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Carlos Lungarzo ‘Astwonomia 2 Olbo Na © que € Filosofia Romildo Faia Cao Prado Je Uhas de Competéncia 0 que € Posiivismo “| Carreras cienifiest no Bras! _Joto Ribeto J. Joo Baia A. Oliveira 0 que € Teoria Fie da Citaia Gartano Pere, Ruben Ales, Reimentandoo Disloo Gliese bemevidads ne _—-‘eo Encanto Raia! formasao de professores ‘Albert Ei Tigia Late/Maria Helena Martins! Maria Lucia Soura Harvey B. Brown ‘A Razio Cativa Dante Alighied | usses de comeiéncia de Patao Hilo Franco Je a freud Sérgio Paulo Rovanet Pascal Gérard Lebrun “Teota Cia Ontem e hoje Barbara Freitag | editora brasiliense Copyright © by Carlos Langarzo, 1989 Nenhuma parte desta publicarao pode ser gravee, sarmazenaila em sistemas eletrnicos, fotocopiada, eproduxda por meios mecinicos ou outros quaisquer EAMPUS I 22" suorzato prévia do editor sas. O$ 106101 om ISBN: 85-11-01220-6 Fi Primeira edicdo, 1989 | RECONHECIMENTO Copyiesk: José Waldir S. Moraes i ‘Revisio: Irene Hikshie Edson Baptista Capa: May Shuravel j Desejo manifestar meu agradecimento a0 \ | Chefe do Departamento de Filosofia da UNICAMP, Ve ; Prof. Dr. Elias Humberto Alves, néo apenas pela 35.29 detalhada corregao estilistica do texto e as su- gestdes de cardter didético, mas também pelo est | mulo ¢ boa vontade que fizeram possivel a redagao deste trabalho. cL ip Rua da Consolacdo, 2697 01416 Sao Paulo SP Fowe (012) 280-1222 - Telex. 11 33271 DBLM BR INPRESSO NO Beast | a SUMARIO — Conhecimento cienti ~ As ciéncias, = 0 métods cientifco.. — Teorias cientiticas. . : — Acincia e outras formas de conhecimento.. — Cibncia e ideologia. — Recomendagdes para leitura. — Sobre 0 Autor... CONHECIMENTO CIENTIFICO Conhecimento cientifico e senso comum Todas as pessoas conhecem certos fatos, mesmo sem ter estudado ciéncia. Um copo de cristal quebra, quando submetido 2 um forte golpe. ‘A gua comega a ferver aos cem graus de tem- peratura. Uma pessoa, em contato com um cabo de ago ligado a uma fonte de alta tensa, motre. Esses conhecimentos sao familiares ao senso Qualquer pessoa ouviu falar neles ¢ tem }es para conferi-los. Mais ainda, a grande poderd explicar por quo eles acontecem. O cristal quebra porque é fragil. Os liquidas submetidos a uma fonte de calor. comecam a ferver Carlos Langars a determinadas temperaturas e passam ao estado gas0s0, Os metais conduzem a eletricidade. O ago é um metal; entéo, conduz @ eletricidade. Os organis- mos animais e humanos sao sensiveis & eletrici- dade. Entéo, uma pessoa submetida a uma forte tensao elétrica morre. Essas 680 explicagdes de senso comum. Se as mesmas perguntas tivessem sido formuladas a um fisico, talvez as respostas fossem um pouco mais detathadas. cristal do copo ¢ constituido por pequenas particulas, ligadas por forgas muito fracas. E sufi- ciente um forte golpe para eliminar essa ligagao & “decompor” o copo em pedagos. ‘Toda fonte de calor transmite ao corpo aqueci- do uma dose de energia. A energia contida no calor (energia térmica) ¢ transformada em energia mecanica. Essa energia 6 absorvida pelas particulas que fazem parte da substancia. Sao as chamadas moléculas. As moléculas, tendo maior energia, ten- dem a se deslocar com maior velocidade e a se afas- tar umas das outras. Todos 0s liquidos podem ferver a determi- nadas temperaturas. No caso da égua, cem graus é, por definigao, essa temperatura. A eletricidade é produzida pela relacao entre particulas elementares dentro dos étomos de um corpo. A “corrente elétrica” é transmitida por certos corpos, porque eles permitem 3 passagem de elétrons. O aco é um metal, @ os metais so bons 0 que éciéncia condutores, Entéo, ele transmite a eletricidade desde a fonte de forga