderia ser resu-
mida no seguinte “processus dialético”: “Tese: uma contração da capacidade para importar e do volume
físico de nossas exportações rompe o equilíbrio anterior nas relações interindustriais de nossa economia.
Antítese: a economia nacional reage por um esforço de substituição de importações que implica aumento
das inversões capitalistas e crescimento do setor capitalista da economia.
Síntese: aumenta a produtividade per capita, PRGL¿FDVHDHVWUXWXUDGDSURFXUDQDFLRQDOH[SDQGHVHD
procura de importações, impelindo o sistema a repetir o processo, em nível superior”.
91
5DQJHOD
92
Nas análises de Celso Furtado, semelhantemente, a consolidação da indústria brasileira resultaria em
D
D 234
O desenvolvimento da economia brasileira estaria, essencialmente, na
LQGXomR da transferência de fatores (mão-de-obra e capital) do setor agrícola
aos setores não agrícolas (manufatura e serviços), ou seja, na substituição da
GLYLVmRIDPLOLDUGRWUDEDOKRSHOD´VRFLDORXQDFLRQDOµDTXDOJHUDULDXPDXPHQWR
GH SURGXWLYLGDGH H SRU ÀP GHVHQYROYLPHQWR 5DQJHO D (VVD VHULD
a condição para que a economia dualista brasileira alcançasse um nível mais
elevado de crescimento. Ainda de acordo com essa perspectiva, pelo fato de a
industrialização brasileira ter ocorrido sem uma reforma agrária prévia (dada a
´IRUoDµTXHRODWLI~QGLRIHXGDODLQGDH[HUFLDRGHVHQYROYLPHQWRGRFDSLWDOLVPR
EUDVLOHLUR WHULD RFRUULGR HP ´FRQGLo}HV HVSHFLDLVµ (VVDV FRQGLo}HV FRPR
5DQJHODH[SOLFRXWHULDPVLGRFDUDFWHUL]DGDVSRUXPDHOHYDGDWD[D
de exploração (cuja tendência seria se elevar ainda mais com o aumento da
produtividade do trabalho), não compensada por uma “paralela elevação dos
VDOiULRVµUHVXOWDQGRHPLQÁDomR.
1HVVH VHQWLGR 5DQJHO D DSRQWRX TXH D LQÁDomR EUDVLOHLUD
HUD XP ´IHQ{PHQR OLJDGR DR GHVHQYROYLPHQWR GR FDSLWDOLVPR QR %UDVLOµ XP
“fenômeno característico de uma economia capitalista, que se desenvolve
VREDLQÁXrQFLDGHXPDHFRQRPLDIHXGDOHPFULVHHPGHVDJUHJDomRµ
A teoria da dualidade preconizava que à medida que o
´FDSLWDOLVPRSHQHWUDVVHQRFDPSRµD´FHUWDDOWXUDGRQRVVRGHVHQYROYLPHQWRµ
TXDQGRRVODWLIXQGLiULRVIHXGDLVGHL[DVVHPGHVHU´VyFLRVµLQWHJUDQWHVGRSRGHU
no Estado, a taxa de exploração dos trabalhadores cairia e o consumo tenderia a
DXPHQWDUPXGDQGRRTXDGURGDLQÁDomRQR%UDVLO5DQJHOD1HVVD
ótica, era necessária uma mudança no pacto de poder, o que só se efetivaria
com o desenvolvimento das forças produtivas e a queda total do latifúndio
IHXGDO%XVFDQGRUHVSRVWDVDRTXHFKDPRXGH´SDUWLFXODULGDGHVEUDVLOHLUDVµ,
5DQJHODGHÀQLXDHFRQRPLDEUDVLOHLUDFRPRVHQGRUHVXOWDGRGD IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
93
Essas particularidades seriam resultantes do fato de a economia brasileira ser essencialmente dualista.
Daí, a industrialização ter ocorrido sem uma reforma agrária prévia a qual, na percepção de Rangel
EVXSULPLULDRXDRPHQRVOLPLWDULDDVLQVWLWXLo}HVKHUGDGDVGDVDUFDLFDVHVWUXWXUDVIHXGDLV
Dentre as “particularidades” ou “anomalias” advindas desse processo, podem ser citadas: a crise agrária
(com a alternação de superpopulação/ superprodução e escassez (sazonal) de mão-de-obra e de matérias-
-primas; a atuação dos monopólios de produtos agrícolas; o preço da terra e todos os efeitos gerados pelo
r[RGRUXUDODLQÀDomREUDVLOHLUDTXHDJUDYDULDDLQGDPDLVDFULVHDJUiULDHXPDLQGXVWULDOL]DomR³DV
avessas”, iniciada pelo Departamento II da Economia (de bens de consumo) e não pelo Departamento I
(de bens de produção) , como ocorreu com as economias centrais.
D
D 235
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
FRPELQDomRGH´WUrV]RQDVµRXstracta)GHÀQLGDVGHDFRUGRVXDVIRUPDVGH
organização:
1) A “]RQD QDWXUDOµ GD HFRQRPLD (ou a economia natural): nela, a
produção que seria consumida pelo próprio produtor e, para alcançar
um maior nível de desenvolvimento econômico, deveria haver uma
“alteração no modo de distribuição do tempo de trabalho no interior da
SUySULDXQLGDGHµ
2) A “]RQD FDSLWDOLVWD SULYDGDµ RX D HFRQRPLD GH PHUFDGR) – nessas
áreas dominaria um capitalismo, mas semelhante ao capitalismo
europeu do século XIX;
3) A “]RQD GR FDSLWDOLVPR GH (VWDGRµ RX D HFRQRPLD FDSLWDOLVWD GH
PRQRSyOLR) – essas relações econômicas seriam dominantes no campo
do comércio exterior.
A existência dessas três estruturas superpostas, as quais estariam
´VXEPHWLGDVDVVXDVSUySULDVOHLVHVSHFtÀFDVµSRGHPVHUFRQVLGHUDGDVFRPRR
´UHFXUVRGLGiWLFRµTXH5DQJHOLQLFLDOPHQWHXWLOL]RXSDUDH[SOLFDUDVEDVHVGHVXD
WHRULDGDGXDOLGDGHDTXDOVHULDPDLVEHPHODERUDGDDRÀQDOGRVDQRV
$VVLP5DQJHODGHÀQLXTXH
[...] uma viagem através do Brasil é como uma viagem através dos
tempos. Encontramos aqui, lado a lado, formações socioeconômicas
da mesma índole das contemporâneas dos países mais desenvolvidos
e outras que não podemos encontrar senão recuando no tempo.
Noutros termos, no Brasil, coexistem e se condicionam mutuamente
a Idade Moderna e a Idade Média [...].
94
A tese dos 3 níveis (strata) econômicos distintos que coexistem na economia brasileira foi apresenta-
da já na primeira obra de Rangel, O Desenvolvimento Econômico no Brasil – 1954 (Rangel, 2005a:92
- 94), no ano seguinte ela foi retomada em ,QWURGXomRDR'HVHQYROYLPHQWR(FRQ{PLFR%UDVLOHLUR (Ran-
JHODHHHPHODS{GHVHULJXDOPHQWHYLVXDOL]DGDHPDesenvolvimento e
Projeto (p.213). Mas foi no livro Dualidade Básica da Economia Brasileira5DQJHOD
GHTXHHVVDTXHVWmRIRLDSULPRUDGDGHPRQVWUDQGRPHOKRUDVGXDOLGDGHVGDHVWUXWXUDHFRQ{PLFD
brasileira, ou seja, a idéia de que essas três formações se opõem duas a duas, dando origem a duas dua-
lidades diferentes - os stratas 1/2 e 2/3. O desenvolvimento, nessa ótica, estaria na segunda dualidade:
a passagem da economia de mercado para o comércio externo. Ao que tudo indica, essa tese consistiu
em uma prévia do quadro das dualidades, apresentado de maneira realmente detalhada em um artigo
publicado em 1981, intitulado A História da Dualidade Brasileira.
95
5DQJHOD
96
Em Desenvolvimento e Projeto (1956)5DQJHODFKDPRXHVVHVHWRUGH³UHVWRGRPXQGR´
D
D
Ao considerar que a economia brasileira não seria “uma simples
superposição das três zonas, mas sim uma combinação das três, que
permanentemente interferem umas sobre as outras, cada uma delas reagindo ao
VHXPRGRµ, Rangel estabeleceu que o processo de desenvolvimento econômico
brasileiro (que se consolidaria a partir da industrialização), ocorreria a partir de
dois princípios básicos: um aumento da produtividade, principalmente da mão-
de-obra inserida nas zonas 2 e 3; e a absorção, por essas duas zonas, de uma
´PmRGHREUDDGLFLRQDOµFRQFHQWUDGDQD]RQDRXVHMDQRVHWRUDJUtFROD
Sucintamente, essa análise defendia a ideia de que o desenvolvimento
econômico brasileiro resultaria da transferência da população da economia
QDWXUDOUXUDOSDUDRQtYHOGDVHJXQGD´]RQDµGDHFRQRPLDGHPHUFDGR1DV
palavras do próprio Rangel:
97
5DQJHOD
98
(VVDLQÀXrQFLDDOLiVIRLUHFRQKHFLGDSHORSUySULR5DQJHORTXDOQRSUHIiFLRGDSULPHLUDHGLomRGR
seu livro ,QWURGXomRDR'HVHQYROYLPHQWR(FRQ{PLFR%UDVLOHLURD¿UPRX³1mRVHULDMXVWRSDVVDU
sem uma palavra de gratidão para a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e, em especial
para don Jorge Ahumada, diretor do curso de capacitação, em Santiago do Chile. Foi aí que metodo-
logicamente fui informado das modernas teorias sobre desenvolvimento econômico, e que, encontrei
também contradita sábia e fecunda, dessas que apuram o espírito e o animam a prosseguir.
D
D 237
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
DVSHFWRV GH XPD ´HPSUHVD FRPHUFLDOµ HOH QmR SRGHULD VHU GLVVRFLDGR GH XP
feudo medieval1HVVHVHQWLGR5DQJHOGHÀQLXTXH
99
É importante demarcar a semelhança dessa perspectiva com a abordagem feita por de Nelson Werneck
Sodré, o qual apontou a estrutura econômica colonial composta por diferentes relações de produção.
([HPSORGLVVRHVWiQDD¿UPDomRIHLWDSRU6RGUpGHTXHQDDJULFXOWXUDDVUHODo}HVVmRHVFUD-
vistas e estão ligadas aos interesses do mercado externo, às necessidades do desenvolvimento do capital
comercial. Já na pecuária e na mineração, predominariam as relações feudais. Ou seja, aproximando-se
da perspectiva rangeliana, Sodré via a economia brasileira como sendo composta por duas ordens: exter-
namente mercantil (através do modo de produção escravista), seguindo os interesses da ordem mundial
capitalista e internamente feudal.
100
5DQJHOD
D
D 238
SUySULRFDPSRQrVYHQGHFRQYHUWHVHHP´PHUFDGRULDµHGiRULJHP
a uma renda monetária. A parte que o camponês e o latifundiário
consomem diretamente não é mercadoria e não resulta em renda
monetária. Note-se bem: ao contrário do que ocorre numa economia
monetária, onde a cada produto corresponde uma renda, razão pela
qual ao medirmos a renda nacional estamos medindo o produto
nacional, aquela parte do produto do meeiro, que ele próprio e o
latifúndio consomem, não corresponde renda alguma, senão no
VHQWLGRÀJXUDGR5$1*(/D
101
Deve-se destacar que essa perspectiva é observada nas análises rangelianas desenvolvidas entre os
DQRVH1RVDQRVVHJXLQWHVFRQIRUPHVHUiUHWRPDGRSRVWHULRUPHQWHQRVXEWySLFRGHVLJQDGR
DWUDWDUHVSHFL¿FDPHQWHGDTXHVWmRDJUiULD,JQDFLR5DQJHODSUHVHQWDULDXPDHVSpFLHGHUHYLVmRGHVVD
perspectiva analítica.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
6HJXLQGRHVVHUDFLRFtQLR5DQJHODÀUPRXDLQGDTXHDVOHLVGDHFRQRPLD
EUDVLOHLUDVmR´SHFXOLDUHVµHDJHP´XPDVVREUHDVRXWUDVµHPXPSURFHVVRGH
FRQVWDQWHFRQÁLWRDÀPGHVHHVWDEHOHFHUTXDOGHVVDVOHLVLPSRUiVXD´GLQkPLFD
HVSHFtÀFDµDRVLVWHPD2UHVXOWDGRGHVVHFRQÁLWRGHVVD´XQLmRGLDOpWLFDµRX
´XQLGDGHGHFRQWUiULRVµVHULDXP´VLVWHPDRULJLQDOµGRWDGRGHGLQkPLFDSUySULD
5DQJHOD6REUHHVVDGLQkPLFDHOHHVFODUHFHX´0XGDPRVWHUPRV
102
(VVHWLSRGHD¿UPDomRSRGHVHUREVHUYDGRHPJUDQGHSDUWHGRVLQWHOHFWXDLVGRVDQRVQRWDYHO-
mente nos isebianos e cepalinos.
