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COM O OLHAR

NO FUTURO

Conscientizar e mobilizar as pessoas é o primeiro passo para alcançarmos o desenvolvimento sustentável.


Uma das iniciativas socioambientais da Usiminas, desenvolvida em parceria com as comunidades onde atua,
é o programa Todos Pela Água.

Nele, a empresa disponibiliza agregado siderúrgico para a pavimentação de ruas, avenidas e estradas e, em
contrapartida, as cidades desenvolvem projetos de recuperação das fontes de água da região.

Já são mais de 1.400 nascentes recuperadas nos 54 municípios participantes do programa.

Trabalhar em parceria com as comunidades para preservação da água é estar em dia com o futuro.

usiminas.com facebook.com/Usiminas
twitter.com/Usiminas
linkedin.com/company/usiminas
usiminas.oficial

US_0022_19_anuncio_mobiliza_pela_agua_195x266mm.indd 1 25/03/2019 16:35


1 IMAGEM DO MÊS
REGISTRO da exuberância vergel
e atlântica do Parque Estadual
Serra do Brigadeiro, na Zona
da Mata mineira

FOTO: EVANDRO RODNEY

ESPERANÇA ATLÂNTICA
Os primeiros termos de parceria para fortalecer os Conselhos Municipais de Meio
Ambiente de Minas Gerais, por meio dos Planos de Conservação e Recuperação da Mata
Atlântica, foram assinados oficialmente no fim deste mês, durante audiência pública da
Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em BH.
Essas parcerias serão importantíssimas para garantir a preservação do bioma. Nos últimos
cinco anos, o estado tem sido presença constante na lista dos que mais degradam a Mata
Atlântica no país: em levantamento realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica
em 2018, Minas ocupou o segundo lugar, com 3.128 hectares devastados.
Leia mais em souecologico.com!

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  03


1 EXPEDIENTE

“Vejo a natureza como


uma poesia. Não
perdi, graças a Deus,
a minha capacidade
de contemplação.”
Hugo Werneck

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR REPORTAGEM PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL


Hiram Firmino Bia Fonte Nova, J. Sabiá e Ecológico Comunicação em
hiram@souecologico.com Luciana Morais Meio Ambiente Ltda.

DIRETORA DE GESTÃO MÍDIAS DIGITAIS REDAÇÃO


Eloah Rodrigues Bruno Frade Rua Dr. Jacques Luciano, 276
eloah@souecologico.com Sagrada Família - Belo Horizonte - MG
COLUNISTAS (*) CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755
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Luciano Lopes e Maria Dalce Ricas
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EDITORIA DE ARTE Gustavo Abreu
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Arte: Sanakan
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Fernando Gabeira, José Cláudio necessariamente a opinião da revista.
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Carvalho, Roberto Messias Franco,
Vitor Feitosa e Willer Pos IMPRESSÃO /revistaecologico
Gráfica OLPS
EMISSÕES CONTABILIZADAS

2,24 tCO2e

Dezembro de 2018
{ conhecimento
+ tecnologia {
gestão da sustentabilidade
O CLIMAS é um sistema de gestão de Indicadores de sustentabilidade (GEE, Energia,
1 Resíduos, Água) que coleta, organiza, gerencia e comunica informações, com recursos
focados em Business Intelligence. As empresas ganham eficiência, escalabilidade e
segurança de dados, permitindo que foquem no que mais importa: bons resultados.

risco climático
O Model For Vulnerability Evaluation (MOVE) é uma plataforma computacional integrada que
12

utiliza análise espacial e estatística para avaliação da vulnerabilidade e riscos associados à


mudança do clima. O modelo foi desenvolvido pela WayCarbon e contou com recursos da
FINEP, FAPEMIG e CNPq.

licenciamento ambiental
O LicenTIa é a plataforma que facilita, barateia e agiliza o processo de licenciamento
3 ambiental. Trazemos tecnologia da informação para a otimização do planejamento,
aumentamos a eficiência no compartilhamento de documentos e melhoramos a gestão dos
processos com boas práticas de PMO. O LicenTIa é um spinoff da WayCarbon.

estudos estratégicos
4 Por meio de uma equipe multidisciplinar e com ampla experiência, integramos a
sustentabilidade na estratégia corporativa e no desenho de políticas públicas. Nosso desafio
é apoiar a transição para uma Economia de Baixo Carbono.

responsabilidade climática
5 O Programa Amigo do Clima é uma iniciativa voluntária para a compensação de emissões
1

de gases de efeito estufa (GEE). A plataforma conecta projetos de compensação brasileiros a


empresas, garantindo transparência e rastreabilidade na transação de créditos de carbono.

Inteligência para
sustentabilidade.
www.waycarbon.com
1 ÍNDICE

Capa
DECLARAÇÕES
POLÊMICAS MARCAM
OS PRIMEIROS
MESES DE RICARDO
SALLES À FRENTE DO
MINISTÉRIO DO MEIO
AMBIENTE. CONHEÇA
ALGUMAS DELAS
NA SEÇÃO “PERFIL”.

Pág. 26
18
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

PÁGINAS VERDES E mais...


O GESTOR AMBIENTAL E
MESTRE EM SUSTENTABILIDADE
HIURI METAXAS FALA IMAGEM DO MÊS 03
À ECOLÓGICO SOBRE
CARTAS DOS LEITORES 07
EXTRATIVISMO SUSTENTÁVEL
NO NORTE DE MINAS CARTA DO EDITOR 08
ECONECTADO 10
GENTE ECOLÓGICA 12

48
BLOG DO HIRAM 14
FOTO: DIVULGAÇÃO

DIA MUNDIAL DA ÁGUA 22


OS MAIORES CRIMES ESTADO DE ALERTA 32
AMBIENTAIS DO BRASIL (10) O VIÉS MÉDICO NA OBRA
DE GUIMARÃES ROSA (11) 33
ILHA DA MADEIRA LUTA
PARA RESGATAR SUAS OPINIÃO PÚBLICA 38
BELEZAS NATURAIS
INFORME ESPECIAL 40
E SUPERAR O PASSADO
DE DEGRADAÇÃO ESPAÇO ABERTO 46
AMBIENTAL E SOCIAL NATUREZA MEDICINAL 58

53
ECOLÓGICO
NAS ESCOLAS
INTELIGENTES E SOCIÁVEIS,
OS GOLFINHOS SÃO
MAMÍFEROS AQUÁTICOS E
VÊM SOFRENDO COM A
POLUIÇÃO DAS ÁGUAS
FA L E C O N O S C O

1 CARTAS DOS LEITORES


Envie sua sugestão, opinião ou crítica para
cartas@revistaecologico.com.br
Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

acredito que esse tempo foi suficiente para pensar


novas alternativas econômicas para o município
e a região. Ninguém pensa na mineração quando
ela acaba. Recursos naturais são finitos.”
Ana Daniela Souza, por e-mail

l OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (9)


Ilha de Maré, em Salvador (BA), padece com a
poluição e o adoecimento de crianças por exposição
ao chumbo e a outros metais pesados
“Imaginem a situação: você mora e sobrevive da
pesca. Aí chegam empresas petroquímicas que se
instalam no lugar onde você passou a vida inteira
e começam a poluir a água. As crianças começam
a adoecer e ver a natureza ser poluída. Temos de
vencer essa guerra silenciosa contra a ganância!”
Luiz Antônio Neto, por e-mail

l CUMPRIMENTOS
“A Ecológico é uma sobrevivente. Louvável como
ainda se mantém relevante no mercado editorial
impresso, que mingua a cada dia. Tenho visitado
l MATÉRIA DE CAPA - A TRAGÉDIA DA VALE quase que diariamente o Portal Sou Ecológico
Reportagem especial aborda o impacto e gostaria de parabenizá-los pelas matérias
socioambiental causado pelo rompimento da exclusivas. Estão no caminho certo!”
barragem da mineradora em Brumadinho (MG) Marcos Vieira, por e-mail
“Recebam minhas congratulações pelo
excelente número 115 da Revista Ecológico, “Foi uma surpresa e uma alegria
focalizando a tragédia da Vale. Queira Deus imensas receber a Ecológico no
que os responsáveis pela hecatombe venham teatro e ter aquela prosa depois.
a ser punidos, na medida da responsabilidade Isso me fortaleceu como artista,
assumida pelo trágico acontecimento.”
me mostrou que estou num bom
Aristoteles Atheniense, advogado e e fundador da
caminho. Obrigada! Agora, a
Aristoteles Atheniense Advogados
revista... que primor! Estou me
abastecendo com ela. Gostosa de
“Tragédia, não. Assassinato!”
ler, apesar das tristes matérias.
Sandro Martins, via Facebook
Bonita, bem feita. Espero que
“Essas tragédias que se repetem mostram o quanto possamos ter mais prosas... e quem sabe, versos.
Minas Gerais e o Brasil falharam na fiscalização e no Falando em versos, fiz esse no dia em que o
monitoramento das barragens de rejeitos.” ciclone atingiu Moçambique:
Daniel Cláudio Miranda, via e-mail
ÁGUAS DE MARÇO
l PÁGINAS VERDES - DUARTE JÚNIOR SEM POESIA.
“O prefeito Duarte Júnior vive um momento CHORA MOÇAMBIQUE,
muito delicado politicamente. Sabe que a CHORA MIA.
mineração é importante economicamente para DE CÁ, ME DÓI.
Mariana, pois gera milhares de empregos, mas DE LÁ, DÓI MAIS.
não tem como deixar de culpar o setor pelo INUNDA.
desastre que abalou a região em 2015. Não queria IMUNDA O MUNDO.”
estar na pele dele. No entanto, já se passaram Cida Mendes, atriz que interpreta a personagem
mais de três anos do acidente da Samarco e "Concessa", por e-mail

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  07


1 CARTA DO EDITOR
HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

O ESTRANHO NO NINHO
Q
uando Eike Batista e sua MMX chegaram a substituídos por outros que, descontinuamente,
Conceição do Mato Dentro, no interior de farão o mesmo:
Minas, para implantar o Minas-Rio – hoje,
Mais sábia que os humanos, a história resi-
o segundo maior projeto de mineração no país,
comprado e tocado pela Anglo American –, eles co- liente da natureza confirma uma lógica inversa.
meteram um pecado mortal de ecologia humana: A natureza é sempre contínua, uma somação,
não ouvir as pessoas, os cidadãos que nasceram e como tudo na vida. Justamente o que o novo mi-
moram no lugar. Resultado: perderam uma gran- nistro, dizendo-se autorizado por Jair Bolsona-
de chance de se comunicar com eles. Preferiram,
ro, continua negando por meio de suas atitudes
de troco, a natural rejeição da população
local, em vez de aprender com os bélicas e frases de efeito nada associati-
Josés e Marias de uma memória e vas, nem ecológicas.
sabedoria sem fim. Nos bastidores, o que se fala é isso
É mais ou menos isso que mesmo. Que, por meio do ruralista
segue acontecendo com o
atual ministro do Meio Am- confesso Salles, o presidente está
biente, Ricardo Salles. Es- simplesmente cumprindo o que
tranho no ninho, em vez de prometeu na campanha e con-
chamar os ambientalistas firmou nas urnas: acabar com o
(que não mordem) para
Ministério do Meio Ambiente e
conversar, receber pessoal-
mente os 27 superinten- a indústria de multas do Ibama, já
dentes regionais do Ibama que, diante da opinião pública, não
– saber de suas vitórias, difi- conseguiu anexá-los subservientes ao
culdades e desafios, de suas Ministério da Agricultura.
singularidades e ex-
O que o novo ministro pensa,
periências no cargo –,
Salles fez o contrário. enfim, sobre a questão am-
Sem esclarecer os biental? Sobre a susten-
motivos, exonerou 21 tabilidade, a bandeira
deles, sem um mínimo apartidária que mais
de respeito e conside-
ração com a história deveria ser empunha-
de casa um. Preferiu da pelos políticos e
a ignorância. E não a estadistas do planeta?
sabedoria acumulada E pode significar a sal-
que eles tinham para SALLES: ainda sem abraçar as cores da natureza
vação da humanidade
lhe passar. É o mesmo
que acontece e sempre aconteceu com a maioria junto do planeta, incluindo ele mesmo, mais o
dos velhos políticos e administradores públicos presidente e todos os ruralistas que hoje nos go-
em cargos de confiança na história brasileira: vernam, com tanto desprezo à natureza que igual-
a cegueira de acharem que a história começa e mente nos protege?
termina com eles. E com isso, levam dois anos
É o que o que você pode conferir nesta edição.
destruindo o que encontram pela frente, toda a
memória e projetos de seus antecessores. E os Boa leitura!
outros dois anos, se preparando para sair e serem Até a lua cheia de abril. 

08  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


O AMOR AO NINHO
Simples e emotiva, tal como a natureza que ele
amava. Foi assim, no último domingo de março,
na Paróquia Santa Rita de Cássia, em BH, a mis-
sa realizada pelo padre Toninho em lembrança ao
centenário de nascimento do ambientalista Hugo
Werneck. Um dos precursores da consciência eco-
lógica na América Latina, é a ele que a Revista Eco-
lógico é dedicada a cada nova lua cheia no céu.
Considerado um dos pais do ambientalismo bra-
sileiro, ele foi o fundador do Centro para a Con-
servação da Natureza em Minas Gerais, uma das
primeiras ONGs do país, cuja sede fixa era o seu
concorrido gabinete de dentista no centro de BH.
E como sede móvel, uma
velha kombi que o levava “Imagine se
a procurar passarinhos e
se encantar com as bor- matássemos ou
boletas pelos Geraes afora aprisionássemos
retratadas por Guimarães
Rosa. Graças à sua luta,
todas as larvas de
acham-se hoje preservados borboletas, por serem
tanto o Parque Estadual do feias e nocivas nesse
Rio Doce, no Vale do Aço,
considerado a “Amazônia
estágio? Não existiram
mineira”; quanto o Parque borboletas adultas, em
Nacional da Serra do Cipó, sua leveza e graça.”
entre tantas áreas verdes.
Além da Revista Eco-
lógico, o “Prêmio Hugo Werneck de Sustentabi-
lidade & Amor à Natureza”, hoje na sua 10a edi-
ção, foi criado para manter viva a sua memória. O
ambientalista nasceu no dia 30 de março de 1919
e nos deixou em novembro de 2008, aos 89 anos.
Ele acreditava que só o amor, a educação e a de-
mocratização da informação ambiental poderiam
mudar a atitude do ser humano em relação à na-
tureza. Foi essa a sua mensagem, na forma de um
“santinho” com sua foto, que seus familiares dis-
tribuíram ao final da cerimônia religiosa, devoto çantes em sua beleza, leveza e graça. Não existi-
e ajudante da paróquia que ele era. De um lado, ram ‘cores que voam’ a nos encantar, como um
a justificativa sutil e maior de sua luta: “Só a bele- criança um dia me ensinou a vê-las”.
za do mundo deveria bastar para preservarmos Obrigado, mestre! 
a natureza”. E de outro, a mais colorida: “Imagine
se matássemos ou aprisionássemos todas as lar- EM TEMPO: para rever alguns dos seus ensina-
vas de borboletas, por serem feias e nocivas nesse mentos, ao som de “Metamorfose Ambulante”, de
estágio? Não existiram borboletas adultas, esvoa- Raul Seixas, acesse youtu.be/y14AP4Ca-Yc

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  09


1 ECONECTADO

ECO LINKS
RUNKEEPER

FOTOS: DIVULGAÇÃO
Para quem gosta de uma boa caminhada ou
NA REDE corrida, o RunKeeper vai transformar o seu
smartphone em um personal trainer. O app
#SouEcológico ajuda a calcular todo o trajeto percorrido
Confira as matérias mais e o usuário consegue visualizar o ritmo, a
acessadas em nosso portal: distância e o tempo!
Os benefícios não param por aí. Você também
acompanha a evolução por meio do histórico,
progresso das metas definidas, planos detalhados e dicas para
melhorar o rendimento das atividades. Sempre que alcançar um
novo recorde receberá notificação na hora! \o/
Além disso, o RunKeeper possibilita conectar com outros
aplicativos de saúde que ajudam no rendimento físico e outras
funções do corpo. Disponível em Android (goo.gl/LxDoAx) e iOS
(goo.gl/pPNEHx).

