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Terras no Universo

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As Terras no nosso Sistema Solar
que são chamadas Planetas
e as Terras no Céu Astral.

Os seus Habitantes e também os Espíritos e Anjos


de lá, pelo que foi ouvido e visto.

TERRAS NO UNIVERSO

Da obra em latim de
E MANUEL S WEDENBORG
(um servo do Senhor Jesus Cristo)
publicada pelo mesmo em Londres, 1758, e intitulada

"De Telluribus in Mundo Nostro Solari, Quae


vocantur Planetae: Et de Telluribus in Coelo
Astrifero: Deque illarum Incolis; tum de
Spiritibus et Angelis ibi; Ex Auditis et Visis."

Sociedade Religiosa "A Nova Jerusalém"


Rio de Janeiro
1993
Tradução:
Rogério Figueira Dalcin

Revisão:
Lygia C. Figueira Dalcin

Consultantes e colaboradores:
Andrew J. Heilman,
Cristóvão R. Nobre
J. B. Anjo Coutinho e
Luiz A. Magalhães

Pré-edição
Tiragem para circulação restrita
Agosto 1993
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Índice

C APÍTULO : P ÁG .

Introdução................................................................7
A Terra ou Planeta Mercúrio.........................................12
A Terra ou Planeta Júpiter...........................................32
A Terra ou Planeta Marte............................................60
A Terra ou Planeta Saturno..........................................72
A Terra ou Planeta Vênus............................................75
Os Espíritos e os Habitantes da Lua................................78
As Razões pelas quais o Senhor quis
nascer em nossa Terra e não em uma outra...............79
Das Terras no Espaço Sideral........................................83
Da Primeira Terra no Espaço Sideral...............................86
Da Segunda Terra no Espaço Sideral...............................93
De uma Terceira Terra no Espaço Sideral........................97
De uma Quarta Terra no Espaço Sideral.........................102
De uma Quinta Terra no Espaço Sideral.........................111
Terras no Universo

1. Pela Divina Misericórdia do Senhor, os interiores que


pertencem ao meu espírito me foram abertos; e por esse meio
foi-me possível falar não somente com os espíritos e os anjos que
estão próximo de nossa Terra, mas também com os que estão
próximo de outras terras. Tendo tido, por conseqüência, desejo
de saber se existiam outras terras, quais seriam tais terras e
quais os seus habitantes, foi-me possibilitado falar e conversar
com os espíritos e anjos que provêm de outras terras, com uns
por um dia, com outros por uma semana e com outros por meses,
e ser instruído por seu intermédio sobre as terras das quais
provinham e perto das quais estavam, e a respeito da vida, dos
costumes, e do culto dos habitantes, e das diversas coisas dignas
de serem relatadas. E, visto que foi possível saber essas coisas
dessa maneira, é permitido descrevê-las, de acordo com o que
foi ouvido e visto. É preciso que se saiba que todos os espíritos e
todos os anjos provêm do gênero humano(1); que eles estão
próximo de sua terra(2); e sabem o que há lá; e que a pessoa

Dos ARCANOS CELESTES, em que as coisas contidas nestas notas e nas que se
seguem foram explicadas e mostradas:
1
Não existem espíritos nem anjos que não provenham do gênero humano. No 1880.
2
Os espíritos de cada terra estão próximos de sua terra, e isso porque provêm dos
habitantes e são semelhantes a eles em índole; e que devem ser-lhes úteis. No 9968.
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cujos interiores foram abertos de tal modo que possa falar e


conversar com eles, pode ser instruída por seu intermédio; pois o
ser humano em sua essência é um espírito(3); e está junto a
espíritos quanto a seus interiores(4); aquele, pois, em quem os
interiores são abertos pelo Senhor, pode falar com eles, como
uma pessoa com outra(5). Isso me foi concedido a cada dia, agora
por doze anos.
2. Que existem muitas terras, e sobre elas seres
humanos, e daí espíritos e anjos, é bem sabido na outra vida,
pois, lá, a quem quiser por amor da verdade e do uso que daí
procede, lhe é concedido falar com espíritos de outras terras e
ser por isso confirmado sobre a pluralidade dos mundos, e ser
informado de que o gênero humano não provém somente de uma
só terra, mas de inúmeras terras e, além disso, de que natureza
e vida são os habitantes, e qual é o seu culto Divino.
3. Falei algumas vezes com espíritos de nossa Terra sobre
esse assunto e foi dito que a pessoa que goza de um bom
entendimento pode saber, pelas muitas coisas que conhece, que
há muitas terras e que lá existem seres humanos. Pois, pela
razão, ela pode concluir que massas tão grandes como são os
planetas, dos quais alguns ultrapassam esta Terra em grandeza,
não são massas vazias e criadas somente para serem conduzidas e
percorrerem o espaço ao redor do sol e darem um pouco de sua
luz a uma só terra; mas é preciso que seu uso seja mais
importante que isso. Quem crê, como cada um deve crer, que o
Divino não criou o universo com outro propósito senão a fim de
que exista o gênero humano, e o céu daí proveniente (pois o
3
A alma, que vive após a morte, é o espírito do ser humano, o que é, no ser humano, o
próprio ser humano, e aparece também na outra vida em perfeita forma humana. Nos 322,
1880, 1881, 3633, 4622, 4735, 6054, 6605, 6626, 7021 e 10594.
4
O ser humano, também quando está no mundo, quanto a seus interiores, assim, quanto
ao espírito ou a alma, está no meio de espíritos e anjos que são tais como ele mesmo é.
Nos 2379, 3645, 4067, 4073, 4077.
5
O ser humano pode falar com os espíritos e os anjos e os antigos na nossa Terra
freqüentemente falavam com eles. Nos 67-69, 784, 1634, 1636 e 7802. Mas atualmente é
perigoso falar com eles, a menos que a pessoa esteja na fé verdadeira e seja guiada pelo
Senhor. Nos 784, 9438, 10751.
Emanuel Swedenborg 9

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gênero humano é a sementeira do céu), não pode agir de outro
modo senão crer que existem seres humanos onde quer que haja
alguma terra.
Que os planetas, que são visíveis aos nossos olhos porque
se encontram dentro dos limites deste sistema solar, são terras,
pode-se saber claramente por isto, que são corpos de matéria
terrestre, visto que refletem a luz do sol e porque, observados
com telescópios, aparecem, não cintilantes de chama como as
estrelas, mas sim como terras matizadas de partes obscuras. E,
também, porque são, como nossa Terra, conduzidos ao redor do
sol e progridem pela via do zodíaco e, por conseguinte, marcam
anos e estações do ano, que são a primavera, o verão, o outono e
o inverno. Do mesmo modo, como nossa Terra, giram ao redor de
seu eixo e, por conseguinte, marcam dias e os períodos do dia, a
saber, a manhã, o meio-dia, a tarde e a noite. E ainda mais,
alguns dentre eles têm luas, que são chamadas satélites, e
movem-se em tempos determinados ao redor de seu globo, como
a lua ao redor do nosso. E o planeta Saturno, porque está muito
distante do sol, tem um anel luminoso que dá muita luz àquela
terra, ainda que seja refletida. Quem é que, conhecendo estas
coisas e pensando pela razão, pode dizer que eles são corpos
vazios?
4. Além disso, falei com espíritos que o ser humano pode
ser capaz de crer que há no universo mais que uma só terra; por
isso, o céu astral é tão imenso e nele existem inúmeras estrelas,
10 Terras no Universo

e cada uma delas em seu lugar ou em seu mundo é um sol, como


nosso sol, em vários tamanhos. Quem quer que pondere
corretamente conclui que esse todo tão imenso não pode ser
senão um meio para um fim, que é o último da criação, cujo fim
é um Reino Celeste onde o Divino possa habitar com anjos e
homens. Com efeito, o universo visível, ou o céu iluminado por
inúmeras estrelas, que são tantos sóis, é somente um meio para
que existam terras e nelas seres humanos, dos quais o Reino
Celeste é formado. Assim a pessoa racional não pode agir de
outro modo senão pensar que esse meio imenso para tão grande
fim não foi feito para o gênero humano de uma só terra e o Céu
daí proveniente. Que seria isso para o Divino, Que é Infinito, a
Quem milhares e mesmo miríades de terras, e todas cheias de
habitantes, seriam muito pouco e dificilmente alguma coisa?
5.Além disso, o céu angélico é tão imenso que
corresponde a cada coisa no ser humano, e existem miríades de
coisas que correspondem a cada uma de suas afeições. E pude
saber que o céu não pode de jeito nenhum existir, quanto a
todas as suas correspondências, senão pelos habitantes de um
número de terras muito grande(6).
6. Existem espíritos cuja única aplicação é adquirir
conhecimentos para si próprios, porque eles só se deleitam com
isso. Em conseqüência, é permitido a esses espíritos irem por
toda parte e também passarem deste sistema solar para outros
sistemas, e adquirirem conhecimentos para si. Esses disseram
que existem terras com seres humanos nelas, não somente neste
sistema solar, mas também fora deste sistema, no céu astral, em
número imenso. Esses espíritos são do Planeta Mercúrio.

6
O céu corresponde ao Senhor, e o ser humano, quanto a toda e cada uma de suas
coisas, corresponde ao céu e, por conseguinte, o céu, perante o Senhor, é um ser humano
em grande efígie, e deve ser chamado o Máximo Homem. Nos 2996, 2998, 3624-3649,
3741-3745, 4625. Sobre a correspondência do ser humano e de todas as suas partes com
o Máximo Homem, que é o céu, em suma, ver o que lá está pelos próprios acontecimentos
relatados. Nos 3021, 3624-3649, 3741-3750, 3883-3896, 4039-4051, 4218-4228, 4318-
4331, 4403-4421, 4527-4533, 4622-4633, 4652-4660, 4791-4805, 4931-4953, 5050-5061,
5171-5189, 5377-5396, 5552-5573, 5711-5727, 10030.
Emanuel Swedenborg 11

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7.Quanto ao que concerne em geral ao culto Divino dos
habitantes de outras terras, todos os que lá não são idólatras
reconhecem o Senhor como único Deus. Com efeito, eles adoram
o Divino, não como um Divino invisível, mas como visível, e isso
também porque, quando o Divino lhes aparece, Ele aparece na
forma humana, como antigamente, do mesmo modo por que
aparecia a Abrahão e a outros nesta Terra(7). E os que adoram o
Divino sob a forma humana são todos aceitos pelo Senhor(8). Eles
dizem também que ninguém pode prestar culto a Deus
diretamente, e menos ainda estar conjunto a Ele, sem que
compreenda por meio de alguma idéia, e que Ele não pode ser
compreendido senão na forma humana; e que, se não for assim a
visão interior de Deus que pertence ao pensamento é dissipada
como a visão do olho, quando se fita o universo sem limite; que,
então, o pensamento não pode deixar de cair sobre a natureza, e
esta ser adorada no lugar de Deus.
8. Quando lhes foi informado que o Senhor assumiu o
Humano em nossa Terra, refletiram um pouco e, depois,
disseram que isso foi feito para a salvação do gênero humano.

7
Os habitantes de todas as terras adoram o Divino sob a forma humana, assim o
Senhor. Nos 8541-8547, 10159, 10736-10738. E se alegram quando ouvem dizer que Deus
se fez realmente Homem. No 9361. Não se pode pensar a respeito de Deus, senão na
forma humana. Nos 4733, 5110, 5663, 7211, 10067, 10267.
8
O Senhor recebe todos os que estão no bem, e que adoram o Divino sob a forma
humana. Nos 7173, 9359.
12 Terras no Universo

*******
Emanuel Swedenborg 13

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A Terra ou Planeta Mercúrio


e seus Espíritos e
Habitantes

9. Que o céu todo representa um só ser humano que é,


por isso chamado o Máximo Homem, e que todas e cada uma das
coisas no ser humano, tanto as exteriores quanto as interiores,
correspondem a esse Máximo Homem, ou ao céu, é um arcano
ainda não conhecido no mundo, mas, que isso seja assim, é o que
foi mostrado em várias partes (veja rodapé 6). Mas, para
constituir esse Máximo Homem, os que vêm de nossa Terra para o
céu não são suficientes, são relativamente poucos; é preciso que
eles venham de muitas outras terras e é provido pelo Senhor para
que, assim que falte em algum lugar uma qualidade ou uma
quantidade para a correspondência, sejam logo tiradas de uma
outra terra pessoas que preencham esse lugar, a fim de que a
relação exista e assim sustente o céu.
10. O que os espíritos do Planeta Mercúrio representam
no Máximo Homem também me foi revelado do céu: é a
memória, mas a memória de coisas abstraídas do que é terrestre
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e puramente material. Ora, como me foi possível falar com eles,


e isso por muitas semanas, e vir a saber de que natureza eles
são, e examinar como acontece com os que estão naquela terra,
vou relatar as [minhas] próprias experiências.
11. Uns espíritos vieram a mim e foi-me comunicado do
céu que eram de uma terra próxima ao Sol, que é na nossa Terra
chamada pelo nome de Planeta Mercúrio; e assim que chegaram,
procuraram o que eu sabia pela minha memória (é o que os
espíritos podem fazer muito habilmente, pois, quando vêm à
pessoa, vêem em sua memória cada uma das coisas que lá estão)
(9)
; enquanto eles procuravam várias coisas, entre elas, as cidades
e os lugares onde eu estivera, notei que não queriam tomar
conhecimento dos templos, palácios, casas e ruas [em si], mas
somente das coisas que eu sabia terem acontecido nesses lugares
e depois, as concernentes ao governo, à aptidão e aos costumes
das pessoas de lá, e outras coisas semelhantes, pois tais coisas
são associadas com os lugares na memória do ser humano; é por
isso que, quando os lugares são lembrados, elas também
sobrevêm. Admirei-me de que esses espíritos fossem assim e, por
isso, perguntei-lhes por que desprezavam as magnificências dos
lugares e procuravam somente as coisas e os fatos que ali se
passaram. Responderam que não tinham prazer nenhum em
considerar coisas materiais, corporais e terrestres, mas que
amavam somente contemplar as coisas reais. Daí foi confirmado
que os espíritos dessa terra representam no Máximo Homem a
memória das coisas abstraídas do que é material e terrestre.
12. Foi-me informado que tal é a vida dos habitantes
nessa terra, isto é, que eles não dão atenção alguma às coisas
terrestres e corporais, mas que se ocupam dos estatutos, leis e
governos das nações que lá existem, e também das coisas que
têm relação ao céu, que são inumeráveis. Também tomei
conhecimento de que muitas das pessoas dessa terra falam com

9
Os espíritos entram em todas as coisas da memória da pessoa, mas não pela sua
própria memória nas coisas do homem. Nos 2488, 5863, 6192, 6193, 6198, 6199, 6214.
Os anjos entram nas afeições e nos fins pelos quais e por causa dos quais a pessoa pensa,
quer e age de uma maneira e não de outra. Nos 1317, 1645, 5854.
Emanuel Swedenborg 15

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espíritos, e que daí lhes vêm os conhecimentos das coisas
espirituais e dos estados da vida após a morte e também o
desprezo pelos objetos corporais e terrestres. Pois, os que sabem
por certo e crêem que existe uma vida após a morte, ocupam-se
das coisas celestes, porque elas são eternas e trazem a
felicidade, e não das coisas mundanas, senão tanto quanto as
necessidades da vida requerem. Como tais são os habitantes, por
isso mesmo tais são também os espíritos que provêm dessa
terra(10).
13. Pude ver com que avidez procuram e extraem os
conhecimentos das coisas, tais como as da memória elevada
acima das coisas dos sentidos do corpo, de modo que, quando
examinavam o que eu sabia sobre coisas celestes, percorriam-nas
todas e diziam sem se deter: "Esta é tal, aquela é tal". Com
efeito, quando os espíritos vêm à pessoa, entram em toda sua
memória e ali despertam as coisas que lhes convêm; e mesmo, o
que muitas vezes notei, lêem como num livro as coisas que ali se
encontram(11). Esses espíritos faziam isso com mais rapidez e
destreza [do que outros], porque não se detinham em redor das
coisas que eram pesadas e lentas, que estreitam e,
conseqüentemente, retardam a visão interior, como sucede com

10
Os espíritos de cada terra estão próximos de sua terra, e isso porque provêm dos
habitantes e são semelhantes a eles em índole; e que devem ser-lhes úteis. No 9968.
11
Os espíritos que estão com o homem estão em posse de todas as coisas de sua
memória. Nos 5853, 5857, 5859, 5860.
16 Terras no Universo

todas as coisas terrestres e corporais quando se tem elas por fim,


isto é, quando são amadas unicamente; mas eles consideravam as
coisas mesmas, pois aquelas às quais o que é terrestre não adere,
levam a mente (animus) para cima, assim a um campo vasto.
Enquanto os objetos puramente materiais a levam para baixo,
limitando-a e fechando-a. Sua avidez por adquirir conhecimentos
e por enriquecer a sua memória ficou ainda mais evidente pelo
seguinte: Um dia em que eu escrevia algo sobre os eventos
futuros, como eles estavam afastados de mim, de maneira que
não podiam examinar essas coisas pela minha memória, ficaram
muito indignados porque eu não queria lê-las em sua presença e
queriam, contra o seu costume comum encolerizar-se contra
mim, dizendo que eu era muito mau, e outras coisas tais, e, para
mostrar a sua ira, introduziram na parte direita da minha cabeça,
até a orelha, uma espécie de contração com uma dor; mas isso
em nada me fez mal. Todavia, como tinham agido mal,
afastaram-se ainda mais, mas, logo depois se detiveram,
querendo saber o que eu escrevera: tal é o seu ardente desejo
por conhecimentos.
14. Os espíritos de Mercúrio possuem mais que todos os
outros espíritos os conhecimentos das coisas, tanto das que estão
neste sistema solar, quanto das que estão fora dele, no céu
astral; e os conhecimentos uma vez adquiridos, retêm-nos e
também deles se lembram todas as vezes que lhes ocorrem coisas
semelhantes. Por aí também se pode ver claramente que os
espíritos têm uma memória, e muito mais perfeita que a
memória das pessoas; e que os espíritos retêm as coisas que
ouvem, vêem e percebem e, sobretudo, as coisas em que se
deleitam, como é o caso desses espíritos e os conhecimentos das
coisas, pois o que é agradável e amado influi quase como de sua
própria vontade e permanece; o resto não entra, mas somente
toca a superfície e passa.
15. Quando os espíritos de Mercúrio vêm para outras
sociedades, examinam o que sabem delas e, após a observação,
retiram-se; há também entre os espíritos, principalmente entre
os anjos, uma comunicação tal que, quando estão numa
Emanuel Swedenborg 17

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sociedade, se são aceitos e amados, todas as coisas que sabem
são informadas(12).
16. Mais que todos os outros, os espíritos de Mercúrio são
orgulhosos por causa de seus conhecimentos; por isso, lhes foi
dito que, embora eles soubessem inúmeras coisas, ainda assim
havia uma infinidade de outras que não sabiam; e que, se os seus
conhecimentos fossem aumentados para sempre, não poderiam
sequer alcançar uma noção de todas as coisas gerais; e também
que tinham orgulho e uma altivez de espírito (elatio animi) e que
isso não ficava bem; mas responderam que não era orgulho, mas
somente uma vaidade pela capacidade de sua memória; assim
conseguem desculpar os seus defeitos.
17. Eles têm aversão à linguagem de palavras porque
esta é material, por isso quando não havia espíritos
intermediários, não pude falar com eles senão por uma espécie
de pensamento ativo. Sua memória, sendo uma memória de
coisas em si e não de imagens puramente materiais, fornece de
mais perto seus objetos ao pensamento; pois o pensamento, que
está acima da imaginação, requer como objetos as coisas em si,
abstraídas do que é material. Embora isso seja assim, todavia os
espíritos de Mercúrio brilham pouco com relação à faculdade do
juízo; eles não se agradam das coisas que pertencem ao juízo e

12
Nos céus há uma comunicação de todos os bens, porque o amor celeste comunica aos
outros tudo o que lhe pertence; e é disso que os anjos têm sabedoria e felicidade. N os 549,
550, 1390, 1391, 1399, 10130, 10723.
18 Terras no Universo

às conclusões tiradas dos conhecimentos, pois os conhecimentos


nus são os seus deleites.
18. Foi-lhes perguntado se não queriam fazer uso algum
de seus conhecimentos, pois deleitar-se em conhecimentos não é
o suficiente, porque os conhecimentos têm os usos em vista, e os
usos devem ser os fins; dos conhecimentos somente não resultam
usos a eles próprios, mas a outros aos quais querem comunicar
seus conhecimentos; e não convém de modo algum à pessoa, que
deseja ser sábia, permanecer somente nos conhecimentos,
porque eles não são senão causas auxiliares, devendo servir para
se procurarem as coisas que devem ser da vida; mas eles
responderam que se deleitavam nos conhecimentos somente, e
que assim os conhecimentos lhes são úteis.
19. Alguns desses espíritos nem mesmo querem aparecer
como seres humanos, assim como os espíritos de outras terras
aparecem, mas sim como globos cristalinos; que queiram
aparecer assim, ainda que não o façam, é porque os
conhecimentos das coisas imateriais são representados na outra
vida por cristais.
20. Os espíritos de Mercúrio diferem inteiramente dos
espíritos de nossa Terra, pois os espíritos de nossa Terra não se
ocupam tanto destas coisas, mas ocupam-se das mundanas,
corporais e terrestres, que são materiais; por essa razão, os
espíritos de Mercúrio não podem estar junto dos espíritos de
nossa Terra; por conseqüência, onde quer que se encontre a eles,
fogem, pois as esferas espirituais que emanam de um e do outro
são quase contrárias. Os espíritos de Mercúrio dizem usualmente
que não querem considerar o envoltório das coisas, mas as coisas
despidas de seu envoltório, assim os interiores.
21. Apareceu uma chama bem branca, brilhando
vivamente, e isso por quase uma hora; essa chama simbolizava a
vinda de espíritos de Mercúrio, que eram mais rápidos do que os
anteriores, no que diz respeito ao exame, pensamento e fala.
Quando chegaram, percorreram logo as coisas que estavam na
minha memória; mas por causa de sua presteza, eu não pude
Emanuel Swedenborg 19

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perceber o que observavam; em seguida eu os ouvia dizer: "Isso é
tal!" Quanto às coisas que eu vira nos céus e no mundo dos
espíritos, diziam que as sabiam antes. Eu percebia que havia por
detrás, um pouco à esquerda, ao nível do occipício, uma
multidão de espíritos consociados a eles.
22. De outra vez, vi uma multidão de tais espíritos, mas
a certa distância de mim, na frente um pouco à direita, e de lá
falavam comigo, mas por espíritos intermediários; pois sua
linguagem, sendo tão rápida quanto o pensamento não caía na
linguagem humana, senão por meio de outros espíritos agindo
como intermediários; e, o que me surpreendeu, falavam todos
juntos e sempre com presteza e rapidez. Sua linguagem, porque
provinha de muitos falando juntos, era percebida como
ondulatória; e, o que é memorável, deslizava voltada para o meu
olho esquerdo, embora esses espíritos estivessem à direita. Isso
porque o olho esquerdo corresponde aos conhecimentos das
coisas abstraídas do que é material, assim às que pertencem à
inteligência; mas o olho direito, às que pertencem à sabedoria(13).
Eles percebiam também, com a mesma presteza que falavam, as
coisas que ouviam, e avaliavam-nas, dizendo: "Isto é assim, isto
não é assim!" Seu poder de julgamento era como que
instantâneo.

13
O olho corresponde ao entendimento, porque o entendimento é a visão interior de
coisas imateriais. Nos 2701, 4410, 4526, 9051, 10569. A visão do olho esquerdo
corresponde às verdades, assim como à inteligência, e a visão do olho direito aos bens
da verdade, assim, à sabedoria. No 4410.
20 Terras no Universo

23. Havia um espírito de uma outra terra, que podia


falar com eles com destreza, porque falava com destreza e
rapidez, mas que procurava obter elegância na linguagem; num
instante eles formaram o seu conceito a respeito do que ele
pronunciava dizendo: "Isso é muito elegante, isso é muito
artístico!" de modo que somente prestavam atenção se
escutavam dele algo que não lhes fora ainda conhecido,
rejeitando, assim, as coisas que causavam escuridão, que eram
principalmente as pretensões de elegância de linguagem e
erudição, pois elas escondem as coisas mesmas e, em seu lugar,
apresentam palavras que são as formas materiais das coisas. Pois
a pessoa que fala, fixa o seu pensamento (animus) nas palavras,
e quer que se preste mais atenção a elas do que ao seu
significado; portanto o ouvido do outro é mais afetado que a sua
mente (mens).
24. Os espíritos do Planeta Mercúrio não se demoram em
um só lugar, ou no meio de grupos de espíritos de um só mundo,
mas percorrem o universo; isso porque eles representam a
memória das coisas, que deve ser continuamente enriquecida. É
por isso que lhes é concedido percorrer toda parte e adquirir
conhecimentos em qualquer lugar. Quando viajam assim, se eles
encontram espíritos que amam as coisas materiais, isto é, as
coisas corporais e terrestres, fogem deles e dirigem-se aos
lugares onde não ouvem falar de tais coisas. Por aí se pode ver
que a sua mente é elevada acima das coisas sensuais e estão,
assim, numa luz interior. Isso também me foi possível perceber
efetivamente, quando estavam perto de mim e falavam comigo;
notei, então, que eu estava desprendido das coisas dos sentidos,
a ponto de a luz de meus olhos começar a enfraquecer-se e a
tornar-se obscura.
25. Os espíritos dessa terra andam em grupos e turmas;
e, quando se reúnem, formam como que um globo; assim são
conjuntos pelo Senhor, a fim de que ajam em união, e os
conhecimentos de cada um sejam comunicados a todos, e os
conhecimentos de todos a cada um, como acontece no Céu. Que
esses espíritos percorrem o universo para coletarem os
Emanuel Swedenborg 21

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conhecimentos das coisas, também me foi mostrado certa vez
quando eles apareciam muito longe de mim, e de lá falavam
comigo e diziam que agora se tinham reunido, e que iam fora da
esfera deste mundo para o céu astral, onde sabiam que existiam
espíritos que se ocupam, não de coisas terrestres e corporais,
mas de coisas elevadas acima destas, com quem queriam estar.
Fui informado de que eles mesmos não sabiam para onde iam,
mas que eram levados por orientação Divina aos lugares onde
podiam ser instruídos a respeito das coisas que ainda não sabiam
e que eram conformes aos conhecimentos que tinham. Aprendi
também que não sabiam como encontravam os companheiros
com quem se conjuntam, e que isso também é feito por
orientação Divina.
26. Visto que percorrem assim o universo e daí podem
mais que outros saber a respeito de mundos e terras fora deste
sistema solar, também conversei com eles sobre este assunto.
Disseram-me que existem muitas terras no universo e nelas, seres
humanos; e se admiravam de que alguns, a quem chamavam de
pessoas de pouco juízo, pensassem que o céu de Deus Todo-
Poderoso fosse somente composto de espíritos e anjos que
chegam de uma só terra, quando estes seriam tão poucos que,
com relação à Onipotência de Deus, seriam dificilmente alguma
coisa, mesmo que houvesse miríades de mundos e miríades de
terras. E mais, disseram que sabem que no universo existem
terras que, em número, ultrapassam algumas centenas de
22 Terras no Universo

milhares e, entretanto, que é isso com relação ao Divino que é


Infinito?
27. Quando os espíritos de Mercúrio estavam comigo
enquanto eu escrevia e explicava a Palavra quanto a seu
significado interior e percebiam o que escrevia, diziam que as
coisas que eu escrevia eram muito grosseiras e quase todas as
expressões apareciam como materiais; porém, pude responder
que as pessoas de nossa Terra vêem estas coisas que foram
escritas justamente como sutis e elevadas, muitas das quais não
compreendem; acrescentei que muitos nesta Terra não sabem
que existe um homem interior que age no homem externo e faz
que este viva, e se persuadem pelas falácias dos sentidos, que a
vida é do corpo; e é por isso que aqueles que são maus e infiéis
põem a vida após a morte em dúvida; e mais, aquilo do ser
humano que viverá após a morte do corpo denominam alma e não
espírito; e debatem sobre o que é a alma e onde fica o seu lugar
[no corpo]; e acreditam que o corpo material, ainda que seja
dispersado completamente, deve ser conjunto de novo a ela,
para que a pessoa viva como um ser humano, além de muitas
coisas semelhantes. Quando os espíritos de Mercúrio ouviram
isso, perguntaram se tais pessoas podiam se tornar anjos, ao que
tive a oportunidade de responder que os que viveram no bem da
fé e da caridade tornam-se anjos e que, então, não estão mais
nas coisas externas e materiais, mas estão nas coisas interiores e
espirituais; e quando chegam a esse estado, estão numa luz
acima daquela em que estão os espíritos provindos de Mercúrio.
A fim de que eles ficassem cientes de que isso se passa dessa
forma, foi permitido que um anjo, que presentemente está no
céu de nossa Terra e tinha sido tal quando vivia no mundo,
falasse com eles; a esse respeito veja o que se segue abaixo no
parágrafo 37.
28. Mais tarde, foi-me enviado pelos espíritos de
Mercúrio uma longa folha de papel, disforme, formada de vários
pedaços de papel colados juntos, que parecia ter sido impressa
com caracteres tais como os desta Terra. Perguntei-lhes se
tinham essas coisas consigo; responderam que não tinham, mas,
que sabiam que essas folhas impressas existem na nossa Terra;
Emanuel Swedenborg 23

_________________________________________________
não quiseram falar mais nada, porém percebi que pensavam que
na nossa Terra os conhecimentos estavam nos papéis e, por
conseqüência, não na pessoa; assim, zombando de que os papéis,
por assim dizer, sabiam o que a pessoa não sabia; mas foram
instruídos a respeito do modo como isso se dá. Algum tempo
depois, voltaram e enviaram-me uma outra folha de papel escrita
também com caracteres de imprensa como a anterior, mas não
feita de colagens e grosseira, e sim bem feita e aprimorada;
disseram-me que tinham sido informados mais tarde de que
existem essas folhas de papel nesta terra e livros feitos delas.
29. Por essas coisas que foram ditas agora, está evidente
que os espíritos retêm na memória as coisas que vêem e ouvem
na outra vida, e podem, por isso, ser instruídos do mesmo modo
que quando eram pessoas, no mundo, nas coisas que dizem
respeito à fé e, assim, podem ser aperfeiçoados. Quanto mais os
espíritos e os anjos se tornam interiores, tanto mais as absorvem
prontamente e plenamente, e retêm-nas perfeitamente; e como
isso dura para sempre, é evidente que neles a sabedoria cresce
continuamente. Com os espíritos de Mercúrio o conhecimento das
coisas aumenta sucessivamente, mas não por isso, a sabedoria,
porque amam os conhecimentos que são os meios e não os usos
que são os fins.
30. Além disso, pode-se ver ainda mais pelas coisas
seguintes, qual é a natureza dos espíritos que são do planeta
Mercúrio. É preciso que se saiba que todos os espíritos e anjos,
24 Terras no Universo

tantos quantos existem, foram pessoas comuns, pois o gênero


humano é a sementeira do céu; e os espíritos, quanto às afeições
e às inclinações, são completamente tais como foram quando
viveram como seres humanos no mundo, pois a vida de cada um o
segue(14). Visto que isso é assim, a natureza dos seres humanos de
cada terra pode ser conhecida pela natureza dos espíritos que daí
provêm.
31. Como os espíritos de Mercúrio, no Máximo Homem,
representam a memória das coisas abstraídas do que é material,
disso resulta que, quando alguém lhes fala de coisas terrestres,
corporais e puramente mundanas, não querem absolutamente
escutá-las; e, se são forçados a ouvir essas coisas, convertem-nas
em outras e, na maioria das vezes, em coisas opostas, a fim de
que as evitem.
32. A fim de que eu soubesse por certo que a sua
natureza era tal, foi permitido serem representados diante deles
campos cultivados, pradarias, jardins, florestas e rios
(representar tais coisas é, pela imaginação, apresentar coisas
diante de alguém, as quais na outra vida aparecem como coisas
reais); mas eles as transformavam no mesmo instante;
obscureciam as pradarias e os campos e, por meio de
representações, enchiam-nos de serpentes; enegreciam os rios,
para que a água não aparecesse límpida. Quando perguntei
porque faziam isso, disseram que não queriam pensar a respeito
de tais objetos, mas sim de objetos reais que são os
conhecimentos das coisas abstraídas do que é terrestre e,
principalmente, os conhecimentos de coisas como as que existem
nos céus.
33. Em seguida, representei diante deles aves grandes e
pequenas como as que existem na nossa Terra, pois na outra vida
essas coisas podem ser representadas como se fossem reais.
Quando viram essas aves representadas queriam, primeiro,
14
A vida de cada um permanece com ele e o segue após a morte. Nos 4227, 7439. Os
exteriores da vida são mantidos fechados após a morte, e os interiores da vida são
abertos; Nos 4314, 5128, 6495. Então, toda e cada uma coisa que pertence ao pensamento
se manifesta. Nos 4633, 5128.
Emanuel Swedenborg 25

