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O ponto de partida da obra “A Era das Revoluções” de Hobsbawn é o estudo do período

compreendido entre 1789 e 1848, marcado por diversos acontecimentos sociais, políticos e
econômicos. Os principais destaques, todavia, são a a revolução industrial britânica em seus
estágios iniciais e desenvolvimento, assim como a Revolução Francesa, aos quais, o autor
nomeou com o termo a “dupla revolução”. Pontua os efeitos de tais acontecimentos e seus
reflexos no mundo contemporâneo e não apenas no tocante à França e Inglaterra apenas.

Segundo o próprio autor, o livro encontra-se, a princípio dividido em duas partes; sendo a
primeira referente ao desenvolvimento histórico do intervalo compreendido na obra e a
segunda parte a respeito da construção da sociedade a partir de tais eventos. Hobsbawn,
propõe, a partir desta obra, uma interpretação dos fatos e acontecimentos, em detrimento a
uma análise minuciosa destes. Entretanto, sublinha a importância destes mesmos eventos para
o panorama mundial da época, assim como, para o contemporâneo e suas ramificações e
extensões para a formação da modernidade e pensamento sócio-político-econômico.

A Era das Revoluções

Hobsbawn inicia sua interpretação ao apresentar o mundo da época como “maior” e “menor”,
se comparado ao atual. “Menor”, já que tanto a população, quanto a estrutura física do homem
do período era bem reduzida. Mesmo entre os homens da ciência, o conhecimento sobre o
Mundo que o cercava e a sua população era estreito. “Maior”, já que, para seus habitantes, o
Mundo era extremamente grande enquanto visto pela ótica das dificuldade nas comunicações
e a pequena (ou quase inexistente) mobilidade de seus habitantes entre suas regiões. Ou seja,
a maior parte das notícias chegavam às pessoas através dos viajantes e nômades e muito
posteriormente às suas ocorrências, dada a ausência de jornais e periódicos ou mesmo em
virtude do comum analfabetismo. Além disso, a maioria dos indivíduos, a não ser por causas
como o recrutamento militar, nasciam, viviam e morriam em seu local de nascimento.

Era um mundo rural, com raras grandes áreas “urbanas” (como Londres e Paris), permeado por
uma economia voltada ao campo. O trabalhador rural não possuía um conceito muito
diferenciado do escravo: dedicava-se ao trabalho forçado nas terras de seu senhor, submetia-
se a exploração e, em alguns casos, poderia até mesmo ser vendido.

Em vista deste quadro feudal, gradativamente desponta uma sociedade rural diferenciada em
algumas partes da Europa. A Inglaterra é o grande exemplo desta diferença, com um número
considerável de seus agricultores voltados aos empreendimentos comerciais médios, dotados
de mão-de-obra contratada.

Outro fator relevante para a implantação industrial, segundo o autor, quanto a Grã-Bretanha,
era o incentivo econômico de seu governo às atividades comerciais e manufatureiras. Não
devendo a este ponto se subestimar no período ao Iluminismo, enquanto facilitador e
incentivador da propagação do conhecimento e ao mesmo tempo, sendo fruto do progresso da
classes mercantis, economicamente progressistas e pré-industriais. Formam-se, assim,
sociedades provincianas através de homens que incentivavam ao progresso científico, político
e econômico, tendo como principais núcleos a própria Inglaterra e a França – os centros da
“dupla revolução”.

Através da ideologia propagada pelo Iluminismo, surgem os princípios universais que guiariam
a Revolução Francesa: Liberté, Egalité, Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade). Fato é,
entretanto, que este mesmo pensamento, apesar de inovador, repleto de idéias humanitárias,
de racionalidade e de progresso, ainda que indiretamente, favoreceu à consolidação do
capitalismo. Ainda que muitos pensadores iluministas estivessem ao lado dos governantes
monárquicos, em muito esta ideologia colaborou para o declínio do Antigo Regime. Desta
forma, com o desenvolvimento do capitalismo, a burguesia continuou sua ascensão econômica
na como Inglaterra e França.

Entretanto, o fator preponderante para que existisse a Revolução Industrial na Inglaterra não foi
apenas a presença de pensamentos inovadores ou mesmo do avanço científico e tecnológico.
Na realidade, a Inglaterra dispunha de uma estrutura político-econômica anterior que já
favorecia às atividades mercantis, assim como uma agricultura que igualmente beneficiava ao
crescimento econômico. Todavia, a verdadeira e real explosão da Revolução Industrial ocorreu
na medida em que vislumbrou-se uma possibilidade de alcançar dividendos na produção de
consumo de massa (do algodão, por exemplo), através uma tecnologia relativamente
rudimentar e pouco onerosa. Aliado a este aspecto, tais empresários descobriram o mercado
externo, como real fonte de lucro, ajustando-se plenamente às estruturas capitalistas.