PL@NTNET
Sabe aquela plantinha que você encontra e não
WWF estima impacto ambiental
sabe o nome? Temos a solução! O Pl@ntNet
da tragédia de Brumadinho
ajuda a identificar espécies de todo o planeta
Análise preliminar aponta que
por meio do reconhecimento visual.
reflexos serão sentidos por anos
O processo é simples: é só tirar uma foto
Link: goo.gl/5mCuA4
e inserir na plataforma. O app integra
um sistema de identificação automática
Defesa Civil contabiliza mais de
a partir de um banco de dados atualizado
27 mil toneladas de alimentos
constantemente. Os resultados permitem encontrar o nome
doados a Brumadinho
botânico da planta e suas características.
Em entrevista ao Portal Sou
E tem mais: se o usuário identificar corretamente uma espécie que
Ecológico, profissional explica
está sendo procurada, ele pode encaminhar a contribuição para ser
logística de recebimento e
avaliada pela equipe do aplicativo. A ferramenta é gratuita e está
distribuição dos donativos
disponível no Google Play. Link: goo.gl/HUJHif
Link: goo.gl/7oYhJG

Tiradentes vai além da história


e da gastronomia MAIS LIDA
Bem estruturada e conectada
A matéria “A tragédia da Vale” foi a mais
com a natureza, cidade mineira
acessada deste mês no site da Revista
garante experiências de aventura
Ecológico. A reportagem especial
para amadores e profissionais de
destacou o impacto socioambiental do
todas as idades
rompimento da barragem da mineradora,
Link: goo.gl/7oYhJG
em Brumadinho (MG), que contabilizou
mais de 300 pessoas soterradas vivas. O
Saiba se seu corpo está
texto também aborda a atitude da empresa
precisando de um detox
em não pagar as multas ambientais
Início do ano é ótima época para
decorrentes de tragédias como a de
adotar hábitos mais saudáveis
Mariana, em 2015. Para ler o conteúdo
Link: goo.gl/j3aYVZ
na íntegra, acesse: goo.gl/C26FvJ

10  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


1 GENTE ECOLÓGICA

“Escravo é aquele que não


pode dizer o que pensa.”
EURÍPEDES,
poeta grego

FOTO: REPRODUÇÃO INSTAGRAM


“Quanto mais claramente
pudermos concentrar a nossa
atenção nas maravilhas e “Nós, artistas, temos de usar nossa fama em prol
realidades do Universo da liberdade, dos direitos humanos e da causa
sobre nós, menos gosto ambiental, que é uma das mais urgentes. Vivemos
teremos pela destruição.” uma era em que ou a gente faz algo para diminuir
RACHEL CARSON, o aquecimento global ou já era.”
ambientalista norte-americana
e autora do livro “Primavera LETÍCIA SPILLER, atriz
Silenciosa”
FOTO: VICTOR SOARES / ABR

“A vida é um processo,
é como subir uma
montanha. Mesmo que no
fim não se esteja tão forte
fisicamente, a paisagem
visualizada é melhor.”
“A água é a única bebida para LYA LUFT,
um homem sábio.” escritora

HENRY THOREAU, filósofo,


naturalista e escritor
norte-americano

12  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


FOTO: DIVULGAÇÃO

FOTO: LEANDRO DITTZ


CRESCENDO

GISELE BÜNDCHEN

FOTO: LILI FERRAZ


Em mais um
"Dia Mundial da
Água", a modelo
e ambientalista
usou suas redes
sociais para fazer
mais um alerta
ecológico: "Se
quisermos ter água
limpa, precisamos cuidar do
nosso ecossistema. E parar
“Por mais assustadora de desperdiçar, poluir e cortar
que seja a tempestade, nossas árvores, agora."
“A conscientização ela sempre passa.
ambiental por parte Se hoje te parece MÁRIO WERNECK
dos empresários evoluiu desagradável e angustiante, O parecer do
muito. Mas, precisamos espera e confia. A secretário municipal
avançar ainda mais.” melhor saída é a vida.” de Meio Ambiente

FOTO: GLÁUCIA RODRIGUES


de BH sobre o uso
FLÁVIO ROSCOE, ANDRÉ TRIGUEIRO, futuro da área da
presidente da Fiemg jornalista Mineração Lagoa
Seca, na Serra do
Curral, venceu a
votação por 10 a
3 na última reunião do Conselho
“A ecologia é hoje Municipal do Meio Ambiente
a única bandeira (Comam). Após analisar o processo,
universalista no campo Mário entendeu que a empresa
das grandes políticas. deve recuperar ambientalmente
FOTO: FABIO GOMES

Cada vez que um toda a área, explorada por mais


ecologista é chamado de 50 anos e destiná-la para uso
de chato, uma público. A definição também barrou
esperança se uma possível expansão imobiliária
acende.” do bairro Belvedere.
JOÃO PAULO CUNHA,
jornalista
MINGUANDO
FOTO: BETO NOVAES / EM

“Extrativistas por natureza,


flutuamos por anos no mar ONYX LORENZONI
da abundância. Reaproveitar O ministro da Casa Civil enviou
era palavra esquecida no ofício ao Ministério do Meio
dicionário. Mas a realidade Ambiente recomendando análise
de "extinção, adequação ou
vem mudando rapidamente,
fusão" de 23 comissões, comitês,
embora tenhamos preguiça
conselhos e grupos de trabalho
de acordar. Papel, florestas,
ligados à pasta ambiental. Ele
água, comida. Tudo segue
propõe o encerramento de
escasseando, como é escassa
colegiados que não se reuniram
a nossa consciência.”
nos últimos 30 meses. Mas
CRIS GUERRA, apenas dois não o fizeram.
escritora e palestrante
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  13
1 BLOG DO HIRAM

Tragédias (e soluções) acompanham


o novo presidente da Vale
O
viés ambiental na carreira profissional
do engenheiro Eduardo de Salles
Bartolomeo, escolhido para comandar
interinamente a Vale diante da tragédia que ela
causou e continua negando em Brumadinho,
repetindo Mariana, vem de longe.
Como está descrito em seu currículo de
executivo sênior, já há 10 anos na mineradora,
com “expertise em liderar operações complexas
e estabelecer uma cultura de excelência
operacional”, ele sabe disso.
Se não se lembra, após ter sido membro do
Conselho de Administração e do Comitê de
Governança, Conformidade e Risco da Vale, no
período de 2016 a 2017, Eduardo Bartolomeo vai
ser lembrado aqui. Ainda mais que a escolha de seu
nome foi alinhada e anunciada, oficialmente, “para
garantir estabilidade às operações da empresa
e dar continuidade ao processo de indenização,
reparação e mitigação dos efeitos do rompimento
da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão”.
Onde morreram e desapareceram mais de 300
pessoas, não podemos esquecer, seres humanos,
na sua maioria funcionários e prestadores de
serviços da Vale.
FOTO: DIVULGAÇÃO

Acompanhe, com exclusividade, essa sua EDUARDO BARTOLOMEO:


história ambiental. E, agora, desafiadora ao o novo rosto da Vale
extremo:

VINTE E TRÊS ANOS ATRÁS... Grande BH. E geralmente à noite, no já poluído


Estamos em Juatuba, município mineiro distante Ribeirão Céu Azul, afluente do Rio Paraopeba,
50 km de BH. Quase a mesma distância entre Bacia do São Francisco. Um verdadeiro mistério,
a capital mineira e Brumadinho. Nessa época, perante a opinião pública. E derrotas sucessivas
Inhotim ainda não existia. A Revista Ecológico se dos ecologistas e órgãos ambientais. Até que
chamava Estado Ecológico e circulava, em toda lua um velho ditado, que a gente aprendia na escola
cheia, como um suplemento impresso encartado quando criança, se fez respeitado: “A verdade é
no jornal "ESTADO DE MINAS". como azeite, sempre fica à tona d'àgua”.
Era início de 1996, quatro anos depois da Uma denúncia anônima revelou que quem
ECO/92, no Rio de Janeiro, a conferência que mais matava os peixes a jusante e na surdina, era
reuniu estadistas na história da humanidade. uma bem-quista fábrica da Cervejaria Brahma
Mais um ano, enfim, em que ninguém conseguia no município.
decifrar a causa de tanta mortalidade de peixes Nessa época, fazia sucesso a memorável
a cada chuva forte que caia em Juatuba, na campanha publicitária: “Brahma, a Número 1”. E

14  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


www.blogdohiram.com.br

Céu Azul, ao redor de sua planta industrial. Os


fiscais da Feam (Fundação Estadual do Meio
Ambiente) logo confirmaram dois parâmetros
fora dos padrões de qualidade hídrica do Copam
(Conselho Estadual de Política Ambiental):
“Demanda química de oxigênio (DQO)” e “presença
de amônia”, que a cervejaria também utilizava
no seu sistema de refrigeração, em dosagens
“12 vezes acima” do permitido pela legislação
ambiental federal. Bastante tóxica, a amônia é um
gás incolor que se dissolve bem na água.
Quase dois meses depois, em três de maio de
1996, saíram os resultados da causa “mortis”
em profusão dos peixes. Segundo as análises,
eles morriam de hemorragia. Ou seja, de
“derramamento de sangue para fora dos vasos
que deveriam contê-lo”.
Ao lado da autuação também pelo Ibama,
encaminhada ao Ministério Público para
instauração de processo, se confirmou mais: “A
Brahma faz do local (parte dos 10 hectares da
sua área verde, o seu 'lixão industrial particular'.
o que essa fábrica fazia em Minas? Queima, a céu aberto, montanhas de tampinhas,
Para fugir da fiscalização ambiental e do olhar vidros, rótulos e outras embalagens de seus
humano, em vez de tratar, ela acumulava os seus produtos. Pra completar, ela ainda jogava os
rejeitos industriais. E os lançava de madrugada, resíduos fedorentos de cevada em APP (Área de
quando a população estava dormindo e chovia
Preservação Permanente)".
forte, de forma que eles se misturassem com
A Brahma, enfim, não teve como fugir. Mesmo
outras fontes de poluição menores.
depois de ter instalado um sistema de controle
Foi o que o Estado Ecológico reportou, com
de efluentes exigidos pela legislação em sua
fábrica, ela reconheceu o dolo. O problema,
garantiram os ecologistas na época, liderados
pela Amda (Associação Mineira de Defesa do
Ambiente), estava na falta de gestão ambiental
permanente. A empresa precisava investir
mesmo, com consciência e vontade política, na
operação sistemática do processo de controle, o
que os fatos confirmaram.
E o que, afinal, o novo presidente interino da
Vale tem a ver com isso? Tudo. Antes de trabalhar
na mineradora, entre os anos 1994-2003, Eduardo
Bartolomeo foi diretor de Operações da Ambev. E
em 1998, quando a Brahma deu a volta por cima,
tornando-se a primeira cervejaria do mundo
exclusividade, no dia três de abril de 1996, com a a receber a Certificação Ambiental ISO 14001,
chamada de capa: “Matando na fonte”. E dentro: graças às mudanças na ex-poluidora fábrica de
“A Número 1... em degradação”. Juatuba, quem era seu gerente? Ele mesmo:
Graças à denúncia, a fábrica foi autuada duas Eduardo Bartolomeo.
vezes, também por poluir uma nascente e um É o que a Revista Ecológico continua
córrego outrora cristalino e afluente do Ribeirão reportando a seguir:

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  15


1 BLOG DO HIRAM

QUASE TRÊS ANOS DEPOIS de ser poluição que causava. Foi quando desenvolveu
enquadrada pela legislação brasileira como vários projetos ecológicos: o plantio de 10 mil
responsável pela morte de milhares de peixes, mudas de espécies nativas e ornamentais. A
a Brahma continuou alegando que o vazamento recuperação das matas ciliares às margens
de amônia foi um acidente, não intencional. do Ribeirão Céu Azul, de onde retirava água
Dizia, primeiro: “que errar é humano”. E, para uso industrial e consumo humano. E
segundo: “que aprender e melhorar com o erro investimento no aterro sanitário do município.
é ecológico”. A consciência “ecológica” da Brahma,
Pois foi isso que aconteceu e a Ecológico destacou Bartolomeo, não se restringiria
também anunciou com exclusividade: “A a Minas Gerais. Outras três unidades de
Número 1... em dar a volta por cima”. cervejaria – em Lages, Águas Claras do Norte
Nada de graça, é e Águas Claras
claro. Para cumprir do Sul – também
todas as exigências estavam buscando
do processo e receber a Certificação ISO
o selo comprobatório 14000: “Toda a
de seriedade no experiência que
trato com o meio tivemos em Juatuba
ambiente, a Brahma será repassada às
teve de investir R$ demais fábricas da
810 mil, entre os anos empresa” – disse ele.
1996/1998, na compra Com capacidade
de equipamentos instalada para a
antipoluentes, em produção de 500
consultoria externa milhões de litros
e treinamento de cervejas e
para todos os seus refrigerantes, a
funcionários. Unidade de Juatuba
Ela ainda buscou as passou a gerar quase
tecnologias limpas mil empregos diretos
existentes no Brasil e indiretos, ocupando
e no exterior desde a uma área de mais
denúncia, promovendo de 200 mil metros
mudanças estruturais quadrados: “Tudo e
na sua antiga fábrica, todos” – concluiu a
como a destinação reportagem – “agora
correta e reciclagem ecologicamente
de 95% dos resíduos corretos”.
ali gerados, criando áreas específicas para E Eduardo Bartolomeo? Sua última
armazená-los e dar-lhes destinação também declaração, como gerente da filial Minas
correta. Chegou a construir uma plataforma Gerais foi: “Investir em meio ambiente é uma
para medir a emissão de gases da chaminé das forma de garantir não somente o nosso futuro,
caldeiras. mas também a nossa própria sobrevivência
A certificação do seu novo Sistema de Gestão em um mercado cada vez mais competitivo
Ambiental (SGA) interno foi recomendada pelo e globalizado”. E repetiu: “Investir em meio
órgão inglês Bureau Veritas Quality International. ambiente é, definitivamente, uma forma de se
Segundo comemorou seu gerente, Eduardo melhorar o desempenho econômico/financeiro
Bartolomeo, nessa época, a Brahma também de qualquer empresa”.
conseguiu estender sua preocupação ambiental Continua sendo este o pensamento do
à comunidade em volta, até então seus agora presidente interino da Vale? É o que
inimigos e críticos naturais. Face, é claro, à Brumadinho e Mariana aguardam saber.

16  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


www.blogdohiram.com.br

A última performance da Brahma em Juatuba


Olha como são as coisas. Seis anos depois que
Eduardo Bartolomeo deixou o cargo de diretor

O
FOTOS: REPRODUÇÃ
de Operações da Ambev, na ”Semana Mundial
da Água” deste ano, a fábrica de Juatuba voltou
às manchetes. E não mais como o exemplo de
sustentabilidade para as demais cervejarias
do mundo. Foi o que toda a mídia noticiou: o
fechamento da fábrica da Ambev em Minas por
falta de... higiene!
Segundo os fiscais do Serviço de Inspeção de
Produtor de Origem Vegetal (Sipov), a unidade
que fabrica cervejas e chope das marcas Skol,
Caracu, Antarctica Sub Zero, Original, Brahma
e Serrana nem tinha registro oficial do governo,
além de todas as irregularidades encontradas.
Em nota para o mercado, a Ambev, que faz
parte da multinacional belga Anheuser-Busch reformas de estrutura”. Nem uma linha, ela
Inbev, explicou que as operações da cervejaria informou, do que já foi um dia, de ruim e bom
de Juatuba estavam temporariamente para a natureza e às pessoas à sua volta, além
suspensas para a realização de pequenas do economicamente viável.

O boulevard engavetado do Arrudas


Nessa mesma época, como forma de também
compensar ecologicamente a capital mineira e dar
visibilidade à marca Brahma, instalada na Bacia
Hidrográfica do Velho Chico, Eduardo Bartolomeo
entrou em contato com os ambientalistas e a
Prefeitura de BH, por meio da Secretária Municipal
de Meio Ambiente. O secretário era o jornalista
Paulo Lott. E Célio de Castro, o prefeito.
Bartolomeo prometeu patrocinar os estudos de
um projeto ambiental executivo final para a capital
dos mineiros, a ex-“Cidade Jardim” do Brasil. E o
fez, a um custo, à época, de R$ 150 mil.
Assim nasceu o Projeto de Recuperação projeto executivo final, com apoio e participação
Urbana, Ambiental e democrática da população, ocorreu festivamente,
FOTOS: DIVULGAÇÃO

Paisagística – intitulado nas margens poluídas e sem arte do Arrudas,


“Boulevard do Arrudas” tendo a Igreja de Santa Tereza ao fundo, durante
(à dir.) - à semelhança das as comemorações de mais um “Dia Mundial do
margens artísticas e floridas Meio Ambiente”. Bartolomeo financiou e entregou
do Rio Sena, em Paris, e das o projeto pronto para a prefeitura que, por
“ramblas” de Barcelona. Um questões partidárias, ainda o mantém arquivado,
sonho que nunca foi realizado semimorto nas gavetas da Secretaria Municipal de
por questões politiqueiras. Obras e Serviços Urbanos de BH.
A entrega oficial do Alô Alexandre Kalil (foto), ressuscita-o! 
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  17
1 PÁGINAS VERDES

“O EXTRATIVISMO
SUSTENTÁVEL É POSSÍVEL”
Luciano Lopes
redacao@revistaecologico.com.br

E
ntre 2016 e 2017, o gestor ambien-

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


tal Hiuri Metaxas, 26 anos, visitou
várias comunidades da zona rural
de Januária, no Norte de Minas, nos limi-
tes da Área de Proteção Ambiental (APA)
Cavernas do Peruaçu. Em uma delas, a
de Areião, fica a sede da Cooperativa dos
Agricultores Familiares e Agroextrativistas
do Vale do Peruaçu (Cooperuaçu), onde
ele realizou uma série de pesquisas para
valorar serviços ambientais na APA.
Na cooperativa trabalham mais de 60
pessoas, a maioria mulheres. Além da ex-
tração de frutos como pequi, cagaita e bu-
riti, elas produzem geleias, doces, polpas e
vários outros produtos que são comercia-
lizados em todo o estado. “Os cooperados
são conscientes de que a preservação am-
biental é essencial para a sobrevivência e
o trabalho. Respeitam e conhecem os ser-
viços ambientais que a natureza oferece a
eles”, afirma o pesquisador.
O trabalho, que foi tema da dissertação
de mestrado de Hiuri, é um dos poucos já
realizados na área, uma Unidade de Con-
servação (UC) de Uso Sustentável gerida
pelo Instituto Chico Mendes de Conser-
vação da Biodiversidade (ICMBio). A área
do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu
tem 143.355,59 hectares. Integra o Mosaico
Grande Sertão Veredas – Peruaçu e também
é conhecida por abrigar cavernas e sítios
arqueológicos e paleontológicos.
Nesta entrevista à Ecológico, Hiuri ressal-
ta a importância da preservação ambiental
para a manutenção das comunidades ru-
rais e tradicionais e como as áreas prioritá-
rias de conservação têm sofrido com ações
antrópicas, como queimadas e desmata-
HIURI METAXAS: "A valoração ambiental mento, que impactam os serviços ofereci-
já é disciplina em cursos de mestrado" dos pela natureza. Confira:

18  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


H I U R I M E TA X A S
Mestre em Sustentabilidade e
Tecnologia Ambiental e consultor

FOTO: IZABELA TASSAR


“Você chega no Norte de Minas e acha que é uma região seca e pobre. Mas, se andar
um pouquinho, consegue entrar nas várzeas, nas veredas. A paisagem é impactante.”