_________________________________________________
transformá-las, mas, em seguida, deleitaram-se com elas e
acalmaram-se. Isso porque as aves simbolizavam os
conhecimentos das coisas e a percepção desse simbolismo
também influía nesse momento(15); assim desistiram de
transformá-las e, por conseqüência, de desviar as idéias de sua
memória. Depois disso, foi permitido representar diante deles um
agradabilíssimo jardim cheio de lanternas e velas; então pararam
e foram detidos, e isso porque as lanternas com velas simbolizam
as verdades que brilham do bem(16). Por aí se vê que eles podiam
ser mantidos na contemplação de coisas materiais, contanto que,
ao mesmo tempo, seu simbolismo no significado espiritual fosse
insinuado, pois as coisas que são do significado espiritual não
tinham sido abstraídas tanto assim das coisas materiais, visto que
são representações delas.
34. Além disso, falei-lhes de ovelhas e cordeiros; mas
não queriam escutar tais coisas, porque as percebiam como
terrestres; isso porque não compreendiam o que é a inocência
que os cordeiros simbolizam. Mas isso foi percebido quando eu
disse que os cordeiros representados no céu simbolizam a

15
As aves simbolizam coisas racionais, coisas intelectuais, pensamentos, idéias e
conhecimentos. Nos 40, 745, 776, 778, 866, 988, 991, 5149, 7441. E isso como variedade,
segundo o gênero e a espécie das aves. Nos 3219
16
As lanternas com velas simbolizam as verdades que brilham do bem. Nos 4638, 9548,
9783.
26 Terras no Universo

inocência(17), responderam que não sabiam o que era a inocência,


mas que só a conheciam com respeito ao nome. Isso porque eles
são afetados somente pelos conhecimentos, mas não pelos usos,
que são os fins dos conhecimentos e, assim, não podem saber por
uma percepção interior o que é a inocência.
35. Alguns dos espíritos do planeta Mercúrio vieram a
mim, enviados por outros, para ouvir o que se passava comigo.
Um dos espíritos de nossa Terra recomendou-lhes que dissessem
aos seus que não falassem outra coisa que a verdade e não
apresentassem, como costumam fazer, coisas contrárias aos que
lhes fizessem perguntas; pois, se algum dos espíritos de nossa
Terra agisse assim, seria punido. Mas então, o grupo que estava
afastado e do qual esses espíritos tinham sido enviados,
respondeu que, se alguns dos seus fossem punidos por isso, eles
todos teriam que ser punidos, uma vez que eles não podiam agir
de outro modo por causa de seu hábito contínuo. Disseram que
quando falam com as pessoas de sua própria terra, também agem
assim, não com intenção de enganar, mas para inspirar-lhes o
desejo de saber; pois, quando apresentam coisas contrárias e
ocultam as coisas de um certo modo, o desejo de saber é
despertado e, assim, pela aplicação em examiná-las, a memória
é aperfeiçoada. Também falei uma outra vez com eles sobre o
mesmo assunto e, como sabia que falavam com as pessoas de sua
terra, perguntei como instruíam os seus habitantes. Disseram-me
que não os instruem do modo como a coisa realmente é, porém,
insinuam alguma percepção da coisa, a fim de que por aí o
desejo de examinar e de saber seja desenvolvido e cresça, pois,
se respondessem a tudo, o desejo morreria. Acrescentaram que
apresentam coisas opostas também, para que a verdade depois
apareça melhor, pois toda verdade aparece pela relação com as
coisas opostas.
36. Eles têm por costume não dizer o que sabem a
ninguém; no entanto, querem aprender de todos o que eles
sabem; mas comunicam tudo à sua sociedade, a ponto de que o

17
Os cordeiros no céu e na Palavra simbolizam a inocência. Nos 3994, 7840, 10132.
Emanuel Swedenborg 27

_________________________________________________
que um sabe, todos sabem e, o que todos sabem, cada um lá
também sabe.
37. Como os espíritos de Mercúrio têm conhecimentos
em abundância, sentem uma espécie de orgulho; daí pensam que
sabem tantas coisas que dificilmente se poderia saber mais.
Entretanto, espíritos de nossa Terra lhes disseram que eles não
sabem muitas coisas mas sim poucas e, as que não sabem, em
relação às que sabem, são como as águas de um grande oceano
em relação às águas de uma pequena fonte; e, também, o
primeiro passo para a sabedoria é saber, reconhecer e perceber
que o que se sabe é tão pouco em relação às coisas que não se
sabe que é, dificilmente, coisa alguma. Para que aprendessem
que isso era assim, foi concedido a um certo espírito angélico
falar com eles e explicar-lhes, em geral, o que sabiam e o que
não sabiam; as coisas que não sabiam eram inumeráveis e nem
mesmo poderiam saber sequer as generalidades das coisas pela
eternidade. Ele falava, por meio de idéias angélicas, muito mais
prontamente que eles; e como revelava o que sabiam e o que
não sabiam, ficaram atônitos. Em seguida, vi um outro anjo
falando com eles; ele apareceu a uma certa altura à direita; esse
anjo era de nossa Terra e lhes relatava numerosíssimas coisas
que não sabiam e, depois, falava-lhes por meio de mudanças de
estado que diziam não compreender; então, dizia-lhes que cada
mudança de estado e, também, cada pequena parte de uma
mudança de estado continha coisas inumeráveis. Quando ouviram
isso, como tinham sido orgulhosos por causa de seus
28 Terras no Universo

conhecimentos, começaram a humilhar-se. A sua humildade foi


representada pelo abaixamento de sua massa volumosa (pois este
grupo aparecia, então, como uma massa volumosa em frente,
voltada para a esquerda, a certa distância, à altura da região
abaixo do meio do ventre); mas essa massa aparecia como se
tivesse sido cavada no meio e elevada nos lados; observava-se
também, ali, um movimento recíproco. Foi-lhes mesmo
comunicado o que isso simbolizava, isto é, o que pensavam em
sua humildade e aqueles que apareciam elevados nos lados não
estavam ainda num estado de humildade alguma. E vi que a
massa que se separava e os que não estavam humildes eram
enviados de volta para o seu mundo, ao passo que os outros
permaneciam.
38. Alguns espíritos de Mercúrio vieram a um certo
espírito de nossa Terra que, quando vivia no mundo, fora muito
celebrado pela sua erudição (era o Cristian Wolff), desejando
serem informados por ele a respeito de várias coisas. Mas,
quando perceberam que o que dizia não era elevado acima dos
sentidos do homem natural, pois, quando falava, ele pensava em
honra e que queria, como no mundo (pois cada um na outra vida
é semelhante ao que foi nesta), juntar várias coisas em séries e
dessas coisas concluir outras de novo e continuadamente, e
assim, de tais coisas conectar muitas mais que eles não viam ou
não reconheciam como verdades, dizendo que assim os elos não
tinham ligação nenhuma por si e nem mesmo com as conclusões,
e chamando-as de escuridão da autoridade, aí então desistiram
de lhe pedir suas opiniões, indagando somente como isso ou
aquilo se chamava: e como ele também respondia por meio de
idéias materiais e por nenhuma idéia espiritual, afastaram-se
dele, pois cada um na outra vida fala espiritualmente ou por
idéias espirituais na medida que no mundo acreditou em Deus e,
materialmente, na medida que não acreditou.
Visto que aqui há uma oportunidade, é permitido relatar o
que se passa na outra vida com os eruditos que adquirem
inteligência de uma própria meditação abrasada pelo amor de
saber as verdades por causa das verdades; assim, por causa dos
usos abstraídos das coisas mundanas; e com os eruditos que
Emanuel Swedenborg 29

_________________________________________________
adquirem inteligência de outros, sem a própria meditação, como
costumam fazer os que desejam saber as verdades unicamente
por causa da fama de erudição e da honra ou lucro dela
provenientes no mundo; assim, não por causa dos usos abstraídos
das coisas mundanas. É permitido incluir aqui uma certa
experiência sobre isso. Uma espécie de som foi percebido,
penetrando debaixo ao longo do lado esquerdo até a orelha
esquerda. Notei que eram espíritos que, ali, faziam esforços para
subir, mas não pude saber quais eram. No entanto, quando
subiram, falaram comigo explicando que tinham sido lógicos e
metafísicos, e tinham mergulhado seus pensamentos em tais
coisas, sem outro fim de serem chamados eruditos e, assim,
alcançarem honras e riquezas, lamentando que agora levavam
uma vida miserável, porque tinham adquirido essas coisas sem
qualquer outro fim e, assim, não cultivaram a sua facilidade
racional por meio delas. A sua fala era lenta e emitia um som
surdo. Enquanto isso, dois deles falavam entre si acima de minha
cabeça; e, como eu perguntava quem eram, foi-me informado
que um deles era alguém muito famoso no mundo sábio, e era-
me feito crer que fosse Aristóteles; quanto ao outro, não me foi
dito quem era. Então, o primeiro foi levado ao estado em que
estava quando vivia no mundo, pois cada um pode facilmente ser
levado ao estado da vida em que esteve no mundo, porque possui
consigo cada estado de sua vida. Todavia, o que me surpreendeu
foi que ele se aproximava da minha orelha direita e ali falava,
mas num tom de voz rouco e, contudo, de maneira sensata. Pelo
conteúdo de suas palavras, percebi que era de uma natureza
30 Terras no Universo

completamente diferente da dos escolásticos que tinham subido


antes, e isso porque concebera de seu pensamento as coisas que
escrevera e delas concebera a sua filosofia, de modo que os
termos que inventara e que impusera às coisas de seu
pensamento eram sistemas de palavras pelos quais descrevia
coisas interiores; depois, porque fora estimulado a tais coisas
pelo prazer da afeição e pelo desejo de saber o que tinha relação
ao pensamento e ao entendimento; e, também, porque seguira
com obediência o que seu espírito lhe ditara. Por isso se
aproximava da orelha direita, diferentemente de seus
seguidores, os chamados escolásticos, que vão, não do
pensamento aos termos, mas dos termos aos pensamentos, assim,
pelo caminho oposto; e a maior parte desses nem mesmo chega
aos pensamentos, mas se detêm somente nos termos; e, se os
usam, é para confirmar tudo o que querem e para dar às
falsidades uma aparência de verdade, segundo o seu desejo de
persuadir. Daí, para eles, as coisas filosóficas são meios de se
tornarem insensatos, em vez do que meios de se tornarem
sábios; e, por isso, têm a escuridão no lugar da luz.
Em seguida lhe falei da ciência analítica, explicando-lhe
que uma criancinha, em meia hora, fala com mais filosofia,
análise e lógica, que ele mesmo pudesse descrever em um
volume. E isso, porque todas as coisas que pertencem ao
pensamento e, por conseguinte, à linguagem humana são
analíticas, cujas leis são provenientes do mundo espiritual. E,
também, que a pessoa que tentar, de um modo artificial, pensar
a partir de termos, não difere de um dançarino que tentasse
aprender a dançar a partir de seu conhecimento de fibras
motoras e músculos; se a sua mente se detivesse nesses
conhecimentos, quando dançasse, mal poderia, então, mover o
pé! No entanto, sem esse conhecimento, o dançarino move todas
as fibras motoras espalhadas ao redor de todo o seu corpo e, com
precisão, os pulmões, o diafragma, os flancos, os braços, o
pescoço e todas as outras partes, cuja descrição preencheria
miríades de volumes. E acontece da mesma forma com os que
querem pensar a partir de termos. Ele aprovou essas
observações, dizendo que, se se aprende a pensar por esse
caminho, procede-se em ordem inversa; ajuntando que, se
Emanuel Swedenborg 31

_________________________________________________
alguém quiser se tornar insensato, deve proceder dessa maneira;
mas, se desejar o contrário, deve pensar continuamente sobre o
uso, e, assim, a partir do que é interior. Em seguida me mostrou
que idéia tivera do Deus Supremo, isto é, que O imaginara
consigo com uma face humana, e rodeado por um círculo
radiante ao redor da cabeça; e agora sabia que o Senhor é Ele
mesmo aquele Homem, e o círculo radiante é a Divindade que
procede d’Ele e que influi não somente no céu, mas também no
universo, e os dispõe e governa, ajuntando que quem dispõe e
governa o céu, também dispõe e governa o universo, porque um
não pode ser separado do outro. Disse-me também que acreditou
em um único Deus, cujos atributos e qualidades se tornaram
notáveis por tantos nomes quantos outros adoraram como
deuses. Vi, então, uma mulher que estendia a mão, querendo
tocar levemente a minha face; como eu me admirasse disso, ele
falou que, quando estava no mundo, vira muitas vezes uma
mulher semelhante, que, por assim dizer, lhe tocava levemente a
face e sua mão era bela. Os espíritos angélicos explicaram que
tais mulheres foram algumas vezes vistas pelos antigos e
chamadas de "Palas"; e ela lhe apareceu por causa dos espíritos
que, quando viviam com pessoas nos tempos antigos, se
deleitavam com idéias e se entregavam a pensamentos, mas sem
a filosofia; e, como tais espíritos estavam em associação com ele
e nele se compraziam porque ele pensava a partir do que era
interior, exibiam, então uma tal mulher de modo representativo.
Por fim, declarou que idéia tivera da alma ou espírito do ser
humano, que denominara "pneuma", a saber, que era um ser
32 Terras no Universo

vivente invisível, como se fosse algo etéreo; e sabia que seu


espírito viveria após a morte porque era sua essência interior que
não pode morrer, visto que é capaz de pensar. E, além disso, que
não pudera pensar claramente sobre o "pneuma", mas somente
de um modo obscuro porque a seu respeito não tivera
conhecimento algum, a não ser de si mesmo e um pouco também
dos antigos. De resto, Aristóteles se encontra na outra vida entre
os espíritos sensatos, e um grande número de seus seguidores
entre os insensatos.
39. Um dia vi que espíritos da nossa Terra estavam junto
dos espíritos do planeta Mercúrio e os ouvia conversar entre si, e,
então, entre outras coisas, os espíritos da nossa Terra
perguntavam-lhes em quem acreditavam. Responderam que
acreditavam em Deus; mas, quando eles perguntaram ainda mais
sobre o Deus em que acreditavam, não quiseram falar mais a esse
respeito, porque é seu hábito não responder diretamente a
perguntas. Então, os espíritos do planeta Mercúrio, por sua vez,
perguntaram aos espíritos da nossa Terra em quem eles criam;
estes responderam que era no Senhor Deus; mas, nisso, os
espíritos de Mercúrio replicaram que percebiam que eles não
criam em Deus nenhum, e que tinham por hábito falar de boca
que crêem, quando, no entanto, não crêem (os espíritos de
Mercúrio têm uma percepção apurada e isso porque examinam
continuamente, por meio da percepção, o que os outros sabem).
Os espíritos de nossa Terra estavam entre aqueles que, no
mundo, professaram a fé, segundo a doutrina da igreja; contudo,
ainda assim não viveram a vida da fé e os que não vivem a vida
da fé, na outra vida não possuem a fé, porque esta não está na
pessoa(18). Quando ouviram isso, guardaram silêncio, porque
reconheceram por uma percepção que lhes foi, então, dada, que
isso era assim, de fato.
40. Alguns espíritos sabiam, do céu, que certa vez fora
prometido aos espíritos de Mercúrio que eles veriam o Senhor.

18
Aqueles que professam a fé segundo a doutrina e não vivem a vida da fé, não possuem
fé alguma. Nos 3865, 7766, 7778, 7790, 7950, 8094. E seus interiores estão opostos às
verdades da fé, embora não saibam isso no mundo. Nos 7790, 7950.
Emanuel Swedenborg 33

_________________________________________________
Em conseqüência, foi-lhes perguntado pelos espíritos que
estavam ao meu redor, se eles se recordavam dessa promessa;
responderam que se recordavam, mas que não sabiam se isso lhes
tinha sido prometido de tal modo que não pudesse haver
nenhuma dúvida a seu respeito. Enquanto conversavam assim
entre si, o Sol do céu apareceu-lhes (o Sol do céu, que é o
Senhor, não é visto senão pelos que estão nos céus mais
interiores ou terceiro céu; os outros vêem a luz que dele
procede). Ao ver o Sol, disseram que aquele não era o Senhor
Deus, porque não viam a Sua face. Mas nesse meio tempo, os
espíritos conversavam entre si, porém eu não escutava o que
diziam. Todavia, de repente, o Sol apareceu de novo e, no meio
dele, o Senhor rodeado por um círculo solar; ao vê-Lo, os
espíritos de Mercúrio tornaram-se humildes, profundamente, e
prostraram-se. Então, o Senhor também foi visto daquele Sol por
espíritos desta Terra que, quando tinham vivido como pessoas, O
viram no mundo; e eles professaram, um após outro, e, assim,
vários em sucessão, que Aquele era o Senhor; e confirmaram isto
diante de todo o grupo. Então, o Senhor foi ainda visto desse Sol
por espíritos do planeta Júpiter, que declararam em alta voz que
aquele era o Mesmo que tinham visto na sua terra, quando o Deus
do universo lhes apareceu(19).
19
O Senhor é o sol do céu; e lá, toda luz procede desse sol. N os 1053, 3636, 4060. E o
Senhor aparece assim aos que estão no Seu reino celestial, onde reina o amor para com
Ele. Nos 1521, 1529, 1530, 1531, 1837, 4696. Aparece a meia altura acima do nível do
olho direito. Nos 4321, 7078. Por isso, na Palavra, o sol simboliza o Senhor quanto ao
Divino Amor. Nos 2495, 4060, 7083. O sol do mundo não aparece aos espíritos nem aos
34 Terras no Universo

41.Alguns, depois que o Senhor fora visto, foram


conduzidos para as partes anteriores no lado direito e, enquanto
andavam, diziam que viam uma luz, muito mais clara e pura que
qualquer das que tinham visto antes, e que jamais seria possível
ver uma luz maior; era, então, o cair da tarde e os que diziam
isso eram muitos(20).
42. É preciso que se saiba que o sol do mundo
absolutamente não aparece a espírito algum, nem coisa alguma
da luz que dele procede; a luz desse sol é para os espíritos e
anjos como uma escuridão densa; esse sol permanece com os
espíritos somente na percepção, em razão do que viram quando
estavam no mundo, e apresenta-se a eles na idéia como algo
obscuro, e isso, por detrás, a uma distância considerável, numa
altura um pouco acima do nível da cabeça. Os planetas que se
encontram dentro do sistema solar desse sol aparecem segundo
uma certa posição em relação ao sol: Mercúrio por detrás, um
pouco para a direita; o planeta Vênus à esquerda, um pouco
para trás; o planeta Marte para a esquerda, pela frente; o
planeta Júpiter, igualmente para a esquerda e pela frente, mas a
uma distância maior; e o planeta Saturno inteiramente na frente,
a uma distância considerável; a Lua para a esquerda, bastante
elevada; os satélites também à esquerda, em relação a seu
planeta. Tal são as posições desses planetas nas idéias dos
espíritos e dos anjos; e, além disso, os espíritos aparecem
próximo de seu planeta, no seu exterior. Quanto ao que concerne
especialmente aos espíritos de Mercúrio, eles aparecem, não em
uma determinada região, nem a uma certa distância, mas ora em

anjos, mas em seu lugar aparece algo como se fosse tenebroso, por detrás e em posição
oposta ao sol do céu, ou seja, ao Senhor. Nos 9755.
20
Nos céus há uma grande luz, que ultrapassa em alto grau a luz do meio-dia na Terra.
Nos 1117, 1521, 1532, 1619-1632, 4527, 5400, 8644. Toda luz nos céus vem do Senhor
como o sol de lá. Nos 1053, 1521, 3195, 3341, 3636, 3643, 4415, 9548, 9684, 10809. A
Divina Verdade procedente do Divino Bem do Divino Amor do Senhor aparece nos céus
como luz, e lá constitui toda luz. Nos 3195, 3222, 5400, 8644, 9399, 9548, 9684. A luz do
céu ilumina tanto a visão quanto o entendimento dos Anjos. Nos 2776, 3138. Se é dito que
o céu está na luz e no calor, isso simboliza que está na sabedoria e no amor. N os 3643,
9400, 9402.
Emanuel Swedenborg 35

_________________________________________________
frente, ora à esquerda, ora um pouco atrás, e isso porque lhes é
permitido percorrer o Universo, para adquirirem conhecimentos.
43. Um dia uns espíritos de Mercúrio apareceram pela
esquerda num globo, que, em seguida, estendeu o seu volume
em comprimento; e eu fiquei a pensar aonde queriam ir, se era
para esta Terra ou para outro lugar; e logo notei que se
desviavam para a direita e que, revolvendo-se, aproximavam-se
da terra ou planeta Vênus, pela sua região frontal. Mas, quando
ali chegaram, disseram que não queriam permanecer ali porque
os habitantes eram maus; por isso se dirigiram para a parte
posterior dessa terra e, então disseram que ali queriam se
demorar, porque os que ali habitavam eram bons. Enquanto isso
se sucedia, eu sentia uma transformação notável no cérebro, e
uma forte atividade que disso resultava. Disso, é possível concluir
que os espíritos de Vênus, que são dessa parte do planeta,
harmonizavam-se com os espíritos de Mercúrio e que aqueles
representam a memória das coisas materiais, que se harmoniza
com a memória das coisas imateriais, a qual os espíritos de
Mercúrio representam. Daí a atividade mais forte que fora
sentida oriunda deles quando estavam lá.
44. Eu desejava saber que face e corpo têm as pessoas
do planeta Mercúrio, ou seja, se são semelhantes às pessoas da
nossa Terra. Então, foi apresentada diante de meus olhos uma
mulher inteiramente semelhante às que existem na Terra; sua
face era bela, mas um pouco menor que a das mulheres de nossa
36 Terras no Universo

Terra; era também mais magra de corpo, contudo de mesma


altura; sua cabeça estava coberta por um pano de linho sem
muito enfeite, mas ainda assim de boa aparência. Também, me
foi mostrado um homem que, da mesma forma, era mais magro
de corpo do que os homens de nossa Terra; ele vestia uma roupa
azul escuro, ajustada bem junto ao corpo, sem pregas nem
saliências de qualquer lado. Foi dito que as pessoas dessa terra
eram assim, quanto à forma e à vestimenta do corpo. Em
seguida, foram apresentadas as espécies de seus bois e vacas
que, é verdade, não diferiam muito das espécies de nossa Terra,
mas que eram menores e aproximavam-se, de certo modo, de
uma espécie de cervas e cervos.
45. Eles também foram indagados sobre o sol do mundo,
como ele aparecia em sua terra. Responderam que é grande, e
que lá aparece maior que em outras terras; disseram que sabiam
isso pela idéia que os outros espíritos tinham do sol.
Acrescentaram que gozam de um clima temperado: nem muito
quente, nem muito frio; foi-me, então, permitido dizer que assim
lhes fora provido pelo Senhor, para que não recebessem calor em
excesso, pelo fato de sua terra estar mais perto do sol que as
outras; porquanto o calor vem, não da proximidade do sol, mas
da altitude e da densidade da atmosfera aérea, como se pode ver
pelo frio nas montanhas altas, até mesmo em climas quentes; e
também porque o calor varia segundo a incidência reta ou
oblíqua dos raios do sol como se vê claramente pelas estações de
inverno e de verão em cada região. Estas são as coisas que me
foram permitidas saber sobre os espíritos e sobre os habitantes
da terra de Mercúrio.

A Terra ou Planeta Júpiter


e seus Espíritos e Anjos
Emanuel Swedenborg 37

_________________________________________________
46. Tive a oportunidade de manter contato com espíritos
e anjos do planeta Júpiter, por muito mais tempo do que com os
espíritos e anjos de outros planetas. Por isso é permitido relatar
muitas coisas sobre o estado de sua vida e o estado dos
habitantes desse planeta. Que esses espíritos eram dali
provenientes, ficou claro por muitas coisas, e também é o que
me foi comunicado do céu.
47. A própria terra ou planeta Júpiter de fato não
aparece aos espíritos e anjos, pois lá nunca terra alguma aparece
a alguém, mas somente aparecem os espíritos e os anjos que vêm
dela. Os que são do planeta Júpiter aparecem na parte da frente
para a esquerda, a uma certa distância, e isso constantemente
[vide item no 42]; lá [na idéia dos espíritos e dos anjos] também
se encontra o planeta; os espíritos de cada terra estão próximos
de sua terra, e isso porque eles provêm dos habitantes (pois todo
ser humano após a morte se torna um espírito) e porque assim
são de uma natureza semelhante e podem estar com eles e lhes
serem úteis.
48. Disseram que na região da terra onde viveram,
quando estavam no mundo, havia tão grande número de pessoas
quanto a terra podia manter; também que essa terra era fértil e
tinha tudo em abundância e lá eles não desejavam nada mais que
as necessidades da vida, e o que não se relaciona às necessidades
da vida também não se relaciona ao que é útil; e por isso o
38 Terras no Universo

número de pessoas era tão grande. Diziam que seu zelo maior era
a criação das crianças e que as amavam com muita ternura.
49. Além disso, disseram que lá estão distinguidos em
nações, famílias e casas, e que todos habitam separadamente
com os seus; e as suas relações sociais são por isso mantidas
entre parentes; e também ninguém cobiça os bens de um outro;
nem lhes vem à idéia cobiçar algo dos bens de outrem, e menos
ainda, dele se apropriar por qualquer ardil, e muito menos ainda
atacar e roubar; consideram isso um crime contra a natureza
humana e uma coisa abominável. Quando eu tentava explicar que
nesta Terra existem guerras, pilhagens e homicídios, afastavam-
se e tinham aversão a ouvi-lo. Os anjos me disseram que os
antiqüíssimos nesta Terra habitavam do mesmo modo, isto é,
distinguidos em nações, famílias e casas, e que todos estavam,
então, contentes com os seus bens; e enriquecer-se pelos bens
de outros, do mesmo modo que dominar por causa do amor de si,
era coisa inteiramente desconhecida; por isso os tempos antigos
e, sobretudo os tempos antiqüíssimos foram mais agradáveis ao
Senhor do que os tempos que se seguiram; e, como tal estado
existia, então, a inocência também reinava e com ela a
sabedoria; cada um então fazia o que era bom por causa do bem,
e o que era justo por causa da justiça; não se sabia o que era
fazer o que é bom e justo por causa de honra própria, ou por
causa de interesse pessoal; e, então, nada se falava senão a
verdade, e isso não tanto por causa da verdade, mas por causa
do bem, isto é, não pelo entendimento separado da vontade, mas
pela vontade unida ao entendimento. Tais eram os tempos
antigos; é por isso que, então, os anjos podiam conversar com as
pessoas e elevar ao céu as suas mentes quase que separadas das
coisas corpóreas, e lá mesmo conduzi-las por toda parte, e
mostrar-lhes as magnificências e as coisas felizes de lá, e
também comunicar-lhes suas alegrias e seus prazeres. Esses
tempos foram também conhecidos dos escritores da Antigüidade
e foram chamados por eles de Idade de Ouro, e também de era
de Saturno.
A razão de esses tempos terem sido tais como foi dito, é
porque as pessoas viviam distinguidas em nações, as nações em
Emanuel Swedenborg 39

_________________________________________________
famílias, e as famílias em casas, e cada casa morava por si
mesma; e então não vinha à mente de quem quer que fosse
apoderar-se dos bens de outra casa, e disso adquirir para si
opulência e dominação. O amor de si e o amor do mundo
estavam, então, bem afastados; todos naqueles tempos estavam
contentes com os seus próprios bens, assim como comsc os bens
dos outros. Mas esse cenário mudou e tornou-se o oposto, com o
passar do tempo, quando a cobiça de dominar e de possuir
muitas coisas apoderou-se da mente; então, o gênero humano,
para defender-se, ajuntou-se em reinos e impérios; e, como as
leis da caridade e da consciência, que tinham sido inscritas nos
corações, cessaram de fazer efeito, tornou-se necessário, para se
deterem as violências, estabelecer leis nas quais as honras e os
interesses eram as recompensas e as suas privações, as punições.
Quando o estado foi assim mudado, o próprio céu afastou-se do
ser humano e isso cada vez mais até a nossa época, quando não
se sabe mais se o céu e se o inferno existem, e mesmo a sua
existência é negada por alguns. Essas coisas foram ditas, a fim de
ilustrar por um caso paralelo, qual é o estado dos que estão na
terra de Júpiter, e de onde lhes vem sua integridade e também
sua sabedoria, sobre as quais serão dados mais pormenores no
que se segue.
50. Por um longo relacionamento com os espíritos da
terra de Júpiter, ficou-me claro que eram mais íntegros que os
espíritos de muitas outras terras; quando chegavam, a sua
aproximação, a sua permanência e o seu influxo, então, eram tão
40 Terras no Universo

gentis e tão suaves que é impossível expressá-lo. A qualidade de


cada espírito manifesta-se na outra vida por seu influxo, que é a
comunicação de sua afeição; a integridade, pela gentileza e pela
suavidade; pela gentileza, porque receia prejudicar, e pela
suavidade porque ama fazer o bem. Pude distinguir muito
claramente a gentileza e a suavidade do influxo vindo dos bons
espíritos de nossa Terra, da gentileza e da suavidade deles.
Diziam que, quando surge entre eles qualquer ligeira
discordância, aparece-lhes como que um fino raio brilhante, tal
como normalmente é o de um relâmpago, ou como um filete no
qual se acham estrelas cintilantes e errantes; mas a discordância
entre eles é rapidamente resolvida. As estrelas brilhantes e ao
mesmo tempo errantes simbolizam a falsidade, mas as estrelas
brilhantes e fixas simbolizam a verdade; assim, as primeiras
simbolizam a discordância.(21)
51. Pude perceber a presença dos espíritos de Júpiter,
não só pela gentileza e suavidade de sua aproximação e influxo,
mas também que influíam o máximo possível na minha face e
tornavam-na alegre e risonha, e isso continuamente, enquanto
estavam presentes. Diziam que dispunham assim as faces dos
habitantes de sua terra quando vinham perto deles, querendo
desse modo inspirar-lhes a tranqüilidade e a alegria do coração.
Essa tranqüilidade e alegria, inspiradas por eles, enchiam-me
sensivelmente o peito e o coração e, então, afastavam-se as
ansiedades e as inquietações sobre as coisas futuras, que
introduzem a intranqüilidade e o desagrado e excitam a mente
com vários desvarios. Por aí pude ver qual era a vida dos
habitantes da terra de Júpiter. Com efeito, pelos espíritos
conhece-se a natureza dos habitantes, pois cada um traz consigo
a sua vida, que teve no mundo, e a vive quando se torna um
espírito. Notei que tinham um estado de beatitude ou de
felicidade ainda mais interior; notei-o no que percebi que seus
interiores não estavam fechados, mas sim abertos para o céu.
Com efeito, quanto mais os interiores são abertos para o céu,