D
D 240
HPFRQÁLWR²HDKLVWyULDGHVVDPXGDQoDpRTXHKiGHHVSHFtÀFRQDKLVWyULDGR
%UDVLO²HPERUDRSUySULRFRQÁLWRFRQWLQXHµ103.
Nesse sentido, ele deixava bem claro qual era a sua intenção: ordenar e
VLVWHPDWL]DUD´LGpLDSUHOLPLQDUµTXHHOHWLQKDGHVVHSURFHVVRDÀPGHTXH´QRV
torne capazes não apenas de prever a marcha dos acontecimentos, mas nela
LQWHUYLUSDUDGLULJLURSUySULRSURFHVVRµ5DQJHOD(VVHDOLiVpXP
princípio visivelmente presente na teoria rangeliana o qual pode ser resumido na
ideia de FRQKHFHUSDUDLQWHUYLUOu seja, a teoria desenvolvida por Rangel foi sua
´DUPDGHFRPEDWHµQRFRQÁLWRGHFODVVHVMiTXHDSDUWLUGHODHOHHVWDEHOHFHX
parâmetros de intervenção na sociedade brasileira os quais delimitavam os
papéis a serem desempenhados por cada uma das classes sociais.
Partindo desse princípio, e com base na teoria da dualidade é que Ignacio
Rangel escreveu sua compreensão da história brasileira. E na sua tentativa de
´KLVWRULFL]DUDVOHLVHFRQ{PLFDVµHOHGHÀQLXTXHDKLVWyULDGR%UDVLOWHYHLQtFLRFRP
DSDVVDJHPGHXP´FRPXQLVPRSULPLWLYRµTXHGRPLQDYDFRPRVLQGtJHQDVSDUD
o regime escravista. Uma vez que a teoria da dualidade é o modelo explicativo
que Ignacio Rangel desenvolveu para abordar as transformações econômicas
no Brasil (as que estariam em curso e as que deveriam ocorrer) e, a partir dela,
DKLVWyULDGRSDtVFRPDH[SOtFLWDÀQDOLGDGHGHQHODLQWHUYLUDFRPSUHHQVmRGD
análise rangeliana deve, necessariamente, partir da WHRULDEiVLFDGDGXDOLGDGH
brasileira.
Considerações Finais
Visando compreender o porquê de a industrialização ter ocorrido IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
sem reforma agrária prévia, Rangel desenvolveu um modelo original e bem
estruturado no qual não só a economia nacional foi discutida, mas a história
do Brasil de uma maneira geral. O que se constata é que a teoria da dualidade
é uma leitura histórica do processo de crescimento econômico brasileiro e não
se encerra numa demonstração da historicidade dos fatos que apresentou, mas
ela é, essencialmente, uma tentativa de compreender a dinâmica da economia
103
Retomando as palavras de Rangel: “As leis da economia brasileira são, em certo sentido, próprias,
peculiares. As diferentes economias que nela coexistem não se justapõem mecanicamente. Ao contrário,
DJHPXPDVVREUHDVRXWUDVDFKDPVHHPFRQVWDQWHFRQÀLWRDYHUTXDOLPSRUiVXDGLQkPLFDHVSHFt¿FD
ao sistema. Noutros termos, estão em unidade dialética, unidade de contrários. A resultante não é nem
XPQHPRXWURGRVWHUPRVGRFRQÀLWRPDVXPVLVWHPDRULJLQDOGRWDGRGHGLQkPLFDSUySULD´5$1*(/
D
D
D 241
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
105
- Dentre esses autores estão: Armen Mamigonian, Márcio Rego, Bresser Pereira e Ricardo Bielscho-
wsky.
D
D 242
(P XP DUWLJR GH 5DQJHO UHDÀUPRX VHX ´HVTXHUGLVPRµ H
VHX HVIRUoR ´SRU WUDoDU SDUD R SDtV FDPLQKRV SURJUHVVLVWDV FLHQWLÀFDPHQWH
mapeados, livres do voluntarismo utopizante [...]107. Mas é interessante perceber
como esse mesmo esquerdismo, que resultou no fechamento do ISEB (o qual ele
integrou) e no afastamento de Jesus Soares Pereira (seu amigo da Assessoria
Econômica) dos cargos burocráticos do Estado, não afastou Ignacio Rangel
de suas funções tecnocráticas. Acredita-se que essa situação se deveu à sua
habilidade política, e o exemplo mais representativo disso foi a intervenção do
´GLUHLWLVWDµ 5REHUWR &DPSRV HP GHIHVD GD VXD SHUPDQrQFLD QRV TXDGURV GR
%1'(PHVPRVHPR´DWHVWDGRLGHROyJLFRµUHTXLVLWDGRDRVRFXSDQWHVGHFDUJRV
político-administrativos na época.
&RQVLGHUDQGRTXHR´FDVREUDVLOHLURµVHGLIHUHQFLDYDGR´FDVRFOiVVLFRµ
(segundo os preceitos socialistas) de revolução democrático-burguesa, Rangel
passou a questioná-los, situação que culminou com a sua saída do PCB. O que
o intrigava era o fato de que, diferente do que era postulado pela ANL108 e pelo
PCB, o Brasil continuava se desenvolvendo economicamente, mesmo sem ter
UHDOL]DGRXPDUHIRUPDDJUiULDDPSODRXD´UHYROXomRDJUiULDµFRQWUDRODWLI~QGLR
feudal e antiimperialista.
$SDUWLUGDtQRÀQDOGRVDQRV,JQDFLR5DQJHOFRPHoRXDGHVHQYROYHU
sua interpretação acerca da revolução socialista que deveria se processar dentro
das condições apresentadas pela realidade brasileira. Sua WHRULDGDGXDOLGDGH
básica foi a forma encontrada para explicar essas questões. Segundo ela, como
já foi apontado, o caso brasileiro era uma particularidade, um caso sui generis na
história universal, dada a sua GXSOLFLGDGHcomo parte da economia mundial
(por suas relações com o comércio exterior) ela era vista como parte de um
complexo econômico, mas, por sua produção orientada ao mercado interno, era IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
uma economia capitalista pouco desenvolvida110.
106
O título desse artigo é “O direitismo da esquerda”, publicado na obra Ciclo, tecnologia e crescimento
(1982) e republicado no segundo volume das Obras Reunidas GH,JQDFLR5DQJHO
107
5DQJHOE
108
Aliança Nacional Libertadora.
109
5DQJHOD
110
5DQJHOD
D
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
111
As principais “particularidades” ou “anomalias” eram a crise agrária, a atuação dos monopólios de
SURGXWRVDJUtFRODVDLQÀDomRHXPDLQGXVWULDOL]DomRFRQWUiULDjGDVHFRQRPLDVFHQWUDLVMiTXHIRLLQL-
ciada pelo Departamento II da Economia (de bens de consumo) e não pelo Departamento I (de bens de
produção) , como ocorreu com as economias centrais.
112
5DQJHOD
D
D 244
VRFLDOLVWD 2 PHFDQLVPR HQFRQWUDGR SRU HOH SDUD UHVROYHU HVVD ´FRQWUDGLomRµ
foi a proposição de uma releitura da revolução democrático-burguesa para as
condições brasileiras, através da sua teoria GD 'XDOLGDGH %iVLFD. Nela, Rangel
GHPRQVWURX VHX ´DSRLRµ DR FRUSRUDWLYLVPR GH 9DUJDV ID]HQGR LQFOXVLYH D
clássica diferenciação desse modelo político-ideológico com os regimes fascistas
H WRWDOLWDULVWDV FRPR R À]HUDP $]HYHGR $PDUDO H 2OLYHLUD 9LDQQD QRV DQRV
GRLV JUDQGHV IRUPXODGRUHV DGDSWDGRUHV GD GRXWULQD FRUSRUDWLYLVWD
no Brasil), mas sem deixar de ser coerente com o seu modelo teórico, pautado
na teoria da dualidade.
Foi a partir da perspectiva dualista que Rangel resolveu a questão do
´DWUDVRµ FRQWLGR QD OHJLVODomR WUDEDOKLVWD 6H SRU XP ODGR 5DQJHO DVVRFLRX R
direito trabalhista à manutenção e expansão das relações de produção feudais
DRVHWRUXUEDQRSRURXWURHOHWDPEpPDÀUPRXTXH´RFRUSRUDWLYLVPREUDVLOHLUR
não implicava retorno algum, pois ainda não tínhamos sindicalismo moderno,
e correspondia aos interesses não apenas das indústrias e do patronato, como
WDPEpPDRVGDVSUySULDVPDVVDVWUDEDOKDGRUDVµ113.
Tal contradição, vista sob a perspectiva dualista, torna-se aparente,
já que para a teoria rangeliana, a CLT114, por excluir os trabalhadores rurais
(dos benefícios das leis trabalhistas), demonstrava a força política que os
´FRURQpLVµDLQGDGHWLQKDPQRVDQRVHQTXDQWR´VyFLRVPDLRUHVµHPERUD
´UHWUyJUDGRVµGDFRDOL]mRGHSRGHUTXHSUHYDOHFLDQDTXHOHPRPHQWRIDVH%GD
terceira dualidade).
A perspectiva dualista, portanto, para além de constituir os fundamentos
do modelo teórico rangeliano, foi fundamental na luta político-ideológica
que Rangel enfrentou dentro do aparelho de Estado. A partir de sua teoria
da dualidade, ele demonstrou sua interpretação sobre a história econômica IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
brasileira, formulou sua concepção de revolução brasileira e defendeu a posição
de uma elite intelectual na condução do processo político nacional.
3RUÀPFRQVLGHUDQGRWRGDVHVVDVTXHVW}HVFKDPDDDWHQomRRIDWRGH
que a teoria rangeliana da dualidade não esteja sendo estudada ao lado das
análises desenvolvidas pelos intelectuais da esquerda brasileira, tais como Alberto
3DVVRV*XLPDUmHV&DLR3UDGR-U1HOVRQ:HUQHFN6RGUpH-DFRE*RUHQGHU115.
113
5DQJHOD
114
Consolidação das Leis Trabalhistas.
115
5DQJHOLQFOXVLYHGHEDWHXFRP*RUHQGHURTXDOHPVXDREUD2escravismo colonial, questionou a
perspectiva rangeliana da dualidade que via a coexistência entre feudalismo e escravismo no Brasil.
D
D 245
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Pois, assim como eles, Ignacio Rangel apresentou uma interpretação da história
do Brasil na qual as condições da revolução democrático-burguesa foram
discutidas, mas com uma variável fundamental: o fato de ele ter desenvolvido
suas análises a partir de uma posição privilegiada, dentro do aparelho de Estado.
A comemoração do centenário de Ignacio Rangel (cuja teoria ecoa de
discussões fundamentais dentro da esquerda brasileira e a qual, não obstante
alguns distanciamentos, se manteve como um ponto de diálogo durante sua
trajetória político-institucional), acaba sendo um convite à (re)visitar sua obra e a
GLVFXWLODVREQRYDVSHUVSHFWLYDVTXHHQÀPSRVVDPOHYiODDRFXSDUDSRVLomR
KLVWRULRJUiÀFDTXHHODPHUHFH
5HIHUrQFLDV
$VFUtWLFDVGH*RUHQGHUIRUDPUHEDWLGDVSRU5DQJHOHPXPDUWLJRLQWLWXODGR³'XDOLGDGHHHVFUDYLVPR
colonial”) publicado no terceiro volume da 5HYLVWD(QFRQWURVFRPD&LYLOL]DomR%UDVLOHLUD, em 1978.