Ainda que alguns percalços tenham atingido esta estrutura econômica, na visão dos
capitalistas, os problemas sociais gerados a partir da transição econômica só seriam relevantes
se quebrassem a ordem social. Assim, geraram-se novos investimentos, ainda que crescessem
as revoltas por parte da classe trabalhadora, o que facilitou o surgimento das ferrovias. Estas
possibilitaram tanto no transporte de mercadorias, quanto de pessoas e até mesmo da
comunicação, a ampliação vertiginosa da velocidade que chegavam de um ponto a outro, ainda
que distante.

Se por um lado, a economia mundial estava completamente modificada após a Revolução


Industrial inglesa, por outro, na França, a Revolução Francesa mudaria o Mundo pela sua nova
forma de conceber a política e ideologia. A crise social e econômica na França desencadeou a
oposição das classes baixas, os burgueses, os trabalhadores e os camponeses – o Terceiro
Estado. Enquanto camponeses e trabalhadores em geral consumiam-se na mais amarga
miséria, aspirando uma melhor condição de vida; a burguesia possuía uma melhor condição
social. Entretanto, a burguesia desejava uma maior participação política, além de desejar
ardentemente sua liberdade econômica.

Hobsbawn vê a Revolução Francesa como uma revolução no âmbito social, marcada pela
presença de grupos que, mesmo que semelhantes não eram idênticos – os jacobinos, os
girandinos e os sansculottes. Estes grupos possuíam concepções próprias o que, por vezes,
levou a conflitos entre estes. Nesta esteira entre conflitos, surgirá por fim a figura de Napoleão
Bonaparte como catalisador dos ideais franceses.

E não só isso, a Revolução Francesa causou a comoção estrangeira que, mesmo


posteriormente à queda de Bonaparte, não se arrefeceu. Ainda que existissem muitos grupos
que pregassem antagonismo à França, muitos outros manifestavam apoio a esta nação.
Entretanto, notadamente, os grandes inimigos da França eram os ingleses.

Os franceses eram conhecidos pela eficiência de seus exércitos, porém, não foram capazes de
fazer frente à frota marítima inglesa. Portanto, viram-se obrigados a anular a Inglaterra
economicamente, isto através do Bloqueio Continental. A França, por fim, derrotada na Rússia
viu-se vencida pela coalizão de seus inimigos e abandonada por alguns de seus defensores.
No entanto, a guerra havia mudado – política-economica e socialmente - em muito o panorama
europeu e até mundial, de forma inexorável.

Depois de aproximadamente vinte anos de guerra, a iniciativa dos governantes foi no sentido
de promover a paz, especialmente aqueles que ainda se detinham na concepção do Antigo
Regime. Mesmo a França, enquanto o lado derrotado, não sofreu sanções tão duras se
comparadas as da Alemanha durante o século 20. Os congressos foram um importante
instrumento diplomático na manutenção da paz no período pós-napoleônico, ainda que não
tenham resistido por muito tempo à crise da fome de 1816-17 e à depressão econômica.

Ainda que a “Questão Oriental” tenha amedrontado a Europa, na iminência de uma guerra
entre britânicos e russos, não desencadeou um conflito de grandes proporções ou que pudesse
ser duramente sentido como a princípio se esperava. Externamente, a Inglaterra se impunha
militarmente no período, mas a sua atuação se restringia às parcelas externas à Europa.
Sublinham-se, no período, as revoluções de ordem libertária na América espanhola e a onda
revolucionária de 1830.

O ano de 1830, além das revoluções, ficou notório também pela industrialização dos EUA e do
continente europeu, assim como pelas ondas migratórias humanas e os avanços no
pensamento humano e artes. Tão somente em 1848, a possibilidade uma guerra de grandes
proporções se fez presente, ainda que esta só viesse realmente a eclodir no século 20.

Um ponto que o autor esclarece, é que a Revolução Francesa foi um levante que serviu de
modelo aos posteriores. Os revolucionários que se sucederam demonstravam claramente o
descontentamento econômico e social dos envolvidos, antagônicos a sistemas e governantes
igualmente inadequados. Viam-se assim os revolucionários, a exemplo dos franceses em 1789,
como defensores de um povo ignorante e iludido contra um sistema ineficaz e desigual. As
revoluções de 1830, no entanto, configuraram-se como um movimento revolucionário
proletário-socialista que separou moderados de radicais e criou uma nova situação
internacional.