21
As estrelas na Palavra simbolizam os conhecimentos do bem e da verdade, assim, as
verdades. Nos 2495, 2849, 4697. E na outra vida as verdades são representadas por
estrelas fixas e as falsidades por estrelas errantes. No 1128.
Emanuel Swedenborg 41

_________________________________________________
tanto mais são capazes de receber o Divino Bem, e com ele a
beatitude e a felicidade inferior. Isso é totalmente diferente no
caso de outros que não vivem na ordem do céu; neles os
interiores estão fechados e os exteriores abertos para o mundo.
52. Também me foi mostrado o tipo de face que têm os
habitantes da terra de Júpiter. Não que eu tenha visto os
próprios habitantes, mas pelo fato de que vi espíritos com uma
face semelhante à que tinham quando estavam em sua terra.
Todavia, antes que isso me fosse mostrado, apareceu um de seus
anjos por detrás de uma nuvem branca, que lhes deu permissão
e, então, duas faces me foram mostradas. Eram como as faces
das pessoas de nossa Terra, brancas e belas; a sinceridade e a
modéstia brilhavam delas. Quando os espíritos de Júpiter
estavam junto a mim, as faces das pessoas de nossa Terra
pareciam-me menores que de costume; isso acontecia porque
daqueles espíritos influía a idéia que tinham sobre as suas
próprias faces, que eram maiores; pois, quando vivem como
pessoas comuns em sua terra, crêem que após a morte suas
faces se tornarão maiores e assumirão uma forma arredondada; e
como essa idéia ficou fixa neles, por isso ela também permanece
e, quando se tornam espíritos, parece-lhes ter uma face maior.
Se crêem que suas faces se tornarão maiores, é porque dizem
que a face não é o corpo, e isso, porque por ela vêem, ouvem,
falam e apresentam o que pensam, e assim a mente transparece
por ela. Daí têm da face uma idéia como da mente em sua
forma; e como sabem que se tornarão mais sábios após a vida no
42 Terras no Universo

mundo, portanto sabem que a forma da mente, ou seja, a face,


se tornará mais ampla. Crêem também que após a morte
perceberão um fogo que aquecerá sua face; deduzem isso de que
os mais sábios dentre eles sabem que o fogo, no significado
espiritual, simboliza o amor, e o amor é o fogo da vida, e é desse
fogo que os anjos têm vida(22). Os que dentre eles viveram no
amor celeste gozam o que escolheram, e percebem sua face
aquecer-se e, então, os interiores de sua mente são abrasados
pelo amor. Por essa razão, os habitantes dessa terra também
lavam e limpam bastante a sua face, e protegem-na com zelo do
ardor do sol; têm um véu de cor azul feito de líber ou de casca
de árvore, com que envolvem a cabeça e assim cobrem a face.
Quanto às faces das pessoas de nossa Terra, que viam por
intermédio de meus olhos(23), diziam que não eram belas, e que a
beleza nelas existia na pele externa, e não nas fibras do interior.
Admirados de que as faces de alguns eram verrugosas e
pustulentas, ou deformadas de outros modos, diziam que nunca
se vê neles faces semelhantes. Entretanto, algumas faces
agradavam-lhes, a saber, as que eram alegres e risonhas, e as
que se alongavam um pouco ao redor dos lábios.
53.Se as faces que eram salientes ao redor dos lábios
lhes agradavam, é porque a maior parte de sua linguagem se faz
pela face e, sobretudo, pela região da face ao redor dos lábios;
e, também, porque nunca fingem, isto é, não falam jamais de
outro modo que não pensam; por isso não constrangem sua face,
mas exprimem-na livremente. Isso se dá diferentemente com os
que desde a infância aprenderam a fingir; sua face, por
conseguinte, encontra-se constrangida pela parte interna, a fim
de que nada do pensamento apareça; pela parte externa também
não é livremente expressa, mas é mantida pronta para ser

22
Na Palavra, o fogo é o Amor em cada significado. N os 934, 4906, 5215. O fogo sagrado
e celeste é o Divino Amor e toda afeição pertencente a esse amor. Nos 934, 6314, 6832. O
fogo infernal é o amor de si e do mundo, e toda cobiça que pertence a esses amores. N os
965, 1861, 5071, 6314, 6852, 7575, 10747. O amor é o fogo da vida e a própria vida na
realidade provém dele. Nos 4906, 5071, 6832.
23
Os espíritos e os anjos não vêem as coisas que estão neste sistema solar, mas dessa vez
por intermédio de meus olhos eles as viam. Nos 1881.
Emanuel Swedenborg 43

_________________________________________________
expressa, ou contraída segundo o que a astúcia lhe aconselha.
Por um exame das fibras dos lábios ao redor delas, pode ver-se a
verdade, pois ali há séries de fibras em grande número
enroscadas e entrelaçadas, que foram criadas não somente para
a mastigação e para a linguagem de palavras, mas também para
exprimir as idéias da mente.
54. Foi também mostrado como os pensamentos são
apresentados pela face; as afeições que pertencem ao amor são
manifestadas pelos traços do rosto e por suas mudanças, e os
pensamentos são neles manifestados pelas variações quanto às
formas dos interiores ali presentes; não é possível descrevê-los
além disso. Os habitantes da terra de Júpiter também são
dotados de uma linguagem de palavras, mas esta não é tão
sonora quanto entre nós; uma linguagem auxilia a outra, e a
linguagem de palavras adquire vida pela linguagem da face. Fui
informado pelos anjos de que a primeira linguagem de todos em
cada terra foi a linguagem pela face, e isso proveniente das suas
duas origens ali presentes, ou seja, os lábios e os olhos. A razão
de essa linguagem ter sido a primeira é porque a face foi
formada para reproduzir as coisas que o ser humano pensa e as
que deseja na sua vontade; também por isso a face foi chamada
a efígie e o índice da mente; e mais, porque nos tempos
antiqüíssimos ou os primeiros tempos havia sinceridade, e as
pessoas não pensavam ou queriam pensar algo que não quisessem
que resplandecesse em sua face; por conseqüência, as afeições
da mente e os pensamentos daí provenientes podiam também ser
44 Terras no Universo

apresentados viva e plenamente. Assim eram aparentes aos


olhos, como se estivessem ao mesmo tempo numa grande forma.
Essa linguagem por tanto prevalecia sobre linguagem de palavras,
tanto quanto a visão o faz sobre ouvido, ou seja, é o mesmo que
ver um campo ou ouvi-lo descrito por palavras e imaginá-lo.
Acrescentavam que tal linguagem combinava com a linguagem
dos anjos, com quem as pessoas se comunicavam naquela época;
e também que, quando a face fala, ou seja, a mente pela face, é
a linguagem angélica no ser humano na última forma natural,
mas não quando a boca fala por palavras. Cada um também pode
compreender que a linguagem das palavras não pôde ser a dos
antiqüíssimos, porque as palavras de uma língua não são
introduzidas imediatamente, mas que precisam ser procuradas e
acomodadas aos assuntos, o que não pôde ser feito senão pelo
decurso do tempo(24). Enquanto houve a sinceridade e a retidão
no ser humano, tal linguagem também subsistiu; mas, assim que
a mente começou a pensar uma coisa e falar outra, o que
aconteceu quando o ser humano começou a amar a si mesmo e
não o próximo, a linguagem das palavras sofreu um incremento,
com a face guardando silêncio ou mentindo; por conseguinte a
forma interior da face foi mudada: contraiu-se, endureceu-se e
começou a tornar-se quase que destituída de vida, ao passo que
a forma exterior, inflamada pelo fogo do amor de si, começou a
aparecer como viva aos olhos das pessoas, pois essa ausência de
vida, que está por baixo da aparência externa, não aparece aos
olhos das pessoas, mas sim diante dos olhos dos anjos, visto que
estes vêem os interiores. Tais são as faces dos que pensam uma
coisa e falam outra, pois o fingimento, a hipocrisia, a trapaça e a
fraude, que constituem a prudência de hoje, produzem tais
efeitos. Mas isso se dá de outro modo na outra vida; lá, não é
permitido falar de um jeito e pensar de um outro; a discordância
é ali mesmo percebida claramente em cada palavra; e quando é
percebida, o espírito em quem existe tal discordância é expulso
da sociedade e é punido; depois, ele é constrangido por diversos

24
Os antiqüíssimos nesta Terra tinham uma linguagem pela face e pelos lábios, por meio
de uma respiração interior. Nos 607, 1118, 7361. Os habitantes de algumas das outras
terras possuem uma linguagem semelhante. Nos 4799, 7359, 8248, 10587. Sobre a
perfeição e da excelência dessa linguagem, ver Nos 7360, 10587, 10708.
Emanuel Swedenborg 45

_________________________________________________
meios a falar como pensa e a pensar como deseja interiormente,
até que tenha uma mente só, e não uma mente dividida; se é
bom, a fim de que queira o bem e do bem pense e diga a
verdade; se é mau, a fim de que queira o mal e do mal pense e
diga a falsidade; o bom não pode ser elevado ao céu, e tampouco
pode o mau ser lançado no inferno antes disso; e isso a fim de
que no inferno não haja senão o mal e a falsidade do mal, e no
céu não haja senão o bem e a verdade do bem.
55. Além disso, fui informado pelos espíritos que são
desse planeta sobre várias coisas que concernem aos habitantes
de lá; por exemplo, de seu modo de andar, de suas comidas e de
suas habitações. Quanto ao que concerne ao seu modo de andar,
não andam de corpo reto, como os habitantes desta Terra e de
muitas outras, nem rastejam à maneira de animais; mas, quando
andam, servem-se das palmas das mãos, e elevam-se
alternadamente ficando sob os pés a uma meia altura; e mais: a
cada terceiro passo que dão nesse caminhar viram a face para os
lados, e para atrás deles e, então, curvam mesmo o corpo um
pouco, o que é feito subitamente, pois entre eles fica mal ser
visto pelos outros de outro modo que pela face. Quando
caminham assim, mantém sempre a face elevada, como entre
nós, a fim de que, desse modo, também tenham em vista o céu
quando olham a terra; não a mantêm abaixada para ver a terra,
o que consideram um ato condenável; os mais desprezíveis
dentre eles agem assim, e se não se acostumam a levantar a
face, são banidos de seu meio. Mas quando se sentam, parecem
46 Terras no Universo

estar eretos como as pessoas de nossa Terra, no que diz respeito


à parte superior do corpo, mas ainda assim sentam-se com os pés
cruzados. Têm muito cuidado, não somente quando caminham,
mas também quando estão sentados, de não serem vistos pelas
costas, mas sim pela face; querem mesmo com todo o gosto que
suas faces sejam vistas, porque assim a sua mente se manifesta,
pois nunca mostram uma face alheia à mente, e não o poderiam;
os que se encontram presentes também sabem claramente, por
isso, quais são seus sentimentos a seu respeito, o que não pode
tampouco ser escondido; e sobretudo se a amizade aparente
provém da sinceridade ou do fingimento. Essas coisas foram-me
mostradas por seus espíritos e confirmadas por seus anjos. Daí
também é que seus espíritos parecem caminhar não eretamente
como os outros, mas, quase como nadadores a se ajudarem com
as mãos a avançar, e a olharem ao seu redor alternadamente.
56. Os que vivem em suas zonas quentes andam nus,
todavia com uma vestimenta ao redor de seus genitais; e não se
envergonham de sua nudez, pois suas mentes são castas, e
somente amam seus cônjuges, e têm aversão a adultérios.
Ficavam muito admirados de que os espíritos de nossa Terra, logo
que ouvissem que caminhavam assim e que viviam nus, ririam
deles e teriam pensamentos lascivos; e quase não prestariam
atenção alguma à sua vida celeste, mas somente a tais coisas.
Diziam que era isso uma indicação de que os espíritos de nossa
Terra se dedicavam mais ao que é corporal e terrestre do que ao
que é celeste, e que as indecências ocupavam suas mentes. Foi-
lhes dito que a nudez não é causa de vergonha nem de escândalo
para os que vivem na castidade e no estado de inocência, mas
que o é para os que vivem na lascívia e na devassidão.
57. Quando os habitantes dessa terra estão deitados na
cama, voltam sua face para cima ou para o meio do quarto, e
não para baixo ou para a parede. Isso quem me disse foram os
seus espíritos e me deram também a razão disso: é que crêem
que dessa maneira voltam a face para o Senhor, enquanto que do
outro jeito a desviariam. Semelhante coisa me ocorreu algumas
vezes, quando estava na cama; mas de onde isso vinha, antes não
o sabia.
Emanuel Swedenborg 47

_________________________________________________
58. Eles gostam muito de prolongar suas refeições, não
tanto pelo gosto de comer, mas pelo prazer das conversas que,
então, se sucedem. Quando se sentam à mesa, não se sentam em
cadeiras ou bancos, ou em montes altos de relva entrelaçada,
nem também diretamente na grama, mas em folhas de uma certa
árvore; não queriam dizer de que árvore eram essas folhas, mas
como eu, tentando adivinhar, enumerava uma porção de árvores,
quando perguntei se eram folhas da figueira, enfim disseram que
sim. Mais ainda, disseram-me que não preparavam a sua comida
segundo o gosto, mas que era sobretudo segundo o seu uso;
diziam que a comida que lhes é útil é também saborosa. Sobre
esse assunto houve uma conversação entre os espíritos, e foi dito
que isso é o que convém ao ser humano, pois, assim, ele faz de
coração com que a mente seja sã num corpo são; isso se dá de
outro modo com aqueles em quem o gosto exerce o controle, por
conseguinte, o corpo adoece ou no mínimo debilita-se
interiormente e, assim, a mente também, pois essa opera de
acordo com o estado interior das partes recipientes que
pertencem ao corpo, assim como a visão e a audição exercem
suas funções segundo a condição do olho e do ouvido; por aí se vê
que loucura que é se atribuir à luxúria e à voluptuosidade todo o
prazer da vida; disso também provém a lerdeza nas coisas que
concernem ao pensamento e ao juízo, e a destreza nas que
concernem ao corpo e ao mundo; é disso que provém a
semelhança do ser humano com o animal bruto, ao qual tais
pessoas também se comparam e não sem justeza.
48 Terras no Universo

59. Suas habitações também me foram mostradas. São


de pouca altura, feitas de madeira, mas por dentro revestidas de
líber ou casca de árvore de uma cor azul clara, e com pontos
semelhantes a pequenas estrelas espalhados em toda a volta e no
alto, à imagem do céu, pois querem dar ao interior de suas casas
a forma do céu visível com suas estrelas, e isso porque crêem
que as estrelas são as moradas dos anjos. Têm também tendas,
que são arredondadas no topo e alongadas nos lados, e também
pontilhadas interiormente de pequenas estrelas sobre um plano
azul. Ali se reúnem durante o dia, a fim de que sua face não seja
lesada pelo ardor do sol; tomam muito cuidado em arrumar e
limpar essas tendas e nelas também fazem as suas refeições.
60. Quando os espíritos de Júpiter viam os cavalos desta
Terra, os cavalos pareciam-me menores que de costume, embora
fossem bem robustos e altos; isso vinha da idéia desses espíritos
sobre os cavalos de lá; diziam que havia também entre eles
cavalos semelhantes, porém muito maiores, mas que eram
selvagens ou viviam em florestas, e que, quando avistados, os
aterrorizavam, ainda que eles não lhes fizessem mal algum;
acrescentaram que isso para eles era um temor inato ou instinto.
Isso me deu ensejo de refletir sobre a causa desse temor: com
efeito, o cavalo no significado espiritual simboliza o
entendimento formado pelos conhecimentos(25); e, como eles
temiam cultivar o entendimento pelos conhecimentos do mundo,
daí o influxo do temor. Que eles não se interessam pelos
conhecimentos que pertencem à erudição humana, é o que se
verá em seguida.
61. Os espíritos dessa terra não querem estar em
companhia dos espíritos de nossa Terra, porque diferem de
natureza e de costumes; dizem que os espíritos de nossa Terra
são astuciosos, são resolutos e engenhosos para maquinar males;
e sabem e pensam pouco a respeito do bem. Além disso, os
espíritos da terra de Júpiter são muito mais sábios que os

25
O cavalo simboliza o entendimento. Nos 2760-2762, 3217, 5321, 6125, 6400, 6534,
7024, 8146, 8148. E no Apocalipse o Cavalo Branco é o entendimento da Palavra. N o
2760.
Emanuel Swedenborg 49

_________________________________________________
espíritos de nossa Terra; eles dizem o mesmo dos nossos, que
falam muito e pensam pouco, e, assim, não são capazes de
perceber interiormente muitas coisas, nem mesmo o que é o
bem; disso concluem que as pessoas de nossa Terra são pessoas
externas. Um dia foi mesmo permitido a espíritos maus de nossa
Terra agir por seus artifícios perversos, e infestar os espíritos de
Júpiter que estavam comigo; estes agüentaram completamente
os seus ataques por um longo tempo, mas, enfim, confessaram
que não podiam mais, e acreditavam que não havia espíritos
piores, pois pervertiam a sua imaginação e, também assim, o seu
pensamento, a ponto de que pareciam estar atados e não
poderem ser soltos e libertos de lá senão pela proteção Divina.
Enquanto eu lia algo na Palavra sobre a Paixão de nosso Salvador,
espíritos europeus insinuavam coisas horríveis e escandalosas
com a intenção de seduzir os espíritos de Júpiter. Indagou-se
quem eles eram e qual fora a sua ocupação no mundo, e
descobriu-se que alguns deles tinham sido pregadores, e muitos
deles eram dentre os que se diziam da Sociedade do Senhor, ou
seja, os jesuítas. Eu disse que eles, quando viviam no mundo,
podiam, por pregações sobre a Paixão do Senhor, comover as
pessoas até as lágrimas; disso também dei a razão: é que no
mundo eles pensavam de um modo e falavam de outro, assim,
traziam uma coisa no coração e apresentavam uma outra na
boca, e agora não lhes é permitido falar assim fraudulentamente,
pois quando se tornam espíritos, são forçados a falar,
absolutamente como pensam. Os espíritos de Júpiter estavam
muito admirados de como possa haver no ser humano uma tal
50 Terras no Universo

discordância entre os interiores e os exteriores, isto é, como


possa falar de um modo e pensar de outro, o que lhes seria
impossível. Ficaram admirados quando ouviam que muitos dos
habitantes de nossa Terra também se tornam anjos, e possuem
um coração totalmente diferente; pois pensavam, então, que em
nossa Terra todos eram semelhantes aos precedentes; mas foram
informados de que muitos não são tais e que há também os que
pensam segundo o bem e não segundo o mal como aqueles
outros, e os que pensam segundo o bem se tornam anjos. A fim
de que vissem que isso era assim, vieram do céu, um após outro,
coros compostos de anjos de nossa Terra, que, com uma voz
unânime e com harmonia, glorificavam simultaneamente o
Senhor(26). Esses coros maravilharam de tal modo os espíritos de
Júpiter que estavam junto a mim, que lhes parecia terem quase
sido elevados ao céu. Essa glorificação pelos coros durou cerca
de uma hora. Foi-me possível sentir as delícias que eles
percebiam disso, pois elas me foram comunicadas: disseram que
contariam isso aos seus que não estavam presentes.
62. Os habitantes da terra de Júpiter atribuem sabedoria
ao pensar bem e justamente sobre as coisas com que se deparam
na vida; derivam esta sabedoria dos pais desde a infância, que é
sucessivamente transmitida pela posteridade e que aumenta por
causa do amor da sabedoria visto que este se encontra nos pais.
Dos conhecimentos tais como existem na nossa Terra, não sabem
absolutamente nada e nem querem saber. Chamam-nos de trevas
e comparam-nos a nuvens que se interpõem ao sol. Essa idéia dos
conhecimentos deduziram de certas pessoas provindas de nossa
Terra, que se gabaram diante deles de serem sábias pelos
conhecimentos. Os espíritos de nossa Terra que assim se gabaram
foram os que tinham pensado que a sabedoria consistia nas coisas
de pura memória, como por exemplo, nas línguas,
principalmente a hebraica, a grega e a latina, nos clássicos do
mundo literário, na opinião dos críticos, nas simples descobertas
experimentais e nos termos, sobretudo nos termos filosóficos e

26
Chama-se um coro, quando vários espíritos falam juntos e com uninimidade. N os 2595,
2596, 3350. Em sua linguagem há uma concordância harmônica. Nos 1648, 1649. Na
outra vida a inauguração a um estado de unanimidade faz-se por coros. Nos 5182.
Emanuel Swedenborg 51

_________________________________________________
em outras coisas semelhantes, e disse não se serviram como
meios para alcançar a sabedoria, porque consideraram essas
coisas mesmas como a sabedoria em si. Esses, visto que não
cultivaram sua faculdade racional pelos conhecimentos como
meios, na outra vida têm pouca percepção, pois só conseguem
ver as coisas em termos e por meio de termos e, para os que
vêem assim, coisas tais com esses termos são como poeira e
nuvens diante da visão intelectual [vide item no 38]; e os que se
orgulharam da erudição proveniente de tais coisas, percebem
ainda menos. Quanto aos que se serviram dos conhecimentos
como meios para debilitar e aniquilar as coisas que concernem à
igreja e à fé, esses destruíram inteiramente o seu entendimento
e enxergam nas trevas tais como corujas, vendo, assim, a
falsidade como verdade e o mal como bem. Os espíritos de
Júpiter, do seu relacionamento com tais espíritos, concluíram
que os conhecimentos induzem à escuridão e cegam. Mas foram
informados que nesta Terra os conhecimentos são os meios de se
abrir a visão intelectual que está na luz do céu; porém, como as
coisas que pertencem à vida puramente natural e aos sentidos ali
reinam, os conhecimentos também lhes são meios de se tornarem
insensatos, isto é, de se confirmarem pela natureza contra o
Divino e, pelo mundo, contra o céu. Ainda mais, foi-lhes dito que
os conhecimentos, em si mesmos, são riquezas espirituais e
aqueles que estas possuem são como os que possuem riquezas
mundanas, que igualmente são meios de se prestar usos para si,
para o próximo e para a pátria, e também meios de se fazer o
mal; e ainda mais, que os conhecimentos são como vestes que
52 Terras no Universo

servem para o uso e o adorno, e também para o orgulho, como


no caso dos que só por causa de suas roupas querem ser
honrados. Os espíritos da terra de Júpiter entenderam muito bem
isso; mas ficaram admirados de que esses espíritos, quando
viveram na Terra, se detivessem nos meios, e que tivessem
preferido a sabedoria mesma às coisas que conduzem a ela e não
tivessem visto que mergulhar a mente em tais coisas e não se
elevar além delas é cobrir-se com escuridão e cegar-se.
63. Um certo espírito, subindo da terra inferior, veio a
mim e disse-me que ouvira o que eu tinha falado com os outros,
mas que não entendera coisa alguma do que fora dito sobre a
vida espiritual e a sua luz. Perguntei-lhe se queria ser instruído a
respeito; disse-me que não viera com esse propósito, de que
pude concluir que não compreenderia tais coisas, pois era muito
ignorante. Foi-me dito pelos anjos que, este, quando vivera no
mundo, estivera dentre os mais célebres pela sua erudição. Agora
encontrava-se frio, o que era claramente percebido por seu
hálito; o que era um sinal de uma luz puramente natural, e de
nenhuma luz espiritual, e, assim, pelos conhecimentos não abrira
mas fechara a si mesmo o caminho para a luz do céu.
64. Como os habitantes da terra de Júpiter adquirem a
inteligência por um outro caminho que o dos habitantes de nossa
Terra e, além disso, são de uma outra disposição no que diz
respeito à vida, é por isso que não podem estar muito tempo com
eles, mas ou os evitam ou os repelem. Há esferas, que devem ser
chamadas esferas espirituais(27), que emanam continuadamente
de cada espírito, e mesmo transbordam; elas influem da
atividade das afeições e dos pensamentos provenientes destas,
assim da própria vida. As consociações na outra vida fazem-se
todas segundo as esferas; as que concordam são conjuntas
segundo a concordância, as que discordam são repelidas segundo
a discordância. Os espíritos e os anjos que são da terra de Júpiter
27
A esfera espiritual, que é a esfera da vida, eflui e transborda de cada pessoa, de cada
espírito e de cada anjo, e ela os rodeia. Nos 4464, 5179, 7454. Ela eflui da vida de sua
afeição, e do pensamento proveniente de sua afeição. Nos 2489, 4464, 6206. Na outra
vida as consociações se fazem segundo as esferas, e também as dissociações. Nos 6206,
9606, 9607, 10312.
Emanuel Swedenborg 53

_________________________________________________
representam no Máximo Homem a imaginação do pensamento e,
assim, o estado ativo das partes interiores; mas os espíritos de
nossa Terra representam as diversas funções das partes
exteriores do corpo; quando estas querem dominar, o princípio
ativo, ou seja, a imaginação do pensamento não pode fluir do
interior; daí as repulsas entre as esferas de vida de um e de
outro.
65. Quanto ao que concerne ao seu culto Divino, o
principal é que reconhecem nosso Senhor como Deus Supremo,
Quem governa o céu e a terra; chamam-n’O o único Senhor; e
como na vida do corpo eles o confessaram e adoraram, após a
morte O buscam e acham-n’O; é o mesmo que nosso Senhor.
Perguntei-lhes se sabiam que o único Senhor é um Homem;
responderam que todos sabem que é Homem, porque em seu
globo foi visto por muitos como um Homem; e que Ele Mesmo os
instrui sobre a verdade, os guarda e dá a vida eterna aos que O
adoram por causa do bem. Diziam ainda mais, que lhes foi
revelado por Ele como devem viver e como devem crer; e que o
que foi revelado é transmitido dos pais aos filhos e que, assim, a
doutrina se transmite a todas as famílias e, por conseqüência, a
toda uma nação descendente de um mesmo pai. Acrescentaram
que lhes parece que têm a doutrina escrita nas suas mentes, o
que concluem por perceber imediatamente, e reconhecer como
se fosse proveniente deles próprios se o que lhes é dito por
outros sobre a vida do céu no ser humano é ou não é verdade.
Não estão cientes de que seu único Senhor nasceu como um
54 Terras no Universo

Homem em nossa Terra; disseram-me que não se preocupam em


saber isso, que lhes basta saber que é um Homem e que governa
o universo. Quando lhes disse que em nossa Terra Ele é chamado
o Cristo Jesus; que Cristo significa Ungido ou Rei, e que Jesus
significa Salvador, disseram que não O adoram como Rei, porque
a realeza tira a sua sabedoria do que é mundano, mas que O
adoram como o Salvador. Como alguns espíritos de nossa Terra
incutiam neles essa dúvida, se seu único Senhor era o mesmo que
nosso Senhor, removeram-na porque lembraram de tê-l’O visto
no sol, e terem reconhecido que Ele Mesmo era O que viram em
sua Terra [vide item no 40]. Certa vez, também, influiu por um
instante nos espíritos de Júpiter, que estavam junto a mim, uma
dúvida se seu único Senhor era o mesmo que nosso Senhor; mas
essa dúvida, que influiu num instante, foi também tão
rapidamente dissipada. Esse influxo vinha de alguns espíritos de
nossa Terra e, então — o que me admirou —, envergonharam-se
tanto só por terem duvidado disso por um instante que me
pediram não divulgar isso, para não serem acusados de qualquer
incredulidade a esse respeito, quando, no entanto, eles agora o
sabem melhor que os outros. Esses espíritos ficavam
principalmente emocionados e contentes quando ouviam falar
que o único Senhor é o único Homem, e todos devem a Ele serem
chamados de seres humanos; mas são seres humanos tanto
quanto são Suas imagens, isto é, tanto quanto O amam e amam o
próximo; assim, tanto quanto estão no bem, pois o bem do amor
e da fé é a imagem do Senhor.
66. Havia junto a mim espíritos da terra de Júpiter,
enquanto eu lia o capítulo XVII, em João, sobre o amor do Senhor
e Sua glorificação; e, quando ouviram as coisas que ali estão, a
santidade os comoveu, e confessaram que todas as coisas ali
presentes eram Divinas. Mas, então, alguns espíritos de nossa
Terra, que foram infiéis, suscitavam continuamente coisas
escandalosas, dizendo que Ele nasceu como uma criancinha,
vivera como um homem, tivera a mesma aparência que um
homem qualquer, fora crucificado, e outras coisas tais, todavia,
os espíritos da terra de Júpiter não prestavam atenção alguma a
essas coisas; diziam que tais espíritos são como seus diabos que
Emanuel Swedenborg 55

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eles abominam; acrescentando que absolutamente nada há de
celeste em suas mentes, mas somente o que é terrestre, que
chamavam de escórias. Também ficariam convencidos de que isso
é assim, que, quando esses espíritos ouviram que eles em sua
terra andavam nus, a obscenidade logo se apoderara de seus
pensamentos, e não tinham de modo algum pensado em sua vida
celeste, sobre a qual, então, também, ouviram falar.
67. Pude ver em que clara percepção de coisas
espirituais os espíritos de Júpiter estão, pela sua representação
de como o Senhor converte as afeições perversas em boas
afeições. Representavam a mente intelectual como uma forma
bela, e nela induziam uma atividade própria à forma que conduz
à vida da afeição; isso fizeram de um modo que não pode ser
descrito por palavras, e com tanta destreza que nisso foram
louvados pelos anjos. Estavam então, presentes uns eruditos de
nossa Terra que tinham mergulhado seu intelecto nos termos dos
conhecimentos e escrito e pensado muito sobre a forma, sobre a
substância, sobre o que é material e o que é imaterial, e sobre
outras coisas semelhantes, e não aplicaram essas coisas a uso
algum; nem mesmo compreender essa representação puderam.
68. Em sua terra, velam com o maior cuidado para que
ninguém caia nas opiniões más sobre o único Senhor, e se notam
que alguns começam a pensar maliciosamente sobre Ele,
primeiro advertem-nos e depois, por ameaças e, enfim, por
punições, acabam por desviá-los disso. Disseram-me ter
56 Terras no Universo

observado que, quando uma dessas opiniões se insinua


furtivamente numa família qualquer, essa família é removida de
seu meio, não por penas de morte impostas pelos membros da
comunidade, mas por privação de respiração e, por conseguinte
da vida pelos espíritos, após tê-los primeiro ameaçado de morte.
Nessa terra os espíritos conversam com os habitantes e castigam-
nos, se fizeram o mal, e mesmo se somente tiveram a intenção
de fazer o mal, assim como será exposto em seguida. Se, pois,
pensam mal do único Senhor e se não se arrependem disso, são
ameaçados de morte; deste modo é conservado entre eles o culto
do Senhor, que é para eles a Suprema Divindade.
69. Dizem que não têm dias festivos, mas que, em cada
manhã, ao nascer do sol e em cada tarde, ao pôr-do-sol, prestam
um culto santo ao único Senhor, em suas tendas, e que também o
acompanham com música à sua maneira.
70. Além disso, fui informado de que nessa terra há
também pessoas que se nomeiam santos, e que sob pena de
castigo ordenam a seus criados, cujo número multiplicam,
chamá-los de senhores; até mesmo lhes proíbem adorar o Senhor
do universo, dizendo que eles são senhores mediadores, e que
levarão suas súplicas ao Senhor do universo. O Senhor do
universo, Que é nosso Senhor, não chamam de único Senhor,
como O chamam todos os outros, mas sim de Senhor Supremo, e
isso porque se nomeiam senhores também. Chamam o sol do
mundo a face do Senhor Supremo, e crêem que lá é a Sua
morada, por isso também adoram o sol. Todos os habitantes
afastam-se deles com aversão e não desejam se relacionar com
eles, tanto porque adoram o sol quanto porque se nomeiam
senhores e são adorados como deuses mediadores por seus
criados. A sua vestimenta de cabeça foi-me mostrada por
espíritos; era um chapéu em forma de torre, de cor escura. Na
outra vida, aparecem à esquerda a uma certa altura, e ali se
sentam como ídolos e são também a princípio adorados pelos
criados que estiveram com eles, porém, mais tarde, são também
ridicularizados pelos mesmos. O que me surpreendeu foi que ali
brilhavam na face, como se esta fosse feita de fogo, o que
derivaram de terem crido que eram santos; mas, embora
Emanuel Swedenborg 57

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apareçam na face como se esta estivesse ardendo de fogo, ainda
assim são frios, e querem constantemente aquecer-se. Daí é
evidente que o fogo, com que brilham, é o fogo do amor de si
que é um fogo ilusório. A fim de se aquecerem, essas pessoas
parecem estar rachando lenha e, quando a racham, aparece sob
a madeira algo como um homem, e, na mesma hora tentam feri-
lo; isso é proveniente de atribuírem mérito e santidade a si
próprios; os que fazem isso parecem rachar lenha na outra vida;
como também alguns de nossa terra, dos quais se tratou em
outro lugar. A fim de que esse ponto seja ilustrado, é-me
permitido também acrescentar um episódio sobre isso: na terra
inferior, sob a planta dos pés, também se encontram os que
colocaram mérito nas boas ações e nas obras; muitos dentre eles
parecem a si mesmos estar a rachar lenha. O lugar onde estão é
bem frio e parece-lhes obter calor por seu esforço. Também
conversei com eles, e tive a oportunidade de perguntar-lhes se
queriam sair desse lugar; respondiam-me que não o tinham ainda
merecido por seu trabalho; entretanto, quando esse estado é
concluído, dali são retirados. Eles são naturais, porque querer
merecer a salvação não é espiritual, pois isso vem do sentimento
de independência do ser humano e não do Senhor; e, além disso,
consideram-se melhores que os outros, e alguns deles até
desprezam os outros. Se não recebem mais alegria que os outros
na outra vida, ficam indignados contra o Senhor; é por isso que,
quando racham lenha, aparece algo como a figura do Senhor sob
58 Terras no Universo

a lenha; isso provém da sua indignação(28).


