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eli Corti vanguarda eet Bs DARCI KUSANO 6 esquisadora de ‘Teatro Japonés @ autora de O que 6 Teatro Nb (rasiliense) e Os Teatros Bunraku @ Kabuki: Uma Visada Barroca (Perspectiva). Palos peters em 1995,na Unweresage de Sto Pao, ‘0 Canto Universtirio Mars ‘Atonia, ns camp! ce Bars, Pracicabs, Riberdo Pr Sto Carlos © Prassununga, ‘acompannando & mostra Iinerante “mages da Cons! Exposipao de Cartazes do esutosh Hanaga tora de Cutura 6 Extensso Universiéra da USP). Ako (tant Jo Takanasn’e ico ‘Okano (FundagdoJapto), Lue Hanada (Alanga cura ‘hapdo),Consulace Goal Sapdo,&repéter Goa Abe 0, (Didrio Nippat) « & prota icko Yanga REBELIAO DO CORPO (1968) - BUTO DE TATSUMI HIJIKATA. j | g 4 ‘ : 7 i SOTOBA KOMACHI(A CENTESIMA NOITE), NO MODERNO DE YUKIO MISHIMA. ENCENAGAO DA COMPANHIA BUNGAKU-ZA, SOB A DIREGAO DE TERUKO NAGAOKA. - A primeira figura de vanguarda artistica no Japfio pos-guerra nuclear foi indubitavelmente Tatsumi Hijikata (1928-86), ocriador do ankoku buté (“dan- gadas trevas”)(1),cujahist6ériacomega na primavera de maio de 1959, como hoje lendario Kinjiki (Cores Proibidas). Ritual de danga herética, com o titulo homénimo do romance de Yukio Mishima, é um retrato brutal do mundodos homossexuais,onde um rapaz, interpretado por Yoshito Ono, filhode Kazuo Ono, sobrevive a violéncia de um velho prostituto. Instigado por esse espetaculo inusitado de buid, no >a = WH = SL = 1 Tatsuri Hikata Butoh fie Fstiva’93, no Asbestoxan ‘0m Téauio, novembre ede: ‘tombe do 1009, og Me wolgang Pannek, ConroCuturalS8e Paulo, abe do 1995. 2 1988 - Cinquentenéro dos langamentos das bombas ‘somicas om Hiroshima Sc ‘agosto do 1048) oNagasak’ (9100 agosto de 1945), 3A Placo Caled Hiroshima. (Texode Baty Jeantitone fotorde Exo e808). Toqu9 ‘© Nova York, Kedansna Intemational, 1965. Entreve- ‘a concedde porHosoe a2 de dozombro de 1999, no sou estico ftogrco om Yessuya, Téqul, 140 um acontecimento antes nunca visto nos palcos japoneses, com o sangue de uma ga- linha branca trucidada jorrando por todos oslados,ofotdgrafo Eiko Hosoe (1933) toma comomodelos Tatsumi Hijikata e membros de sua trupe e cria a série Otoko to Onna (Homem e Muther), 1959-60. Esse “teatro fotogréfico” descreve graficamente, com gestos er6ticos e iconoclastas, cenas de con- fronto fisico ¢ emocional entre os dois sexos,Ainda em 1960, Hosoe langa seu fil- me experimental Heso to Guembaku (Um- bigoe Bomba Atomica), abordandoum tema caro aos japoneses: mexer com a bomba atémica (2) € mexer nos umbigos, corddes umbilicais das criangas, ceifando as fontes primarias da vida. Hosoe declara que os de sua geragao consideram a bomba at6mica uma ameaca ainda mais assustadora do que a propria Aids, pois pode dizimar milhares de pessoas de uma s6 vez. Daf a freqtiéncia ‘com que voltam a esse tema, tanto no seu livro A Place Called Hiroshima (Um Lugar Chamado Hiroshima) (3), como no filme Kuroi Ame (Chuva Negra), do cineasta Shohei Imamura, . Portanto, essa evolugao do buté nio ocorreu isoladamente, mas concomi- tantemente a experimentagdes na fotogra- fia, cinema, teatro, artes plasticas, musica e movimentos de contestagao politica e ideo- l6gica. A maioria da notavel primeira geragio de teatro contemporaneo japonés partici- pou na juventude da grande manifestacao antiamericanaemjunhode 1960, Ampo 1960 (Tratado de Seguranga Miitua Japao-Esta- dos Unidos). O seu subsequente fracasso culminou na revolta dos estudantes em 1968-69, embarricados no Auditério ‘Yasuda da Universidade de Téquio. E a exemplo de Tadashi Suzuki (1939), muitos deles congregavam em torno da Universi- dade Waseda de T6quio, como: Minoru Betsuyaku (1937), Shdji Terayama (1935- 83), Kunio Shimizu (1936) e Makoto Sato (1943); asexcegdessendo YukioNinagawa (1935), que teve uma educacdo indepen- dente, Shogo Ota (1939), da Universidade Gakushdin, e Juré Kara (1940), formado pela Universidade Meiji. Todos nutriam um desejo selvagem de mudar a situago do teatro japonés entao existente. ‘Com oadvento da Era Meiji (1868-1912) ea abertura dos portos as nagdes de todo o TEVISTA USP, SHO PAULO (27) mundo, pondo fim ao sakoku, politica de segregacao nacional que manteve o paisiso- lado doresto domundo por quase dois sécu- os e meio, o Japao, que se julgava bastante atrasadoem relagao.ao Ocidente, quisatodo custo se modernizar, o que, em tiltima ins- Lancia, queria dizer se ocidentalizar. Para tal, procurou se livrar de todo o seu passado de tradigao artistica, passando a copiar 0 Ocidente. Com 0 teatro nao poderia deixar de acontecer 0 mesmo. No inicio do século XX, enquanto os homens de teatro euro- peus, para superar a dramética aristotélica vigente, vao procurar inspiragao nos teatros orientais - Claudel e, mais recentemente, Grotowski, no teatro nd; Artaud, no teatro balinés; Brecht,no teatrochinése principal- mente nord -, os japoneses vio renegar todo oseu teatro tradicional, que julgavam deca- dente. Com a novidade do realismo e a cri- ago do shingueki, dramamoderno de influ- éncia ocidental, temos pela primeira vez no Japaoum teatrobaseadoexclusivamentenos didlogos, pois até entdo nos teatros nd e kabuki havia também a musica e a danga,e no bunraku (teatro de bonecos), anarrativa joruritinha 0 acompanhamento musical do shamisen. A partir de entZo, nas montagens das tradugdes de Shakespeare, Ibsen, Gorki, Chekov, Strindberg, Tennessee Williams, Arthur Miller, os atores de shingueki usa- vam perucas ou tingiam seus cabelos, com Yestudrio ¢ interpretagdes que procuravam imitar fielmente seus modos ocidentais. contra tudo isso que vaise insurgir a primei- ra geragao de teatro contempordneo japo- nés. Tadashi Suzuki, lider e diretor do Scot (Suzuki Company of Toga), jé esteve entre néscomaaclamada encenagao de Dionysus, uma adaptacao das Bacantes de Euripides, no Parque da Independéncia, defronte a0 Museu do Ipifanga de S4o Paulo, em maio de 1993 (4). Suzuki comega com teatro uni- versitério e, em 1961, juntamente com o dramaturgo Minoru Betsuyakueoator Ono, cria o Jiy Butai (Palco Livre). No ano seguinte, encenam o drama de Betsuyaku, Z6 (O Elefante). J4 no progra- ma dessa produgao, Suzuki assinala a novi- dade da escritura de Betsuyaku, pois o rit- mo ¢ 0 tempo da linguagem japonesa so um pouco diferentes. O Elefante no abor- da assunto relacionado a elefantes, nem 136-151, SETEMBRO/ MOVEMBRO 1995 aparece elefante algum durante todootrans- correr da pega, Mas assim como o elefante, uma espécie em extingdo, trata do dilema universal dasobrevivénciadohomemnaera nuclear, ao enfocar um invalido que sofrera osefeitos da bomba atomica de Hiroshima. Para recuperar a identidade e salvar a sua histéria da morte em massa, registrada sim- plesmente