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mercado

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Primeiro projeto para
regulamentar a profissão
de fotógrafo no Brasil foi
A polêmica da
apresentado há 70 anos
regulamentação da

profissão de
fotógrafo
Já aprovada na Câmara dos Deputados, projeto
de lei que regulamenta profissão aguarda pauta
no Senado. Mas a maioria dos fotógrafos ouvidos
por Fotografe é contra. Saiba por quê

O
Por Mário Fittipaldi

Projeto de Lei 2.176/2011, anos) ou em bacharelado. Há tam-


de autoria do deputado bém previsão para habilitar fotógra-
Fernando Torres (PSD-BA), fos sem curso superior, mas que
propõe algo que há muito comprovem dois anos de atividades
se tenta no Brasil: regula- profissionais até a data de promul-
mentar a profissão de fotó- gação da lei. O projeto exclui de sua
grafo. As iniciativas datam de 1948, aplicação a função de repórter foto-
quando o primeiro projeto nesse gráfico a serviço de empresa jorna-
sentido foi apresentado pelo depu- lística, que já é regulada por legis-
tado Damaso Rocha (PSD-RS) e, co- lação específica ligada à prática de
mo outros posteriores, acabou ar- fotojornalismo.
quivado. Passados 70 anos, esse Fotografe tentou contato com o
ainda não é o caso do projeto de Tor- deputado Fernando Torres, autor
res, que aguarda votação pelo ple- do projeto. Sua assessoria solicitou
nário do Senado Federal. E, mes- que fossem enviadas perguntas por
mo sem ter sido aprovado ainda, já e-mail. As perguntas foram envia-
causa muita polêmica entre os pro- das, mas até o fechamento des-
fissionais. A maioria ouvida por Foto- ta edição não haviam sido respon-
grafe é contra. didas. Em sua página no Facebook,
Se aprovado e não sofrer ne- Torres escreve que apresentou o
nhum veto presidencial, o proje- projeto porque a profissão de fotó-
to determina o que é a atividade de grafo é “exercida há muitos anos,
fotógrafo e em quais áreas ele pode porém marginalizada e discrimina-
atuar, compreendendo, entre elas, o da por falta de uma legislação espe-
Shutterstock

ensino da fotografia. E institui a obri- cífica. Em quase todos os países do


gatoriedade de curso superior em mundo essa profissão já é reconhe-
nível tecnológico (formação em dois cida e regulamentada”.

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Adriana Bittar mercado

O documentarista Alexandre Suplicy acredita que o mercado funciona bem do jeito que está, sem interferência do governo

Fotografia em debate bons olhos. “A Abrafoto entende que xas e impostos”, ele afirma. Newton
A iniciativa de regulamentação da o projeto é bem-vindo”, ele diz. “Em- Medeiros, fotógrafo de Guarulhos
profissão está longe de ser consen- bora seja mais um reconhecimento (SP), que tem estúdio e dá cursos de
so entre os profissionais. Cristiano institucional do que qualquer outra Fotografia, faz coro: “Tudo o que é re-
Burmester, presidente da Associa- coisa, acho bom que se fale da profis- gulamentado vira imposto”, acredita.
ção Brasileira de Fotógrafos (Abrafo- são, de suas particularidades e tam- O fotógrafo publicitário Richard
to), é um dos que veem o projeto com bém dos profissionais que a exer- Cheles, de São Caetano do Sul (SP),
cem, especialmente em um tempo endossa a posição da Abrafoto. “Por
em que qualquer um que tenha uma incrível que pareça, acho que só o fo-
câmera no celular já se sente um fo- tógrafo hoje não tem profissão reco-
tógrafo”, analisa. “Pode ajudar a re- nhecida”, conjectura. “Não vejo por
gular e a qualificar o mercado”, ava- que não fazer. Para quem tem CNPJ,
lia Burmester. dá na mesma. Mas, para quem é CLT,
Já para o profissional Alex Man- com a regulamentação vai poder ser
tesso, de São Paulo (SP), que atua no contratado como fotógrafo”, opina.
mercado de moda, essa possibilida- Alexandre Suplicy, profissional
de de regulação do mercado pode paulistano especializado em docu-
ser ilusória: “O mercado é livre e se mentário e fotografia de viagem, é
rege por suas próprias regras. A re- contra. “Acho que não há necessida-
gulamentação da profissão garante de de regulamentação. O mercado
apenas uma coisa: o aumento de ta- funciona bem do jeito que está. Não
precisa que o governo se meta nis-
so”, resume. João Machado, fotógra-
Kykito Amaral