Esse mesmo artigo foi republicado no segundo volume das Obras Reunidas de Ignacio Rangel. Segun-
do a teoria da dualidade, desenvolvida por Rangel, “a escravidão, salvo como exceção – antecipação,
sobrevivência ou acidente – numa sociedade feudal é, por certo, um contra-senso, mas numa sociedade
(e economia) externamente feudal, pode haver relações de produção essenciais de caráter escravista,
LQWHUQDPHQWH´5$1*(/E
D
D
-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB $ LQÁDomR %UDVLOHLUD ,Q 2EUDV 5HXQLGDV, Rio de Janeiro,
&RQWUDSRQWRYROSS
BBBBBB $ SUREOHPiWLFD SROtWLFD GR %UDVLO &RQWHPSRUkQHR ,Q Obras
5HXQLGDV5LRGH-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB $ 4XDUWD 'XDOLGDGH ,Q 2EUDV 5HXQLGDV, Rio de Janeiro,
&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB 'R SRQWR GH YLVWD QDFLRQDO ,Q 2EUDV 5HXQLGDV, Rio de
-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
______. Desenvolvimento industrial do Brasil e suas características dominantes
,Q2EUDV5HXQLGDV5LRGH-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB'XDOLGDGHEiVLFDGDHFRQRPLDEUDVLOHLUD,Q2EUDV5HXQLGDV, Rio
GH-DQHLUR&RQWUDSRQWRYROSS
BBBBBB 'XDOLGDGH H &LFOR /RQJR In: 2EUDV 5HXQLGDV, Rio de Janeiro,
&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB 'XDOLGDGH H ¶(VFUDYLVPR &RORQLDO ,Q 2EUDV 5HXQLGDV, Rio de
-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB(FRQRPLDEUDVLOHLUDFRQWHPSRUkQHD2EUDV5HXQLGDV, Rio
GH-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB,QWURGXomRDR'HVHQYROYLPHQWR(FRQ{PLFR%UDVLOHLUR,QObras
5HXQLGDV5LRGH-DQHLUR&RQWUDSRQWREYROSS
BBBBBB2GHVHQYROYLPHQWRHFRQ{PLFRQR%UDVLO,Q Obras 5HXQLGDV, Rio
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
GH-DQHLUR&RQWUDSRQWRYROSS
BBBBBB7H[WRVVREUHD4XHVWmR$JUiULD,Q2EUDV5HXQLGDV, Rio de
-DQHLUR&RQWUDSRQWRYROSS
BBBBBB,QiFLRVLF5DQJHOGHSRLPHQWR5LRGH-DQHLUR&HQWURGD0HPyULD
GD(OHWULFLGDGHQR%UDVLOS
______. Entrevista com o professor Ignacio de Mourão Rangel. Revista Geosul.
)ORULDQySROLVQDQR,9VHPHVHPSS
62'5e 1HOVRQ :HUQHFN ,QWURGXomR j 5HYROXomR %UDVLOHLUD Rio de Janeiro:
FLYLOL]DomREUDVLOHLUD
PEDRÃO, Fernando Cardoso. Ignacio Rangel. Estud. av., São Paulo , v. 15, n.
DEU'LVSRQtYHOHPKWWSZZZVFLHOREU$FHVVRHPGH]
D
D 247
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Introdução
D
D 248
dominante. Percebia que o país vivia os estertores de uma crise e que não era
possível pensar o Brasil sem esta dimensão. Por isso Rangel foi um dos autores
TXH PDLV LQÁXHQFLRX D SURGXomR FUtWLFD VREUH D TXHVWmR GR GHVHQYROYLPHQWR
brasileiro sob crise. Seu trabalho marca as penas de autores fundamentais
para a construção do debate, inclusive universitário, no Brasil, como é o
caso da professora emérita Maria da Conceição Tavares, que já se declarou
muitas vezes rangeliana em sua análise sobre o desenvolvimento brasileiro.
Contraditoriamente, não é amplamente reconhecido como um pensador
importante na academia brasileira.
Rangel, como teórico, ainda que não acadêmico, organizava seu
pensamento a partir de um esquema analítico que construíra com base no método
dialético de aplicação do materialismo. A este esquema de compreensão da
realidade brasileira chamou de tese da dualidade básica da economia brasileira.
O objetivo deste trabalho é mergulhar na compreensão da tese rangeliana da
GXDOLGDGH EiVLFD SDUD YHULÀFDU D SRVVLELOLGDGH GH UHFXSHUiOD FRPR XPD ULFD
chave de leitura, no campo da economia política, para a interpretação do Brasil.
116
Podemos destacar sua referência na introdução a sua obra “Da substituição de importações ao capi-
WDOLVPR¿QDQFHLURHQVDLRVVREUHHFRQRPLDEUDVLOHLUD´jSRVLomRLQRYDGRUDGH5DQJHOQRGHEDWHVREUH
o padrão de acumulação brasileiro que continha uma forte crítica a interpretação estagnacionista do
GHVHQYROYLPHQWREUDVLOHLURQDHQWUDGDGRVDQRV1HVWHWH[WR7DYDUHVD¿UPDVREUH5DQJHO
TXH³VXDVLGHLDVRULJLQDLVVREUHLQÀDomRVXSHULQYHVWLPHQWRHFDSDFLGDGHRFLRVDIRUDPOHYDQWDGDVDQWHV
que o sistema entrasse em crise total e não deixa de ser uma ironia para um intelectual crítico que o
governo posterior aplicasse “ortodoxamente” não poucas das receitas “heterodoxas” recomendadas por
HOHQRVHXOLYUR,QÀDomR%UDVLOHLUDQRTXHUHVSHLWDD¿QDQFLDPHQWRS~EOLFRHPHUFDGRGHFDSLWDLVFRP
um sentido histórico inteiramente distinto daquele que aconselhava o autor (p.18).”
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 250
A dualidade básica enquanto categoria e enquanto teoria
118
Sobre esta questão ver Freitas (2000).
D
D 251
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 252
país. O lado interno do polo interno diz respeito à relação interna de produção
mais arcaica, ainda que predominante em parte do tempo. É no lado interno do
polo interno que está a forma a ser superada. O lado externo do polo interno
representa a nova forma de organização produtiva que começa minoritariamente
convivendo com a antiga até o momento em que o desenvolvimento das forças
produtivas indica que é a hora de superar-se o modo arcaico e substituí-lo. O
lado externo do polo interno comunica-se com o lado interno do polo externo na
dualidade.
O polo externo representa as relações do país com o exterior tanto em
sua face de inserção no mercado mundial, como em sua face de recepção do
movimento mundial. O lado interno do polo externo é a forma por meio da qual
o país se relaciona com o exterior, e que traz em si o modo de produção mais
adiantado. Segundo Rangel, será esta a forma de produção que ocupará o lado
H[WHUQRGRSRORLQWHUQRTXDQGRDTXHOHVHPRGLÀFDU)LQDOPHQWHRODGRH[WHUQR
do polo externo representa o modo de produção vigente no centro do sistema.
Assim, os lados interno e externo do polo interno, bem como o lado interno
do polo externo dizem respeito às formas das relações sociais de produção e às
forças produtivas vigentes no Brasil, enquanto o lado externo do polo externo
retrata o andamento das relações sociais e forças produtivas em curso no centro
capitalista, ao qual o país está submetido.
A caracterização dos polos e dos lados da dualidade é importante para
sua compreensão, mas ainda não revelam sua chave analítica, qual seja, o seu
movimento. Rangel pretendia apresentar uma leitura baseada na lógica dialética,
portanto o aspecto essencial para sua compreensão está na sua capacidade de
descrever o movimento das estruturas caracterizadas.
A descrição do movimento transformador das dualidades foi sumariado IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
pelo autor nas cinco leis de funcionamento da dinâmica das dualidades. As leis
foram apresentadas do modo a seguir:
1. o desenvolvimento das forças produtivas muda a dualidade, mas
a mudança ocorre apenas em um dos polos;
2. os polos interno e externo mudam alternadamente;
3. o polo muda pelo processo de internalizar o modo de produção
existente no seu lado externo;
119
Vale destacar as semelhanças entre a visão de Rangel e a formulação da teoria da dependência de
Cardoso e Faletto (1967), no entanto tais autores não possuem referências explícitas ao economista
maranhense.
D
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IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 254
A questão de Rangel era que, no entanto, no Brasil não era possível
LGHQWLÀFDU D GLQkPLFD GRV FLFORV GH .RQGUDWLHII QD PHGLGD HP TXH pUDPRV
uma economia dependente do ponto de vista tecnológico. Nossa dinâmica de
inovação não era traçada internamente. Rangel era bem radical desse ponto
de vista, supunha totalmente ilusória para o Brasil a hipótese de independência
WHFQROyJLFDLPHGLDWDIXQGDPHQWDOPHQWHSHODDXVrQFLDGHXPVHWRUÀQDQFHLUR
estruturado. De seu ponto de vista, o efeito fundamental deste ciclo longo na
dualidade brasileira é que na fase recessiva do ciclo há uma mudança dos
parceiros da aliança de poder que domina as relações político econômicas. Isto
RFRUUHSRUTXHDHFRQRPLDGHSHQGHQWHÀFDIRUoDGDDYROWDUVHSDUDGHQWURQD
medida em que há um estrangulamento do comércio exterior nos momentos de
crise na infraestrutura, passa por rupturas, seguindo a lógica dos ciclos longos
de Kondratieff.
Põe-se então nossa última questão: como este complexo esquema
WHyULFRGDULDRULJHPDXPDLQWHUSUHWDomRGR%UDVLO"
D
D 255
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
constituintes do sistema econômico vigente dentro de nossas fronteiras. Em
TXDQGR HVFUHYHX SHOD SULPHLUD YH] VREUH D LQWHUSUHWDomR GR %UDVLO D
SDUWLUGDGXDOLGDGHEiVLFDLGHQWLÀFRXDFRH[LVWrQFLDGHXPVHWRUFDSLWDOLVWDH
XPSUpFDSLWDOLVWDQDHFRQRPLDEUDVLOHLUD$ÀUPDYDWDPEpPTXHRSUySULRVHWRU
capitalista não era homogêneo, na medida em que se articulava externamente
com um capitalismo que estaria, em sua visão na fase descendente do ciclo,
enquanto internamente a própria crise mundial articulava um “vigoroso
FDSLWDOLVPRQDFLRQDOµGHVHQYROYLGRFRPEDVHQDVXEVWLWXLomRGHLPSRUWDo}HV
3DUDDOpPGDLGHQWLÀFDomRGDFRH[LVWrQFLDGHYiULDVHWDSDVFDUDFWHUtVWLFDV
do desenvolvimento da economia ao longo da história em nosso país, o que
intrigava o intelecto de Rangel era descobrir como as leis dos vários modos de
produção coetâneos se articulavam, auxiliavam ou limitavam umas às outras.
Com esta questão em mente Rangel apresentou, talvez de forma
mais acabada em seu artigo $ KLVWyULD GD GXDOLGDGH EUDVLOHLUD GH XPD
interpretação sobre o Brasil na forma da construção de dualidades que se foram
transformando.
A primeira dualidade iniciar-se-ia com a abertura dos portos em 1808,
pois considera que este movimento gestou a integração do polo externo brasileiro.
A hipótese implícita de Rangel é que só com a vinda da Família Real a economia
do Brasil passou a ter centralidade real e formal para ser pensada em sua
dinâmica própria. De seu ponto de vista, a sanção política desde movimento foi
dada pela Carta da Lei de 1815, criando o Reino do Brasil, ganhando sua forma
ÀQDOFRPRVHWHGHVHWHPEURGH1DLQWHUSUHWDomRGH5DQJHODVGXDOLGDGHV
brasileiras mudam a partir de alterações que ocorrem no centro capitalista, mais
HVSHFLÀFDPHQWHQDIDVHEIDVHGHFOLQDQWHGRFLFORGH.RQGUDWLHII1RFDVRGD
primeira dualidade, o autor destaca que os movimentos no centro iniciaram-se IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
FRPD5HYROXomR)UDQFHVDHWHUPLQDUDPVXDFDUDFWHUL]DomRHP:DWHUORR
(1815), com a restauração.
Assim, o polo externo na primeira dualidade brasileira teria em seu lado
externo o capitalismo industrial europeu, que se articulava com o lado interno
por meio do capitalismo mercantil constituído dentro do Brasil, a partir de 1808,
com a instituição de um aparelho de intermediação mercantil distinto do serviço
público concedido a uma empresa pela Coroa de Portugal.
