Resumo:
Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a constituição da pólis
grega formulada por Platão em A República sobre o papel da educação para o
desenvolvimento e manutenção da cidade-estado. A relevância deste estudo se apresenta na
investigação de uma das matrizes epistemológicas que influenciam diretamente o pensamento
moderno, principalmente no que diz respeito à concepção de Estado e de Educação. Para
tanto, realizamos um estudo sobre o diálogo platônico A República que discutem a formação
do Estado ideal e, conseqüentemente o modelo de educação almejado para a consolidação
desta pólis. A partir dos estudos realizados sobre Platão, é possível estabelecer alguns
questionamentos com os próprios modelos de Estado e de educação instituídos hoje em nossa
sociedade contemporânea.
Inicialmente o estudo sobre Platão nos instigou a entender como era pensada e
organizada a cidade-estado na Grécia Antiga. Diante disso, nos deparamos com outros
questionamentos, tais como: as relações sociais entre as classes, as relações educativas e
políticas, questões estas que serão desenvolvidas ao longo do texto. Neste sentido, o presente
trabalho tem como objetivo compreender e problematizar como se configura essa teia de
relações no âmbito da pólis grega.
Para tanto, realizamos um estudo bibliográfico tendo como referência principal o
diálogo platônico A República que discute a formação do Estado ideal e, conseqüentemente o
modelo de educação almejado para a consolidação desta pólis, uma vez que, para Platão a
educação é essencial, devido o seu caráter eminentemente político, portanto, ela deve ser
assegurada e organizada pelo Estado como um bem público.
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Graduando do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. marcoaurelioufu@yahoo.com.br.
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Graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. solangeufu@yahoo.com.br.
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Professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. danelon@faced.ufu.br.
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O cenário que se avizinha de Platão em meados do século IV. A.C constituía-se num
momento de crise da democracia ateniense, concomitante à emergência de governos tiranos
que desvirtuavam os objetivos da política na busca pelo bem-comum. A proposta platônica de
um Estado ideal finalizado em A República reflete, tanto a crítica do filósofo a sua época,
como a constituição de um Estado justo. Nesta proposta, o papel desempenhado pela
educação é primordial na organização desse Estado. Mais do que isso, a educação é, em
Platão, política, não somente porque passa a ser tarefa do Estado, mas, principalmente porque
a educação é propedêutica do Estado. Segundo Kohan:
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Essa parte bestial e selvagem seria responsável pela degradação do ideal político da
pólis e da realização da dimensão racional do homem. Diante dessa realidade, a educação das
virtudes torna-se condição de possibilidade para a fundação de um Estado justo. A virtude
surge como a capacidade ou a excelência que pertença ao homem. O homem virtuoso deve
adequar, nesse caso, suas ações e seus desejos às virtudes por ele operadas. No caso de Platão,
as virtudes cardeais – sabedoria, prudência, temperança e justiça – proporcionam a formação
de homens virtuosos para a vida pública. Remonta aqui, novamente, o papel político da
educação: se o homem possui desejos propensos ao mal, é pela educação das virtudes, já na
infância, que se criarão às condições de possibilidade do home virtuoso:
A educação, pensada por Platão, seria responsável pela constituição de uma cidade
virtuosa (justiça, temperança, piedade, coragem e prudência), com função de relembrar o
individuo do conhecimento que foi perdido no ato do nascimento. Logo, para alcançar esta
pólis ideal necessita-se de uma educação que desenvolva as aptidões dos futuros cidadãos
para exercer uma determinada função neste espaço, assim,
Esta educação trabalhará com o cidadão formando-o para cidadania, isto é, de acordo
com suas aptidões, cada um exercerá uma função que é de suma importância para a
manutenção da pólis. Mas, para que essas funções ocorram devidamente, os educandos devem
dominar e praticar a mais importante das virtuosidades, segundo Platão, a justiça, que
“consiste em reter apenas os bens que nos pertencem como próprios e exercer apenas a nossa
própria função” (idem, p.219).
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A justiça somente será alcançada diante ao bom desempenho da educação, pois esse
sentimento de pertença a pólis é de suma importância para o bem comum. Nesse caso, a
justiça aparece como a virtude aglutinadora da vida política, ou seja, da vida na pólis. O
homem justo é aquele que desempenha bem a sua função dentro da pólis.
