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BREVES COMENTÁRIOS SOBRE TEMAS

RELACIONADOS AO DIREITO DE IMAGEM NO ÂMBITO


DO FUTEBOL PROFISSIONAL BRASILEIRO

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE TEMAS RELACIONADOS AO DIREITO DE


IMAGEM NO ÂMBITO DO FUTEBOL PROFISSIONAL BRASILEIRO
Revista Brasileira de Direito Desportivo | vol. 1/2002 | p. 45 - 48 | Abr / 2002
DTR\2011\1964

Luiz Otávio Rodrigues Ferreira


Advogado pela PUC-SP, especializou-se em Administração Esportiva pela FGV/SP,
membro da International Sports Law Association, professor do módulo de Direito
Desportivo do curso de Administração para Profissionais de Esportes da EAESP-FGV,
colunista de sites da Internet, escrevendo sobre temas de Direito Desportivo e
Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

Área do Direito: Desportivo


Sumário:

A questão da cessão de direitos de imagem no desporto brasileiro, principalmente no


futebol profissional, vem sendo objeto de vastas discussões doutrinárias e,
recentemente, jurisprudenciais. Tem-se debatido muito a respeito da limitação da
utilização da imagem, da titularidade para a efetivação da cessão e, principalmente, de
qual é a extensão da imagem cedida.

Vejamos o caso da cessão da imagem das entidades de prática desportiva de futebol


profissional, mais conhecidas como “clubes de futebol”.

Existe uma grande discussão, principalmente doutrinária, a respeito da extensão da


imagem dos clubes. Isso porque há uma certa dificuldade em se precisar o que faz e o
que não faz parte do clube.

Assim como ocorre em qualquer empresa (automóveis, alimentos, vestuário, etc.), os


clubes incorporam bens e empregados. Quanto aos bens (por exemplo, os ativos
patrimoniais) não há dúvidas de que esses estão intimamente ligados à instituição
“empresa”. Porém, no que toca aos empregados, há certas restrições.

Os empregados têm para si o direito, constitucionalmente resguardado, à sua própria


imagem. Se se deixam fotografar para campanhas e promoções, associando sua imagem
à empresa, fazem-no por liberalidade ou em troca de pequena remuneração ajustada
com o empregador. Não há um interesse específico na imagem dos empregados das
empresas de automóveis, alimentos e vestuários, porque esses não são como se
costuma dizer “pessoas públicas”, cuja imagem possui um valor social destacado. Já não
é o que ocorre com artistas de televisão, políticos e, in casu, jogadores de futebol
profissional.

Os jogadores de futebol profissional, ao firmarem seus contratos de trabalho com os


clubes, podem, se assim lhes convier, ceder os direitos de exploração de sua imagem
para estes últimos. Isso deve ser feito em contrato apartado (até porque o contrato de
trabalho não prevê a cessão da imagem) e deve perdutar, salvo disposição em contrário,
por prazo determinado.

Em havendo tal contrato, o clube passa a poder explorar a imagem do atleta. Caso
contrário, pode haver questionamento por parte dos atletas ou de quem seja o detentor
dos direitos sobre a imagem do atleta em razão do uso indevido.

Por outro lado, há o costume de se afirmar que no futebol a imagem do atleta está
automaticamente ligada ao clube. Isso porque, segundo os clubes, a atividade de cada
agremiação se expressa por meio das disputas de competições por parte de suas
equipes. Por conseguinte, muitos entendem que a imagem do atleta está associada à
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equipe, pois quem compete e dá ensejo às disputas são esses times. A Sociedade
Esportiva “A”, por exemplo, não pode competir com os atletas do “B” Futebol Clube, mas
apenas e tão-somente contra o próprio “B” Futebol Clube e vice-versa.

Existe, ainda, a questão relativa à imagem coletiva dos atletas. Pode-se entender que a
imagem dos atletas de forma coletiva e com o fardamento oficial do clube captada por
meio de fotos é de titularidade da entidade. E, sem dúvida, parece esse ser o
entendimento mais sensato. Porém, deve-se mencionar que não há nenhum dispositivo
legal que expressamente defina a imagem coletiva dos atletas, tampouco se é de
titularidade do clube. Essa lacuna legal pode levar os atletas que não cederam os direitos
sobre sua imagem ao clube ou que não receberam remuneração pela exposição pública
(como prevê a Lei do Direito de Arena) a pleitear indenização por uso indevido da
imagem.

Devemos salientar que não há um posicionamento definido por parte da jurisprudência


no que toca à questão da extensão da imagem dos clubes. Os entendimentos
supramencionados são defendidos pelas partes interessadas, com base na argumentação
que lhes aprouver. Isso tem levado os clubes e os atletas a definir a questão da cessão
da imagem antes do início da relação de trabalho, o que, em parte, vem prevenindo
eventuais litígios a respeito do assunto.

Por via de regra, o clube só pode ceder os direitos sobre os quais é titular.