até a pessoa que segura 0 cabo. Uma tensdo elétrica alta produz perturbacoes muito graves nas células. Portanto, a pessoa que recebe aquela tenséo, morte. Observemos que ha mais detalhes nas expli cagées do cientista do que nas explicagdes do homem da rua. Todavia, nem sempre a diferenca entre as duas classes de explicagdes 6 tao grande. No caso da fragilidade do cristal, o que o cien- tista pode acrescentar 20 senso comum nao & muito, pelo menos, do ponto de vista da fisica basi- ca, No caso da gua e da eletricidade 6 um pouco Mas essa diferenga ainda ¢ significativa. O homem da rua explica certos fatos por meio de co nhecimentos que também sao do senso comum. O cientista tenta encontrar explicagoes que sejam mais profundas, que estejam baseadas em conhecimen- tos mais exatos, mais precisos. Nossos exemplos mostram que a diferenga entre senso comum e conhecimento cientifico nao tem sua origem nos fatos ou objetos que as pessoas estudam. A eletricidade, o calor, os fatos sociais, os organismos biolégicos interessam aos cientistas, ‘mas também sao alvo da preocupacao do homem comum. Todos nés, por exemplo, temos curiosi- dade pela psicologia, sen sermos psicélogos, e pela ‘economia, sem sermos economista ‘As caracteristicas que fixam a fronteira entre 0 Carlos Langarzo conhecimento cientifico ¢ 0 senso comum esto relacionadas com a maneira de conhecer ou de jus- tificar o conhecimento. Quase todos os abjetos podem ser pesquisados pela ciéncia: 0 homem, a sociedad, os entes biolégicos, a estrutura social, a psicologia humana, o inconsciente, a matérla, as substéncias etc. Muitas propriedades desses objetos sao, contudo, também familiares aos nao cientistas. O trago que marca a diferenga entre o cientista © o nao cientista 6 0 processo de obtengao, justifi- cacao e transmissao de conhecimento, Embora essa fronteira ndo seja clara e existam muitos pontos de vista diferentes entre os filésofos da ciéncia, existe um consenso amplo a respeito de certas propriedades que sao tipicas da atividade cientifica O conhecimento cientifico é eritico. Ainda que sua origem seje a experiéncia, esse conhecimento nao fica grudado a ela de mode incondicional. Enquanto 0 senso comum habitualmente cinge-se 208 dados imediatos, ou, entéo, procura explicacbes nem sempre profundas, 0 conhecimento cientifica procura bases sdlidas, justificagdes claras e exatas. Isso nao é possivel em todos os casos. A tendéncia do cientista, porém, é se aproximar gradativamente de fundamentos fortes para seus conhecimentos.t conhecimento cientifico é, portanto, sub- metido a uma série de testes, andlises, controles que garantam pelo menos uma “chance” alta de obter informagdes verdadeiras @ justficadas: 0 que é ciéncia Por exemplo: todos sabemos que a dinamite explode quando é submetida & ago do fogo. E por isso que ninguém ousa jogar um fésforo aceso num depésito de dinamite. Mas nem todos se perguntam pelas razdes que explicam esse fendomeno. Inclusive 8 que conhecem as explicacdes do senso comum 86 sabem que a dinamite contém certas substancias responséveis pela explosdo. O quimico, no entanto, 6 capaz de nos explicar com detalhe o que acontece dentro de um explosive quando ele é submetido a ‘ago do fogo. Pode até nos escrever certas formulas que mostram o proceso completo: a ago do fogo, seu efeito sobre os componentes quimicos, as forgas que sao liberadas, a intensidade da explosio etc, 0 conhecimento cientifico ¢ organizado. O cientista tenta construir sistemas de conhecimento, embora seus anseios nem sempre possam ser coroados pelo sucesso. Enquanto 0 senso comum & composto por um conjunto de conhacimentos “avulsos”, 0 cientista visa organizar seu conheci- mento num conjunto onde