O polo interno da primeira dualidade tem outras referências, pois havia
se caracterizado em seu lado interno pela organização da produção escravista,
centrada na fazenda de escravos que “tende a tudo reduzir à condição dos
HVFUDYRV LQFOXVLYH WUDEDOKDGRUHV OLYUHV H VHPLOLYUHVµ 5DQJHO >@
D
D 257
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
S2ODGRH[WHUQRGRSRORLQWHUQRVHULDDIDFHWDIHXGDOGHVWHPHVPRVLVWHPD
na medida em que a produção escravista, segundo Rangel, se dava sobre uma
estrutura de propriedade e uso feudal da terra, seguindo as máximas “toda terra
pWHUUDGR5HLHQHQKXPDWHUUDVHPVHQKRUµ
5DQJHOLGHQWLÀFDDVRFLHGDGHEUDVLOHLUDVREDSULPHLUDGXDOLGDGHFRPR
caracterizada pelo domínio de apenas duas classes (duais) representativas
GRV GRLV SRORV (VWDV FODVVHV VHULDP RV ´YDVVDORVVHQKRUHV GH HVFUDYRVµ
como hegemônicos e representando o polo interno, e os capitalistas mercantis,
representando o polo externo. O grupo social hegemônico Rangel denomina de
VyFLRPDLRU da dualidade, enquanto o outro grupo dominante é intitulado de
VyFLRPHQRU. O movimento de mudança interno é apresentado com a lógica
GDOXWDGHFODVVHVHSRULVVRDÀUPDTXHRVyFLRPHQRU teria a função precípua
de “fortalecer-se economicamente, assumir novas posições de comando no
sistema e amadurecer politicamente, ganhando coesão, homogeneidade e clara
FRQVFLrQFLDGHVHXVLQWHUHVVHVµRSFLWS
Caracterizada assim e nascida sob o signo na transição da fase A para a
fase B do primeiro Kondratieff, a primeira dualidade teria como papel histórico
resolver o problema de assegurar o crescimento da economia, não obstante o
estancamento prolongado do comércio exterior, ou em outras palavras, promover
um processo de substituição de importações120.
As considerações que acerca da substituição de importações elaboradas
pelo autor são muito heterodoxas. Em sua visão a permissão de existência de
LQG~VWULDVQRSDtVGDGDFRPDDEHUWXUDGRVSRUWRVQmRVLJQLÀFRXDSRVVLELOLGDGH
de instalação de uma indústria substitutiva de exportações, no sentido próprio,
HP YLUWXGH GD YLROrQFLD GD FRQFRUUrQFLD H[WHUQD 1R HQWDQWR DÀUPD TXH SRU
outro lado houve substituição de importações no Brasil no contexto do feudo-
fazenda de escravos. Em suas palavras:
120
Esta será a dinâmica de ajustamento em toda dualidade. As mudanças de dualidade são sempre prece-
didas deste tipo de movimento, cuja dinâmica é dado pelo ciclo de Kondratieff das economias centrais.
Somente após a instauração de um setor produtor e desenvolvedor de bens de capital no Brasil é que
poderíamos pensar em uma dinâmica de transformação movida por nosso próprio ciclo de inovação e
investimento.
D
D 258
indústria capitalista do centro dinâmico chegava mais enfraquecido
GRTXHOLPLWDGRSRUXPDIRUWHWDULIDDGXDQHLUDRSFLWS
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D
dúvida: o que seria a tal burguesia comercial brasileira, se não os fazendeiros-
FRPHUFLDQWHV" 3RU RXWUR ODGR D GLQkPLFD GH UHSUHVHQWDomR GDV FODVVHV GH
Rangel parece revelar em si uma dualidade entre urbano e rural na disputa da
dominação do Estado brasileiro.
Nestas condições percebia-se o nascimento de uma economia periférica
que produzia seu próprio ciclo, na medida em que desenvolvia um processo
de substituição de importações industrializante, no qual o Estado entrava
subsidiando o capital por meio de uma acumulação de recursos em suas mãos
engendrada pela nova legislação trabalhista.
Assim, considera a entrada em cena dos ciclos de Juglar (ciclos de
investimento independentes de um novo padrão tecnológico que ocorrem
aproximadamente a cada 10 anos) para explicar a dinâmica da dualidade
brasileira a partir do advento da industrialização no Brasil, ou seja, de seu
SRQWRGHYLVWDDSDUWLUGRVDQRVGDWHUFHLUDGXDOLGDGH2VFLFORVGH-XJODU
brasileiros seriam causados pelo acentuado desajustamento estruturais do
nosso processo de industrialização, orientando o ajustamento da capacidade
ociosa intersetorial e gerando a necessidade periódica de ajustes institucionais
para reestruturação de sua fase de ascensão.
Outra singularidade da terceira dualidade está no fato de que a
industrialização não se interrompeu quando da fase A do quarto Kondratieff.
“O dinamismo do processo de industrialização, engendrando demandas de
importações sempre novas, fez com que o impulso se mantivesse, não obstante
DFRQVLGHUiYHOH[SDQVmRGDFDSDFLGDGHGHLPSRUWDURSFLWSµ$VVLPD
industrialização brasileira teve fôlego, passando de sua fase de produção apenas
de bens não duráveis de consumo, para a produção industrial de peças, bens
duráveis de consumo, bens de investimento e insumos básicos. Rangel ainda IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
destaca que esta industrialização esteve presente também na própria agricultura,
tornando mais agudas as contradições internas do setor e do sistema como um
todo.
)LQDOPHQWH FRPR 5DQJHO HVWi HVFUHYHQGR HP DEUH VXD DQiOLVH
VREUH D TXDUWD GXDOLGDGH DÀUPDQGR TXH HOD ´HVWi REYLDPHQWH QR IXWXUR «
QmRREVWDQWHGHFHUWRSRQWRGHYLVWDpWmRDWXDOFRPRVHWLYHVVHDFRQWHFLGRµ
RSFLWS'DtVXDJUDQGHFRQWULEXLomRSDUDSHQVDUDFULVHGRVDQRV
Enxerga ali a crise da terceira dualidade e a possibilidade de se desembocar na
TXDUWDIRUPDGHRUJDQL]DomRGR´PRGRGHSURGXomREUDVLOHLURµSHORTXHWHPGH
contradições internas.
O quadro externo também indicaria o movimento de entrada na fase B
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
GRTXDUWR.RQGUDWLHIILQLFLDGRVHJXQGRRDXWRUSRUYROWDGRDQRGHFRPD
primeira crise do petróleo. Também estava presente a crise do comércio exterior
normalmente diagnosticada como o elemento detonador de um processo interno
de reorganização da produção para substituição de importações crucial para o
acirramento das contradições internas e a mudança de dualidade brasileira. A
diferença é que esta crise não viria inicialmente pelos fatores tradicionais de
restrições expressivas de quantum exportados e piora dos termos de troca,
ao contrário o aumento de exportações, por meio da desvalorização cambial,
DSUHVHQWRXVHFRPRXPDIRUPDGHVDtGDGDFULVHTXHVHFRQÀJXURXGLDQWHGR
FRUWHGRÀQDQFLDPHQWRjGtYLGDH[WHUQD
Nesta análise, ainda destaca que o esforço de substituição de exportações
que seria necessário para a criação das condições para uma mudança na
dualidade brasileira seria o de substituir mais do que apenas o petróleo
internacional por sua produção interna ou por fonte de energia alternativa, mas
uma mudança na forma de produzir os vários bens dependentes desta base
energética em nossa matriz insumo-produto. Nosso autor preocupava-se, pois
este tipo de alteração na estrutura industrial demandaria vultosas imobilizações
GH FDSLWDO H R SDtV FDUHFLD GH XP DSDUHOKR GH LQWHUPHGLDomR ÀQDQFHLUD TXH
permitisse viabilizar esta notável formação de capital.
Daqui nascia sua observação mais polêmica, pois a mudança da
terceira para a quarta dualidade implicaria em uma alteração no polo interno da
dualidade e de seu ponto de vista, isto implicaria em enfrentar a questão agrária.
Aqui retomava a questão que lhe fez pensar os problemas do desenvolvimento
EUDVLOHLURQRVDQRVDÀUPDQGRTXH
D
D
terra. Em sua opinião este preço não era inerente à terra, mas ligado a este ativo
VHUXVDGRQR%UDVLOFRPRUHVHUYDGHYDORURTXHVLJQLÀFDDÀUPDUTXHRSUHoR
GDWHUUDpXPIHQ{PHQRÀQDQFHLURVHQVtYHODPXGDQoDVTXHVHREVHUYDPQR
FDPSRÀQDQFHLUR
Esta excelente observação, especialmente no que tange a tentativa de
compreender o fenômeno da terra urbana hoje, provavelmente foi a origem
GRRVWUDFLVPRGHÀQLWLYRGDWHRULDGDGXDOLGDGHEiVLFDGDHFRQRPLDEUDVLOHLUD
&DVWURDÀUPDHPVHXWH[WRGHTXHDSDUWLUGHHVWDWHVHGHYHXPD
aceitação inversamente proporcional à sua importância para a compreensão do
desenvolvimento brasileiro. Acredita que tenha sido sufocada pelo debate da
Revolução Brasileira.
Conclusão
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
1RTXHVHUHIHUHjVIRUPDVVXSHUHVWUXWXUDLV5DQJHOVHÀ[DQDOXWDGDV
classes e frações de classe pela direção política. De seu ponto de vista, a expressão
mais concreta das vitórias e derrotas deste processo é dada pela transformação
das leis. Para o autor, pensar a disputa pelo poder a que corresponde cada forma
estrutural, é fundamental pois ao mesmo tempo dá os termos e a dinâmica do
desenvolvimento da formação econômico-social brasileira.
3RUHVWHVHOHPHQWRVQmRWHPRVG~YLGDVHPSHUÀODU,JQDFLR5DQJHOFRPR
um dos grandes intérpretes do Brasil, na medida em que coloca a formação
da nação em perspectiva histórica, busca captar o sentido desta formação
no passado, analisa a conjuntura presente, sempre atualizando os termos da
mudança prenhe de um seu programa político para o futuro.
)LFDHQWmRSDUDROHLWRUDUHÁH[mRGHSRUTXHXPDLQWHUSUHWDomRGR%UDVLO
tão rica e articuladora de teoria e história pode ser tão amplamente abandonada.
Inscreve-se aqui uma possibilidade interpretativa que está no campo da análise
das condições sócio-históricas que levam à alimentação de certas visões com
respeito ao funcionamento da sociedade e não de outras.
De nosso ponto de vista, a dualidade básica da economia brasileira
tantas vezes trabalhada e transformada por Rangel tem o limite de sua época,
pois representava uma visão, um modo de pensar, que era irreconciliável com o
movimento real que Rangel pretendia revelar e explicar. Neste sentido, uma teoria
que não representasse a visão de nenhum dos grupos sociais mais destacados
na política e na economia brasileira caía no campo das curiosidades, muitas das
vezes incômodas, que pensamentos de vanguarda podem carregar.
De outro lado, a visão de Rangel também não encontrava base nas
formulações dos dominados e de suas vanguardas representativas. Seu marxismo
era mais brasileiro que universal, mais original que ortodoxo. Sua dialética era
mais evolucionista que dinâmica e carregava a ordem de um cientista do seu
tempo.
Sem base social concreta a heterodoxia de Rangel, sua criatividade e seu
ecletismo foram ao mesmo tempo a fonte de sua inovação interpretativa que deu
origem a uma autêntica interpretação do Brasil e o motivo de seu ostracismo.
