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MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia

ISSN 2318-0811
Volume III, Número 1 (Edição 5) Janeiro-Junho 2015: 301-303

Dos Protoaustríacos a Menger: Uma breve história


das origens da Escola Austríaca de Economia
Ubiratan Jorge Iorio
São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2015. (594 páginas)
ISBN: 978-85-8119-090-7

E
scrito por Ubiratan Jorge Iorio , pro- faz por exemplo o empreendedor de Israel
fessor de Economia da UERJ e diretor Kirzner2.
acadêmico do Instituto Mises Brasil, O livro está dividido essencialmente em
Dos Protoaustríacos a Menger: Uma breve his- 12 capítulos, cada um tratando de um econo-
tória das origens da Escola Austríaca de Eco- mista, sendo a exceção o primeiro capítulo,
nomia propõe uma apresentação de vários que procura fazer um resumo breve da tradi-
economistas que de alguma forma contri- ção do pensamento econômico dos Pós-Esco-
buíram para a formação do pensamento lásticos, em particular a Escola de Salamanca
característico da Escola Austríaca de Eco- e o polêmico Juan de Mariana, S.J. (1536-1624)
nomia, selecionados com base nos critérios – que já teria valido a pena ser incluído so-
adotados pelo autor para definir esse pensa- mente por sua história de vida. O livro não
mento, em resumo a seguinte tríade básica1: pretende em nenhum tratamento dos eco-
1) Ação Humana, conforme definida pelo nomistas selecionados ser exaustivo, porém
primeiro axioma da Praxeologia, isto é, que apresenta ao final diversas referências biblio-
um ser humano age por querer passar de gráficas para o leitor interessado se aprofun-
um estado de satisfação menor para outro dar no pensamento de algum autor em parti-
de satisfação maior. 2) Tempo Subjetivo ou cular. Isso, aliado ao texto de linguagem fácil,
Dinâmico, ou seja, que o tempo é um flu- acadêmico sem ser academicista, que foge de
xo contínuo de novas experiências, sempre jargões e tiques de linguagem comuns a pu-
alterando de maneira dinâmica a situação blicações do gênero, torna a obra um excelen-
presente, o que implica em um processo de te ponto de partida para o neófito interessado
mercado para o qual as ações e planejamen- em saber mais sobre a história do pensamento
tos estão em constante mudança. 3) Conhe- econômico sobre um ponto de vista austríaco.
cimento Humano Limitado, o que implica Além disso, pelo objetivo da publica-
dizer que ação humana gera efeitos imprevi- ção, se nota uma escolha não-ortodoxa de
síveis e incalculáveis para a mente humana. autores aos quais serão dedicados os capítu-
Isso aliado a dispersão do conhecimento na los do livro. O décimo capítulo é dedicado ao
sociedade descrita por Friedrich A. Hayek primeiro formulador da teoria da utilidade
(1899-1992) em The Use of Knowledge in So- marginal, Herman Heinrich Gossen (1810-
ciety leva a noção do processo de mercado 1858) e Gustave de Molinari (1819-1912), o pai
como um de descoberta contínua de novas do anarquismo de mercado, aparece como
maneiras de organizar conhecimento, como tema do décimo primeiro capítulo. Estes são
nomes raros em publicações voltadas a his-
1
Para mais informações, ver: IORIO, Ubiratan Jorge.
Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca 2
Ver GIANTURCO, Adriano. O Empreendedorismo
de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises de Israel Kirzner. São Paulo: Instituto Ludwig von
Brasil, 2011. Mises Brasil, 2014.
Dos Protoaustríacos a Menger: Uma breve história das origens da Escola Austríaca de Economia
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tória do pensamento econômico, e são prati- própria demanda”. Na verdade, como o pro-
camente desconhecidos pela grande maioria fessor esclarece, Say queria dizer que, como
dos economistas. Dessa maneira, o livro tam- produtores são compradores em outros mer-
bém pode ser uma descoberta para os leito- cados, a venda de um produto em um merca-
res acostumados com versões mais ortodo- do gera uma renda que potencialmente será
xas da evolução do pensamento econômico, gasta em outro mercado com a compra de ou-
geralmente centradas na tríade Adam Smith tro produto, ou como está no livro de maneira
(1723-1790)-David Ricardo (1772-1823)-Karl sucinta: “Em suma, eis a Lei de Say: a oferta (ven-
Marx (1818-1883) e terminando em John May- da) de X cria a demanda por (pela compra de) Y”.
nard Keynes (1883-1946), como o famoso The Já com relação a Bastiat, há mais uma vez
Worldly Philosophers: The Lives, Times and Ide- uma convergência com Rothbard em afirmar
as of the Great Economic Thinkers de Robert L. sua importância na tradição da Escola Austrí-