em ntimeros pelos jornais, o in: Vélido sentia orgulho em exibir a sua enor- me cicatriz de queldide nas costas para as multiddes na cidade ou em passeatas contra abomba atémica, Assim também em Match-uri no Shdjo (A Pequena Vendedora de Fésforos), dra- ma de Betsuyaku inspirado no conto de Andersen e encenado em 1966, na Toquio devastada do Japao pés-guerra, para sobre- viver, enquanto o cliente acendia o fésforo, ameninadeseis anos levantavaasuasainha para mostrar as suas partes sexuais. Em ambos os casos, a alienacao irredutfvel do ser humano expressa através de um exibicionismo insensato. Influenciado por Ionesco, Kafka e so- bretudo Samuel Beckett, Betsuyaku vai se tornar, posteriormente, 0 criador do teatro do absurdo japonés, escrevendo pecas metafisicas, com rafzes profundas no solo nipnico, por vezes com humor negro, mas sempre numa linguagem serena, concisa ¢ extremamente polida, Comoem Nishimuku Samurai (O Samurai que Encara o Oeste), de 1977. J4.em 1966, ao conseguirem um recinto para trupe, localizado naruazinhadefron- te A Universidade Waseda, Suzuki, Betsuyaku, Ono e Tatsuo Takahashi mu- dam o nome do grupo para Waseda Shoguekijo (“Pequeno Teatrode Waseda”), montandosucessivamente pecas do préprio Betsuyaku, Makoto Sato (Meus Beatles, 1967) e Jur6 Kara (Méscara de uma Jovem, 1969). Com a safda de Betsuyaku em 1968, Suzuki passa a adotar o sistema de colagem dramatica, com fragmentos de cenas famo- sas dos teatros ocidental e japonés, Logo produz a série Guekiteki Naru Mono o Megute I, I, III (Sobre as Paixdes Dramd- ticas 1, H, HI), de 1969 a 1970. Particular- mente importante é Sobre as Paixdes Dra- ‘méticas 11, subintitulada “Show de Kayoko Shiraishi". Num cenérioconstituidodeshoji (anteparos de papel) meiodilacerados,uma HEVISTA USP, SO PAULO (27): 198-151 velha louca (Shiraishi) se encontra confina- da num quarto atada com cordas; sua filha dé-lhe os cuidados elementares. Ela rememora algumas cenas vistas no teatro, ou lidas, e, na sua fantasia, interpreta esses papéis das figuras mais patéticas do teatro japonés. A pega comega com um didlogo dos mendigos Estragone Vladmirem Espe- rando Godot, de Beckett, seguido de extra- tos de duas pegas de Namboku Tsuruya, dramaturgo “maldito” de kabuki Sakurahime Azuma Bunshd (A Princesa Sakura de Edo), com 0 bonzo Seiguen (Shiraishi), que quer se suicidar com a prin- cesa Sakura, e Sumidagawa Hana no Goshozome. Depois, enquanto esta a se lembrardacenadeseparagZode umagueixa um jovem universitério, em um popular melodrama de shimpa (5), Onna Keizu (A Linhagem de wma Mulher),deKyOkalzumi, subitamente transforma-se na gueixa hero- {na. Por fim, um trecho de um romance do mesmo autor: Bakeitché (A Arvore de ItchO Assombrado). Paixdes que ela nunca pode viver em vida e ressentimentos de um ar- quétipo de mulher japonesa explodem com fairia assustadora nesse mundo imaginério. Suzukiadotaascolagensdramaticasnao como parddias de cenas célebres do teatro universal, mas para fazer uma releitura da linguagem teatral, tendo por base 0 corpo do ator. Como ele declara no posfacio de Sobre as Paixdes Dramaticas 1, 0 que ele queria “ndoera dirigir textos teatrais, maso corpo e, no extremo, pode-se dizer dirigir totalmente uma pessoa humana”, a atriz Kayoko Shiraiki, uma presenga feroze mis- tica no palco, considerada, entdo,areencar- nagao de Okuni, criadora do teatro kabuki. Em 1974, na encenagao de As Troianas, baseada na tragédia de Euripides, paralela- mente & estrutura da derrota na guerra de ‘Tréia, Suzuki reconstréi o drama do Japao pés-guerra, empregando todos os estilos de atuago do teatro tradicional japonés, em sua ordem cronoligica, desde o sarugaku, que precede 0 nd, até o shimpa, acompa- nhados de mudangas correspondentes no vestudrio e acess6rios de palco. Os lamen- tos das troianas procurando algum signifi- cado nas rufnas justapdem-se aos lamentos da ancia-mendiga (Shiraishi), na Téquio devastada, com uma procura semelhante para o seu destino e o do seu pats. Acreditando que o teatro € uma criagio SETEMBRO/ NOVEMBRO 1995 4 DenysusdgdoporTadaeh ‘Suzus- Promopdo conjur- ta da Fundagdo Japto © ‘Sesc-Sho Pasio, 5 Shimpa-ararmente-Onos ‘Now OUESco1aNOW, cue ‘qura um teavo neve, em oposigdo wo abut race tonal claimant, dater- 6 T. Suzuki Enrovista conce- ida aos protessores lan Carers Norman Price no Playbox Theater de Mor ours (Australia) a3 de utube de 1094 7 Ider, 142 coletivadosatores, Suzuki desenvolveoseu singular “método Suzuki” de treinamento teatral. Uma volta as origens do ato teatral, com umarevitalizacaodas possibilidades dos tradicionais nd e kabuki, a esséncia do dra- ma japonés, submergida pela influéncia dominante do teatro ocidental que, com a ascenstio do realismo e naturalismo no fim do século XIX, perdera o contato com as suas proprias tradigdes de atuagdo, Quase agachados, acocorados, os passos deslizantes (Suriashi) eas batidascom ospés (ashibydshi) expressam a afinidade e comunicagao com © solo, a terra; e tudo acompanhado de mésica ritmica bastante elevada, O objetivo 6 a concentragio do corpo através do con- trole da respiracdo. A manutengio de uma clevada energia fisica e vocal para atuar nos papéis mais dificeis, sob uma grande pres- so, com a graca eo a-vontade de um atleta profissional, Depois do workshop a tarde no Sesc- Anchieta, no percurso de Onibus, entre 0 Sesc e o Parque da Independencia, local de encenagao de Dionysus, logo mais & noite, saboreando os o-bent6 (lanches), os atores do Scot nos indagavam com curiosidade sobre a repercussao nas personalidades te- atrais e artisticas brasileiras presentes ¢ nos confidenciavam que olongo e arduo treina- mento do método Suzuki ¢ incomparavel- mente muito mais estafante do que uma atuagdo inteira num espeticulo de duas ou trés horas. Portanto, para Suzuki, em termos de teatro, “vanguarda nao é criar algo tota mente novo ¢ estranho, Em ultima instan- cia, é a reforma da tradigao. E uma revolu- ‘sdobaseadana tradigio” (6). Eenfatiza que a sua proposta é diferente do que os funda- dores do butd, Tatsumi Hijikata e Kazuo Ono, se propuseram a fazer: “Os primeiros fundadores de buto nham treinamento em balé classico. E hi essa tradicao de ocidentalizagio na Era pés-Meiji e que existe também no mundo da danga japonesa. Quando eles perceberam que o bale classico era ina- dequado, almejaram criaruma forma de danga moderna, que fosse realmente apropriada ao Japao. O problema era que, como nao havia uma tradicao nati- va de danga na qual 0 buté pudesse se fundamentar, 0 ataque sobre a influen- REVISTA USP Sho rauto (27) cia do balé classico nao foi sistematico e nao foi baseado numa metodologia. Portanto, a imagem projetada foi sim- plesmente a de uma rebeliao