5HIHUrQFLDV
D
D
%,(/6&+2:6.< 5LFDUGR H 0866, &DUORV ´2 SHQVDPHQWR GHVHQYROYLPHQWLVWD
QR %UDVLO H DQRWDo}HV VREUH µ 7H[WR SUHSDUDGR SDUD
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D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
3HODSDVVDJHPGRFHQWHQiULRGHVHXQDVFLPHQWRDPHOKRUKRPHQDJHP
D VHU SUHVWDGD DR PDLRU GRV SHQVDGRUHV EUDVLOHLURV HVWi HP SURYDU SDUWLQGR
GHVXDVLGHLDVDDWXDOLGDGHGHVHXSHQVDPHQWR6HUPRVWmRWHUUHQRVTXDQWR
UHYROXFLRQiULRVDLQGDpRPDLRUGHVDÀRDVHUHQIUHQWDGDSRUDTXHOHVTXHDLQGD
RXVDPSHQVDUHPXPSURMHWRHVWUDWpJLFRHGHFXQKRVRFLDOL]DQWHDRQRVVRSDtV
'HVWDIRUPDpTXHVHDXWRLQWLWXODU´UDQJHOLDQRµHVWiDOpPGHXPDGHWHUPLQDGD
SRVWXUD GH SHQVDPHQWR H YLVmR GH PXQGR H SDtV 7UDWDVH GH XPD SRVWXUD
SROtWLFDWmRSROtWLFDTXDQWRVHGL]HUPDU[LVWDHWmRPDU[LVWDHSDWULRWDTXDQWRR
IRL,JQDFLRGH0RXUmR5DQJHO
2HQVDLRTXHVHJXHpXPDWHQWDWLYDGHSOHQDDWXDOL]DomRGDVLGHLDVGH
,JQDFLR5DQJHODR%UDVLOGHKRMH8PSDtVFRPLPHQVDVSRWHQFLDOLGDGHVSRUpP
DLQGD SUHVR D FRUUHQWHV LQVWLWXFLRQDOL]DGDV SHOR JROSH LPSHWUDGR SHOR 3ODQR
5HDOQXPSURFHVVRKLVWyULFRLQLFLDGRFRPDFULVHGDGtYLGDGHDPSOLÀFDGR
SHODFRQWUDUUHYROXomRQD8566HDHOHLomRGH)HUQDQGR&ROORUHP2%UDVLO
DWXDO p VtQWHVH GH XPD OXWD UHQKLGD HQWUH GHVHQYROYLPHQWLVWDV H QHROLEHUDLV
QR VHLR GH XP ´JRYHUQR SRSXODU PRGHUDGRµ TXH HQWUH HUURV H DFHUWRV HQFHWD
SROtWLFDVVpULDV%ROVD)DPtOLD3$&SROtWLFDH[WHUQDLQGHSHQGHQWHFRQFHVV}HV
GHLQIUDHVWUXWXUDVHVWUDQJXODGDVjLQLFLDWLYDSULYDGDHWFHWDPEpPVHULDPHQWH
HTXLYRFDGDV SROtWLFDV FDPELDO H GH MXURV EXVFD GD ´HVWDELOLGDGH PRQHWiULDµ
HWF
(VSHURTXHRTXHVHJXHFRQWULEXDDXPGLDJQyVWLFRDPSORHSURIXQGRGH
QRVVRSDtVHGDVSRVVLELOLGDGHVDLQGDHPDEHUWR/RQJHGDSURIXQGLGDGHHGD
DPSOLWXGHLQHUHQWHVDHVWHPDU[LVWDPDUDQKHQVHJHQLDO3RUpPFRPRPHVPR
HVStULWRGHFRPEDWH
4XH,JQDFLR5DQJHOFRQWLQXHSUHVHQWHQRFRPEDWHHQRGHEDWHGHLGHLDV
WmRQHFHVViULRVDRIXWXURGHQRVVRSDtVHGDKXPDQLGDGH
D
D
No último decênio nosso país tem patinado numa faixa de 18% na relação
PIB x investimentos. Já é consenso desde neoliberais até desenvolvimentistas
que uma relação neste patamar constitui-se no grande nó górdio que paralisa
a economia brasileira, demonstrando – assim – não somente os limites de um
crescimento pautado pela combinação, nada paradoxal, entre incentivos ao
FRQVXPRHFRPEDWHjLQÁDomR2TXHHVWiFODURVmRRVOLPLWHVGDLQVWLWXFLRQDOLGDGH
FULDGDHP3ODQR5HDOTXHLQWHQWRXFRPLPHQVRVXFHVVRQDWUDQVIRUPDomR
em estratégia estatal a busca da estabilidade monetária pela via do câmbio
ÁXWXDQWHGDSROtWLFDGHMXURVHGRHTXLOtEULRRUoDPHQWiULRHÀVFDO
7D[DGHLQYHVWLPHQWRVVHWRUSULYDGRH3ODQR5HDO
121
6REUH LVWR OHU 5$1*(/ ,JQDFLR ³$UURFKR VDODULDO QmR FULD HPSUHJR´. In, Folha de S. Paulo,
27/12/1983. Disponível em: http://www.interpretesdobrasil.org.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
(VWDWDOHSULYDGRQXPDIRUPDomRVRFLDOFRPSOH[D
123
Sobre esta relação entre a taxa de investimentos x barbárie, ler: RANGEL, Ignacio: “Criminalidade e
crise econômica”. In, Ensaios FEE, v.1 nº 1 (1980). Disponível em: http://revistas.fee.tche.br/index.php/
ensaios/article/view/38/377 Ler também: JABBOUR, Elias: “As manifestações, neoliberalismo x mais de-
senvolvimento”. In, Portal da Fundação Maurício Grabois, 06/2013. Disponível em, http://grabois.org.br/
SRUWDOQRWLFLDSKS"LGBVHVVDR LGBQRWLFLD
D
D 270
3URMHWR1DFLRQDOGH'HVHQYROYLPHQWR. E HVVH131'GHYHUiQDVFHUFRPRFDSLWDO
ÀQDQFHLURQDFLRQDOHSRUFRQVHJXLQWHQmRSUHVFLQGHGDXQLGDGHGHFRQWUiULRV
HQWUHRJUDQGHFRQJORPHUDGRSULYDGRHVXDFRQJrQHUHHVWDWDO Conglomerado
privado este surgido nas entranhas de imensas concessões de serviços públicos.
A compreensão dialética deste processo demanda um alto grau de abstração.
Desta forma, neste todo complexo que envolve concessão e privatização o
SDUDGLJPDKLVWyULFR da função do Estado passa por uma transformação: (VWDGR
HVWHTXHGHYHUiDOoDUVHXSDSHODRXWURSDWDPDUSULQFLSDOPHQWHQRTXHWDQJH
DFRQGXomRGDSROtWLFDPRQHWiULDHQDWUDQVIRUPDomRGRFRPpUFLRH[WHULRUHP
DOJRSDVVLYRGHSODQHMDPHQWRHPHVPRGHHVWDWL]DomR
Post ante. Decifrando o conceito, por IRUPDomRVRFLDOFRPSOH[Dpodemos
compreender, partindo de uma formação hegemonicamente capitalista, como o
Brasil, onde resquícios de remotos modos de produção convivem com formações
HLQVWLWXLo}HVDYDQoDGDVHPHVPR´SDUDVRFLDOLVWDVµSULPyUGLRVGHSODQLÀFDomR
do comércio exterior sob os governos de Ernesto Geisel e Lula). Daí termos
claros resquícios feudais em instituições como o Supremo Tribunal Federal e
FRUSRUDo}HV´SDUDVRFLDOLVWDVµGRQtYHOGD3HWUREUiVHD(PEUDSD&RPELQDomR
coerente com um país que em pequenas distancias territoriais convivem, em
XQLGDGHHOXWDGHVGHRFDSLWDOÀQDQFHLURSDXOLVWDDWpDDJULFXOWXUDPDLVSULPLWLYD
possível. Em uma formação deste tipo a complementaridade entre os setores
público e privado da economia funciona quase que como uma OHL REMHWLYD GD
IRUPDomRVRFLDOLogo, esta convivência deverá nos acompanhar – inclusive –
nos estertores de nossa transição ao socialismo124.
Ainda quando abordamos a transição ao socialismo numa formação
atípica como a brasileira devemos ter em mente que o sistema sendo capitalista
ou socialista, haverá momentos em que a competição e a empresa privada se IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
FRQVWLWXLUmRHPLQVWUXPHQWRVHÀFD]HVGHPRELOL]DomRHDORFDomRGHUHFXUVRV
Haverá casos, também, em que a competição – posta historicamente –será
LQHÀFD]SDUDÀQVGHDORFDomRGHUHFXUVRV3RUÀPRXWUDJDPDGHFLUFXQVWkQFLDV
coloca à disposição a possibilidade de opção (e mesmo de combinação/
competição) entre a empresa pública e a privada125.
124
Esta convivência pode ser observada em outras formações sociais complexas, cabendo destaque à
China e Índia. Nestas formações onde desenvolvimento ocorre, apesar e em plena consonância com a
convivência entre o “velho” e o “novo”. Desta forma advém outra lei objetiva desta morfologia de for-
mação social na combinação entre atraso e dinamismo.
125
6REUHDFRPSHWLomRHQWUHRHVWDWDOHRSULYDGRQRVRFLDOLVPROHU(1*(/6)ULHGULFK³7KH3ULQFL-
ples of Communism”. In, Selected Works of Marx & Engels, Volume One, p. 81-97, Progress Publishers,
Moscow, 1969. Disponível em: http://www.marxists.org/archive/marx/works/1847/11/prin-com.htm
D
D 271
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
A reorganização de atividades
126
É nesse contexto que, historicamente, a discussão entre estatal x privado ganha força. Uma polêmica
nada recente e sempre presente em nosso processo de desenvolvimento desde os tempos em que a Coroa
de Portugal geriu um verdadeiro estanco para gerir nosso comércio exterior.
D
D 272
SHODYLDGRHQGLYLGDPHQWRH[WHUQRHGDVLPSOHVXWLOL]DomRGHUHFXUVRVGRWHVRXUR
HGRRUoDPHQWRJDUDQWLQGRRÀQDQFLDPHQWRGR131'
Neste ponto, a grande problemática passa pela necessidade de uma
completa reorganização das funções da grande empresa privada (e de seu
UHVSHFWLYR EUDoRV ÀQDQFHLUR R (VWDGR H VHXV FRQJORPHUDGRV HPSUHVDULDLV $
grande empresa, o grande conglomerado empresarial privado deve ser chamado
a assumir seu papel, sobretudo no desatamento do ponto de estrangulamento
infraestrutural (via concessões de serviços públicos, muitas já em andamento)
e reorganizando, para si, todo o arsenal produtivo ainda legado da instalação –
brilhante – do Departamento 1 Novo da economia (indústria mecânica pesada)
RFRUULGRQRÀQDOGDGpFDGDGH127 (7). É nesse aspecto que repetimos o já
GLWR´R131'GHYHUiQDVFHUFRPRFDSLWDOÀQDQFHLURQDFLRQDOHSRUFRQVHJXLQWH
não prescinde da unidade de contrários entre o grande conglomerado privado
e sua congênere estatal. Conglomerado privado este surgido nas entranhas de
LPHQVDVFRQFHVV}HVGHVHUYLoRVS~EOLFRVµ128.
E a crise urbana em andamento apenas acelera essa necessidade.
127
6REUH LVWR OHU 5$1*(/ ,JQDFLR ³&RQWUDGLo}HV HQWUH VHUYLoRV S~EOLFRV H SULYDWL]DomR ´. In,
Folha de S. Paulo, 'LVSRQtYHOHPhttp://www.interpretesdobrasil.org.
128
6HJXQGR5DQJHO2(VWDGRQXQFDSRGHUiUHQXQFLDUjFRQGLomRGHSRGHUFRQFHGHQWHLQYHV-
WLGRVGHIXQo}HVQRUPDWLYDVHVSHFLDOPHQWHDIXQomRGH¿[DomRGDWDULIDRULHQWDGDHVWDSDUDRFXVWR
GHVHUYLoR8PDSULYDWL]DomRTXHHVFDSHDHVWDUHJUDVRPHQWHVHSRGHDGPLWLUQRVFDVRVGHGHVDSDUH-
cimento do monopólio.
129
Sobre isto ler: RANGEL, Ignacio: “A história da Dualidade Brasileira”. In, Obras Reunidas de Ignacio
Rangel, Vol. 2, p. 655-686. Contraponto. Rio de Janeiro, 2005. Ler também: “As polêmicas teses de Ignacio
Rangel”. In, Voz da Unidade. Disponível em: http://www.interpretesdobrasil.org.
D
D 273
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
D
D 274
O caminho exposto aqui é por deveras tortuoso e com grande margem
de improbabilidade diante de uma conjuntura de sobrevivência e hegemonia do
pensamento neoliberal no Brasil. Porém, temos claro que, sendo vitorioso este
caminho, estaremos mais próximos do socialismo do que imaginamos e mesmo
do que poderão imaginar aqueles que estarão a viver este momento em seu
devido tempo histórico.
