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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras- Fale


Kamila Ribeiro Azevedo

Ensaio sobre: A prática tradutória de Haroldo de campos

Belo Horizonte
2018
Kamila Ribeiro Azevedo

Ensaio sobre: A prática tradutória de Haroldo de campos

Trabalho apresentado à disciplina: Poetas


tradutores

Orientador: Gustavo da Silveira Ribeiro

Belo Horizonte
2018
A prática tradutória de Haroldo de campos

Haroldo de Campos em seu texto “Da tradução como criação e como


crítica”, elucida que, o fazer tradutório vai além de simplesmente passar um
texto de uma língua para outra língua. Com base nessa concepção, Campos
afirma que, “toda tradução é crítica”, portanto, a partir desta tese, buscaremos
compreender a crítica de perpassa a prática tradutória de Haroldo de Campos.

Através do conceito de “informação estética”, desenvolvido pelo filósofo


e crítico Max Bense, Campos reflete sobre o conceito de “intraduzibilidade”,
citando grandes nomes e obras, como Grande sertão: Veredas, de Guimarães
Rosa, e Macunaíma, de Mário de Andrade. As obras mencionadas seriam
intraduzíveis, pois de acordo com o conceito de informação estética, a
informação transcenderia a semântica, no que diz respeito “à imprevisibilidade,
à surpresa, a improbabilidade da ordenação de signos” (CAMPOS, Haroldo p,
02). Ou seja, qualquer alteração que fosse feita na forma do texto original
alteraria completamente o sentido, estabelecendo assim a impossibilidade da
tradução.

Já Walter Benjamin, em seu ensaio “ A tarefa do Tradutor” vai dizer que


“A tradução é uma forma”, para que a tradução seja compreendia, é necessário
retornar ao original, pois na obra original está a forma, portanto a concepção de
Haroldo de Campos dialoga com o posicionamento de Walter Benjamin, no
sentido de pensar o exercício da tradução como um ato criativo, dito de outro
modo, o poeta tradutor Haroldo de Campos, entende a tradução da poesia
como recriação, e não somente fazer a substituição da obra original em outra
língua. Nas palavras de Campos podemos compreender melhor sua dinâmica
no âmbito da tradução:

Então para nós, tradução de textos criativos será sempre


recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca.
Quando mais inçado de dificuldade esse texto, mais recriável,
mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação.
Conseguimos entender a prática tradutória de Haroldo, através das
escolhas das obras que foram traduzidas por ele. Desta maneira, Campos cita
o autor J.Salas Subirart “Traduzir é a maneira mais atenta de ler”, isto é, para
o tradutor escolher a obra a ser traduzida, a escolha perpassa pelo campo da
identificação e da subjetividade do próprio autor. Confirma Campos:

Os móveis primeiro do autor, que seja também poeta ou


prosador, são a configuração de uma tradição ativa( daí não
ser diferente a escolha do texto a traduzir, mas sempre
extremamente reveladora), um exercício de intelecção e,
através dele, uma operação de crítica ao vivo.

Por conseguinte, podemos confirmar as peculiaridades do autor através


de uma entrevista1 cedida ao dramaturgo Gerald Thomas. O poeta relata sobre
o seu trabalho como Poeta Tradutor, além do mais, Haroldo de Campos
comenta sobre suas traduções criativas, como Ilíada de Homero, Marllamé, e
outras obras. Logo no inicio da entrevista Thomas o pergunta sobre, “como ele
se mantém energético, diante as adversidades da vida”, prontamente Haroldo
responde: “sou do sertão não perco tempo com veredas(risos), e dentro desse
sertão inclui Mallarmé, Paund”... Em seguida ele completa de foi salvo de uma
forte depressão através do seu esforço em transcriar Ilíada de Homero, ainda
na entrevista, Haroldo designa esse fato como “homeroterapia”, foram longos
oito anos de labor, em busca de fazer o melhor trabalho possível.

Haroldo de Campos em seu livro de ensaio intitulado como “O Arco- Íris


Branco”, retoma sobre as ideias de “problemas da tradução”, nesse exercício o
autor discorre sobre quando engendrou seu interesse pela transcriação,
obviamente não deixando Ezra Paund, poeta relevante para construção de seu
trabalho como transcriador. Portanto, a tradução é algo que foi aprofundado
por Haroldo de Campos, fazendo-o pensar e repensar sobre a tradução e seu
próprio fazer tradutório. Nas suas próprias palavras podemos atender a
seriedade de sua dedicação:
1
Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=97-x8U-DHio
O problema da tradução de poesia- ou, melhor dizendo, da
tradução criativa ou transcriação- é um problema que me tem
preocupado e sobre o qual venho debruçado desde os
começos do meu itinerário poético, na década de 50. O
estímulo inicial foi o exemplo de Ezra Paund, aquele poeta,
que como disse uma vez George Steiner, está para tradução
poética de nosso tempo como Picasso para a pintura
HAROLDO, Campos, P. 51, 1997)

