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CAPÍTULO 12
As Escrituras estão repletas de promessas e profecias para essa nação e nem ainda a
décima parte delas já foi cumprida. Apesar de a linguagem poética apaixonada de
tantas das antigas profecias ser um pretexto para tratá-las como descrições
hiperbólicas das bênçãos do evangelho, esse tipo de apelação não pode ser feito com
relação à epístola aos Romanos. Escrevendo aos gentios, o apóstolo dos gentios
desenvolve ali a matéria na presença dos fatos da dispensação dos gentios. Os ramos
naturais de Israel foram quebrados da oliveira dos privilégios e bênçãos terreais e,
"contra a natureza", os ramos do zambujeiro do sangue gentio foram enxertados,
substituindo-os. Mas, a despeito das advertências do apóstolo, nós, gentios nos
tornamos sábios em nossos próprios conselhos, esquecendo-nos que a oliveira, de cuja
raiz e seiva participamos, é essencialmente hebraica, "porque os dons e a vocação de
Deus são sem arrependimento."
A mente da maioria dos homens está em servidão aos fatos de lugar-comum de sua
experiência. As profecias de um Israel restaurado parecem tão incríveis quanto as
predições dos triunfos presentes da eletricidade e do vapor pareceriam aos nossos
antepassados de cem anos atrás. Embora afetando a independência em julgar assim, a
mente somente está dando provas de sua própria impotência ou ignorância. Além do
mais, a posição que os judeus mantiveram por dezoito séculos é um fenômeno que em
si mesmo elimina qualquer aparente suposição contra o cumprimento dessas profecias.
Não é uma questão de como uma falsa religião como a de Maomé pode manter uma
fronte altiva na presença de uma verdadeira fé; o problema é muito diferente. Não
somente em uma época anterior, mas nos primeiros dias da atual dispensação, os
judeus desfrutaram de uma preferência nas bênçãos, que praticamente correspondeu
a um monopólio do favor divino. Em sua infância, a igreja cristã foi essencialmente
judaica. Os judeus dentro da igreja eram contados aos milhares, os gentios às
dezenas. Apesar disso, esse mesmo povo mais tarde se tornou, e por dezoito séculos
continua a ser, o mais morto à influência do evangelho do que qualquer outra classe
de pessoas no mundo. Como pode "esse mistério", como o apóstolo o chama, ser
explicado, senão como as Escrituras o explica, isto é, que a época da graça especial a
Israel foi encerrada com o período historicamente dentro dos Atos dos Apóstolos, e
que desde essa crise em sua história, "o endurecimento veio em parte sobre Israel"?
Mas essa mesma palavra, a verdade da qual é tão claramente provada pelos fatos
públicos, declara que esse endurecimento judicial continuará somente "até que a
plenitude dos gentios haja entrado", e o inspirado apóstolo acrescenta: "E assim todo
o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as
impiedades." [2]
Mas, pode com razão ser perguntado, isso não implica meramente que Israel será
trazido para dentro das bênçãos do evangelho, não que os judeus serão abençoados
com base em um princípio que é totalmente inconsistente com o evangelho? O
cristianismo, como um sistema, assume o fato que em uma época passada os judeus
desfrutaram de um lugar peculiar nas bênçãos:
"Digo, pois, que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão, por causa da verdade de
Deus, para que confirmasse as promessas feitas aos pais; e para que os gentios
glorifiquem a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: Portanto eu te louvarei
entre os gentios, E cantarei ao teu nome." [Romanos 15:8-9; ênfase adicionada]
Mas os judeus perderam sua posição de vantagem por causa do pecado e agora estão
no mesmo nível comum da humanidade arruinada. A cruz derribou "a parede de
separação", que os distanciava dos gentios. Ela nivelou a todos sem distinções. Com
relação à culpa "não há diferença, porque todos pecaram"; com relação à misericórdia
"não há diferença, porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que
o invocam." Como, então, se não há diferença, pode Deus conceder bênçãos com base
em um princípio que implica que há uma diferença? Em uma palavra, o cumprimento
das promessas para Judá é absolutamente incoerente com as distintivas verdades da
atual dispensação.
Essas dificuldades admitem somente uma solução, uma solução tão satisfatória quanto
simples, isto é, que aquilo que chamamos de segundo advento de Cristo não é um
evento único, mas inclui várias manifestações distintas. Na primeira dessas, Ele
chamará para Si mesmo os mortos que morreram em Cristo, junto com Seu próprio
povo que estará vivendo na Terra naquele momento. Com esse evento este "dia da
graça" especial cessará, e Deus novamente reverterá para as alianças e promessas, e
aquele povo para quem elas pertencem (Romanos 9:4) mais uma vez se tornará o
centro da ação divina com relação à humanidade.