os elementos estejam relacionados de maneira ordenada. ' © conhecimento cientifico 6 prognosticador. Baseado em certos “principios” ou "leis", o cientista pode predizer até mesmo com certeza de que maneira acontecerao certos fatos futuros. Também © homem da rua faz predigdes: podemos predizer que o verdo sera quente, que a inflagao continuardé ‘aumentando, que o sol saira amanha etc. Mas nos: B Carlos Lungarzo a8 predigées 880 justificadas apenas por analogias do senso comum, O cientista tem raz6es para afir- ‘mar que certos fatos haverao de ocorrer. © conhecimento cientifico ¢ geral. € conheci- mento de conjuntos ou classes de fatos e situagées, @ ndo apenas de determinados fatos isolados. O conhecimento de que nasso cabo de aco conduz a eletricidade é individual, mas é justificado pelo co- nhecimento geral de que todo corpo metalico con- duz a eletricidade. Um ponto muito importante é 0 caréter metédico do conhecimento cientifico. Os filésofos mais tradicionais (os anteriores a 1970, por exem- plo} consideravam que uma caracteristica essencial da ciéncia é o método. Segundo eles, a obtenga0 do conhecimento especifico néo é produto de uma seqiiéncia de acasos ou situagdes imprevisiveis. Para obter conhecimento cientifico devemos orien: tar nossa atividade e nossa inteligéncia em con- sonancia com c. .. ..drdes de pesquisa, certa nogo de ordem etc. Realmente, ainda hoje, a maioria dos filésofos aceita que a ciéneia possui um método. Mas esse Jo wem sempre é Unico. Enquanto antiga- mente pensava-se que a ciéncia constava de um conjunto fixo de re- >= ou “receitas” para obter corhecimento, hos aceitamos que 0 método depende de muitas condigdes, inclusive psicolégi- as, sociais e historicas, entre outras. TT L Cia esta mais relacionada com os 0 que é ctencia Ciéneia A-ciéncia é uma parte da cultura dos povos modernos, como a religiao, a arte, a literatura etc. Mas nem sempre a palavra “ciéncia” é usada com um nico significado. Freqientemente, entende-se por ciéncie a atividade cientifica em geral, Eis alguns exemplos desse uso: sociedade ciontifica, homem de ciéncia, visdo cientifica da vida, e assim por diante. Outras vezes, “ciéncia” tem o significado mais especifico de conhecimenta cientifico. Este é 0 senti do em que pensamos ao qualificarmos de ciéncia a Sociologia, a quimica ou a linguistica. De passagem, deve-se dizer que o conhecimento cientifico deve ter alguma relevancia para a cultura e a sociedade. Assim, embora exista um méi a jogar xadrez 0u fazer bolos, o conhecimento dessas atividades 1ndo & considerado cientifico. Ainda, “ciéncia” & usualmente identificada com 0 conjunto ou sistema organizado de conheci ‘mento cientifico. Este é 0 casa quando, por exem- plo, falamos que “a mecanica classica 6 uma iéncia”. Ai, estamos sugerindo que as teorias clas. sivas da mecénica sdo teorias cientiticas, A ciéncia, considerada como -onhecimento, tem forte relagao com métodos e técnicus de descoberta, & com fatores sociais e psicolagicos. Neste caso, a cién oxtemos, Considerada como teoria, sua relagao mais 6 Cavtos Lungarzo (amportante & com a estrutura togicae tinguistica arte og dois expectos estao intimamente solacisnados,O elentista recor 20s fatos reais Pave earesr com conheciimento. Aelaboragao desse | Sonnecimanto produe woven, For ous es ooee cone to subsmetidas novamente @ realidad para | Se conferir sue validade. | eros como tori © ciéncia como procosso | ae connacmero exo em esto este, €8 oe ore jentate exige uma interagdo com a5 Uae +o rmmplo, vou considerer 0 caso da fsica que voudestugou ou estuda na escola. Coniderace | tno tore, cnc fica est relaionad Sor comes oraguagem (por exemplo, de termos Ov | paloves como massa wenergia” etc.), €O™ 