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(Hino a Vênus... “Caesar’s ovatio of 44 BC...

return to a gentilician theology rooted in


the regal period (138)”)1

- Os auspícios e o anúncio de signos contrários (obnuntiatio): formas de ação política e


de controle político; formas de ação estratégica em uma situação caracterizada como de
incerteza; avaliar e articular consensus, conflitos, compor negociações; Anúncio de
signos contrários, obnuntiatio, no contexto de um processo legislativo (*); Commented [U1]: Congressus, foedera...utilização por
parte de Lucrécio de um vocabulário político que dialoga
Congressus, foedera...utilização por parte de Lucrécio de um vocabulário político que dialoga com sua com sua visão cosmológica; Ideia de que os compostos
visão cosmológica; Ideia de que os compostos atômicos se comportam de acordo com uma necessidade atômicos se comportam de acordo com uma necessidade
interna; Transpor essa lógica para o campo da deliberação política das assembleias; interna; Transpor essa lógica para o campo da deliberação
política das assembleias;

- Os áugures possuíam a prerrogativa de adiar assembleias, ou mesmo anulá-las após


terem começado e mesmo terminado. As assembleias podiam ser reunidas para uma
eleição ou uma consulta dirigida pelas mais altas magistraturas; decidiam no caso da
demissão de um cônsul; O direito de se endereçar ao povo ou à plebe é, como afirma
Cícero no De legibus, um direito religiosus (RÜPKE, 2005, 217)
- Os auspícios ocorrem por iniciativa dos homens, por meio de uma demanda/pedido
endereçada aos deuses; Pressupõe a adesão a hipóteses objetivas referentes à existência
dos deuses e à sua capacidade de ação;
Os auspícios desempenham funções psicológicas latentes e, por isso, contam com
imunidade face à crítica/possibilidade de pô-la em questão proporcionada pela elaboração
de intervenções técnicas/eliminação técnica; Essas funções: vontade de evitar
dissonâncias após uma tomada de decisão (“post-decision dissonance”) (RÜPKE, 2005,
218, 9);
- A adivinhação é uma forma de comportamento racional face à incerteza, orientada para
transmitir estabilidade psíquica; recorre a um modelo cognitivo a priori, não proporciona
a capacidade de ação caracterizada como de tomada de decisão/capaz de levar a uma
decisão (RÜPKE, 2005, 218, 9); (*) Commented [U2]: Não me parece de acordo com as
exigências da libertas;
A ratio epicurista não compromete a tomada de decisão,
mas impõe o “cálculo”;
- A respeito dos prodígios; Tito Lívio observou que a sensibilidade fica exacerbada em
momentos de crise; Apenas quando são levados em consideração pelo Senado e
interpretados pelos especialistas religiosos, que entram no contexto de ação das
autoridades políticas; Especialistas religiosos: os pontífices e os XV s.f., intérpretes em
Roma dos Livros Sibilinos, indicam os procedimentos de expiação (procuratio); Os
haruspices etruscos, que inspecionam as entranhas das vítimas, eram convocados como
experts nessas ocasiões: sua presença é claramente atestada em Roma desde o século III
AEC, a título oficial e em contextos privados. Eles ganham progressivamente importância

1 Reviewed Work(s): Ushering in a New Republic: Theologies of Arrival at Rome in the FirstCentury
BCE by Trevor S. Luke Review by: Fábio D. Joly Source: The Classical Journal, Vol. 111, No. 4 (April-
May 2016), pp. 502-503 Published by: The Classical Association of the Middle West and South, Inc.
(CAMWS)
não tanto por sua participação nos sacrifícios públicos, que permanecem sendo muito
episódicos, mas por suas relações pessoais estreitas com os membros das classes
superiores (RÜPKE, 2005, 221);
- A raridade das fontes não reflete absolutamente o grande número de intervenções de
figuras proféticas (uates) na Roma republicana; Essa fonte de autoridade religiosa não
parece ter se beneficiado da consideração da classe superior (RÜPKE, 2005, 221); (*) Commented [U3]: - textos literários do fim da República
cujos autores assumiam um papel de uates; função com
- A prosopografia constatou ligações pessoais muito estreitas entre o Senado e os implicações mais reais e carregadas de sentido do que
frequentemente se supõe (?)
sacerdotes; Szemler popularizou a metáfora dos sacerdotes como constituindo
“comissões permanentes do Senado” (RÜPKE, 2005, 222); Os domínios de trabalho dos
diferentes colégios sacerdotais não se superpunham; O Senado se encarregava da missão,
mas não atribuía as competências; Há fontes que atestam a consciência da diferença de
papeis, ou melhor do conflito entre esses papeis (RÜPKE, 2005, 223);
- Diferenças quando comparamos sacerdotes e magistrados: cargo vitalício oposto à
anualidade, a cooptação ao “voto popular” (RÜPKE, 2005, 223);
- A aristocracia e a competição política: construção de templos, os investimentos públicos
em jogos; construções que trazem prestígio; sistema de símbolos que se constrói mediante Commented [U4]: Os XVuiri s.f. que recomendam a
altos custos / capital simbólico legítimo e comunicável (RÜPKE, 2005, 223); introdução de novos festivais no calendário, que oneram os
cofres públicos;
- Os votos sobre as propostas de lei dos magistrados – porque as assembleias não
contavam com nenhuma lei de iniciativa – possuíam o caráter de um rito de consensus,
ao exprimir o apoio esperado (RÜPKE, 2005, 223); As eleições nas assembleias, ao
fazerem suas escolhas dentre os candidatos apresentados, reforçam, no contexto da
concorrência aristocrática, a adesão ao mecanismo carreirístico/cursus honorum

(RÜPKE, 2005, 224);


- O direito dos magistrados de tomar os auspícios é parte integrante da capacidade de ação
a eles devida; terminologia romana exprime essa ideia por imperium auspiciumque
(RÜPKE, 2005, 224);
- O Senado, em interação com os magistrados, conduz os debates e submete as
proposições; A discussão pode conduzir, no Senado, a um encerramento do procedimento
por uma decisão, um senatus consultum; Essa decisão pode ser sucedida pela elaboração
de uma lex; interveem as contiones, assembleias de cidadãos sob a direção de um
magistrado, mas que não dispõem de poder de decisão; a demanda (rogatio) de um cônsul
podia ser discutida pro e contra nas contiones (em particular por vários magistrados
oradores) e a assembleia emite uma menção de aprovação ou desacordo; em seguida, o
magistrado autor da proposição convoca a assembleia do povo, que possui poder de
decisão (comitia); a partir de então todo o aparelho augural entra em ação; de manhã,
antes da assembleia, o magistrado que a dirige empreende uma specio (uma
“observação”) dedicada à procura de sinais anunciadores; se lhe parecem positivos, outros
magistrados podem, até o momento do início dos comícios, anuncias signos contrários
(ob-nuntiare), que podem conduzir à interrupção do procedimento; dos exemplos do fim
da República, a interrupção concerne na maior parte dos casos a eleições; a conclusão do
processo é dada pela aprovação ou crítica geral à nova norma, pelo chiar/vaia ou aplauso
que o magistrado pode receber no circo (RÜPKE, 2005, 225, 6, 7);
- Os auspícios permitiam otimizar o processo de decisão ao aplainar as contradições
no sentido do consenso (RÜPKE, 2005, 227);
- Um sistema bastante restritivo, arduamente/com grande esforço reivindicado pelos
patrícios, como testemunha a historiografia do fim da República, e reconhecida
exclusivamente às mais altas magistraturas (RÜPKE, 2005, 227);
- O magistrado possui o dever de tomar os auspícios constantemente; uma eleição
realizada dentro das regras não é suficiente para legitimar um magistrado por todo o
período de seu mandato; os magistrados deviam renovar sem cessar sua legitimidade; ela
é precária; o acordo com os deuses não pode ser invocado que caso a caso; os pontos
fracos do poder dos magistrados eram, contudo, estreitamente circunscritos: dizia respeito
notadamente ao direito de intercessão dos tribunos, ao direito de veto dos colegas do
mesmo escalão e ao direito de obnuntiatio (direito de anunciar signos contrários), que
embora reservado a alguns grupos da elite, era mais largamente difundido; essas formas
de intervenção fundamentam as possibilidades de ação do magistrado isolado na base do
consenso; não é a decisão tomada pela maioria, mas a abstenção de contradição explícita
que caracteriza o sistema de decisão (RÜPKE, 2005, 227);