D
D 275
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
130
5DQJHOIH]SDUWHGD$VVHVVRULD(FRQ{PLFDGRSUHVLGHQWH9DUJDVFKH¿DGDSRU5{PXOR$OPHLGDGH
D3RVWHULRUPHQWHHPLQJUHVVRXQR%1'(QRSULPHLURFRQFXUVRS~EOLFRUHDOL]DGR
pelo banco. Nestas instituições, participou ativamente do processo de industrialização do Brasil, tendo
sido o relator do projeto de lei que criou a Eletrobrás e sendo chefe do departamento econômico do
BNDE durante o Plano de Metas.
D
D
EUDVLOHLUD p XP SURGXWR GD UHÁH[mR GH 5DQJHO QDV FLUFXQVWkQFLDV SROtWLFDV HP
que se encontrava o país naquele momento, com a economia pressionada pela
DFHOHUDomRLQÁDFLRQiULDGHXPODGRHDUHFHVVmRSRURXWURWXGRLVVRDPSOLÀFDGR
pelo desejo popular de se avançar no processo de modernização da estrutura
socioeconômica brasileira.
O debate econômico brasileiro e latinoamericano havia se polarizado,
nos anos 50, em torno da questão da industrialização. De um lado estavam
RV ´HVWUXWXUDOLVWDVµ UHXQLGRV QD &RPLVVmR (FRQ{PLFD SDUD D $PpULFD /DWLQD
(CEPAL), defensores da industrialização e do planejamento como meio de
DOFDQoiODHGRRXWURODGRHVWDYDPRV´PRQHWDULVWDVµGHIHQVRUHVGDVGRXWULQDV
liberais e neoclássicas em economia, contrários à industrialização promovida por
meio de intervenção estatal.
Ao longo dos anos 50, Rangel esteve junto aos estruturalistas na defesa da
LQGXVWULDOL]DomRSODQHMDGD$SDUWLUGRVDQRVDVVXPHSRVLomRLQGHSHQGHQWHH
VHRS}HDR3ODQR7ULHQDOFRQVLGHUDGRSRUHOHRPRPHQWRHPTXH´HVWUXWXUDOLVWDVµ
H´PRQHWDULVWDVµTXHKDYLDPSXJQDGRIRUWHPHQWHQDGpFDGDDQWHULRUID]HPDV
SD]HVHVHDOLDPQDIRUPXODomRGRSODQR2V´HVWUXWXUDOLVWDVµDFUHGLWDQGRTXHR
processo de industrialização por substituição de importações havia se esgotado
(tese estagnacionista131FRQFRUGDUDPFRPRXVRGDSROtWLFDÀVFDOHPRQHWiULD
UHVWULWLYD SDUD FRPEDWHU D LQÁDomR ID]HQGR R PHVPR GLDJQyVWLFR GH LQÁDomR
SRU H[FHVVR GH GHPDQGD GRV ´PRQHWDULVWDVµ H UHWLUDQGR R IRFR GD SROtWLFD
HFRQ{PLFDGDLQGXVWULDOL]DomRHGRGHVHQYROYLPHQWRSDUDDLQÁDomR
A obra possui um objetivo político franco de contestação do Plano
Trienal e de refutação de seus alicerces teóricos, principalmente, nos aspectos
UHODFLRQDGRVDRGLDJQyVWLFRGDLQÁDomRHGDVPHGLGDVSURSRVWDVSDUDFRPEDWr
la. Para rechaçar as medidas do receituário monetarista contido no Plano Trienal, IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
elaborou uma análise complexa e original da realidade econômica brasileira
SDUD DR ÀQDO SURSRU XP SURJUDPD HFRQ{PLFR DOWHUQDWLYR TXH REMHWLYDPHQWH
não levasse o país nem à estagnação econômica nem a rupturas sociais132. Para
Rangel, a experiência econômica em países latino-americanos que adotaram a
PHVPDSROtWLFDHFRQ{PLFDSUHFRQL]DGDSHOR3ODQR7ULHQDOVHULDVXÀFLHQWHSDUD
131
Sobre as teses estagnacionistas ver: Hirschman, A. “The Political Economy of Import-Substituting
Industrialization in Latin America”.The Quarterly Journal of Economics, Vol. 82, No. 1 (Fev.,1968).
132
O Plano Trienal acabou se mostrando um fracasso.Contrariando o espírito do tempo, precipitou pelo
lado econômico pressões sociais que vieram a culminar, posteriormente, no golpe militar em 1964.
D
D 277
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
133
Segundo Rangel, “os autores do Plano Trienal não tomaram em consideração essas múltiplas inter-
-relações que fazem com que tudo dependa de tudo. Mas, embora sem retraçar a trama lógica desse
FRPSOH[tVVLPRTXDGURQmRSRGLDPLJQRUDURVHIHLWRV¿QDLVGRPRYLPHQWRVREUHRSUySULRRUoDPHQWR
UHGX]LQGRDUHFHLWDHWHQGHQGRSDUDRDXPHQWRGDGHVSHVDHGRGp¿FLW3DUDWDQWRQmRID]IDOWDQHQKXPD
análise econômica profunda, porque isso pode ser constatado empiricamente: foi o que aconteceu em
WRGDSDUWHRQGHVHDSOLFRXHVVDSROtWLFDHFRQ{PLFDH¿QDQFHLUD´5DQJHO>@
134
(P,QWURGXomRDRGHVHQYROYLPHQWRHFRQ{PLFREUDVLOHLURGH5DQJHOGHWDOKDFRPRRSURFHVVR
de substituição de importações evoluiu ao longo de seus diversos ciclos na história brasileira.
135
Esse processo, na obra de Rangel, representa um dos mecanismos da sua teoria da dualidade. As
dualidades interior/exterior, arcaico/moderno, campo/cidade, correspondem a uma estrutura dual básica
na qual se sucedem os esquemas duais de pacto de poder dependente do desenvolvimento das forças
SURGXWLYDVFODVVL¿FDGRVVHJXQGRDWD[RQRPLDPDU[LVWDGDVIDVHVGRFDSLWDOLVPRWHQGRFRPRPRWRUR
capitalismo, no “estado da arte”, dos países centrais.
D
D 278
constituído pela burguesia industrial nascente e o latifúndio feudal137.
A crise havia deixado um enorme problema para ser resolvido. Na década
GHDHVWUXWXUDGHPRJUiÀFDEUDVLOHLUDWLQKDGLVWULEXLomRLQYHUVDGDDWXDO$
GLVWULEXLomRGDSRSXODomREUDVLOHLUDHQWUHFDPSRHFLGDGHLQYHUWHXVHHQWUH
H$FULVHGHIRLXPFKRTXHTXHGHÁDJURXDGLVVROXomRGRFRPSOH[R
rural brasileiro carregado de capacidade ociosa, na forma conjugada de uma
superprodução agrícola e de uma superpopulação rural.
Segundo Rangel, o fato da industrialização brasileira não ter sido precedido
por um processo de reforma agrária gerou graves desequilíbrios estruturais e um
alto custo econômico para o desenvolvimento brasileiro. O grande contingente
de mão de obra originado do complexo rural em dissolução, migrou em direção
aos centros urbanos, em busca de empregos na indústria (e serviços), e criou um
grande desequilíbrio no mercado de trabalho que estava se institucionalizando
em bases capitalistas. O desemprego criado nas cidades, pelo excesso de mão
de obra, contribuía para a redução do poder de barganha dos trabalhadores138,
levando ao quadro de achatamento dos salários.
Como o fundo de salários constitui a base do consumo agregado, a
depressão dos salários tornou o mercado consumidor doméstico reduzido e
inadequado face à capacidade produtiva que estava sendo criada ao longo do
processo de industrialização por substituição de importações, elevando os custos
XQLWiULRVHH[HUFHQGRSUHVVmRLQÁDFLRQiULDVREUHRVSUHoRVGRVEHQVHVHUYLoRV
136
O conceito de feudalismo usado por Rangel está relacionado à forma dominante de propriedade e das
relações de produção existentes no meio rural brasileiro após a abolição da escravatura. O controle da
riqueza, da mão de obra e dos recursos produtivos passa a ser determinado pela propriedade da terra, e
não mais pela posse de escravos. A analogia entre o instituto jurídico determinante do feudalismo clás-
sico e do feudalismo no Brasil é ponderado pela própria dualidade de Rangel, no sentido de que o Brasil
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
é um país que se constrói sobre estruturas duais, ao mesmo tempo em que predominavam no complexo
rural brasileiro instituições características do feudalismo, nos centros urbanos brasileiros, e em nossas
relações exteriores, predominavam formas econômicas urbanas e capitalistas.
137
No esquema rangeliano, o latifúndio feudal foi o sócio menor no pacto de poder da República Velha
que tinha como sócio maior o capitalismo comercial, ligado aos interesses do comércio exterior. A partir
de 30, o latifúndio feudal foi elevado à posição de sócio maior no novo pacto de poder, encarnado na
¿JXUDGRODWLIXQGLiULRJD~FKR*HW~OLR9DUJDV
138
Pelo reduzido poder de barganha dos trabalhadores, os aumentos de produtividade do trabalho não
eram traduzidos em aumentos de salários.
139
O custo de oportunidade do trabalhador rural brasileiro migrar para as cidades era muito baixo nas
condições de dissolução do complexo rural, porque as condições de vida eram muito precárias e a pro-
dutividade do trabalho no campo muito baixa.
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
140
A taxa de exploração do sistema, que corresponde à razão entre lucros e salários pagos pela economia
num determinado período, equivale ao conceito de distribuição funcional da renda.
141
“Para que o Brasil pudesse fugir ao império dessa lei, que exige que sua economia se expanda a ritmo
crescente, como alternativa à depressão, seria mister alterar o esquema fundamental de distribuição de
sua renda. Em última instância, seria necessário aumentar o poder de barganha das massas trabalhadoras,
D¿PGHTXHRVDOiULRFRUUHVSRQGHVVHDXPDSDUFHODPDLRUGDUHQGDQDFLRQDO´5DQJHO>@
D
D 280
$FULVHHFRQ{PLFDGRLQtFLRGRVDQRVHUDHPSDUWHFRQVHTXrQFLDGHXPD
LQGHÀQLomRSROtWLFDVREUHRUXPRDVHJXLU5DQJHODFUHGLWDYDTXHGDGRRJUDX
de maturidade do problema, cuja raiz residia em sua estrutura socioeconômica,
a solução mais pragmática consistia em planejar os investimentos, que
promoveriam o próximo ciclo de crescimento econômico, retirando a economia
de sua tendência à depressão.
(P VXD REUD GH 5DQJHO SURS{V TXH R SUy[LPR SURJUDPD GH
investimentos ocorresse no setor de serviços de utilidade pública, basicamente
infraestrutura. O setor escolhido para ser o novo campo de oportunidade para
os investimentos era um grave ponto de estrangulamento causando prejuízos e
perda de produtividade (até hoje).
Da perspectiva do planejador, Rangel havia proposto uma direção pelo
lado dos usos, mas cumprida essa etapa restava equacionar o problema das
IRQWHV3DUD5DQJHORSUREOHPDGRÀQDQFLDPHQWRUHVLGLDHPRUJDQL]DURVPHLRV
de canalizar os recursos acumulados nos setores com capacidade ociosa142 para
os setores que constituem os gargalos ou pontos de estrangulamento. Segundo
Rangel, historicamente, cada etapa do processo de substituição de importações
costumava ser precedida por mudanças institucionais que tinham por objetivo
YLDELOL]DURÀQDQFLDPHQWRHDHVWUXWXUDomRGDVJDUDQWLDVVHMDMXULGLFDPHQWHRX
administrativamente.
Para viabilizar a montagem da indústria leve, o controle cambial e as
taxas múltiplas de câmbio permitiram baratear as importações de máquinas e
equipamentos destinadas às indústrias de bens de consumo não durável. Rangel
considerava a correção monetária uma inovação institucional que viabilizou a
HVWUXWXUDomRGDVJDUDQWLDVDRVÀQDQFLDPHQWRVDRVVHWRUHVGHEHQVGHFRQVXPR
duráveis e construções residenciais, os motores do crescimento no período do IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
milagre econômico brasileiro.