71. Nessa terra é comum que os espíritos falem com os
habitantes, instruam-nos e também castiguem-nos se fazem o
mal. Como seus anjos me contaram várias coisas sobre esse
assunto, vou relatá-las em ordem. Se, lá, os espíritos falam com
as pessoas, é porque pensam muito sobre o céu e sobre a vida
após a morte, e porque se preocupam relativamente pouco com a
vida do mundo, pois sabem que, quando morrerem, viverão e
estarão num estado feliz, segundo o estado formado no mundo
de seu homem interior. Era comum também na nossa Terra, nos
tempos antigos, falar com espíritos e anjos, por uma razão
semelhante, a saber, porque pensavam sobre o céu e pouco
sobre o mundo. Mas essa viva comunicação com o céu foi fechada
com o passar do tempo, conforme o ser humano, de interior
tornou-se exterior, ou, o que é a mesma coisa, conforme
começou a pensar muito sobre o mundo e pouco sobre o céu; e,
ainda mais, quando não acreditou mais que o céu e o inferno
existissem nem que em si mesmo existisse um ser humano-
espírito que vive após a morte. Com efeito, crê-se hoje que o
corpo vive por conta própria e não de seu espírito; se, pois, o ser
humano hoje em dia não tivesse a crença de que ressuscitará
com o corpo, não teria fé alguma na ressurreição.
72. Quanto ao que concerne em particular à presença de
espíritos entre os habitantes da terra de Júpiter, há espíritos que
os castigam, há os que os instruem, há os que os governam. Os
espíritos que os castigam encostam-se ao lado esquerdo e
inclinam-se para as costas; e, quando lá estão, extraem da
memória da pessoa tudo o que tem feito e pensado. Com efeito,
isso é fácil para os espíritos, pois, quando abordam uma pessoa,
entram em toda sua memória(29). Se acham que esta agiu ou
pensou mal, repreendem-na, e mesmo a castigam com uma dor
28
O mérito e a justiça pertencem ao Senhor Só. Nos 9715, 9975, 9979, 9981, 9982. Os
que colocam o mérito nas obras, ou que querem merecer o céu pelos bens que fazem,
desejam ser servidos na outra vida, e nunca estão satisfeitos. No 6393. Desprezam o
próximo, e irritam-se contra o Próprio Senhor, se não recebem uma recompensa. No
9976. Qual é a sua sorte na outra vida. Nos 942, 1774, 1877, 2027. Os que, na terra
inferior, parecem rachar lenha, vêm de seu número. Nos 1110, 4943.
Emanuel Swedenborg 59

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nas articulações dos pés ou das mãos ou com uma dor em torno
da região superior do abdome; isso os espíritos também podem
fazer com destreza, quando lhes é permitido. Quando tais
espíritos se aproximam de uma pessoa, excitam um arrepio
acompanhado de um medo; por aí a pessoa toma conhecimento
de sua chegada. Os maus espíritos são capazes de incutir medo
assim que vêm para alguém, principalmente nos que foram
ladrões enquanto viviam no mundo. A fim de que eu soubesse
como esses espíritos agem quando se aproximam de uma pessoa
de sua terra, foi permitido que um tal espírito se aproximasse de
mim; quando chegou perto, um arrepio acompanhado de terror
claramente se apoderou de mim; todavia, me arrepiei, não no
interior mas no exterior, porque sabia que era um tal espírito; eu
mesmo o vi, e ele aparecia como uma nuvem obscura com
pequenas estrelas que se movia na nuvem; as estrelas móveis
simbolizam as falsidades, e as estrelas fixas as verdades (30). Ele
encostou-se ao meu lado esquerdo voltando-se para as minhas
costas; e começou também a repreender-me, segundo os fatos e
os pensamentos que tirou de minha memória, e que interpretava
também no lado mal; mas foi detido pelos anjos. Quando
29 [idem 9]
Os espíritos entram em todas as coisas da memória da pessoa, mas não pela sua
própria memória nas coisas do homem. Nos 2488, 5863, 6192, 6193, 6198, 6199, 6214.
Os anjos entram nas afeições e nos fins pelos quais e por causa dos quais a pessoa pensa,
quer e age de uma maneira e não de outra. Nos 1317, 1645, 5854.
30 [idem 21]
As estrelas na Palavra simbolizam os conhecimentos do bem e da verdade,
assim, as verdades. Nos 2495, 2849, 4697. E na outra vida as verdades são representadas
por estrelas fixas e as falsidades por estrelas errantes. No 1128.
60 Terras no Universo

percebeu que estava junto a uma outra pessoa que não as de sua
terra, pôs-se a falar comigo e a dizer que, quando vem junto a
uma pessoa, sabe, em geral e em particular, tudo o que a pessoa
fez e pensou; e que, em seguida, a repreende severamente e
castiga-a também com diferentes tipos de dores. Numa outra
ocasião veio também a mim um tal espírito castigador e
encostou-se no meu lado esquerdo, abaixo do meio do corpo,
como o primeiro; queria também punir, mas foi do mesmo modo
impedido por anjos; mostrou-me, contudo, os tipos de castigos
que lhes são permitidos infligir às pessoas de sua terra, se agem
mal ou se têm a intenção de agir mal; havia, além da dor nas
articulações, também uma contração dolorosa pelo meio do
ventre, que senti como se estivesse sofrendo o aperto de um
cinto com pontas; havia, também, uma privação alternada da
respiração, a ponto de causar angústias; depois, também, a
proibição de se comer outra coisa senão pão, durante um certo
tempo; e, por fim, a ameaça de morte, se não deixassem de
fazer coisas semelhantes e, aí então, a privação de alegria de se
ver o cônjuge, filhos e amigos; a dor que disso provém sendo
também insinuada.
73. Os espíritos que os instruem se encostam também no
seu lado esquerdo, porém, mais pela frente; eles igualmente
repreendem, mas com bondade, e logo depois ensinam como é
preciso viver; também aparecem obscuros, não todavia como
uma nuvem, assim como os primeiros, mas como se estivessem
vestidos com sacos. Estes são chamados instrutores e os
precedentes, corregedores. Quando esses espíritos estão
presentes, espíritos angélicos estão também presentes; estes se
estabelecem próximo da cabeça e enchem-na de um modo
particular; sua presença ali é mesmo percebida como uma doce
aspiração, pois receiam que a pessoa, por sua chegada e por seu
influxo, sinta a menor dor ou a menor ansiedade; eles regulam os
espíritos corregedores e os espíritos instrutores; os primeiros, a
fim de que não façam mais mal à pessoa do que lhes é permitido
pelo Senhor, e os últimos, a fim de que lhe digam a verdade.
Quando o espírito corregedor estava junto a mim, os espíritos
angélicos também estavam presentes e mantinham minha face
Emanuel Swedenborg 61

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continuadamente alegre e risonha, com a região ao redor dos
lábios proeminente e minha boca um pouco aberta; isso os anjos
fazem facilmente por influxo, quando o Senhor o permite. Eles
diziam que inspiram uma tal expressão nos habitantes de sua
terra, quando estão presentes.
74. Se a pessoa, após o castigo e a instrução, de novo
pratica o mal, ou mesmo se pensa em fazer o mal, e não se
abstém segundo os preceitos da verdade, então, quando o
espírito corregedor retorna, ela é punida mais severamente. Mas
os espíritos angélicos moderam a punição de acordo com a
intenção no que fez e de acordo com a vontade no que pensou.
Disso pode-se ver que seus anjos, que se estabelecem pela
cabeça, têm uma espécie de jurisdição sobre a pessoa,
porquanto permitem, moderam, restringem e influem. Todavia,
foi explicado que esses anjos não julgam, mas que o Senhor, Só,
é o Juiz, e que d’Ele influem nos anjos todas as coisas que
ordenam aos espíritos corregedores e aos espíritos instrutores, e
que isso parece ser originado deles mesmos.
75. Lá os espíritos falam à pessoa, mas a pessoa não fala
por sua vez aos espíritos, só mesmo as seguintes palavras,
quando é instruída: que não agirá mais dessa maneira; não lhes é
tampouco permitido dizer a alguém que um espírito lhe falou; se
ela o faz, é em seguida punida. Esses espíritos de Júpiter,
quando estavam junto a mim, pensavam a princípio que estavam
junto a uma pessoa de sua terra; mas quando eu, por minha vez,
62 Terras no Universo

lhes dirigi a palavra dizendo também que pensava em tornar tais


coisas públicas e, assim, contá-las a outros, e como, então, não
lhes foi permitido castigar-me, nem instruir-me, notaram que
estavam junto a um outro.
76. Há dois sinais que aparecem a esses espíritos,
quando estão junto a uma pessoa; vêem um homem velho, cuja
face é branca; esse é um sinal para que não falem senão a
verdade e não façam senão o que é justo; vêem também uma
face na janela; esse é um sinal que aparece para que se retirem.
Esse velho me apareceu e também a face na janela; e assim que
a face apareceu, esses espíritos logo se afastaram de mim.
77. Além dos espíritos dos quais se acabou de falar, há
também espíritos que aconselham coisas contrárias; são os que,
quando viviam no mundo, foram expulsos da companhia dos
outros, porque eram maus. Quando abordam alguém, aparece
como um fogo voador que desce perto da face; eles se
estabelecem debaixo das costas da pessoa e de lá falam voltados
para cima. Dizem coisas contrárias ao que o espírito instrutor
disse, as quais vieram dos anjos, isto é, que não devem viver
conforme a instrução recebida, mas conforme sua vontade e com
libertinagem e outras coisas semelhantes. Na maioria das vezes
eles vêm logo que os primeiros espíritos se retiraram; mas, lá, as
pessoas sabem quem e quais esses espíritos são e, por isso, não
lhes dão atenção alguma; todavia, aprendem dessa maneira o
que é o mal e, por conseqüência, o que é o bem, pois, pelo mal
aprende-se o que é o bem, visto que a qualidade do bem é
aprendida pelo seu oposto; toda percepção de uma coisa é de
acordo com a reflexão relativa a diferenças de coisas opostas em
vários modos e graus.
78. Os espíritos corregedores e os espíritos instrutores
não se apresentam aos que se nomeiam santos e senhores
mediadores, dos quais se falou acima, no No 70, como o fazem
aos outros nessa terra, porque aqueles não se deixam instruir, e
não são corrigidos por disciplina; são inflexíveis, porque agem
pelo amor de si. Os espíritos diziam que pelo frio percebiam que
são eles e que, quando sentem esse frio, afastam-se deles.
Emanuel Swedenborg 63

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79. Entre os espíritos de Júpiter, há também os que são
chamados de limpadores de chaminés, porque a eles se
assemelham em traje e também têm o rosto coberto de fuligem.
É-me também permitido descrever quem são e o seu modo de
ser. Um desses espíritos veio a mim e pediu-me com insistência
que intercedesse por ele, a fim de que pudesse vir ao céu; dizia
que não estava ciente de ter feito o mal, que somente
repreendera habitantes de sua terra; acrescentou que, depois de
tê-los repreendido, instruíra-os. Encostou-se no meu lado
esquerdo sob o antebraço, e falava como se o som de sua voz
fosse duplo; podia mesmo inspirar compaixão. Mas não pude
responder-lhe senão que não podia prestar-lhe qualquer auxílio,
e que isso cabia unicamente ao Senhor; nem interceder, porque
não sabia se isso seria útil ou não; mas que, se fosse digno, podia
ter esperanças. Então, ele foi enviado aos espíritos íntegros que
eram de sua terra; mas estes diziam que ele não podia
permanecer em sua companhia, porque não era tal como eles;
entretanto, visto que, por causa de seu desejo intenso, ainda
suplicasse ser admitido no céu, foi enviado a uma sociedade de
espíritos íntegros desta terra; mas estes diziam também que ele
não podia permanecer com eles; ele era mesmo de uma cor preta
sob a luz do céu; mas ele replicava que não era de cor preta,
mas sim de uma cor amarronzada. Foi-me informado que tais
são, a princípio, os que depois são admitidos entre os que
constituem a província das vesículas seminais no Máximo Homem,
ou seja, no céu; com efeito, nessas vesículas o sêmen é
64 Terras no Universo

armazenado e envolvido por uma substância adequada, que é


apta à conservação do poder reprodutivo do sêmen, a fim de que
não seja dissipado, mas que pode ser dissolvida no colo do útero,
a fim de que dessa forma o que foi guardado interiormente sirva
à concepção ou à fecundação do ovo. Daí também existe nessa
substância seminal um esforço e uma espécie de desejo ardente
de dissolver-se e de deixar o sêmen, a fim de que preste o seu
uso. Uma coisa semelhante também aconteceu com esse espírito:
ele chegou perto de mim num traje vulgar, e dizia de novo que
ardia por ir ao céu e agora se considerava apto de poder ir lá.
Foi-me então dado dizer-lhe que isso talvez fosse um sinal de que
em breve seria aceito. Então, os anjos lhe mandaram que se
despisse de sua roupa, o que fez, por causa de seu desejo
ardente, com tanta rapidez que dificilmente se faria algo mais
rápido; pelo qual foram representados quais são os desejos dos
que estão na província à qual correspondem as vesículas
seminais. Foi-me dito que tais espíritos, após terem sido
preparados para o céu, se despem de suas roupas, e vestem-se
com novas roupas resplandecentes e tornam-se anjos.
Comparavam-nos a larvas que, assim que seu vil estado termina,
transformam-se em ninfas e, depois, em borboletas, às quais é
então dada uma outra vestimenta e também asas de cor azul,
amarela, prateada ou dourada e, ao mesmo tempo, a liberdade
de voar no ar como em seu céu, de se acasalar, depositar ovos,
e, assim, de prover a propagação de seu gênero; e, então, lhes
são ao mesmo tempo dados alimentos doces e agradáveis que
extraem dos sucos e do perfume de diversas flores.
80. No que precedeu ainda não foi exposto de que
natureza são os anjos dessa terra; com efeito, os que vêm para
as pessoas de sua terra e colocam-se perto da cabeça, dos quais
se falou acima, no No 73, não são anjos no seu céu interior, mas
são espíritos angélicos, ou seja anjos no seu céu exterior; e,
como me foi desvendado de que natureza são também os
primeiros anjos, é permitido relatar o que me foi dado saber
sobre eles: Um desses espíritos de Júpiter, que incutem medo
quando se aproximam, encostou-se no meu lado esquerdo sob o
antebraço, e daí falava; mas sua fala era estridente, e as
Emanuel Swedenborg 65

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palavras não eram suficientemente distintas nem separadas entre
si, de forma que eu tinha que esperar um longo tempo antes de
entender o sentido; e, enquanto falava, interpunha também um
pouco de medo, assim me advertindo que eu acolhesse bem os
anjos, quando chegassem; mas, foi-me dado responder que isso
não depende de mim, e que todos são acolhidos comigo de
acordo com o que eles próprios são. Logo depois vieram anjos
dessa terra, e foi-me dado perceber, pelo seu tom de voz
comigo, que diferiam inteiramente dos anjos de nossa Terra; pois
sua linguagem se fazia, não por meio de palavras, mas por meio
de idéias que de todo lado se estendiam por meus interiores e,
por conseguinte, também possuíam um influxo na face, de modo
que a face concorria para cada detalhe da linguagem, começando
pelos lábios e continuando para a circunferência por todos os
lados. As idéias, que se usavam em lugar das palavras, eram
separadas umas das outras, mas muito pouco. Em seguida, me
falaram por meio de idéias ainda menos separadas umas das
outras, de tal modo que mal se percebia qualquer intervalo; eu
percebia algo como o significado das palavras que as pessoas que
só prestam atenção ao significado abstraído das palavras
percebem. Essa linguagem era para mim mais inteligível que a
primeira e era também mais completa. Influía do mesmo modo
que a primeira na face, mas o influxo era, de acordo com a
qualidade dessa linguagem, mais contínuo; todavia, não
começava, como o primeiro, pelos lábios, mas sim pelos olhos.
Em seguida, falaram ainda com mais continuidade e plenitude e,
então, a face não pôde responder com uma expressão adequada;
66 Terras no Universo

mas o influxo era sentido no cérebro, e este, então, respondia de


modo semelhante. Enfim, falaram de um jeito que a linguagem
caía somente no entendimento interior; sua fluência era como a
de um vento brando; o influxo em si, eu percebia, porém, os
detalhes só indistintamente. Esses tipos de linguagem
comportavam-se como fluidos; o primeiro tipo como a água no
estado líquido, o segundo como uma água menos densa, o
terceiro relativamente como um gás, e o quarto, como uma
atmosfera menos densa ainda. O espírito que estava no meu lado
esquerdo, do qual se tratou acima, por vezes interrompia,
advertindo-me, sobretudo, de que eu agisse de modo certo com
os anjos de sua terra, pois havia espíritos de nossa Terra que
introduziam coisas desagradáveis; dizia que não tinha à primeira
vista compreendido o que os anjos diziam, mas que depois,
quando se aproximou de minha orelha esquerda, tinha
compreendido. Então, também sua fala não era estridente como
antes, mas era como a dos outros espíritos.
81. Em seguida falei aos anjos de coisas notáveis que
existem na nossa Terra, especialmente da tipografia, da Palavra,
dos vários assuntos doutrinais da igreja provenientes da Palavra,
e dizia-lhes que a Palavra e as coisas doutrinais são publicadas e
são assim estudadas e aprendidas; ficaram muito admirados de
que tais coisas pudessem ser tornadas públicas por escritos e por
caracteres de imprensa.
82. Foi-me possível ver o que se sucede quando os
espíritos dessa terra, após terem sido preparados, são elevados
ao céu e tornam-se Anjos. Apareciam, então, carros e cavalos
brilhantes como se feitos de fogo, nos quais são elevados do
mesmo modo que Elias. Se apareciam carros e cavalos brilhantes
como se feitos de fogo, é porque assim é representado que foram
instruídos e preparados para entrar no céu, porquanto os carros
simbolizam as doutrinas da igreja e os cavalos brilhantes
simbolizam o entendimento ilustrado(31).

31
Os carros simbolizam as doutrinas da igreja, Nos 2760, 5321, 8215, e os cavalos o
entendimento, Nos 2760-2762, 3217,5321, 6125, 6400, 6534, 7024, 8146, 8148, 8381. O
Cavalo Branco no Apocalipse simboliza o entendimento da Palavra, No 2760. No sentido
Emanuel Swedenborg 67

_________________________________________________
83. O céu, a que são elevados, aparecia à direita da sua
terra, por conseqüência, separado do céu dos anjos de nossa
Terra. Os anjos que se encontram nesse céu aparecem vestidos
de azul resplandecente, pontilhado de pequenas estrelas
douradas; e isso porque, no mundo, eles amaram essa cor;
acreditaram mesmo que ela era a própria cor celeste, sobretudo
porque estão num estado de bem do amor tal, como ao que essa
cor corresponde(32).
84. Foi-me mostrada uma cabeça calva, mas somente a
parte de cima, que era óssea; e foi-me dito que os que devem
morrer durante o ano vêem algo parecido e então se preparam.
Lá não receiam a morte senão porque deixam o cônjuge, os filhos
ou os pais, pois sabem que após a morte viverão e não partem da
vida, porquanto vão para o céu; é por isso que não chamam o ato
de morrer, "morrer", mas sim "tornar-se celeste". Os que, nessa
terra, viveram no amor verdadeiramente conjugal e cuidaram dos
filhos como convém aos pais, esses não morrem de doença, mas
tranqüilamente como num sono; e passam assim do mundo ao
céu. Lá a idade das pessoas é na sua maioria de trinta anos,

representativo, por Elias entende-se a Palavra, N os 2762, 5247. E como toda doutrina da
Igreja e seu entendimento provêm da Palavra, Elias foi chamado Carro de Israel e seus
cavaleiros, Nos 2762. É por isso que ele foi arrebatado por um carro de fogo e cavalos de
fogo. Nos 2762, 8029.
32
O azul proveniente do vermelho ou chama corresponde ao bem do amor celeste, e o
azul proveniente de branco ou brilho corresponde ao bem do amor espiritual, No 9868.
68 Terras no Universo

segundo os anos de nossa Terra; se morrem num espaço de


tempo tão curto, é, pela Providência do Senhor, a fim de que o
número de pessoas ali não se multiplique, além do número que
pode ser sustentado por essa terra; e porque, depois que
completaram esses anos, não se deixam conduzir pelos espíritos
e anjos como os que ainda não completaram; é por isso que os
espíritos e os anjos raramente se aproximam dos que passaram
dessa idade; alcançam também a idade adulta mais rapidamente
que os de nossa Terra; casam-se mesmo na primeira flor da
juventude e, então, seus prazeres consistem em amar o seu
cônjuge e cuidar de seus filhos; os outros prazeres também
consideram-nos prazeres mas relativamente externos.

A Terra ou Planeta Marte


e seus Espíritos e Anjos

85. Entre os espíritos que provêm das terras deste


sistema solar, os espíritos de Marte são os melhores de todos,
pois, na sua maioria, são pessoas celestiais, não diferentes dos
que foram da Igreja Antiqüíssima nesta Terra(33). Quando o seu
modo de ser é representado, aparecem com a face no céu e o
corpo no mundo dos espíritos; e os dentre eles que são anjos
aparecem com a face voltada ao Senhor e o corpo no céu.
86. O planeta Marte aparece, na idéia dos espíritos e
dos anjos, como os outros planetas, constantemente em seu
lugar, e mesmo se encontra para a esquerda em frente, a uma
certa distância na altura do peito, e, assim, fora da região onde
estão os espíritos de nossa Terra. Os espíritos de uma terra

33
A primeira e antiqüíssima igreja em nossa Terra foi uma igreja celestial, que é a
essencial de todas, Nos 607, 895, 920, 1121-1124, 2896, 4493, 8891, 9942, 10545.
Chama-se igreja celestial aquela em que o elemento principal é o amr ao Senhor, e igreja
espiritual aquela em que o elemento principal é a caridade para com o próximo e a fé,
Nos 3691, 6435, 9486, 9680, 9683, 9780.
Emanuel Swedenborg 69

_________________________________________________
encontram-se separados dos espíritos de uma outra porque os
espíritos de cada terra representam certa parte especial no
Máximo Homem, e estão, por conseguinte, num outro e diferente
estado, e a diferença de estado faz que apareçam separados uns
dos outros, quer para a direita, quer para a esquerda e a uma
maior ou menor distância(34).
87. Uns espíritos de lá vieram junto a mim e se
encostaram no lado esquerdo da minha cabeça; e ali me
sopravam sua fala, mas eu não a compreendia; era bem suave
quanto ao seu fluxo e uma mais suave eu não percebera antes;
era como a mais branda brisa; batia primeiro no lado esquerdo
da minha cabeça e de lá para a orelha esquerda por cima; e
então subia para o olho esquerdo e pouco a pouco para o direito,
e partia, em seguida, sobretudo do olho esquerdo para os lábios
e, chegada aos lábios, entrava na boca e subia ao cérebro por um
caminho dentro da boca (que é a trompa de Eustáquio). Quando
esse sopro lá chegou, compreendi sua linguagem e foi-me
possível conversar com eles. Notei que, quando me falavam, os
meus próprios lábios moviam-se, e um pouco também a minha
língua, e isso por causa da correspondência da linguagem interna
com a linguagem externa. A linguagem externa pertence ao som
articulado que desliza para a membrana externa do ouvido e, daí
no meio dos pequenos órgãos, das membranas e das fibras que
34
As distâncias na outra vida são aparências reais, que são pelo Senhor apresentadas à
vista, segundo os estados dos interiores dos anjos e dos espíritos. N os 5605, 9104, 9440,
10146.
70 Terras no Universo

estão dentro do ouvido é levado ao cérebro. Por aí me foi


possível saber que a linguagem dos habitantes de Marte era
diferente da linguagem dos habitantes de nossa Terra,
principalmente no que era uma linguagem não sonora, mas quase
tácita, insinuando-se no ouvido e na vista interiores por um
caminho mais curto; e que sendo tal, era mais perfeita, mais
cheia de idéias do pensamento, assim aproximando-se bem perto
da linguagem dos espíritos e dos anjos; a própria afeição da
linguagem é também representada neles na face e seu
pensamento nos olhos, pois o pensamento e a linguagem tanto
como a afeição e a face neles agem em harmonia (consideram
mesmo como uma abominação pensar-se de um modo e falar-se
de um outro, e desejar uma coisa interiormente mas mostrar
uma outra na face; não sabem o que é a hipocrisia, nem o que é
o fingimento enganador e o ardil). Os antiqüíssimos em nossa
Terra tiveram também uma tal linguagem, o que me foi possível
saber por conversas com alguns deles na outra vida; e para
esclarecer esse assunto, é-me permitido relatar o que ouvi, que
foi o seguinte: Foi-me mostrado, por um influxo que não me é
possível descrever, qual tinha sido a linguagem dos que eram da
Igreja Antiqüíssima [vide item no 33]. Não era articulada como a
linguagem de palavras de nosso tempo; era tácita e fazia-se não
pela respiração exterior, mas pela respiração interior, assim era
uma linguagem do pensamento. Pude também perceber qual era
sua respiração interior; ela ia do ventre para o coração, e, assim,
pelos lábios, sem som algum, quando falavam; e não entrava no
ouvido dos outros por uma via externa, e não pulsava no que se
chama o tímpano do ouvido, mas entrava por uma certa via
interna que, para se ser mais exato, é hoje chamada de trompa
de Eustáquio. Foi-me mostrado que por uma tal linguagem
podiam exprimir os sentimentos da mente e as idéias do
pensamento muito mais plenamente, como nunca seria possível
por meio de sons articulados ou palavras sonoras; essa linguagem
é igualmente regulada por uma respiração, mas uma exterior,
pois não há uma só palavra, nem mesmo coisa alguma em uma
palavra, que não seja regulada por aplicações da respiração; mas
neles, isso se fazia com a maior perfeição, porque era por meio
da respiração interna que, sendo interior, é por isso mesmo mais
Emanuel Swedenborg 71

_________________________________________________
perfeita e também mais adequada e mais conforme às próprias
idéias do pensamento; além disso, expressavam-se ainda por
ligeiros movimentos dos lábios e por mudanças correspondentes
na face; efetivamente, como eram pessoas celestiais, tudo o que
pensavam se manifestava claramente por sua face e seus olhos,
os quais conformemente variavam a face quanto à forma,
segundo a vida da afeição, e os olhos quanto à luz; nunca seriam
capazes de mostrar um rosto que não fosse de acordo com o que
pensavam. Como sua linguagem se fazia pela respiração interior,
que pertence ao próprio espírito do ser humano, é por isso que
puderam conviver e falar com os anjos. A respiração dos espíritos
de Marte foi-me também comunicada (35), e percebi que sua
respiração procedia da região do tórax para o meio do ventre e,
de lá, fluía para cima através do peito com um sopro
imperceptível para a boca. Pude ver por isso, depois também por
outras provas de experiência própria, que eram de uma natureza
celestial e, assim, não diferiam dos que pertenceram à Igreja
Antiqüíssima nesta Terra.
88.Fui informado de que os Espíritos de Marte, no
Máximo Homem, representam o ponto intermediário entre o
entendimento e a vontade, assim o pensamento proveniente da
afeição e os melhores dentre eles representam a afeição do
pensamento; daí vem que a sua face age em harmonia com seu
pensamento e não podem fingir diante de quem quer que seja. E
35
Os espíritos e os anjos também são dotados de uma respiração, Nos 3884, 3885, 3891 e
3893.
72 Terras no Universo

como é isso o que eles representam no Máximo Homem, a região


intermediária que se encontra entre o cérebro e o cerebelo lhes
corresponde, pois neles, cujo cérebro e o cerebelo foram
conjuntos quanto às suas operações espirituais, a face age em
união com o pensamento, de modo que pela face a própria
afeição do pensamento é claramente manifestada, e pela afeição
como também por certos sinais sobressalentes dos olhos, a idéia
geral do pensamento é claramente manifestada. É por isso que
quando estavam junto a mim, percebi sensivelmente uma
retração da parte anterior de minha cabeça para o occipício, ou
seja, do cérebro para o cerebelo(36).
89. Um certo dia, quando certos espíritos de Marte
estavam junto a mim e controlavam o campo da minha mente,
uns espíritos da nossa Terra chegaram e tentaram também
penetrar nesse campo; mas, então, os espíritos de nossa Terra
ficaram como se fossem loucos, e isso porque não combinavam
de modo algum com os de Marte, pois os espíritos de nossa Terra,
no Máximo Homem, representam o sentido externo; daí, esses
estavam numa idéia voltada para o mundo e para si mesmos,
enquanto que os espíritos de Marte estavam numa idéia voltada
para longe de si mesmos, para o céu e para o próximo; era disso
que a oposição resultava. Mas, então, uns espíritos angélicos de
Marte sobrevieram; com a sua chegada, a comunicação cessou e,
assim, os espíritos de nossa Terra retiraram-se.
90. Os espíritos angélicos falaram-me da vida dos
habitantes na sua terra; disseram-me que não vivem sob
impérios, mas distinguidos em grandes e pequenas comunidades;
ali se consociam com os tais que estão em harmonia quanto às
suas disposições, e isso conhecem imediatamente pela face e
pela fala; e essa habilidade raramente lhes falha; são, então,
logo amigos. Diziam-me também que suas relações são
agradáveis e entre eles conversam sobre as coisas que acontecem
36
As faces humanas em nossa Terra, nos tempos antigos, recebiam o influxo proveniente
do cerebelo e, então, as faces agiam em união com as afeições interiores do ser humano,
mas depois elas receberam o influxo proveniente do cérebro, quando o seu humano
começou a fingir e a simular em sua face afeições que não eram as suas. Sobre as
conseqüentes mudanças que as faces sofreriam com o tempo, ver Nos 4325-4328.
Emanuel Swedenborg 73