- Do conjunto das formas de tomada de decisão política vigentes na República Romana,


os auspícios fazem parte do modo de comunicação da negociação; o procedimento dos
auspícios não exerce nenhuma influência direta sobre o conteúdo das ações pretendidas;
não há exemplo de uma ação contestada que, ao se evocar auspícios positivos, finalmente
se impôs; ao contrário, a recusa deliberada de fazer intervir auspícios negativos
comparece diversas vezes nas fontes, e leva a consequências catastróficas (RÜPKE, 2005,
228);
- A obnuntiatio é uma interrupção do procedimento de tomada de decisão em que rompe-
se/abandona-se as negociações; É um instrumento temido e constitui um problema; No
último momento, o conjunto do processo de comunicação no qual se investiu é colocado Commented [U5]: - cônsul Marcus Calpurnius Bibulus;
em questão, objetivamente, pela invocação de um “não” vindo dos deuses. Para um sua persistente observação do céu em 59; a razão da vigília
de Bibulus parece ter sido sua oposição à aprovação de
círculo restrito, aquele dos mais altos magistrados do ano em curso e para o colégio dos certas leis, incluindo o controverso "land act" iniciado por
áugures, esse modo de abandonar as negociações é legítimo, é uma ação expressiva; um seu colega cônsul J.C.; Após César apresentar publicamente
seu projeto de lei, Bibulus apelou em vão ao Senado, e em
dos casos mais marcantes é a obnuntiatio de M. Bibulus contra César (Cic., Dom. 40 ; seguida declarou sua intenção de observar os céus e busca de
Suét., Iul. 20, 1) (*); (RÜPKE, 2005, 229); sinais desfaváveis, ainda que de sua casa, de onde não saiu
até o término de suas funções por sofrer ameaças de
apoiadores de César; as negociações continuaram e o projeto
- O obnuntiatio é a situação na qual o processo de decisão deixa o espaço da nobreza para tornou-se lei; levantou-se a questão se um uitium havia sido
ser introduzida nos comitia; não se trata de uma questão de soberania do populus romano; cometido ao se ignorar a obnuntiatio de Bibulus, o que
houve casos em que, entretanto, as leis foram votadas e, em outros, as eleições possibilitaria declarar religiosamente inválidas as
negociações; de acordo com Cícero, Clodius institui um
recuaram/não foram admitidas (RÜPKE, 2005, 229); contio, durante o qual permitiu que Bibulis e um número de
áugures se apresentasse; segundo os áugures consultados
- uitium: erro/falha augural (RÜPKE, 2005, 229); houve uitium; interpretação dos acontecimentos que chama
atenção para o uso da violência por parte de César e o seu
- No caso das eleições, não é uma decisão isolada mas todas as decisões tomadas ao deliberado desprezo pelos sinais divinos; a posição
autocrática de César contraposta ao isolamento doméstico de
longo de toda a duração da magistratura que é objeto de graves suspeitas (RÜPKE, Bibulus; um dos ditos espirituosos contemporâneos consistia
2005, 230); em descrever 59 como o consulado de "Július e César" (Suet.
Iul.20.2)
- É o excesso de poder do qual dispõe os magistrados que torna a rivalidade aristocrática
ainda politicamente eficiente para o estabelecimento do consenso. Uma alternativa ao
consenso pode ser o recurso à violência; no fim da República o emprego da violência
esteve mais frequentemente relacionado às estratégias de obstrução (RÜPKE, 2005, 230);

- São precisamente as atividades políticas e militares dos altos magistrados que, por meio
do recurso aos auspícios, instalam-se em um espaço especificamente público; (RÜPKE,
2005, 230);

- Recorrer aos auspícios no Campo de Marte significava estar qualificado precisamente


para desempenhar atividades extra urbanas, como a reunião de uma assembleia do povo
em armas (comitia centuriata). Esse local público, no qual se consente uma interação com
o populus Romanus ou o seu comando, pode ser objeto de contestação. Nisso se distingue
dos lugares públicos constituídos de modo permanente pelo direito sagrado, os templos,
nos quais encontra sede o Senado (RÜPKE, 2005, 231);
- Os auspícios refletem a mentalidade política da República Romana; Os romanos
buscavam otimizar o exercício do controle por intermédio da unidade da classe dirigente,
a nobreza; a legitimação da adivinhação não é o mais importante/não é o que está em
primeiro plano, mas sim que o conteúdo/base/contexto de uma decisão importante se
adeque a um ato formal, que pode estar manchada do erro (uitium) ou pode trazer um
obstáculo (obnuntiaio) (RÜPKE, 2005, 231);
- A transformação do conjunto do sistema divinatório na passagem ao Principado: o
monopólio dos auspícios detido por um único; A perda dos auspícios significa também
uma perda no domínio da ação pública: auspicia amissa, res publica amissa (RÜPKE,
2005, 231);
- Os sacerdotes não possuem o poder político: imperium, potestas (RÜPKE, 2011, 25);
- O problema da visibilidade pública: a maior parte dos sacerdotes públicos não era
distinguível de outros magistrados. Todos compartilhavam a toga praetexta de borda
púrpura; nos relevos da Ara Pacis os sacerdotes dos maiores colégios são distinguidos
pelos diferentes objetos que são carregados por seus auxiliares, os camilli; para o povo
romano em geral os membros de uma elite uniformemente vestida cumprem papeis que
são dificilmente distinguíveis; os textos literários não estão sempre interessados em
nomear especificamente os sacerdócios, mas referem-se apenas a sacerdotia, o que traz
problemas para a prosopografia; Os seus membros, por sua vez, eram explícitos nas
fórmulas que empregavam em inscrições honoríficas ou tumulares, que especificavam o
colégio ao qual eram membros (RÜPKE, 2011, 33, 34);
N. Belayche et al., « Divination romaine », ThesCRA, 3, 2005, p. 79-104
Voir les Haruspices dans J. Rüpke, Fasti sacerdotum, Stuttgart, 2005 (PawB, 12/2)
J. Linderski, « The Augural Law », dans ANRW, II, 16, 3, 1986, p. 2146-2312
J. Scheid, Religion et piété à Rome. Paris, 1985 (2e éd. 2001), p. 65-69, sur la coopération
- Para os romanos, o que os detentores de auctoritas não cessam de aumentar é a fundação
mesma da urbs, que teria ocorrido na ocasião dos auspícios “inaugurais” de Rômulo
(BERTHELET, 2015, 18);
- A auctoritas conectava todas as ações presentes ao início sagrado da história de Roma,
somando a cada momento singular o peso inteiro do passado (BERTHELET, 2015, 18);
- Uma cultura de memória “monumental”; Os conteúdos dos exempla eram evocados, ou
melhor, “passeados” diante do povo romano (como ocorriam com as imagines de cera
dos ancestrais, exibidas pelas famílias da aristocracia nas procissões fúnebres). Especial
significação e função da performance gestual e da espacialidade; O caráter público,
visual, monumental das exempla; As virtudes e valores louváveis de seus cidadãos
permaneciam sempre à vista, eram onipresentes; Os espaços públicos por excelência da
Commented [U6]: Lembrar que por meio das inscrições
cidade de Roma se transformaram em verdadeiros “cenários de memória”, cujos edifícios, nesses suportes materiais as ideias/máximas/preceitos
monumentos, estátuas, templos e altares (*) evocavam, na semântica de seus símbolos e epicuristas ganhavam mais uma inserção no âmbito da
textos inscritos, as conquistas e feitos memoráveis dos romanos ilustres; O espaço urbano comunicação pública;

de Roma era, portanto, um "palco de história", no sentido em que nele importantes Commented [U7]: HÖLKESKAMP, Karl-J. History and
Collective Memory in the Middle Republic. In: A companion
eventos ocorriam e, simultaneamente, acontecimentos do passado eram incessantemente to the Roman Republic. Blackwell Publishing, 2006, p. 482
evocados (*) // “estratos do tempo” (*); Articularam uma identidade e construíram um
modelo de autoreferência, a partir do qual puderam ordenar suas concepções de ordem e Commented [U8]: - Passado, presente e futuro;
formas de percepção; Justificativa para a expansão e domínio do Império (BERTHELET, - A escolha pelo tema das adivinhações, mais especialmente
os auspícios;
2015, 18); - Os auspícios eram um dos meios mais influentes de
exercício de poder da República Romana Tardia, pois
- Binômio propriamente romano “auctoritas/potestas”: operatório para compreender o permitia interferir nas questões presentes e assegurar o
funcionamento e o que está em jogo na adivinhação pública augural na república romana, controle sobre decisões futuras;
- Traz o peso da tradição ancestral e do rito de fundação de
cujas instituições estruturaram-se em torno da complementaridade e da exclusão Roma;
recíproca dessas duas funções (BERTHELET, 2015, 19); - s questões prementes do presente: crise dos valores e fontes
de autoridade tradicionais; guerras civis; intensificação dos
- Os auspicia relacionam-se ao exercício e à legitimidade das magistraturas; Constatar auspícios enquanto instrumentos de controle político;
- Horizonte de expectativa; expansão do império; a realidade
em certos momentos prescritos do tempo político, e por meio de técnicas apropriadas, a do Principado / Ideia de que Lucrécio antecipa a lógica do
existência de uma situação harmoniosa entre a vontade dos cidadãos e do corpo político Principado
e aquela dos deuses (*) [página 27]; Os detentores das magistraturas patrícias, “du Commented [U9]: Os áugures observavam, de acordo com
a disciplina, os sinais divinos de não-hostilidade, constatando
peuple”/ do povo, detinham potestas pública e, por consequência, o direito de tomar os a posição favorável dos deuses em uma ação pública
auspícios em nome do povo romano (BERTHELET, 2015, 20); pretendida.