Rangel esquematiza as mudanças institucionais e jurídicas necessárias
SDUDYLDELOL]DURÀQDQFLDPHQWRGRVLQYHVWLPHQWRVHDRSURSRUTXHDERODGDYH]
dos investimentos fosse o setor de serviços de utilidade pública, se incumbe
WDPEpP HP VXD PLVVmR GH SODQHMDGRU GD UHÁH[mR VREUH FRPR RUJDQL]DU
D IRUPD SUySULD SDUD R ÀQDQFLDPHQWR GHVVHV LQYHVWLPHQWRV H TXH PXGDQoDV
institucionais seriam necessárias.
142
O conceito de capacidade ociosa em Rangel é amplo e representa todos os recursos econômicos dis-
poníveis, sejam os contabilizados como imobilizado das empresas, mão de obra ou os recursos líquidos,
que não estejam ativos produtivamente ou aplicados operacionalmente. O conceito de capacidade ociosa
RIHUHFHDPHGLGDSDUDDTXDQWLGDGHGHGHVSHUGtFLRHFRQ{PLFRH[LVWHQWHVLJQL¿FDQmRID]HURXVRSUR-
dutivo dos recursos econômicos disponíveis levando a um estado geral de menor bem estar econômico.
D
D 281
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
(P5DQJHOGHIHQGHXTXHRIXWXURGRGHVHQYROYLPHQWREUDVLOHLUR
passaria pelo desenvolvimento e estruturação do mercado de capitais, que fosse
FDSD]GHRUGHQDURÁX[RGHFDSLWDLVGRVVHWRUHVFRPDF~PXORGHFDSDFLGDGH
ociosa para os setores que representariam as novas oportunidades de
investimento.
A estrutura rangeliana de polos sistêmicos, passivo e ativo, sendo o
primeiro, o local de acumulação de capacidade ociosa, e o segundo, onde se
encontram as oportunidades rentáveis de investimento, constitui uma ferramenta
de análise aplicada por Rangel ao processo de industrialização, seja em suas
etapas sequenciais internas (ou ciclos) de substituição de importações143, seja
na realocação de recursos campoindústria ocorrida, a partir da crise dos anos
30, decorrente da ruptura do complexo rural brasileiro.
No auge da crise dos anos 30, o país estava diante de um quadro em
que havia de um lado um setor carregado de capacidade ociosa (polo passivo), e
de outro, um setor que prometia ser capaz de absorver essa capacidade ociosa
(naquelas circunstâncias, majoritariamente constituída por mão de obra), e ser
um novo campo de oportunidades para aplicação do capital em investimentos
mais rentáveis (polo ativo). A indústria representou para o capital nacional, a
abertura de novos campos para aplicação, e assim, a industrialização brasileira
se tornou assunto de Estado144, passando a ser objeto de uma política industrial
HIHWLYDFRPDÀQDOLGDGHGHFULDUXPDHVWUXWXUDSURGXWLYDLQGXVWULDOPRGHUQDH
urbanizar o país.
3DUD 5DQJHO D LQGHÀQLomR SROtWLFD EUDVLOHLUD VREUH R UXPR HFRQ{PLFR
GR SDtV QR LQtFLR GRV DQRV H PDLV FRQFUHWDPHQWH D LQGHÀQLomR VREUH RV
LQYHVWLPHQWRVTXHGHYHULDPVHUUHDOL]DGRVFURQLÀFDYDPRSUREOHPDLQÁDFLRQiULR
brasileiro. Face à tendência da economia brasileira para a depressão, Rangel
VXVWHQWDUi D WHVH GH TXH D LQÁDomR EUDVLOHLUD DSDUHFLD FRPR XP PHFDQLVPR
KHWHURGR[R PDV HÀFD] TXH HUD FDSD] GH VXVWHQWDU D UHQGD UHDO H LPSHGLU D
recessão.
143
O processo de industrialização por substituição de importações ocorre em etapas, as próximas etapas
tornam-se os novos campos para investimento e os últimos setores instalados o lócus onde se acumula
a capacidade ociosa.
144
2LQYHVWLPHQWRQDLPSODQWDomRGHXPSDUTXHLQGXVWULDOQDFLRQDOGLYHUVL¿FDGRQDVFRQGLo}HVGH
LQG~VWULDQDVFHQWHHGRHVWDGRGDVDUWHVLQGXVWULDLVGRVpFXOR;;UHTXHUHXQmRDSHQDVLQYHVWLPHQWRV
GLUHWRV SRU SDUWH GR (VWDGR FRPR XPD PDFURHFRQRPLD HVSHFt¿FD YROWDGD SDUD D LQGXVWULDOL]DomR 2
desenvolvimento industrial, o motor do desenvolvimento econômico nacional, era o centro de todas as
preocupações. Industrializar era a meta a alcançar e as demais variáveis desempenhavam papel secun-
dário. O pacto de poder formado nos anos 30, cujo um dos sócios era a burguesia industrial, sustentava
politicamente o modelo macroeconômico.
D
D 282
Em condições macroeconômicas onde prevaleciam taxas reais de juros
negativas145, os agentes econômicos fugiam da moeda correndo para os bens
SDUDVHSURWHJHUHPGDHURVmRLQÁDFLRQiULDRQGHSXGHVVHPSUHVHUYDURYDORUGH
sua riqueza ou evitar o máximo possível de perdas. Em nível macroeconômico,
Rangel chama esse movimento de fuga da moeda de depressão da preferência
pela liquidez do sistema.
Os agentes econômicos não tendo como manter sua poupança em caixa
RX HP DSOLFDo}HV ÀQDQFHLUDV TXH SRVVXtDP WD[DV GH MXURV UHDLV QHJDWLYDV
buscavam imobilizar esses recursos em partes do ativo menos suscetíveis a
HURVmRLQÁDFLRQiULD2XVHMDDLQÁDomRQHVVDVFRQGLo}HVOHYDYDDXPDGHPDQGD
SRU EHQV TXH VHUYLVVHP GH SURWHomR FRQWUD D LQÁDomR 5DQJHO GHQRPLQRX D
GHPDQGDLQGX]LGDSHODLQÁDomRGHLPRELOL]Do}HVTXHLQFOXLGHPDQGDSRUEHQV
TXHWHQKDPDSURSULHGDGHGHVHUYLUHPGHSURWHomRFRQWUDDHURVmRLQÁDFLRQiULD
FRPRUHVHUYDGHYDORUH´HVWDFLRQDPHQWRµSDUDDULTXH]DVHQGRQRPLQDOPHQWH
FRUULJLGDVSHODLQÁDomR.
5DQJHODUJXPHQWDTXHSRUWHUVHLQVWLWXFLRQDOL]DGRDLQÁDomREUDVLOHLUD
HUDFDSD]GHJHUDUH[SHFWDWLYDVREUHDWD[DIXWXUDGHLQÁDomRRXVHMDDLQÁDomR
HUDDQWHFLSDGDHSRUPHLRGDH[SHFWDWLYDLQGX]LDÀUPHPHQWHDVGHFLV}HVGH
LPRELOL]DomR(VVHIRLRPHFDQLVPRSHORTXDODLQÁDomRFRQWULEXLXSDUDDUHGXomR
da preferência pela liquidez do sistema, induzindo as imobilizações, ou seja, a
SURFXUDSRUEHQVPRWLYDGDSHODLQÁDomRWLQKDSRUÀQDOLGDGHGHIHQGHURYDORUGD
riqueza. É por meio da taxa de imobilização do sistema que Rangel estabelece
D HQJUHQDJHP SHODTXDOD LQÁDomRSURGX]HIHLWR VREUH D UHQGDUHDO$ PRHGD
perde a sua função de reserva de valor, e em condições de taxas de juros reais
negativas, as imobilizações em ativos reais, ganham importância nas decisões
ÀQDQFHLUDVGDVHPSUHVDVHIDPtOLDV IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
Dessa forma, a sustentação da taxa de imobilização provocada pela
LQÁDomRFXPSUHDIXQomRGHVXVWHQWDUDGHPDQGDUHDOHDUHQGDUHDODWXDQGR
como uma força contrária à tendência à depressão da economia brasileira147. A
demonstração desse mecanismo é a grande contribuição teórica da obra de Rangel.
145
$WD[DGHLQÀDomRHUDPDLRUTXHDVWD[DVGHMXURVQRPLQDLV$OHLGDXVXUDHVWDEHOHFLDHPDD
o teto da taxa de juros.
146
Rangel considerava as imobilizações tanto no âmbito das empresas como no das famílias. Nas em-
presas demandavam-se bens de capital e bens intermediários e nas famílias bens de consumo duráveis.
147
“Nestas condições a economia é particularmente sensível às variações da taxa de imobilização. A
LQÀDomRHPHUJHFRPRXPUHFXUVRKHWHURGR[RPDVH¿FD]SDUDPDQWHUHOHYDGDDWD[DGHLPRELOL]DomR
TXDQGRHVWDPDQLIHVWDWHQGrQFLDGHFOLQDU´5DQJHO>@
D
D 283
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
148
“Com efeito, se sobem os preços, é razoável esperar que subam também os valores nominais dos
ativos imobilizados em cuja compra se aplicam os excedentes da mais valia (...) mesmo nos casos em
TXHD³YDORUL]DomR´VHMDLQIHULRUjWD[DGHHOHYDomRGRVSUHoRVHODVLJQL¿FDUiTXHRSUHMXt]RIRLPL-
nimizado, que não foi tão grande quanto o teria sido se o inversionista houvesse ‘preferido a liquidez”
5DQJHO>@
149
P.Y = M.V, onde P são preços, Y, renda real, M, quantidade de moeda e V, velocidade de circulação
da moeda.
D
D 284
$VVXPHFRPRSUHPLVVDDLGHLDGRVHVWUXWXUDOLVWDVGHTXHDLQÁDomRpHQGyJHQD
ou seja, a elevação de preços corresponde à decisão autônoma dos agentes
econômicos, tomada no âmbito de suas atividades, e, nas circunstâncias do
ambiente econômico em que se encontram. Ao invés do aumento da quantidade
GHPRHGDHPFLUFXODomRSURYRFDUDXWRPDWLFDPHQWHLQÁDomRFRPRQDKLSyWHVH
PRQHWDULVWDGHSURGXWRHPSOHQRHPSUHJRpDLQÁDomRTXHOHYDDRDXPHQWRGD
quantidade de moeda150. Nesse sentido, o aumento da quantidade de moeda é
IXQomRGDLQÁDomR
(PUHODomRjUHQGDUHDO<5DQJHOUHMHLWDDSUHPLVVDGHUHQGDUHDOÀ[DGD
em nível de pleno emprego e assume que os fatores de produção estão sujeitos
a dinâmica da capacidade ociosa, variável dependente do ciclo. Sob as novas
premissas estabelecidas por Rangel, a equação de trocas leva a resultado
distinto. Primeiro, os preços sobem, autonomamente, no bojo da economia,
o que torna a equação de trocas, imediatamente, uma inequação, sendo P’.Y
>M.V (sendo P’ o nível de preços elevado após a contabilização de um período
LQÁDFLRQiULR5DQJHODÀUPDTXHRUHFHLWXiULRPRQHWDULVWDGHFRPEDWHjLQÁDomR
prevê que se a quantidade de moeda M não for aumentada, os preços voltariam
ao nível anterior, restabelecendo novamente a equação.
Rangel demonstra que se a quantidade de moeda não for aumentada a
igualdade da equação de trocas poderia ser igualmente restabelecida por uma
redução de Y, sendo P’.Y’ = M.V, onde Y’ é o produto reduzido após o ajuste
hipotético que poderia fazer a inequação voltar à equação. Segundo Rangel, os
preços poderiam se elevar num setor e a redução da renda ocorrer em outro;
o setor agrícola era seu ponto de partida teórico para analisar a elevação de
preços que teria como consequência a redução da renda no setor industrial.
Rangel considerava haver uma anomalia de mercado no mecanismo IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
de formação dos preços agrícolas que era responsável por uma pressão
LQÁDFLRQiULD GH IXQGR WUDQVPLWLGD SDUD WRGD D HFRQRPLD &RPR LQWHUPHGLiULR
entre os produtores rurais e os mercados consumidores urbanos, as empresas
comercializadoras de produtos agrícolas atuavam como um oligopsônio face
aos produtores rurais e como um oligopólio face aos consumidores151. Eles
deprimiam os preços aos produtores e elevavam os preços aos consumidores,
elevando a sua margem até onde o mercado fosse capaz de suportar; por um
150
Pela teoria quantitativa da moeda ortodoxa, em que se considera o pleno emprego, o aumento da
TXDQWLGDGHGHPRHGDQmRWUD]QHQKXPDXPHQWRUHDOGHUHQGDDSHQDVLQÀDomR
151
Rangel dizia que eram, simultaneamente, um oligopólio e um oligopsônio, que atuavam como se
monopólio e monopsônio fossem.