Nesse contexto, a justiça aparece sob o binômio individual/coletiva, ou seja, a justiça
para consigo mesmo emerge quando o sujeito realiza aquilo que a educação descobriu como
sendo sua aptidão: ser justo consigo mesmo é fazer aquilo que sua alma está apta em realizar.
Por outro lado, a justiça remete ao coletivo quando todos fazem aquilo que são capazes, ou
seja, cada classe de cidadão desempenhando bem sua aptidão, fazendo da pólis um lugar
harmonioso. Essa justiça conduzirá todo o Estado à felicidade já que todos desempenharão
bem suas funções e aptidões. Nesse caso, a justiça seria o caminho que conduz o ser humano à
felicidade na medida a harmonia estará presente em sua própria alma, além de na pólis toda.
Revela-se aqui, de fato, o caráter organicista da política platônica: o Estado,
precisando de três funções básicas para sua constituição, a justiça é alcançada quando todos e
cada um desempenhar bem sua função. Ressalta-se aqui, que é pela educação que se forma o
sujeito para uma função determinada, ou seja, aquela para o qual ele está apto.
A partir do mito dos três metais, segundo o qual, um Deus revestiu a alma de cada
homem com um tipo específico de metal: ouro, prata ou bronze. Os que nasceram com a alma
revestida de bronze, a sua aptidão está para as atividades manuais; os que nasceram com a
alma revestida de prata, estão aptas para o manuseio de armas e os revestidos de ouro, estão
aptos para a atividade racional.
É a partir desse mito que Platão concebe as funções básicas para a existência da pólis.
Dentro de uma mesma cidade teríamos três tipos de funções diferentes: o trabalho manual, o
qual caberia produzir os bens materiais necessários a sobrevivência da pólis no que diz
respeito à alimentação, a vestimentas, ou seja, aos serviços básicos. Os guerreiros teriam a
tarefa de proteger e salvaguardar a pólis e os legisladores de organizar e planejar as leis da
pólis. Tais funções seriam determinadas de acordo com suas aptidões naturais.
Para a descoberta da aptidão de cada alma, a criança recebia a educação necessária
para esse fim. A educação era ministrada a partir três níveis de ensino, o primeiro nível
corresponde à idade de 7 aos 18 anos, no qual se trabalha com a música e a ginástica: “(...) foi
pela ginástica e pela música que os formamos de início”. (Platão, 1993, p. 233). A ginástica
tem a função de educar o corpo para o exercício da racionalidade. A música neste modelo
educacional, por sua vez, desempenha um papel de desenvolver um raciocínio lógico racional,
uma vez que trabalha com a harmonia e a melodia, ambas com características de ordenar as
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idéias e as ações, já que temos o ideal das coisas e para isso é importante que cada
“instrumento” seja utilizado de forma correta para que possamos nos aproximar deste dito
ideal.
A ginástica tem a função de preparar o corpo para que este adquira uma condição
necessária de ascensão da alma, pois esta se encontra aprisionada neste mundo físico e
imperfeito, e por meio da música, o corpo desenvolverá o ritmo e o condicionamento corporal
necessário para o bom desenvolvimento da educação. Segundo Platão, “aquêle que mistura
com mais beleza a ginástica à música e as aplica na melhor medida à própria alma, aquêle,
diremos nós mui justamente, é perfeito músico e perfeito harmonista, muito mais do que
regula entre si as cordas de um instrumento” (Platão, 1973. p. 187). A esta educação
ministrada através da ginástica e da música, soma-se a educação matemática que, segundo
Platão, deve acompanhar todo o processo formativo, desde a infância:
Ao termino desta etapa são realizados testes para mudança de estágios, os aptos
prosseguiriam para o segundo nível. Aqueles que não demonstrassem tais aptidões estariam
preparados para desempenhar as funções do trabalho manual.
Esta educação ministrada no primeiro nível é propedêutica para o segundo, que
corresponde aproximadamente de 18 a 20 anos, e será desenvolvida a educação militar que
consiste na formação dos guerreiros, soldados da pólis. Tal educação terá como base, a
justiça, a coragem e a temperança, nesse sentido os jovens guerreiros serão preparados para
além de dominarem técnicas de guerras e valores morais. O terceiro nível se dá dos 20 aos 50
anos de idade, somando estudos da dialética e da filosofia:
A dialética, para Platão “é a conclusão suprema dos nossos estudos, que não há outro
acima dela e, também, que acabamos com as ciências que é preciso aprender”. (Platão, 1993,
p. 249).