- O auspicium e a potestas cum ou sine imperio: duas expressões de uma mesma ideia SANTANGELO, F. Divination, Prediction and the end of the
Roman Republic. New York: Cambridge, 16.1, 2013, p. 4,
considerada sob pontos de vista diferentes, aquele das relações com o plano divino, 32; BELTRÃO, 2014. Op. Cit. p. 57
relação com os deuses, e aquele das relações terrestres (BERTHELET, 2015, 21); (*)
- O auspicium é prerrogativa fundamental, fonte da potestas e do imperium do magistrado;
Commented [U10]: Lembrar passagem em que Lucrécio
a correspondência/relação entre auspicium publicum e ius imperii (BERTHELET, 2015, “eleva” os homens ao lugar dos deuses;
22); Commented [U11]: Auspícios inaugurais de Rômulo (no
momento de fundação da urbs) >> Rômulo é filho de Marte;
- articulação institucional entre auspicium, potestas e imperium (BERTHELET, 2015, Os romanos, que descendem de Eneias, são filhos de Vênus,
23); antes de serem filhos de Marte; Lucrécio teria a intenção de
fazer a auctoritas do magistrado não descender de Júpiter;
- Complementaridade entre o auspicium do magistrado e a auctoritas de Júpiter (*): a Auctoritas >> o que permite ao magistrado agir em nome do
povo romano; Não seria a consulta aos auspicia e a
auctoritas de Júpiter, no momento que o magistrado toma os auspícios, “aumentaria” o constatação da posição dos deuses, mas conduzir a
ato público que ele se dispõe a fazer, atualizando e legitimando assim, por uma ação respublica com ractio;
dada\conhecida, o seu “poder em potência” (BERTHELET, 2015, 23); Vênus, que representa a visão epicurista de mundo, e
Marte, deus da guerra; Vênus persuade Marte...
- As relações de poder e autoridade entre os magistrados detentores dos auspícios, os
Commented [U12]: - Expressão “aristocracia senatorial”;
sacerdotes – em particular os áugures – o Senado e o povo de Roma (BERTHELET, 2015, - Expressão “nobreza senatorial” (nobilitas): subgrupo do
23); Senado composto apenas por famílias patrícias e famílias
consulares;
- A expressão “aristocracia senatorial” tem um sentido mais amplo que “nobreza
Commented [U13]: - Expressão “aristocracia patrício-
senatorial” (nobilitas) que passou a designar, desde as reformas Licinio-Sextiennes de plebeia”;
267 AEC, um subgrupo do Senado composto apenas por famílias patrícias e famílias - Expressão “nobreza patrícia”: relação privilegiada com os
auspícios;
consulares (BERTHELET, 2015, 23); (*)
Commented [U14]: Ou seja, ao analisarmos o modo
- Mesmo após a constituição de uma aristocracia patrício-plebeia pela abertura à elite da como um indivíduo age/atua dentro desses sistemas
plebe, entre 367 e 300 AEC, das magistraturas patrícias e dos principais sacerdotes, a institucionalizados, principalmente os deslocamentos e
desvios que realiza, com sua atitude particularizada, frente
nobreza patrícia conservou uma relação privilegiada com os auspícios e com a ao arcabouço normativo mais geral, temos pistas/indícios
auctoritas (BERTHELET, 2015, 24); (*) da sua percepção dos espaços religiosos, da forma como
intui e constrói epistemológico e cosmologicamente esses
- As magistraturas do povo (ditatura, consulado, pretura, censura, questura e édilité espaços que orientam a sua conduta;
Ou seja, optar pela perspectiva da religião romana
curule) herdaram, face às magistraturas da plebe (tribunat e édilité da plebe) um subsumida no modelo de “polis-religião”, cuja ênfase está
monopólio auspicial patrício (BERTHELET, 2015, 24); na sua inserção institucional na cidade, o que nos leva a
pensar a adivinhação pública dentro de um quadro cívico/a
- “Compromisso individual na praxis religiosa e experiências pessoais de relacionamento referência é o modelo cívico, não impede que se investigue
as perspectivas individuais/cognitivas, aquelas assumidas por
com seres divinos não estão nem apartados da rede institucionalizada de espaços e agentes individuais/líderes, como JC, dentro desses sistemas
momentos religiosos, nem independente das fórmulas normativas do ritual ainda que de signos e conceitos normativos;
sendo pessoal” Belayche 2013 p. 243 (BERTHELET, 2015, 25); (*)
Commented [U15]: Ou melhor, pragmática e
- Que levemos em consideração a inserção institucional da adivinhação pública na cidade ideologicamente informadas.
e no quadro cívico (BERTHELET, 2015, 25); Commented [U16]: Lucrécio recorre ao epíteto político-
civil de Vênus;
- “Deslocando a ênfase dos sistemas de signos e outros conceitos normativos de cultura
para o agente individual”: modelos alternativos ao de “polis-religião”; Ex.: Rüpke, 2014 Commented [U17]: Ou seja, a informação trazida pelo
(BERTHELET, 2015, 26); manejo dos auspicia não deveria gerar terror religioso nem
motivar atitudes supersticiosas;
- Visualizar a tomada dos auspícios como uma “instância oficial de legitimação que
Commented [U18R17]:
propõe decisões social e politicamente objetivas”; Papel na renovação\reiteração dos
Commented [U19]: Voltar ao hino a Vênus e a menção a
limites da cidade romana e de seu império (BERTHELET, 2015, 26); Marte.
Parece que Lucrécio não vai de encontro a essa pax
- “Os romanos criam firmemente serem um povo piedoso e descendente dos deuses: hominum/pax deorum assumida como estabelecida de
Vênus (*) é a mãe de Eneias e Marte é o pai de Rômulo. As ações que os romanos antemão, desde o período de fundação da urbs, cujos
protagonistas, Eneias e Rômulo, descendem desses dois
concebiam são em princípio em acordo com a vontade divina. É por essa razão que, deuses; A tomada dos auspícios reflete esse acordo a priori
quando interrogavam os deuses, eles esperavam a priori encontrá-los favoravelmente entre homens e deuses;
dispostos. A tomada dos auspícios reflete essa consciência: ela equivale a um rito que - Uma prece filosófica; explicação filosófica da natureza;
atesta publicamente o consenso divino” (*); (Jaillard e Prescendi 2008, p. 83) - Elege Vênus como princípio gerador de todas as coisas:
quae quoniam rerum naturam sola gubernas [= uma vez que
(BERTHELET, 2015, 27); (*) tu, sozinha, rege a natureza das coisas]; Fecha o primeiro
verso com palavra-chave da ética epicurista: uoluptas [=
- As adivinhações públicas, principalmente os auspícios, serviam à regulação do prazer];
equilíbrio de poder interno à aristocracia senatorial (BERTHELET, 2015, 27); - Vênus na condição de representação alegórica de um
mundo ordenado pelo prazer e pelos impulsos espontâneos;
- Caráter fragmentário da autoridade divinatória // sistema republicano hostil a toda Lucrécio eleva a deusa a uma posição tal que passa a
representar a visão epicurista de mundo;
concentração de poder (J. A. North) (BERTHELET, 2015, 27); (*) - Mãe de Eneias, ou seja, do povo romano; remontando às
origens de Enéas em Troia e sua descendência de Vênus.
- A adivinhação participava do processo de decisão política e articulava os acordos e Esta alusão pode sugerir que Lucrécio dava ao leitor uma ...
desacordos nas situações de incerteza (Nota 87: Rüpke 2012b) (BERTHELET, 2015, 27); Commented [U20R19]:
[– 26] Commented [U21]: JC e suas reformas religiosas.
Concentração de poder em torno do pontifex maximus;
- De diuinatione escrito entre 1° de janeiro e 15 março de 44 (Cícero era áugure desde
53\52), e revisto depois do assassinato de César (BERTHELET, 2015, 30); 46;
- Não devemos exagerar a distinção entre os tratados que Cícero escreveu para expor sua
visão como homem de Estado, como De legibus e De republica, e aqueles compostos
para fazer parte de suas concepções filosóficas, como De natura deorum e De diuinatione.
Tanto em um caso como no outro, ele incita seus contemporâneos, em particular os jovens
nobres, a honrar as tradições republicanas e a reagir à confiscação da liberdade
aristocrática (BERTHELET, 2015, 30); (*)
- De la langue latine de Varrão: informações sobre questões augurais (BERTHELET,
2015, 31);
PAREI AQUI

- No caso de vacância das magistraturas patrícias/“do povo”, as únicas a possuir o direito


