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O farmacêutico e
a automedicação
responsável
Arnaldo Zubioli,
Secretário geral do Conselho Federal de Farmácia, membro do Conselho Consultivo do Instituto
Argentino de Atenção Farmacêutica, membro titular da Academia Nacional de Farmácia, mestre em
Farmacologia e Terapêutica pela Universidade de São Paulo, e aperfeiçoamento em Farmácia
Clínica e Farmacoepidemiologia, na Universidade Nacional do Chile
tria farmacêuticas e do consumidor. Aliás, o farma- um produto para a automedicação responsável. É evi-
cêutico é o único profissional formado pela socieda- dente que nem todas as situações são passíveis de
de, que conhece todos os aspectos do medicamento aconselhamento na automedicação responsável. Nas
e, portanto, ele pode dar uma informação privilegia- seguintes situações, é recomendável que o farma-
da às pessoas que o procuram, na farmácia. cêutico sugira ao paciente que faça uma consulta
Os estabelecimentos farmacêuticos anterior- médica: os sintomas são tão intensos que o paciente
mente nominados são canais por onde circulam os não os suporta, sem diagnóstico definido e nem tra-
medicamentos. Em geral, quando se dirige à farmá- tamento; os sintomas são leves, mas persistentes e a
cia, o usuário solicita ajuda e ini- A farmácia é uma instituição causa não é identificável com fa-
cia a conversação com distintas de saúde, de acesso fácil e cilidade; os sintomas reaparecem
perguntas: 1) Que tem para diar- gratuito, onde o usuário, com bastante freqüência e não se
réia? (Sintoma em uma pergunta). muitas vezes, procura, em reconhece nenhuma causa; o far-
2) Qual é o melhor antiácido? (Pro- primeiro lugar, o conselho macêutico tem dúvidas sobre o es-
duto de uma classe específica de amigo, desinteressado, mas tado do paciente; o mal uso do
medicamento). 3) Tem Baralgin? seguro, do farmacêutico. medicamento poderá ser prejudi-
(Deseja um produto em particu- cial ao paciente; o paciente tem
Torna-se imprescindível para
lar). usado corretamente (administra-
o farmacêutico ter a noção
Diante do exposto, é neces- ção, duração) medicamentos não
exata de sua competência e
sário avaliar a situação patológica prescritos e não obtém resultados
dos limites de sua
individual, entrevistando o pacien- positivos.
intervenção no processo
te, com vista à identificação cor- Ante estas observações, fica evi-
saúde-doença...
reta da sintomatologia, para o denciado que, para a obtenção dos
aconselhamento no uso dos medicamentos. Para isso, sintomas e das características do indivíduo, não é
é necessário saber perguntar, como e quando per- possível, muitas vezes, a elaboração de todas as per-
guntar. Em síntese, estabelecer um protocolo de ques- guntas desejáveis. Em algumas situações, é possível,
tões, de modo a obter as respostas que nos permi- e em outras, não. Por exemplo: quando uma pessoa
tem atuar, de maneira coerente. reporta uma dor de cabeça, ou uma gastrite, algumas
Na análise de sua intervenção no processo saú- perguntas têm que ser formuladas, porque a patolo-
de-doença, deve o farmacêutico obter as seguintes gia em análise pode ser autolimitada, ou ser uma pa-
informações em relação aos sintomas apresentados tologia grave. Nestas situações, é preciso saber acon-
pelo paciente: o começo do problema, a duração, a selhar e tomar a decisão correta. Para a escolha dos
severidade, a descrição, se é aguda ou crônica, se medicamentos de venda livre, o farmacêutico deve:
tem sintomas concomitantes, se tem fatores agra- 1) Selecionar os medicamentos em relação ao seu
vantes ou que aliviam, e perfil farmacológico; 2) selecionar, em função do
O farmacêutico é um
a presença ou não de tra- perfil do paciente.
parceiro privilegiado do
tamentos anteriores. Seleção - O farmacêutico, ao planejar, for-
sistema de saúde, da
Em seguida, o far- mular, produzir, selecionar e dispensar um medica-
indústria farmacêuticas e do
macêutico deve reunir mento, tem, por objetivo, conseguir que a substân-
consumidor. Aliás, o
informações relativas ao cia de comprovada atividade farmacológica seja libe-
farmacêutico é o único
paciente para ter uma rada, no local de ação, na quantidade suficiente para
profissional formado pela
noção das característi- que se desencadeie, durante o tempo necessário para
sociedade, que conhece
cas do indivíduo. A o tratamento, sem provocar reações adversas. Se este
todos os aspectos do quem se faz o pedido? objetivo é conseguido, considera-se que o medica-
medicamento e, portanto, O paciente é um lacten- mento tem qualidade, e esta será a principal preocu-
pode dar uma informação te, criança, adulto ou da pação do farmacêutico, ao selecionar o medicamen-
privilegiada às pessoas que terceira idade? Qual o to de venda livre.