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São características daqueles que estão aptos para a educação dialética a “acuidade para
as ciências e facilidade para o aprendizado (...) da memória, de uma disciplina inquebrantável
e do amor inconteste ao trabalho” (Platão, 1993, p. 249). Além dessas, o educando na
dialética deve ter temperança, coragem e grandeza da alma e, por fim está apto para a
educação dialética aqueles cujo “espírito tem capacidade de síntese” (Platão, 1993, p. 252).
Nesta etapa da educação, a dialética se apresenta como conhecimento indispensável
para a ascensão do indivíduo ao mundo inteligível, uma vez que, já foi aprendida ao longo do
processo educativo outras ciências (matemática, aritmética, geometria) cujo objetivo eram de
desenvolver no indivíduo o raciocínio lógico que proporcionaria a este exercer em sua
plenitude o exercício da dialética.
Segundo Platão, a dialética é um método que busca alcançar o conhecimento
verdadeiro e absoluto do Bem, do Justo e do Belo. O primeiro passo inicia-se pela ironia, que
tem por finalidade desconstruir o que está constituído no mundo sensível, isto é, eliminar as
opiniões e as hipóteses daquilo que temos como sendo verdades na realidade material sobre as
coisas e os objetos. Chegaremos a esta finalidade por meio do diálogo entre os indivíduos que
reconhecerão a sua própria ignorância diante do mundo em que habitam.
A partir do momento em que o indivíduo reconhece sua ignorância e tem a
necessidade de superar as contradições que estão postas, inicia um caminho de volta à suas
origens no sentido de rever o momento em que errou, para a partir daí se buscar o caminho da
verdade absoluta. Essa trajetória em busca da verdade no interior do ser caracteriza-se pela
maiêutica, isto é, a arte de trazer a luz ou arte do parto.
Este percurso descrito acima é caracterizado por Platão como sendo o movimento
ascendente da dialética, no qual o indivíduo alcança a Idéia do Bem.
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Após esta ascensão ao mundo das idéias por meio da dialética, o indivíduo tem que
cumprir mais um movimento no processo dialético para o seu exercício em sua plenitude
máxima, que se caracteriza pelo movimento descendente. Este movimento parte do principio
que, o indivíduo que detém as idéia supremas das coisas, deva retornar ao mundo sensível
para direcionar os seus semelhantes pela busca interna do conhecimento de sua própria
natureza por meio da educação, logo, o educador também deverá ter uma formação dialética.
Neste sentido, o estudo sobre a dialética se faz necessário para o alcance do
conhecimento verdadeiro das idéias puras. Segundo Platão,
Considerações Finais
A partir dos estudos realizados sobre Platão, mais precisamente sobre a formação do
Estado ideal e do modelo educacional, é possível estabelecer algumas reflexões com os
próprios modelos de Estado e de educação instituídos hoje em nossa sociedade conteporrânea.
Com relação ao Estado, podemos observar que o modelo platônico tinha como
premissa o domínio da sabedoria e da racionalidade pelos governantes para que estes
desempenhasse com plenitude a sua função principal, cuidar e zelar do bem público. Nos dias
atuais esta condição posta por Platão seria importante para o nosso cenário político?
Para Platão, a função principal do governante, o cuidado e o zelo do bem público, no
sentido de assegurar a “todos” os cidadãos da pólis o direito à educação e a proteção do
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Estado. No modelo atual de Estado são assegurados e garantidos tais direitos básicos de
sobrevivência da população brasileira?
Platão foi um dos primeiros pensadores a conceber a educação como dever do Estado
e, portanto, um bem público a serviço da população para a formação do cidadão pertencente
da pólis. Este modelo de educação era organizado em três etapas, a primeira de 7 aos 18 anos,
a segunda dos 18 aos 20 anos e a última etapa dos 20 aos 50 anos de idade como expostas
anteriormente. Diante dessa organização de ensino, qual o grau de semelhança com o atual
sistema de ensino brasileiro (ensino fundamental, ensino médio e educação superior) e sua
relação com as funções sociais?
Portanto, este estudo sobre a A República nos traz alguns apontamentos a respeito da
influência que a filosofia platônica exerceu, e ainda exerce, sobre as concepções e modelos
de Estado e educação na sociedade contemporânea. Neste sentido, constatamos a importância
de um aprofundamento no estudo dos pensadores clássicos da filosofia.
Referências bibliográficas