contra a influéncia ocidental” (7). Ométodo Suzuki, porsua vez, procurou além da critica as influéncias ocidentais, revitalizar a tradico teatral japonesa. ‘Mas Suzuki nao € tradicionalista como Yukio Mishima (1925-70), que venerou e procurou preservar a tradigao japonesa como tal, Aos treze anos de idade, Mishima ¢introduzidono teatro kabukipelasuancu- rética av6 paterna, Natsu, uma aficionada de kabuki, que o levara ao Kabuki-za para assistir auum dos mais famosos dramashist6- ricos, Kanadehon Chitshingura (A Vingan- ¢a dos 47 Vassalos.Leais), onde, entre extasiado e surpreso, 0 garoto vé a atuagio de um onnagata (ator intérprete de papéis femininos) pela primeira vez, Nesse mesmo ano, asuaavé materna que aprendiaocanto de né do estilo Kanze, por competicao, 0 leva a assistir 0 né Miwa. Doravante, Mishimatorna-seum prisioneirodessasduas tradicionais expressdes cénicas japonesas, assistindo mensalmente aos espetaculos de née kabuki. De 1950 a 1962 escreve o céle- bre Kindai Nogakuskii (Pecas de No Mo- demo), lapidando algumas j6ias como Aoi no U6 (A Dama Aoi) e Sotoba Komachi(A Centésima Noite);ede 1951 41969, oitopegas de kabuki. Prolifico, nao apenas enquanto roman- cista, mas também como dramaturgo, além de pegas de shingueki (drama moderno), shimpa (Escola Nova), musicais e roteiros para rédio, Mishima apresenta uma produ- do relativa ao teatro tradicional japonés, que vai dos seus 25 anos a um ano antes de sua morte, em 1969, com a dramaturgia e diregdo de Chinsetsu Yumihari Zuki (Lua Crescente:as Aventuras de Tametomo).Um drama histérico de kabuki, inteiramente escrito nos moldes tradicionais, uma rara proczanomundode hoje,e quecontoucom um péster sensacional de Tadanori Yokoo, 0 criador do estilo psicodélico e do pop-art japoneses. Quantoaspecasescritasparaoshingueki, 0 teatro de Mishima é um teatro da fala. Assim, enquanto o shingueki, drama mo- derno influenciado pelo teatro ocidental, privilegiava 0 texto, a atitude de Suzuki de 138-151, SETENBRO/ NOVEMBRO 1995 énfase nos corpos dos atores, como no nde kabuki,vaiser compartilhada por ShogoOta eJuré Kara. Shogo Ota, lider, dramaturgo, ensaistae diretor da trupe Tenkei Guekij6 (Teatro da Transformagao), fundadaem 1970 com Toru Shinagawa, no inicio de suas atividades tea- trais, também dirige pegas de kabuki, como Shinpan Yotsuya Kaidan (Nova Versao do Conto dos Fantasmas de Yotsuya), de Tamotsu Hirosue, em 1964, Sakurahime Azuma Bunsho (A Princesa Sakurade Edo), de Namboku Tsuruya, em 1970. ‘Nasua primeira apresentagao no exteri- or com a sua pega Kiga no Matsuri (Festival da Fome), em 1975, a trupe vé-se colocada diante de um impasse num mundo onde as palavras nao funcionavam, pois os poloneses no compreendiam ojaponés, Hé asensago de fracasso total e a necessidade urgente de procurar uma teatralidademais universal. De volta ao Japao, produz Komachi Faden (A Lenda de Komachi), originalmente escrita para ser encenada num palco de nd e que estréiaem 1977,numpalcodenddobairrode Kagurazaka em Téquio, Dois meses antes da estréia, ao ensaia- Tem no despojado palco de nd, as falas ino- portunas proferidas pela ancia foram “su- ‘mariamente chutadas, por serem muito su- perficiais". Ota afirma que as falas seriam compreensfveis num contexto cultural da- quia dez, no m4ximo trinta anos. Para atin- gir um nivel mais profundo, foi enxugando as falas até que, no ensaio final, a ancia pra- ticamente nao falava mais nada, as palavras restavam em sua mente. S6 os seus vizinhos € suas visitas, 0 médico, a enfermeira e 0 proprietério, falam. A Lenda de Komachi comega com uma lentidaosurreal. A ancid Komakolevaquin- ze minutos para caminhar do hashigakari (passareladond) atéocentrodopalco. Todas as personagens principais do nd entram e saem através do hashigakari, um espago neutro, no man’s land entre a realidade ea ilusdo. E, com isso, arrastam 0 piblico para ‘0 seu mundo ilus6rio Portanto, onde quer que a pega (A Lenda de Komachi) seja en- cenada, deve-se tentar criar as caracteristi- as espaciais de um palco de nd. Tudo se passa no apartamento da ancia, inteiramente montado diante dos especta- dores, pelos atores que transportam nas costas as paredes divisGrias (shdji), os armé- REVISTA USP, SAO PAULO (27) rios, e tudo transcorre durante o café da manh, enquanto a ancid prepara e come o seulamen (macarraoinstantaneo).Segundo Ota, a fungdo comunicativa das palavras é¢ muitolimitada. Dafanecessidade de tiraros ‘excessos, afiar as palavras para aproximar- se da esséncia humana. Investigar o signifi- cado do “oésis do siléncio” como um meio para perceber a realidade da linguagem, numa sociedade saturada de informagaio verbal, “A herofna, uma ancia, permanece si- Ienciosa durante toda a pega. Pode pare- cer estranho escrever um texto para um papel mudo, mas eu creio que é impor- tante lembrar que nossas palavrase nos- sos pensamentos nem sempre correspondem forgosamente. E nosso silencio nem sempre significa que este- jamosvaziosinteriormente. Euachoque esta atitude lingiifstica contraditéria ¢ assaz normal e€ 0 que eu quis expressar em Komachi Faden” (8). A partir de entdo, observa-se grande parte de siléncio nas pegas de Ota, que vai culminar no extremo dos dramas sem pala- vras, a trilogia das pegas do “Teatro do Si- léncio”: Mizu no Eki (Estagao da Agua), 1981; Chino Eki (Estagao da Terra), 1985;¢ Kaze no Eki (Estagao do Vento), 1986. Na Estagao da Agua, 0 cendrio consiste unica- mente de uma torneira quebrada,com 4gua escorrendoininterruptamente durante todo © espetaculo. A vida didria das pessoas 6 descrita através de corpos silenciosos, que param para beber agua dessa torneira que- brada, numa estrada que se dirige a lugar nenhum.Antes de desfazer 0 Tenkei Guekij6, em fins de 1988, Ota decide pro- mover o Last Stage, reencenado trés desuas pegas: A Lenda de Komachi, Estaco da Aguac Feriado da Agua (Mizu no Kyéjitsu). A Lenda de Komachi estava programada paraodia1°de outubrode 1988, as 19horas, no paleo de nid em Hibiya City. Poré-n, d vido ao agravamento da doenga do impera- dor Hirohito, como 0 local ficava préximo aopalécioimperial, foi proibidae transferida para as 20 horas dessa mesma noite, no Sttidio T2 da trupe, no subtrbio em ‘Hikawadai, Mas valeu a pena o transtorno da correria, com um mapa na mao, para tentar localizar o antigo depésito, todo pin- 138-151, SETEMBRO/ NOVEMBRO 1995 18 Snog0Oia, Toxoparaasore- jontagtio de Komachi Fira, que consta ro pro- sapon « aux sue 987" 143 tadodepretoe transformado em teatropara duzentos espectadores, onde construiram aprtessadamente um protétipo de palco de ‘nd. Superapinhado, com muitos estrangei- ros que ndo queriam perder a oportunidade de assistir & tiltima produgao da trupe, foi