0 elavego de regres togices pat tar caas concly | S6ee a partir de certs supostos ef a part ihecer o tempo de queda de um cO"PO, vost dedur usando regras Yogicas © formulas voce eons ja connecidas. A formulae Ingles tea caas afirmagdes torre possivel entender exes mare aplicar a ei de queda dos corpos, forego de vista do provesso de conhecimeny to, faiga depende de nossa percepedo direta 8 10.2 istoa fe apareihos, de laboratorios, de am rn Se conjunto de objetos fisioos socials, nett ara coe esto fora do proprio conheciment Sloat ao, para calculardiretamente a resist@ne’> For ore Mmatal, voce deve submetb-1o 2.cortatenshos er ease tonedo, assim por diante AS CIENCIAS rae compl anteriores, falei de fatos do Contudo, nem tod mundo fisico, quimico ou bi ico: Por exemplo,@ sicologia é uma ciénei 5 sree ea ene ss populagoes oe Estados ae relogees de pode conceito de conflito etc. . cies dos fotos da ratorera So cgncles humanes, Porque eras, esta, pesaiam tendmonos lagées de poder, 0 Porque o homem é estudado a partir do ponto de vista de sua condigéo humana’ A biologia, por exemplo, ndo é uma ciéncia humana, porque a fisio: logia humana ou a genética humana estudam o homem dentro do conjunto geral dos seres vivos. Nas ciéncias humanas, a condicao especial do homem tem um destaque inexistente nas ciéncias natura, Entdo, ha uma primeira divisdo possivel entre as ciéncias: as naturais e as humanas. Exemplos de ciéncias naturals sao: a fisica, a Quimica, a biologia, a geologia, a astronomia e algu- mas outras. Enquanto as ciéncias humanas seriam a historia, a antropologia, a psicologia, a lingiistica, a economia, a ciéncia politica, @ assim por diante. Essas ciéncias tem campos diferentes de estu- do, embore existam zonas de superposigao: por exemplo, algumas dreas da psicologie baseiam-se em areas da biologia, como no caso de certas neu- roses provocadas por lesdes no cérebro, Também certos estudos de antropologia, ou seja, da pesquisa sobre a organizagao de certas Sociedades humanas, seralmente antigas, exigem contato com as ciéncias aturais, como por exemplo a geologia, Vou dar um exemplo concreto para mostrar a existéncia dessa superposicao. A historia 6 tipica- mente uma ciéncia humana: 0 estudo das ativi- dades do homem durante sua presenca no Sempre pode se restringir sua propria ciéncia. Ele Carlos Lungarzo universo. Contudo, 0 pesquisador em histdria vz | | 0 que éeiéncia 6 precisa langar mao, as vezes, de dados de outras Giéncias, como por exemplo a economia, No século XIV, uma grande peste quase exterminou @ popu. ago européia, Imagine um historiador tentando analisar as consequncias sociais e poiticas de opt. ddemia de 1847. Um dado essoncial para osse estado conhecer a economia da época. Por exomplo, & aceito pelos historiadores que as epidemias 0 @ inflagao estiveram relacionadas fortemente durante toda @ idade Média, Contudo, tanto as ciéneias natursis como as humanas participam de uma propriedade funda ‘mental. conhecimento cientifico origina-ce nos fatos reais, sejam da natureza, do homem, da Sociedade, da mente otc Que acontece, entéo, com a matematica? Esta ergunta vem & tona com muita naturalidade. Se o conhecimento cientifico tem origem nos fatos, na realidade, seja natural ou social, como é que a | matematica é uma ciéncia? A matematica nao lide com objetos reais, nem com pessoas, nem com forgas, nem com entidades sociais ote Ela é uma ferramenta importante em quase todas as cizncive, ‘mas seu objeto proprio, especifico néo tom nada & ver com os fatos Quase todos os cientistas aceitam que 8 ‘matematica 6 uma ciéneia. Porém, ela nio depende da experiéncia. Um matematico néo precise facer observagdes ou experimentos para