Por que você escolheu o tema uma busca na plataforma do pasta, sucos, licores... Na épo-
valoração ambiental como ob- SisBio [sistema que permite a ca da pesquisa, eram 32 pro-
jeto de pesquisa? pesquisadores solicitarem auto- dutos. Hoje já são mais de 40.
Antes de iniciar este trabalho no rizações para coleta de material Eles não têm conservantes ou
Norte de Minas, havia começa- biológico e para a realização de corantes. São de origem natu-
do um estudo de valoração em pesquisa em unidades de con- ral e extrativista, de frutas na-
uma área da capital mineira. servação federais e cavernas], tivas do Cerrado. Por isso, têm,
Neste espaço, infelizmente, ha- verá que há um número peque- inclusive, durabilidade menor.
via um conflito político e am- no de pesquisas realizadas. Na
biental muito grande. Fui impe- APA Cavernas do Peruaçu, uma E o valor real do serviço am-
dido pelos próprios moradores, área prioritária à conservação, biental pesquisado?
por questão de segurança, de por exemplo, não havia ne- O Valor Econômico Total (VET)
entrar no local. Então, fui buscar nhum estudo sobre valoração foi de R$ 189,5 milhões. A esti-
outro objeto de estudo. Conhe- ambiental. Outra questão é que mativa poderia ser maior, uma
ci alguns produtores rurais da a APA não possui Plano de Ma- vez que esse número leva em
região da APA Cavernas do Pe- nejo. Desse modo, estudos que consideração apenas 12 espé-
ruaçu que participavam de uma são desenvolvidos lá podem ser cies vegetais como provedoras
feira de agricultura familiar em utilizados como base para se dos serviços. Pequi, araticum,
BH, vendendo frutos, e me in- construir o material. buriti, coquinho azedo e cagai-
formei a respeito. ta estão entre elas. No âmbito
Qual serviço ambiental foi da pesquisa, o coquinho azedo,
O tema ainda é muito pouco valorado? inclusive, foi responsável por
estudado? O da produção de frutos e co- quase 70% do faturamento da
Sim. Do ponto de vista cientí- mercialização dos produtos cooperativa. No período anali-
fico e preservacionista, é mui- gerados por meio deles, como sado, foram coletadas mais de
to interessante. Se você fizer geleias, polpas, sorvete, doce,
2
10 toneladas de frutos.

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  19


1 PÁGINAS VERDES

Quantas pessoas fazem parte atraindo parcerias e dá mais vi-


da Cooperuaçu? sibilidade ao trabalho que é de- QUEM É ELE
São mais de 60 sócios-coope- senvolvido na comunidade. Por
rados (80%, mulheres), de 14 meio dessas parcerias, como as
comunidades localizadas nos li- do WWF Brasil e do Sebrae, eles Graduado em Gestão Ambiental
mites da APA. Essa cooperativa participam de debates e fazem pelo Centro Universitário UNA
e mestre em Sustentabilidade
é recente, foi fundada em 2013 cursos e capacitações.
e Tecnologia Ambiental pelo
(antes disso, eles trabalhavam Instituto Federal de Minas
de maneira informal) e regula- Mais de 80% dos cooperados Gerais – IFMG, Hiuri Metaxas
mentada em 2016. A cooperativa são mulheres. Por que a partici- atua nas áreas de Educação
é carente de recursos adminis- pação de homens é pequena? Ambiental, Sustentabilidade,
trativos e não tinha uma forma Acredito que seja pelo fato de Tecnologia Ambiental,
estruturada de arquivo e mensu- elas serem maioria. Mas isso não Estatística Ambiental, Sistema
ração de números. A planilha de é um limitador para que novas de Gestão Ambiental, Valoração
peso que eles utilizam hoje, por pessoas entrem na cooperativa. e Pagamento por Serviços
Ambientais. Como educador
exemplo, foi desenvolvida du- Todos trabalham para o fortale-
e mobilizador, trabalha na
rante a pesquisa. cimento da Cooperuaçu, mas o elaboração e implantação
provimento é individualizado. de Programas de Educação
Os produtos são comercializa- Como disse, quem colhe mais, Ambiental (PEA) para
dos apenas pela cooperativa? ganha mais. A preocupação iniciativas pública e privada e
Há três meios de comercializa- maior, entretanto, é com o futu- tem experiência na realização
ção. A primeira é em nível re- ro da instituição, pois os jovens de treinamentos de meio
gional, em que compradores de das comunidades têm pouco in- ambiente para o público interno
cidades próximas vão à sede da teresse em trabalhar com extra- de empresas.
cooperativa, que fica na Comu- tivismo sustentável. Contato: metaxashiuri@gmail.com
nidade do Areião, na zona rural
de Januária. Em âmbito estadual, Você identificou nos coope-
a venda dos produtos acontece rados a preocupação com as
através das feiras que eles parti- questões ambientais? peitam e conhecem os serviços
cipam. Fora de Minas, ela é rea- Sim, e isso é um dos pontos-cha- ambientais que a natureza ofe-
lizada com a ajuda de parceiros, ve da pesquisa. Há bibliografias rece a eles. A cooperativa é um
como a ONG WWF Brasil, e o que dizem que o extrativismo exemplo de que o extrativismo
Sebrae. Em Pinheiros (SP), eles pode não ser bom porque atra- sustentável é possível.
vão pessoalmente levar os frutos palha a propagação das espécies
para serem comercializados. A vegetais. Mas se a extração for A região sofre muito com ações
cooperativa já exportou até cre- feita com responsabilidade, pen- antrópicas?
me de pequi para o Japão. sando na manutenção biológica Entre 2016 e 2017, houve uma
e ecológica, dá certo. queimada em uma das vere-
Qual é a renda média dos coo- das. Foram quase 60 hectares
perados? Poderia dar um exemplo? destruídos. O prejuízo para a
Antes de ter a atividade extra- Você tem uma árvore no ecossis- cooperativa foi de quatro tone-
tivista, a renda deles vinha da tema local com 100 frutos. Exis- ladas de buritis, que deixaram
agricultura familiar. Já a renda tem extrativistas que tirariam os de ser coletadas. O trabalho dos
extrativista média é de até um 100 frutos. Não é o caso da coo- cooperados é ambientalmen-
salário. O valor para cada coo- perativa. Eles tirariam 30, porque te colaborativo. Para manter a
perado depende da quantidade sabem que os outros 70 são para identidade cultural sertaneja,
de frutos que ele coleta e entre- alimentar a fauna. Também há os eles buscam valorizar alimentos
ga à cooperativa. É importante frutos que precisam amadurecer tradicionais e preservar os ecos-
ressaltar que, após a instalação e cair no solo para reprodução sistemas locais.
da Cooperuaçu, a qualidade de da espécie. Os cooperados são
vida dos cooperados melhorou. conscientes de que a preserva- No caso do trabalho com
A instituição faz um trabalho ção ambiental é essencial para a comunidades, o que é preciso
sério. A prova disso é que vem sobrevivência e o trabalho. Res- destacar?

20  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


H I U R I M E TA X A S
Mestre em Sustentabilidade e
Tecnologia Ambiental e consultor

FOTOS: COOPERUAÇU
DEPOIS da colheita, os cooperados fazem o beneficiamento dos frutos e a produção de polpas, geleias e doces

Para esse tipo de pesquisa, você Qual o desdobramento que pesquisador?


tem de se deslocar várias vezes você vê da pesquisa? Ela me mostrou como a nature-
para a área de estudo. O acesso, De orientação. Hoje, a Valoração za é riquíssima e essencial para
às vezes, é muito difícil. É pre- Ambiental já é disciplina específica todos nós. No caso do Norte de
ciso também fazer um processo em cursos de mestrado. A pesquisa Minas, há um certo preconceito
de sensibilização e interlocução serve de base para novas turmas quando se fala nele. Você chega
antes de entrar na comunidade. de pesquisadores que queiram lá, acha que é uma região seca e
Por mais gentis que as pessoas trabalhar com o tema. Ao divulgar pobre. Mas, se andar um pouqui-
sejam, às vezes elas são resisten- os resultados, podem surgir pes- nho, consegue entrar nas várzeas,
tes à entrada de novas pessoas. É soas interessadas em conhecer a nas veredas. A paisagem é impac-
essencial conversar antes com as cooperativa e também auxiliar os tante. Sempre trabalhei com ges-
lideranças e cadastrar a pesquisa cooperados, porque este também tão ambiental e o que posso dizer
no ICMBio. Antes de me dedicar era um dos objetivos da pesquisa. é que a proximidade com a natu-
à dissertação, eu já havia come- Outro é dar à área de proteção Ca- reza muda a gente por dentro. E,
çado a contatar a Cooperuaçu. Já vernas do Peruaçu um estudo que principalmente, nos faz enxergar
tinha experiência em trabalhar pudesse embasar políticas públi- que os recursos naturais são fini-
com comunidades rurais, mas da cas socioambientais. tos e devem ser preservados. 
forma como busquei trabalhar,
foi inédito. Os cooperados foram O que a pesquisa mudou no SAIBA MAIS:
muito solícitos, hospitaleiros. seu olhar como ser humano e facebook.com/cooperuacu

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  21


1 DIA MUNDIAL DA ÁGUA

O RECADO HÍDRICO

DE NAIRÓBI
O
mundo preparou o terre- entregaram um plano audacioso de soluções inovadoras e da ado-
no para uma mudança ra- por mudança. Comunicaram que ção de padrões sustentáveis de
dical por um futuro mais o mundo precisa acelerar os mo- produção e consumo.
sustentável, em que a inovação vimentos para um novo modelo “Reafirmamos que a erradi-
pode ser fomentada para enfren- de desenvolvimento a fim de res- cação da pobreza, mudando
tar os desafios ambientais, o uso peitar a visão estabelecida pelos aquilo que é insustentável, pro-
de plásticos descartáveis será sig- Objetivos de Desenvolvimento movendo padrões sustentáveis
nificativamente reduzido e o de- Sustentável para 2030. de consumo e produção e pro-
senvolvimento não irá mais cus- Preocupados pelas crescentes tegendo a gestão dos recursos
tar tanto para o planeta. evidências de que o planeta está naturais, que são base para o
Após cinco dias de conversas cada vez mais poluído, rapida- desenvolvimento social e eco-
na Quarta Assembleia Ambiental mente se aquecendo e perigo- nômico, são os objetivos funda-
das Nações Unidas, em Nairóbi, samente esgotado, os ministros mentais e as exigências essen-
os ministros de mais de 170 paí- prometeram atender os desafios ciais para o desenvolvimento
ses membros das Nações Unidas ambientais por meio do avanço sustentável”, afirmaram eles em

22  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


Ministros de 170 países acordam um novo modelo para proteger os recursos
degradados do planeta, incluindo a água, na 4ª Assembleia Ambiental da ONU

sua declaração final. bleia. Eles são o corpo mais ver o uso e compartilhamento
“Iremos melhorar as estraté- importante de meio ambiente de dados ambientais, e reduzir
gias de gestão de recursos na- em nível global, cuja decisão sensivelmente o uso de plásti-
turais integrando perspectivas irá definir a agenda das na- cos descartáveis.
que englobem o ciclo completo ções, antevendo a Cúpula de “Nós vamos endereçar o dano
da vida e análises que concreti- Ação Climática da ONU, em causado a nossos ecossistemas
zem economias de baixo carbo- setembro próximo. pelo uso insustentável de pro-
no e eficientes em relação aos O evento também resultou dutos plásticos, promovendo a
seus recursos.” no comprometimento dos mi- redução significativa de descar-
Mais de 4.700 delegados, in- nistros em promover sistemas táveis desse tipo de material até
cluindo ministros do meio am- de alimentação encorajando 2030, e iremos trabalhar com o
biente, cientistas, acadêmicos, práticas de agricultura resi- setor privado para encontrar
líderes empresariais e repre- lientes, enfrentar a pobreza produtos ambientalmente ami-
sentantes da sociedade civil por meio da gestão sustentável gáveis e financeiramente acessí-
estavam presentes na Assem- de recursos naturais, promo- veis”, disseram.
2
2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  23
1 DIA MUNDIAL DA ÁGUA
acabar com incentivos para con-
sumo e produção insustentáveis,
quando apropriado.
“Nosso planeta atingiu seus
limites e precisamos agir agora.
Estamos muito satisfeitos que o
mundo tenha respondido, em
Nairóbi, com compromissos fir-
mes para construir um futuro
em que a sustentabilidade seja o
objetivo final em tudo o que fizer-
mos”, afirmou Joyce Msuya, dire-
tora-executiva Interina da ONU
Meio Ambiente.

FOTO: GREENPEACE © / CARÈ © / MARINE PHOTOBANK


“Se os países cumprirem tudo
o que foi acordado aqui e imple-
mentar as resoluções acordadas,
poderemos dar um grande passo
em direção a uma nova ordem
mundial. Nós não cresceremos
mais às custas da natureza, mas
veremos as pessoas e o planeta
prosperarem juntos.”

PROTEÇÃO MARINHA
UM DOS principais focos da Assembleia foi a necessidade de proteger Um dos principais focos da As-
oceanos e ecossistemas frágeis. Os ministros adotaram uma série
sembleia foi a necessidade de
de resoluções sobre lixo marinho plástico e microplásticos
proteger oceanos e ecossistemas
frágeis. Os ministros adotaram
O MOMENTO É DE AÇÃO desenvolvimento diferente. En- uma série de resoluções sobre
“O mundo está em uma encru- tre elas, foi reconhecido que uma lixo marinho plástico e micro-
zilhada, mas hoje escolhemos economia global mais circular, plásticos, incluindo o compro-
o caminho que iremos seguir” em que os bens podem ser reuti- misso de estabelecer uma plata-
disse Siim Kiisler, presidente lizados ou reaproveitados e man- forma multissetorial dentro da
da Quarta Assembleia Am- tidos em circulação pelo maior ONU Meio Ambiente para tomar
biental da ONU e Ministro do tempo possível, pode contribuir medidas imediatas para a elimi-
Meio Ambiente da Estônia. significativamente para o consu- nação a longo prazo de lixo e mi-
“Decidimos fazer as coisas di- mo e a produção sustentáveis. croplásticos.
ferentemente. Desde reduzir Outras resoluções indicam Durante a cúpula, Antígua e
nossa dependência dos plás- que os estados-membros po- Barbuda, Paraguai e Trinidad e
ticos de uso único a colocar deriam transformar suas eco- Tobago aderiram à campanha
a sustentabilidade no seio de nomias por meio de compras “Mares Limpos” da ONU Meio
todos os desenvolvimentos públicas sustentáveis e apoiar Ambiente, elevando para 60 o
futuros, transformaremos a medidas para lidar com o des- número de países adeptos da
maneira que vivemos. Temos perdício de alimentos e para maior aliança mundial de com-
as soluções inovadoras que desenvolver e compartilhar as bate à poluição marinha por
precisamos. Agora temos que melhores práticas nas áreas de plásticos, incluindo 20 da Amé-
adotar políticas que nos per- eficiência energética e de segu- rica Latina e do Caribe.
mitam suas implementações.” rança para a cadeia de frio.
Ao final da Assembleia, os dele- As resoluções também aborda- DESAFIOS AMBIENTAIS
gados adotaram uma série de re- ram o uso de incentivos, incluin- A necessidade de agir rapida-
soluções não vinculantes, rumo do medidas financeiras, para pro- mente para enfrentar os desa-
à mudança para um modelo de mover o consumo sustentável e fios ambientais existenciais foi