Em suma, a prática de transcriação de Haroldo de Campos nos permite


refletir sobre o seu fazer tradutório, como um trabalho arqueológico 2. Para
elucidar a comparação, é pertinente citar profissionais da área arqueológica
que vai explicar sobre a ciência arqueológica:

A arqueologia é uma prática científica diversificada, que atua


no estudo das gravuras rupestres, vasilhas de cerâmica, entre
outros vestígios arqueológicos repletos de simbolismo, que
oferecem pistas sobre a vida e a cultura ancestrais. Ela é uma
ciência que rompe a barreira do tempo para reconstruir o
passado da humanidade com vistas ao entendimento da
sociedade atual, usando como fonte de pesquisa objetos
concretos produzidos pelas mãos do homem, deslocados do
seu tempo e de sua utilização. (Amorim (2010, p. 21)

Sendo assim, faz todo sentido quando Haroldo de Campos recria os


textos antigos, como Ilíada de Homero, Genesis e Eclesiastes. A tradução de
Haroldo de campos se presta a escavar a investigar, revolver através de
leituras e traduções, textos que para ele são pertinente. Ou seja, irá emergir do
passado fragmentos, “estilhaços”, “cacos de palavras”, “cacos de fonemas”,
“cacos de imagens”, “pedaços de narrativas” e “personagens”, a partir desses
complexos fragmentos do passado Haroldo compõe seus textos no presente,

2
Anotações da aula ministrada pelo professor Doutor Gustavo Silveira Ribeiro, em out ,2018.
por esse motivo algumas obras de Campos têm o caráter de montagem, o
caráter eminentemente fragmentário, porém autêntico e criativo.

Portanto, o conceito de poesia em Haroldo de campos, intricado em


Galáxias e fragmentos da Íliada, e dos textos judaicos, aponta para
arqueologia, para escavação das origens, reflexão da sua fundação. Podemos
pensar assim, no poema galáxia, que traz uma ideia cosmológica. Galáxia
necessariamente é um conjunto tendencialmente finito, mas de observação
infinita. Logo, quando Haroldo de campos traz essa metáfora constelar, no
sentido cosmológica, ele aponta necessariamente também para o infinito, para
escavação do tempo, para o desdobramento do tempo em múltiplas direções,
para os origens e para os fins. No fundo a metáfora cosmológica nos lembra o
“big bang”3, a grande explosão que deu origem a tudo, que fragmentou o todo,
a matéria densa que supostamente continha a origem de todo o universo.
Então, tanto o fazer tradutório, quanto a atividade criativa de Haroldo neste
momento se presta a ler pelo caminho da arqueologia, pelos caminhos das
origens.

A arqueologia também é um campo de invenção, porque quando um


arqueólogo identifica um fragmento qualquer , o arqueólogo inicia um processo
de “imaginação” a partir desde caco, fragmento, imagina a totalidade do que foi
aquele fenômeno . Portanto no fundo, o trabalho do arqueólogo é também um
trabalho da imaginação, ou atravessa no trabalho do arqueólogo, o trabalho da
imaginação e reconstituição, obviamente com respaldos científicos, mas
também imaginativa do que foi o passado a partir de fragmentos, de pedaços
de ruinas do passado que emerge o presente. Assim como a arqueologia,
Haroldo de Campos traz à superfície aquilo que estava oculto, ou seja,
comprova a tese “quanto mais fechado o texto mais aberto a recriação”
(CAMPOS, Haroldo. p. 05). Brilhantemente o Poeta tradutor Haroldo de
Campos Cria, recria, transcria obras atualizando-as para o nosso tempo.

3
Teoria da criação do universo.
Referência

AMORIM, Lilian Bayma de. Cerâmica marajoara: a comunicação do silêncio.


Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2010.

BENJAMIN, Walter. A Tarefa do Tradutor. Belo Horizonte, Fale/UFMG, 2008.

CAMPOS, Haroldo de. Da tradução como Criação e Como Crítica p. 01 à 18

CAMPOS, Haroldo de. O arco-íris branco: ensaios de literatura e cultura, Rio


de janeiro:Imago Ed. 1997

https://pt.wikibooks.org/wiki/Introdu%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0_arqueologia
/O_que_estuda_a_arqueologia <acesso em 25-11-2018>

Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=97-x8U-DHio


<acesso em 26-11-2018>

https://www.sofisica.com.br/conteudos/curiosidades/bigbang.php <acesso em
26-11-2018)

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