justficar sues afirmagées. © matemtica puro nao procisa de labo- 20 Carlos Lungarzo 0 que éciéneia tatério, oficina, trabalho de campo, ateli® Os resultados do matematico no dependem do mundo exterior Para saber que 2¢ igual at+1, | © matematico nao precisa observar, como o fisico, | nem experimentar, como o quimico, nem pesquisar | arquivos, como o historiador. Soré quo a matomatica néo ¢umaciéncia? —_ | Amatematica 6 critica, € metodica e é sis tematica. E seriamente estudada nos grandes cen. {ros de pesquisa, e seria impossivel desenvolver'a maior parte das ciéncias sem seu apoio. Tudo indica aque ola deve ser considerada ciénca, Isso foi causa de uma diviséo, quase univer: salmente aceita, no conjunto das ciéncias: ciéncias abstratas (matematica e Logica) e factuais(naturais © humanas! ‘As ciéncies absteatas sao também chamadas “cieneias formais”. Este nome é, inclusive, bem mais usual entre os especialistas. Contudo, eu pre- firo usar a palavra “abstrata’, porque é mais fécil de Justificar As ciéncias abstratas sao abstratas porque fidam com coisas que néo so concretas. Para cexplicar por que elas so chamadas de formais, eu precisarla entrar em detalhes mais técnicos, que podem aborrecer. Mas se voce conhece algo de I6gi- 2, J pode concluir o seguinte: as ciéncias formais {matemstica e ldgica) trabelham sobre a forma do conhecimento, e nfo sobre 0 “conteudo”. Nao acredite que isso 6 totalmente tranqiilo Existem polémicas entre fildsofos e cientistas sobre ‘8 natureza da matematica. Mas sao muito especiali- zadas, Inclusive nao dizem muito a respeito da real atividade do cientista ‘As chamadas “ciéncias abstratas” sao a légica ‘ea matematica. Elas sa0 diferentes das ciéncias fac- tuais naturais ou humanas), porque os objetos com, 05 quais trabalham nao sao entidades do mundo real, que possamos perceber através dos sentidos Elas nao trabalham com fatos (é por isso que nao ‘so factuais). Trabalham com idéias, Por exemplo, na fisica, 0 clentista precisa fazer observagoes e experimentos. 0 leitor sabe, talvez, que existe uma area chamada “fisica tedrica”, na qual o fisico submete seus dados apenas a um trata- mento matemdtico. Contudo, os dados que ele pro- cessa teoricamente so, por sua vez, fornecidos pela experiéncia You mostrar um exemplo conereto dessa situ: acho. Vové conhece o trabalho dos pesquisadores | om fisica nuclear. Alids, ninguém pode ignorar a atividade desses caras, ja que algum dia poderemos voar pelos ares por conta disso. Bem, eles estudam a energia contida no nucleo atdmico. O nucleo é constituido por “particu: las", o pequonas que ¢ impossivel ter acesso die. to a elas: neutrons, protons e outras mais raras, * chamades “partons”, “hadrons” etc. Continua- mente aparecem novas. Ora, 0 fisico nuclear tedrico ndo faz experimentagao. Ele emprega dados ja Carlos Lungarzo fornecidos pel fisico experimental, ou conhecidos através de teorias anteriores, da tradigao clentifica precedente etc. Por exemplo, ele sabe que a ener ia, a “velocidade” ete. podem ter certas particulas. Trabalhando com esses dados teéricos, ele Pode, as vezes, deduzir a existéncia de uma nova Particula que tem tais e tais propriedades. Isso nao Significa que mostre sua existéncia. Ele simples- mente fala que deveria existir, de acordo com a teo- ria, uma particula x que “complete” um certo quadro de particulas ja conhecidas a, b,c. Esse trabalho é tedrico, t20 tedrico quanto 0 do matemético. Alids, a matematica é a ferramenta principal para fazer essas dedugées. Mas isso também néo significa que 0 fisico nuclear faca matematica pura, Ele esté aplicando a ‘matematica a dados fisicos que ja foram pesquise dos experimentalmente por outras pessoas. Esse 6 um dos