seguramente 06 contemporaneo mais fas- cinante que j4 vi até hoje. O longo silencio e a lentidao surreal do infcio criavam uma tensio dinamica nos espectadores e entre palco/platéia, introduzindo-nosnaatmosfe- Ta magica de um espetéculo de nd; nao tra- dicional, mas entremeado de muito humor, ois logo se ouviam 0s risos, ao presenciar- mos as parédias aosom de La Vie en Rose e enkas (baladas populares japonesas).Ao conhecer Ota, que viera dar aulas de teatro na Universidade Waseda, em 1989, nada diria que esse ex-jogador de basquete na Universidade Gakushtiin fosse o autor des- se nd eletrizante sobre uma ancia centen4- ria. Mas Ota nasce em Jinan, na China con- tinental, pois o pai era engenheiro de estra- das barragens. ApésaderrotadoJapaona guerra, érepatriado com os pais. E no cami- nho de volta, na China, o menino de seis, anos vé uma coisa decisiva. As centenas de japoneses retirantes caminhavam em filas, numa estrada longa, sem fim, transportan- do cargas pesadas e fitando o horizonte. ‘Aos poucos, iam se desfazendo das malase perdendo as expressdes. No final, para so- breviverem, tiveram que jogar fora tudo o que haviam acumulado com tanto zelo. Despojar-se do supérfluo para manter 0 essencial, numa atitude semelhante ao nd, teatro das esséncias. Assim como Suzukijanosanos80come- gara a dirigir pecas em versdes bilinglies (Cliternnestra, Rei Lear)e,maisrecentemen- te, nos anos 90, 0 Dionysus, empregando atores estrangeiros, numa procura de uma lingaguem teatral internacional, sem fron- teiras, ao ser designado diretor artistico do Centro Cultural de Fujisawa, em 1990, Ota passa a fazer treinamento e encenar pegas com estrangeiros no seu elenco, inclusive dois brasileiros. Mas se por um lado, Suzuki impoe um treinamento teatral rigido aos seus atores, codificado no seu “método Suzuki”, como oskata (“formasde atuagio”)dondekabuki, transmitidos de geragio a gerago, Ota, por sua vez, incita os seus atores a fazerem 0 méximo deesforgo para que seus movimen- REVISTA USP Sho Pauio (27) tos ndo se transformem em kata, formas de atuagao estabelecidas. J4Jur6 Kara, lider da Tenda Vermelha, vai basear todo 0 seu teatro na concepgao do corpo privilegiado. “Ble deviase inspirar,paraaformulagao de sua concepsao do corpo privilegiado, naexperiénciado dangarinode vanguar- da Tatsumi Hijikata ¢ de todo seu pro- cesso de desconstrugdo-glorificagaio do corpo dangante. O corpo privilegiado de Kara nao avulta de um simples exibicionismo de corpos pitorescos ou deformados, nem de um narcisismo de belos corpos apolineos. E uma tomada de consciéncia muito aguda da parte da vergonha, do ressentimento e da dor fi- sica do corpo exposto ao olhar do outro €, porisso mesmo, 0 jogo docomediante deve fundir sua dindmica sobre essa ex periéncia de alienagdo do corpo” (9). Apésexerceroteatro universitério, Kara estabelece, em 1963, a trupe Joky6 Guekijo (teatro dasituagdo), assinalando a nogaode contextualidade de todo ato teatral, e es- tréia com a pega de Jean-Paul Sartre, A Prostituta Respeitosa, tema de sua tese de formatura na Universidade Meiji, Drama- turgo, diretor e ator, logo comeca a encenar suas préprias obras, de infcio em salas de teatro comum, depois ao ar livre e,em 1967, foio primeiro no teatro contempordineo ja- ponés a adotar, como nas feiras de antiga- mente,umatenda, vermelha,hexdgona, tre- mulando ao vento, libertanto-se, assim, dos limites impostos pelos edificios teatrais. Fincada nos recintos do Santuério Hanazono, no bairro de Shinjuku, em To- quio, a tenda nao comportava mais que cem espectadores, que se sentavam sobre os tatami (esteirasde palha) jogadosdiretamen- te sobre 0 solo. As instalagoes técnicas de som e iluminagdo eram insuficientes, com um miserabilismo material deliberado para © cendrio € vestudrio, caracteristicas estas mantidas até hoje. Expulsos do santudrio por um comité do bairro, numa atitude se- melhante & da Associacao das Senhoras de Santana, bairro de $40 Paulo, a Tenda Ver- melha muda-se para a praca piblica diante da entrada oeste da estagdo de metro Shinjuku, onde Kara e alguns atores aca- bam sendo presos. Dafa designagao de Aka 138-151, SETENBRO/ NOVEMBRO 1995 Tento (Tenda Vermelha) com que a trupe passa a ser popularmente conhecida. Em 1969, com sua mulher, a atriz Ri Reisen, ao fazer sua primeira turné de dois meses através do arquipélago japonés, in clusive Okinawa, locomovendo-se num ve- lhocaminho,aTenda Vermelhacomegava aquebrar a enorme centralizagao cultural do Japao, com os grupos de teatro contem- pordneo baseados em Téquio, E o mesmo sentimento que vai levar Tadashi Suzuki, em.1976, a escolher como sede de sua trupe apequena Vila Toga,cercadademontanhas verdejantes, na distante provincia de ‘Toyama, onde desde 1982 promove anual- mente no vero o Festival Internacional de Artes de Toga. Dele jé participaram convi- dados ilustres,comoTadeus Kantor,oproto doteatrode vanguardacontemporaneo,Bob Wilson, 0 Grupo Macunafma, de Antunes Filho e 0 dangarino Ismael Ivo. ‘Com essas proezas, Kara pretendia fa- zer um “teatro de mendigos”, retornando desse modo a situagao original do teatro popular no Japao: o nascimento do kabuki, no inicio do século XVII, quando seus ato- res eram designados pejorativamente de “mendigos das margens do rio” (kawara- kojiki) ou “extravagantes” (kawaramono), pois viviam em condig6es precérias, como pirias da sociedade, podendo atuar somen- te nas margens dridas do rio Kamo, em Kyoto, érea comum a todos os marginais, manipuladores de bonecos, artistas e exclu- {dos em geral. A partir de entdo, até hoje, mesmo de- pois de dissolver 0 JOky6 Guekijé e fundar uma nova trupe, o Kara-Gumi (Grupo do Kara),em1987,ej4ser um homemde teatro eromancistaconsagrado,amarginalidadee © nomadismo vao constituir a base do seu teatro. Emborasuas pegassejam, por vezes, produzidas nos teatros Imperial, Nisei, Shimbashi Embuj6, e ele mesmo atue em teatros comerciais, nas encenagdes de ou- tros diretores, quando monta seus proprios espetdculos, o faz freqiientemente na tenda vermelha. Eenquantoos Iideres das demais companhiasteatraissempre buscarameain- dacontinuam a procurar o reconhecimento de seus talentos na Europa ¢ Estados Uni- dos, Kara escolhe a Asia e 0s paises do Ter- ceiro Mundo, como podemosconstatar pelo seu itinerdrio de apresentagdes no exterior: Coréia do Sul, quando ainda ndo-desenvol- vida, Bangladesh, Palestina e o Brasil, em 1980, com a encenagao de Onna Cyrano (Cyrano de Bergerac como uma Muther). Porta-vozdos dssidentes, seuteatrofran- camente andrquico, satirico,tem por alvoas classes dirigentes do Japao pés-guerra e contempordneo, expressando-se através de uma linguagem semelhante a dos posteres pop-art de Tadanori Yokoo, que criara