24  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


ressaltada pela publicação de
diversos relatórios durante a
Assembleia.
Entre as mais devastadoras,
está uma atualização sobre a mu-
dança do Ártico, que explica que
mesmo que o mundo cortasse as
emissões em consonância com o
Acordo de Paris, as temperaturas
do inverno no Ártico subiriam
entre 3 a 5°C em 2050 e 5 a 9°C até
2080, devastando a região e de-
sencadeando o aumento do nível
do mar em todo o mundo.
O relatório “Ligações Globais -
Um olhar gráfico sobre a mudan-
ça do Ártico” alertou que o rápido
derretimento do permafrost po-
deria acelerar ainda mais a mu-
dança climática e inviabilizar os
Saiba mais
esforços para cumprir o objetivo l Segundo o "Relatório sobre países é dramática, uma vez
de longo prazo do Acordo de Pa- o Desenvolvimento hídrico que enfrentam frequentemente
ris: limitar o aumento da tempe- no mundo de 2019" da ONU, sérios obstáculos na obtenção
ratura global a 2°C. 2,1 bilhões de pessoas não de água e na utilização dos
Enquanto isso, o sexto “Pano- têm acesso à água potável. serviços de saneamento. Quase
rama Global Ambiental”, visto E, acredite, 4,5 bilhões não 70 milhões de pessoas foram
como a avaliação mais abrangen- têm instalações sanitárias forçadas a fugir de suas casas
te e rigorosa do estado do planeta, gerenciadas com segurança. em 2017. Em média, mais de
alertou que milhões de pessoas 25 milhões de pessoas migram
l Estima-se que 1,4 milhão
poderão morrer prematuramen- todos os anos em consequência
de pessoas (a maioria de catástrofes naturais, duas
te devido à poluição da água e do
crianças) morrem anualmente vezes mais do que no início da
ar até 2050, a menos que medidas em todo o mundo devido a
urgentes sejam tomadas. década de 1970, um número
doenças contraídas de água que se receia aumentar devido
O estudo destaca que os po- contaminada. às mudanças climáticas em
luentes em nossos sistemas de
l Mais da metade das andamento.
água potável farão com que a
resistência antimicrobiana se pessoas que bebem de fontes l Embora a procura pela água
não seguras vivem na África tenha aumentado 1% por ano
torne a maior causa de mortes
Subsaariana, onde apenas 24% desde 1980, as guerras pela
até 2050 e com que disruptores
têm acesso a água limpa e água também aumentaram: 94
endócrinos afetem a fertilida-
28% a saneamento que não é de 2000 a 2009 e 263 de 2010
de masculina e feminina, bem partilhado com outras famílias. a 2018. Os conflitos para obter
como o desenvolvimento neu- Três quartos dos habitantes dos fontes de água triplicaram de
rológico infantil. países dessa região procuram uma década para outra.
Produzido por 250 cientistas e água com muita dificuldade,
especialistas de mais de 70 pa- l O relatório mostra que os
uma tarefa que cabe
íses, o relatório mostra que o investimentos no abastecimento
principalmente às mulheres,
mundo tem a ciência, tecnologia de água e no saneamento
que levam em média mais de 30
têm um excelente retorno
e finanças necessárias para avan- minutos em cada viagem para
económico; estima-se que o
çar em direção a um caminho de ter acesso ao recurso natural.
retorno global seja o dobro
desenvolvimento mais sustentá- l A situação dos refugiados para os investimentos na água
vel, mas políticos, empresários e e das pessoas deslocadas potável e mais de cinco vezes
o público devem apoiar e incenti- internamente nos próprios para o saneamento.
var essa mudança. l

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  25


1 PERFIL: RICARDO SALLES
Ministro do Meio Ambiente

O estranho no ninho?
Bia Fonte Nova
redacao@revistaecologico.com.br

P
ara os ruralistas ele é o homem certo no lugar certo. Para os
ambientalistas, no entanto, é um insensível no ninho. Foi
candidato a deputado federal nas últimas eleições, pelo
Partido Novo (PN), mas não se elegeu. Em seu site de campanha,
os lemas de sua pauta não incluíram uma linha sequer sobre
meio ambiente. Os focos escolhidos foram dois: a legítima defesa,
nela incluída sua clara posição contra o desarmamento civil; e a
tolerância zero com a impunidade e a corrupção.
As informações acima certamente revelam parte da persona-
lidade, das ideias e convicções do aual ministro do Meio Am-
biente, o advogado Ricardo Salles. Aos 43 anos, ele foi secretário
da pasta ambiental de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin
(PSDB), de julho de 2016 a agosto de 2017.
Dias antes de ser nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro,
seu nome ganhou grande repercussão na mídia – nacional e
internacional – pelo fato de ser réu na Justiça por improbida-
de administrativa. Ele é acusado de ter alterado ilegalmente
o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) da
Várzea do Rio Tietê para favorecer setores produtivos. O pro-
cesso foi aceito pelo Tribunal de Justiça de SP e está em fase de
sentença. O plano de manejo, por sua vez, está suspenso em
razão dessa ação judicial.
Na seara das mudanças climáticas, Salles ameaçou tirar o
Brasil do Acordo de Paris, mas voltou atrás. E sentenciou –
para espanto de ambientalistas e com direito a destaque em
jornais como o britânico The Guardian – que o aquecimento
global “é uma questão secundária”.
Logo no começo de janeiro, um de seus primeiros atos foi
realocar a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas den-
tro do Ministério do Meio Ambiente (MMA), transferindo a
agenda climática para uma assessoria especial ligada direta-
mente a ele – e com estrutura mínima. Sua alegação é de que
a secretaria havia se transformado num “ajuntamento de
pessoas que ficavam fazendo turismo internacional às cus-
tas do governo”. Uma fala improcedente e desrespeitosa com
todos os ministros e servidores públicos que o antecederam.
Para representantes de ONGs e cientistas, sua nomeação é
sinal de retrocesso. Sobretudo diante do aumento do desma-
tamento na Amazônia e pelo fato, ainda, de Salles ser apoiado
por ruralistas. Conforme dados do Instituto Nacional de Pes-
quisas Ambientais (INPE), no auge da campanha que elegeu
Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia aumentou nada
RICARDO SALLES na contramão do menos que 36%, isso somente entre junho e setembro de 2018.
pensamento científico: “A discussão sobre se Confira, a seguir, trechos de declarações contraditórias con-
há ou não o aquecimento global é secundária” cedidas por Salles antes e depois de ser alçado ao cargo:

26  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


FOTO: PAULO PEREIRA / GREENPEACE
QUEM É ELE

No site ricardosalles.com.br
o currículo do novo ministro,
recheado de adjetivos, destaca
que ele é formado em Direito por
“prestigiadas” universidades do
Brasil e da Europa. Antes disso,
já se dedicava a uma “prolífica”
carreira jurídica, tendo atuado
como diretor jurídico da
Sociedade Rural Brasileira
(SRB), diretor e conselheiro do
Instituto Brasileiro de Estudos
de Concorrência, Consumo
e Comércio Internacional
(Ibrac), além de secretário
particular e ex-secretário de
Meio Ambiente de São Paulo, na
gestão de Geraldo Alckmin. É,
ainda, fundador e presidente do
Movimento Endireita Brasil.
Saiba mais:
www.ricardosalles.com.br
www.mma.gov.br

DESACORDO DE PARIS
 “Tem uma turma que prefe-
re ir a Paris discutir como esta- No auge da campanha que elegeu Bolsonaro, o
rá o mundo daqui a 300 anos. É desmatamento na Amazônia - a última grande
muito mais gostoso. Pegam um
avião na classe executiva, ficam floresta tropical e refrigerador natural
em hotel e jantam em Paris por do planeta - aumentou 36%. O que parece não
conta do governo, com cinco as-
sessores. Em vez disso, agora eles
convencer nem comover o novo ministro:
têm de fazer o que eu fazia: sujar "Isso é algo a ser verificado", declarou ele
o pé, cheirar esgoto, fiscalizar o
lixo in loco.”
 “Minha proposta é cuidar do o território não é negociável.” PRIORIDADES
meio ambiente no Brasil. En-  “Esse papel (de monitora-  “A defesa do meio ambiente é
quanto isso, a Academia pode mento das metas de emissões um valor inegociável. Essa é a
discutir esses temas de clima- de gases de efeito estufa pelo orientação do presidente Bolso-
te change (mudança do clima). Brasil) será da Secretaria Es- naro e assim será feito. O ponto
Não estou me opondo a isso. pecial de Clima, ligada direta- principal é assegurar à socieda-
Estou simplesmente dizendo mente a mim. de, não só internamente, mas
que a pauta prioritária de um  Não vamos nos comprome- também internacionalmente,
governo que tem tantas mazelas ter com novas metas climáti- que o meio ambiente é priorida-
tangíveis para o brasileiro que cas. Nosso papel é dizer: ‘Olha, de e será muito bem cuidado por
mora ao lado esgoto não é dis- a lição de casa está feita aqui. este governo.”
cutir clima em Paris.” Quanto vale isso?’. Sem recur-
 “A discussão sobre se há ou sos não tem manutenção futu- DESMATAMENTO
não o aquecimento global é se- ra. Mas continuaremos fisca-  “Todas as organizações não-go-
cundária. (Em relação ao Acor- lizando. O Brasil é credor e já vernamentais (ONGs), ambien-
do de Paris), temos de lembrar fez além do seu dever de casa talistas e organismos de conser-
que a soberania nacional sobre nessa área.” vação podem ficar tranquilos. O

2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  27
1 PERFIL: RICARDO SALLES
Ministro do Meio Ambiente

verbo de minha gestão será har- necessário para cuidar dos ou-
monizar, sem discriminações. tros. Você pode ter uma linha de

FOTO: DIVULGAÇÃO
Essa perseguição ideológica não transmissão e o royalty que ela
é saudável para ninguém. Nem vai pagar poderá ser usado como
para a Agricultura e tampouco recurso e, às vezes, até mesmo
para o Meio Ambiente.” como know-how, porque você
 “Quanto à questão específica pode embutir monitoramento
do aumento do desmatamento, por sistema de câmera, por sa-
isso é algo que será verificado. A télite, por drone etc. É essa dico-
informação é muito genérica, é tomia entre desenvolvimento e
importante detalhar.” meio ambiente que tem matado
as unidades de conservação.”
MULTAS
 “Houve um descontrole na FUSÃO MEIO AMBIENTE
aplicação da lei e da fiscalização E AGRICULTURA
ambiental. A prova disso é que  “Não é verdade (que o Meio

um percentual muito pequeno Ambiente seria reduzido a um


de autos de infração se converte apêndice da Agricultura). A
em multas e em punição.” orientação do presidente Bol-
sonaro é de que haja integra-
FLORESTA X CIDADE ção e diálogo entre todos os
 “Temos de parar de inventar a setores, sobretudo Agricultura DURANTE A CAMPANHA
roda na área do campo. A agri- e Meio Ambiente.” para deputado federal,
cultura brasileira é exemplo para  “A Agricultura foi muito per-
Salles sugeriu em um cartaz,
o mundo. Ponto. Na cidade, te- seguida por órgãos ambientais publicado nas redes sociais
mos muita coisa por fazer.” em administrações passadas. (foto), o uso da munição de
Não haverá perseguição. Ao fuzil .30-06 (mesmo número
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO contrário.” que escolheu nas urnas) em
 “Você pode ter ferrovia pas- favor da segurança no campo
sando nelas e a compensação RÉU/PLANO DE MANEJO e contra a “praga do javali”,
econômica por ela ser o recurso DA APA DO RIO TIETÊ contra “a esquerda e contra o
 “As medidas que tomamos para
Movimento dos Trabalhadores
adequar o plano de manejo eram Rurais Sem Terra (MST)”.
“Podemos necessárias. Com razão, vários Além de revolta, a publicação
setores, como prefeituras, in- motivou uma advertência de
transformar a dústrias, comércio e habitação, seu partido, esclarecendo não
Esplanada dos afirmaram que havia erros muito compactuar “com qualquer
sérios no plano de manejo e, por-
Ministérios num tanto, precisavam ser corrigidos.
insinuação ou apologia à
violência, de qualquer tipo,
museu do desperdício, O que fizemos foi colocar a ques- contra quem quer que seja”.
da ineficiência e da tão técnica acima da ideológica.”
 “Em certos lugares, onde di-
corrupção -  ou, então, ziam ser área de preservação,
depois da Lava Jato, já havia estação de tratamento
de esgoto, avenidas, conjuntos meio ambiente seria enorme”.
numa grande prisão residenciais... Quer dizer, se  “Sou réu, mas não há decisão
de segurança máxima, deixássemos aquele plano de contra mim. São todas favoráveis
para servir de manejo ser aprovado da forma a mim. Todas as testemunhas
como estava, absolutamente foram ouvidas, todas as provas
exemplo contra a desconectado da realidade, o produzidas e o processo está con-
impunidade.” prejuízo à sociedade, ao de- cluso para sentença. Pode ser sen-
senvolvimento econômico e ao tenciado a qualquer momento.”

28  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


BRASÍLIA

FOTO: EURICO ZIMBRES


 “Desde que a capital do Brasil
se transferiu do Rio de Janeiro
para Brasília, os políticos pas-
saram a viver numa espécie de
ilha da fantasia, longe do povo e
da realidade brasileira. É uma ci-
dade que só produz papel, buro-
cracia, privilégios e escândalos.
Lá, os políticos vivem às custas
do cidadão, legislando em causa
própria sem pensar no verdadei-
ro interesse da sociedade.”
 “A solução é transferir a capital

para São Paulo, cidade que aco-


lhe brasileiros de todas as regiões
do país, e onde se produz boa
parte da riqueza que é desper-
diçada pela classe política. Com
isso, ainda podemos transfor-
mar a Esplanada dos Ministérios
num museu do desperdício, da
ineficiência e da corrupção  –  ou,
então, depois da Lava Jato, numa
grande prisão de segurança má- “Eu não conheço o Chico Mendes e tenho
xima, para servir de exemplo certo cuidado de falar sobre coisas que não
contra a impunidade.”
conheço. Escuto histórias de todos os lados.
RECADO CLARO Do lado dos ambientalistas, mais ligados
 “O meio ambiente é uma pauta à esquerda, é um enaltecimento. Já as
que foi sequestrada pela esquer-
da no Brasil e no mundo. No en- pessoas que são do agro dizem que ‘Chico
tanto, a preservação da nature- Mendes não era isso que é contado', que
za tem muito mais a ver com a
direita do que com a esquerda. usava os seringueiros para se beneficiar,
Uma prova disso foi a atuação fazia uma manipulação da opinião. É
que tive como secretário em SP. irrelevante. Que diferença faz quem
Fomos a equipe que mais defen-
deu, de fato, o meio ambiente, e é Chico Mendes nesse momento?”
sem ceder às pressões ideológi- RICARDO SALLES, no Programa Roda Viva, da TV Cultura
cas de grupos esquerdistas.”
 “Para começar, combatemos

a máfia dos lixões, que conta-


minavam lençóis freáticos e 900 hectares. Ao fim da gestão, que levavam cerca de R$ 3 mi-
atraíam moscas e urubus, além chegamos a 7 mil hectares de lhões por mês em ‘consultorias’.”
de causar outros problemas
mudas plantadas.” EM TEMPO: procurada pela Ecológico,
para as populações próximas.
 “Combatemos a burocracia, a assessoria de imprensa do MMA não
Em apenas um ano do ‘Progra-
que deixa o trabalhador brasi- retornou ao nosso pedido de entrevista.
ma Lixão Zero’, os 112 lixões
paulistas foram reduzidos a 23. leiro de mãos atadas. Lutamos
FONTE:
Quando assumimos o ‘Progra- contra o aparelhamento do Es- Com informações do site/blog:
ma Nascentes’, a área de recu- tado pela velha política e pela ricardosalles.com.br; G1, agências
peração de matas ciliares era de indústria das ONGs ecoxiitas, Estado, Brasil e O Globo.

2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  29
1 PERFIL: RICARDO SALLES
Ministro do Meio Ambiente

Fique por dentro


 Depois de afirmar que as ONGs ambientalistas respeitadas e tradicionais ONGs

FOTO: RONNIE G. OLIVEIRA


podiam ficar tranquilas em relação às suas ambientalistas do Brasil. “Acho
decisões e propósitos, com apenas duas lícito saber como os recursos
semanas de governo, o ministro Ricardo Salles são gastos, mas nem sequer
determinou o levantamento e a suspensão, fomos notificados”, lamentou
por 90 dias, de todos os convênios e parcerias Glaucia Drummond (foto),
de órgãos ligados ao MMA, incluindo aqueles superintendente-geral da
firmados com entidades do terceiro setor. Biodiversitas.

 Oito redes da sociedade civil e do setor  O ministro também afirmou, erroneamente,


privado – que, somadas, representam mais de que a maior parte do desmatamento no Brasil
600 entidades – afirmaram que a medida “não ocorre em Unidades de Conservação. Mas, na
apresenta qualquer justificativa e viola princípios prática, estudos e levantamentos comprovam
constitucionais”. que a devastação é maior em propriedades
rurais privadas.
 As entidades afirmam que a decisão, “sem
base legal e sem motivação”, trará “prejuízo  O Governo Bolsonaro tem o menor número
ao meio ambiente que, em tese, Salles deveria de multas ambientais da última década. A
proteger e também a populações vulneráveis em queda, em comparação com os dois primeiros
todo o país”. meses de 2018, foi de quase 28%. Esses
números confirmam uma das promessas de
 A decisão de Salles afeta Minas Gerais por campanha do então candidato Jair Bolsonaro,
meio de pelo menos um projeto. É o que trata da quando disse que o Ibama era uma “indústria
recuperação de áreas de mananciais em bacias de multas”. Em todo o país, em vez de ouvir e
da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com aprender, o ministro Ricardo Salles exonerou 21
custo estimado em R$ 2,5 milhões, o projeto, dos 27 superintendentes regionais do Ibama.
em uma área de 410 hectares, visa beneficiar Especialistas ouvidos pelo jornal O Globo
300 agricultores, com financiamento pelo Fundo afirmaram que a retórica de afrouxamento da
Nacional do Meio Ambiente e execução a cargo fiscalização é um sinal de que a impunidade e o
da Fundação Biodiversistas, umas das mais número de infrações irá aumentar.