_________________________________________________
nas comunidades e, principalmente, as coisas no céu, visto que
muitos dentre eles têm uma comunicação aberta com os anjos do
céu. Os que, em suas comunidades, começam a pensar de modo
mau e, por conseguinte, a desejar o mal, são separados; deixam-
nos sozinhos, onde vivem fora da comunidade de um modo
totalmente miserável em regiões pedregosas e outros tais
lugares, pois os das comunidades não tomam mais conta deles.
Algumas comunidades procuram, por diversos meios, coagir essas
pessoas a emendarem-se; mas, quando isso se torna uma perda
de tempo, separam-se delas. Desse modo se previnem, a fim de
que a cobiça da dominação e a cobiça do ganho não caia sobre
eles, isto é, a fim de que ninguém pela cobiça da dominação
subjugue para si uma comunidade qualquer e, em seguida,
muitas outras; e a fim de que ninguém, pela cobiça do ganho,
roube os bens dos outros. Cada um lá vive contente com os seus
bens e cada um também vive contente com a sua honra, que
consiste na reputação de ser justo e amar o próximo; esse prazer
e tranqüilidade dos espíritos pereceriam, se os que pensam mal e
querem mal não fossem expulsos, e se não combatessem com
prudência e severidade o amor de si e o amor do mundo logo nos
seus começos; pois são esses amores por que foram formados
impérios e reinos, nos quais há poucos que não desejam dominar
e possuir os bens dos outros, pois existem poucos que façam o
que é justo e reto proveniente do amor da justiça e da retidão, e
menos ainda que façam o bem proveniente da caridade mesma,
mas sim por causa do temor da lei, da perda da vida, do lucro, da
honra, e da reputação baseada nessas coisas.
74 Terras no Universo

91. Sobre o culto Divino dos habitantes dessa terra,


contaram-me que eles reconhecem e adoram nosso Senhor,
afirmando que Ele Próprio é o único Deus, e reina tanto no céu
quanto no universo; todo bem vem d’Ele; é Ele Quem os guia e
muitas vezes aparece diante dos habitantes dessa terra. Então,
me foi concedido dizer-lhes que os cristãos na nossa Terra sabem
também que o Senhor reina no céu e na terra, pelas palavras do
Próprio Senhor em Mateus: "Foi-Me conferido todo poder no céu
e sobre a terra" (28:18) mas, que não crêem isso como os que são
da terra de Marte. Disseram-me também que crêem que da parte
deles não há nada que não seja impuro e infernal, e que todo
bem pertence ao Senhor; ainda mais, acrescentavam que,
considerados em si mesmos, são diabos e o Senhor os tira do
inferno e daí os desvia continuamente. Uma certa vez, quando o
nome do Senhor era pronunciado, vi esses espíritos humilharem-
se tão interior e profundamente que isso não pode ser descrito.
Com efeito, em sua humildade havia o pensamento que por si só
estão no inferno e, assim, são totalmente indignos de voltar seus
olhos para o Senhor, que é a Santidade em si; estavam nesse
pensamento proveniente da fé de modo tão profundo que se
achavam como fora de si próprios, e permaneceram nesse
pensamento de joelhos, até quando o Senhor os levantou e,
então, por assim dizer, os tirou do inferno. Quando emergem
assim da humilhação, estão repletos de bem e de amor e, por
conseqüência, cheios de alegria do coração. Quando se humilham
desse modo, não voltam a face para o Senhor, pois não o
ousariam, então, as desviam-na. Os espíritos que estavam ao
meu redor diziam que nunca tinham visto uma tal humildade.
92. Alguns espíritos que eram dessa terra admiravam-se
de que havia ao meu redor tantos espíritos do inferno, e esses
também conversavam comigo; mas foi-me possível responder-
lhes que isso lhes é permitido, a fim de que eu possa aprender de
que tipo eles são e por que estão no inferno, e isto está de
acordo com sua vida. Foi-me também dado dizer-lhes que entre
eles havia muitos que eu conhecera, enquanto viviam no mundo
e, então, alguns deles foram postos em cargos de grande
dignidade, sem que tivessem tido no coração nada mais que o
Emanuel Swedenborg 75

_________________________________________________
mundo; mas que jamais algum mau espírito, mesmo o mais
infernal, podia causar-me algum dano, porque eu estava
continuamente protegido pelo Senhor.
93. Foi-me apresentado um habitante dessa terra: não
era, de fato, um habitante mesmo, mas era semelhante a um;
sua face era como a face dos habitantes de nossa Terra, mas a
parte inferior da face era escura, não por causa da barba, pois
não a tinha, mas de uma negridão que se achava em seu lugar.
Essa negridão estendia-se de cada lado até sob as orelhas; a
parte superior da face era amarela, como a face dos habitantes
de nossa Terra, que não são de pura raça branca. Ainda mais,
disseram que nessa terra alimentam-se dos frutos das árvores e,
sobretudo, de um fruto redondo que brota em sua terra; e, além
disso, de legumes; e lá se vestem com as roupas que fazem das
fibras da casca de certas árvores, fibras que têm a composição
adequada para poderem ser tecidas e também grudadas por uma
espécie de goma que existe entre eles. Contavam, além disso,
que lá sabem fazer líquidos combustíveis, pelos quais têm luz à
tarde e à noite.
94. Eu via uma espécie de um objeto belíssimo e
flamejante, de uma cor que variava, primeiro púrpura, depois
um vermelho brilhante, essas cores também reluziam lindamente
da chama; via, além disso, uma mão à qual esse objeto
inflamado se fixava, primeiro às costas da mão, depois, à palma
ou à parte interna da mão, e dali tocava a mão de leve em todo o
76 Terras no Universo

seu redor. Isso durou algum tempo; em seguida, essa mão se


afastou a uma distância com o objeto flamejante e, onde ela se
deteve, houve uma grande claridade; nessa grande claridade a
mão desapareceu e, então, esse objeto flamejante transformou-
se numa ave, que logo de começo tinha as mesmas cores que o
objeto flamejante, e as cores igualmente brilhavam; mas essas
cores foram sucessivamente mudadas e, com as cores, também o
vigor de vida na ave. Ela voava por todos os lados, primeiro ao
redor da minha cabeça, depois para a frente em direção a uma
espécie de um compartimento estreito que se assemelhava a um
santuário; e à medida que voava mais para a frente, a vida a
abandonava, e transformou-se enfim em pedra; primeiro, ficou
então da cor de pérola, em seguida de cor escura, mas, embora
sem vida, ainda assim voava. Enquanto essa ave voava ao redor
de minha cabeça, e estava ainda no vigor anterior de vida,
apareceu um espírito que se elevava da parte de baixo pela
região do meu dorso para a região de meu peito; daí tentava
arrebatar essa ave; mas como ela era tão bela, os espíritos que
se encontravam ao meu redor o impediram, pois mantinham
todos sua vista na ave. Mas esse espírito, que se elevara de
baixo, persuadiu-os fortemente de que o Senhor estava consigo e
que, assim, fazia isso pelo Senhor. Ainda que na sua maioria não
tivessem acreditado nisso, entretanto não o impediram mais de
arrebatar a ave. Todavia, como nesse momento o céu influía, não
conseguiu segurá-la e, num instante, retornou-a de sua mão à
liberdade. Quando isso terminou, os espíritos que estavam ao
meu redor e tinham observado atentamente essa ave e suas
transformações sucessivas, conversaram a esse respeito entre si;
e isso por um longo tempo. Percebiam que uma tal visão não
podia senão simbolizar alguma coisa celestial; sabiam que o
objeto flamejante simboliza o amor celestial e as suas afeições;
a mão à qual o objeto se fixava simboliza a vida e a sua força; as
mudanças de cores simbolizam as variedades da vida quanto à
sabedoria e à inteligência; do mesmo modo também a ave, mas
com essa diferença de que o objeto inflamado simboliza o amor
espiritual e o que pertence a esse amor (o amor celestial é o
amor ao Senhor e o amor espiritual é a caridade para com o
próximo; vide item no 33); e às mudanças de cores e, ao mesmo
Emanuel Swedenborg 77

_________________________________________________
tempo, às de vida na ave, até o ponto em que se tornou pedra,
simbolizam as transformações sucessivas da vida espiritual no
que diz respeito à inteligência. Sabiam, também, que os espíritos
que sobem de baixo pela região do dorso para a região do peito
estão numa forte persuasão de que estão no Senhor e, disso,
crêem que todas as coisas que fazem, mesmo as coisas más,
fazem-nas pela vontade do Senhor. Todavia não puderam disso
saber quem eram os que deviam ser entendidos por essa visão.
Enfim, foram instruídos pelo céu que eram os habitantes de
Marte; seu amor celestial, em que ainda estão muitos dentre
eles, foi simbolizado pelo objeto flamejante que se fixou à mão;
e a ave, no começo, quando estava na beleza de suas cores e no
vigor de sua vida, simbolizava seu amor espiritual. Mas o fato de
que essa ave se transformou em pedra e sem vida, e, enfim,
ficou de uma cor escura, simbolizava os habitantes que se
afastaram do bem do amor e estão no mal, e, entretanto, ainda
assim crêem que estão no Senhor; algo semelhante foi
simbolizado pelo espírito que se elevava e queria arrebatar a
ave.
95. Pela ave de pedra estavam também representados os
habitantes dessa terra que transformam de um modo estranho a
vida de seus pensamentos e de suas afeições em uma vida quase
nula sobre o que ouvi o seguinte:
Havia acima de minha cabeça um espírito que me falava.
Segundo o som de sua voz, percebi que estava como que num
78 Terras no Universo

estado sonolento; nesse estado falava muitas coisas, e isso com


uma prudência tal que não falaria mais prudentemente, estando
acordado. Foi-me dado perceber que era um objeto recipiente
pelo qual anjos falavam e ele nesse estado percebia o que lhe
era influído e apresentava-o(37). Com efeito, ele não falaria senão
o que era verdade; se algo influía de outra parte, ele o recebia,
é verdade, mas não o apresentava. Perguntei-lhe sob o seu
estado; disse-me que esse estado para ele era um estado de paz;
não tinha inquietação alguma sobre coisas do futuro e, ao mesmo
tempo prestava usos, pelos quais tinha comunicação com o céu.
Foi-me dito que tais, no Máximo Homem, representam o sinus
longitudinal, que está situado entre os dois hemisférios do
cérebro e, ali, num estado de repouso, qualquer que foi a
perturbação que o cérebro sofria de cada lado. Enquanto estava
conversando com esse espírito, outros espíritos dirigiram-se para
a parte anterior da cabeça, onde ele estava, e empurravam-no.
Por isso ele retirou-se para um dos lados e cedeu-lhes o lugar. Os
espíritos recém-chegados conversavam entre si; mas nem os
espíritos ao meu redor nem eu compreendíamos o que eles
diziam. Fui informado pelos anjos que eram espíritos da terra de
Marte, que sabiam falar entre si de modo que os espíritos
presentes não compreendessem e não percebessem nada. Estava
admirado de que pudesse existir uma tal linguagem, porquanto
todos os espíritos têm uma só linguagem que tiveram do
pensamento, e consiste em idéias que são entendidas como
palavras no mundo espiritual. Foi-me informado que esses
espíritos formam, de um certo modo, idéias expressas pelos
lábios e pela face que não são inteligíveis aos outros, e naquele
instante retraíam habilmente seus pensamentos aos outros,
tendo sobretudo cuidado de que nada da afeição se
manifestasse, pela razão de que, se alguma coisa da afeição
fosse percebida, o pensamento seria, então, exposto, pois o
pensamento flui da afeição e está como que presente nela. Além
disso, fui informado de que os habitantes da terra de Marte, que
atribuem a vida celeste aos conhecimentos somente e não à vida

37
As comunicações fazem-se por espíritos que sociedades de espíritos e de anjos enviam
a outras sociedades; e esses espíritos são chamados sujeitos. Nos 4403, 5856, 5983, 5989.
Emanuel Swedenborg 79

_________________________________________________
do amor, inventam uma tal linguagem, entretanto não todos; e
eles, quando se tornam espíritos, conservam-na consigo. São eles
os que foram especialmente simbolizados pela ave de pedra, pois
apresentar uma linguagem por expressões do rosto e por
movimento dos lábios, suprimindo as suas afeições e retraindo
seus pensamentos aos outros, é tirar a alma à linguagem e dela
fazer uma espécie de estátua e, gradualmente, tornar-se
também em algo semelhante. Embora pensem que o que dizem
entre si não é compreendido por outros, entretanto, os espíritos
angélicos percebem todas e cada uma das coisas que eles dizem,
pelo fato de que nenhum pensamento pode ser-lhes suprimido.
Foi isso mesmo o que lhes foi demonstrado por um caso real; eu
estava pensando no fato de que os espíritos maus de nossa Terra
não sentem vergonha alguma, quando infestam os outros. Esse
pensamento influía em mim dos espíritos angélicos que
compreendiam a linguagem dos espíritos de Marte; então, estes
reconheceram que aquilo que eu pensava era o mesmo de que
falavam entre si e ficaram admirados. Além disso, por meio de
um espírito angélico foram reveladas várias coisas, tanto as que
diziam quanto as que pensavam, apesar de se esforçarem a todo
custo por suprimir-lhes essas coisas. Em seguida, esses espíritos
influíram de cima na minha face; o influxo era sentido como uma
leve chuva estriada que era sinal de que não estavam na afeição
da verdade e do bem, pois isso é o que é representado pela
estria. Falaram-me, então, de modo inteligível e disseram-me
que habitantes de sua terra falam entre si de uma maneira
semelhante. Então foi-lhes dito que isso é mau, porque assim
80 Terras no Universo

obstruem os interiores e daí retiram-se para os exteriores, os


quais também privam de sua vida; e, sobretudo, porque não há
sinceridade em falar assim, pois os que são sinceros nada querem
dizer, nem mesmo pensar, que não possa ser do conhecimento
dos outros, mesmo se fosse todo mundo, mesmo do céu inteiro;
enquanto os que não querem que os outros saibam o que dizem
formam um juízo dos outros, deles têm uma má opinião e têm
uma boa opinião de si próprios; enfim, são levados pelo hábito
até o ponto de terem conceitos maus e falar mal da igreja, do
céu e mesmo do Próprio Senhor. Foi dito que os que amam os
conhecimentos e não a vida de acordo com os conhecimentos
representa, no Máximo Homem, a membrana interior do crânio;
mas aqueles que se habituam a falar sem afeição e a atrair para
si o pensamento e a suprimi-lo aos outros, representam essa
membrana, mas a sua parte óssea, porque de um pouco de vida
espiritual não derivam vida nenhuma.
96. Visto que pela ave de pedra também foram
representados os que estão nos simples conhecimentos, sem
estarem em vida alguma do amor e como, por conseguinte, não
possuem eles nenhuma vida espiritual, é aqui, permitido, sob
forma de um apêndice, mostrar que a vida espiritual está só
naqueles que estão no amor celeste e, daí, nos conhecimentos; e
que o amor em si contém toda espécie de conhecimento que se
relaciona a esse amor. Sejam, por exemplo, os animais da terra e
também os animais do céu ou as aves. Eles têm o conhecimento
de todas as coisas que pertencem a seu amor; seus amores são de
nutrir-se, de alojar-se em segurança, de propagar sua espécie,
de criar seus filhotes, entre alguns, de prover suas necessidades
para o inverno; conseqüentemente, têm todo conhecimento que
lhes é necessário; pois este está presente nesses amores e influi
nos amores como em seus próprios receptáculos; entre alguns
desses animais esse conhecimento é tal que o ser humano não
pode deixar de admirar-se dele. O conhecimento lhes é inato, e é
chamado instinto, mas pertence ao amor natural em que eles
estão. Se o ser humano estivesse em seu amor, que é o amor a
Deus e para com o próximo (este amor é próprio do ser humano
pelo qual ele se distingue dos animais e é o amor celeste), então,
Emanuel Swedenborg 81

_________________________________________________
ele estaria não somente em todo conhecimento necessário, mas
também em toda a inteligência e sabedoria, pois estas influiriam
do céu nesses amores, isto é, do Divino por meio do céu. Mas
como o ser humano não nasce nesses amores, mas sim nos
amores contrários, a saber, nos amores de si e do mundo, é por
isso que não pode deixar de nascer em toda ignorância e falta do
saber. Contudo é guiado por meios Divinos a algo de inteligência
e de sabedoria, mas ainda assim não efetivamente em coisa
alguma, a menos que os amores de si e do mundo sejam
afastados e que, assim, o caminho para o amor a Deus e para
com o próximo seja aberto. Que o amor a Deus e o amor para
com o próximo têm neles toda inteligência e toda sabedoria
pode-se ver pelas pessoas que, no mundo, estiveram nesses
amores; quando, após a morte, chegam ao céu, lá sabem e
gostam de coisas que nunca tinham conhecido antes e, ainda
mais, pensam e falam como os outros anjos tais coisas que o
ouvido nunca escutou e de que a mente nunca teve
conhecimento, as quais são inefáveis; e isso porque esses amores
têm em si a faculdade de receber tais coisas.
82 Terras no Universo

A Terra ou Planeta Saturno


e seus Espíritos e Anjos

97. Os espíritos dessa terra, como essa própria terra,


aparecem pela parte anterior a uma distância considerável,
embaixo ao nível dos joelhos; e, quando o olho se abre para esse
lugar, apresenta-se à vista uma multidão de espíritos que são
todos dessa terra; são vistos dessa parte dessa terra e à sua
direita. Foi-me também possível conversar com eles e por aí vir a
saber como eles são, relativamente aos outros. São íntegros e
modestos; e, como se acreditam pequenos, daí também na outra
vida aparecem pequenos.
98. No culto são muito humildes, pois em tal se
consideram como nada; adoram o nosso Senhor e reconhecem-No
como único Deus. O Senhor aparece-lhes mesmo algumas vezes
sob uma forma angélica e, assim, como Homem e, então, a sua
Divindade brilha de sua face e comove a mente. Os habitantes
também, quando chegam a uma certa idade, conversam com
espíritos, pelos quais são instruídos sobre o Senhor, e como Ele
deve ser adorado, e como se deve viver. Quando alguns espíritos
tentam seduzir os que provêm dessa terra e desviá-los da fé no
Senhor ou da humilhação para com ele, e da integridade da vida,
estes dizem que querem morrer; então, em suas mãos aparecem
pequenas facas, com as quais parecem tentar ferir-se no peito.
Quando se lhes pergunta por que agem assim, respondem que
querem antes morrer que ser desviados do Senhor. Os espíritos
de nossa Terra às vezes zombam deles por causa disso e
infestam-nos com censuras de agirem desse modo; mas, então,
eles respondem que sabem muito bem que não se suicidam, mas
que isso é somente uma aparência decorrente da vontade de sua
disposição, no que querem antes morrer que serem desviados do
culto do Senhor.
99. Disseram que vêm algumas vezes junto a eles
espíritos de nossa terra que lhes perguntam que Deus adoram;
Emanuel Swedenborg 83

_________________________________________________
respondem-lhes que são insensatos e que não pode haver maior
loucura que perguntar que Deus alguém adora, quando existe um
único Deus para todos no universo; e são ainda mais insensatos no
que não dizem que o Senhor é Esse Deus único e governa o céu
inteiro e, por conseguinte, o mundo inteiro, visto que o que
governa o céu, governa também o mundo, porque o mundo é
governado por meio do céu.
100. Disseram ainda que em sua terra há também
pessoas que chamam de Senhor um clarão noturno, que é grande;
mas que esses se encontram separados dos outros e não são
tolerados por eles. Esse clarão noturno provém daquele grande
anel que rodeia à distância essa terra, e das luas que são
chamadas satélites de Saturno.
101. Contaram que um outro tipo de espíritos que
andam em bandos, vêm freqüentemente junto a eles, querendo
saber como as coisas ali se passam e esses espíritos por diversos
meios extraem deles o que sabem. Desses diziam que não são
insensatos senão no que querem saber isso, não tanto por causa
de um uso qualquer, mas só a fim de o saberem. Em seguida,
foram informados de que esses espíritos são do Planeta Mercúrio
ou da terra mais próxima do sol e somente se deleitam nos
conhecimentos e não tanto nos usos que deles provêm.
102. Os habitantes e os espíritos do planeta Saturno
representam, no Máximo Homem, um sentido médio entre o
84 Terras no Universo

homem espiritual e o homem natural, mas que se afasta do


natural e se aproxima do espiritual. Daí resulta que esses
espíritos parecem ser tomados ou arrebatados ao céu e, logo em
seguida, retornarem. Com efeito, tudo o que é do sentido
espiritual está no céu, e tudo o que pertence ao sentido natural
está abaixo do céu. Como os espíritos de nossa Terra, no Máximo
Homem, representam o sentido natural e corpóreo, foi-me
possível saber, por uma ocasião onde isso ficou bem evidente,
como combatem e lutam entre si o homem espiritual e o homem
natural, quando este último não está na fé e na caridade. Uns
espíritos da terra de Saturno vinham de longe à nossa presença e,
então, houve uma comunicação ativa entre eles e os tais
espíritos de nossa Terra. Estes, após tê-los, portanto, percebido,
ficavam como se fossem loucos e começavam a infestá-los,
espalhando coisas indignas contra a fé e também contra o Senhor
e, enquanto se entregavam às injurias e às ofensas, se
projetavam também em seu meio; e, em razão da loucura em
que estavam, tentavam fazer-lhes mal. Mas os espíritos de
Saturno nada temiam, porque estavam seguros e num estado
tranqüilo. Entretanto, esses espíritos de nossa Terra, enquanto
estavam no meio deles, começavam a se sentir angustiados e a
respirar com dificuldade e, em conseqüência, precipitavam-se
um por aqui, outro por ali e se dispersavam. Os que estavam
presentes percebiam, por isso, qual é o homem natural separado
do homem espiritual, quando entra num campo espiritual, a
saber, em que ele se torna insensato. Com efeito, o homem
natural separado do homem espiritual é prudente somente
quanto ao mundo, e de modo nenhum quanto ao céu. Ora, a
pessoa que não é prudente senão quanto ao mundo, não crê
senão no que os sentidos apreendem, e as coisas que crê, as crê
pelas ilusões dos sentidos, que, se não são afastados pelo influxo
do mundo espiritual, produzem falsidades. Daí vem que ao seu
ver as coisas espirituais não são nada, a ponto de mal agüentar
ouvir a palavra "espiritual" ser pronunciada. É por isso que tais
espíritos se tornam loucos, quando são mantidos num campo
espiritual; assim se dá de outro modo, quando vivem no mundo;
então, ou pensam de um modo natural sobre as coisas espirituais,
ou desviam o ouvido, isto é, ouvem e não prestam atenção. Por
Emanuel Swedenborg 85

_________________________________________________
esse acontecimento, também ficou claro que o homem natural
não pode introduzir-se no homem espiritual, isto é, elevar-se;
mas que, quando a pessoa está na fé e, por conseguinte, na vida
espiritual, o homem espiritual influi no homem natural e ali
pensa; pois existe um influxo espiritual, isto é, que vem do
mundo espiritual para o mundo natural, mas não vice-versa(38).
103. Além disso, fui informado pelos espíritos dessa
terra sobre os habitantes, quais as suas associações e várias
outras coisas; disseram-me que vivem distinguidos em famílias,
uma família separada da outra; assim, o marido e a esposa com
seus filhos; e estes, quando se casam, deixam a casa de seus pais
e não tomam mais conta dela, e é por isso que os espíritos dessa
terra aparecem em pares; preocupam-se pouco com sua comida e
vestimenta, pois se alimentam dos frutos e legumes que a sua
terra produz; e se vestem levemente porque são revestidos por
uma pele ou um tegumento espesso que os protege do frio; ainda
mais, todos de sua terra sabem que viverão após a morte e, por
conseguinte, não dão importância a seus corpos, senão no que
diz respeito à vida que, assim como costumam dizer, será
permanente e servidora ao Senhor; é também por isso que não
enterram os corpos dos mortos, mas deixam-no sem sepultura e
cobrem-nos com ramos de árvores da floresta.

38
Existe um influxo espiritual e não existe influxo físico ou natural; assim, há um influxo
do mundo espiritual para o mundo natural, e não do mundo natural para o mundo
espiritual. Nos 3219, 5119, 5259, 5427, 5428, 5477, 6322. Parece que há um influxo dos
exteriores do ser humano nos interiores, mas isso é uma ilusão. No 3721.
86 Terras no Universo

104. Quando foram perguntados sobre o grande anel,


que de nossa Terra parece elevar-se acima do horizonte desse
planeta e mudar de posição, disseram que este não lhes parece
como um anel, mas somente como uma luz branca como a neve
no céu em várias direções.

A Terra e o Planeta Vênus


e seus Espíritos e Anjos

105. O Planeta Vênus, na idéia dos espíritos e dos anjos,


aparece para a esquerda, um pouco para trás, a uma certa
distância de nossa Terra. Diz-se, na idéia dos espíritos, porque o
sol do mundo não aparece a espírito algum, nem tão pouco
planeta algum, mas os espíritos têm somente a idéia de que
esses corpos existem. Segundo só essa idéia que eles têm sobre
esses corpos, é que o sol do mundo aparece por detrás, como
algo obscuro; e os planetas, não em órbitas como no mundo, mas
constantemente em seus lugares [vide item no 42].
106. No Planeta Vênus existem dois tipos de pessoas, de
índoles opostas uma à outra: as que são afáveis e humanas e as
que são cruéis e quase selvagens; as que são afáveis e humanas
aparecem no outro lado dessa terra, e as que são cruéis e quase
selvagens aparecem no lado dessa terra que está voltado para cá.
Mas é preciso que se saiba que as pessoas aparecem desse jeito
de acordo com os estados de sua vida, pois lá o estado da vida
determina todas as aparências de espaço e de distância.
107. Algumas das pessoas que aparecem no outro lado
do Planeta e que são afáveis e humanas vieram junto a mim e
apresentaram-se à minha vista sobre a minha cabeça; conversei
com elas sobre diversos assuntos; entre outras coisas, disseram-
me que, quando estavam no mundo, reconheceram e, agora mais
ainda, reconheciam nosso Senhor como Deus único; diziam que
Emanuel Swedenborg 87

_________________________________________________
em sua terra O tinham visto e O representavam, também como O
tinham visto. Esses espíritos, no Máximo Homem, representavam
a memória das coisas materiais que está em harmonia com a
memória das coisas imateriais, a qual os espíritos de Mercúrio
representam. É por isso que os espíritos de Mercúrio se dão muito
bem com esses espíritos de Vênus. Assim, quando estavam
juntos, senti, de um influxo dali proveniente, uma mudança
notável e uma forte sensação em meu cérebro [vide item no 43].
108. No entanto, não conversei com os espíritos que
aparecem no lado voltado para cá e são cruéis e quase selvagens,
mas foi-me relatado pelos anjos de que caráter são, e de onde
lhes vem essa natureza tão ferina: é, a saber, que lá têm muito
prazer nos saques e o maior prazer em comer o que saquearam.
Seu prazer, quando pensam em comer os seus saques, foi-me
comunicado e senti que era extremo. Que houve também em
nossa Terra habitantes dessa natureza ferina, isso é evidente
pelos fatos históricos de várias nações, também pelos habitantes
da terra de Canaã [I Sam 30:16] e, também, segundo a nação
judaica e israelita, mesmo no tempo de David, em que cada ano
faziam excursões, saqueavam as nações e regozijavam-se
comendo o que tinham saqueado. Disseram-me também que
esses habitantes, na sua maioria, são gigantes e as pessoas de
nossa Terra não chegariam a seu umbigo; e também, são
estúpidos, não procurando saber o que é o céu ou o que é a vida
eterna, mas se ocupam somente do que concerne às suas terras e
aos seus rebanhos.
88 Terras no Universo

109. Como são tais, mesmo quando chegam na outra


vida, lá são demasiadamente infestados pelos males e falsidades.
Seus infernos aparecem perto de sua terra e não se comunicam
com os infernos dos maus de nossa Terra, por serem de uma
natureza e uma índole totalmente diferentes; por isso, seus
males e suas falsidades são também de um tipo inteiramente
diferente.
110. Mas aqueles que são tais que possam ser salvos
encontram-se em lugares de devastações e, ali, são reduzidos a
extremo desespero, pois os males e as falsidades desse tipo não
podem ser subjugados e afastados de outro modo. Quando estão
nesse estado de desespero, gritam que são animais, abominações
e ódios e, assim, portanto, julgam-se condenados. Alguns deles,
quando estão passando por esse estado, gritam também contra o
céu; mas isso lhes é perdoado, visto que provém do desespero. O
Senhor os modera, a fim de que não se entreguem em insultos e
queixas além dos limites estabelecidos. Quando têm sofrido os
últimos desesperos e visto que, então, as coisas corpóreas neles
se encontram quase como sem vida, são, enfim, salvos. Também
me foi informado a seu respeito que, quando viviam em sua
terra, acreditaram num Criador Supremo sem um Mediador; mas
quando são salvos, são também instruídos de que o Senhor é o
único Deus, Salvador e Mediador. Vi alguns deles serem elevados
ao céu, depois de terem sofrido os seus últimos desesperos e,
quando ali foram recebidos, percebi por seu intermédio uma tal
ternura na sua alegria que tirou lágrimas de meus olhos.

Os Espíritos e os
Habitantes da Lua

111. Alguns espíritos apareceram acima de minha


cabeça e, dali, foram ouvidas vozes como trovões, pois suas
vozes ressoavam do mesmo modo que os estrondos de trovão nas
Emanuel Swedenborg 89

_________________________________________________
nuvens, logo depois do relâmpago. Eu presumia que fosse uma
grande multidão de espíritos que sabiam emitir sons habilmente
com um tal estrondo. Uns espíritos mais simples que estavam
junto a mim zombavam deles, do que me admirei muito. O
motivo dessa zombaria foi-me logo revelado: é que os espíritos
que faziam esse estrondo de trovão não eram muitos, mas sim
em pouco número e também pequenos como crianças, e antes
eles lhes tinham incutido medo com tais sons, quando, no
entanto, absolutamente não eram capazes de causar-lhes o
menor dano. A fim de que eu soubesse quais eles eram, alguns
desceram do alto lugar onde trovejavam; e, o que me admirou,
um carregava o outro em suas costas e, assim, se aproximavam
de mim em pares. Suas faces não pareciam disformes, mas eram
mais alongadas que a de todos os outros espíritos; sua estatura
era a mesma de uma criança de sete anos, mas seu corpo era
mais robusto; assim, eram anões. Fui informado pelos anjos de
que eram provenientes da Lua. Um dos que eram carregados veio
junto a mim, encostando-se ao meu lado esquerdo sob o
antebraço e, dali, falava, dizendo que, quando emitem sua voz,
trovejam assim e, desse modo, amedrontam os espíritos que
querem fazer-lhes mal e põem-nos em fuga e, dessa forma, vão
aonde quer que queiram em segurança. Para convencer-me de
que o som vinha deles, aquele se retirou de mim para junto de
outros, mas não inteiramente fora do alcance de minha vista e
trovejou do mesmo modo. E ainda mais, mostravam-me que sua
voz, impelida do abdome como um arroto, produzia assim o
estrondo do trovão. Percebi que isso vinha do abdome, porque os
90 Terras no Universo

habitantes da Lua falam, não por meio dos pulmões como os


habitantes de outras terras, mas por meio do abdome e, assim,
por um certo ar que ali se acha contido; e isso porque a Lua não
é envolvida por uma atmosfera da mesma natureza que a das
outras terras. Fui informado de que os espíritos da Lua, no
Máximo Homem, têm relação com a cartilagem em forma de
escudo ou xifóide, à qual na frente estão ligadas as costelas e de
onde desce a pequena ligadura branca, que é o suporte dos
músculos do abdome.
112. Que existem habitantes também na Lua é o que
sabem os espíritos e os anjos; e, da mesma forma, eles existem
nas luas dos satélites que se encontram ao redor da terra de
Júpiter e da terra de Saturno. Os que não viram os espíritos daí
provenientes e não conversaram com eles, ainda assim não
duvidam que haja também pessoas nessas luas, porque elas são
terras igualmente e, onde há uma terra, nela existe o ser
humano, pois o ser humano é o fim pelo qual uma terra existe e
nada foi feito pelo Criador Supremo, sem um fim. Que o fim da
criação seja o gênero humano, para que o céu seja dele
composto, é o que pode ver quem quer que pense com uma
faculdade racional um pouco esclarecida.