os cartazese cendriosdemuitaspecassuascom um humor direto e rapido, quase violento, Assuas primeiras pecas so surrealistas, enfocando figuras simbélicas da mitologia populardo Japaocontemporéneo.Em Shojo Kamen (Mascara de uma Jovem), de 1969, dirigida por Suzukieencenadapelo Waseda ShOguekijo, uma supervedete de Takarazuka (opereta feminina), {dolo sa- grado das mocinhas japonesas, interpreta Heathcliff do Morro dos Ventos Vivantes;e em Kydtketsuhime (A Princesa Vampira), a heroina de filmes melodraméticos dos anos 306interpretada por umtravestisui-generis, Shimon Yotsuya. Assim como em Edo (antiga Téquio), havia a segregagao dos prost{bulos no bair- rode Yoshiwara, e dos edificios teatrais,no de Saruwaka-cho, a Tenda Vermelha via-se ‘com o estigma de espago proibido, maldito, exclufdo do espago sagrado dos templos santudrios e do espago profano da socieda- de. Masdecorridas duas décadas, atualmen- te, o Kara-Gumi jé conquistou o direito de se apresentar regularmente com sua tenda vermelha tanto nos recintos de santudrios e templos, como em pracas puiblicas e terre- nos baldios em suas turnés por todo o pais. Epara Kara, o teatro e 0s atores continuam a ser entidades privilegiadas, capazes de negar a realidade, o status quo. Se Tadashi Suzuki tem contado com a colaboragao do célebre arquiteto pés-mo- derno Arata Isozaki para a construgao de trés teatros, j4 em 1988, para a montagem dapecade Kara, Sassuraino Jenny (AJenny Andaritha),o arquiteto Tadao Ando criou um enorme teatro mével, uma espécie de torre com 23 metros de altura, no Parque ‘Sumida no bairro popular de Asakusa,em Téquio, com uma imagem nitidamente high-tech. Inspirado na Tenda Vermelha de Kara, Makoto Sato, dramaturgoe diretor do Gru- po 68/71, adota, em 1970, uma tenda negra para a encenagio do musical radicalmente REVISTA USP, SAO PAULO (271: 198-151, SETEMBRO/ OVEMBRO 1995 145 revoluciondrio Tsubasa o Moyasu Tenshitachi no Buto (Danca dos Anjos que Queimam suas Asas), baseado no Marat- Sade de Peter Weiss, com citagdes de Marx Benjamin, eescritoporSatocomacolabo- ragdo de trés outros autores da trupe. Desmontével, a enorme tenda negra, que podiaacomodar até trezentosespectadores, era transportada em duas jamantas de trés toneladas e meia, cujas carrocerias serviam de sustentéculo para a sua elevagao nas tumésportodoo Japao. Desde entio,atrupe passa a ser conhecida como Tenda Negra (Kokushoku Tento). Para Sato, represen- tar em teatros comerciais é colocar 0 siste- ma capitalista entre o palco e a platéia, Na €poca, outros grupos fizeram uso de tendas, mas os que continuaram a usé-las por um longo tempo foram apenas a Tenda Verme- Iha (até hoje) e a Tenda Negra (até 1990). No inicio, em 1966, juntamente com Kazuyoshi Kushida, Hideko Yoshida e 0 dramaturgo Ren Saito, autor do musical de sucesso Shangai’ Vance King, fundam o Jiy Guekij6 (Teatro Livre). Em 1968,estabelece © Centro Teatral 68, rebatizado sucessiva- mente de 68/69, 68/70, até fixar-se no 68/71 Kokushoku Tento (Tenda Negra 68/71), ou simplesmente Kuro Tento (Tenda Negra). ‘Com essa mutabilidade, Sato queria superar etornar-seindependentedosistemade orga- nizagao de espectadores, ren, grupos organizacionais de pubblico de massa, origi- nalmente de esquerda, para produgdes mais. ortodoxas.Sistemaesteadotadoatéhojepelas companhias de shingueki (teatro moderno). A organizagio do pablico da Tenda Negra, a0 contrario, depende do contato direto en- tre 0s membros da trupe e os organizadores locais. O teatro entendido como um movi- mento revolucionério, politico. Na série de cinco versdes sucessivas de Nezumikoz6 Jirokichi (Jirokichi, 0 Rato), 1969-71, Sato rejeita a passividade e propde uma dramaturgia de ativismo. Jirokichi era popular ladrao justiceiro, uma espécie de Robin Hood japonés, que existiu de fato no século XIX. Apelidado de “Rato”, pois cos- tumava afixar uma mensagem “A hora do rato” (meia-noite) nas casas dos ricagos em que iria agir, atacando invariavelmente & meia-noite, cometendo ainda a proeza de distribuir o produto doroubo no mesmo dia entre os necessitados. Tomando por base a pega de kabuki de Mokuami Kawatake, REVISTA USP, SkO PAULO (27) Shiranami Gonin Otoko (Os Cinco Ladroes Notéveis),Satocriacinco Nezumikozos(Ra- tos)-umaprostituta, Jenny, que temessenome por servir os soldados americanos que ocu- pavam o Japao, umator, um romancista, um samurai e um trombadao. Morandodebaixo de pontes ou nosesgotos, so os representan- tes das massas japonesas do pés-guerra, os vagabundos sem teto, que alimentam 0 so- nho de uma revolugdo anérquica: roubar 0 avatar do rei da Aurora, o sistema imperial Japonés, que os mantém na situago atual. Mas oguardido (imperador) procurapreser- var 0 seu poder. Alias, o sistema imperial é um tema que perpassa toda a obra de Sato. Para os ratos, é eternamente meia-noite ecinco, jé passou a hora darevolugdo, é tar- de demais, e para o guardido ronda sempre esse perigo iminente, a hora do rato, meia- noite, a hora da revolugao. Ao contrério do Esperando Godot de Beckett, em que Godot nunca aparece, os herdis no teatro contempordneo japonés costumam aparecer. Enquanto Suzuki, Betsuyaku, Otae Sato so anti-romanticos, Kara é um roméntico: a beleza nasce da fei- 4ira, portanto, seus herdis aparecem reinan- do sobre imbecis, a esc6ria da humanidade. Os ratos na pega de Sato fazem um pedido a0 verem uma estrela cadente que, nareali- dade, ironicamente, € a bomba atomica. Portanto, ao tirarem suas mascaras de rato, oscincoladrdesrevelam enormes queldides. Assim também nos outros dramas de Sato, Atashi no Beatles (Meus Beatles: A Hard Day's Night), montada em 1967, ¢ Onna Goroshi AburanoJigoku(O Assassinato de uma Mulher no Inferno de Oleo), musical rockbaseadona pega homOnimade bunraku (teatro de bonecos) de Monzaemon Chikamatsu, subintitulada “Motorbike Show”, garotas e rapazes japoneses espe- ram desesperadamente pela chegada dos Beatles ou dos Hell’s Angels ¢ os identifi- ‘cam como os seus longamente esperados salvadores. Mas, no final, as quatro figuras da mitologia contemporanea declaram: “N6ssomos realmente os Beatles, mas infe- lizmente parece que ndo somos os seus Beatles. Osseus Beatles... morreram”. Jaas personagens principais do Assassinato de uma Mulher no Inferno de Oleo transfor- mam-se nos membros da gangue de motos do Hell's Angels, Alimentando um forte interesse pelas 138-151, SETEMBRO/ NOVEMBRO 1995 artes contempordneas dos pafses asidticos, Sato ¢ sua trupe realizam, a partir de 1979, um intercmbio concreto com cada um des- ses paises, passando ase autodenominarem Teatro do Povo Asiatico, Em 1989, dirige 0 espetéculodedanga Carmen, estreladopelo brasileiro Ismael Ivoe, atualmente, alémde diretor da Tenda