Heilbroner (1919-2005). aca e na defesa do laissez-faire, exemplificada
Vale notar o diálogo constante que a em textos geniais como “Pétition des fabricants
obra faz com a referência padrão em história de chandelles, bougies, lampes, chandeliers, réver-
do pensamento econômico para austríacos, o bères, mouchettes, éteignoirs, et des pruducteurs
não finalizado e porém clássico de Murray N. de suif, huile, résine, alcool et généralement de
Rothbard (1926-1995), An Austrian Perspective tout ce qui concerne l’éclairag”, o capítulo sete
on the History of Economic Thought. Em vários de Les Sophismes Économiques, em que simu-
momentos essa obra é citada pelo autor dire- la uma petição ao governo de fabricantes de
tamente, e vários dos juízos adotados por Ro- lâmpadas, candelabros, entre outros produ-
thbard são em maior ou menor grau compar- tos de iluminação e combustíveis contra a
tilhados pelo autor. Um exemplo claro disso presença do sol, pois este estava atrapalhan-
está no quinto capítulo, dedicado ao grande do seus negócios. Reconhecendo Bastiat como
Richard Cantillon (c. 1680-1734). Ele é consi- um mestre expositor, é somente natural nesse
derado pelo professor Iorio – e por Rothbard capítulo que o professor deixe o próprio falar,
–, em contraste com a visão tradicional, como e o leitor encontrará nas seções 3.3 a 3.5 vários
o verdadeiro pai da ciência econômica, não aforismos brilhantes em que Bastiat explica
Adam Smith, dado que Cantillon foi escritor sua visão com relação a política, economia e
do seminal Essai sur la Nature du Commerce en engenheiros sociais. Por exemplo: “[...] Certos
Général, o primeiro tratado completo sobre homens recorrem à lei a fim de encurtar as prerro-
economia. Por outro lado deve-se destacar gativas naturais de sua liberdade perante outros
que ao contrário de Rothbard, que acusa Smi- homens. Esse tipo de pilhagem é chamado privilé-
th de ser pouco mais do que um plagiador in- gio ou monopólio”. Ou ainda: “Meu Deus! Que
veterado, o professor Ubiratan trata a figura monte de problemas para provar na economia polí-
com o tradicional respeito, e este é defendido tica que dois e dois são quatro; e se você conseguir
com muita propriedade no posfácio do livro fazer isso, as pessoas gritam: É tão claro que é cha-
pelo professor José Manuel Moreira. to. Então eles votam como se você nunca tenha lhes
Destaco aqui nessa resenha também o provado nada”.
sétimo e oitavo capítulos, o primeiro dedica- Enfim, após passar por diversos autores
do ao conhecido economista Jean-Baptiste Say – fora os já citados o livro também apresenta
(1767-1832) e o segundo a Claude Frédéric Anne Robert Jacques Turgot (1727-1781), figu-
Bastiat (1801-1850), famoso em círculos liber- ra de transição entre os Fisiocratas e a Econo-
tários pelo grande trabalho, La Loi. Quanto a mia Clássica e alguns autores fora da tradi-
Say, professor Ubiratan faz a tarefa importan- ção anglo-saxã, como o catalão Jaime Luciano
te de desmistificar a famosa “Lei de Say”, que Antonio Balmes y Urpiá (1810-1848) – o livro
em leituras keynesianas é comumente enun- termina no primeiro austríaco, Carl Menger
ciada como uma lei que diz: “A oferta cria sua (1840-1921). Possuidor de todas as três carac-
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terísticas que fazem um austríaco genuíno, werk (1851-1914) e é claro, Ludwig von Mises
reconhecido como um dos três autores prin- (1881-1973).
cipais da Revolução Marginalista, sendo os Concluindo, o livro do professor Ubi-
outros dois Léon Walras (1834-1910), o pai ratan é um trabalho importante, que pelas
da Teoria do Equilíbrio Geral e William Stan- razões já citadas ao longo do texto, merece a
ley Jevons (1835-1882), que por curiosidade, atenção do leitor interessado em saber mais
também via em Cantillon o nascimento da sobre a história do pensamento econômico e
ciência econômica. Seu “Die Grundsätze der como se deu a gênese a Escola Austríaca de
Volkswirtschaftslehre” resume em oito capítu- Economia. Publicações como essa são raras
los o que veio a ser o fundamental do pen- no mercado editorial brasileiro, e felizmente
samento austríaco, sendo essencial na for- temos agora essa obra para preencher lacu-
mação de economistas como Friedrich von nas na formação de economistas, austríacos
Wieser (1851-1926), Eugen Böhm von Ba- ou não.

Rafael Pereira Alves


Bacharelando em Ciências Econômicas no Ibmec Minas Gerais
Bacharelando em Física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
rafael060@gmail.com

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