inimeros exemplos em que as ciéncias ebstratas séo aplicaveis as ciéncias factuais. Porém, nas factuais, 0 apoio ultimo para qualquer afirmagao ¢ a experiéncia, embora o cientista nao lide diretamente com ela. Em outras ciéncias factuais nao ¢ possivel a experimentagéo. Nao 6 possivel, sempre, reproduzir Propositadamente os fendmenos da natureza. Um caso tipico ¢ a astronomia, Um astrdnomo ndo pode reproduzir no laboratério os fenémenos Gelestes. No maximo, poderd simula-los, usando esferas e outros abjetos como se fossem planetas, 0 que éciéncia mas perdendo propriedades que nao podem ser simuladas. Ao reduzir a forga entre planetas, ou 0 tamanho deles a uma escala de laboratério, eviden temente haverd propriedades que ficarao de fora, ‘Mas mesmo que alguns cientistas nao fagam experimentacao, pelo menos, observam O cientista factual usa, como fonte de conheci- mento, dados reais, eventos do mundo fisico, biolégico ou cultural; inclusive podem ser outras mentes. Mas sao sempre coisas reais, no sentido de perceptuais Essa necessidade de experiéncia, tipica das ciéncias naturais e humanas, 6 responsavel pelo fato de que essas ciéncias sejam as vezes também chamadas de “ciéncias empiricas”. Vocé ouvira muitas vezes a palavra “empirica” como sindnimo de “factual”. E uma ciéncia de fatos, ou, entéo, da ‘experiéncia dos fatos. Veja alguns exemplos: Se um psicdiogo deseja pesquisar a maneira de raciocinar de um menino em matematica, ele submeterd 0 menino a testes, Sua fonte de info magao sao fatos: so os testes que o menino faz, seus resultados, seu comportamento durante os testes. Nao é, porém, a matematica. Se o psicdlogo estuda a velocidade para somat, ele faz 0 menino somar 4127 + 223 + 71892 0 assunto do psicdlogo nao é constatar 0 resultado dessa soma, como se justifica matemati camente etc. Seu assunto é, supondo que o resulta- Py J 24 Carlos Lungarzo do esteja certo, determinar a habilidade (velocidade, método, némero de erros etc.) do menino para atin- gir o resultado final. Um psicanalista (ou melhor, um pesquisador da psicanalise) desaja estudar se certas conjecturas sobre o Inconsciente séo certas. Sua fonte de infor- mago ¢ 0 conjunto de afirmagoes proferidas por seus pacientes durante a consulta. Essas afirmagées, quaisquer que sejam os assuntos aos quais digam respeito, so fatos. Sua atividade 6 uma pesquisa empirica, factual. Em matemética, a situago é bem diferente. 0 matemético nao precisa fazer observagao nenhuma, Nao precisa tampouco de informagao originada no mundo exterior. 0 unico contato do matematico com a reali- dade ¢ quando ele transmite suas descobertas através da linguagem, ou quando aplica seus resul- tados a outras ciéncias. Se ole se utiliza da per cepeao, nao é porque seu objeto de estudo soja perceptivel. Ele 56 precisa perceber entidades da lin- ‘quagem (palavras, sentengas etc.) que o informam sobre seus objetos de estudo, 0 objeto mesmo ¢ ideal, é um cone pensével. Devo enfatizar a diferenca entre a matemética e sua aplicagdo em outras ciéncias. Por exemplo, 0 IBGE, quando calcula o indice de inflagdo, utiliza a matematica. Mas seus dados surgem de pesquisas empiricas, onde as fontes de conhecimento s30 0 que éciéncia fatos econdmicos; a economia, a demografia, a ‘geogratia sao ciéncias factuais. Dos fatos, o estatisti- co (que 6 um matematico especializado) restringe-se a colher os dados numéricos (por exemplo, os pregos) ea “fazer contas” com eles. Ou seja: 0 cientista factual, por exemplo, 0 economista, estuda 0 préprio fato, a mercadoria, 0 custo, a distribuiggo, 0 transporte etc. Quando esses fatos estéo traduzidos em numeros, o estatistico opera com esses numeros. Ele nao se importa com 2 origem. Ele aplica