D
D 285
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
152
A descrição de Rangel sobre o modus operandi do setor comercializador de produtos agrícolas se
aproxima muito do conceito de Sabotage, desenvolvido pelo economista americano Thorstein Veblen
em seu livro The engineers and the price system. Em Veblen, o conceito de Sabotage é muito mais
FRPSOH[RVHQGRTXHDSUySULDLQÀDomRpXPDIRUPDGHSabotage. O sistema industrial contemporâneo,
nos países centrais, atingiu uma capacidade produtiva acima da capacidade de absorção do mercado, o
que levou a consolidação de empresas e o controle da produção por oligopólios. A Sabotage, por um
lado, reduz a oferta (causando aumento dos custos unitários) e, por outro, cobra o preço que o mercado
é capaz de suportar, buscando permanentemente colocar os produtos ao nível de preço mais caro pos-
sível e criando uma pressão para a elevação de preços. Os atacadistas agiam como prediz o conceito
de Sabotage, UHGX]LDPFRQVFLHQWHPHQWHDH¿FLrQFLDSURGXWLYDGDDJULFXOWXUDUHVWULQJLQGRDRIHUWDDR
deprimirem os preços aos produtores rurais não criavam incentivo para o aumento da produtividade) e,
DRPHVPRWHPSRHUDPXPIRFRLQÀDFLRQiULRGHVWDFDGRQRHVTXHPDWHyULFRGH5DQJHOFRPRVHXSRQWR
de partida lógico, pelo alto peso que os produtos agrícolas, em especial os alimentos, representava na
cesta de consumo de parcela majoritária da população.
153
)D]HQGRXVRGDHTXDomRGHWURFDV5DQJHOYHUL¿FDTXHRVSUHoRVVREHPQXPVHWRUHDUHGXomRGDUHQ-
da real se dá em outro setor, levando a um aumento do nível geral de preços P, e à redução de Y, podendo
DHFRQRPLDVHPDQWHUQXPQtYHOFRPPDLVLQÀDomRHUHQGDUHDOPHQRU3DUDTXHDUHQGDUHDO<YROWDVVH
a seu nível anterior, assumindo que a velocidade de circulação da moeda é constante no curtoprazo, M
precisaria se elevar, isto é, fazia-se necessário aumentar a quantidade de moeda.
154
Para Rangel, o mecanismo de reajuste salarial, institucionalizado pela legislação trabalhista cumpria
XPSDSHOHVVHQFLDOQDPHFkQLFDLQÀDFLRQiULDEUDVLOHLUD
D
D
Nas palavras de Rangel: “a elevação dos preços, começando no setor
de bens agrícolas, deprime a renda real do público consumidor e, através do
mecanismo das elasticidadesrenda da demanda, provoca o aparecimento
de estoques noutros setores, nas empresas produtoras de bens de elevada
HODVWLFLGDGHUHQGDGDGHPDQGDURPSHQGRVHXHTXLOtEULRHFRQ{PLFRÀQDQFHLUR
fazendo crescer o realizável (estoques), a custa do disponível, levando-as a
pressionar, através do sistema bancário, o poder emissor, isto é, o Estado. O
restabelecimento do disponível das empresas não resolve todo o seu problema,
porque os estoques persistem e o resgate dos seus compromissos com os bancos
H[LJLUiDOLTXLGDomRGHVVHVHVWRTXHV3DUDUHVROYHUGHÀQLWLYDPHQWHRSUREOHPD
é indispensável que se restabeleça a renda real dos consumidores – dentre
RV TXDLV VH GHVWDFDP RV WUDEDOKDGRUHV ² H LVVR GDGD D LQÁDomR VRPHQWH p
SRVVtYHOVHVHHOHYDDUHQGDQRPLQDOµ5DQJHO>@
1R HVTXHPD WHyULFR GHVFULWR DFLPD 5DQJHO HVWDEHOHFH D LQÁDomR GRV
produtos agrícolas como ponto de partida teórico de sua análise, embora existissem
RXWUDVHVWUXWXUDVHIDWRUHVTXHWDPEpPJHUDYDPLQÁDomRRXFRQWULEXtDPSDUD
a sua transmissão via custos ou recomposição de perdas. Rangel destaca como
IDWRUHVFDXVDGRUHVGHLQÁDomRDOpPGRPHFDQLVPRDQ{PDORGHIRUPDomRGH
preços dos produtos agrícolas pela sabotagem do aparelho comercializador;
a estrutura precocemente oligopolizada da indústria brasileira; do ponto de
YLVWD UHJXODWyULR R PHFDQLVPR ´IURX[Rµ GH UHDMXVWH GDV WDULIDV GRV VHUYLoRV
de utilidade pública (preços administrados); as desvalorizações cambiais e os
reajustes salariais.
3RU ÀP D WUDJpGLD LQÁDFLRQiULD EUDVLOHLUD VHJXQGR 5DQJHO YDL
GHVHPERFDUQRRUoDPHQWRGD8QLmRRQGHpHQFHQDGRVHX~OWLPRDWR$LQÁDomR
uma vez institucionalizada, deve estar prevista no orçamento da União, levando IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
consequentemente à emissão de moeda. Rangel coloca o orçamento da União
FRPR R ´SRQWR GH FKHJDGDµ GD LQÁDomR H QmR VHX ´SRQWR GH SDUWLGDµ FRPR
ID]HPRV´PRQHWDULVWDVµ
1XPD UHFRQVWLWXLomR GH ´WUiV SUD IUHQWHµ D LQÁDomR EUDVLOHLUD VHJXLULD
a seguinte lógica, segundo Rangel: “a emissão é necessária, nas presentes
condições brasileiras, para que os preços subam; a elevação dos preços
é necessária, para que se deprima a preferência pela liquidez do sistema;
a depressão da preferência pela liquidez é necessária, para que a taxa de
imobilização do sistema se mantenha; a sustentação da taxa de imobilização
é necessária, para que o nível geral da atividade econômica se sustente, por
sua vez, contrariando a tendência para a depressão implícita na crescente
DFXPXODomRGHFDSDFLGDGHRFLRVDµ5DQJHO>@
D
D 287
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
155
$RWHRUL]DUXPDFRUUHODomRQHJDWLYDHQWUHLQÀDomRHFUHVFLPHQWR5DQJHOSUHYLXR³PLODJUH´HFRQ{-
mico brasileiro. O termo milagre econômico, cunhado para se referir ao período econômico brasileiro
entre 1968 e 1972, expressa exatamente o aparente paradoxo entre o rápido crescimento e a tendência
GHTXHGDGDLQÀDomRREVHUYDGRVQRSHUtRGR2FRPSRUWDPHQWRGDLQÀDomRQRVDQRVWDPEpPVHJXLX
RPHVPRSDGUmRHPTXHDHVWDJQDomRGRSHUtRGRIRLDFRPSDQKDGDGHXPSURFHVVRKLSHULQÀDFLRQiULR
D
D 288
UHYROXomRGHHDLQGDQmRFRQFOXtGRQRVDQRVVHULDFRUULJLGRSHODSUySULD
FRQWLQXLGDGH GR SURFHVVR FRPR RV ´HVWUXWXUDOLVWDVµ SHQVDYDP HP UHODomR j
LQÁDomRQRVDQRV$IpGH5DQJHOQRGHVHQYROYLPHQWREUDVLOHLURSRGHULDVHU
resumida na seguinte passagem de sua obra: “quem ainda não sabe que o Brasil
é useiro e vezeiro em acertar por equívoco, não sabe da missa a metade. Se
estivermos certos no fundamental – ou seja, se acreditarmos no país – iremos
corrigindo os erros FXUUHQWHFDODPRµ5DQJHO>@
Conclusão
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
HVVHSURFHVVRHVWDYDEDVHDGRHPPLQLPL]DomRGHSHUGDVDSHQDVXPDLQÁDomR
cada vez maior poderia compensar imobilizações com rentabilidade cada vez
mais negativas.
2ÀPGDPDFURHFRQRPLDGDLQGXVWULDOL]DomRQR%UDVLOIRLGHÁDJUDGDSHOD
crise da dívida externa no início dos anos 80 e sua dissolução levou cerca de
10 anos até a implantação do Plano Real, que consolidou o novo arcabouço
macroeconômico, sustentado na abertura comercial, âncora cambial, e
posteriormente no sistema de metas, desindexação, taxas de juros reais positivas
(e elevadas), privatização, entrada de capital estrangeiro, criação das agências
reguladoras condizentes com o novo papel governamental do Estadoregulador.
A nova macroeconomia aboliu a política econômica anterior pondo no
OXJDUXPDPDFURHFRQRPLDYROWDGDSDUDDHVWDELOLGDGHHRFRQWUROHGDLQÁDomR
A crise dos anos 80 engendrou a formação e consolidação de um novo pacto
GHSRGHUÀUPDGRHQWUHRFDSLWDOÀQDQFHLURHRQRYRODWLI~QGLRFDSLWDOLVWDTXHD
SDUWLUGRLQLFLRGDGpFDGDGHSDVVRXDDYDOL]DUDQRYDSROtWLFDHFRQ{PLFD
GRXWULQDULDPHQWHÀOLDGDDRFRQVHQVRGH:DVKLQJWRQHTXHWURX[HQRYDVIRUPDV
de acumulação para a classe dominante brasileira, mediante estratégias de
arbitragem de juros e cambio, gerando aplicações com retornos extraordinários,
sustentada no alto diferencial entre taxa de juros interna e externa e cambio
valorizado157.
As condições da economia brasileira se alteraram radicalmente com
a transição da macroeconomia da industrialização para a macroeconomia da
LQÁDomR $ PHFkQLFD GD LQÁDomR FRPR DQDOLVDGD HP $ LQÁDomR EUDVLOHLUD QmR
poderia suceder no ambiente macroeconômico pós-real em que as taxas de juros
reais são positivas e elevadas, anulando a engrenagem das imobilizações.
O processo de desenvolvimento econômico brasileiro legou um país
FRPSOHWDPHQWH GLIHUHQWH GR %UDVLOID]HQGD GH 2 SURFHVVR GH WUDQVLomR
GHPRJUiÀFD RFRUULGR D SDUWLU GRV DQRV PRGLÀFD D HVWUXWXUD GD HFRQRPLD
causando impactos no mercado de trabalho, por exemplo, com efeitos sobre o
esquema de distribuição de renda.
(PERUD SRVVXD FRQWULEXLo}HV WHyULFDV RULJLQDLV $ LQÁDomR EUDVLOHLUD p
essencialmente uma obra com um objetivo político. Ao demonstrar os equívocos
teóricos que fundamentavam o diagnostico do Plano Trienal sobre o problema
156
$SDUWLUGHDkQFRUDIRLVXEVWLWXtGDSHORVLVWHPDGHPHWDVFRPFDPELRÀH[tYHO
157
Incluindo-se na conta a “farra do boi” das privatizações brasileiras, a rentabilidade supramencionada
seria mais que extraordinária.
D
D
GDLQÁDomR5DQJHOGHVHQYROYHXFRQFHLWRVRULJLQDLVHIH]DERUGDJHQVLQRYDGRUDV
sobre a estrutura e funcionamento da economia brasileira. Por essa obra,
Rangel poderia ser considerado o mais heterodoxo dos economistas brasileiros.
2 FRQKHFLPHQWR GDV HVSHFLÀFLGDGHV GD HFRQRPLD EUDVLOHLUD TXH OKH SHUPLWLX
refutar tão categoricamente premissas e proposições oriundas da ciência
econômica tradicional somente poderia vir de alguém que ocupou posições
de observação privilegiada da economia brasileira por um longo período. E a
FRUDJHPSDUDVXVWHQWDULQGHSHQGHQWHPHQWHXPD´KHUHVLDµVRPHQWHSRGHULD
vir de alguém profundamente comprometido com o desenvolvimento do país.
5HIHUrQFLD
D
D
IGNACIO RANGEL, decifrador do Brasil
5DQJHOHD*HRJUDÀDDOJXPDV
considerações
-RVp0HVVLDV%DVWRV