30  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


Ele não, ele não....
“A destruição ilegal das nossas florestas na Amazônia e no Cerrado diminuem a
FOTO: DIVULGAÇÃO / WWF BRASIL

competitividade dos produtos brasileiros diante de um mercado global que busca


produtos livres de desmatamento. O MMA tem o papel de balancear as questões
ambientais nas outras pastas do governo, zelando assim para que o Brasil tenha
medidas necessárias para proteger de forma estratégica o nosso imenso patrimônio
natural. É também essencial que o MMA tenha capacidade de dialogar com os diversos
setores da sociedade, uma vez que o direito a um meio ambiente saudável se aplica a
todos, desta e das futuras gerações.”
Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil

“Ao nomeá-lo, Bolsonaro faz exatamente o que prometeu na campanha e


o que planejou desde o início: subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao
Ministério da Agricultura. Se por um lado contorna o desgaste que poderia
ter com a extinção formal da pasta, por outro garante que o MMA deixará
de ser, pela primeira vez desde sua criação, em 1992, uma estrutura
independente na Esplanada. Seu ministro será um ajudante de ordens da ministra da Agricultura. O
ruralismo ideológico, assim, compromete o agronegócio moderno – que vai pagar o preço quando
mercados se fecharem para nossas commodities.”
Nota do Observatório do Clima, coalizão de organizações da sociedade civil para discussão das mudanças climáticas

“Trata-se de alguém incapaz de “O ministro Ricardo Salles


FOTO: DIVULGAÇÃO ALSP

FOTO: MARCOS TAKAMATSU

entender a importância da ciência para o não assumiu para fazer


esenvolvimento nacional e que já provou a proteção e a gestão do
ter ligações com representantes de setores patrimônio natural, mas
que não têm qualquer compromisso com para ser o da liquidação
a educação ambiental, a bioecologia e a do Ministério do Meio
conservação da natureza.” Ambiente. Desastroso.”
Joaquim Adelino, vice-presidente da Marina Silva, ex-ministra de
Associação dos Pesquisadores Científicos do Meio Ambiente
Estado de São Paulo

“A principal função do novo “O Brasil tem credibilidade e


FOTO: PAULO DE ARAÚJO / MMA
FOTO: CAIO PAGANOTTI / GREENPEACE

ministro está sendo a promoção importância não apenas para


de uma verdadeira agenda negociar o clima, mas todas
antiambiental, colocando as agendas, da economia à
segurança. A questão climática
em prática medidas que
no nosso país nunca foi uma
vão resultar na explosão do
política de governo, mas
desmatamento na Amazônia e do Estado brasileiro. Nós
na diminuição do combate ao ajudamos a construir a política mundial de
crime ambiental. O que já está ruim, pode piorar.” clima. Isso é parte da nossa história.”
Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e
Greenpeace Brasil negociadora brasileira do Acordo de Paris 

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  31


1 ESTADO DE ALERTA
MARIA DALCE RICAS (*)
redacao@revistaecologico.com.br

ENCONTRO VERDE
COM O GOVERNADOR
P
articipei de uma reunião recentemente, ma de conversão de multas criado pela Semad,
solicitada desde novembro de 2018, com o que prevê a aplicação dos recursos gerados por
governador de Minas Gerais, Romeu Zema. elas em projetos de recuperação de ambientes
Eu e mais cinco representantes de ONGs ambien- naturais. De forma gentil e educada, ele lembrou
talistas do Estado e Germano Vieira, secretário a situação financeira do Estado e não prometeu
estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento nada. Mas a solicitação foi formalizada e obvia-
Sustentável. O governador apareceu na sala ves- mente vamos lutar por ela.
tindo roupa comum. Nada de terno. Ele ressaltou o interesse de seu governo em
Ele me pareceu um pouco surpreso ao ouvir estimular uso de energia solar no Estado e de
que as ONGs presentes não são contra, por prin- fazer com que as Unidades de Conservação ge-
cípio, as atividades econômicas. Citamos inclu- rem renda própria com ecoturismo, por meio
sive a mineração de ferro. Nossa luta é para que de parceria em sua gestão com instituições pri-
sejam implantadas e desenvolvidas com respon- vadas. Todas as entidades presentes concordam
sabilidade socioambiental. A surpresa, se verda- a princípio com isso, desde que as regras sejam
deira essa minha impressão, talvez se explique claras e a parceria seja benéfica à proteção e
pela perversa e arcaica rotulação de que ambien- conservação delas.
talistas querem paralisar a economia do país e A reunião prevista para 40 minutos pelo ceri-
são contra “tudo e todos”. Foi bom mostrar que as monial durou bem mais, mostrando que foi bem
ONGs presentes não comungam com isso. aceita pelo governador. Ele afirmou seu interes-
A reunião foi política. Mostramos ao governador se pela questão ambiental e aceitou proposta de
que, mesmo de forma frágil, a sociedade está or- reunião bianual com entidades ambientalistas. 
ganizada em defesa do meio ambiente. Entrega-
mos-lhe um documento apontando problemas,
desafios e propostas. Destinar os R$ 100 milhões (*) Superintendente-executiva da
que a Vale pagou de multa ambiental ao progra- Associação Mineira de Defesa do Ambiente.

FOTO: DIVULGAÇÃO SEMAD

O GOVERNADOR afirmou
seu interesse com a questão
ambiental e em estimular o
uso de energia solar
no Estado
1 ENCARTE ESPECIAL (XI)
FOTO: MÁRCIO CABRAL

O VIÉS MÉDICO NA LITERATURA DE

Guimarães Rosa
1 ENCARTE ESPECIAL (XI)

Citações breves sobre


diversas enfermidades Parte 3
Eugênio Goulart
redacao@revistaecologico.com.br

N
o livro “Sagarana”, no conto “São Mar- go, reclamando, gritou uma ofensa. Homem zureta-
cos”, a palavra “hirsuto”, que significa pe- do, esbraseia os olhos.
los abundantes, deixa de designar apenas Mais palavras técnicas da área médica, como
seres humanos para ser usada na descrição de “consumpção” e “marasmo” são utilizadas no
uma folha: O meu caminho desce, contornando conto “Páramo”, do livro “Estas Estórias”: E esse
as moitas de assa-peixe e do unha-de-boi esplên- ia ser um tempo de deperecimento e consump-
dido, com flores de imensas pétalas brancas, e fo- ção, de marasmo. São empregadas no sentido de
lhas hirsutas, refulgindo. prostração, lassidão e imobilidade, que o autor
No “Grande Sertão: Veredas”, o jagunço Trecizia- sentiu antes de se adaptar às grandes altitudes
no, desafeto de Riobaldo, que teve de matá-lo para nos Andes colombianos.
não morrer, era “fraco das paciências”, “padecia de Um indivíduo tolo, ou mesmo idiota, recebe a
erupções e dartros”, e era “homem zuretado”. denominação de “pancrácio” no Sagarana, no con-
Erupções cutâneas generalizadas são manifes- to “A hora e vez de Augusto Matraga”: Fora assim
tações frequentes nos casos de dermatites alér- desde menino, uma meninice à louca e à larga, de
gicas. “Dartro” é uma palavra de origem francesa filho único de pai pancrácio.
(dartre), que significa mancha efêmera. É usada Com o mesmo sentido é empregada a palavra
em medicina para identificar máculas hipocrô- “prascóvio” na primeira página do “Grande Ser-
micas de fundo alérgico, que geralmente apa- tão: Veredas”: Povo prascóvio. E também Riobaldo,
recem no rosto e nos membros superiores, que mais adiante, a utiliza para se referir a um jagunço
recebem o diagnóstico de dartro volante ou pi- abobalhado: Que era que eu ia fazer, às fugas com
tiríase alba. E “zuretado” é um aquele prascóvio, pelo sul e pelo norte,
nome popular para um indi- nos sertões da Jaíba? A palavra
víduo meio amalucado: “sandeu”, que vem de
Ali esse Treciziano era sandice, é utiliza-
fraco de paciências; da também com
ou será que estives- a conotação de
se curtindo mais palerma: Mas
sede do que os o Placidino,
outros - segun- que o estive-
do esse tremor ra olhando,
das ventas - e mais que
pegou a ma- nunca bo-
lucar? Di- quiaberto
ziam que e sandeu,
ele criava fugia de
dor-de-ca- questão
beça, e pade- [...].
cia de erupções O u t r a
e dartros. Ele estava palavra do vo-
falando contra comi- cabulário médico,

34  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


atualmente pouco utilizada, é “tartamudo”, que recuando, fugindo, em duração e extensão, se a gen-
significa gago. Aparece no livro “Sagarana”, no con- te não resistir adianta-se para o trágico fácies.
to “A hora e vez de Augusto Matraga”: Detalhes do aspecto de animais, fazendo-se
[...] interpelou-o o Zeferino, que multiplicava as comparações anatômicas, são empregados na
sílabas, com esforço, e, como tartamudo teimoso, jo- descrição de um polvo. Os termos “esfincteriano”
gava, a cada sílaba, a cabeça para trás. Também no e “traqueia”, presentes no conto “Aquário”, do livro
conto “Palhaço da boca verde”, do livro “Tutaméia”, “Ave, Palavra”, são palavras típicas do linguajar mé-
a palavra “tartamudo” é empregada novamente em dico: Saindo de um saco, que pulsa igual, abre-se
outro personagem. e reclui-se, esfincteriana, a boca: tubo amputado,
No poema “Roxo”, do livro “Magma”, a palavra coto de traquéia de um degolado. Assim como no
“equimose” é usada para descrever a cor das fi- conto “Zôo”, do mesmo livro, Guimarães Rosa usa
tas púrpuras colocadas nas coroas de flores que a comparação de máculas acrômicas com o vitili-
homenageiam um defunto: go, ao descrever as focas: Sa-

FOTO: DIVULGAÇÃO
Passou pelas olheiras fun- rapintam-se de vitiligo ou de
das, pousou nos ramalhetes sinais de queimaduras.
de saudades, tocou nas fin- No conto “Sanga Puytã”, que
tas das coroas, longas como é o nome de uma cidadezinha
equimoses... paraguaia, texto que faz parte
No mesmo livro, no poe- do livro “Ave, Palavra”, Rosa usa
ma “Vermelho”, ao des- a palavra “osmose”, no sentido
crever uma pomba, usa as de contato, proximidade com
palavras “artéria” e “palpi- uma região e com um povo
tação”: De debaixo das plu- indígena. Tecnicamente, os-
mas, vem o jorro enérgico, da mose é o nome dado ao mo-
foz de uma artéria: e a man- vimento da água entre meios
cha transborda, chovendo com concentrações diferen-
salpicos, a cada palpitação. tes de solutos separados por
Mais de uma vez é empre- uma membrana semiper-
gada a palavra “zigoma”, em meável. O conto descreve a
uma referência ao osso malar, viagem que fez ao Pantanal
como no conto “Os chapéus mato-grossense, em 1947, e
transeuntes”, do livro “Estas suas impressões iniciais so-
Estórias”: Assomava dum cla- bre a fronteira do Brasil com
ro-escuro a cara e cabeça, com o Paraguai: Distamos ainda,
muitos ossos - muito queixo, verdade, da zona de osmose,
muito de crânio, muito de testa onde nos falará uma língua bizarra com
e arcadas sobre os olhos, muitos zigomas - muita ca- vogais tecladas [...].
veira. E no conto “Cipango”, do livro póstumo “Ave, “Letargo” é usado fora do contexto humano,
Palavra”, ao se referir aos imigrantes japoneses: [...] como se a natureza estivesse em sonolência. A
indescoráveis amarelos, cabelos ouriçados, caras zi- comparação aparece no livro “Noites do
gomáticas, virgulados olhos obvexos. Sertão”, no conto “Buriti”: O Brejão enga-
“Fácies” é um termo da semiologia médica que na com seu letargo. 
significa o aspecto geral de um paciente, ou de qual-
quer ser vivo. É citado no livro “Primeiras Estórias”, NÃO PERCA, na próxima edição, a quarta
no conto “O espelho”: Parecer-se cada um de nós parte do capítulo “Citações breves sobre
com determinado bicho, relembrar seu fácies, é fato. diversas enfermidades”.
No conto “Darandina”, do mesmo livro, também
aparece “fácies”, no comentário de um estagiário
de Medicina sobre um indivíduo que estaria lou-
APOIO CULTURAL:
co: Aspecto e fácies nada anormais. E ainda, em
mais uma citação, agora para animais, a palavra é
empregada na descrição da cascavel no conto “Bi-
cho Mau”, do livro “Estas Estórias”: Tanto, que está
quieta. Mas, se olhada muito, parece retroceder, vai

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  35


1 OPINIÃO PÚBLICA
ANDRESSA DE OLIVEIRA LANCHOTTI*
redacao@revistaecologico.com.br

FOTO: LUCIANO LOPES


A TRAGÉDIA socioambiental em Brumadinho comprovou a necessidade
de uma nova Política Estadual de Segurança de Barragens

UMA NOVA LEI PARA A


SUSTENTABILIDADE DA MINERAÇÃO

Q
uinta-feira, 5 de novembro de 2015, Maria- ribeirão Ferro Carvão e do rio Paraopeba.
na (MG): a barragem de Fundão, Complexo A onda de rejeitos e outras substâncias contami-
Minerário de Germano, pertencente à mine- nantes atingiu inicialmente a área administrativa
radora Samarco, cujas controladoras são Vale S.A. da companhia e parte da comunidade da Vila Fer-
e BHP Billiton Brasil Ltda., se rompe, ocasionando teco. Estima-se que mais de 300 pessoas perderam
o vazamento de aproximadamente 55 milhões de suas vidas e quase duas centenas ficaram feridas,
metros cúbicos de rejeitos. Depois de destruir co- entre empregados e prestadores de serviços da Vale,
munidades, matar 19 pessoas e causar um aborto, moradores da região e hóspedes de uma pousada.
a lama segue por cerca de 663,2 km ao longo do rio Severos danos socioambientais de difícil reversão
Doce, deixando um rastro de destruição até a sua foram e estão sendo provocados ao longo de toda
foz, no oceano Atlântico. a bacia do rio Paraopeba. Ao lado disso, danos so-
Sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, Brumadinho cioeconômicos gravíssimos vêm alterando, desde o
(MG): as barragens I, IV e IV-A da Mina Córrego momento do rompimento das barragens, a vida das
do Feijão, Complexo Minerário Paraopeba, da pessoas e das comunidades atingidas.
mineradora Vale S.A., se rompem, liberando cer- Em um intervalo de pouco mais de três anos,
ca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos Minas Gerais sofreu com duas grandes tragédias
de mineração e outras substâncias contaminan- ambientais e humanas decorrentes da mineração,
tes, ocasionando a presença de diversos metais atividade que é fundamental para a economia do
pesados, em concentrações críticas, ao longo do estado que leva “Minas” até no nome.

38  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


“O descomissionamento e a descaracterização de barragens são atividades de
risco. Devem seguir padrões técnicos rígidos e monitoramento constante.”