As Razões pelas quais o


Senhor Quis Nascer em Nossa
Terra e não em uma Outra

113. Se agradou ao Senhor nascer e tomar o Humano em


nossa Terra e não em uma outra, foi por vários motivos de que
fui informado do céu. O motivo principal foi por causa da
Palavra, porque em nossa Terra ela pôde ser escrita e, uma vez
escrita, ser difundida em toda a Terra e, uma vez difundida, ser
Emanuel Swedenborg 91

_________________________________________________
conservada por toda a posteridade; e assim pôde ser manifestado
mesmo a todos na outra vida que Deus Se fez Humano.
114. O motivo principal foi por causa da Palavra: é
porque a Palavra é a Divina Verdade mesma que ensina ao ser
humano que Deus existe, existe um céu e um inferno; há uma
vida após a morte; e, ainda mais, ensina como ele deve viver e
crer, para que venha ao céu e seja assim eternamente feliz.
Todas essas coisas, sem uma revelação, assim sem a Palavra
nesta terra, teriam sido absolutamente ignoradas e, entretanto,
o ser humano foi criado de tal modo que, quanto a seus
inferiores, não pode perecer(39).
115. A Palavra em nossa Terra pôde ser escrita: é
porque a arte de escrever existiu aqui desde um tempo muito
antigo, primeiro em cascas de árvore, depois no pergaminho,
mais tarde no papel e, enfim, foi difundida pela imprensa. Isso
foi provido pelo Senhor por causa da Palavra.
116. A Palavra em seguida pôde ser difundida em toda
esta terra: é porque aqui existe um comércio entre todas as
nações, não somente por viagens terrestres, mas também por
39
Só pela luz natural, nada se sabe a respeito do Senhor, do céu e do inferno, da vida do
ser humano após a morte, e as Divinas Verdades pelas quais o ser humano tem a vida
espiritual e eterna, Nos 8944, 10318/20. Isso pode-se ver pelo fato de que muitos, e entre
eles eruditos, não crêem nessas coisas, embora tenham nascido onde há a Palavra, e por
meio dela a instrução sobre essas coisas, No 10319. Foi, pois, necessário que uma
revelação viesse do céu, visto que o ser humano nasceu para o céu. No 1775.
92 Terras no Universo

navegação para todos os lugares do globo. Por conseqüência, a


Palavra, uma vez escrita, pôde ser transportada de uma nação a
outra e ser ensinada por toda a parte.
117. A Palavra, uma vez escrita, pôde ser conservada
por toda posteridade, conseqüentemente, por milhares e
milhares de anos e que também dessa forma ela haja sido
conservada, isso é notório.
118. Assim pôde ser manifestado que Deus Se fez
Humano: está aí, com efeito, o ponto principal e o mais essencial
pelo qual a Palavra existe, pois ninguém pode crer em um Deus,
nem amar um Deus que não se pode conceber sob alguma forma;
aqueles, então, que reconhecem o invisível e, por conseqüência,
o incompreensível, caem pelo pensamento na natureza e, assim,
não crêem em Deus nenhum. Por essa razão, agradou ao Senhor
nascer aqui e tornar isso manifesto por intermédio da Palavra, a
fim de que não só isso se tornasse notório neste globo, mas
também que isso fosse igualmente manifestado por seu
intermédio aos espíritos e anjos de outras terras, e também às
nações da nossa terra(40).
119. É preciso que se saiba que, na nossa Terra, a
Palavra que foi dada pelo Senhor por intermédio do céu é a união
do céu e do mundo; por causa deste fim existe uma
correspondência entre todas as coisas que se encontram na letra
da Palavra e as coisas Divinas no céu; e a Palavra no seu Reino no
céu e na terra, e do amor e da fé provenientes d’Ele e voltados
para Ele, conseqüentemente da vida proveniente d’Ele e voltada
para Ele; tais são as coisas apresentadas aos anjos no céu,
quando a Palavra da nossa Terra é lida e pregada(41).

40
As nações na outra vida são instruídas pelos anjos, e aqueles que viveram bem de
acordo com o seu princípio religioso, recebem as verdades da fé e reconhecem o Senhor.
Nos 2049, 2595, 2598, 2600, 2601, 2603, 2861, 2863, 3263.
41
A palavra é entendida de um outro modo pelos anjos no céu do que pelas pessoas na
terra, e os anjos possuem o significado interno ou espiritual, ao passo que as pessoas
possuem o significado externo ou natural, N os 1769-1772, 1887, 2143, 2333, 2395, 2540,
2541, 2545, 2551. A Palavra é o elemento de união entre o céu e a terra, N os 2310, 2495,
9212, 9216, 9357, 10375. Por conseqüência a Palavra foi escrita por meio de puras
Emanuel Swedenborg 93

_________________________________________________
120. Em todas as outras terras a Verdade Divina é
manifestada face a face por intermédio de espíritos e anjos, tal
como nos parágrafos anteriores, onde se tratou dos habitantes
das terras neste sistema solar; mas isso se dá dentro das famílias,
pois o Gênero Humano na maior parte das Terras habita
distinguido segundo as suas famílias; por conseqüência, a
Verdade Divina, quando é assim revelada por intermédio de
espíritos e anjos, não é difundida muito além das famílias e, a
menos que continuamente haja uma nova revelação, ela seria
corrompida ou pereceria. Isso é diferente na nossa Terra, onde a
Divina Verdade, que é a Palavra, permanece em sua integridade
perpetuamente.
121. É preciso que se saiba que o Senhor reconhece e
recebe todos os que, de qualquer terra que sejam, reconhecem e
veneram Deus sob a forma Humana, visto que Deus sob a forma
Humana é o Senhor; e uma vez que o Senhor aparece aos
habitantes nas outras terras na forma angélica, que é a forma
humana, conseqüentemente, quando os espíritos e anjos
daquelas terras ouvem dos espíritos e anjos da nossa terra que
Deus é Homem em realidade, recebem esta Palavra,
reconhecem-Na e se alegram que tenha sido assim.

correspondências. Nos 1404, 1408, 1409, 1540, 1619, 1659, 1709, 1783, 8615, 10687. No
seu significado mais interior, a Palavra trata unicamente do Senhor e de Seu Reino. N os
1873, 2249, 2523, 7014, 9357.
94 Terras no Universo

122.
Ajunte-se às razões que foram relatadas acima o
fato de que os habitantes e os espíritos da nossa Terra se
relacionam ao sentido natural e externo no Máximo Homem, e o
sentido natural e externo é o ponto mais extremo no qual as
coisas interiores da vida cessam, e no qual repousam como se
fosse o seu lugar comum: tal é a Divina Verdade na letra, que é
chamada a Palavra e pela mesma razão também existe nesta
Terra e não numa outra(42); e visto que o Senhor é a Palavra, e
seu Primeiro e o último, quis, também, por isso mesmo, a fim de
que todas as coisas existissem segundo a ordem, nascer nesta
Terra, e tornar-Se a Palavra, segundo estes trechos de João:

"No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e


Deus era a Palavra: ela estava no princípio com Deus.
Todas as coisas por Ela foram feitas, e sem Ela nada se fez do
que foi feito.
E a Palavra se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a Sua
glória, como a glória do Unigênito do Pai. Deus nunca foi visto
por ninguém, o Filho Unigênito que está no seio do Pai este o
fez conhecer." (43)
A Palavra é o Senhor no que diz respeito à Divina Verdade,
assim, a Divina Verdade procedente do Senhor(44). Mas isso é um
arcano que não entra senão no entendimento de um pequeno
número.

42
A Palavra no significado literal é natural, N os 8783, e isso porque o plano natural é o
último plano no qual as coisas espirituais e celestiais cessam e sobre o qual elas
subsistem como se sobre a sua fundação, e de outro modo o significado interno ou
espiritual sem o externo ou natural seria como uma casa sem alicerce. Nos 9430, 9433,
9824, 10044, 10436.
43
João 1:1-3, 14, 18.
44
A Palavra é o Senhor no que diz respeito à Divina Verdade, assim a Divina Verdade
procedente do Senhor, Nos 2859,4692, 5075, 9987. Pela Divina Verdade é que todas as
coisas foram criadas e feitas. Nos 2803, 2894, 5272, 7578.
Emanuel Swedenborg 95

_________________________________________________
Das Terras no Espaço
Sideral

123. Os que estão no céu podem conversar e relacionar-


se não somente com os anjos e os espíritos que provêm das terras
deste sistema solar, mas também com os que provêm das terras
fora deste sistema no universo, e não somente com os espíritos e
os anjos dessas terras, mas também com os próprios habitantes;
todavia, não é senão com aqueles a quem as coisas interiores
foram abertas, a fim de que possam ouvir os que do céu falam
com eles. É igualmente o que pode, enquanto vive no mundo, o
ser humano ao qual foi possibilitado pelo Senhor falar com os
espíritos e os anjos, pois o ser humano é um espírito no que diz
respeito a seus inferiores. O corpo que tem em torno de si no
mundo lhe serve somente para suas funções nesta esfera natural
ou terrestre, que é a última. Mas falar como espírito, com os
anjos e os espíritos, não é possibilitado senão àquele que é tal
que possa ser consociado aos anjos quanto à fé e ao amor; e não
se pode ser consociado, a menos que a fé e o amor sejam
dirigidos ao Senhor, pois a pessoa é conjunta ao Senhor pela fé e
pelo amor para com Ele, isto é, pelas verdades da doutrina e
pelos bens da vida procedentes do Senhor; e, quando está
conjunta, está então protegida de todo ataque dos maus espíritos
que venham do inferno. Nos outros, os interiores não podem ser
96 Terras no Universo

abertos até esse ponto, porque não estão no Senhor. É por isso
que há poucos hoje a quem seja possibilitado conversar e
relacionar-se com os anjos. Um sinal aberto disso é o fato de que
atualmente se crê muito pouco que existem espíritos e anjos;
crê-se ainda menos que existam junto a cada pessoa e que, por
seu intermédio, o ser humano tenha uma conexão com o céu e,
pelo céu, com o Senhor; e crê-se ainda muito menos que o ser
humano, quando morre quanto ao corpo, vive como espírito,
também em forma humana como anteriormente.
124. Visto que hoje em dia, no caso de muitos na igreja,
não existe fé alguma na vida após a morte e, dificilmente,
alguma fé no céu e no Senhor como Deus do céu e da terra, por
essa razão os interiores, que pertencem a meu espírito, foram
abertos pelo Senhor, para que possa, enquanto estou no corpo,
estar ao mesmo tempo com os anjos no céu e não somente falar
com eles, mas também lá ver coisas surpreendentes e descrevê-
las, a fim de que, por acaso, posteriormente, não se diga ainda:
"Quem veio do céu a nós, e nos relatou o que existe e o que lá se
passa?" Mas sei que os que antes negaram de coração a existência
do céu e do inferno e da vida após a morte se obstinarão também
contra essas coisas que descrevo, e nega-las-ão, pois é mais fácil
tornar branco um corvo do que fazer crer os que de coração têm
definitivamente rejeitado a fé; e isso porque eles pensam a
respeito de tais coisas sempre com um princípio de negação e
não com um de afirmação. Contudo, seja isso tudo o que foi
relatado até aqui sobre os anjos e espíritos, e o que será relatado
em seguida, para o pequeno número dos que estão na fé. Mas, a
fim de que os outros sejam também guiados a uma espécie de
reconhecimento dessas verdades, foi-me concedido relatar coisas
que deleitam e atraem o desejo humano de saber; as que serão
agora relatadas referir-se-ão às terras no espaço sideral.
125. A pessoa que não sabe os arcanos do céu não pode
crer que o ser humano possa ver terras tão afastadas e delas
contar coisa pela experiência de seus sentidos; mas, saiba-se que
os espaços e as distâncias e, por conseguinte, as progressões que
existem no mundo natural são, em sua origem e em sua causa
primeira, mudanças de estado dos interiores e, no caso dos anjos
Emanuel Swedenborg 97

_________________________________________________
e dos espíritos, esses espaços e distâncias aparecem de acordo
com essas mudanças(45), e, assim, eles podem, por essas
mudanças, aparentemente ser transportados de um lugar a um
outro, e de uma terra a uma outra, mesmo às terras que estão na
extremidade do universo. Isso também acontece do mesmo modo
com o ser humano quanto a seu espírito, seu corpo
permanecendo, contudo, em seu lugar. Isso foi o que aconteceu
comigo, porquanto, pela Divina Misericórdia do Senhor, foi-me
dado conversar com os espíritos como um espírito e, ao mesmo
tempo, com as pessoas na terra como um homem. Que o ser
humano quanto ao espírito possa ser assim transportado é o que
a pessoa que pensa pelos sentidos não pode compreender,
porquanto se encontra nas limitações do espaço e do tempo e
mede suas progressões segundo o espaço e o tempo.
126. Que haja vários sistemas solares é o que qualquer
um pode ver no que se avistam tantas estrelas no universo; e é
notório, no meio erudito, que cada estrela é como um sol em seu
próprio lugar, pois permanece fixa como o sol de nossa Terra no
seu; e que a distância faz que ela apareça de um tamanho
pequeno como uma estrela comum; por conseqüência, do mesmo
modo que o sol de nosso mundo tem planetas ao seu redor que
são terras e, se esses planetas não aparecem diante de nossos

45
Os movimentos, as progressões e as mudanças de lugar, na outra vida, são mudanças
de estado dos interiores da vida, contudo, aparecem de modo real aos espíritos e aos
anjos, como se essas coisas existissem efetivamente. Nos 1273-1277, 1377, 3356, 5605,
10754.
98 Terras no Universo

olhos, é por causa da imensa distância, e da luz proveniente


somente de sua estrela, luz essa que não pode ser refletida
várias vezes até nós. Se isso não fosse assim, para que, então,
um tão grande céu com tantas estrelas? Pois de fato, o fim da
criação do universo é o ser humano, para que do ser humano se
forme o céu angélico; que seria o Gênero Humano e seu
proveniente Céu Angélico de uma só terra para o Criador Infinito,
a Quem milhares e mesmo miríades de terras não seriam o
bastante? Fez-se um cálculo de que, supondo-se que houvesse um
milhão de terras no universo e em cada terra um número de
trezentos milhões de pessoas e duzentas gerações num espaço de
seis mil anos, e se desse a cada pessoa ou a cada espírito um
espaço de três braças cúbicas, esse número de tantas pessoas ou
espíritos agregados e uma soma total não preencheria,
entretanto, sequer o espaço da milésima parte desta Terra,
assim talvez nem o espaço de um dos satélites ao redor do
planeta Júpiter ou de Saturno, espaço que no universo seria de
uma pequenez quase invisível, pois um satélite é dificilmente
visível a olho nu. Que seria isso para o Criador do Universo, a
Quem o universo inteiro, se fosse preenchido, não seria bastante,
visto que Ele é Infinito? Conversei sobre esse assunto com os
Anjos e me disseram que tinham uma semelhante idéia do
pequeno número do Gênero Humano relativamente à infinidade
do Criador; todavia, que ali pensam não segundo as limitações do
espaço, mas segundo estados e conforme a sua idéia, as terras,
levadas a um número de tantas miríades, o que nunca se poderia
sequer imaginar, não seriam, entretanto, absolutamente nada
em relação ao Senhor. Mas, no que seguirá, tratar-se-á, de
acordo com os próprios conhecimentos, das terras no espaço
sideral. Por aí, ver-se-á também como fui transportado para
esses lugares quanto a meu espírito e com meu corpo
permanecendo em seu lugar.

Da Primeira Terra no Espaço


Sideral. De seus Espíritos
Emanuel Swedenborg 99

_________________________________________________
e de seus Habitantes,
segundo o que foi ouvido e
visto

127. Fui guiado pelo Senhor por intermédio de anjos a


uma terra no espaço sideral onde me foi possível observar a terra
mesma, e falar não, é certo, com os habitantes de lá, mas sim
com os espíritos que dela provêm. Todos os habitantes, ou seja,
as pessoas de cada terra, após o término de sua vida no mundo,
tornam-se espíritos e permanecem junto à sua terra. É por
intermédio desses, entretanto, que se adquire conhecimentos
sobre a sua terra e sobre o estado dos habitantes nela; pois as
pessoas que se retiram do corpo, levam consigo toda sua vida
anterior e toda a sua memória(46). Ser guiado para as terras no
universo, não é ser guiado e transportado para elas quanto ao
corpo, mas sim quanto ao espírito; e o espírito é guiado pelas
variações de estado da vida interior que lhe aparecem como
progressões através dos espaços [vide item no 45]. As
aproximações fazem-se também segundo a harmonia ou
semelhança dos estados de vida, pois a harmonia ou semelhança
de vida une, e a desarmonia ou dessemelhança separa. Daí se

46
O ser humano, após a morte, tem consigo a memória de todas as coisas que foram suas
no mundo. Nos 2476-2486.
100Terras no Universo

pode ver como se dá o transporte quanto ao espírito e a


aproximação do espírito aos lugares afastados, com a pessoa
permanecendo, contudo, em seu lugar. Mas guiar o espírito pelas
variações do estado de seus interiores fora de seu globo, e fazer
que as variações progridam em sucessão até um estado
harmônico ou semelhante ao estado daqueles aos quais é
conduzido, isso está no poder do Senhor, Só, pois é preciso que
haja uma direção contínua e uma previsão do começo ao fim,
deste lado e por detrás; sobretudo, para que isso se faça com a
pessoa que está ainda na natureza do mundo quanto ao corpo e,
por isso mesmo, no espaço. Que isso tenha sido feito assim, os
que estão nas coisas dos sentidos corporais e que pensam
segundo essas coisas não podem ser levados a crer; e isso porque
as coisas dos sentidos corporais não podem compreender as
progressões sem espaços. Todavia, os que pensam segundo as
coisas dos sentidos de seu espírito, um pouco afastadas ou
removidas das coisas dos sentidos do corpo, assim mais
interiormente em si mesmos, podem ser levados a crê-lo e a
compreendê-lo, porque na idéia do pensamento interior não há
espaço nem tempo, mas em vez de espaço e tempo, há as coisas
de onde se originam os espaços e os tempos. É, então, a estes
que são dados os pormenores que seguem sobre as terras no
espaço sideral, e não aos outros, a menos que sejam capazes de
se deixar instruir.
128. Num estado sonolento, fui guiado pelo Senhor
quanto ao espírito por intermédio de anjos para uma certa terra
no universo, com alguns espíritos de nosso globo nos
acompanhando. A viagem fez-se pela direita e durou duas horas.
Pelo fim de nosso sistema solar apareceu primeiro uma nuvem
esbranquiçada e densa e, após essa nuvem, uma fumaça com
fagulhas que se elevava de um grande abismo; era um precipício
imenso, separando deste lado o nosso sistema solar de outros
sistemas do espaço sideral. Essa fumaça com fagulhas apareceu a
uma distância bastante considerável. Fui levado através desse
meio e, então, apareceram de dentro desse abismo ou precipício
muitas pessoas, que eram espíritos (pois os espíritos aparecem
todos na forma humana, e na verdade são seres humanos); ouvi-
Emanuel Swedenborg 101

_________________________________________________
os mesmo falar entre si; mas não me foi informado de onde eram
nem de que natureza eram; entretanto, um deles me disse que
eram guardas lá postos, a fim de que espíritos não atravessassem
deste sistema para qualquer outro sistema, sem terem
permissão. Tive mesmo uma confirmação de que isso assim se dá;
com efeito, alguns espíritos que eram parte do grupo, aos quais
não fora permitido ir além, tendo chegado a esse grande
intervalo, começaram a gritar com vigor que pereciam, pois
estavam como os que, em agonia, lutam com a morte; por essa
razão, permaneceram daquele lado do precipício e não puderam
ser transportados mais longe, pois a fumaça com fagulhas que
era exalada do precipício deles se apoderava e assim os
torturava.
129. Depois que fui transportado através desse grande
abismo cheguei, enfim, a um lugar onde me detive e, então, me
apareceram, do alto, espíritos com quem me foi possível
conversar. Por sua linguagem e sua maneira particular de
perceber as coisas e expô-las, vi claramente que eram de uma
outra Terra, pois diferiam inteiramente dos espíritos de nosso
sistema solar; eles também percebiam pela minha linguagem que
eu era de longe.
130. Após termos conversado por algum tempo sobre
vários assuntos, perguntei-lhes que Deus eles adoravam.
Responderam que adoravam um certo Anjo que lhes aparece
como um homem divino, pois resplandece de luz; e ele os instrui
102Terras no Universo

e faz que percebam o que devem fazer. Disseram-me, além


disso, que sabem que o Grandíssimo Deus está no sol do céu
angélico, que se mostra a seu Anjo, mas não a eles; e que é
demais grande para que ousem adorá-lO. O Anjo que adoravam
era uma sociedade angélica, à qual fora dado pelo Senhor
governá-los e ensinar-lhes o caminho da justeza e da retidão. É
por isso que a luz lhes vem de uma certa chama que aparece
como uma pequena tocha, muito ardente e amarela; isso provém
de que eles não adoram o Senhor, assim a luz lhes vem não do sol
do céu angélico, mas de uma sociedade angélica: pois uma
sociedade angélica, quando o Senhor permite, pode apresentar
uma tal luz aos espíritos que estão numa região inferior. Eu
também vi essa própria sociedade angélica: encontrava-se muito
alta acima deles; e vi também lá o objeto flamejante de onde
provinha a luz.
131. Quanto ao mais, eram modestos e um pouco
simples, contudo pensavam muito bem. Pela luz entre eles, pude
concluir qual era o seu entendimento, pois o entendimento
existe de acordo com a recepção da luz que está nos céus, visto
que é a Divina Verdade procedente do Senhor como Sol, que lá
brilha e permite aos anjos não somente ver fisicamente, mas
também entender(47).
132. Fui informado de que os habitantes e os espíritos
dessa terra têm relação, no Máximo Homem, com alguma coisa
no baço, do que tive confirmação por um influxo no baço,
enquanto conversavam comigo.
133.Indaguei-lhes a respeito do sol de seu mundo, que
ilumina a sua terra. Responderam que o sol lá aparece
flamejante: e, quando gesticulei o tamanho do sol de nossa

47
Há uma grande luz nos céus. N os 1117, 1521, 1522, 1533, 1619-1632, 4527, 4500,
8644. Toda luz nos céus vem do Senhor como Sol lá, N os 1053, 1521, 3195, 3341, 3636,
4415, 9548, 9684, 10809. A Divina Verdade procedente do Senhor aparece nos céus
como luz, Nos 3195, 3222, 5400, 8644, 9399, 9548, 9684. Essa luz ilumina tanto a visão
quanto o entendimento dos anjos e dos espíritos, Nos 2776, 3138. A luz do céu ilumina
também o entendimento do ser humano, Nos 1524, 3138, 3167, 4408, 6608, 8707, 9128,
9399, 10569.
Emanuel Swedenborg 103

_________________________________________________
terra, disseram que o seu é menor. Com efeito, o sol que eles
têm é uma estrela aos nossos olhos; e eu soube pelos anjos que
era uma estrela dentre as menores. Disseram-me ainda que de
sua terra se via também o espaço sideral, e do lado oeste uma
estrela lhes parecia maior que todas as outras. Foi-me informado
do céu que essa estrela é o nosso sol.
134. Em seguida, a minha vista foi aberta de modo que
pude olhar um pouco a própria terra; e avistava muitos campos e
florestas com árvores cobertas de folhas e também ovelhas
cobertas de lã. Vi, logo em seguida, alguns habitantes que eram
de classe baixa, vestidos pouco mais ou menos como os
camponeses da Europa. Vi também um homem com sua esposa;
esta me pareceu de bela estatura e aspecto decente; o homem,
igualmente. Mas, do que me admirei, ele caminhava com um ar
de grandeza e um passo quase desdenhoso, mas a mulher ao
contrário, tinha um modo de andar humilde. Apurei dos anjos
que tal é o costume nessa terra e os homens que são tais são
amados, porque a despeito disso são bons. Foi-me ainda dito que
não lhes é permitido ter várias esposas, porque isso é contra as
leis. A mulher que eu vira tinha diante do peito uma ampla
vestimenta, atrás da qual ela podia esconder-se; era feita de
maneira que podia meter seus braços nela, cobrir-se com ela e
caminhar assim; esta podia ser levantada quanto à parte inferior
e, quando era levantada e dobrada ao corpo, parecia como o
peitoral que mulheres de nossa Terra colocam sobre seu peito.
Mas servia também de vestimenta ao homem; vi que a tomava de
104Terras no Universo

sua mulher e colocava-a sobre as suas costas; desatava a parte


inferior, que caía, então, até os pés como uma beca e ele
caminhava assim vestido. O que vi nessa terra, vi não com os
olhos de meu corpo, mas com os olhos de meu espírito e o
espírito pode ver as coisas que estão numa terra, quando o
Senhor o permite.
135. Como sei que se duvidará de que seja possível que
o ser humano possa, pelos olhos de seu espírito, ver alguma coisa
numa terra tão afastada, é permitido relatar como isso acontece:
as distância na outra vida não são como as distâncias na Terra;
na outra vida as distâncias existem absolutamente segundo os
estados dos interiores de cada um; os que estão num estado
semelhante encontram-se reunidos numa mesma sociedade e
num mesmo lugar; lá, tudo o que se encontra perto é de acordo
com a semelhança de estado e tudo o que se encontra distante é
de acordo com diferença de estado. Daí vem que eu me
encontrava perto dessa terra, quando era guiado pelo Senhor a
um estado semelhante ao estado dos espíritos e dos habitantes
de lá e que, estando, então, presente, falava com eles. Por isso
pode-se ver que as terras no mundo espiritual não estão distantes
do mesmo modo que no mundo natural, mas somente por
aparência, segundo os estados da vida dos habitantes e dos
espíritos que ali estão. O estado da vida é o estado das afeições
quanto ao amor e à fé. O espírito ou, o que vem dar no mesmo, o
ser humano, quanto ao espírito, pode ver as coisas que estão
numa terra e é para mim possível explicar como isso acontece: os
espíritos e os anjos, por sua visão própria, não podem ver nada
do que está no mundo, pois para eles a luz do mundo ou a luz
solar é como uma densa escuridão; do mesmo modo, a pessoa
pela visão de seu corpo não pode tampouco ver coisa alguma do
que se encontra na outra vida, pois para ela a luz do céu é como
uma densa escuridão. Todavia, os espíritos e os anjos, quando
isso agrada ao Senhor, podem ver pelos olhos da pessoa as coisas
que estão no mundo; mas o Senhor não o permite senão entre
aqueles aos quais concede falar com os espíritos e os anjos e ao
mesmo tempo estar com eles. Por meus olhos foi-lhes dado ver, e
tão claramente como eu mesmo, as coisas que estão no mundo, e
Emanuel Swedenborg 105

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mesmo ouvir as pessoas que conversavam comigo. Algumas vezes
sucedeu que, por mim, alguns deles viram amigos que tiveram na
vida do corpo, assim presentes absolutamente como antes, e
ficaram atônitos; viram também seus cônjuges e seus filhos, e
queriam que eu dissesse a estes que estavam, perto deles e os
viam, e eu lhes relatasse o estado no qual estavam na outra vida;
mas fora-me proibido dizer-lhes e revelar-lhes serem eles assim
vistos; e mesmo porque teriam dito que eu era maluco, ou teriam
pensado ser um delírio da minha imaginação, pois eu sabia muito
bem que, embora dissessem de boca que espíritos existem, os
mortos são ressuscitados e se encontram entre os espíritos e
podem ver e ouvir por intermédio do ser humano, eles não o
acreditariam, entretanto, em seus corações. Quando, pela
primeira vez, a minha visão interior foi aberta, e os que estavam
na outra vida viram por meus olhos o mundo e as coisas que
estavam no mundo foram tomados de um tão grande espanto,
que diziam ser isso o milagre dos milagres; foram também
comovidos de uma alegria nova por causa disto, que havia assim
comunicação da terra com o céu e do céu com a terra; essa
alegria durou meses, mas depois disso ter-se tornado comum,
agora em nada os surpreende. Fui informado de que os espíritos e
os anjos, junto às outras pessoas não vêem nada do que está no
mundo, mas somente percebem os pensamentos e as afeições
daqueles junto aos quais estão. De tudo isso pude concluir que o
ser humano foi criado de tal modo que vivendo no mundo com
outros seres humanos, vivesse também ao mesmo tempo no céu
entre os anjos e vice-versa, de maneira que o céu e o mundo no
106Terras no Universo

ser humano estivessem juntos e agissem em união, e os seres


humanos soubessem o que há no céu e os anjos o que há no
mundo; e, quando os seres humanos falecessem, passassem assim
do reino do Senhor na terra ao reino do Senhor nos céus, não
como a um outro reino, mas, como ao mesmo onde também
estiveram, enquanto viviam no corpo, mas, como o ser humano
tornou-se muito corpóreo, fechou o céu a si mesmo.
136. Por último, conversei com os espíritos que eram
dessa terra sobre várias coisas de nossa Terra, principalmente
sobre o fato de que há ciências aqui que não existem em outros
lugares, tais como a astronomia, a geometria, a mecânica, a
física, a química, a medicina, a ótica, a filosofia e, além disso,
artes que também não são conhecidas em outros lugares, como a
de construir embarcações, fundir metais, escrever em papel e
publicar por impressão o que foi escrito e, assim, comunicá-lo a
outros na Terra, até mesmo conservá-lo por milhares de anos
para a posteridade, e é o que aconteceu no caso da Palavra que
foi dada pelo Senhor, e por isso na nossa Terra a Revelação é
constantemente preservada.
137. Enfim, o inferno dos que são dessa terra me foi
mostrado. Os que lá vi inspiravam o maior terror; eu nem ousaria
descrever suas faces monstruosas. Ali também vi feiticeiras que
exercem artes abomináveis; aparecem vestidas de verde e
incutiam horror.