Negra, € produtor e con- sultor do Orchard Hall,noBunkamura (Vila Cultural) de Téquio. ‘Jéatrupe do Tenjé Sajiki Galeras), lide- rada por Shoji Terayama, um laboratério de arte dramdtica radicalmente experimental tinha como lema 0 “teatro como provoca- do” a todo o teatro japonés entao existente. Aocontrériode Suzuki, Mishima, OtaeSato, Terayama visava demolir inclusive o teatro tradicional japones, nd e kabuki, que ele jul- gava extremamente artificial e mantido vivo unicamente para colegiais, turistas e estran- geirosamantesdoexotismo. ParaTerayama, “arevolugdo de maio de 1968 dosestudantes em Paris ultrapassou os limites da politica, adquirindo umaconotagaocultural,queatin- giu a escala de um teatro de rua. Daf o seu poder de influéncia histéricaem todoomun- do”(10). Enquanto os estudantes franceses se refugiavam no Teatro Odéon de Paris, fundindo teatro, cotidiano e revolugio, in- dignado, Terayamaconstatava queno Japao, oshingueki (teatromoderno) nao passavade imitagdo do Ocidente, produzindo pegas traduzidas, interpretadas por atores japone- ses de cabelos tingidos. No inicio dos anos 70, quando eu mora- va num pensionato da Liberdade em So Paulo, havia umaestudante daFaap, 6rfade mae € que no se dava com a madrasta. Quando a tristeza baixava, ela dedilhava 0 seu violaoe,com vozembargada,cantarola- va invariavelmente “Tokiniwa Hana no Naiko no Yéni” (“Por Vezes, como uma Crianga sem Mae”). E tanto, que acabei decorando a cangao. Mas nunca poderia imaginar que 0 autor da letra dessa cango tdosingela fosse estemesmo Terayama,cujo teatro genial eu iria me deparar quase duas décadas depois em Téquio, na exposigéiode cartazes de teatro contemporaneo japonés, “Guendai Engueki no Art Work 60's-80's” (“Trabalho Artistico do Teatro Contempo- raneo: Anos 60 aos Anos 80”). Um evento promovido pelo Museu de Arte Seibu, no bairro de Ikebukuro, em agosto de 1988, durante o Festival Internacional de Teatro. REVISTA USP, Si0 PAULO (27) Os pésteres dos hoje famosos artistas grdficos, na época desconhecidos e que iri- am colaborar ativamente no movimento do teatro contemporaneo, Tadanori Yokoo, Katsuto Oyobe, Koga Hiranoe outros, pen- diam nas paredes, agrupados conforme as trupese videos sucessivoscontavam a histé- ria de cada um. Mas um grupo caprichou. Montou um estande superproduzidoe com ‘enorme senso de humor. Passando sob um portalencimadopelaspernasabertasdeuma mulher, com um enorme sorriso de dentes arreganhadosnolugar davagina,subitamen- te os visitantes deparavam com 0 cio da Victor, todoespetado com pregos, maquina inimagin4veis, flageladoras ou que tiveram leite dos seios fartos de uma beldade nua. Uma surpresaacadainstantee tudo aosom da miisica caracteristica de J. A. Seazer, dis- cfpulo e continuador de Terayama, atual- mente lider e diretor da trupe Ban’yu Inryoku (Gravitagao Universal), acujapega Suna (Zé0 do Deserto),tivemos a oportuni- dade de assistir no Sesc-Anchieta de Sao Paulo, em maio de 1995. Mas o mentor original de toda essa parafernlia surrealista e extremamente inusitada, para tudo o que eu até entdocon- cebia em termos de cultura japonesa, ndo era menos surpreendente. Shoji Terayama (1935-83) comega escrevendo hai-kais, mas cedose consagracomoum primoroso autor de tanka (poesia de 31 sflabas). Ingressa na Universidade Waseda, mas logo abandona. Depoisde uma internago hospitalar quese prolongou por quatro anos, acometido de nefrose, logo passa a se revelar como um talento multimidia. Prolificoe versatil, con- tinua a escrever poesia tradicional e inclusi ve contempordnea, radionovelas, telenove- las, romance, roteiros para cinema, é fotd- grafo, autor de imtimeras cangdes de suces- so, dramaturgo, diretor de cinema e teatro. Suas primeiras pegas teatrais (1959 a 1966), colagens dramaticas mais ou menos surrealistas, foram escritas para variadas companhias, como Chi wa Tattamama Nemutteiru (O Sangue Dorme de Pé),1960, produzida pela Companhia Shiki; Byakuya, 1961 (Noites Brancas), pelo Atelié do Bungaku-za; e 0 teatro de bonecos Kydjin Kybiku (A Educagio dos Tolos), pelaCom- panhia Hitomi-za. Contudo, Terayama vai progressivamente acumulando aimpressao de ter sido trafdo, pois nao era bem isso 0 138-151, SETEMBRO/ NOVEMBRO 1995 Shi Enguek’ asset). 148 wa sunyanders(ta que queria dizer. Para poder montar seus préprios espetdculos, decide no Ano Novo de 1967, juntamente com o ilustrador Tadanori Yokoo, o ator Yutaka Higashi, e asua mulher, Fiko Kuj6,ex-atrizdecinema que trabalharia como produtora, criar a sua prdpria trupe. Desde oiinicio, Terayama vai questionar os fundamentosdo teatro, dafasua designa- ode “criador do metateatro”, Ele indaga- va: “Se existem companhias teatraischama- das Haiy0-za (Teatro do Ator), Bungaku- za (Teatroda Literatura), por que nao pode haver um Kankyaku-za (Teatro dos Espec- tadores)?”. Nao a platéia elitizada dos ca- marotes, mas o povao, que,comono kabuki de antigamente, amava realmente 0 teatro, mas tinha acesso apenas ao tenjé sajiki (ga- lerias altas), j4 préximo do teto e lugar de mé visibilidade. Enfim, os freqiientadores dos “poleiros”, paradis, as “galeras”. Daf o nome de guerra da trupe: Laboratério de TeatroExperimental Tenjo Sajiki (Galeras). Depoimentos marcantes de Terayama acerca do teatro foram coletados em Me- méria da Voz - Shaji Terayama: O Teatro é um Escéindalo (11), onde ele pergunta: “O que é teatro? Sera que € algo t&o in- teressante como oscrimes eassassinatos que aparecem cotidianamente nos jornais sen- sacionalistas?” “O que é texto teatral? O teatro tem que selibertar da literatura, para atingir seupro- pOsito real, que 6a equagao de vida e fanta- sia”. Nesse aspecto, fora antecedido por Monzaemon Chikamatsu, (1653-1724), 0 maior autor de bunraku, que jé no século XVII, com seu principio sobre a agao dra- mitica, dizia que a arte dramética reside na estreitamargem entre arealidade e aficgao. Para Terayama, 0 texto no é para ser lido palavra por palavra, mas deve existir como um mapa, um roteiro a ser seguido. E como oteatronaoé um trabalho individual, mas coletivo, o texto nao deve expressar a imaginago individual de um dramaturgo, mas uma imaginagdo coletiva. Um teatro verdade, teatro documentirio, pois se no cinema tém noticias, documentérioe ficgao, por que nao no teatro? Nas pecas de ‘Terayama, ora uma atriz, que faz “bico” como gargonete, recita 0 menu, que é musicado e repetido em coro pelo resto do elenco;oraoguarda-costadeum banhoturco relata 0 que pode e o que niio se pode fazer REVISTA USP, SKO PAULO (27) ali, Muitosdeseusfilmesexperimentaistam- bém foram feitos nesse esquema. “O que é espaco teatral? O edificio tea- ‘tralé uma prisdo para o teatro, E fazer tem- pestade num copo d’agua. Mas quando o