Diante desse quadro, surge um enorme e urgen- as obras de descaracterização das estruturas.
te desafio: conciliar a atividade de mineração com Em relação a este ponto, a sociedade deve ficar
a segurança da população e a preservação do meio atenta. O descomissionamento e a descaracteriza-
ambiente e dos recursos naturais. ção de barragens são atividades de risco. Portanto,
Exatamente um mês após o desastre do rompi- devem seguir padrões técnicos rígidos e monito-
mento das barragens da Vale, em Brumadinho, um ramento constante por parte dos órgãos públicos
novo marco regulatório para a segurança de bar- fiscalizadores. Como reza o velho ditado, “a pressa
ragens trouxe a exigência de regras mais rígidas e é inimiga da perfeição”. Neste caso, a imperfeição
abrangentes para o licenciamento e a atividade de pode custar vidas.
disposição dos rejeitos de mineração.
A Lei Estadual 23.291, de 25 de fevereiro de 2019, PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL
fruto de construção coletiva que envolveu Ministé- Outro ponto importante da nova lei refere-se
rio Público de Minas Gerais (MPMG), representan- ao licenciamento ambiental das barragens, que
tes da sociedade civil, deputados estaduais e ser- agora deve ser trifásico (Licença Prévia, Licença
vidores da Assembleia Legislativa de Minas Gerais de Instalação e Licença de Operação). Para cada
(ALMG), além de representantes de outros órgãos etapa há exigências específicas, tais como a apre-
públicos, entre eles o Ibama, sentação de Estudo de Im-
contempla os principais pon- pacto Ambiental (EIA) e Re-
tos e aprimora o projeto de lei latório de Impacto Ambiental
de iniciativa popular “Mar de (RIMA), diferentes estudos
Lama Nunca Mais”, capitanea- sobre cenários de rupturas
do pelo MPMG e apresentado (dam break), entre outros. Até
à ALMG em julho de 2016, com então, em Minas Gerais, era
cerca de 60 mil assinaturas. possível que as três licenças
A nova lei traz avanços con- fossem concedidas ao mes-
cretos com impacto imediato mo tempo. Com a mudança,
na disposição dos rejeitos de só se passará para a etapa se-
mineração, entre os quais: a guinte do licenciamento se as
exigência de adoção das me- condicionantes de mitigação
lhores tecnologias disponíveis de danos e as compensações
para a disposição de rejeitos; ambientais impostas na fase
a proibição da construção ou alteamento de barra- anterior forem devidamente cumpridas.
gens em locais onde forem identificadas populações Por fim, outro grande avanço da lei é a exigência
nas zonas de autossalvamento (ZAS) - área a jusante de caução ambiental. O empreendedor deverá ga-
(abaixo) da barragem para onde vertem os rejeitos rantir, desde o início, os custos futuros referentes
em caso de desastre. As tragédias recentes mostram ao descomissionamento e à descaracterização das
que, em regra, não há tempo hábil para que as pes- barragens. Também o valor para a reparação dos
soas que estão nas ZAS se mantenham em seguran- eventuais danos socioambientais e socioeconômi-
ça, frente à rapidez da onda de inundação. cos que um desastre envolvendo as barragens possa
Há ainda a proibição de construção ou altea- ocasionar deverá ser caucionado.
mento de barragens pelo método a montante e a Nossa expectativa é que a nova Política Estadual
determinação de descomissionamento e descarac- de Segurança de Barragens de Minas Gerais se tor-
terização de todas as barragens com essa espécie ne um paradigma nacional, que estimule o advento
de alteamento existentes no estado. O método de de novas iniciativas legislativas, administrativas ou
alteamento a montante é considerado por especia- mesmo do setor privado, em busca de real sustenta-
listas como obsoleto e menos seguro e está relacio- bilidade da atividade de mineração no Brasil. Siga-
nado a diversos desastres envolvendo barragens de mos firmes nesse caminho! 
mineração, no Brasil e no mundo. As empresas res-
ponsáveis pelas barragens a montante terão prazo (*) Promotora de Justiça do
para apresentarem cronograma e para concluírem Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  39


INFORME ESPECIAL

A CHAGA EXPOSTA
DA PIEDADE
Depois de longo diálogo com órgãos ambientais, do patrimônio e
Ministérios Públicos federal e estadual, a AVG Empreendimentos
Minerais recebe aval do governo para minerar e recuperar a cratera
do Morro do Brumado, abandonada próxima à Serra da Piedade

Q
uem sobe a Serra da Pieda- cional. E, portanto, bastante desco- fer) causou, ao longo de 60 anos,
de, no limite dos municípios nhecidos da opinião pública: uma esse cenário hoje de feiura e risco
de Sabará e Caeté, o ponto cratera medonha abandonada, talvez iminente para os povoados, sítios e
geográfico mais alto e visitado de a maior de Minas, pela então Minera- comunidades à sua jusante. E agora,
toda a Região Metropolitana de BH, dora Brumafer. E, ao seu lado, o que fruto de um acordo judicial [e tam-
rumo ao Santuário Basílica Nossa Se- sobrou deste morro, que também bém de seu licenciamento ambien-
nhora da Piedade, só vê beleza e na- teve a sua exploração mineral pre- tal recentemente aprovado pelo
tureza exuberante preservada a seus datória interrompida, completando a Conselho de Política Ambiental do
pés. Não sabe que, fora dessa hoje atual paisagem lunar. Estado (Copam)], pode se transfor-
Unidade de Conservação, a apenas É justamente nesses dois pontos, mar num case inédito de mineração
1,2 quilômetro dali, no Morro do e não na Serra da Piedade propria- sustentável: sem qualquer tipo de
Brumado, seguindo a cumeeira da mente dita, já delimitada e protegi- barragem de rejeitos, coexistindo e
serra em direção à capital mineira, da ambientalmente por força de lei, preservando mais ainda o entorno
ainda existem dois horrores antigos, que a antiga e criminosa mineração da Serra e da Basílica da Padroeira
pouco mostrados pela mídia conven- da ex-Mina do Brumado (Bruma- de Minas, assunto deste informe:

40  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


FOTO: ECOLÓGICO
operava a área, Brumafer Mineração, processo de diálogo com órgãos pú-
VISTA GERAL da Serra da foram paralisadas em 2005 por deci- blicos competentes, sobre as alter-
Piedade, da cratera e do
são conjunta dos Ministérios Públicos nativas de recuperação ambiental e
Morro do Brumado, em Sabará
do Estado de Minas Gerais (MPMG) estabilização emergencial da área.
e Federal (MPF), Instituto do Patri- Isso culminou em um acordo judi-
mônio Histórico e Artístico Nacional cial federal, homologado em 2012 e
(Iphan) e Instituto Estadual do Patri- celebrado entre a nova proprietária
mônio Histórico e Artístico (Iepha), da área e os seguintes atores, algo
por meio de uma ação civil pública. inédito na história ambiental e mine-
Isso porque o passivo ambiental ral de Minas, tamanha a necessidade
do empreendimento – composto e grandeza do desafio: MPMG, MPF,
por duas cavas e duas pilhas de re- IPHAN, Secretaria de Estado de
jeitos, em uma área de aproximada- Meio Ambiente e Desenvolvimento
mente 100 hectares – gerou várias Sustentável (SEMAD), Instituto Es-
situações de instabilidade no ter- tadual de Florestas (IEF), Departa-
reno. E, consequentemente, riscos mento Nacional de Produção Mine-
para o meio ambiente local e para a ral (DNPM), hoje Agência Nacional
vida humana, a jusante das suas es- de Mineração (ANM), e Instituto do
truturas operacionais. Patrimônio Histórico e Artístico de
Em 2007, indicada pela sua ex- Minas Gerais (IEPHA).
A ex-Mina do Brumado, localizada periência e capacitação técnica, a O objeto do acordo foi a concre-
AVG Empreendimentos Minerários tização de medidas emergenciais
no distrito de Ravena, em Sabará, na
foi convidada para solucionar o pas- para garantir, primeiro, a segurança
Grande Belo Horizonte, começou
sivo ambiental deixado no Morro da cratera em seu processo de des-
a ser explorada ainda nos idos de
do Brumado. A empresa adquiriu monte natural, principalmente na
1950, quando o mundo ainda não a Brumafer em virtude da não apli- época de chuvas, com o carreamen-
falava em meio ambiente e desen- cação de técnicas adequadas de to de rejeitos na natureza local. De-
volvimento sustentável. Em função descomissionamento da mina, bem pois, a realização dos trabalhos de
da extração desordenada e sem como da recuperação de áreas de- recuperação das áreas degradadas.
controle ambiental permitida nessa gradadas pelo antigo proprietário. E o custeio de medidas compensa-
época, as atividades da empresa que Após isso, teve início um longo tórias em decorrência dos danos

FOTO: GOOGLE EARTH


SANTUÁRIO NOSSA
SENHORA DA
PIEDADE

CRATERA
MORRO DO BRUMADO

MINERAR e recuperar de maneira responsável ou deixar como está: o que é melhor para a natureza da Serra?

2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  41
INFORME ESPECIAL

PARTE DA CRATERA vista de baixo. Segundo os ecologistas não existe nada pior para o meio ambiente que uma
mina abandonada e sem controle, carreando seus resíduos e comprometendo nascentes e comunidades a jusante

ambientais à geografia, flora e fauna emergencial, detectados pela fis- Recuperação total
locais deixados pela Brumafer. calização ambiental do Estado, foi Ainda sob o escopo do acordo ju-
Um dos pontos mais preocupan- expedida uma decisão judicial au- dicial firmado em 2012, foram tra-
tes diz respeito às duas pilhas de torizando a AVG a iniciar imediata- çados quatro cenários de aprovei-
rejeitos que, no caso de um desli- mente o processo de descomissio- tamento mineral e de recuperação
zamento, podem trazer um impacto namento das pilhas de rejeito. Ou ambiental da área, todos contem-
socioambiental já anunciado para as seja, a retirada prevista de mais de plando a futura recomposição do
comunidades vizinhas abaixo. seis milhões de toneladas de rejeitos local, concomitantemente com a
Para dar início à recomposição oriundos da extração de minério de lavra reaberta. O cenário adotado,
da área, a AVG formalizou, primei- ferro na Mina de Brumado. O foco com anuência democrática e ne-
ro, o processo de licenciamento dessa ação é justamente reduzir o cessária de todos os órgãos envol-
ambiental na Semad, requerendo risco de deslizamento das pilhas. vidos, foi o de número 3. Ele define
a licença prévia (LP) em maio de Nesse processo, a AVG também o início da recuperação ambiental
2013. Quatro anos depois, após acatou os pedidos da Arquidiocese da área, agora de maneira sustentá-
serem formalizados todos os estu- de Belo Horizonte – responsável vel e respeitável, na direção oposta
dos necessários para análise da fase pelo santuário – e de associações de ao Santuário de Nossa Senhora da
de LP e mediante uma alteração na moradores da região, sobre a logís- Piedade e em faixas já alteradas na
legislação estadual pelo Decreto Es- tica da retirada dos finos de rejeitos, área da antiga mina.
tadual 47.137/2017, que passou a respeitando dias e horários sugeri- Isso totalizará uma área de atua-
permitir que empreendimentos de dos, para que a ação não impactasse ção de aproximadamente 115 hec-
grande porte pudessem requerer as essas comunidades. Muito menos as tares. Desses, cerca de 30 ha de
licenças prévias (LP) e de instalação atividades religiosas no alto da serra. áreas não degradadas, mas necessá-
(LI) de forma concomitante, a AVG Uma quantidade de rejeito consi- rias para a estabilização e sucesso da
solicitou a reorientação do seu pro- derável já foi retirada com a implan- recuperação proposta no acordo,
cesso para LP+LI. tação dessa medida emergencial, num cenário previsto de 15 anos
aumentando o nível de segurança de atividades, gerando segurança,
Descomissionamento de rejeitos dessas pilhas e, consequentemen- controle e recuperação ambiental,
Em 2017, por motivos de segurança te, sua estabilidade. impostos e empregos (600 diretos

42  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


FOTOS: AVG
e indiretos) para os municípios de
Sabará e Caeté.
Ao longo dos anos em que a AVG
assumiu a responsabilidade de re-
cuperar o passivo ambiental deixa-
do no Morro do Brumado, foram
realizadas diversas reuniões entre:
MPMG, MPF, SEMAD, IEF, IPHAN,
IEPHA, Arquidiocese de Belo Ho-
rizonte, comunidades e municípios
da área de influência, para melhor
compreensão do projeto e garantia,
em paralelo, de proteção contínua
da Serra da Piedade.
No escopo do projeto de recupe-
ração estão previstos trabalhos de
retaludamento das áreas já degra-
dadas para recomposição cênica do
conjunto paisagístico, incluindo par-
te da cava e das erosões provocadas
pela antiga Brumafer. A AVG já deu
em garantia o valor de R$ 8 milhões
como caução ambiental do negócio.
Durante os 15 anos, o projeto
será minuciosamente acompanha-
do, periodicamente, por uma co-
missão técnica especifica, composta
por um representante indicado por
cada um dos partícipes do presente
acordo judicial federal.

Tecnologia de ponta
No início de 2019, a AVG obteve as
licenças prévia (LP) e de instalação
(LI), concedidas pela Câmara de Ati-
vidades Minerárias do Copam, po-
dendo dar sequência ao projeto de
exploração e de recuperação am-
biental da nova Mina de Brumado.
Buscando as melhores práticas na
área de mineração da atualidade, a
AVG decidiu adotar uma planta de
concentração de minérios, utilizan-
do tecnologias inovadoras, algumas
trazidas da China, o que irá minimi-
zar a geração de rejeitos, diminuin-
do mais ainda o impacto ambiental.
Também vai adotar um sistema de
filtragem de rejeitos, que retira e faz
recircular aproximadamente 90%
da água no processo produtivo, uma ESTA é a proposta de solução restauradora para a
das tecnologias mais inovadoras e Mina do Brumado, prevista no acordo judicial

2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  43
INFORME ESPECIAL

limpas do mundo. Com este méto-

FOTO: AVG
do, não é necessária a construção
de barragens de rejeitos, tornando-
-se um exemplo para o setor. Nem
a montante nem a jusante.
Um dos itens mais emblemáticos
do acordo judicial, do ponto de vis-
ta da natureza local, diz respeito à
recuperação do verde paisagístico
pós-recuperação do passivo am-
biental, onde hoje é só cratera,
paisagem lunar. Sem nascentes, ár-
vores, plantas e bichos. Ao final do
novo modelo de exploração mine-
ral, não apenas o Morro do Bruma-
do, mas toda a Serra da Piedade,
tombada ou não, terá sua geografia
de volta e melhorada.
Se de um lado será preciso des-
matar uma área de aproximada-
mente 30 hectares ao redor da
atual cratera, para descomissioná-
-la, do outro, a AVG se comprome-
te a doar/repassar para o Estado
(IEF) mais de 500 hectares de flo-
restas (equivalente a 500 campos
de futebol), matas e cerrados, in-

FOTO: ECOLÓGICO
cluindo o que já existe e o que será
restaurado, com novos plantios.
Tal como aconteceu com o Parque
das Mangabeiras que, pouca gente
sabe, já foi uma mineração e hoje
é a maior área verde e de visitação
pública da capital mineira.
Aí sim, garante o acordo: não
existirá mais chaga mineral alguma
em todo o entorno geográfico da
Serra da Piedade. Nada do horror
lunar e feio que ainda se avista hoje,
tanto da cratera quanto do Morro
do Brumado. 

SAIBA MAIS:
www.avg.com.br/negocios-mineracao.php

Conteúdo de Marca:

A PAISAGEM LUNAR deixada pela Brumafer no Morro do Brumado.


E a imagem de Nossa Senhora da Piedade, a Padroeira de Minas,
esculpida no alto da Serra da Piedade: promessa de diálogo à vista

44  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


ARTE, CULTURA E
ESPIRITUALIDADE
EM UM SÓ LUGAR!

O Bispo Auxiliar da Arquidiocese


de BH, Dom Vicente Ferreira,
espera por você na emissora da
Padroeira de Minas Gerais.

Domingo, às 10h30, na TV Horizonte


ou pelo aplicativo “Rede Catedral”.

CULTURA

Dom Vicente de Paula Ferreira,


Bispo Auxiliar da Arquidiocese
de Belo Horizonte

tvhorizonte.com.br tvhorizonteoficial (31) 3469-2549 App: Rede Catedral


1 ESPAÇO ABERTO
PATRÍCIA BOSON*
redacao@revistaecologico.com.br

BACHARÉIS EM ENGENHARIA
O
comportamento mais sensato, e certamen- nados. Mas pode ajudar na busca de respostas
te o mais certo, deve ser apenas chorar e minimamente consistentes, e assim, quem sabe,
orar muito por tantas perdas. A dor das fa- garantias de que, efetivamente, não tenhamos
mílias que se despedem de seus entes queridos, de que viver esse drama novamente.
seus sonhos, suas rotinas, seus pertences, não tem Título de um artigo que li recentemente a res-
mensuração. A indignação de todo um país diante peito do rompimento da barragem, sobre o qual
do inconcebível e a dor dos que vivem de perto a não consegui identificar o autor, resume bem mi-
tragédia levam a emoções humanas, buscar culpa- nhas reflexões: “Excesso de gestão e falta de en-
dos e penalizá-los. Afinal, se houve um crime, e o genharia”. Leis, normas, comandos e controles e
cenário é de um, deve haver o castigo. atividades de compliance não são suficientes para
A cautela não combina com o que as imagens entender e solucionar problemas de engenharia.
e depoimentos demonstram. Mas, para entender Não só neste caso das barragens, mas em todos
bem as causas e daí apontar com justeza culpados, os casos que envolvam estruturas, de todos os ti-
muitas perguntas precisam de respostas, como: pos e funções. Entretanto, nos últimos 20 anos,
- O que foi aprendido e aplicado, ou não, o país optou por privilegiar as carreiras,
pós-Mariana? funções e profissões normativas e de
- Por que ainda deixamos unida- controle, como se a solução nelas se
des que reúnem pessoas, como re- concentrasse, abandonando todas
feitórios e escritórios administra- as demais carreiras, funções e pro-
tivos, instalados a jusante dessas fissões de execução, operação e
estruturas que contêm um grau fiscalização técnica. Aliás, são tan-
de risco (baixo ou elevado, não tas soluções traduzidas em novas
importa) de colapsar? regras e novas normas que possíveis
- Quais parâmetros estão sendo ava- soluções inovadoras de engenharia
liados para garantiar a estabilidade des- ou de processos ficam totalmente en-
sas barragens, ao ponto de técnicos do bem gessadas, sem qualquer espaço que esti-
se sentirem seguros? mule a engenhosidade e a inovação. Sendo mais
- Quais parâmetros não estão incluídos na ava- precisa, técnicos especialistas, os poucos que so-
liação e deveriam? breviveram e ainda atuam no poder público, que
- Como empresas que empregam o que há de poderiam estar pensando, desenvolvendo e apli-
mais top na área de segurança podem ser protago- cando alternativas tecnológicas para bem exer-
nistas de mais um drama ecológico e humano de cerem suas funções públicas, embora integrem
grandes proporções? uma estrutura que em nada os ajuda (que não os
- Como estarão as que não têm mesmo padrão paga e finge), ficam ainda acuados, com medo de
de excelência operacional e de controle? serem constrangidos, até fisicamente. Para que
- O que fazer agora com tantas barragens com as fique bem entendido, apenas comparem as car-
mesmas características físicas ou operacionais? reiras (salários, privilégios e acessos) dos órgãos
- O que será de Minas, que tem na atividade da de controle com aquelas dos órgãos executores e
mineração, além do nome, toda uma cultura, his- operacionais. Simplificadamente, comparemos as
tória e riquezas decorrentes? carreiras dos que fazem, e, por isso mesmo, sujei-
Diante de tantas incógnitas, não me dou o di- tos a falhas, com os que apenas vigiam, cobram.
reito, como tantos, de sair atirando pedras. As- Essa escolha não se restringe ao poder público,
sim, aproveito esse espaço para propor uma re- embora nele as consequências negativas, como
flexão, que talvez não aplaque a ira, legítima na se vê, sejam piores. Em verdade, a esquizofrenia
maioria das vezes, de corações e mentes indig- é geral. A mídia, por exemplo, sobre o colapso da

46  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


“Como sairemos desse assombro aterrorizante, não sei. Mas
havendo saída, e há, ela está nas mãos da engenharia.”

