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Discente: Julia Caroline Goulart Blank

(MAINGUENEAU, Dominique. Thesaurus e Comunidade. In: __________. Frases sem


Texto. Tradução Sírio Possenti et. al. 1. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. p. 69-82.)

“Se a grande maioria das aforizações secundárias desaparece assim que elas são destacadas,
algumas entram numa memória coletiva, disponíveis para um reemprego. Elas se somam às
aforizações primárias (provérbios, slogans, divisas…) destinadas a serem retomadas no
interior de uma comunidade mais ou menos vasta”. (p. 69)

O HIPERENUNCIADOR

PARTICIPAÇÃO
• O enunciado citado é memorizável e autônomo.
• Pretende ser reconhecido como citação pelos destinatários (sem indicação de fonte)
• Pertence a um thesaurus verbal de contornos vagos, indissociável de uma comunidade.
• Esse thesaurus e a comunidade correspondente implicam um hiperenunciador, que lhes
dá sua unidade e cuja autoridade garante sua validade.

*A maior parte das participações são aforizações.

“É ao leitor que cabe perceber a aforização proverbial. Enunciando-a sem qualquer marca que
a identifique como tal, o locutor coloca o leitor na posição de membro da comunidade que
partilha o mesmo thesaurus”. (p. 71)

“ Se quem bate não se lembra,


quem apanha não esquece
Ninguém merece sofrer...
Quando a cabeça não pensa,
é o corpo que padece
Ninguém merece sofrer…”
(Zeca Pagodinho. Ninguém Merece. São Paulo: Universal Music Brasil. 2005.)
AS AFORIZAÇÕES SENTENCIOSAS

O provérbio

Concebido para ser repetido;


Construído para obter a adesão do outro;
Remete a um discurso de todos os sujeitos;
O locutor abandona voluntariamente sua voz e toma outra emprestada para proferir um
segmento da fala que não lhe pertence propriamente, que ele apenas cita.
Identificar um enunciado como proverbial depende de fatores:
• Extralinguísticos: o provérbio pertence a um thesaurus supostamente conhecido pelos
usuários de uma língua.
• Linguísticos: possui propriedades específicas; repousa na função poética de Jakobson, onde
simetrias silábicas ou acentuais reforçam simetrias semânticas.

O adágio jurídico

Locutor também invoca um hiperenunciador, no caso, o direito;


Comunidade de ordem profissional;
Existem fenômenos comparáveis em outras profissões (agricultura, bolsa de valores…)
Possuem fontes diversas que são neutralizadas quando acendem ao estatuto de adágio.
O adágio vernáculo sofreu concorrência e foi até dominado pelo adágio latino.

“ Cogitationis poenam nemo patitur”.


(Os pensamentos não implicam punição - a intenção de praticar um crime não é punível).

O hiperenunciador que diz o justo é “sábio”.

“ […] Com efeito, em lugar de dispor que o devedor deve reparar o dano, o
legislador dispôs que não cumprida a obrigação, responde o devedor por
perdas e danos.”
(STJ fixa em dez anos prazo para prescrição de reparação civil contratual. Conjur Online.
15/05/2019)

AS PARTICIPAÇÕES DE GRUPO

Implicam a existência de um exterior, hostil ou indiferente;


Fusão imaginária dos indivíduos num enunciador coletivo;
Institui e confirma o pertencimento de cada um ao grupo;
Três grupos: Locutores empíricos (individuais); Ator coletivo (grupo de manifestantes) e
Hiperenunciador (a nação);
Slogan militante, repetido indefinidamente por aqueles que o gritam;
Ethos que mostra o engajamento da pessoa toda. O NÓS supõe uma fronteira com o outro
hostil.
Esse tipo de aforização é produzida por grupos que têm alguma estabilidade.
Os grupos podem ser:
• Estáveis: comunidades pré-construídas, dotadas de memória partilhada.
• Transitórios: A enunciação do slogan tem por função unir e não tem outro suporte a
não ser o grupo. A comunidade transitória fabrica um thesaurus conjuntural.

(Imagem disponível na internet sobre manifestações contra corte do governo na educação em 2019)

OS SLOGANS COMERCIAIS

É referido a uma marca;


O grupo dos consumidores que aderem a essa marca é imposto pelo discurso da própria
marca;
Não é da mesma natureza do slogan militante;

Duas estratégias para eufemizar a finalidade puramente mercantil:
• Primeira: fazer com que o slogan se beneficie da autoridade de um hiperenunciador
sentencioso. Sonha ser um elemento de um thesaurus da comunidade linguistica.

(Propaganda do Whisky Chivas Regal)

• Segunda: Delegar a responsabilidade do slogan a um aforizador singular, mas


emblemático, que exprimiria uma convicção pessoal.

(Propaganda da esponja de aço Bombril, cujo slogan era “Bombril: Mil e Uma Utilidades”)

AS PARTICIPAÇÕES ESCRITURAIS

Grande número de “frases célebres”, atribuídas a indivíduos, podem exercer o papel de


participações;
Algumas fazem parte do thesaurus do homem culto;

Outras citações autores circulam em comunidades restritas;

“ Nós declaramos esse espaço infinito, dado que não há qualquer razão,
conveniência, possibilidade, sentido ou natureza que lhe trace um limite.”
(Giordano Bruno, Acerca do Infinito Universo e Mundos, 1584)

Os múltiplos autores gregos e latinos do thesaurus humanista não valem apenas como
escritores individualizados, mas aparecem como múltiplos avatares de um mesmo
hiperenunciador, a “antiguidade”.
Após a renascença e até o século XX, essa comunidade de pertencimento se tornou mais
imprecisa. Destacar uma aforização era então uma característica da escrita letrada, a prova
de que se tinha recebido uma formação “clássica”.
No caso das religiões, como o cristianismo, islamismo e judaísmo, o thesaurus que torna
possível a participação coincide de direito com um só livro: a bíblia ou o Corão.
Os múltiplos autores da escritura não passam de intérpretes do único verdadeiro Autor
(Deus), hiperenunciador que os inspira e se torna fiador do conjunto dos textos.
Participando as aforizações destacadas da bíblia, o locutor cristão desaparece para fazer
afalar através dele o hiperenunciador divino:

“ — Você vai matar a todos nós? Assassinato não é pecado, reverendo?


— A alma que pecar morrerá. A justiça do justo não o livrará no dia da sua
transgressão, já a impiedade do ímpio não cairá por ela no dia de sua
conversão.” (A Bíblia, Ezequiel 33:12)
(Tudor, C.J. O Homem de Giz. Tradução de Alexandre Raposo. Rio de Janeiro: Intrínseca,
2018. p. 256)

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