Tudo o que Deus prometeu está dentro da abrangência da esperança do crente; [5]
mas esse é seu horizonte próximo. Todas as coisas aguardam seu cumprimento. Antes
do retorno de Cristo à Terra, muitas páginas de profecia ainda precisam ser cumpridas,
mas nem uma linha das Escrituras barra a realização desta esperança especial da
igreja de Sua vinda para levar Seu povo para Si mesmo. Aqui, então, está a grande
crise que colocará um termo no reinado da graça e iniciará os sofrimentos da mais
feroz provação que já ocorreu da Terra - "Porque dias de vingança são estes, para que
se cumpram todas as coisas que estão escritas." (Lucas 21:22)
A objeção que uma verdade dessa magnitude teria sido declarada com clareza mais
dogmática esquece a distinção entre ensino doutrinário e palavra profética. A verdade
do segundo advento pertence à profecia, e as afirmações das Escrituras com relação a
ele são marcadas precisamente pelas mesmas características que as profecias do Velho
Testamento sobre o Messias. [6]
"Os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir"
foram preditas de tal forma que um leitor superficial das antigas Escrituras teria
deixado de descobrir que haveria dois adventos do Messias. E até o estudante mais
cuidadoso, se não fosse versado no esquema geral da profecia, poderia supor que os
dois adventos, embora moralmente distintos, deveriam estar intimamente conectados
no tempo. Assim é com o futuro. Alguns consideram o segundo advento como um
único evento; por outros, seu verdadeiro caráter é reconhecido, mas eles deixam de
marcar o intervalo que precisa separar sua primeira forma de seu estágio final. Uma
compreensão inteligente da verdade com relação a ele é essencial para a correta
compreensão das profecias ainda não cumpridas.
Mas tendo assim esses marcos principais claramente fixados para nos guiar no estudo,
não podemos deixar de deplorar a tentativa de preencher o intervalo com maior
exatidão que as Escrituras garantem. Existem eventos definidos a serem cumpridos,
mas ninguém pode ser dogmático com relação ao tempo ou ao modo como eles serão
cumpridos. Nenhum cristão que estima corretamente o terrível peso do sofrimento e
do pecado que a cada dia é acrescentado à soma terrível dos sofrimentos e culpa deste
mundo pode deixar de desejar que o fim esteja próximo, mas que ele não se esqueça
do grande princípio: "E tende por salvação a longanimidade do nosso Senhor" (2 Pedro
3:15) e nem da linguagem dos Salmos: "Porque mil anos são aos teus olhos como o
dia de ontem que passou, e como a vigília da noite." (Salmo 90:4) Há muito nas
Escrituras que parece justificar a esperança que a consumação não será retardada por
muito tempo; mas, por outro lado, não há pouco para sugerir a idéia que antes de
essas cenas finais acontecerem, a civilização retornará ao seu antigo lar no oriente e,
possivelmente, uma Babilônia restaurada se tornará o centro do progresso humano e
da religião apóstata. [7]
Afirmar que longas eras ainda têm de correr seu curso é tão indenfensável quanto as
predições feitas tão confiantemente que todas as coisas serão cumpridas no século
atual. É somente enquanto a profecia estiver dentro das setenta semanas de Daniel
que ela ocorre dentro do intervalo da cronologia e a visão de Daniel relaciona-se
principalmente com Judá e Jerusalém. [8]
[2] Romanos 11:25-26. Nem todo israelita, mas Israel como uma nação. (Alford, Gr.
Test., in loco).
[3] Gálatas 3:28. Contraste isto com as palavras do Senhor em João 4:22, "A salvação
vem dos judeus."
[4] Em prova disto, pode-se apelar para estas mesmas profecias de Daniel; e as
profecias posteriores testificam de forma ainda mais clara, notavelmente o livro de
Zacarias.
[5] "Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que
habita a justiça." (2 Pedro 3:13) Longas eras de tempo e inúmeros eventos precisam
ocorrer antes da realização desta esperança, mas mesmo assim o crente anela por ela.
[7] Isaías 13 parece conectar a queda final de Babilônia com o grande dia que está se
aproximando (compare versos 1, 9. 10, 19); e, em Jeremias 50, o mesmo evento está
conectado com a restauração e união futura das duas casas de Israel (verso 4).
Entretanto, faço a sugestão meramente como uma precaução contra a idéia que
certamente já chegamos aos últimos dias da dispensação. Se mais mil anos tiverem de
passar na história do cristianismo, o retardo não desacreditará a verdade de uma única
afirmação nos Escritos Sagrados.
[8] De fato, nenhuma das visões de Daniel tem uma abrangência mais ampla. Isaías,
Jeremias e Ezequiel tratam de Israel (ou das dez tribos); mas Daniel lida unicamente
com Judá.