Nesse sentido, é imprescindível que antes de se fazer uso de imagens do clube,


principalmente as que estejam relacionadas a equipes e atletas, seja feita uma
averiguação sobre a titularidade e disponibilidade da imagem, a fim de possibilitar sua
utilização sem risco de questionamentos por uso indevido dela.

Ainda em relação ao tema, uma questão importante tem gerado dúvidas para clubes,
atletas e empresários: quem é o titular dos direitos sobre as fotos, transmissões e outros
meios de reproduções do espetáculo?

Até meados dos anos 80, não eram travadas tantas discussões a respeito desse tema,
uma vez que a valorização dos direitos sobre o espetáculo (incluídas as transmissões de
eventos e reprodução pelos mais diversos meios) é algo que se consolidou apenas na
última década.

Mesmo assim, apesar da valorização e da crescente exploração comercial dos direitos


sobre a imagem e da transmissão do espetáculo, o legislador brasileiro esquivou-se de
dar ao tema uma orientação jurídica à altura, deixando espaço para muitas dúvidas e
complexas discussões acerca do assunto.

Na prática, muitas dessas discussões têm sido estancadas por acordos entre clubes,
atletas, empresas e empresários para divisão de receitas e cessão de direitos sobre o
evento. A quase totalidade dos acordos não tem suporte legal, já que, com exceção da
Lei de Direitos Autorais (aplicada por analogia), não há dispositivos legais que tratem
especificamente do tema.

Isso significa dizer que exatamente pela falta de um posicionamento legal definido e de
uma legislação própria, a tutela dos direitos sobre a imagem e transmissão do
espetáculo esportivo fica à mercê de decisões judiciais, sustentadas por orientação
jurídica aplicada em casos análogos, direito comparado ou por teses que vêm sendo
construídas por advogados com a conjunção de artigos legais de diversos ramos do
Direito.

Para se ter uma idéia da situação em que se encontra a questão apontada neste tópico
do trabalho, analisemos um exemplo do que tem ocorrido em termos práticos: uma
partida entre o Clube “X” e o Clube “Y” disputada pelo Campeonato Carioca no Estádio
do Maracanã. Temos o seguinte:

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– os direitos de transmissão do espetáculo, de receita de bilheteria, de exploração da


imagem, entre outros, são detidos, em princípio, por “X” e “Y”, protagonistas do evento;

– alguns desses direitos (transmissão e receita de bilheteria, por exemplo), antes da


competição, são repassados de forma onerosa à Federação de Futebol do Estado do Rio
de janeiro, responsável pela organização do evento;

– os direitos de transmissão do espetáculo pela televisão são cedidos, também a título


oneroso, a terceiros (rede de televisão) que, individualmente ou por meio de um
conglomerado, passam a detê-los;

– esses direitos podem ser desmembrados e repassados a outros terceiros (outras redes
de televisão) que utilizam apenas parte das imagens (“gols”) em seus telejornais ou
periódicos esportivos;

– a transmissão do evento é gravada e utilizada pelo terceiro detentor dela, quando lhe
convier.

Do exemplo supratranscrito vislumbram-se as seguintes questões: a rede de televisão


que comprou os direitos de transmissão é titular e detentora das imagens do espetáculo?
E o direito dos clubes? E dos atletas?

Aplicando-se o disposto no artigo 49 da Lei n. 9.610/98 (Nova Lei dos Direitos Autorais),
parece-nos, pelo menos em princípio, que, se as entidades de prática esportiva ou a
Federação cederam, por escrito, por meio de contrato, os direitos que detinham para
terceiro interessado, esse terceiro interessado passou, então, a ser a titular da
transmissão e, por conseguinte, das imagens captadas durante o evento. E, por ser a
titular desses direitos, cabe-lhe o direito de autorizar os clubes, na forma que lhe
convier, a utilizar as imagens que captou e pelas quais pagou para ser a titular.

Cumpre ressaltar que mencionamos “em princípio” porque toda a questão envolvendo a
cessão dos direitos sobre a transmissão e as imagens captadas nos jogos de futebol vai
depender do que foi expressamente pactuado entre as partes interessadas.

A Lei n. 9.610/98, em seu artigo 49, prevê não só a cessão dos direitos da obra ou do
evento, mas também a autorização para uso, o licenciamento, a concessão, parcial ou
total. Logo, o clube pode ceder o direito de transmissão do evento e se reservar o direito
de uso das imagens captadas por terceiro para uso promocional. Também pode, por
exemplo, em caráter alternativo, autorizar a transmissão de apenas parte do evento, se
assim entender.

Isso nos leva a concluir que é preciso ter um certo cuidado com o uso de imagens
captadas por rede de televisão ou outros meios, como CD-ROM, DVD, CD ou Internet.
Por exemplo, uma eventual previsão contratual em que determinado clube cede a um
terceiro os direitos sobre sua imagem e sua fixação em qualquer tipo de suporte de
formato ou tecnologia existente ou que venha a ser criada, notadamente, mas não se
limitando, por meio de videocassete, televisão, Internet, CD, CD-ROM e DVD, é lícita e
executável, desde que o clube seja o detentor dos direitos sobre as imagens ou tenha
autorização para utilização delas.