FOTO: REPRODUÇÃO
ROMPIMENTO da barragem da Vale em Brumadinho (MG):
o que foi aprendido, aplicado ou não, pós-Mariana?

Barragem de Feijão, convida, como “especialis- que encobre. Mas, infelizmente, não conseguimos
tas”, todos os que entendem de processos admi- sensibilizar para esse olhar urgente de recupera-
nistrativos relacionados ao tema, normas, regras, ção da engenharia nacional, nem em nossas enti-
punições possíveis, capitalismo, socialismo, hu- dades profissionais, que, tal qual o senso comum,
manismo, etc. Raros os engenheiros de barragem, preferem condenar os engenheiros antes mesmo
os geólogos, hidrólogos, hidrogeólogos, etc. Preci- de um processo conclusivo. Triste!
samente os que realmente podem contribuir para Não poderia deixar de comentar o admirável
equacionar, pensar tecnicamente sobre a situação comportamento do nosso Corpo de Bombeiros,
problemática, fazer avaliações consistentes e ten- muito bem representado pelo tenente Pedro Aiha-
tar encontrar uma solução. ra. Mesmo não estando em carreira pública glamo-
Se nada mudar, ao fim e ao cabo, além de uma rosa, privilegiada por salários acima do mercado, e
ferida que talvez nunca cicatrize, vamos assistir a em dia, estão fazendo um serviço público gigante.
fogueira das vaidades de quem faz discursos mais Louvável também, nunca é tarde, a imediata ação
inflamados e condenatórios, de quem propõe e da Vale, no anúncio do descomissionamento de
aprova normas ainda mais restritivas, sem qual- todas as suas barragens de rejeito.
quer lastro na ciência e na tecnologia, de quem cul- Como sairemos desse assombro aterrorizan-
pa e penaliza mais pessoas, culpadas ou inocentes, te, não sei, mas havendo saída, e há, ela está nas
não importa. Mas nesse contexto, a instabilidade mãos da engenharia, não nas dos bacharéis e suas
física das estruturas permanecerão. No Brasil, se resoluções, portarias e todo cipoal de regras, quase
há advogados de sobra (quando Deus formou o sempre anacrônicas, data venia. 
mundo, para castigo dos infiéis, deu ao Egito ga-
fanhotos e ao Brasil bacharéis) em contrapartida,
tem um déficit de 100 mil engenheiros. O proble- (*) Engenheira civil, ex-secretária-executi-
ma deveria ser uma das grandes pautas nacionais va de Empresários para o Meio Ambiente na
para discussão, inclusive por esse flagelo brumado Fiemg e conselheira da Revista Ecológico.

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  47


1 OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (FINAL)

DILEMA HISTÓRICO: a proximidade com a Baía de Sepetiba favorece o desenvolvimento de atividades


econômicas, enquanto a população denuncia o aumento da degradação ambiental na Ilha da Madeira

FIO DE ESPERANÇA NA
ZONA DE SACRIFÍCIO
LOCALIZADA EM ITAGUAÍ, NA REGIÃO METROPOLITANA DO RJ,
A ILHA DA MADEIRA LUTA PARA RESGATAR SUAS BELEZAS NATURAIS
E SUPERAR O PASSADO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E SOCIAL
IMPOSTO PELA EXPANSÃO PORTUÁRIA E INDUSTRIAL

Neylor Aarão
redacao@revistaecologico.com.br

48  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


O
destino da última repor- que vem testemunhando ao talou-se ali na década de 1960 e
tagem de nossa série é a longo dos anos. “Muito pesca- produzia zinco. Seus proprietá-
Ilha da Madeira. Locali- do que tinha antes aqui agora rios foram condenados por crime
zada no município de Itaguaí, sumiu: tainha, anchova, sororo- ambiental em razão do despejo e
na Região Metropolitana do Rio ca, xaréu, sardinha... Nada disso de vazamentos de metais pesa-
de Janeiro, ela foi assim batiza- mais a gente pesca nessa baía. dos. A companhia faliu em 1998.
da nos idos do século 18, quan- Camarão, polvo e corvina tem “Antes da instalação da Ingá,
do um cidadão nativo da Ilha da pouco também agora.” a água era limpa, pura. Depois,
Madeira, em Portugal, aportou Assim como Rafael, o morador acabou tudo”, afirma Roberto,
por aquelas terras. Roberto Barbosa relembra a in- mostrando a área onde antes
Logo na chegada, percebemos fância em meio à fartura de pei- era um manguezal e outra, to-
que a movimentação de barcos xes e à água limpa e de qualidade. talmente degradada, usada para
é intensa. O morador Rober- “Eu me lembro de um médico, o armazenamento de minério
to Barbosa explica que o forte, que era muito amigo do meu pai. de ferro. “Essas áreas foram to-
na história da ilha, sempre foi Ele coletou amostras e analisou das destruídas pela Ingá. Não
a pesca artesanal, sustentada a água daqui. Segundo ele, era a nasce mais nada aqui”, lamenta.
pela grande abundância de pei- melhor que havia em toda essa Roberto usa uma metáfora para
xes. “Hoje, tudo está motoriza- região. Não tinha poluição, esgo- descrever o impacto ambiental
do”, compara, referindo-se às to, nada”, detalha Roberto. provocado pela falida compa-
embarcações usadas. Essa realidade de abundância nhia. “É como se você fizesse um
Estendendo a vista para áreas e de conservação ambiental é café e jogasse toda a borra no
um pouco mais distantes, é pos- anterior à chegada de diferentes quintal. Os resíduos foram se acu-
sível ver indústrias espalhadas empreendimentos, entre eles mulando na área da empresa e
por todos os cantos, o que re- o Porto Sudeste, que opera um transbordaram, atingindo a baía.”
sulta em um forte conflito entre túnel que atravessa a ilha. Con- O professor do Departamen-
as atividades portuárias e o dia cluído em setembro de 2011, o to de Oceanografia Química da
a dia dos pescadores artesanais. túnel tem 1,8 quilômetro de ex- Universidade Estadual do Rio
A proximidade entre a Ilha da tensão, 11 metros de altura, 20,5 de Janeiro (UERJ), Friedrich Wi-
Madeira e a Baía de Sepetiba metros de largura e capacidade lhelm Herms, explica que a Ingá
favorece o desenvolvimento de para movimentar até 100 mi- começou a extrair zinco na ilha
diversas atividades econômicas lhões de toneladas de minério em 1966 e, em 1974, cádmio. Os
na região. Segundo relatos da de ferro/ano. dois elementos eram obtidos a
população, a degradação e os Outra empresa, a Companhia partir do beneficiamento do mi-
impactos ambientais vêm au- Mercantil e Industrial Ingá, ins- nério e geravam um rejeito.
mentando desde o começo da
ocupação industrial, sobretudo
FOTOS: DIVULGAÇÃO

a partir da década de 1960. NEYLOR AARÃO: testemunha do


O resultado foi a criação de impacto socioambiental causado
por vazamentos e a contaminação
uma ‘zona de sacrifício’, expres-
por metais pesados na ilha
são usada por integrantes de
movimentos ambientalistas para
designar locais marcados pela
superposição de empreendi-
mentos e instalações industriais,
acarretando graves impactos
ambientais e também sociais.

TRISTE METÁFORA
Nascido e criado na pesca, Ra-
fael Garcia fala das mudanças

2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  49
1 OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (FINAL)

“Nos anos 1970, houve aciden- féns de seu passivo ambiental, rio. “Uma dose letal, única, des-
tes marcantes, em função das considerado um dos maiores do se composto é capaz de matar
chuvas. Em um deles, o dique da Brasil. Segundo registros, os me- 400 mil pessoas”, compara.
empresa se rompeu e todo o re- tais pesados se espalharam por O projeto proposto por Me-
jeito, com altas concentrações de mais de 300 quilômetros ao lon- deiros previa que em 5 anos,
cádmio e zinco, foi carreado para go da baía que, até hoje, registra no máximo, com escalas diárias
dentro da Baía de Sepetiba.” altas concentrações de poluição. de oito horas de trabalho, seria
O químico João Alfredo Me- possível reciclar todo o material
PASSAGEM DE UM FURACÃO deiros, colaborador da Univer- existente na fábrica. “Chega-
De acordo com o ex-professor da sidade Federal do Rio de Janeiro mos a processar 35 toneladas
Universidade Federal Rural do (UFRJ), conta que foi convidado de rejeitos nos grandes reatores
Rio de Janeiro (UFRRJ), Jailson a visitar a fábrica da Ingá, na de madeira que eles tinham lá.
Barboza, a Ingá devastou áreas tentativa de propor ações capa- Tudo funcionava bem até que
de Mata Atlântica e manguezais. zes de sanar o impacto causado foi decretada a falência e fomos
Como filho de pescador, ele re- pelos rejeitos industriais. todos mandados para a rua.”
lata que, antes da chegada da “Quando chegamos à fábri- A responsabilidade pela des-
empresa, nunca faltavam peixes, ca, em 1996, parecia que havia contaminação das áreas im-
camarões e ostras na região. passado um furacão por lá. La- pactadas pela Ingá foi assumi-
“Tínhamos fartura desses ali- mentei muito quando a Justiça da pela Usiminas, que adquiriu
mentos. As boas lembranças da decretou a falência da unidade, parte da massa falida da empre-
infância ficaram para trás. De- porque fechar uma fábrica que sa, por meio de leilão, em 2008.
pois que a Ingá se instalou, o ar armazena produtos perigosos – De acordo com informações
se modificou (ficou poluído) e como cádmio e trióxido de arsê- divulgadas pela Usiminas, em
uma lama com cor de tijolo inva- nio – é muito diferente de fechar seu site, o terreno em questão
dia indiscriminadamente a nos- um escritório.” totaliza 850 mil m². Após a remo-
sa baía. Antes fértil em molus- Segundo Medeiros, naquela ção da antiga estrutura de gal-
cos, crustáceos e peixes, a baía ocasião, havia vários latões, já pões da Ingá, foi desenvolvido o
começou a ficar pobre.” corroídos, com 50 quilos cada, projeto executivo de engenharia
Com a falência da Ingá, em cheios de trióxido de arsênio, para a recuperação ambiental,
1998, a Ilha da Madeira e a Baía um subproduto altamente tóxi- conforme aprovado pelo Institu-
de Sepetiba também ficaram re- co do processamento de miné- to Estadual do Ambiente (Inea/
RJ), em outubro de 2010.
Na ocasião, foi adotado o mé-
todo de encapsulamento geo-
técnico, com o confinamento
do rejeito no próprio local. Ain-
da de acordo com a Usiminas, a
principal vantagem desse méto-
do, amplamente adotado na Eu-
ropa, Estados Unidos e Canadá,
é o fato de gerar menor impacto
ambiental, uma vez que evita
a criação de novo passivo am-
biental em um segundo terreno.
A área do confinamento equiva-
le a 67 campos de futebol.
PARA o morador Roberto
Barbosa, o turismo pode ser a MODELO DESENVOLVIMENTISTA
ponte rumo a um futuro mais Além dos desafios ligados à de-
sustentável para toda a ilha gradação ambiental, a Ilha da
Madeira também foi palco de

50  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


FOTOS: DIVULGAÇÃO
ALÉM DE CONFLITOS ligados à degradação ambiental, a ilha também sofre com a
desapropriação de terrenos destinada a abrir caminhos para a expansão industrial

conflitos ligados à desapropria- lidades da ocupação industrial GALINHA DOS OVOS DE OURO
ção de terrenos e remoção de ocorrida nas baías de Guanaba- Para o presidente da Associação
comunidades locais, em razão ra e de Sepetiba. “O que ocorreu de Pescadores e Lavradores da
da forte expansão industrial. na Guanabara vem se intensifi- Ilha da Madeira (Aplim), Sérgio
Um dos locais mais impacta- cando em Sepetiba, com base Hiroshi, a ‘culpa’ pela degradação
dos é a Vila do Engenho, onde num mesmo modelo desenvol- ambiental causada pelo com-
moradores chegaram a sofrer vimentista e que não respeita o plexo portuário e industrial não
pressões e ameaças feitas por meio ambiente nem as popula- pode ser atribuída exclusivamen-
homens armados. ções tradicionais”, alerta. te aos empreendimentos locais.
O pescador Marco Antônio De acordo com o procurador, Parte dela recai sobre as sucessi-
relata que, em áreas pertencen- as baías, que têm grande impor- vas administrações municipais.
tes às empresas, eles e também tância ecossistêmica, por abrigar “Entrou e saiu prefeito, mas o
os moradores e pescadores de áreas de reprodução de diferentes passivo infelizmente se mante-
outras ilhas não podem nem espécies, estuários e manguezais, ve. Muitos viam nesse passivo
passar perto. “Para pescar, só são também estratégicas para a uma galinha dos ovos de ouro,
entrando mar adentro mesmo. instalação de complexos portuá- pois, em razão dele, conseguiam
Os pesqueiros que a gente tinha rios e indústrias interessadas em verbas emergenciais para, por
aqui próximo, agora são área escoar sua produção. exemplo, resolver problemas de
deles, das empresas. A gente “O problema é que cada pro- vazamento de rejeitos na tem-
não consegue se aproximar. Se cesso de licenciamento am- porada de chuvas, sem resolver,
alguém fizer isso, vai preso. So- biental geralmente só considera de fato, o problema.”
mos uma classe que só se ferra.” o impacto de um determinado “É muito difícil, porque não
O procurador da República projeto, de forma isolada e sem temos autonomia para autuar.
Renato de Freitas Souza Macha- uma visão holística dos proble- A gente tenta fortalecer a atua-
do vê semelhanças entre as rea- mas e da realidade do entorno.” ção dos cerca de 180 pescadores

2
MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  51
1 OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS
DO BRASIL (FINAL)

dinheiro está falando mais alto”,

FOTOS: DIVULGAÇÃO
desabafa o ex-professor Jailson
Barboza, da UFRJ.
Perguntado sobre o que pode
ser feito para restabelecer o
equilíbrio das forças sociais e
econômicas, bem como res-
gatar a qualidade ambiental e
de vida na Madeira, o químico
João Alfredo Medeiros, da UFRJ,
afirma: “Como químico, não me
volto para a questão econômi-
co-financeira. Apenas digo que
JAILSON BARBOZA faz um PROCURADOR RENATO FREITAS: daria para ter feito um gran-
lamento: "As boas lembranças "A atuação dos órgãos ambientais de projeto, capaz de recuperar
da infância ficaram para trás" sofre influências políticas" completamente a ilha.”
“Todo mundo chama isso (o
crescimento industrial e eco-
artesanais da Madeira, mas eles do sintetiza: “O componente nômico) de progresso. Infeliz-
não conseguem ser ouvidos. Por social dos licenciamentos am- mente, a gente tem que engolir”,
meio do Conselho Municipal bientais é deixado em segundo diz, resignado, Sérgio Hiroshi,
de Meio Ambiente, Agricultura plano. E a legislação vem sendo presidente da Aplim. Mas para
e Pesca também procuramos totalmente flexibilizada e alte- o morador Roberto Barbosa, o
levar as demandas existentes rada no sentido de reduzir ainda turismo pode ser a ponte para
ao Ministério Público. Estamos mais a participação popular.” mudar o destino da Ilha da Ma-
respondendo várias ações ju- Para ele, como têm pouco po- deira, resgatando a sua vocação
diciais, mas o trâmite é muito der de mobilização e acesso res- natural. “Temos belas praias e,
lento. Atuamos também em trito aos meios de comunicação, no passado, todos os que nos
parceria com as empresas, mas, os pescadores são os que mais visitavam ficavam admirados,
infelizmente, não vemos resul- saem prejudicados. “A atuação porque não havia poluição.”
tados concretos”, justifica a se- dos órgãos ambientais também Fica registrada aqui a espe-
cretária de Meio Ambiente de é permeada por influências rança de que, assim como a
Itaguaí, Patrícia Kajishima. políticas. Não é raro vermos li- mitológica Fênix, a Ilha da Ma-
Enquanto os órgãos munici- cenças ambientais serem con- deira também possa renascer. E
pais ambientais se eximem da cedidas de forma contrária ao consiga transmutar as suas cin-
‘culpa’, os problemas na Ilha da parecer técnico.” zas de hoje em mais vida, mais
Madeira se avolumam. São inú- verde e mais água – num futuro
meras as empresas que simples- TURISMO E ESPERANÇA próximo! 
mente viram as costas e não pa- Nessa acirrada queda de braço
gam as multas ambientais que entre os interesses sociais, am-
ASSISTA À SÉRIE!
lhes são aplicadas. No que se bientais e econômicos, a força www.cinebrasil.tv
refere aos licenciamentos am- do capital tem sido a grande facebook.com/serieoambientalista
bientais, também fica claro que vitoriosa. “Destruíram a fauna, www.oambientalista.com.br
boa parte dos processos foi e a flora, a pesca e a vida da Ilha www.guerrilhafilmes.com.br
continua sendo conduzida sem da Madeira. Eles (os donos das
a devida participação da comu- empresas) estão lá, em seus
nidade, por meio de audiências apartamentos na Zona Sul do
públicas e reuniões. Rio, enquanto os pescadores vi-
O procurador da República vem confinados entre a poeira
Renato de Freitas Souza Macha- de minério e resíduos tóxicos. O