dos auspícios/ magistraturas cum auspiciis esse direito regressava/ “retornava” aos
senadores patrícios (BERTHELET, 2015, 36); 43;
- O monopólio auspical patrício, a exemplo de outras prerrogativas político-religiosas
vinculadas ao patriciado, deve ser entendido como uma das pretensões nobiliárquicas das
gentes arcaicas (BERTHELET, 2015, 38); [– 24; 27]
- Os magistrados detinham a função de potestas (cum ou sine imperio), mas que não era
autossuficiente; A concepção de poder é tal que havia entre as funções de potestas e
auctoritas uma exclusão recíproca e complementaridade necessária; Os magistrados, na
execução de ato público importante, por meio da tomada dos auspícios, aumentaria sua
potestas pela auctoritas dos deuses (BERTHELET, 2015, 41);
- Cícero em uma carta a Brutus de 43 AEC: as magistraturas patrícias se definiam como
magistraturas detentoras de auspicium, por oposição às magistraturas da plebe
(BERTHELET, 2015, 46);
- Mesmo com o acesso dos plebeus às magistraturas cum auspiciis e ao Senado, no caso
de vacância de poder, os auspícios continuaram a retornar somente aos senadores
patrícios, o que revela que a pretensão dos patrícios aos auspícios repousou sobre um
consenso social que atravessa o seu próprio círculo (BERTHELET, 2015, 48); [– 24;]
- Na Roma médio e tardo-republicana o privado não se opõe ao público (Scheid 2013 76-
80); (*) Commented [U22]: - banquetes nas domus e uillae;
- Trouxe do estágio livro SÓ sobre relação público/privado
- Tito Lívio permite observar que os patrícios associavam estreitamente seu monopólio (mesmo livro que fala do teatro de Pompeu);
auspical ao seu pertencimento a uma gens (Smith 2006) - 53; Gens: fundada sobre uma
filiação patrilinear a partir de um ancestral comum mais ou menos mítico, formava um
clã hierarquizado (BERTHELET, 2015, 55); [– 38]
- Havia cultos públicos/os sacra cuja execução era de responsabilidade de gentes
particulares, que os conduziam pro populo (BERTHELET, 2015, 58);64
- Os patrícios, proclamando encarnarem a nobreza gentilícia por excelência,
reivindicavam deter os auspícios suscetíveis de serem utilizados a título público
(BERTHELET, 2015, 69);
- O “caráter gentilício” de uma gens patrícia implica uma capacidade de agir pro populo,
“em nome de todos os concidadãos”; Essa capacidade repousa sobre sua pretensão
nobiliária de remontar aos primeiros tempos da urbs, que se seguiram aos auspícios
inaugurais de Rômulo; Os auspícios gentilícios dos patrícios participam do caráter
“sagrado” da fundação de Roma (BERTHELET, 2015, 70);
- As autoridades e os poderes públicos (Senado, magistrados e pontífices) não intervêm
nas condutas/práticas religiosas dos indivíduos senão nos casos em que as mesmas
coincidem com as obrigações públicas ou perturbam a ordem pública; Convém não
exagerar a separação entre cultos públicos e cultos privados, que derivam de uma mesma
lógica comunitária (no contexto familiar, dos bairros ou das associações profissionais)
(BERTHELET, 2015, 70);
- O recurso de pretender a uma “ancestralidade gentilícia”: instrumento de legitimação
por meio da afirmação de um ascendente que remontasse aos tempos míticos de fundação
da urbs; A integração da lenda de Eneias às tradições gentilícias não ocorreu antes do
século II AEC; O “mito troiano” (se favoreceu a emergência de uma origem divina, como
no caso dos Iulii) visava sobretudo a associar a gens às origens de Roma; Os Iulii
pretendiam descender de Iule, ou seja, de Eneias, filho de Vênus (Liv. 1, 3, 2; Cic. Fam.
8, 15, 2; Cato, Orig., 1, 9b frgt Chassignet; Badel, 2006; Baundry, 2008 (BERTHELET,
2015, 71);
- Tito Lívio (6, 41, 4-5), consciente do modo de legitimação utilizado pelos patrícios,
associou com razão, pela boca de Appius Claudius Crassus, as pretensões auspiciais
patrícias aos auspícios “inaugurais” de Rômulo no tempo de fundação da urbs
(BERTHELET, 2015, 72);
- A manifestação institucional do monopólio auspical patrício na forma da ascendência
nos casos de interregno se manteve após as reformas Licinio-Sextiennes de 367 AEC e a
abertura aos plebeus às magistraturas patrícias cum auspiciis, chamadas também de
magistraturas “do povo” (BERTHELET, 2015, 73);
- Assembleia das cúrias que votava a lei curiata; A lei curiata era antes de tudo uma lex
potestate (cum ou sine imperio);A hipótese segundo a qual a lei curiata confere aos
magistrados seus auspícios não pode ser mantida a não ser que o populus Romanus tenha
constituído a fonte dos auspicia utilizados a título público [o que não se sustenta,
conforme Berthelet dirá em seguida] (BERTHELET, 2015, 113);
- O populus Romanus teria sido a fonte dos auspicia magistratuum? (BERTHELET, 2015,
114);
- Complexidade das interações entre Senado, magistrados e povo: Ferray 2012; Hurlet
2012 (BERTHELET, 2015, 118);
- Nos dois últimos séculos de existência da Res publica, o povo não foi mais do que uma
terceira instância de arbitragem em meio à competição entre os aristocratas, mesmo se
esse papel, indispensável ao equilíbrio e consenso em meio à elite senatorial, tendia a se
tornar mais importante com a intensificação da concorrência por poder em fins da
República (BERTHELET, 2015, 119);
- Os comícios curiates sendo desde o princípio uma assembleia do povo romano, e esse
último não tendo sido jamais a fonte jurídica dos auspicia dos magistrados, a hipótese de
uma lei curiata conferindo ao magistrado seus auspícios devem ser abandonada
(BERTHELET, 2015, 119);
- Sobre a relação da lei curiata com os auspícios de investidura; Por auspícios de
investidura se entende os auspícios de “entrée em charge” tomados desde/a partir da Arx
capitolina por todos os magistrados do povo ao alvorecer de sua entrada em função, e os
auspícios de partida tomados no mesmo lugar apenas pelos magistrados cum imperio,
quando ele se prepara para recobrir/assumir o imperium militiae em ultrapassando o
pomerium na saída da Urbs (BERTHELET, 2015, 119);
- A estreita relação entre a lei curiata e os auspícios de investidura; Os auspícios de
investidura confirmam o auspicium do magistrado, assim como a lei curiata confirma a
sua potestas ou seu imperium; A investidura sagrada de Júpiter, quando dos auspícios de
investidura é continuação/sequência necessária da investidura civil da potestas cum ou
sine império, da iurisdictio e dos auspícios pela lei curiata; Ponto decisivo: a lex curiata
não confere stricto sensu qualquer poder ao magistrado, oferece não mais que uma
confirmação, uma adição/aumento de seu reconhecimento (BERTHELET, 2015, 125);
- A classe governante romana passou de uma pequena oligarquia hereditária a uma elite
aberta às reivindicações ao menos dos cidadãos ricos;
- Havia elementos do sistema republicano romano que, senão democráticos, ao menos
agiram para difundir o poder político; além da elite depender dos votos das assembleias
populares para conquistar seus postos como magistrados, esses mesmo postos estavam
tão dispersos em meio à elite como um todo que nenhuma pessoa ou grupo poderia
reivindicar possuir arrogante ou insolentemente grande quantidade de poder; Uma função
na magistratura não era desempenhada independentemente, mas com um colega do
mesmo escalão e poder; O funcionamento das instituições e do sistema político
republicano ocorria no sentido de fragmentar constantemente o poder da elite, até que, no
século I AEC, César e então Augusto estabeleceram suas posições como dominantes entre
seus pares;
- Os áugures eram 9 em 300, 15 sob Sulla e 16 sob César; Os pontífices eram 9 em 300,
15 sob Sulla e 16 sob César; originalmente patrícios, também plebeus a partir de 367;
principal autoridade e líder: pontifex maximus; a partir do século III, escolhido por eleição
popular; possuía poderosas competências religiosas de caráter pessoal; XVuiri s.f. eram
originalmente 2, 10 em 367, 15 em 51, 16 sob César; responsáveis pelos oráculos sibilinos
e supervisão dos cultos estrangeiros em Roma (BEARD, 1990, 20-1);
- No século I AEC, seguindo a lex Domitia de 104, pontífices, áugures, XVuiri e VIIuiri
eram selecionados, em parte, por um processo de eleição popular; Os próprios sacerdotes
preparavam uma pequena lista de candidatos que era submetida à assembleia popular
formada por 17 das 35 tribos romanas; Cuidavam para que o candidato não fosse um
inimigo pessoal de nenhum membro atual do colégio em questão (Cic. Fam. 3, 10 ,9)
(BEARD, 1990, 23);
- Ao contrário de outros sacerdotes, os áugures permaneciam no cargo até a morte, mesmo
se fossem condenados ou exilados (Plutarco, Quaest. Rom. 99; Plínio, Ep. 4, 8, 1)
(BEARD, 1990, 24);
- Os mesmos homens assumiam as altas magistraturas e cargos sacerdotais (Cic. Dom. 1,
1) (BEARD, 1990, 24);
- Os sacerdotes, conforme o colégio a que pertenciam, deviam fazer frente a uma grande
variedade de deveres e obrigações religiosos/administrativos; deviam arcar com custos
mais ou menos onerosos; Os pontífices, mesmo com todas essas obrigações, enquanto
grupo e na condição de indivíduos, permaneciam sacerdotes “part-time” (BEARD, 1990,
25);
- Scheid argumenta que as funções magistrais e sacerdotais são interdependentes na
ordem política romana e, ao mesmo tempo, profundamente separadas: os sacerdotes
representam a esfera do sagrado que era, ao menos potencialmente, uma esfera autônoma
da vida pública e ideologia romanas (BEARD, 1990, 26);
- É possível identificar quatro grandes tendências nos estudos recentes acerca dos
sacerdotes romanos; Tentativa de estabelecer uma hierarquia dos colégios sacerdotais de
Roma. Em particular, investe os pontífices de poder e controle sobre o sistema religioso
e sacerdotal como um todo; Outra tendência politiza inteiramente os colégios sacerdotais
romanos e supõe que sua única importância se encontra na competição gerada em torno
das eleições e cooptações. Ou seja, os postos sacerdotais são mais um foco para a
rivalidade entre as facções da elite e a ela proporcionam mais um meio de competição por
cargos estritamente magistrais (BEARD, 1990, 27);
- O papel desempenhado pelos sacerdotes nas cerimônias públicas religiosas: suas ações
rituais, as palavras que utilizam na performance do ritual, a posição que ocupam em
relação a outros (não-sacerdotes) participantes dos festivais religiosos; Embora as fontes
antigas frequentemente transmitam a presença de um sacerdote em particular em um
festival em particular, elas raramente oferecem alguma informação a mais que isso a
respeito do seu papel; raramente deixam claro exatamente o que o sacerdote disse ou fez
(BEARD, 1990, 29);
- Pontífices e áugures: o quão diferentes/o quão afastados estão os seus papeis (“essa
diferença parecerá fundamental”); Pensar os sacerdócios romanos a partir de uma
perspectiva que considere suas funções de “mediação” entre os deuses e os cidadãos
romanos e a extensa variedade de contatos entre os dois; A categoria “colégio sacerdotal”,
assim considerada em termos mais gerais, e a natureza da autoridade religiosa em Roma;
A diversidade dos colégios romanos e a larga difusão do poder religioso em Roma; O uso
e a compreensão dos antigos do termo latino sacerdos (convencionalmente traduzido
como “sacerdote”) e sacerdotium (“colégio”) (BEARD, 1990, 29);
- “Mediação” religiosa: considerada como uma função institucional que define, delimita
e controla a aproximação/abordagem humana do divino e a comunicação dos deuses com
os homens; Nesse sentido, sobrepõe-se em parte à noção mais ampla de “autoridade”
religiosa, mas o seu sentido refere-se especificamente à mediação enquanto força ativa,
que envolve contato direito com a esfera dos deuses; No terreno de sobreposição dos dois
termos, é possível se referir a uma “autoridade religiosa ativa” (BEARD, 1990, 30);
- O principal foco de mediação na República Romana era o Senado; Não era o único:
havia as assembleias do povo, os magistrados, alguns colégios sacerdotais, que exerciam
essa função de mediação entre os deuses e os homens; Mas o senado desempenhava o
papel principal; Seu poder de decisão a respeito da introdução de novos cultos públicos:
o Senado ordenou em 205 o estabelecimento do culto de MM em Roma (Liv. 29, 10, 4-
8); No começo do ano, um dos cônsules reporta ao senado os prodígios observados
durante o ano anterior, e o Senado vota se devem ser reconhecidos como sinais públicos
de origem divina; Se o Senado reconhece um sinal nesse sentido, ordena ações imediatas
de expiação ou encaminha a questão a um dos colégios sacerdotais.; Nesse caso, os
sacerdotes respondem de volta ao Senado que, tendo por base as informações fornecidas,
toma uma decisão final acerca da ação apropriada; O Senado possui o poder de decidir o
que constitui um sinal enviado pelos deuses e controla as respostas humanas a esses sinais
(BEARD, 1990, 31);
- Exemplo do poder senatorial em religião oferece uma confirmação (ainda que em
negativo) da posição do Senado como foco de comunicação entre homens e deuses: o
local de reunião do Senado durante a República nunca foi, até onde sabemos, sujeito a
interrupções ou impedimentos de ordem religiosa, por meio da declaração de sinais
desfavoráveis (BEARD, 1990, 32);
- Essa situação do Senado contrasta marcadamente com as reuniões das assembleias
legislativas e eleitorais do povo, que poderiam ser a qualquer momento dispensadas pelo
anúncio de sinais contrários; Esses incidentes não são, contudo, tão frequentes como
muitos historiadores (preocupados com o “declínio” da religião romana no final da
República) supuseram (BEARD, 1990, 33);