Da Segunda Terra no Espaço


Sideral e de seus Espíritos
e Habitantes

138. Fui em seguida guiado pelo Senhor para uma terra


no universo que se achava mais afastada de nossa Terra do que
aquela primeira da qual se falou acima. Ficou-me claro que ela
Emanuel Swedenborg 107

_________________________________________________
estava mais afastada, pelo fato de serem precisos dois dias para
que ali fosse guiado quanto a meu espírito. Essa terra estava à
esquerda, ao passo que a primeira estava à direita. Visto que o
afastamento no mundo espiritual provém não da distância do
lugar, mas da diferença de estado (tal como foi dito acima), por
conseqüência, pude, pela duração da viagem que foi de dois dias,
concluir que o estado dos interiores nos espíritos dessa terra
(estado esse que é o das afeições e dos pensamentos), diferia
igualmente do estado dos interiores nos espíritos de nossa Terra.
Como lá fui levado quanto ao espírito por meio de mudanças de
estado dos interiores, foi-me possível observar essas próprias
mudanças sucessivas mesmo antes de lá chegar. Isso aconteceu
enquanto estava acordado.
139. Quando ali cheguei, não vi a terra em si, mas vi os
espíritos dessa terra, pois, assim como foi dito acima, os espíritos
de cada terra aparecem ao redor de sua terra, pelo fato de
serem de uma natureza semelhante à dos habitantes, porquanto
são provenientes deles e a fim de lhes serem úteis. Vi esses
espíritos bem no alto acima da cabeça e, de lá, apareceram-me
quando chegava. É preciso que se saiba que, na outra vida, os
que estão no alto podem ver os que estão embaixo; e não
somente podem vê-los, mas também conversar com eles. Dali
observavam que eu era, não de sua terra, mas sim de um outro
lugar distante. É por isso que dali me dirigiam a palavra,
perguntando sobre várias coisas, às quais me foi dado também
responder; e, entre outras coisas, disse-lhes de que terra era e
108Terras no Universo

de que espécie era essa terra; e, em seguida, falei-lhes das


terras no nosso sistema solar. Disse-lhes também, a respeito dos
espíritos da terra ou planeta Mercúrio, que eles vagam por
muitas terras, a fim de adquirir conhecimentos sobre várias
coisas. Quando ouviram isso, disseram-me que os tinham visto
também entre eles.
140. Foi-me dito por anjos de nossa Terra que os
habitantes e os espíritos dessa terra correspondem, no Máximo
Homem, com a penetração da visão e por isso aparecem no alto e
até são dotados de uma visão muito penetrante. Como tinham
essa relação e podiam ver muito claramente o que estava abaixo
deles, enquanto conversava com eles, até comparei-os a Águias
que voam alto e têm uma visão penetrante e ampla; mas ficaram
indignados com isso pensando que eu os considerava semelhante
a águias quanto à sua rapina, e assim que fossem maus; mas
respondi-lhes que os assimilava às águias não quanto à sua
rapina, mas sim quanto à penetração de sua visão.
141. Perguntei-lhes sobre o Deus que adoravam;
responderam que adoram Deus Visível e Invisível; Deus Visível sob
uma forma Humana e Deus Invisível sob nenhuma forma; e
descobri pelas suas conversas e também pelas idéias de seu
pensamento, que me eram comunicadas, que Deus Visível era o
mesmo nosso Senhor e chamavam-no também Senhor. Foi-me
permitido responder-lhes que, em nossa Terra, adora-se também
Deus Invisível e Visível, e Deus Invisível é chamado Pai e Deus
Visível, Senhor; mas ambos são um, como o Senhor o ensinou,
dizendo que nunca se viu a face do Pai, mas o Pai e Ele são um, e
aquele que O vê, vê o Pai, e o Pai está n’Ele e Ele no Pai;
conseqüentemente ambos são o Divino numa só Pessoa. Que
essas sejam as palavras do Próprio Senhor, isso se vê em João
5:37, 10:30, 14:7, 9-11.
142. Vi, em seguida, outros espíritos dessa mesma terra
que apareciam num lugar abaixo dos primeiros, com os quais
também conversei; mas estes eram idólatras, pois adoravam um
ídolo de pedra, semelhante a um homem, mas não tão belo. É
preciso que se saiba que todos os que chegam à outra vida têm,
Emanuel Swedenborg 109

_________________________________________________
no começo, um culto semelhante a seu culto no mundo, mas dele
são sucessivamente removidos. Se isso é assim, é porque todo
culto permanece implantado na vida interior da pessoa, da qual
não pode ser separada nem desarraigada, senão aos poucos
sucessivamente. Quando vi esse ídolo, foi-me permitido dizer-
lhes que convém adorar, não esse que não tem vida, mas sim O
que está Vivo; responderam-me saber que Deus vive e não a
pedra, mas que pensavam sobre Deus Vivo, quando olhavam essa
pedra semelhante a um ser humano, e de outro modo as idéias
de seu pensamento não podiam ser fixadas nem determinadas em
um Deus Invisível. Então me foi possível dizer-lhes que as idéias
do pensamento podem ser fixadas e determinadas em um Deus
Invisível, quando são voltadas ao Senhor, que é Deus Visível no
pensamento sob a forma Humana; e assim o ser humano pode ser
conjunto a Deus invisível pelo pensamento e pela afeição, por
conseqüência, pela fé e pelo amor, quando está conjunto ao
Senhor, mas não de outro modo.
143. Perguntei aos espíritos que eu via no alto se em sua
terra os habitantes vivem sob regimes de governo de príncipes ou
de reis; responderam-me que não sabiam o que eram regimes de
governo e que vivem sob si mesmos, distinguidos em nações,
famílias e casas. Perguntei-lhes se estão assim em segurança;
disseram-me que estão em segurança, pois uma família não
inveja nada de uma outra e nada lhe quer tirar. Ficaram
indignados por essas coisas lhes serem perguntadas, como se os
tivesse acusado de hostilidade ou estivesse me prevenindo contra
110Terras no Universo

salteadores; o que mais é preciso, diziam eles, do que se ter o


alimento, a roupa e viver assim sob si mesmo contente e
tranqüilo?
144. Quando, depois, lhes perguntava sobre sua terra,
disseram-me que têm campos, canteiros de flores, florestas
cheias de árvores frutíferas e também lagos com peixes; e aves
de cor azul com penas douradas, animais grandes e pequenos e,
entre os pequenos, citaram-me os que tinham as corcundas
elevadas como as dos camelos em nossa terra. Acrescentaram,
entretanto, que não se alimentavam da carne deles, mas
somente da carne dos peixes e, além disso, dos frutos das árvores
e dos legumes da terra. Disseram-me em seguida que habitam,
não em casas construídas, mas em bosques, onde fazem telhados
entre as folhagens, para se protegerem da chuva e do ardor do
sol.
145. Fiz-lhes perguntas sobre o seu sol, que é uma
estrela aos olhos dos habitantes de nossa terra. Disseram-me que
aparecia incandescente, não maior à vista que a cabeça de um
homem. Foi-me informado pelos anjos que a estrela, que é para
eles um sol, achava-se entre as menores, não muito distante do
equador do céu.
146. Vi espíritos que eram semelhantes ao que tinham
sido quando viveram como seres humanos em sua terra; tinham
uma face não diferente das pessoas de nossa Terra, com exceção
de seus olhos, que eram pequenos e também de seu nariz
pequeno. Como isso me parecia um pouco disforme, disseram-me
que, ao seu ver, olhos pequenos e um nariz pequeno eram o seu
conceito de beleza. Vi uma mulher trajada de um vestido sobre o
qual havia rosas de diversas cores. Perguntei-lhes como se faziam
as roupas nessa terra; responderam-me que extraem as fibras de
certas plantas com que formam fios e em seguida para preparar
os fios, dois ou três juntos, umedecem-nos com uma solução
viscosa e, assim, lhes dão consistência; e depois os colorem com
sucos de ervas. Mostraram-me também como preparam os fios: as
mulheres sentam-se em cadeiras, com as costas curvadas, e
Emanuel Swedenborg 111

_________________________________________________
entrelaçam os fios com os dedos dos pés e, quando estão
entrelaçados, puxam-nos para si e os atam com as mãos.
147. Disseram-me ainda que nessa terra um marido
somente tem uma esposa, e não várias; e têm de dez a quinze
filhos. Acrescentaram que ali também se acham prostitutas, mas
que, após a vida do corpo, quando se tornam espíritos, tornam-
se, então feiticeiras e são lançadas no inferno.

De uma Terceira Terra no


Espaço Sideral e de seus
Espíritos e Habitantes

148. Apareciam ao longe espíritos que não queriam


aproximar-se; isso porque não podiam estar com os espíritos de
nossa Terra, que estavam, então, ao meu redor. Por aí percebi
que foram de uma outra terra; e, em seguida, foi-me dito que
eram de uma certa terra do universo; mas onde esta terra se
encontrava não me foi indicado. Esses espíritos não queriam
absolutamente pensar sobre seu corpo, nem mesmo sobre
qualquer coisa corporal e material, diferindo nisso dos espíritos
de nossa Terra; por isso não queriam aproximar-se. Contudo, logo
112Terras no Universo

após o afastamento de alguns dos espíritos de nossa Terra,


chegaram mais perto e falaram comigo. Todavia senti, então um
desassossego que provinha da colisão das esferas, pois ao redor
de todos os espíritos e de todas as sociedades de espíritos há
esferas espirituais(48), e, como emanam da vida das afeições e dos
pensamentos daí provenientes, é por isso que onde quer que
existam afeições contrarias, existem colisões e, por conseguinte,
o desassossego. Os espíritos de nossa Terra diziam que eles
tampouco ousavam aproximar-se deles, porque, quando eles se
aproximavam, não somente eram tomados de desassossego mas
até lhes parecia terem as mãos e os pés atados por serpentes,
das quais não podiam se desprender, antes de se retirarem. Se
isso lhes parecia assim, era por causa da correspondência, pois os
Espíritos de nossa Terra se relacionam no Máximo Homem, como
o sentido externo, assim com a sensação do corpo e esse sentido
é na outra vida representado por serpentes(49).
149. Como tais são os Espíritos dessa Terra, aparecem
por isso mesmo aos olhos dos outros espíritos, não em uma
distinta forma humana como os outros, mas como uma nuvem, a
maior parte como uma nuvem enegrecida com uma brancura
humana espalhada sobre ela. Mas diziam que por dentro são
brancos e, quando se tornam anjos, essa negrura é mudada num
belo azul; o que de fato me mostraram. Perguntei-lhes se
tiveram uma tal idéia sobre seus corpos, quando viviam como
seres humanos no mundo; responderam que as pessoas de sua
terra não fazem caso algum de seus corpos e não se ocupam
senão do espírito que está no corpo, porque sabem que deve
viver eternamente e o corpo deve perecer. Disseram também que
em sua terra vários crêem que o espírito do corpo tem existido
48 [idem 27]
A esfera espiritual, que é a esfera da vida, eflui e transborda de cada pessoa, de
cada espírito e de cada anjo, e ela os rodeia. N os 4464, 5179, 7454. Ela eflui da vida de
sua afeição, e do pensamento proveniente de sua afeição. Nos 2489, 4464, 6206. Na outra
vida as consociações se fazem segundo as esferas, e também as dissociações. Nos 6206,
9606, 9607, 10312.
49
O sentido externo do ser humano é representado no mundo espiritual pelas serpentes,
por que ele está no mais baixo dos níveis, e relativamente aos interiores no ser humano
está estendido no chão e rasteja, por assim dizer; é daí que os que raciocinam pelo
sentido externo têm sido chamados serpentes. Nos 195-197, 6389, 6949.
Emanuel Swedenborg 113

_________________________________________________
da eternidade, e foi infundido no corpo quando este foi
concebido; acrescentaram-me que agora sabem que isso não é
assim, e mesmo se lamentavam de terem tido essa falsa opinião.
150. Como lhes perguntasse se queriam ver alguma coisa
em nossa Terra, dizendo-lhes que isso era possível por intermédio
de meus olhos [vide item no 135], responderam primeiro que não
poderiam e, em seguida, que não queriam, porque as coisas que
veriam não seriam senão terrestres e materiais, das quais, tanto
quanto podem, afastam seus pensamentos. Contudo, palácios
magníficos semelhantes aos que os reis e os príncipes em nossa
terra possuem foram representados diante deles, pois tais
objetos podem ser representados diante dos espíritos e, quando
o são, aparecem absolutamente como existiam; mas os espíritos
dessa terra deles não fizeram caso algum; chamavam-nos de
imitações de mármore. E, então, me contaram que entre eles
tinham palácios mais magníficos, que eram seus templos
sagrados, construímos não de pedras, mas de madeira. Quando
lhes dizia que esses templos, ainda assim eram terrestres,
respondiam que não eram, mas sim celestes, porque, quando os
viam, tinham uma idéia celeste e não uma idéia terrestre,
estando na crença de que veriam também outros semelhantes a
eles no céu após a morte.
151. Então representaram seus edifícios sagrados diante
dos espíritos de nossa Terra que declararam não terem vistos
outros mais magníficos, e, como também os vi, posso descrevê-
114Terras no Universo

los: são construídos com árvores não cortadas, mas crescendo


mesmo no solo onde nasceram. Disseram-me que nessa terra as
árvores eram de grossura e de altura surpreendentes. Desde o
princípio eles as dispõem em filas, para delas formar pórticos e
alamedas; ajeitam-lhes os galhos enquanto são tenros e
preparam-nos por entalhos e incisões, a fim de que, crescendo,
se entrelacem e se unam para formarem o chão e o assoalho da
edificação a ser construída; e dos lados, que se elevem para
formarem as paredes; e do alto se curvam em arcos para formar
o telhado. Por conseguinte, constroem com uma arte admirável
uma edificação bem alta acima da terra; ali prepararam também
uma escada, estendendo longos ramos de árvores e ligando-os
solidamente. Ainda mais, decoram esse edifício por fora e por
dentro de modos diferentes por meio de arranjos de folhagem em
certas configurações; edificam assim bosques inteiros. Todavia
não me foi dado ver qual é o interior desses edifícios, somente
me foi dito que a luz de seu sol entra por aberturas entre os
ramos, e é refletida de um lado e de outro por cristais, pelos
quais a luz ao redor das paredes é transmitida em cores como as
do arco-íris, sobretudo nas cores azul e laranja, de que eles
gostam mais que todas as outras. São estas as suas obras
arquitetônicas que preferem aos mais magníficos palácios de
nossa Terra.
152. Disseram-me em seguida que os habitantes moram,
não em lugares altos, mas no solo em cabanas baixas, porque os
lugares altos são para o Senhor que está no céu, e os lugares
baixos para as pessoas que estão na terra. Suas cabanas também
me foram mostradas; eram oblongas e, dentro delas, junto às
paredes, há um leito ao longo de todo o seu comprimento, no
qual deitam um após o outro; na parte oposta à entrada existe
um lugar no qual há uma mesa e, atrás da mesa, uma lareira que
ilumina toda essa sala. Nessa lareira não há um fogo ardente,
mas uma lenha brilhante que produz tanta claridade quanto a
chama de uma lareira. Diziam que, ao anoitecer, essa lenha
aparecia como se houvesse nela um fogo de carvões em brasa.
153. Disseram-me que viviam não em comunidades, mas
em cada casa como por si mesma; entram em contato com outras
Emanuel Swedenborg 115

_________________________________________________
quando se reúnem para o culto e, então, os que ensinam andam
embaixo do templo ao seu redor [pregando aos] outros nos
pórticos nos lados; e nessas reuniões sentem alegrias interiores
por verem o templo e pelo culto que ali é celebrado.
154. Quanto ao seu culto divino, disseram-me que
reconheciam um Deus sob uma forma Humana, assim o nosso
Senhor, pois todos os que reconheciam o Deus do universo sob a
forma Humana eram aceitos e guiados por nosso Senhor; os
outros não podem ser guiados, porque pensam sem uma forma
fixa de Deus. Acrescentaram que os habitantes de sua terra são
instruídos das coisas do céu por um contato direto com os anjos e
os espíritos, no qual podem ser admitidos pelo Senhor mais
facilmente que os outros, porque repelem de seu pensamento e
de sua afeição as coisas corporais. Indaguei sobre o que acontece
aos que entre eles são maus. Disseram-me que em sua terra não
é permitido ser desonesto, mas que, se alguém pensa mal e age
mal, é repreendido por um espírito que lhe anuncia a morte, se
ele persistir nessas coisas; e, quando persiste, morre de
fraqueza; e desse modo as pessoas dessa terra são resguardadas
de contatos com os maus. Foi-me enviado também um desses
espíritos que falou comigo como falou com eles; ainda mais,
induziu na região de meu abdômen uma dor, dizendo que lida
assim com os que pensam mal e agem mal e aos quais anuncia a
morte, se persistem. Disseram-me que os que profanam as coisas
santas são rigorosamente punidos e, antes que o espírito
corregedor chegue, aparece-lhes em uma visão uma enorme
116Terras no Universo

goela de um leão, de cor lívida, que lhes parece tentar engolir


suas cabeças e separá-las do corpo e disso um terror lhes apossa.
Chamam de diabo a esse espírito corregedor.
155. Como desejavam saber como a Revelação se faz na
nossa Terra, disse-lhes que ela se faz pela escrita e por
pregações provenientes da Palavra e não por um contato direto
com os espíritos e os anjos, e as coisas escritas podem ser
propagadas pela imprensa e serem lidas e compreendidas por
todas as comunidades e, assim, a vida pode ser emendada.
Estavam muito surpresos de que uma tal arte, inteiramente
desconhecida em outra parte, aqui existisse, mas
compreenderam que, em nossa Terra, onde se amam tanto as
coisas corpóreas e terrestres, as coisas Divinas não podem fluir
do céu e ser recebidas de outro jeito e seria perigoso para os
habitantes falar com os anjos.
156. Os espíritos dessa terra aparecem no alto à altura
da cabeça pela direita. Todos os espíritos são distinguidos
segundo a sua localização com relação ao corpo humano; e isso
porque o céu inteiro corresponde a todas as coisas do ser
humano(50). Esses espíritos mantêm-se a essa altura e a essa
distância, porque têm correspondência, não com os exteriores no
ser humano, mas sim com os interiores. Sua ação é no joelho
esquerdo, acima e um pouco abaixo, com uma certa vibração
muito sensível. Esse é um sinal de que eles correspondem à
conjunção das coisas naturais e das coisas celestes.

50 [idem 6]
O céu corresponde ao Senhor, e o ser humano, quanto a toda e cada uma de suas
coisas, corresponde ao céu e, por conseguinte, o céu, perante o Senhor, é um ser humano
em grande efígie, e deve ser chamado o Máximo Homem. Nos 2996, 2998, 3624-3649,
3741-3745, 4625. Sobre a correspondência do ser humano e de todas as suas partes com
o Máximo Homem, que é o céu, em suma, ver o que lá está pelos próprios acontecimentos
relatados. Nos 3021, 3624-3649, 3741-3750, 3883-3896, 4039-4051, 4218-4228, 4318-
4331, 4403-4421, 4527-4533, 4622-4633, 4652-4660, 4791-4805, 4931-4953, 5050-5061,
5171-5189, 5377-5396, 5552-5573, 5711-5727, 10030.
Emanuel Swedenborg 117

_________________________________________________
De uma Quarta Terra no
Espaço Sideral e de seus
Espíritos e Habitantes

157. Fui ainda conduzido para uma outra terra que se


encontra no universo fora de nosso sistema solar, o que se fez
por mudanças de estado de minha mente, assim, quanto a meu
espírito, visto que, tal como já foi explicado algumas vezes, o
espírito não é conduzido de um lugar a outro senão por mudanças
de estado de seus interiores, mudanças que lhe parecem
absolutamente como avanços de um lugar para outro, ou como
viagens. Essas mudanças persistiram sem interrupção durante
cerca de dez horas, antes que eu chegasse do estado de minha
vida ao estado de vida dos dessa terra, assim, antes que ali fosse
conduzido quanto a meu espírito. Era levado para o leste pela
esquerda e parecia-me ser elevado pouco a pouco do plano
horizontal. Era-me mesmo dado observar distintamente a
progressão e o avanço do lugar inicial até que enfim os arredores
de onde eu partira não aparecessem mais. E, durante aquele
tempo, eu conversava sobre diversas coisas com os espíritos que
estavam comigo. Havia também conosco um certo espírito que,
enquanto vivia no mundo, fora um prelado e pregador e, ao
mesmo tempo, um escritor muito veemente. Do conceito que eu
tinha a seu respeito, os espíritos que me acompanhavam o
118Terras no Universo

consideravam mais cristão de coração que todos os outros, pois,


no mundo, adquire-se um conceito da pessoa e julga-se a ela
segundo a prédica e os escritos, e não segundo a vida, quando
esta não está manifesta; e, quando nela se manifesta algo que
não esteja de acordo com a prédica ou os escritos, isso é
desculpado, contudo, pois o conceito ou o pensamento e a
percepção que se tem de alguém muda tudo em seu favor.
158. Mais tarde notei que estava, quanto ao espírito no
espaço sideral, muito mais além do nosso sistema solar (isso
podia ser percebido pelas mudanças de estado e a progressão
aparente que durara quase dez horas); enfim, ouvi espíritos que
conversavam junto de uma terra que logo em seguida também
avistei. Quando me aproximei deles, após uma pequena troca de
palavras, disseram-me que lhes vinham algumas vezes
estrangeiros que lhes falavam de Deus e confundiam as idéias de
seus pensamentos. Mostraram mesmo o caminho pelo qual
vinham, do que notei que eram provenientes dos espíritos de
nossa Terra. Então, perguntei-lhes como os confundiam.
Responderam que era por dizerem que era preciso crer num
Divino distinguido em três pessoas que chamavam, contudo, um
só Deus; e quando examinam a idéia do seu pensamento, ela se
apresenta como um Trino não continuo mas separado, e entre
alguns, como três pessoas falando entre si, uma com a outra; e
entre outros, como duas que estão sentadas uma perto da outra
e uma terceira que as ouve e se afasta delas; e, ainda que
chamem cada pessoa de Deus, e tendo uma diferente idéia de
cada uma, dizem contudo que não há senão um só Deus. Esses
espíritos se queixaram muito de que os confundem em três e
dizer um, quando, entretanto se deve pensar como se fala, e
falar como se pensa. O tal espírito que, no mundo, fora um
prelado e pregador, e que também estava comigo, foi então
examinado sobre o tipo de idéia que tinha de um só Deus e de
três Pessoas. Ele expunha os três Deuses, entretanto, como um
só por continuidade; mas apresentava esse Trino um como
invisível porque era o Divino; e, enquanto o apresentava assim,
percebi que pensava então somente no Pai, e não no Senhor, e
que sua idéia sobre Deus invisível não era senão como uma idéia
Emanuel Swedenborg 119

_________________________________________________
sobre a natureza em seus princípios, donde resultava que a parte
mais interior da natureza, ao seu ver, fora o seu Divino e assim
podia daí facilmente ser guiado a reconhecer a natureza como
Deus. É preciso que se saiba que na outra vida a idéia de cada um
sobre qualquer coisa que seja é apresentada vivamente e por aí
cada um é examinado quanto à qualidade de seu pensamento e
de sua percepção sobre as coisas da fé; e a idéia do pensamento
sobre Deus é a principal de todas, pois, por ela, se ela é genuína,
faz-se a conjunção com o Divino e, por aí, com o céu. Indaguei-
lhes depois a respeito da idéia que tinham de Deus.
Responderam-me que concebiam um Deus invisível, mas que
concebem um Deus visível sob a forma Humana; e que sabem isso
não somente segundo uma percepção interior, mas também
porque lhes apareceu como um Homem, acrescentando que, se,
conforme a idéia de alguns estrangeiros, concebessem Deus como
invisível, assim sem forma e sem qualidade, não poderiam de
modo algum pensar em Deus, porque um tal invisível não cabe
numa idéia do pensamento. Após ter ouvido essa resposta, foi-me
dado dizer-lhes que agiam bem em pensar em Deus sob uma
forma Humana e que vários de nossa Terra pensam do mesmo
modo. Contei-lhes, então, a respeito de Abrahão, de Ló, de
Gedeão, de Manoá e de sua esposa, e do que é relatado deles em
nossa Palavra, a saber, que viram Deus sob uma forma Humana e
que, depois de tê-l'O visto, reconheceran-n'O como o Criador do
universo e chamaram-no JEHOVAH, e isso também por uma
percepção interior, mas que atualmente essa percepção interior
120Terras no Universo

pereceu no mundo cristão e permaneceu somente entre os


simples de espírito que estão na fé.
159. Antes dessa exposição, criam que nós estávamos
também entre os que queriam confundi-los pela idéia de três
pessoas no que diz respeito a Deus; por isso, após terem me
ouvido, foram tomados de alegria e disseram que Deus, que
então chamaram Senhor, enviara-nos para instruí-los sobre Ele; e
que não querem admitir à sua presença estrangeiros que os
perturbem, sobretudo com três pessoas na Divindade, porquanto
sabem que Deus é Um e, conseqüentemente, o Divino é Um e não
uma união composta de Três, a menos que se queira pensar de
Deus como se pensa de um anjo, em que há o íntimo da vida, que
é invisível, pelo qual ele pensa e é sábio; o externo da vida, que
é visível sob uma forma humana, pelo qual ele vê e age, e o
procedente da vida, que é a esfera do amor e da fé que emana
dele; pois de cada espírito e de cada anjo procede uma esfera de
vida, pela qual é conhecido à distância(51); e que, quanto ao
Senhor, o procedente da vida que sai d’Ele é o Divino Mesmo que
enche os céus e os compõe, porque procede do Ser Mesmo (ESSE)
da vida do amor e da fé; diziam que de outro modo não podem
perceber o Trino e o Um juntos. Depois que ouvi essas palavras,
foi-me permitido dizer-lhes que essa idéia do Trino e o Um juntos
concorda com a idéia dos anjos sobre o Senhor e vem da própria
Doutrina do Senhor sobre Si Próprio, pois Ele ensina que o Pai e
Ele são um; o Pai está n’Ele e Ele no Pai; aquele que O vê, vê o
Pai; aquele que crê n’Ele, crê no Pai e conhece o Pai; o
Paracleto, que chama de Espírito de Verdade e também Espírito
Santo, procede d’Ele, e fala, não por si mesmo, mas sim
provenientemente d’Ele; ora, pelo Paracleto entende-se o Divino
procedente. Que, ainda mais, a idéia do Trino e do Um juntos
concorda com o Ser (ESSE) e o Existir (EXISTERE) da vida do
Senhor enquanto estava no mundo; o Ser de sua vida era o Divino

51 [idem 27]
A esfera espiritual, que é a esfera da vida, eflui e transborda de cada pessoa, de
cada espírito e de cada anjo, e ela os rodeia. N os 4464, 5179, 7454. Ela eflui da vida de
sua afeição, e do pensamento proveniente de sua afeição. Nos 2489, 4464, 6206. Na outra
vida as consociações se fazem segundo as esferas, e também as dissociações. Nos 6206,
9606, 9607, 10312.
Emanuel Swedenborg 121

_________________________________________________
Mesmo, pois foi concebido de JEHOVAH e o ser da vida de cada
um vem daquele de quem é concebido; o Existir da vida
proveniente desse ser é o Humano em forma; o ser da vida de
cada ser humano, que é proveniente do pai, é chamado alma e o
existir da vida daí resultante é chamado corpo. A alma e o corpo
constituem um só ser humano; a semelhança entre um e outro é
como entre o que existe no esforço e no ato que dele provém,
pois o ato é o esforço agindo e, assim, os dois são um. O esforço
no ser humano é chamado vontade, e o esforço agindo é
chamado ação; o corpo é o instrumento pelo qual a vontade, que
é o elemento principal, age; e o instrumento e o elemento
principal no ato de agir são um, assim como a alma e o corpo. Tal
é a idéia que os anjos do céu têm da alma e do corpo. Por aí
sabem que o Senhor tornou Divino o Seu Humano, pelo Divino em
Si, que n’Ele era a alma vinda do Pai. A fé recebida por toda
parte no mundo cristão não difere pouco em oposição a isso,
pois, eis o que ela ensina:

“Embora o Cristo Deus e Homem, entretanto, não são dois mas


um só Cristo, além disso é absolutamente um e uma Única
Pessoa; porque do mesmo modo que o corpo e a alma são um só
ser humano, do mesmo modo também Deus e Homem são um só
Cristo”.(52)

52
Segundo o Símbolo de Atanásio.
122Terras no Universo

Como há uma tal união ou um tal Um no Senhor, é por isso


que ressuscitou não somente quanto à alma, mas também quanto
ao corpo que glorificou no mundo, o que não sucedeu a ser
humano algum; foi mesmo o que ensinou aos discípulos, dizendo:
“Tocai-Me e vede, pois um espírito carne e osso não tem, como
Me vedes ter”(53). Esses espíritos compreenderam isso muito bem,
pois tais coisas caem no entendimento dos espíritos angélicos;
então, acrescentaram que ao Senhor, só, pertence o poder nos
céus e os Céus são d’Ele. Pude responder-lhes que a igreja em
nossa Terra também tem ciência disso da boca do Senhor, porque
Ele Mesmo, antes que ascendesse ao céu, disse então: “Foi-me
dado todo poder no Céu e sobre a Terra” (Mateus 28: 18)
160. Em seguida falei de sua terra a esses espíritos, pois
isso todos os espíritos sabem, quando sua memória natural ou
exterior é aberta pelo Senhor, visto que a trazem consigo do
mundo, mas ela não é aberta a menos que isso seja desejado
pelo Senhor. Os espíritos informaram-me, então, a respeito da
terra onde viveram que, quando disso têm permissão, aparecem
aos habitantes de sua terra e conversam com eles como pessoas
normais; e isso se dá quando são remetidos em sua memória
natural ou exterior e, por conseguinte, no pensamento em que
estavam quando viviam no mundo, e então se abre nos
habitantes a visão interior ou a visão de seu espírito, pela qual os
primeiros são vistos. Acrescentaram que os habitantes não têm
outra impressão senão de que são pessoas de sua terra e só se
dão conta de que não são, pela primeira vez, quando
repentinamente eles desaparecem de sua vista. Disse-lhes que
isso aconteceu da mesma forma em nossa Terra nos tempos
antigos, a saber, com Abrahão, Sara, Ló, os habitantes de
Sodoma, Manoá e sua esposa, Josué, Maria, Elizabeth e, em
geral, os Profetas; também que o Senhor aparecera do mesmo
modo e os que O viram não criam outra coisa senão que era um

53
O ser humano logo após a morte ressuscita quanto ao espírito; e o espírito encontra-se
na mesma forma humana, e é um ser humano quanto a todas as coisas em geral e em
particular. Nos 4527, 5006, 5078, 8939, 8991, 10594, 10597, 10758. O ser humano
ressuscita somente quanto ao espírito e não quanto ao corpo. Nos 10593, 10594. O
Senhor, só, ressuscitou também quanto ao corpo. Nos 1729, 2083, 5078, 10825.
Emanuel Swedenborg 123

_________________________________________________
homem da terra antes que Ele Se revelasse; mas isso agora
raramente acontece, para que as pessoas não sejam
constrangidas a crer, pois a fé constrangida, tal como é a que se
inicia pelos milagres, não permanece e mesmo prejudicaria
aqueles em que a fé pela Palavra pudesse ser implantada num
estado sem constrangimento.
161. O espírito que no mundo fora um prelado e
pregador, não cria de modo algum que houvesse outras terras
como a nossa, e isso porque pensara no mundo que o Senhor
nascera somente nesta Terra e sem o Senhor ninguém pode ser
salvo. Por isso foi reposto num estado semelhante àquele em que
estão os espíritos, quando aparecem em sua terra como pessoas
(de que se falou acima), e foi enviado assim a essa terra, a fim
de que não somente a visse, mas conversasse com os habitantes
nela. Quando isso foi feito, também tive comunicação dali, para
que igualmente eu visse os habitantes e também algumas coisas
nessa terra [vide item no 135]. Então quatro tipos de pessoas
apareceram, mas um após o outro, sucessivamente. Vi primeiro
pessoas vestidas, em seguida vi pessoas nuas, de cor normal de
carne humana e depois disso vi pessoas nuas mas de corpo de cor
de chama e, enfim, pessoas negras.
162. Enquanto o espírito que fora prelado e pregador
estava junto às pessoas vestidas, apareceu uma mulher de face
muito bonita vestida com uma vestimenta simples; sua túnica
caía decentemente pelas costas e cobria também os seus braços;
124Terras no Universo

tinha um chapéu bonito na forma de uma grinalda de flores.