o procuram, na farmácia. sexo, antecedentes me- Entre uma gama diversa de medicamentos,
dicamentosos, antecedentes alérgicos, antecedentes torna-se fundamental averiguar as vantagens ou des-
de reações adversas às drogas? vantagens de determinadas formulações, o custo do
É, a partir da análise dos sintomas e das ca- medicamento e, ainda, detectar eventuais defeitos de
racterísticas do indivíduo, que se poderá selecionar fabricação, julgando, nessa análise, a credibilidade
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incapacidade do indivíduo ou, pelo menos, um grau dos farmacêuticos, para que possam desempenhar,
muito maior de doenças; 4) se não existisse a auto- com proficiência, e auxiliar os consumidores na au-
medicação, o sistema sanitário estatal (SUS) ver-se- tomedicação responsável.
ia completamente bloqueado, em pouco tempo; 5) a Encorajar pessoas a participar da educação
automedicação estimula as pessoas a aceitarem a sua acadêmica e profissional, nas escolas de Farmácia.
quota de responsabilidade sobre a sua própria saú- Se nós queremos ver reconhecida a automedicação
de. responsável, é bom iniciar, desde a universidade, os
Ante estas afirmações, é preciso salientar que alunos de graduação dos cursos da área de saúde,
a automedicação é um direito do consumidor e os especialmente do curso de Farmácia, para que eles
profissionais de saúde são prestadores de serviços sejam partícipes desta atividade, no dia em que esti-
de saúde, quando solicitados. Em relação à função verem no mercado de trabalho.
do farmacêutico, duas reflexões merecem ser acla- Por outro lado, a ampliação de produtos dis-
radas: a) Como vêem, os farmacêuticos têm o seu poníveis (mudança da venda com receita para a venda
papel na educação e na seleção e uso apropriado dos sem receita). Penso que a nossa realidade dos medi-
medicamentos de venda livre?; b) Em que medida camentos sem receita é muito tímida. É preciso
os conhecimentos do farmacêutico lhe permitem a ampliar a disponibilidade de medicamentos sem exi-
dispensação dos medicamentos sem receita e o acon- gência de receituário. Há medicamentos que, no ex-
selhamento nas situações de automedicação, em ge- terior, são vendidos sem receita e que, no Brasil,
ral? ostentam a tarja vermelha.
Por esta razão, é necessário o delineamento É uma constatação de que precisa ser aclara-
de estratégias para a automedicação responsável que da e melhorada. Outrossim, a troca de informações
contemple os seguintes aspectos: 1) o estabeleci- e experiências e o feitio de pesquisas operacionais
mento de uma seleção cuidadosa dos para a avaliação do intercâmbio de
medicamentos a serem vendidos Se nós queremos ver práticas de automedicação são ati-
sem receita; 2) critérios de seleção, reconhecida a tudes a serem implementadas. O
baseados na eficácia, custo e ampla automedicação objetivo a ser atingido é a desmis-
margem de inocuidade; 3) legisla- responsável, é bom iniciar, tificação da automedicação.
ção sobre etiquetas e instruções pre- desde a universidade, os Para encerrar, trago-lhes esta fi-
cisas e fáceis de compreender com alunos de graduação dos guração. Quando começou este
informação sobre: indicações, doses cursos da área de saúde, século, nós olhávamos para o céu
recomendadas, advertências sobre especialmente do curso de e contemplávamos as nuvens e as
o uso indevido e advertência sobre Farmácia, para que eles estrelas e, hoje, nós voamos entre
as interações medicamentosas; 4) sejam partícipes desta elas. Quando começou este sécu-
educação sanitária. atividade, no dia em que lo, nós navegávamos em barcos e
O aprimoramento da autome- estiverem no mrcado de navios e, hoje, nós navegamos pela
dicação responsável requer alguns trabalho. internet. Quando se estabeleceram
passos importantes, como a confec- as bases científicas da farmacolo-
ção de um manual de procedimentos e, também, de gia, a maior parte dos medicamentos era de receitu-
folhetos informativos que servem de orientação ao ário, através das prescrições magistrais feitas pelos
consumidor para as diversas patologias e os dife- médicos e manipuladas pelos farmacêuticos. Hoje,
rentes grupos de medicamentos, como analgésicos, tais atividades fazem parte do domínio público, pois
antiinflamatórios, antiácidos, laxantes, etc. vivemos o século da informação e do conhecimen-
A farmácia é o local ideal para a disponibili- to, devido aos consumidores estarem mais sensibili-
zação destes folhetos informativos e para a dissemi- zados para o fator saúde e interessados em conhe-
nação de materiais necessários à educação do con- cer as patologias e os esquemas terapêuticos pelo
sumidor. É preciso descentralizar os encontros, sim- que a informação aos consumidores é um direito
pósios a respeito da prática da automedicação, com que lhes assiste.
a realização de reuniões regionais. Os farmacêuticos Todas estas mudanças alteram, tanto a orien-
têm que ser encorajados a fazer a educação continu- tação pessoal, como a atividade profissional, e nós
ada a respeito do assunto, e cabe à indústria farma- teremos de estar sintonizados com estas transfor-
cêutica estimular e apoiar os projetos de atualização mações.
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