- O magistrado que presidisse uma assembleia deveria, na noite que a precederia, no local
no qual deveria ocorrer, “tomar os auspícios”; Essa aprovação religiosa podia ser
interrompida antes ou durante a reunião por um magistrado ou áugure que observasse
sinais contrários; Ainda que os magistrados usufruíssem da prerrogativa do contato direto
com os deuses para assegurar a aprovação divina para atividades políticas, a eles faltava
individualmente o controle e a autoridade religiosa do Senado; Na verdade, eram os
senadores, e não os sacerdotes, que desempenham largamente aquela função de mediação
comumente vista como distintivamente sacerdotal; É possível ter uma ideia do controle
religioso senatorial quando observamos a relação do Senado com os colégios dos áugures
e dos pontífices (BEARD, 1990, 34);
- Lex Ogulnia de 300 assegurou que 5 sacerdotes em cada colégio deveriam provir de
famílias plebeias (BEARD, 1990, 35);
- Áugures e pontífices ocupam posições diferentes em relação aos deuses/no sistema
religioso romano; Os pontífices não possuem acesso direito ou comunicação com o
divino; O seu poder consiste na mediação entre o centro/núcleo da religião romana, na
forma, principalmente, do Senado, e os cidadãos tomados individualmente; Os áugures
possuem uma direta linha de comunicação com o divino, embora estejam em muitos
aspectos subordinados ao Senado, o principal foco de mediação; Cícero (Dom. 1. 2)
refere-se aos pontífices como interpretes religionum (“intérpretes das observâncias”).
Enquanto chama os áugures de interpretes internuntiique Iouis Optimi Maximi
(“intérpretes e mensageiros de Jupiter Optimus Maximus”) (Phil. 13. 5. 12), expressão
similar em Leg. 2. 8. 20, internuntii; Nesse vocabulário está inscrita a visão de que os
áugures possuem uma direta ligação com o divino não compartilhada pelos pontífices;
No discurso De Domo Sua, Cícero dá grande ênfase na sapientia e sciencia (“sabedoria
e expertise”) dos sacerdotes; O pontifex ganha desse conhecimento considerável
auctoritas; Sapientia e seus cognatos: disciplina (Dom, 46. 121) (BEARD, 1990, 35-6;
9);
- As funções dos pontífices: controle sob o comportamento religioso dos indivíduos / nos
dias de festivais religiosos e seu papel consultivo em relação ao Senado; A
regulamentação das práticas funerárias/de enterramento e as leis tumulares; São
responsáveis por determinar quem deverá comprometer-se/estar obrigado a cumprir os
ritos regulares para o morto e seu túmulo e determinam o que constitui propriamente um
funeral sagrado2; Regulam a vida religiosa das famílias; Supervisionam os processos de
adoção, que envolvem a transferência de um indivíduo de uma órbita religiosa privada de
uma família para outra; As adoções são controladas e autorizadas pela comitia curiata ou
calata convocada pelo PM (Aulus Gellius, NA 15, 27, 1-3; Tacitus, Hist. 1,15); Sua
função de mediação opera entre dois polos humanos: o do Senado, com sua autoridade
religiosa, e o dos cidadãos romanos. Em termos práticos, do ponto de vista do cidadão
romano, os pontífices deveriam parecer muitos poderosos; Essa função de mediação é
crucial; Cícero no De Legibus (2. 8. 20 e 2. 12. 30 – a ligação entre qui sacris publicae
praesint’ e religio privata) reconhece implicitamente que um sistema religioso como o
romano, cujo centro repousa na esfera institucional e pública, deve encontrar meios de
ligar/unir/relacionar esse centro com o que não é privado; Os pontífices providenciam
essa ligação, essa “ponte” entre o poder central do Senado e os cidadãos tomados
individualmente, tal como vivem suas vidas; É esse aspecto particular do poder pontifical
que explica/justifica a proeminência do PM e a acirrada disputa pelo posto entre os
membros da elite romana (BEARD, 1990, 37-9);
- Os áugures desempenhavam papel de mediação entre os seres divinos e os cidadãos
romanos; podem “inaugurar” um pedaço de terra e então colocá-lo em uma relação
especial com os deuses; poder de criar um templum; a curia (=o edifício do Senado
romano) e a rostra (Cic., In Vatinium, 10, 24) são exemplos de templum; possuem o poder
authoritatively de aconselhamento (do Senado) nos casos da relação de magistrados com
os deuses (BEARD, 1990, 39; 40);
- A fragmentação da autoridade sacerdotal em Roma; a relação dos diferentes colégios
entre si; O sistema religioso romano não possuía um centro fixo: trata-se de uma religião
cujo centro estava (em termos de Derrida) constantemente “deferred”; Ainda que o
Senado fosse o centro do poder religioso, esse centro, como o centro do sistema religioso
como um todo, era esquivo/fugidio e intangível; O senatus consulta não era uma lei e não
possuía força estatutária; mas inspirava, emanava autoridade, e raramente era desafiada;
em teoria obedecida por consentimento e comum e acordo, mas que poderiam retroceder;
em volta desse centro esquivo/fugidio, os colégios podiam oferecer o foco de
reinterpretações e reformulações; O conhecimento religioso dos sacerdotes estava tão