teatro feitonas pragas, néose ficasabendo se & teatro ou realidade. A indistingao é sa- lutar. Daf o super-realismo nas artes plasti- as.” Insatisfeito com os recintos teatrais, ‘comega a fazer teatro de rua em 1970, com Jinriki HikOki Solomon (O Avido Solomon Movido por Homens), onde h4 uma cena em que um lixeiro recolhe os pais, que se tornaram itens descartaveis, e em 1975, Knock, que comecava as trés da tarde de 19 de abrile prosseguia por 30 horas, até as9da noite seguinte, com 27 eventos que ocorri- am simultaneamente por toda a grande ‘Téquio. Trazia 0 teatro para a vida cotidia- na, batendo (knock) nas portas de aparta- ‘mentos, nos coragdes fechados das pessoas, paratiré-lasdarotina, proporcionando-lhes um encontro com o extraordinério, A pega prosseguiaem escadariasdeiméveis, banhos piiblicos e provocou rumorosas controvér- sias sociais, que resultaram na priséo de varios membros da trupe. “O que é0 ator? Uma pessoa substituta mata, chora, ri, ama e odeia em nosso lugar. Mas, na ealidade, cada espectador procura cesperapeloseuprépriodrama.” Terayama julgava que, ao invés de montar a pega de Kaoru Morimoto, Onna no Isshd (A Vida de uma Mulher), imerpretada anualmente por Haruko Suguimura, a “Fernanda Montenegro japonesa”, seria muito mais ‘comovente encenar a vida da vendedora de cigarrosda esquina. E no final de Jashmon (Portal da Heresia), que participou do Fes- tival Internacional de Teatro em Nancy, em 1971, enfocando a natureza trégica da famf- lia japonesa como umainstituigdio, os atores incitam os espectadores a pararem de con- templar e fazerem suas préprias pegas, atu- ando em suas proprias vidas. Partindo da premissa de que todas as pessoas so potencialmente atores, no inf- cio, todos os atores da trupe eram amado- res. E 0 Tenjo Sajiki funcionava como uma verdadeira fabrica descobridora de jovens talentos, como J. A. Séazar na misica, € 0 ctiador das mAquinas inusitadas. “O que é 0 espectador? Critica ao siste- ma que separa o palco da platéia, visto que osassentosdoauditétiofabricam os outsiders 136-151, SETEMBRO/ NOVEMBRO 1995 chamados espectadores.” Em Kankyakuseki (Platéia), de 1978, os espectadores eram colocados no meio da pega, com a nitida inteng&o de causar desconforto. Nao é que- brar a quarta parede, mas abri-la. Nao é a oposigao ver x ser visto, mas como se nao houvesse espectadores. “A gente vai ao teatro para ver? Mas quando uma pega é encenada no escuro, 0 piiblico nao pode ver, s6 sentir. Cada um deve procurar a sua propria iluminagao.” Nesse sentido, varias pegas de Terayama, montadas numa escuridao quase total, en- contram correpondéncias nas encenagdes dos jovens diretores brasileiros, como An- tonio Aratjo, Ifder do Teatro da Vertigem, com sua procura constante por espagos inu- sitados como a Igreja Santa Ifigenia (Para- 650 Perdido, 1992) ¢ 0 Hospital Umberto Primo (O Livro de J6, 1995); e em produ- esde Luts OtavioBumnier, der doLUME, como a realizada na Pinacoteca do Estado, em Sao Paulo. Assim comoao LaboratérioExperimen- tal de Danga Asbestokan, de Tatsumi Hijikata, em Meguro, acorriam os artistas de vanguarda, o Tenjé Sajiki-kan de Terayama, em Shibuya, transforma-se na Meca para onde aflufam os jovens inquie- tos, inconformados, de todo o Japao. Em 1968, Terayamaencena Shoo Suteyd Machi € Deyé (Joguemos Fora os Livros, Vamos pra Cidade) e, em 1972, publica Iedé no Sussume (Incitagao a Deixarem seus Lares). Comparado aos seus teatros de rua, Nuhikun (Diregoes aos Servos), de 1978, 6 classico. Livremente inspirado num ensaio satirico em que Swift ironicamente aconse- Ihaoscriadosaexplorarem seus patroes,em Nukikun todas as personagens S40 servos, mas cada um pode ser patro por quinze minutos, assim como Andy Wahrol dizia: “No futuro, cada pessoa poderd ser uma celebridade por quinze minutos”. E o que é trégico ndo é a auséncia do mestre, mas an- tes a necessidade dele, o que encontra eco nos dizeres do Duque de Caxias: “O que é triste numa nagdo ndo é a auséncia de he- 16is, mas a necessidade deles”. A questiio domestre 6 0 tema do espeté- culo, Tema este j4 abordado por Hegel na dialética do senhor e do servo, no par mais, ‘oumenosvergonhosoem AsCriadasdeJean Genet, primorosamente encenada por Zé Celso Martinez Correa como As Boas, De REVISTA USP, SO PRULO (27) posse do enorme sapato vermelho ¢ doura- do, representago de uma boca e lingua, geradoras das palavras, cada criado torna- se opatraotempordrio, enquanto os demais servos, comocées, correm para apanhar um (080 € o trazem para o seu amo. No mundo atual, quem esté na periferia e quer se apro- ximar do centro encontra o vazio. Uma nogdo politica, que tenta exprimir-se de modo nio-politico. ‘Cominfluénciasde Artaud,dodadafsmo e do surrealismo, contando inclusive com um ator de bigodes com onome artistico de Salvador Tali, o teatro de Terayama se ex- pressa numa linguagem de grande poder poético, com imagens sombriamente belas, rock pesado, corridas dos atores entre os espectadores, humor cinico. Enfim, espeté- culos que enchem os olhos e os ouvidos, revivendo arte circense, com andes, gigan- tes, mulher-vibora, cartomantes, mAgicos, malabaristas ¢ corcundas, teatro do gesto, das expressdes corporais e dos tabus trans- gredidos. 34 0 internacionalmente conhecido di- retor Yukio Ninagawa, cognominado o “Magico do Teatro”, também debuta no shéguekij5 (pequenos teatros), como ator, eem 1968 funda o Guendaijin Guekijé (Te- atrodo Homem Moderno). Logosedestaca pela direcdo dos dramas radicais de Kunio Shimizu, representante da nova esquerda, como a montagem de Shinjo Afururu Keihakusa (Futilidades Cheias de Boa Von- tade), de 1969. Documento representativo desse momento polftico, refletia a solide ‘odesespero dos jovenscontestadores, tanto diante dos cidadaos alienados da sociedade japonesa contemporanea, quanto dianteda esquerda tradicional e dos intelectuais pro- gressistas. Af estava embutida uma critica direta ao shingueki (teatro moderno). ‘Com a dissolugao da trupe de 1972, de- cide criar o grupo teatral Sakura-sha, com Shimizu e Ishibashi. A partir de 1974, ao comegar a dirigir pegas sobretudo para a ‘Companhia Toho, traz um sopro novo para © teatro comercial, com produgdes experi- mentais arrojadas, e cendrios magnificos, podendo-se dizer, até mesmo, irrepre- ensiveis. Enquanto 0 teatro proposto por Shogo Ota é um teatro do corpo, dirigido a uma platéia restrita, o de Ninagawa € um teatro de grandes idéias e conceitos, que visa um 138-151, SETEMBRO/ NOVENBRO 1995 grande piblico, um teatro popular. Daf 0 seu repertério concentrar-se nos grandes classicos do teatro tradicional japonés, das tragédias gregase daspecasdeShakespeare. Do teatro tradicional japonés encena, em 1971, 0 kabuki