A titularidade das imagens ou a autorização para uso delas deve ser verificada no clube.
É fundamental que sejam avaliados contratos e acordos feitos, antes de se iniciar
qualquer ação no sentido de exploração comercial de imagens de jogos, gols e partidas
dos clubes de futebol envolvidos, verificando-se, pormenorizadamente, o que foi
pactuado.

As mesmas recomendações valem quando se discute a questão da cessão da imagem


dos atletas de futebol profissional.

Vejamos:
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Quando se discute futebol no Brasil, grande parte da doutrina e imprensa especializada


confunde o “direito de imagem” com o chamado “direito de arena”, mencionando, por
diversas vezes, que o direito de arena é aquele detido pelo atleta. Esse é um erro
sensível.

Atendo-nos ao conceito contido na legislação de direitos do autor, temos que o direito de


arena é o direito que tem a entidade a que esteja vinculado o atleta de autorizar, ou
proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos, de
espetáculo desportivo público, com entrada paga, distribuindo-se, salvo convenção em
contrário, 20% do preço da autorização, em partes iguais, aos atletas participantes do
espetáculo.

A partir dessa disposição, pode-se verificar que o direito de arena não é do atleta, mas
da agremiação que integra, com relação limitadamente ao espetáculo fixado em imagens
e por ela autorizado à exibição pública.

Cabe ao atleta uma participação sobre o direito de arena, que é prevista em lei. Por
outro lado, independentemente do direito de arena, é direito do atleta a exploração de
seu direito de imagem como protagonista do espetáculo.

A utilização pública das imagens dos atletas integrantes das partidas só pode ser
efetivada pelos interessados mediante a autorização prévia, individual dos atletas, que
são os titulares incontestes da imagem, como, aliás, o é qualquer pessoa, ainda que
despida de alguma notoriedade.

Para grande parte da doutrina e jurisprudência especializadas, o atleta, na prática da sua


modalidade esportiva, é hoje equiparado ao artista e a sua “obra”, isto é, sua atuação e
relação com o clube reveste-se de um caráter especial.

Alguns clubes contestam a necessidade da autorização para utilização ou da cessão dos


direitos sobre a imagem do atleta. Argumentam que a imagem do atleta é inerente à
agremiação que este defende. Segundo os próprios clubes, só o fato de jogar futebol
profissional expõe o atleta publicamente, e essa exposição faz parte da sua atividade:
não há por que solicitar uma autorização ao atleta para que este ceda sua imagem antes
de entrar em campo.

Todavia, a exploração comercial ou promocional da imagem do atleta, pelo menos para


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grande parte da jurisprudência, depende de cessão específica ou autorização expressa.

Não obstante tal orientação, atualmente a maioria dos grandes clubes brasileiros detém
o direito de exploração de imagem dos jogadores. Não se trata de um contrato de
cessão de imagem pormenorizado, com condições específicas para seu cumprimento,
como ocorre na Europa e nos Estados Unidos. Pelo contrário, a cessão da imagem, no
Brasil, é fruto de um planejamento tributário lançado pelos clubes e atletas para
diminuição no pagamento de encargos trabalhistas. Mas isso, para o caso em análise,
pouco importa.

Pelo exposto, é evidente que a questão da cessão da imagem e dos direitos de


transmissão, no Brasil, é extremamente complexa.

Os breves comentários acima tecidos procuraram oferecer uma visão geral de algumas
questões diretamente relacionadas ao tema.

É fato que muitas empresas de marketing esportivo e entretenimento, interessadas na


exploração comercial da imagem de clubes e atletas, devem, antes de dar início a
qualquer negócio, procurar se certificar da titularidade dos direitos sobre tais imagens e,
principalmente, de sua legalidade, antes de iniciar alguma ação que as utilize.

A falta de uma legislação específica sobre o tema e de decisões judiciais mais


aprofundadas exige essa precaução, para que essas empresas não venham a ser
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lesadas, futuramente, por uso indevido de imagens que não possuem ou não estão
autorizadas a utilizar e explorar.

1 a) “ Indenização – Direito à imagem – Jogador de Futebol – Álbum de figurinhas – Ato


ilícito – direito de arena (I…); II) A exploração indevida da imagem dos jogadores de
futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas,
constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano; III) O direito de arena, que
a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão
de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido, por exemplo, em
edição de ‘álbum de figurinhas’”. (STJ – 4.ª T, Resp n. 67.292-RJ, Rel. Min. Barros
Monteiro, j. 3/12/1998, v.u.) RSTJTRF 121/121, e
b) – “ Direito de Arena – Limitação – Direito de Imagem – O direito de arena é uma
exceção ao direito de imagem, e deve ser interpretado restritivamente. A utilização com
intuito comercial da imagem do atleta fora do contexto do evento esportivo não está por
ele autorizado. Dever de indenizar que se impõe (…)” (STJ – 3.ª T., AgRg no AI n.
141987-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 15/12/1997; v.u.).

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