2
“proper sanctified burial”
minuciosamente dividido entre diferentes colégios que a muito limitada área de expertise
confiada a cada colégio prevenia que essa expertise oferecesse um acesso independente
ao poder; Se compararmos com as magistraturas romanas, no ápice/topo da carreira
regular de cargos/ofícios está o cônsul, que possui amplo poder executivo sobre quase
toda área da vida romana. Esse poder é limitado, no entanto, pelo tempo: cada par de
cônsules permanece no cargo por apenas 12 meses; não é tempo suficiente para que um
magistrado ganhe, através do posto, uma base permanente de poder; Os sacerdotes
romanos ocupavam seus postos por toda vida; O poder de um sacerdote individualmente
e de cada colégio enquanto instituição era limitado pela extensão muito estreita de sua
especialização; A divisão de responsabilidades entre Senado e colégios na República
garante que a autoridade religiosa esteja o mais amplamente difusa quanto possível em
meio à elite romana (BEARD, 1990, 42, 43);
- Problemas romanos com classificação; a imensa variedade de colégios sacerdotais
romanos; dificuldades para generalizar em termos helenizantes; do ponto de vista grego,
a terminologia para discutir os colégios não foi facilmente estabelecida; No final da
República e início do Principado, era mais comum por parte dos autores gregos a
transliteração dos títulos sacerdotais romanos ou oferecer glossário explicativo (BEARD,
1990, 45);
- Em 12 AEC Augusto tornou-se PM e membro de todos os maiores colégios; Pela
primeira vez, conhecimento sacerdotal foi trazido para junto do poder executivo, e o
imperador, enquanto foco de autoridade política, tornou-se também foco de autoridade
sacerdotal; O padrão de fragmentação da autoridade religiosa e caráter de constante
“deferral” foi perdido; O poder religioso oficial estava claramente definido e localizado:
os discursos do imperador constituíam “religious policy”, que dependia para sua gênese
e eficácia de tudo aquilo que a estrutura da autoridade religiosa republicana não era
(BEARD, 1990, 48);
- Os livros de Títo Lívio que chegaram até nós que cobrem a República Média (219-167
AEC); Adivinhos regularmente citados empenhados em atividades romanas, na paz ou na
guerra: áugures; adivinhos etruscos, os haruspices, intérpretes de prodígios; os XVuiri s.f.
responsáveis pelos livros sibilinos; leitores/intérpretes de entranhas, também chamados
de haruspices, que praticam sua arte, a extispicy, em muitos atos de sacrifício público em
Roma e além (BEARD, 1990, 51); Os haruspices que faziam a leitura da exta nos
sacrifícios: embora não seja possível provar, parece que pertenciam a uma classe mais
baixa (embora talvez cidadãos), muito menos distintos que aqueles haruspices a quem o
Senado julgava mais adequado consultar (BEARD, 1990, 53);
- O que havia era a República, a res publica, o que torna complicado o uso do termo
“religião de estado”; Os rituais de adivinhação estavam amplamente disseminados em
meio às atividades religiosas, políticas e militares dos romanos; Os rituais religiosos
careciam de qualquer estrutura autônoma de poder; (BEARD, 1990, 52); Uma complexa
difusão de papeis – sacerdotes, magistrados, outros agentes rituais, o Senado e mesmo a
assembleia popular – todos possuem alguma influência na interpretação e no resultado
(BEARD, 1990, 53);
- Até onde sabemos, não havia nada que obrigasse o Senado a levar em consideração o
conselho dos sacerdotes em qualquer ocasião em particular; De acordo com relato de
Cícero (Dom. 40): os augures em 57 expressaram publicamente a visão de que as leis de
César de 59 eram uitiosae (viciosas); Fizeram isso em uma contio (ou seja uma reunião
convocada por um magistrado, Clodius), mas não em resposta a uma solicitação formal
pra um regulamento do Senado; E o Senado também não os consultou depois da contio;
O senado possuía boas razões políticas e autoridade para permitir que “considerações
prudentes” impedissem a consulta aos sacerdotes em questões de lei religiosa (BEARD,
1990, 52);
- Os três grupos de adivinhos não eram os únicos envolvidos nos atos públicos de
adivinhação; A tomada dos auspícios não era em geral conduzida pelos próprios áugures;
A tomada dos auspícios era principalmente dever dos magistrados, assim como a
execução de sacrifícios; Os auspícios eram tomados pelo magistrado em um momento
prescrito do exercício do seu cargo – antes da reunião do Senado, antes das assembleias
eleitorais ou legislativas, antes de ultrapassar o pomerium (os limites sagrados da cidade),
antes de uma batalha (BEARD, 1990, 52, 54);
- Na esmagadora maioria dos casos em que Lívio relata detalhes, a preocupação das
respostas dos sacerdotes e dos decretos do Senado não era com a interpretação dos
prodígios, e nem com a elucidação dos perigos que implicavam, muito menos com alguma
profecia específica a respeito do futuro, mas com o estabelecimento de uma cerimônia
apropriada para evitar os perigos, cujos prodígios foram um aviso; As respostas dos livros
sibilinos recordados por Lívio consistem quase todos em prescrições rituais; MacBain
argumenta que interpretações proféticas são dados característicos dos haruspices em
contraposição aos XVuiri (mas evidências a respeito dessa parte de suas atividades são
muito frágeis entre o início do século III e o final do segundo, o que inclui os bem
documentados anos de 219-167) (BEARD, 1990, 54);
- Pode-se argumentar que como o prodígio age como um alarme/advertência de um
desastre, há sempre implícito um elemento de conteúdo profético; Contudo, o que importa
não é a interpretação, mas a técnica, o conhecimento de como evitar a ameaça do desastre
(BEARD, 1990, 55);
- A leitura das entranhas tornou-se proeminente dos tempos de Cícero, enquanto outras
técnicas augurais caíram em descrédito, em parte tornaram-se “vítimas” de um processo
de mudança acidental; Uma categoria de auspícios ainda importante no século II eram os
auspícios militares, tomados pelo comandante antes da batalha; No primeiro século
perdeu lugar não por conta de uma decisão ou mudança de ideias religiosas mas porque
os homens que lutavam nas batalhas não mais assim o faziam durante os anos de seus
ofícios como cônsules, mas no ano seguinte como pro-cônsules, ainda qualificados para
comandar, mas não mais para tomar os auspícios (Cic. Div. 2, 76); A adivinhação militar
ainda tinha lugar mas não encontrava-se mais intimamente conectada com o ritual de
sacrifício antes da ação; A conclusão bem-sucedida de um sacrifício ritual se chamava
litatio, o que indica que os vários estágios do ritual haviam ocorrido sem erros ou
impedimentos e que o haruspex examinou as entranhas e as qualificou como satisfatórias
(BEARD, 1990, 55);
- Modo como Cícero no Diu. trata a adivinhação; Em parte o problema provém do modo
como Cícero opera com os conceitos da filosofia grega; Usa o termo diuinatio como uma
tradução do termo grego mantikê; O termo em latim, ao menos enquanto um termo
abstrato, não possui recorrência antes do uso de Cícero; O que Cícero faz em seu diálogo
é oferecer uma versão, cuidadosamente adaptada a uma audiência romana, de um debato
filosófico grego em específico; A sua preocupação principal não é oferecer um relato da
religião romana, e muitos menos um relato de seu desenvolvimento histórico; Preocupa-
se em conduzir um debate a respeito de um tema predeterminado em particular: é possível
para um adivinho, tendo por base suas habilidades ou talento, ter conhecimento a respeito
do futuro? (BEARD, 1990, 57); É possível que Cícero estivesse rearranjando e
reclassificando ocorrências conhecidas por ele, em um modo que seja apropriado às
exigências de um problema filosófico grego; Cícero e seus contemporâneos estão
ativamente engajados em um processo de repensar e rearranjar modos tradicionais de
pensamento e mesmo de vocabulário; Chama atenção a dependência de Cícero, para seus
exemplos, das atividades divinatórias públicas romanas (BEARD, 1990, 57);
- Há menções ocasionais, que sugerem desaprovação por parte da elite dos adivinhos das
classes mais baixas; Controversa passagem do livro de Catão, o Antigo, De Agricultura
(7, 4 - século II), sugere que a adivinhação poderia ter sido vista como uma força
ameaçadora já sob a República; Sobre o papel do uilicus, do supervisor, frequentemente
um escravo ou liberto, responsável pela propriedade/bens de um homem rico;
Aruspicem, augurem, hariolum, Chaldaeum nequem consuluisse uelet.
Não permite que [o uilicus] consulte um haruspex, augur, hariolus ou astrólogo
Os dois primeiros personagens parecem ser aqueles muito estimados, mas uma vez que
Catão os vê como disponíveis, ao menos potencialmente, para consulta por parte de um
mero uilicus, é mais provável que sejam os homens substitutos de uma classe inferior,
presumivelmente o haruspex como leitor de entranhas, e o augur como leitor dos sinais
dos pássaros (BEARD, 1990, 58); Todos esses diferentes especialistas deviam estar
disponíveis para consultas privadas; O que sugere a existência de uma tradição divinatória
mais rico do que se supõe; A passagem frequentemente é citada para demonstrar o
desprezo de Catão por adivinhos em geral; Recomenda a absoluta necessidade de manter
o uilicus em seu lugar devido, não permitindo que viole o controle do seu mestre sob o
negócio como um todo; Ao consultar os adivinhos, o uilicus pode estar ameaçando a
dominação do seu mestre, assim como o faria se contratasse, demitisse, comprasse ou
tomasse de empréstimo sem o consentimento/controle do seu mestre (BEARD, 1990, 59);
A advertência de Catão sugere o tema da relação entre o exercício do poder e o direito de
acesso ao divino (BEARD, 1990, 60);
- No tratado sobre a diuinatio Cícero está preocupado com predição ou profecia, mas o
grosso dos textos estão longe de sugerir que a profecia era o objetivo principal da
adivinhação romana; Sabemos de muitas ocasiões entre 140 e 40 que os haruspices
produziram predições próprio neste sentido; Na maior parte dos casos, eram estilizadas e
pouco especificas, prevendo dissensões civis, tumultos, intrigas, derrotas etc.; Muitas
dessas informações provêm de um autor do Alto Império, Julius Obsequens, cujas
informações foram metodicamente recolhidas de Lívio; Evitar reconstruções históricas
do seguinte tipo: uma vez que não há evidências de uma tradição profética para a Roma
arcaica, a profecia deve ser vista como um novo desenvolvimento a partir de influências
estrangeiras na República tardia (BEARD, 1990, 60);
- Uso da adivinhação como um meio de gerar confiança, ou restaurá-la depois de uma
derrota, desastre ou qualquer forma de crise, recriando por meio do ritual um sentido de
comunidade e de suporte externo e orientação à comunidade; Os romanos de fato às vezes
consultavam o oráculo de Delphi e havia um famoso oráculo próximo, o de Praenestre;
Mas essas consultas não pareciam ser procedimentos típicos (BEARD, 1990, 62);
Abordagem que sugere o uso da adivinhação como um meio de lidar/manejar as crises:
Liebeschuetz em “Continuity and Change” deu um passo considerável à frente ao refutar
a compreensão equivocada que, contudo, perdurou por muito tempo, segundo a qual todo