Ainda que os problemas da revolução fossem semelhantes na Europa, não eram iguais -
provocavam grande tensão entre os moderados e os radicais. Nos princípios democráticos
antes ventilados, tornaram-se incertos o suficiente entre ideologias e posturas diversas. Os
liberais minimizaram seus intuitos reformistas e passaram a suprimir a esquerda radical, em
especial, os revolucionários da classe operária. Visto por este ângulo, percebe-se a falta de
clareza entre radicais, republicanos e os novos movimentos proletários e os liberais. O que
ficou notório, outrossim, é o descontentamento crescente das classes desfavorecidas em toda
Europa, inclusive na Grã-Bretanha e França, marcado pelo receio que tais incutiam nos
governantes.

Desta forma, compilando todas as informações anteriores, segundo o historiador e sociólogo


Fábio Metzger, sobre as ondas de revolução citadas por Hobsbawn:

Em 1820, ocorreu a primeira onda revolucionária, com a libertação de países latino-americanos


do jugo espanhol, e revoltas na Itália, na Espanha e na Grécia. Em 1830, a segunda,
ameaçando Estados liberais moderados, com guerras civis e revoltas populares. Essa
seqüência de acontecimentos eliminou os últimos vestígios de feudalismo na Europa. E, em
1848, a terceira onda de revoluções tomou o continente como um todo, derrubando governos.
Só que nenhum dos governos rebeldes que assumiram o poder sobreviveria por muito tempo.
No fim das contas, triunfou a organizada articulação dos liberais.

Após 1830, inicia-se a desintegração do movimento revolucionário europeu em segmentos


nacionais, que dá lugar a uma mentalidade voltada a fraternidade totalizante e a liberdade
mútua. Estes novos movimentos mais uma vez configuravam-se como consequência da
“revolução dupla”, envolvendo, a partir de então, os proprietários menores ou pequena nobreza
inferior. Surge, assim, uma classe média que conta com o apoio dos intelectuais profissionais
que, por sua vez, emerge em conjunto ao progresso das escolas e universidades. Tal
acontecimento, insuflou ao aumento notável do número de pessoas instruídas e no
consequente avanço científico.

Outros movimentos que também merecem destaque, segundo Hobsbawn, são aqueles
referentes às revoltas populares contra o domínio estrangeiro, embora não possam ser
classificados como nacionalistas modernos. Entretanto, mesmo com relação aos movimentos
revolucionários anteriores, não se pode afirmar que possuissem um caráter socialista ou
mesmo voltado à democracia radical, prevalecendo ainda os interesses das classes
dominantes.

É importante que se saliente a este ponto que o feudalismo estava erradicado da França desde
a Revolução Francesa, bem como seria eliminado de outras regiões, como a Alemanha, Países
Baixos e Suiça por obra dos consquistadores franceses. As conquistas liberais e o incentivo de
pensadores também acabaram por invadir as regiões adjacentes, levando também ao
banimento de tal sistema e da sociedade aristocrática, mesmo que em tempos diversos. As
mudanças nas relações agrárias, por exemplo, foram influenciadas pela Revolução Francesa,
no entanto, a utilização racional da terra já havia impressionado aos déspostas esclarecidos do
período pré-revolucionário, sendo portanto, anterior ao evento francês. Da mesma maneira,
consolidou-se a economia industrial, iniciada pela Inglaterra e firmada em 1848 neste país, de
forma gradual e lenta, em muitos casos.
Assim, enquanto a industrialização atingia índices vertigionosos na Inglaterra, em outras
regiões, como a França parecia caminhar a passos lentos. A verdade é que, diferentemente da
Inglaterra, a economia capitalista francesa baseava-se nas estruturas do campesinato e da
pequena burguesia – não direcionando capital para a indústria. Nos Estados Unidos, no
entanto, a situação era diversa; enquanto na França existia o capital, este era escasso em
terras americanas.Estes fatos demonstram claramente a maneira diversa como a
industrialização se comportou nas diferentes regiões e nações.Baseado nas afirmações
anteriores, o autor ressalta que a maior consequência destes processos seria a divisão dos
blocos entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Os efeitos causados pela “dupla revolução” não se restringiram apenas ao âmbito político e
econômico, causaram também modificações drásticas na sociedade da época. A sociedade
aristocrática sendo devastada, também levou consigo os seus padrões e suas visões, abrindo
espaço para uma nova forma burguesa de cultura, pensamento e coletividade. A arte e a
cultura em geral ganham um impulso que, entretanto, não a tornou acessível para as massas
desfavorecidas. As últimas apoiavam sua cultura especialmente nas manifestações populares
(como o folclore), mantendo-se praticamente inalteradas de 1789 até 1830, e sendo colocadas
à parte de outras classificações da arte. Mesmo os artistas do período, em especial os
românticos, possuíam clara aversão às classes superiores, porém, nem sempre este
antagonismo revelava-se na prática.

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