Para Cristiano
Burmester, da Abrafoto, fo baiano radicado em São Paulo que
regulamentação pode trabalha com fotografia social e do-
qualificar mercado cumentário, é a favor. “Acho que isso

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Richard Cheles, fotógrafo
de publicidade, é a
favor: para ele, só o
fotógrafo ainda não tem
regulamentação

valoriza o fotógrafo. Não ter profissão


reconhecida é uma tristeza”, diz ele,
que conseguiu seu registro profissio-
nal como fotojornalista por meio da
Associação dos Fotojornalistas e Ci-
negrafistas de São Paulo (Arfoc-SP).

Formação superior

Fotos: Livia Capeli


Para muitos fotógrafos, um dos
pontos cruciais do projeto é a exigên-
cia de diploma em curso superior pa-
ra a obtenção do registro profissional.
Newton Medeiros é um dos que são
radicalmente contra essa exigência:
“Acho-a ridícula. O fotógrafo não pre-
cisa de curso superior para se profis-
sionalizar”, observa. “A partir do mo-
mento em que a profissão estiver re-
gulamentada, vem sindicato para ci-
ma, vem escola preparando cursos, o
fotógrafo vai ser obrigado a fazer cur-
sos… Não acho justo porque o fotó-
grafo não precisa disso”, garante.
Para Cristiano Burmester, no en-
tanto, essa obrigatoriedade é boa.
“Sou professor de Fotografia no cur-
so de Jornalismo da PUC-SP e acho
que passar por um processo de for-
mação profissional só pode melhorar
o fotógrafo. Claro que, nessa área, é
possível se obter formação autodi-
data, mais livre, e isso não quer dizer Os fotógrafos Alex Mantesso (acima) e Newton Medeiros (abaixo) são contra a
que essa formação não tenha qua- regulamentação da profissão, temendo aumento de impostos e burocracia
lidade. Ainda assim, eu acredito na
educação formal”, justifica, acres-
centando que, caso aprovado, o pro-
jeto deve promover também amplia-
ção e consolidação do ensino da foto-
grafia. “O mercado de cursos de foto-
grafia vai ter de se movimentar para
se adaptar à nova realidade”, conclui.

Tramitação
Aprovado pela Câmara dos De-
putados, o Projeto de Lei 2.176/2011
seguiu para apreciação do Sena-
do Federal, onde, sob o código PLC
64/2014, foi aprovado por todas as co-
Mário Bock

missões. Durante o prazo em que es-


teve sob consulta pública — quando

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mercado

Redação final dada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aguarda aprovação no Senado

fotógrafos e qualquer pessoa da so- na casa, se aprovado, seguirá para que opinaram repudiam o projeto,
ciedade poderiam apresentar suges- sanção do Presidente da República e contra apenas 1.906 que o aprovam.
tões e críticas —, nenhuma proposta posterior promulgação. Em enquete de Fotografe feita
foi enviada. Enquanto estiver aguardando a com os assinantes e disponibiliza-
O prazo para apresentação de votação no Senado Federal, é pos- da na página da revista no Facebook,
emendas por parte dos parlamenta- sível acessar a página do projeto os leitores também puderam opinar
res também já se esgotou: agora, o (https://bit.ly/2qpCTmx) e opinar so- sobre a regulamentação da profis-
projeto aguarda a entrada na ordem bre ele. Até o fechamento desta edi- são. O resultado foi um pouco mais
do dia para votação pelo plenário do ção, em abril de 2018, o placar era apertado, mas a maioria ainda é con-
Senado. Como não houve alterações amplamente desfavorável: 6.244 dos trária à aprovação: 53,5%, enquanto
que 39,5% são a favor e 7% não sou-
beram opinar ou achavam a iniciati-
Pesquisa Fotografe va indiferente.
Do projeto pioneiro de Dama-
so Rocha, que completa 70 anos em
2018, ao atual, de Fernando Torres,
Você concorda com a
regulamentação da muita coisa mudou na fotografia. Se
profissão de fotógrafo? até antes da era digital havia uma es-
pécie de “reserva de mercado”, atual-
Concordo mente o mundo consome imagens co-
Não concordo mo nunca e o mercado se tornou mui-
Não sei / acho indiferente to mais competitivo. Não seria a regu-
lamentação uma forma de criar uma
linha separatória entre quem traba-
lha com fotografia e quem apenas
produz imagens? Para pensar.

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