de Namboku Tsuruya, Tokaido Yotsuya Kaidan (Conto dos Fan- tasmas de Yotsuya); Kindai Nogakuska (Pe- gas de Nd Moderno), de Yukio Mishima,em 1976€1990; Chikamatsu Shinja Monogatari (Pecas de Duplo Suicidio Amoroso de Monzaemon Chikamatsu), 0 drama hist6- Tico de kabuki Kanadehon Chashingura (A Vinganca dos 47 Vassalos Leais), em 1988. Ao entrelagar habilmente as tradigdes do Oriente e do Ocidente, Ninagawa cria produgées notaveis, como em Hamlet, de 1978, onde as personagens sao dispostas em séries de prateleiras, como os bonecos do Hinamatsuri(Festivalde Bonecos),parasim- bolizar anaturezahierrquicadasociedade. Medéia, de Euripides, no mesmo ano, teve excelente onnogata Mikijird Hira,como a Medéia japonesa, realcado pela maquila- gem, vestudrioe diregdoartisticade Jusaburd Tsujimura. ‘Ninagawa Macbeth comeca como se um imenso altar budista fosse aberto por duas velhinhas, Tudo énarradosem mudar o tex- to de Shakespeare, como uma hist6ria que transcorresse no Japio do Perfodo Momoyama (1573-1603). Assim como em Betsuyaku o poste de iluminago é uma constante no cendrio de suas pegas metafisicas, Ninagawaadoraempregaruma enorme escadaria, metéfora do sucesso fracasso, visdo de baixo para cima, do angu- lojinferior, o povo, as duas velhinhas, para o superior, os dominadores, ou, ainda, a ele- vacao da vulgaridade do cotidiano para 0 mundo metafisico. E logo aparecem as trés bruxas, interpretadas por onnagatas (atores em papéis femininos),umatradigaoque vem do kabuki. O drama inicia e termina com 0 cair de uma lufada de pétalas de flores de cerejeira, que no Japao tem sempre a conotacdodebelezaemorte,e,em Macbeth, 6 um simbolo da evanescéncia, de uma ele- gia por via desperdigada. Jé A Tempestade, de Shakespeare, é montada em 1988,como um ensaio dend de uma trupe de amadores, num antigo paleo den6na Ilha de Sado, onde Zeami, um dos fundadores e filésofo de né, fora exilado na sua velhice. REVISTA USP SHO PAULO (27) ‘arias trupes de teatro contemporaneo japonés surgiram apés essa primeira leva enfocadaaté agora, destacando-senasegun- da geragio dois descendentes de coreanos: Kohei Tsuka (1948), dramaturgo e lider do ‘Tsuka KOhei Jimusho, com suas pegas de humor irOnico, como Atami Satsujin Jiken (Assassinato em Atami)e, atualmente,oex- membro da Tenda Vermelhae lider do gru- po Shinjuku Ryozanpaku, o diretor Shujin Kim. Igualmente procedente da Tenda Vermelha, Tetsu Yamazaki (1947), mais tarde, cria a sua propria companhia Ten’i 21, encenando sucessivamente tragédias inspiradas em casos ocorridos de fato. Por- tanto, apds essa onda recente de atentados com gés sarin nos metrés, trens e lojas de departamentosde Toquioe Yokohama,com suspeita de envolvimento da seita Aum- Shinriky6 (Verdade Suprema), liderada por Shoko Asahara, 6 s6 aguardarmos alguns meses, para vermos um novo drama de ‘Yamasaki estreando no paleo. Na geracdo seguinte, aterceira de teatro contempordneo, Hideki Noda(1955) explo- de com a sua trupe Yume no Yaminsha (Boémios do Sonho), agitando ajuventude, como nos ureos tempos de Kara com a sua Tenda Vermelha, fazendo uso constante de jogo de palavras, grande mobilidade, rapi- dez e agilidade na atuagio. Mas o tempo veloctssimo da sociedade contempor4nea encontra seu representan- temaistipicoem Takeshi Kawamura (1959), Iider, dramaturgo, diretor ¢ ator da trupe Daisan Erotica (A Terceira Erotica), em pegasaclamadascomo Nippon Wars (Guer- ras Japonesas) ¢ Body Wars, que enfocam 0 mundo futuro, com andréides, réplicas, em luta contra os humanos, tudo auxiliado por equipamentos téenicos de alta tecnologia. Todavia, comparadas &s experiéncias ousadas e radicais da primeira geragao de teatro contemporaneo japonés, as conquis- tas das geragdes posteriores ainda permane- cempalidas. Pois foiesse time deverdadeiros craques, formadopor Suzuki, Besuyaku,Ota, Kara, Sato, Ninagawa, Terayamae Shimizu, que sacudiu o marasmo em que se encontra- vaoshingueki. Enquanto o shingueki, teatro moderno fortemente influenciado pelo oci- dental, privilegiava o texto, 0 teatrocontem- pordneo vai enfatizar 0 corpo do ator, que é tudo o que o diretor ¢ os atores tém que balhar. Eaoencenarempegasde kabuki,pi 138-151, SETEMBRO/ NOVEMBRO 1995 cipalmente o mundo barroco do autor “mal- dito”, Namboku Tsuruya, ao criarem pecas experimentais de nd, ou inspiradas no nd, bunraku e kabuki, Suzuki, Ota, Kara, Sato e Ninagawaacabaramestabelecendoumapon- te entre o teatro contempordneo e o teatro tradicional japones, uma volta as ratzes japo- nesas,com uma recuperagdode sua identida- de cultural. Seno shinguekiamaioriadaspegaseram tradugdes, uma caracteristica do teatro con- tempordneo vaiser acriagdo do seu proprio. repertério, pois nas trupes de vanguarda, 0 lider geralmente acumulaasfungdes de dra- maturgoe diretor, como Ota, Sato, Shimizu, Terayama, Kara e, mais recentemente, Tsuka, Noda e Kawamura. Desde cedo, Suzukie Ninagawa vao se colocar foradesse esquema, realizando diregdes originais dos grandes clissicos. E em relago ao espaco teatral foram ainda mais radicais, pois para se manterem sob o signo da independéncia, abandona- Tam 0s teatros comerciais, adotando os pe- quenos teatros, dafadenominagaiocom que essa geragdo que despontou na segunda metade da década de 60 acabaria sendo co- nhecida: shoguekijd undo (movimento de pequenosteatros), Espagossemelhantes 20 teatro-escola Brincante, instalado no velho galpoda Vila Madalenaem Sao Paulo,onde © ator, mimico, muisico e coreégrafo Anto- nio Nobrega encena os seus espetdculos Brincantee Segundas Historias. Emais, pas- saram a usar tendas, a fazer teatro de rua, performances em pracas piiblicas, e turnés, mambembando por todoo Japaoe até mes- mopela Asiae Brasil, Europa, Estados Uni- dos, Canadé ¢ Australia. Por todo essa batalha, essa primeira ge- Tago de teatto contemporaneo japonés, também conhecida como angura (underground), essa brava gente, foi a ver- dadeiramente de vanguarda, revoluciond- tia, criadora e é tida como a ocasionadora do “Renascimento Teatral” no Japao. BIBLIOGRAFIA CARRUTHERS, Ian e PRICE, Norman. Suzuki Tadashi at Playbox, folheto distribufdo durante a palestra do Prof. Carruthers, “The World of Suzuki Tadashi and SCOT”, na Fundagio Japio de Kyoto, em'17 de dezembro de 1993, NINAGAWA, Yukio. Note: 1969-1988, Tokyo, Kawade Shoho, 1989. NISHIDO, K6jin. “Non fiction Novels - 30: Ota Sh6z0”, in Revista Teatoro (“Teatro”) n° 623, ‘Tokyo, dezembro de 1994. RICHIE, Donald. “Japan's Avant-Garde Theatre”, in The Japan Foundation Newsletter. Tokyo, abril-maio de 1979. SENDA, Akihiko. Guekiteki Runessansu - Guendai Engueki wa Kataru (“Renascimento Teatral - Depoimentos do Teatro Contemporaneo”). 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