52  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


E MAIS:
entrevista com José ECOLÓGICO
NAS ESCOLAS
Martins da Silva Júnior,
oceanógrafo e coordenador
do Projeto Golfinho Rotador No 63

GOLFINHOS
Inteligentes e sociáveis, a exemplo das baleias, eles são
mamíferos aquáticos da ordem Cetartiodactyla. Como o
ser humano, esses animais necessitam de água limpa - e
não de plástico - para sobreviver em seu hábitat natural
1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - GOLFINHOS

A crescente degradação ambiental da zona costeira, a construção de


portos e indústrias no litoral e a poluição dos ambientes marinhos e
costeiros são as principais ameaças à conservação dos golfinhos
Luciana Morais
redacao@revistaecologico.com.br

C
om suas águas marinhas to-cor-de-rosa, toninha, tucuxi, e da Ilha de São Francisco do Sul,
declaradas santuário de boto-cinza, golfinho-nariz-de- em Santa Catarina.
baleias e golfinhos por de- -garrafa e golfinho-rotador. Das A toninha se alimenta de dife-
creto publicado em dezembro de 51 espécies existentes, três estão rentes espécies de peixes, lulas
2008, o Brasil ocupa posição de em perigo de extinção: a toninha, e camarões. A morte devido à
destaque entre os países que mais o boto-cinza e o boto-cor-de rosa. captura acidental em redes de
adotam estratégias para a conser- A toninha ou franciscana (Pon- pesca é a principal ameaça à
vação desse grupo de animais. toporia blainvillei) atinge cerca conservação dessa espécie. As
Eles são os cetáceos, que incluem de 1,75m e tem cor parda-cinza. demais ameaças, também co-
algumas das mais carismáticas e, Seu bico (ou rostro) é comprido e mum aos golfinhos em geral,
ao mesmo tempo, desconhecidas fino, com cerca de 250 dentes pe- são a crescente degradação am-
espécies aquáticas do planeta. quenos e também finos, chegan- biental da zona costeira, a cons-
O termo “cetáceo” deriva do do a viver até 20 anos. trução de portos e indústrias no
grego ketos, que significa baleia Típica das áreas costeiras, a to- litoral, o intenso tráfego maríti-
ou monstro marinho. Os golfi- ninha é encontrada desde o Es- mo/colisão com embarcações, a
nhos são encontrados em todos pírito Santo, no Brasil, até a Pro- prospecção e a exploração sís-
os ambientes marinhos do mun- víncia de Chubut, na Argentina, mica nas áreas de migração e de
do, com exceção dos polos. Algu- sempre em águas rasas que, em reprodução, bem como a polui-
mas espécies vivem em rios, na geral, não passam dos 30 metros ção e a degradação dos ambien-
costa entrando em estuários, em de profundidade. Embora difícil tes marinhos e costeiros.
alto-mar e em alguns casos têm de ser avistada, em alguns locais a O boto-cor-de rosa ou boto-
ampla distribuição. toninha é mais facilmente encon- -vermelho (Inia geoffrensis) é o
No Brasil, os golfinhos mais trada, como na Baía de Babiton- maior dos golfinhos de rio e tem
facilmente encontrados são bo- ga, próxima da cidade de Joinville visível dimorfismo sexual. Os ma-

XX  ECOLÓGICO
54 
ECOLÓGICO || MARÇO
MARÇO DE
DE 2019
2019
chos adultos atingem 2,55m de e é restrito à Bacia Amazônica.
comprimento e 200 kg de peso. Além das ameaças relativas às
Fêmeas chegam a medir 2,25m e atividades econômicas e à ação ENTENDA MELHOR
pesar 155 kg. Este boto só ocorre humana, um dos gargalos para
nos rios da Bacia Amazônica, mas a conservação dos pequenos ce-
em grandes quantidades e por táceos é o fato de a maioria das l O boto-vermelho, boto-da-
quase toda a região. -amazônia ou ainda, como é mais
espécies desse grupo de animais
conhecido no restante do Brasil,
Assim como os demais golfi- ainda carecer de pesquisas e de boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis)
nhos de rio, os botos-cor-de-rosa informações científicas sobre a tem sete vértebras cervicais não-
são impactados pela competição sua história de vida, sua distribui- -fusionadas e, por isso, consegue
de recursos hídricos e de peixe ção e abundância na natureza. mover a cabeça em todas as dire-
com os humanos. As mais recen- Conforme dados da União In- ções. A cor do corpo varia com a
tes ameaças a essa espécie são a ternacional para a Conservação idade, limpidez da água, tempera-
pesca da piracatinga, que usa o da Natureza (IUCN, na sigla em tura e localização. Em águas frias,
a cor rosada pode desaparecer.
boto como isca, e a construção de inglês), 40 das 69 espécies de pe-
hidrelétricas na região. quenos cetáceos existentes são l O golfinho-nariz-de-garrafa
classificadas como deficiente em (Tursiops truncatus), quando
HISTÓRIAS EVOLUTIVAS dados, ou seja, simplesmente não encontrado em águas costeiras de
De acordo com o “Plano de Ação há informação suficiente dispo- Santa Catarina ao Rio Grande do
Nacional para a Conservação dos nível para determinar se elas es- Sul, é chamado de boto.
Mamíferos Aquáticos – Pequenos tão ou não ameaçadas.
Cetáceos”, publicado em 2011 Do ponto de vista dos serviços l Sociáveis, excelentes nada-
dores e acrobatas, os golfinhos
pelo Instituto Chico Mendes de ambientais, os pequenos cetáce-
podem atingir velocidade de até
Conservação da Biodiversidade os desempenham papel essencial 40 km/h em seu nado e saltar até
(ICMBio), os pequenos cetáce- nos ecossistemas que habitam, cinco metros acima da água.
os formam um grupo com várias estabilizando e garantindo uma
origens e histórias evolutivas, to- dinâmica produtiva saudável. l Os golfinhos têm um sistema de
talizando 69 espécies, distribuí- São, ainda, protagonistas do tu- orientação e localização conhecido
das em nove famílias. rismo de observação (whale and como ecolocação. Através dele,
Eles estão presentes em todas sons de alta frequência, inaudíveis
dolphin watching), atividade que
ao ouvido humano, são produzi-
as bacias oceânicas e mares do movimenta cerca de US$ 1 bilhão dos pela vibração dos dutos de ar
mundo, bem como em bacias por ano, em 492 comunidades, de e dirigidos para o meio externo
hidrológicas da América do Sul 87 países. através do “melão” (protuberância
e da Ásia. Incluem desde a orca Desde 1998, o Brasil lidera, jun- na parte frontal da cabeça), que
(Orcinus orca), cujo macho atin- to com países da América Latina atua no direcionamento das ondas
ge nove metros de comprimento e da África, a proposta de criação sonoras e altera a frequência e o
e tem ocorrência cosmopolita, ou do Santuário do Atlântico Sul, comprimento delas.
seja, em todo o globo terrestre, até uma área na qual se manteriam
l Quando os sons atingem um
o tucuxi (Sotalia fluviatilis), que apenas atividades voltadas para objeto, o eco retorna ao golfinho,
atinge 1,7 metro de comprimento o turismo sustentável e a pes- que os capta pela mandíbula e
pelo ouvido. E, assim, são trans-
mitidos ao cérebro, que os analisa
quanto à localização, forma, textu-
ra e constituição.

quisa de mamíferos marinhos,


protegendo assim as 51 espécies
de baleias e golfinhos aqui exis-
tentes. Essa iniciativa, porém, foi
mais uma vez vetada pelos países
pró-caça, durante a Conferência
Global 2018, realiza em setembro,
em Florianópolis (SC).

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  55


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - GOLFINHOS

FOTO: JOSÉ MARTINS SILVA JR. / ICMBIO


SAIBA MAIS!

GOLFINHOS-rotadores em
Noronha: eles atingem até dois
metros de comprimento e 75 kg

l Um dos principais atrativos do arquipélago de cínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras
Fernando de Noronha, em Pernambuco, é o golfi- Socioambiental.
nho-rotador (Stenella longirostris longirostris). Ele
tem esse nome porque, quando salta fora d’água, l A Baía dos Golfinhos e a Enseada Entre Ilhas, no
consegue girar até sete vezes em torno de seu pró- Parque Nacional Marinho, são os pontos de maior
prio eixo. concentração de grupos de indivíduos da espécie em
Noronha. Mas estudos revelam que, nos últimos 10
l Com tempo de vida que varia de 20 a 30 anos, o anos, outras áreas também estão sendo ocupadas.
golfinho-rotador atinge 2 metros de comprimento, A frequência de animais na Baía dos Golfinhos, local
pesa 75kg e apresenta padrão tricolor: cinza-escuro preferido para descanso, amamentação e repro-
no dorso, cinza-claro nos flancos e branco no ventre. dução, vem diminuindo; mas tem aumentado na
É a terceira espécie de golfinho mais abundante do Enseda Entre Ilhas e na Baía de Santo Antônio.
mundo. Nunca entra em rios e raramente é observa-
da perto da costa continental. l Outras duas áreas de observação – Mirante do
Boldró (entre 2012 e 2016) e Forte de Nossa Senho-
l Devido à complexidade de suas estruturas sociais, ra dos Remédios (entre 2016 e 2018) – registram
dos seus sistemas de comunicação e das caracterís- maior frequência dos rotadores. A nova configura-
ticas morfológicas e fisiológicas de seu cérebro, os ção na área de ocupação implica medidas de con-
golfinhos são animais muito inteligentes. Proporcio- trole de atividades humanas, tais como o tráfego de
nalmente, em relação ao peso e ao tamanho do animal, embarcações e a instalação de equipamentos que
o cérebro do golfinho-rotador é o terceiro maior, com produzam ruídos e outras fontes de impacto sobre
cerca de 1,5kg, sendo que o cérebro humano é o sexto. esses animais.

l Criado em 1990 para conservar o comportamento FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA


natural dessa espécie, o Projeto Golfinho Rotador Projeto Golfinho Rotador (www.golfinhorotador.org.br)/
(golfinhorotador.org.br) atua em diferentes áreas: Manual de Ecossistemas Costeiros e Marinhos para
promove ações de pesquisa, de educação ambiental, Educadores (Rede Biomar)/Plano de Ação Nacional para
de mobilização/envolvimento comunitário e de sus- a Conservação dos Mamíferos Aquáticos - Pequenos
tentabilidade em Fernando de Noronha, com patro- Cetáceos (MMA/ICMBio), Laboratório de Biologia da
Conservação de Mamíferos Aquáticos (LABCMA/USP).

56  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


QUATRO PERGUNTAS PARA...
FOTO: DIVULGAÇÃO

JOSÉ MARTINS DA SILVA JÚNIOR


Oceanógrafo do Núcleo de Gestão Integrado de Fernando de Noronha/
ICMBio, idealizador e coordenador do Projeto Golfinho Rotador

Envolvimento da comunidade
Um dos destaques do Projeto Golfinho Rotador é Em 2018, o arquipélago recebeu 103.548 turistas,
o foco em ações de educação ambiental. Que ba- segundo dados oficiais da Autarquia Territorial do
lanço faz dos principais avanços ocorridos nessas Distrito Estadual de Fernando de Noronha (ATDE-
quase três décadas de atividade? FN). Desse total de turistas, cerca de 80% fizeram
Como um dos principais objetivos do projeto é en- passeios de barco para observar golfinhos. Como
volver as pessoas na conservação da biodiversidade a média de custo por passeio é de R$ 100 (por pes-
marinha, nos dedicamos muito a promover ações de soa), em 2018, o turismo de observação movimen-
sensibilização com este foco específico. Felizmente, a tou, no mínimo, R$ 8.283.840.
mudança do discurso da comunidade e das autorida-
des locais – de contra ou neutra para veemente pró- O senhor é um dos idealizadores do Projeto Golfi-
-conservação –, é um resultado palpável do projeto. nho Rotador. O que mais lhe motiva na convivência
Em relação à educação ambiental, os prêmios nacio- com os golfinhos?
nais e internacionais relacionados às nossas ativida- O convívio com a natureza de Fernando de Noro-
des também indicam que estamos no caminho certo. nha e com os golfinhos, bem como a minha for-
mação acadêmica e a perseverança no trabalho,
Poderia citar alguns desses prêmios? certamente são as minhas maiores inspirações. Foi
Vale destacar a conquista do 1º lugar no “Prêmio graças a isso que criamos um dos maiores progra-
Procel de Eficiência Energética” (2006), concedido mas de conservação de golfinhos do mundo. 
ao projeto arquitetônico da sede do Projeto Gol-

FOTO: JOSÉ MARTINS SILVA JR. / ICMBIO


finho Rotador, na categoria “Edificações”. Além,
ainda, do prêmio Okayama Award 2016, de educa-
ção para o desenvolvimento sustentável, no qual
fomos um dos 10 finalistas de todo o mundo. Esse
prêmio é promovido pela cidade de Okayama, no
Japão, uma das parceiras da Unesco no Programa
de Ação Global para efetivação dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Quanto o turismo de observação movimenta,


por ano, em Noronha?

Nós apoiamos essa ideia!

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  57


1 NATUREZA MEDICINAL
MARCOS GUIÃO (*)
redacao@revistaecologico.com.br

SURRA DE MARIA-PRETA
E ALECRIM NO DEFUNTO
N
essas andanças pelo sertão já ouvi um bo- do de repente o assunto esbarrou na morte.
cado de histórias, algumas fantasiosas, ou- Cada qual deu seu palpite, até que o assunto foi
tras refletindo as durezas da vida. Dia des- se esfriando. Foi aí que Malaquias puxou, dos seus
ses ouvi uma deverasmente curiosa acontecida dos mais de 70 anos, a memória do que ocorria naqueles
antigamentes na região central dos Gerais. Quem tempos em que ele ainda era um garoto morador da
me contou foi Zé Malaquias, cabra dotado de gran- comunidade do Engenho. Quando morria alguém
des olhos esverdeados enfeitando o rosto redondo por lá era um “Deus nos acuda”, pois no distrito num
vincado de rugas. Um chapéu de palha desgastado tinha cemitério e o enterro se dava na sede do mu-
cobria a cabeça se apoiando nas orelhas de abano, nicípio distante 18 km. Num tinha carro e o falecido
completando sua figura altiva e tranquila. Estáva- era literalmente carregado nos braços até lá.
mos numa turma grande, onde todos conversavam Em geral, o defunto era devidamente preparado,
animadamente sobre as plantas de remédio, quan- chorado e velado pelos amigos e familiares ainda
na comunidade, para depois então ter seu caixão
FOTO: MARCOS GUIÃO

fechado e colocado por riba de uma espécie de pa-


diola, que oito dos homens mais fortes da comuni-
dade carregavam até chegar à cidade. Num impor-
tava se era chuva ou sol, o ritual era sempre esse.
- “Já fiz isso demais no tempo que as forças ainda
tavam nos meus braços. Nóis vinha naquela fai-
na num batido só, até que os braços começavam
a fraquejar. No meio do caminho tinha um pé de
genipapo, que inté hoje inda tá lá, onde a gente
arriava o morto, sentava na sombra da árvore,
tomava um café, comia-se uma broa e ganhava
fôlego. Enquanto isso os mais velhos que acom-
panhavam o cortejo passavam a mão numas va-
ras de maria-preta ou de alecrim encontradas por
ali mesmo e davam de ralhar com morto. Aqui-
lo eles batiam por riba do caixão, gritando: ‘Ocê
tem que se entregar, isso é ordem de Deus, ele tá
te esperando, chegou seu dia’... Moço ainda, eu fi-
cava oiando aquilo assombrado, sem dizer nada
em sinal de respeito. Pois ocê acredita que daí em
diante ele dava de ficar maneirinho novamente?
Antão nóis tornava a levantar a padiola, jogava
nos ombros e cabava de completar nossa tarefa de
‘entregar o morto no cemitério’.”
Os recursos hoje são muitos e os costumes muda-
ram, mas histórias como essa ainda resistem e me
causam espanto. Inté a próxima lua! 

(*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.


Saiba mais em www.ervanariamarcosguiao.com

58  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


A SUSTENTABILIDADE CONVIDA.

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como população de baixa renda,

comunidades rurais, hospitais

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uma nova geração de consumidores.

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