Aquele espírito, tendo avistado essa jovem, ficou muito
encantado e dirigiu-lhe a palavra e mesmo tomou-lhe a mão.
Mas, como ela percebeu que ele era um espírito, e não era de
sua terra, afastou-se dele. Em seguida apresentaram-se a ele na
direita muitas outras mulheres que apascentavam ovelhas e
cordeiros, as quais estavam então a levá-los a um bebedouro,
onde a água era vertida por um canal proveniente de um lago.
Estas estavam vestidas do mesmo modo e tinham um cajado na
mão, com o qual conduziam as ovelhas e os cordeiros ao
bebedouro; diziam que lá as ovelhas vão aonde seus cajados
apontam. As ovelhas que vi eram grandes com caudas longas e
volumosas, e muito lanosas. Vi a face das mulheres de mais
perto: eram redondas e belas. Vi também homens; suas faces
eram da cor normal de carne humana como em nossa Terra, mas
com esta diferença, a parte inferior de sua face era negra no
lugar onde normalmente se tem a barba e o nariz era mais de cor
branca que de cor de carne. Em seguida, o espírito que, como já
foi dito antes, fora pregador no mundo, foi levado mais para
longe, mas contra a sua vontade, porque pensava ainda naquela
mulher, que o encantara, o que era evidente por ainda aparecer
algo como uma sombra dele no lugar onde lhe falara. Aproximou-
se, então, dos que estavam nus; esses foram vistos passeando
juntos em pares. Eram marido e esposa, tendo um véu ao redor
da cintura e um tipo de chapéu na cabeça. Enquanto esse
espírito estava junto deles, foi reposto no estado em que estava
no mundo, quando queria fazer a pregação e, então, disse que
queria na sua presença pregar que o Senhor fora crucificado; mas
eles responderam que não queriam ouvir tal coisa, porque
ignoravam o que era e porque sabiam que o Senhor vive. Então
lhes disse que queria pregar que o Senhor vive; mas ainda isso
recusaram, dizendo que percebiam em sua fala algo que não era
celeste, porque falava muito de sua opinião própria, da sua
reputação e da sua honra; pelo próprio som da fala entendem se
é do coração ou não; e que sendo tal, não era capaz de instruí-
los; assim, ele se calou. No mundo, quando vivera, fora muito
veemente, a ponto de comover os ouvintes a um estado de
santidade, mas tal elocução veemente fora adquirida por treino,
Emanuel Swedenborg 125

_________________________________________________
portanto provinha de si mesmo e não do céu.
163. Disseram também que percebem se há o estado
conjugal entre os de sua nação que estão nus; e foi mostrado que
percebem isso pela idéia espiritual sobre o casamento. Essa idéia
que me foi comunicada era que a semelhança dos interiores se
formava pela conjunção do bem e da verdade, assim pela
conjunção do amor e da fé, e é dessa conjunção que desce no
corpo que existe o amor conjugal, pois tudo o que pertence à
alma se apresenta sob alguma aparência natural no corpo, assim
sob a aparência do amor conjugal, quando os interiores dos dois
se amam mutuamente, e desejam também desse amor querer e
pensar um como o outro, assim estar juntos e conjuntos quanto
aos interiores que pertencem às mentes. Daí a afeição espiritual
que pertence às mentes toma-se natural no corpo e reveste-se
com o sentido próprio do amor conjugal. A afeição espiritual que
pertence às mentes é a afeição do bem e da verdade, e de sua
conjunção, pois todas as coisas da mente ou do pensamento e da
vontade, se relacionam à verdade e ao bem. Disseram também
que não há absolutamente o princípio conjugal entre um marido
e várias esposas, porquanto o casamento do bem e da verdade,
que é o das mentes, não pode existir senão entre dois.
164. Em seguida o espírito, de que se falou acima, veio
para os que estavam nus, mas que eram de corpo cor de chama
e, em último lugar, para os que eram de cor negra, dos quais uns
estavam nus e outros vestidos; mas estes e aqueles habitavam
126Terras no Universo

em lugares diferentes nessa terra. Com efeito, um espírito pode


num instante ser conduzido a lugares distantes uns dos outros
numa terra, visto que avança e é transportado, não como as
pessoas na terra mesma através de espaços, mas por meio de
mudanças de estado(54) [vide itens no 125 e 127].
165. Enfim conversei com os espíritos dessa terra sobre
a crença dos habitantes de nossa Terra a respeito da
Ressurreição, dizendo que eles não podem conceber que as
pessoas, logo após a morte, chegam à outra vida e aparecem
então como seres humanos quanto à face, ao corpo, aos braços,
aos pés e quanto a todos os sentidos externos e internos; e ainda
menos que então se vistam com roupas; e tenham moradas e
habitações; e isso acontece porque a maior parte das pessoas
Aqui falta uma pagina inteira (pagina 153)
Substitue Acrescentarei, para ajuntei assim:
Acrescentarei, que a eles e’ permitido ter esta ...
terrestre deve ser de novo unido à sua alma. Com efeito, eles
não sabem que cada pessoa é um espírito quanto a seus
interiores, e é esse espírito o que vive no corpo e em cada parte
do corpo e não o corpo que vive por si mesmo; e é o espírito de
cada um que dá ao corpo sua forma humana, por conseqüência, é
principalmente o ser humano, e numa forma semelhante; é
porém invisível aos olhos do corpo, ainda que visível aos olhos
dos espíritos. Daí vem mesmo que, quando a visão do espírito do
ser humano é aberta, o que se dá pelo afastamento da visão do
corpo, os anjos aparecem como seres humanos. Foi assim que os
anjos apareceram aos antigos, de que se tratou na Palavra.
Conversei também algumas vezes com espíritos que conhecera
quando viviam como pessoas no mundo, e perguntei-lhes se
quereriam ser revestidos de novo de seu corpo terrestre, assim,
como tinham anteriormente pensado, mas, logo que escutaram

54 [idem 45]
Os movimentos, as progressões e as mudanças de lugar, na outra vida, são
mudanças de estado dos interiores da vida, contudo, aparecem de modo real aos
espíritos e aos anjos, como se essas coisas existissem efetivamente. N os 1273-1277, 1377,
3356, 5605, 10754.
Emanuel Swedenborg 127

_________________________________________________
essa pergunta, só a idéia de sua conjunção, fugiam para longe,
inteiramente estupefatos de terem tido no mundo um tal
pensamento provindo de uma fé cega e privada de todo
entendimento.
166. Vi, além disso, nessa terra, as moradas dos
habitantes; eram casas baixas, estendendo-se no comprimento
com janelas nos lados, segundo o número dos alojamentos ou
quartos em que eram divididas; o telhado era arredondado e
havia uma porta em cada ponta. Disseram-me que eram feitas de
barro e seu telhado era feito de tufos de grama, e as janelas
eram de palha tecidas de modo a serem transparentes. Vi
também crianças; os habitantes diziam que os seus vizinhos
vinham a eles, principalmente por causa das crianças, a fim de
que estejam em companhia de outras crianças às vistas dos pais e
sob sua guarda. Vi ainda campos que tinham a safra quase
madura, e dava, então, um tom esbranquiçado; mostraram-me as
sementes ou os grãos dessa safra que eram semelhantes aos grãos
do de trigo da China; mostraram-me também os pães feitos dessa
safra que eram pequenos, em porções quadradas. Vi, além disso,
campinas ornadas de flores e também árvores com frutos que
pareciam com romãs; depois vi também arbustos que não eram
vinhas mas eram carregados de cachos de que fazem vinho.
167. Seu sol, que para nós é uma estrela, ali aparece
flamejante e do tamanho de pouco mais ou menos de um quarto
do nosso sol; seu ano é de cerca de duzentos dias e o dia de
128Terras no Universo

quinze horas em relação à duração dos dias em nossa Terra. Essa


terra é do número das menores no espaço sideral; tem apenas de
circunferência quinhentas milhas germânicas (3.700 km). Estas
coisas foram-me informadas pelos anjos por uma comparação
feita com tais coisas na nossa Terra que viam em mim, ou seja,
na minha memória. Eles as deduziam por meio das idéias
angélicas, pelas quais as medidas dos espaços e dos tempos são
imediatamente conhecidas numa justa relação com os espaços e
os tempos de outros lugares. As idéias angélicas, sendo
espirituais, excedem imensamente, em tais coisas, as idéias
humanas, que são naturais.

De uma Quinta Terra no


Espaço Sideral
e de seus Espíritos e
Habitantes

168. Fui uma vez mais conduzido a uma outra terra, que
estava no universo fora do nosso sistema solar e isso também por
contínuas mudanças de estados, quase que por doze horas. Eu
estava na companhia de vários espíritos e de vários anjos de
nossa Terra, com os quais conversava durante essa viagem ou
progressão. Era levado ora obliquamente em cima, ora
obliquamente em baixo, sempre para a direita que na outra vida
dá para o sul; vi espíritos somente em dois lugares e num deles
conversei com eles. Nessa viagem ou progressão, foi-me dado
observar quão imensa é a abóbada celeste criada pelo Senhor
para os anjos e os espíritos, pois do que não era habitado, podia-
se concluir que é tão imensa que, ainda quando houvesse várias
miríades de terras e, em cada, uma grande multidão de pessoas
como na nossa, haveria, contudo, habitação para todos pela
eternidade e nunca se encheriam. Pude concluir segundo uma
comparação feita com a extensão do céu que se encontra ao
Emanuel Swedenborg 129

_________________________________________________
redor de nossa Terra e existe para a nossa Terra, e era
relativamente tão pequena que não igualava uma só parte de
uma miríade das miríades da extensão que não era habitada.
169. Quando espíritos angélicos que provinham dessa
terra chegaram à nossa vista, nos dirigiram a palavra
perguntando quem éramos e o que desejávamos. Respondemos
que estávamos a viajar, e tínhamos sido transportados para sua
terra, mas que em nada devessem recear a nosso respeito. Com
efeito, receavam que fôssemos dos que perturbam suas idéias
sobre Deus, a fé e outros assuntos semelhantes; era por causa
destes que tinham se mudado para essa região de sua terra,
fugindo deles tanto quanto podiam. Ao serem inquiridos de como
esses espíritos perturbam suas idéias, responderam que era pela
idéia de três e pela idéia do Divino sem o Humano, em Deus,
quando, no entanto, sabem e percebem que Deus é Um e que é
Homem. Então percebi que aqueles que os perturbaram e de
quem fugiam eram provenientes de nossa Terra; e também
porque há entre os espíritos de nossa Terra os que na outra vida
percorrem por todos os lados, por seu desejo e prazer de viajar
que adquiriram no mundo, visto que nas outras terras não se
fazem semelhantes viagens. Em seguida, descobri que eram
monges que viajaram ao redor de nosso globo por desejar
converter os gentios; por isso lhes falamos que agiam certo em
fugir deles, porque sua intenção era, não de ensinar, mas de
enriquecer-se e dominar; e esses se aplicam em cativar primeiro
sua simpatia por diversos meios e, depois, em subjugá-los a si
130Terras no Universo

como escravos; ainda mais, agiam certo em não permitir que a


sua idéia sobre Deus fosse perturbada por tais espíritos.
Acrescentaram que os perturbam também por dizerem que é
preciso ter fé e crer no que dizem, mas que lhes respondem que
não sabem o que é a fé, ou o que é crer, porquanto percebem
interiormente em si que uma coisa é de tal modo. Eram do reino
celestial do Senhor, onde todos, de uma percepção interior,
sabem as verdades que em nosso meio são chamadas verdades da
fé, pois estão na ilustração do Senhor; não é do mesmo modo
com os que estão no reino espiritual. Que os espíritos angélicos
dessa terra fossem do reino celeste, é o que também me foi
possível ver pela flama de onde procediam suas idéias, pois a luz
é cor de flama no reino celestial e branca no reino espiritual.
Quando os que são do reino celestial do Senhor falam verdades,
dizem somente: sim, sim; ou: não, não; e nunca raciocinam para
saber se algo é ou não é assim. É a seu respeito que o Senhor diz:
"Que vossa fala seja: Sim, sim; não, não; o que é dito além disso
vem do mal". É por isso que esses espíritos disseram que não
sabiam o que era ter fé ou crer; consideram isso como se alguém
dissesse a seu companheiro que vê com seus olhos casas e árvores
e que deve ter fé que são casas e árvores, quando vê claramente
que isso é assim. Tais são os do reino celestial do Senhor e tais
eram esses espíritos angélicos(55). Nós lhes dissemos que na nossa
Terra há bem poucos que tenham uma percepção interior; e isso
porque em sua juventude aprendem as verdades e não as
praticam, pois há no ser humano duas faculdades que são
chamadas entendimento e vontade. As pessoas que não recebem
as verdades mais além do que na memória e, por conseguinte, as
recebem só um pouco no entendimento e não na vida, isto é, na
vontade, visto que não podem estar em nenhuma ilustração ou

55
O céu é distinguido em dois Reinos; um chamado o Reino Celestial e o outro o Reino
Espiritual. Nos 3887, 4138. Os anjos do Reino Celestial sabem de inúmeras coisas e têm
imensamente mais sabedoria que os anjos do Reino Espiritual, N o 2718. Os anjos
celestiais pensam e falam não provenientemente da fé, como os anjos espirituais, mas
provenientemente da percepção interior de que tal coisa é de tal maneira, Nos 202, 597,
607, 784, 1121, 1384, 1442, 1898, 1919, 7680, 7877, 8780. Os anjos celestiais dizem
somente a respeito das verdades da fé: Sim, sim; ou: Não, não; os anjos espirituais
raciocinam para saber se tal coisa é ou não é assim, N os 202, 337, 2715, 3246, 4448,
9160.
Emanuel Swedenborg 131

_________________________________________________
visão interior do Senhor, tais proferem que é preciso crer nas
verdades ou ter fé, e raciocinam também sobre as verdades para
saber se são ou não são verdades. Além disso, não querem
mesmo que se perceba a elas por meio de alguma visão interior
ou alguma ilustração pelo entendimento; falam assim, porque as
verdades em sua posse são sem a luz do céu e, nos que vêem sem
a luz do céu, as falsidades podem aparecer como verdades e as
verdades como falsidades. Daí vários ali foram atacados de uma
tão grande cegueira que, embora a pessoa não pratique as
verdades ou não viva segundo as verdades, dizem que pode
contudo ser salva pela fé só, como se a pessoa não fosse um ser
humano pela sua vida e de acordo com a sua vida, mas que o
fosse pelo seu saber das coisas que pertencem à fé sem a vida.
Em seguida lhes falamos do Senhor, do amor para com Ele, do
amor ao próximo e da regeneração; e lhes dissemos que amar o
Senhor é amar os preceitos que vêm d’Ele, o que é, pelo amor,
viver de acordo com os preceitos (56); que o amor ao próximo
consiste em querer-se o bem e, por conseguinte, fazer o bem ao
concidadão, à pátria, à igreja, ao reino do Senhor, não para seu
próprio proveito, a fim de ser notado ou de ter mérito, mas pela
afeição do bem(57). Quanto à regeneração, os que são regenerados

56
Amar o Senhor é viver de acordo com Seus preceitos. Nos 10143, 10153, 10310, 10578,
10645.
57
Amar o próximo é fazer o bem, o que é justo e certo em toda obra e em toda função,
pela afeição do bem, da justiça e da retidão. Nos 8120-8122, 10310, 10336. A vida do
amor ao próximo é a vida de acordo com os preceitos do Senhor. No 3249.
132Terras no Universo

pelo Senhor e aplicam logo as verdades à vida, chegam à


percepção interior dessas verdades; mas os que recebem as
verdades primeiro na memória e depois as querem e as fazem são
os que estão na fé, pois agem provenientemente da fé que então
é chamada consciência. Responderam-nos que percebiam que
isso era assim e, por conseqüência, o que é a fé. Conversei com
eles por meio de idéias espirituais, pelas quais coisas podem ser
apresentadas e compreendidas na luz.
170. Esses, com quem acabava de conversar, eram da
região norte de sua terra. Em seguida fui levado a outros que
eram da região sul. Estes, querendo também averiguar quem eu
era, disseram logo que não havia nada mais que o mal em mim;
pensavam que assim eu seria dissuadido de chegar mais perto.
Percebi que era dessa maneira que falavam a todos os que
vinham a eles; porém, foi-me permitido responder que eu bem
sabia que isso era verdade, e que neles igualmente não havia
nada mais que o mal e, por conseguinte, todo o que vem de um
ser humano, de um espírito ou de anjo, como sendo de si ou de
seu ego característico, não é nada mais do que o mal, porquanto
todo bem que está em cada um vem do Senhor. Por aí eles
perceberam que eu estava na verdade e fui admitido para
conversar com eles. Mostraram-me, então, sua idéia sobre o mal
do ser humano e sobre o bem provindo do Senhor e como devem
ser separados um do outro reciprocamente; colocaram um deles
junto a um outro, quase que em contato, contudo, separados,
mas como que ligados de um modo inefável, de maneira que o
bem conduzia o mal e refreava-o a fim de que não lhe fosse
permitido agir à sua vontade, e que o bem dirigia o mal onde
queria, sem que o mal disso tivesse conhecimento:
representavam assim o domínio do bem sobre o mal e ao mesmo
tempo o estado de liberdade. Depois perguntaram como o Senhor
aparecia entre os anjos de nossa Terra. Disse-lhes que aparecia
no sol como um Homem, ali cercado pelo fogo solar, de onde
vem a luz aos anjos nos céus; o calor que d’Ele procede é o
Divino Bem e a luz que d’Ele procede é a Divina Verdade, vindo
um e outro do Divino Amor que é o fogo aparecendo ao redor do
Senhor nesse sol; mas esse sol aparecia somente aos anjos no céu
Emanuel Swedenborg 133

_________________________________________________
e não aos espíritos que estão mais abaixo, porque estes estão
mais afastados da recepção do bem do amor e da verdade da fé
do que estão os anjos que estão nos céus [vide item no 40]. Fora-
lhes permitido fazer-me essas perguntas sobre o Senhor e sobre
seu aparecimento diante dos anjos que provêm de nossa Terra,
porque então agradou ao Senhor mostrar-se presente entre eles e
repor em ordem as coisas que haviam sido confundidas pelos
maus espíritos de que se queixaram. Foi também a fim de que eu
visse tais coisas, que eu fora levado a essa terra.
171. Avistei então, pelo oriente, uma nuvem obscura
descer do céu, a qual, na sua descida, apareceu gradualmente
luminosa e numa forma humana e, enfim, essa apareceu num
esplendor cor de chama, ao redor do qual haviam pequenas
estrelas da mesma cor. Foi assim que o Senhor se mostrou
presente entre os espíritos com quem eu conversava. À sua
presença foram reunidos de toda parte, todos os espíritos que
estavam nessa região. E, quando chegavam, os bons eram
separados dos maus; os bons passavam à direita, e os maus à
esquerda e isso no mesmo instante, como se de sua própria
vontade. Os que iam à direita eram dispostos entre si de acordo
com sua qualidade do bem e os que iam à esquerda, de acordo
com sua qualidade do mal; os que eram bons permaneceram para
formar entre si uma sociedade celeste, mas os maus foram
lançados nos infernos. Em seguida, vi que aquele esplendor de
cor de chama descia nas regiões mais baixas da terra, lá bem
fundo, e então aparecia ora de uma cor de chama tornando-se
134Terras no Universo

luminoso, ora de uma cor luminosa tornando-se obscuro, e ora


obscuro; e foi-me informado pelos anjos que essa aparência era
de acordo com a recepção da verdade do bem, e da falsidade do
mal, entre os que habitam as regiões mais baixas dessa terra e
que não era de modo algum esse esplendor, cor de chama, que
sofria tais variações; disseram-me também que as regiões mais
baixas dessa terra eram habitadas tanto por bons quanto por
maus, mas que estavam separados cuidadosamente, a fim de que
os maus fossem governados pelo Senhor, por meio dos bons;
acrescentaram que os bons eram às vezes elevados ao céu pelo
Senhor e outros lhes sucediam em seu lugar e assim
continuamente. Nessa descida, os bons eram igualmente
separados dos maus, e todas as coisas eram repostas em ordem.
Com efeito, os maus, por diversas artes e ardis, introduziram-se
lá nos domicílios dos bons e os infestaram; por isso é que houve
essa visita. Aquela nuvem que na sua descida aparecera
gradualmente luminosa e em forma humana e, em seguida, como
um esplendor cor de chama era uma sociedade angélica, no meio
da qual o Senhor estava. Por aí era-me dado saber o que se
entende pelas palavras do Senhor, quando se trata do Juízo
Final, nos Evangelhos: "Ele virá, com Anjos, nas nuvens do Céu,
com poder e glória".
172. Em seguida vi os espíritos-monges, a saber, os que
no mundo foram monges viajantes ou missionários, de que se
falou acima; e vi também uma multidão de espíritos que eram
dessa terra, na sua maioria maus, que tinham atraído e seduzido
para o lado deles. Estes foram vistos pela região oriental dessa
terra, de onde expulsaram os bons que se retiraram para o lado
norte da terra, e de que já se falou. Esse grupo e seus sedutores
foram reunidos em número de alguns milhares e separados; os
maus dentre eles foram lançados nos infernos. Foi-me também
possível conversar com um espírito-monge e perguntar-lhe o que
fazia ali; respondeu que os instruía sobre o Senhor. "E sobre o
que mais?" perguntei-lhe, "Sobre o céu e o inferno", ele
respondeu. "E sobre o que mais?" perguntei-lhe de novo. "Sobre a
fé em tudo o que eu diria", ele replicou. "E sobre o que mais?"
"Sobre o poder de perdoar os pecados e abrir e fechar o céu".
Emanuel Swedenborg 135

_________________________________________________
Indaguei-lhe então o que sabia sobre o Senhor, as verdades da fé,
a remissão dos pecados, a salvação do ser humano e o céu e o
inferno, e descobri que dificilmente sabia alguma coisa e estava
na escuridão e na falsidade sobre todas e cada uma dessas coisas;
e nele não havia senão a cobiça de enriquecer-se e de dominar,
que contraíra no mundo e trouxera consigo; portanto eu lhe disse
que, como fora impelido por essa cobiça a vir a esse lugar, e
sendo tal quanto à doutrina, não pudera, entre os espíritos dessa
terra, ter um outro efeito do que retirar a luz celeste e trazer as
trevas do inferno, e fazer, por conseqüência, que entre eles o
inferno dominasse e não o Senhor. Além disso, era hábil em suas
seduções, mas estúpido quanto às coisas que concernem ao céu;
como tal fosse esse espírito, em seguida, foi precipitado no
inferno. Foi assim que os espíritos dessa terra foram liberados
desses missionários.
173. Os espíritos dessa terra disseram-me também,
entre outras coisas, que esses estrangeiros que eram, como foi
dito, espíritos-monges, fizeram tudo o que lhes foi possível para
persuadi-los a viverem juntos em sociedade e não separados e
isolados. Com efeito, os espíritos e os anjos habitam e coabitam
do mesmo modo que no mundo; os que, no mundo, habitaram em
nossa sociedade, habitam também em sociedades na outra vida;
e os que habitaram separados por casas e por famílias, habitam
também separados na outra vida. Esses espíritos, quando viviam
como seres humanos em sua terra, habitaram separados, casa por
casas, famílias por famílias, e nações por nações e, por
136Terras no Universo

conseguinte, ignoravam o que era habitar juntos em sociedade.


Por isso, quando lhes disse que esses estranhos os tentavam
persuadir com a intenção de governá-los ou de dominá-los e que
não tinham outro meio de subjugá-los e escravizá-los,
responderam que ignoravam completamente o que é comandar e
dominar. Notei que fugiam só pela idéia de controle e de
dominação, porque quando mostrei a um deles, que nos
acompanhou na volta, a cidade onde eu morava, logo que a viu
se pôs em fuga e não apareceu mais.
174. Tive então uma conversa com os anjos que estavam
junto a mim sobre governos. Há dois tipos de governos: um do
amor ao próximo e outro, do amor de si. O governo do amor ao
próximo existe entre os que habitam separados por casas,
famílias e nações; e o governo do amor de si, entre os que
habitam juntos em sociedade. Entre os que vivem separados por
casas, famílias e nações, o governo pertence ao pai da nação e
abaixo dele aos pais de cada família, abaixo dele aos pais de
cada casa. Chama-se pai da nação aquele de quem se originam as
famílias e as casas das famílias; mas todos aqueles governam por
um amor tal como é o de um pai para com seus filhos; cada pai
ensina-lhes como devem viver, faz-lhes o bem e, tanto quanto
pode, dá-lhes do seu; e nunca lhes vem à mente subjugá-los
como súditos ou como criados, mas ama o que lhe obedece como
os filhos a seu pai; e como esse amor aumenta na descendência,
assim como se sabe, disso resulta que o amor de que age o pai da
nação é mais interior que o do próprio pai cujos filhos são de
descendência imediata. Tal é também o governo nos céus,
porquanto tal é o governo do Senhor, pois o governo do Senhor
procede do Divino Amor para com todo o gênero humano. Mas o
governo do amor de si, que é oposto ao governo do amor ao
próximo, começou quando o ser humano afastou-se do Senhor,
pois tanto o ser humano não ama e não adora o Senhor, quanto
ama e adora a si próprio e também ama o mundo. Então, pela
necessidade de colocar-se em segurança, as nações com suas
famílias e casas ajuntaram-se e estabeleceram reinos sob
diversas formas. Com efeito, tanto cresceu esse amor quanto
também aumentaram os males de todos os tipos, como as
Emanuel Swedenborg 137

_________________________________________________
inimizades, as invejas, os ódios, as vinganças, as crueldades e as
trapaças contra todos os que criavam obstáculos a esse amor,
pois do ego, em que estão os que estão no amor de si, não pode
brotar senão o mal, visto que o ego do ser humano não é senão o
mal e porque o ego, sendo mal, não recebe o bem do céu, donde
resulta que o amor de si, quando reina, é o pai de todos esses
males(58). E, além disso, esse amor é tal que rompe assim que lhe
afrouxam as rédeas, a ponto de cada um querer possuir todos os
bens dos outros; e nem isso é o suficiente, quer mesmo dominar
sobre o céu inteiro, como se pode ver pela Babilônia de hoje. Tal
é, pois, a dominação ou governo do amor de si, de que tanto
difere o governo do amor ao próximo quanto o céu difere do
inferno. Mas embora um tal governo do amor de si exista nas
sociedades ou nos reinos e nos impérios, há contudo um governo
do amor ao próximo, mesmo nos reinos e impérios, entre os que
são sábio pela fé e pelo amor a Deus, pois eles amam o próximo.
Estes, mesmo nos céus, habitam distinguidos em nações, famílias

58
O ego do ser humano, que contrai de seus pais, não é senão um mal denso, Nos 210,
215, 731, 874, 876, 987, 1047, 2307, 2308, 3518, 3701, 3812, 8480, 8550, 10283, 10284,
10286, 10731. A característica do ego do ser humano é de preferir amar-se a si do que
amar a Deus, e de amar o mundo do que amar o céu, e de não fazer caso algum do
próximo em relação a si, senão somente por causa de si mesmo, assim, a si próprio; por
isso, o ego do ser humano é o amor de si e do mundo, Nos 694, 731, 4317, 5660. Do amor
de si e do amor do mundo, quando predominam, provêm todos os males, N os 1307, 1308,
1321, 1594, 1691, 3413, 7255, 7376, 7488, 7490, 8318, 9335, 9348, 10038, 10742. Esses
males são o menosprezo pelos outros, a inimizade, o ódio, a vingança, a crueldade, a
trapaçaria, Nos 6667, 7370, 7373, 7374, 9348, 10038, 10742. E desses males provêm toda
falsidade. Nos 1047, 10283, 10284, 10286.
138Terras no Universo

e casas, embora juntos em sociedades, mas de acordo com as


afinidades espirituais que pertencem ao bem do amor e à
verdade da fé, mas isso, pela Divina Misericórdia do Senhor, será
tratado em outro lugar.
175. Em seguida, indaguei desses espíritos sobre diversas
coisas da terra de onde eram; primeiro sobre seu culto Divino e
sobre sua Revelação. Do culto disseram que as nações com suas
famílias reúnem-se cada trigésimo dia num mesmo lugar e ouvem
sermões; e então o pregador, de um púlpito um pouco acima do
nível do chão, lhes ensina as verdades Divinas que conduzem ao
bem da vida. Sobre a Revelação, disseram que se faz durante a
manhã, no estado médio entre o sono e o despertar, quando
estão numa luz interior ainda não deturpada pelos sentidos do
corpo e pelas coisas mundanas, e então ouvem os anjos do céu
falar das verdades divinas e da vida de acordo com elas; e,
quando acordam, lhes aparece em seu leito um anjo vestido de
branco, que então desaparece repentinamente de seus olhos; e
por aí sabem que o que ouviram veio do céu. A visão Divina é
assim distinguida da visão que não é Divina, pois no caso da
última não aparece um anjo. Acrescentaram que as Revelações
se fazem dessa maneira entre seus pregadores e, às vezes,
também entre outros.
176. Quando lhes perguntei sobre as suas casas,
responderam que eram baixas, feitas de madeira, com um
telhado chato, ao redor do qual existe um beiral oblíquo; e que o
marido e a esposa habitam na parte da frente, os filhos nas
partes adjacentes, as criadas e os criados na parte detrás. Sobre
a sua alimentação, disseram-me que bebem leite com água; e o
leite lhes vem de vacas, das quais tiram lã como ovelhas. Da sua
vida disseram-me que andam inteiramente nus, e não têm
vergonha de sua nudez; e seu relacionamento social se dá com os
que são de sua família.
177. Quanto ao sol dessa terra, disseram-me que
aparece cor de chama aos habitantes; o período de seu ano é de
duzentos dias, e o dia equivale a nove horas do nosso tempo, o
que puderam deduzir da duração dos dias de nossa Terra que
Emanuel Swedenborg 139

_________________________________________________
percebiam em mim; eles têm uma primavera e um verão
perpétuos e, portanto, os campos são floridos e as árvores
sempre se encontram carregadas de frutos. Isso é assim porque o
ano deles é curto, sendo equivalente a somente setenta e cinco
dias do nosso ano; e onde os anos são tão curtos, o frio não se
prolonga no inverno nem o calor no verão, e por isso o solo está
sempre num estado primaveril.
178. A respeito dos esponsais e dos casamentos que se
fazem nessa terra, relataram-me que a filha que se aproxima de
sua idade de casar é mantida em casa e não lhe é permitido sair
até o dia do seu casamento; e então ela é conduzida a uma certa
casa conubial, aonde várias outras moças no mesmo estado
também são conduzidas; e ali elas são colocadas atrás de um
tábua que chega até a metade de seus corpos, aparecendo assim
nuas quanto à sua parte peitoral e à face. Então os jovens ali se
apresentam para escolher uma esposa para si e quando um vê
uma que lhe é conforme, e à qual seu coração o conduz, ele
toma-a pela mão; se, então, ela o segue, ele a leva a uma casa
previamente preparada e ela torna-se sua esposa. Com efeito,
vêem por suas próprias faces se suas mentes estão em harmonia,
pois a face de cada um lá é o índice da mente; ela não finge ou
engana. A fim de que tudo se passe com decência e sem lascívia,
sentado atrás das jovens, encontra-se um ancião e a seu lado
uma mulher idosa, que os observam. Existe um grande número
desses lugares aonde as jovens são conduzidas e há também
épocas marcadas para que os rapazes façam sua escolha, pois se
140Terras no Universo

num lugar não encontram uma jovem que lhes seja conforme,
vão a um outro; e, se não a encontram numa ocasião, voltam na
seguinte. Ainda mais: disseram-me que um marido não tem senão
uma esposa e nunca várias, porque isso é contra a Ordem Divina.

FIM


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