o sistema foi desacreditado por fraude e manipulação política (BEARD, 1990, 64);
- Na vida pública, o ato da adivinhação caracteristicamente toma lugar em momentos
predeterminados da ação política, e não em uma situação de crise isolada, de dúvida ou
conflito (BEARD, 1990, 62); Havia ocasiões nas quais os deuses eram certamente
consultados em processos de importantes tomadas de decisão; Três declarações de guerra
em Lívio, livros 31, 36 e 42, correspondentes às declarações contra Philip V, Antiochus
o Grande e Perseus; As passagens sugerem que os deuses eram consultados antes das
decisões serem tomadas, na realidade esse era o primeiro de três passos – deuses, senado
e comitia –, antes das negociações pelos oficiais responsáveis tomar seu curso; O senado,
é claro, esteve envolvido em negociações prévias e debates; se não houvesse uma maioria
em favor da guerra, eles não teriam jamais iniciado o processo de consulta; O que era
submetido aos deuses era o que o senado já possuía em mente (in animo) sobre a nova
guerra; É difícil interpretar isso como uma situação na qual conflitos entre grupos precisa
ser resolvido ou evitado; Ao invés disso, tratava-se de um programa ritual
cuidadosamente preparado posto em prática no primeiro dia de um novo consulado, e
seguramente dirigido a encorajar confiança nas votações flutuantes da comitia; As
respostas proféticas produzidas pelos haruspices nesses contextos dificilmente
desempenhariam essa função (BEARD, 1990, 64);
- As atividades dos sacerdotes eram parte integral do processo político da República
Romana, porque eles próprios não eram apenas sacerdotes, mas generais, magistrados,
oradores etc. (BEARD, 1990, 64);
- Uma característica comum de áugures, haruspices e XVuiri, tanto os etruscos quanto os
romanos, era a de que pareciam proceder a partir de registros escritos; A partir do final
da República, o estilo de procedimento dos sacerdotes deve ter compartilhado muitos
elementos em comum com historiadores, antiquários, oradores, os quais encontravam-se
engajados em atividades intelectuais características da elite senatorial (BEARD, 1990,
66);
- Pouca ênfase em discursos proféticos específicos; Poucos profetas identificáveis;
Contrasta com o papel do grego mantis; Elementos que não se encontram na tradição
romana: conquistas heroicas por parte de um adivinho; a recordação de seu nome e dos
seus feitos; reconhecimento público de sua glória; As inscrições haruspicais de Tarquinii
em Elogia Tarquiniensia (Mario Torelli); Haruspices que, ao menos em alguns casos,
estiveram ativamente envolvidos na vida política de Roma, e não apenas naquela de
Tarquinii; Trata-se de um registro local etrusco de sacerdotes considerados
individualmente; Nos registros romanos, os haruspices sempre aparecem como um grupo
sem nenhuma identificação; Mesmo no discurso que Cícero devota inteiramente a um dos
seus pronunciamentos, ele nunca menciona o nome de um único haruspex; O que temos
é uma percepção etrusca independente, bastante diversa da romana; O que nos registros
romanos sempre aparece como um grupo anônimo de sacerdotes, aos olhos dos etruscos
é uma advertência de um único, individual e identificável adivinho, cujos feitos podem
ser lembrados e registrados (BEARD, 1990, 66, 67, 68);
- Não há nada no sistema de adivinhação que possa tornar impossível utilizá-la para
se construir uma reivindicação alternativa de poder (BEARD, 1990, 68);
- Estreita conexão entre o auspicium, o direito de tomar os auspícios, e a autoridade
legítima do magistrado; A consulta aos deuses em nome/interesse do povo permaneceu
sendo uma função básica do magistrado ou pro-magistrado, provendo ao menos parte da
cerimônia por meio da qual seu poder é representado ou construído (BEARD, 1990, 69);
- Nos últimos anos da República e início do Principado, o adivinho nomeável/identificado
nominalmente reemerge [havia nos mitos do período régio], com a chegada de profecias
e prodígios conectadas com grandes homens; Parte devido a reorientação para as
dinastias, que assume uma parte vital no colapso de todo o equilíbrio do qual dependia a
República; Grandes homens que escolheram serem publicamente associados a um sistema
divinatório em particular. E ainda, a despeito de suas ideias, o adivinho serve como parte
da legitimação de sua posição (BEARD, 1990, 69, 70);
- A adivinhação romana pode ser vista como a expressão na esfera religiosa de algumas
das características dominantes da República Romana: ou seja a recusa/esforço de evitar a
concentração de muito poder em um único indivíduo; a tendência segundo a qual decisões
e ações operam por meio de grupos ou indivíduos que se alternam; a relutância em se
reconhecer as qualidades especiais ou carismáticas de um ser humano em especial
(BEARD, 1990, 69, 70);
- A elite governante organizou o sistema religioso romano de tal forma que contemple
seus mais veneráveis valores e sustente o seu controle político; mas esse sistema
permanece sempre vulnerável, ao menos potencialmente, à emergência de poderosas
iniciativas religiosas fora dos limites do sistema sustentado oficialmente (BEARD, 1990,
71);
SUBIR
- Cícero e Varrão possuíam conhecimento um do outro desde ao menos 59, e sabemos
que, enquanto debruçava-se sobre o De Republica (ao qual o De Legibus é um companion
piece), Cícero obteve alguns livros de Varrão (Cic., Att. 4. 14. 1; 16. 2) (GORDON, 1990,
181);
- Os XVuiri (que dificilmente comparecem nos relatos de Cícero) integram as profecias
daqueles círculos sacerdotais estrangeiros que, não obstante, podiam ter conhecimento da
vontade dos deuses, os fatidici e os uates, nos procedimentos públicos do estado
(GORDON, 1990, 181);
- A superioridade moral trazida pelas inovações religiosas de Numa justificam a
autoridade romana e hegemonia universal (Liv. 1. 21. 2). Ideologicamente, as reformas
religiosas de Numa tornaram possível para Roma assegurar os frutos das conquistas
militares implícitas na organização de Rômulo de uma sociedade militarizada
(GORDON, 1990, 184);
- Nem os cultos oferecidos às divindades nem as regras sob as quais elas são aplacadas
podem ser admitidos como produzidos diretamente por um grupo dominante socialmente-
interessado sob sua própria autoridade (GORDON, 1990, 196-7);
- Atos religiosos romanos destinados a apaziguar os deuses ou prevenir a sua cólera:
piacula; Dever que impõe a aparição desses signos extraordinários: procuratio
prodigiorum; Expiar a falta cometida e reconduzir as coisas ao primeiro estado:
instaurare sacrificium; Se os prodígios são declarados públicos (publicum prodigium) e
de responsabilidade do estado (suscipere prodigium) (BOUCHE-LECLERCQ, 1975,
174, 175, 176, 182);
- A disciplina religiosa exige a formalidade da cerimônia e do ritual (BOUCHE-
LECLERCQ, 1975, 176);
- [pontífices] testemunhar por meio de atos solenes de piedade o reconhecimento e a
submissão do povo romano (BOUCHE-LECLERCQ, 1975,182);
- Precaver-se de omissões involuntárias; A precaução era tão importante e as consciências
tão escrupulosas, que em pouco tempo as pessoas não se criam dispensadas do [sacrifício
da porca]; Aquele que transgredir um ritual funerário deve imolar todo ano, antes da
colheita, uma porca a Tellus e Ceres (porca praecidanea – praecidaria) [Gell. IV, 6. Paul.
p. 223] (BOUCHE-LECLERCQ, 1975, 179);
- A competência dos pontífices em matéria de expiação; A teologia pontifical, ao apreciar
a gravidade de uma falta, não levará em consideração as intenções; Supõe que todas as
transgressões são cometidas por inadvertência. Mas as transgressões cometidas
deliberadamente produzem a seus olhos uma mácula tal que ela é declarada incapaz de
desfazer/apagar (BOUCHE-LECLERCQ, 1975, 179, 180-1);
- A importância extrema que o estado atribui à conservação dos sacra gentilicia e priuata
e, por consequência, à supervisão da lei que regula sua transmissão hereditária
(BOUCHE-LECLERCQ, 1975, 201-2);
- Mas tudo o que concernia os cultos estrangeiros introduzidos pelos livros sibilinos, ou
que ultrapassava os recursos fornecidos pela tradição, remetia-se à apreciação dos XVuiri
sac. fac.; Os pontífices, observadores meticulosos dos costumes, não possuíam os meios
para resolver os casos imprevistos; Assim tiveram que ceder pouco a pouco a procuratio
prodigiorum; Os pontífices submetem à apreciação dos haruspices os prodígios cuja
interpretação lhes escapam; Se os deuses não estiverem satisfeitos com a procuratio, eles
o declaram fazendo aparecer nas entranhas da vítima signos desfavoráveis por meio dos
quais se reconhecia que o sacrifício não foi admitido (BOUCHE-LECLERCQ, 1975,180-
1, 184, 185);
- Os Xuiri s.f. empregavam mais o tesouro do estado e as economias dos cidadãos; Se os
fundos eram escassos, eles ordenavam somas/contribuições obrigatórias como os tributos
de guerra; Introduziam em Roma os deuses e os jogos e festivais da Grécia, para os quais
era necessário reservar fundos oriundos das despesas ordinárias (BOUCHE-LECLERCQ,
1975, 189);
- As zonas de competências de cada um dos colégios não estavam rigidamente
demarcadas (BOUCHE-LECLERCQ, 1975, 187);
- A eleição do P.M. deixou de ser atribuição do colégio e foi confiada aos comícios das
tribos - lei Hortensia (287); Contudo, a autoridade sacerdotal, fundada na lei divina, não
poderia de modo algum derivar da soberania popular; A eleição passou a repousar em
uma ficção legal; Os comícios mais indicavam do que impunham sua escolha; As tribos
votantes eram tiradas na sorte e os comícios presididos pelos pontífices; O colégio dos
pontífices conservou praticamente intacto sua autonomia. O P.M. permaneceu sendo
escolhido em seu seio, onde não se entra senão pela cooptação, ou seja, pela escolha do
próprio colégio (BOUCHE-LECLERCQ, 1975, 325, 326);
- O tribuno Cn. Domitius Ahenobarbus (104) irritado, segundo Suetônio (Nero. 2), por
não ter substituído seu pai no colégio dos pontífices, retomou os projetos de seu
predecessor C. Licinius e propôs de novo substituir a eleição à cooptação nos quatro
grandes colégios; A lei Domitia é admitida; Domitius entra no colégio e em 102 torna-se
P.M.; Sulla promulga uma constituição (Leges Corneliae), e o artigo dedicado aos
sacerdotes (Lex Cornelia de sacerdotiis) abole a lei Domitia (BOUCHE-LECLERCQ,
1975, 329, 330, 331);
- Lei Atia (63), proposta pelo tribuno T. Atius Labienus, foi vivamente apoiada por JC;
A conduta de César nos permite afirmar, na falta de provas diretas, que Sulla subtraiu a
eleição do P.M. ao controle popular e que a lei Atia a restituiu aos comícios; César entrou
para o colégio dos pontífices em 74; É mesmo possível que a lei Atia tenha restituído a
eleição do P.M. não aos comícios restritos, mas às XXXV tribos (Suet. Caes.13); A lei
Atia parece ter atribuído aos cônsules a presidência dos comícios sacerdotais; Sabemos
pouco da lei Julia de sacerdotiis promulgada provavelmente em 45. Cicero fala a respeito
dela em uma carta a Brutus em 43. Parece que manteve os usos existentes. César teria
julgado mais prudente orientar o sufrágio universal do que retirar suas prerrogativas
(BOUCHE-LECLERCQ, 1975, 334, 335, 336);

L. R. Taylor. Party Politics in the Age of Caesar (Berkeley, 1949) 90-7;


Livro: “Continuity and Change in Roman Religion” de Liebeschuetz 7-29;

L. R. Taylor. “Caesar’s colleagues in the pontifical college”, AJh 63 (1942), 385-412


NORTH, John. Diviners and Divination at Rome
J. A. North “Religion and politics, from Republic to Principate” JRS 76 1986
E. Rawson “Caesar, Etruria and the Disciplina Etrusca” JRS 68 (1978) 140-6
Procurar G. Blecher (escreve em alemão)
J. Linderski, PP 36 (1982); Beard “Cicero and divination”
Simbolismo augural nas moedas: J. R. Fears e Crawford
N. Denyer, “The case against divination: an examination of Cicero’s De Diuinatione”,
PCPhs…
P. Jal, “Les diuex e les guerres civiles dans la Rome dela fin de la République”, REL 40
(1962);

BIBLIOGRAFIA:
RÜPKE, J. Divination et décisions politiques dans la République romaine. Cahiers du
Centre Gustave Glotz, 16, 2005
___. “Different Colleges – Never Mind!?”. In: RICHARDSON, J.H.; SANTANGELO,
F. (ed.) Priests and State in the Roman World. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2011

BERTHELET, Y. Gouverner avec les dieux. Autorité, áuspices et pouvoir, sos la


République romaine et sous Auguste. Paris: Les Belles Lettres, 2015

BEARD. M. Priesthood in the Roman Republic. In: BEARD, M.; NORTH, J. (ed.)
Pagan Priests. Religion and Power in the Ancient World. Ithaca: Cornell University
Press, 1990

GORDON, Richard. From Republic to Principate: priesthood, religion and ideology. In:
BEARD, M.; NORTH, J. (ed.) Pagan Priests. Religion and Power in the Ancient World.
Ithaca: Cornell University Press, 1990
BOUCHE-LECLERCQ, Auguste. Les pontifes de l'ancienne Rome. New York : Arno
Press , 1975 [8°AM.333 - EFR]

 Nos tempos de Augusto e após a unificação da península e a disposição de Augusto


de reafirmar o suporte itálico que favoreceu a sua chegada ao poder recompensando
líderes itálicos com postos, era seguro trazer de volta antigas tradições. Ao mesmo
tempo, Roma havia se tornado mais confiante face à cultura grega, cuja absorvição
a preocupou largamente no primeiro século AEC;

A partir de então, em todo sacrifício do estado romano, um arúspice estava junto do


magistrado para interpretar as entranhas da vítima. Quando sérios portentos eram
reportados para o Senado, arúspices de toda a Etrúria eram convocados para a
cidade; Pode ser que o ordo de 60 arúspices conhecido do período imperial já
existisse na República tardia. Se assim o for, o ordo era um foco de conhecimento e
piedade, mas não de nacionalismo etrusco, já que a disciplina estava, desde antes
dos tempos de Sulla, aparentemente sob o controle do colégio sacerdotal romano
dos Xviri e depois XVviri; É estranho que Cícero não o mencione no seu discurso
“On the Responses of the Haruspices”, se existiu um; Se os conhecidos elogia aos
arúspices (??) de Tarquinii não provam uma ordo “pan-Etrusca” pra o período antes
de Sulla, eles ao menos atestam uma organização local em Tarquinii e nesse nível
um lugar fixo de reuniões, arquivos, biblioteca. Colégios assim devem ter existido
em muitas cidades etruscas;

 A partir do momento em que Roma começou a estabelecer um contato mais direto


com a própria Grécia e com o Oriente, deve ter-se inclinado a desprezar os gregos
da Magna Grécia (RAWSON, “Intelectual life”, 30)

***

 “Estratos de tempo”: permite separar analiticamente os diversos planos de


temporalidade de durações e origens distintas, mas que estão presentes em um
mesmo acontecimento/fenômeno social/estratégia de ação político-religiosa [no
caso a adivinhação, a tomada dos auspícios; a prática profética dos haruspices; atos
de expiação religiosa na condição de pontífice; general indo para a guerra; atuação
enquanto magistrado junto às assembleias e Senado] e que atuam simultaneamente;
Acontecem ao mesmo tempo, ainda que em diferentes ritmos; Estão no sentido
cronológico entrelaçados; Pluralidade dos estratos do tempo; Origens distintas
porque seus elementos constitutivos, e os seus respectivos registros de
temporalidade, podem emergir de contextos marcadamente heterogêneos; [Para o
caso da “previsibilidade/cálculo” político, considerar o recurso às práticas/artes de
adivinhação, a ratio epicurista...]; Assim, para cada forma de ação/atuação que
irradia desse mesmo fenômeno, estando cada forma regida por uma temporalidade
diversa, conflitos, compromissos e formas de consenso são simultaneamente
criados; A teoria dos estratos do tempo possui a capacidade de medir diferentes
velocidades, tornando visíveis os diferentes modos de mudança, que exibem grande
complexidade temporal (KOSELLECK, 2014, 14, 15, 16);
 Os vestígios da experiência em uma metodologia dos estratos do tempo estão
ordenados analiticamente em três estratos; A primeira constatação experiencial é a
da singularidade: os acontecimentos são vivenciados como ocorrências
surpreendentes e irreversíveis; A sucessão de singularidades libera inovações;
Ações singulares de indivíduos estão condicionadas e limitadas/assim como são
geradas pelos estratos de tempo que as perpassam que são comuns a outras
possibilidades correspondentes/compatíveis de ação humana; As estruturas de
repetição, recorrência, são precondições da singularidade; As estruturas de maior
duração parecem estáticas, mas também mudam (KOSELLECK, 2014, 12, 13, 16)
 A respeito das experiências acumuladas por indivíduos e gerações contemporâneas;
Rompe-se, e precisa ser reconstituído, o continuum entre a experiência adquirida e
a expectativa daquilo que virá; o rompimento é provocado por esse mínimo temporal
entre um antes e um depois irreversíveis; O conjunto de experiências acumuladas e
a capacidade de processar as surpresas constituem um patrimônio finito que se
estende entre o nascimento e a morte de um ser humano; O que podemos dizer sobre
a experiência de repetição e o processamento de singularidades sempre se refere a
gerações contemporâneas, que se comunicam e trocam experiências; Atitudes
religiosas e suas concepções de mundo se repetem em ritmos tão lentos que suas
mudanças não podem ser vivenciadas diretamente pelas gerações (KOSELLECK,
2014, 16);

 As atitudes subjetivas que dizem respeito às expectativas; Expectativas de


“racionalização/cálculo” da experiência; Impõe-se, do ponto de vista metodológico,
distinguir a forma linguística e os fatos, pois a formulação de uma “racionalização”
da experiência não é idêntica a uma “racionalização” da história real
(KOSELLECK, 2014, 14, 15);

RETIRADO DO MATERIAL DE QUALIFICAÇÃO:


Afastar essa visão reducionista é crucial para nossa análise porque as formas de
adivinhação que são objeto de nossa pesquisa, a consulta (ou tomada) dos auspícios e a
interpretação e expiação dos prodígios, passaram a desempenhar, ao longo das guerras
civis do século I AEC, um papel ainda mais relevante nos processos de tomada de decisão
política. Defendemos a tese de que as facções da elite romana recorreram com maior
frequência às suas prerrogativas sacerdotais durante as guerras civis do século I AEC,
mas não como formas vazias de manipulação política, e sim como instrumentos de
controle político. Um dos desdobramentos desse processo foi que os haruspices passaram
a ser mais solicitados para o manejo dos prodígios. Vimos que Cícero, contrário às
consequências de sua prática divinatória, que poderia conter um elemento profético
desestabilizador, recomendou seu controle. Ainda que movido por preocupações
distintas, também não escapou ao poeta epicurista (1. 102 – 9) essa mudança em curso, já
que a crescente influência dos adivinhos etruscos resultou em um número maior e mais
detalhado de predições:
“E eis que até tu procuras afastar-te de nós uma vez ou outra,
vencido pelas palavras assustadoras dos adivinhos!
E, na realidade, quantas fantasias eles são capazes de inventar
que podem mesmo alterar os critérios de comportamento
e perturbar com o medo todas as alegrias da tua existência!
E é natural que assim seja. Na verdade, se os homens compreendessem
que os seus sofrimentos têm um termo fixado, poderiam
com fundamento resistir ao temor religioso e às ameaças dos adivinhos.”
Tutemet a nobis iam quouis tempore uatum/terriloquis uictus dictis desciscere quaeres./quippe etenim
quam multa tibi iam fingere possunt/somnia, quae vitae rationes uertere possint/fortunasque tuas omnis
turbare timore!/et merito; nam si certam finem esse viderent/aerumnarum (sofrimento) homines, aliqua
ratione valerent(poderiam)/religionibus atque minis obsistere vatum.

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