propriedades matematicas que séo validas para quaisquer objetos; para ele, tanto faz se 13% corespondem a pregos de bens indus- triais, de produtos agricolas ou qualquer outra E necessério que vocé saiba com clareza que as sentengas da matemética pura independem da experiéncia, embora possam ser aplicadas a fatos do mundo real Veja outro exemplo: Todos nés sabemos que 2 + 3 = 8. Contudo, um matematico pode pretender uma demons- tragdo, uma justificagéo de que essa sentenga é ver- dadeira, de que ela é um teorema aritmético. Yocé pode achar ridicula essa pretensdo, pois a afirmagao é muito evidente. Mas, 0 matemético, como qualquer cientista, sempre quer justificar, ¢ ‘ua maneira de justificar ¢ a demonstracao. Além disso, existem verdades matematicas cuja evidencia cesta muito longe de ser tao clara assim. ee ° | EY Cortos tangarco | Ora, para provar que 2 +3 = 5, nao posso langar mao de nenhum recurso experimental. Nao adianta contar dois conjuntos, um com duas mags © outro com trés mamées, e verificar depois que tenho cinco frutas, Eu estou falando da propriedade do numero dois, que, somado ao numero trés, dé 0 nimero Cinco. € uma propriedade abstrata, @ néo depende de nenhuma experiéncia particular. E aplicavel a ‘magas, a homens, a objetas quimicos ou fisicos ete Mas ela mesma ¢ uma propriedade matemética coneeitual, independente de qualquer ciéncia fac tual O numero, entéo, é um objeto abstrato. O fis co usa niimeros, em relacao com certas grandezas. Ele fala de 3 quilogramas, de 220 volts etc. Mas 0 Numero mesmo é abstrato e sé existe como um objeto ideal, Vamos ver mais um exemplo desse caréter abstrato da matematica. Vou utilizar 0 caso da geometria, na qual, como as vezes é possivel dese- har os objetos, a gente tem menos confianga no cardter abstrato. Com efeito, se eu posso desenhar um triangulo, ele néo é tao abstrato assim. Eu posso desenhé-lo sobre um papel, ¢ ele é tao fisico, ‘aparentemente, quanto qualquer objeto material Nao ¢ bem assim. Vou mencionar um exemplo histérico muito conhecido. O teorema de Pitagoras. Se tivermos um triangulo com um angulo reto, chamamos “hipotenusa” ao lado oposto ao Angulo J 0 que é ciéncla 2 tio. Em nosso dosenho, do ado a Os ouvon dle indo ssobes Otearena de Pégoras afrma que me vando 9 quadredo code wrk des al bed, esomando | © que seria uma prova matematica disso? Se ®u acho quo otiangulo é» que eu desenhei sobre g Papel, entéo seria sufciente medit os camprimentos dos t8s lados, 0 fezor as contes: T)bvezest | Zievexese | 3) somar os dois valores anteriores 4) calcular a vezes a. Este ultimo valor deve ser igual 20 obtido no passo 3. | Mas o concsito de figura geométrica nao & um conceito fisico. © que eu desenhei no papel slide, 6 ee) que desenhou o desenhista da editora), é um “mo- delinho fisico”, um exemplo particular conereto. Mas o triangulo, no sentido matemiético, é constitu. do por segmentos, pontos e Angulos, que séo obje- tos abstratos, idéias, tévidéias quanto os nimeros. A diferenga com a aritmética & que temos uma forma de representagdo, mas ainda a maneira de Provar 0 teorema de Pitagoras 6 fazer uma demons tragao. Se nao fosse assim, vocé poderia me per- guntar: Como ¢ que eu sel que se desenhar outro triangulo, vai dar no mesmo? Temos, entao, um eritério inicial para marcar a diferenga entre ciéncias abstratas e factuais. As cién Gias factuais (naturais e humanas) dizem respeito @ objetos reais, empiricos, perceptiveis... Os objetos da matemética e a légica sda idéias, abstragoes, objetos “mentais” Outra diferenga entre as duas classes de ciéncia # dada pelos procedimentos empregados pelos cientistas. O cientista natural ou o cientista “humandlogo” lida com atividades muito praticas: coleta dados, faz observacées, planeja experimentos etc. O cientista “abstrato” apenas pensa ou comuni a suas idéias aos colegas, 8 comunidade cientifica ‘20 publico em geral. Isto no implica que a matematica carega de vinculagéo com 0 mundo real. De fato, a matematica 4a ciéncia que mais aplicagdes tem em todas as, outras. Sao poucas as ciéncias que podem pres- cindir totalmente da matematica, Carlos Lungarzo | O que é ciéncia ‘Mas 0 conhecimento matematico em sentido estrito néo provém do mundo real. Ele é uma cons- trugao conceitual. Vocé ja imaginou pesar um numero numa balanga, ou medir o comprimento de ‘uma equagéo, ou calcular a idade de um circulo? Uma terceira diferenca é 0 método. O mate- matico e 0 logico usam como tnico método para justificar suas afirmagoes a dedugao. A deducao é um processo que permite extrair de certas afirmagées supostas inicialmente {chamadas “premissas") certas conclusoes. Existem, Porém, varias maneiras de tirar conclusdes de pre- missas. Essa maneira é dedutiva, quando, sempre que as premissas séo verdadeiras, a concluséo é verdadeira, independentemente do contetido. Esse 6 um problema de légice. Contudo, vou dar um exemplo de dedugao para que vocé néo fique desnorteado: Premissa: existem paulistas que so médicos. Conclusao: existem médicos que séo paulistas. O cientista natural ou o cientista das ciéncias humanas também usa a dedugao; mas esse no 6 0 Seu tinico método. Ele emprega também a analogia, @ observacao, a experimentagao, a estatistica, a indugao e muitas técnicas especiais Haveria muitas outras diferengas interessantes entre as duas classes de ciéncias, Mencionaremos ‘apenas uma: a logica ea matematica tém valor uni- versal. Se, numa certa teoria matemética, nés demonstramos que uma determinada sentenca 6 (Duy 33 2» Carlos Lungarz0 verdadeira, damos a ela o nome de teorema Um teorema tem uma validade que néo depende nem do que acontega no mundo real nem do que acontega em outras teorias matemalticas. Por exemplo, na geometria elementar, eu sei que a Soma dos angulos interiores da um triangulo é igual @ 180°. Essa é ume verdade universal e absoluta Nessa geometria, sempre serd certo. Essa diferenca com as ciéncias factuais 6 fun- damental. Por exemplo, um bidlogo pode descobrir hoje qual é a origem do cancer. Ele faz muitos experimentos e testes, e finalmente fica absoluta mente convicto de que sua afirinagao é verdadeira. Todavia, anos depois, pode aparecer outro cientista ue mostre que aquele bidlogo estava enganado, € que a origem do céncer 6 outra, Daqui em diante, vou falar principalmente das ciéncias factuais, Existem varias razées para que um estudo sobre a ciéncia privilegie as ciéncias factuais ‘om relagao as ciéncias abstratas. Para comecer 36 conhecemos duas ciéncias abstratas: a matemdtica, dividida en multiplos ramos, mas que na realidade é uma sé ciéncia, «a ‘égica, que é uma disciplina que pesquisa as estru. turas do raciocinio dedutivo. Pelo contrario, nossa cultura conhece um amplo leque de cisncias factuais. Em qualquer bi blioteca, catélogo de livros cientificos ou folheto do lum instituto de pesquisa, mencionam-se muitas Gléncias factuais: quimica,fisice, biologia, antropalo- 0 que é ciéncia gia, geologia, geografia, meteorologia, astronomia, Sociologia, politica, linguistica, histéria, educagao, Psicologia @ outras mais. Além disso, nas ciéncias factuais aparecem muitos problemas interessantes que nao existe ‘pas abstratas. Por exemplo: camo testar ume teoria cientifica; como planejar um experimento; como bredizer fatos futuros; como garantir a verdade de ma atirmagao cientifica, © muitos outros que sao um desafio para essa incrivel aventura que é a cién- cia de nossos dias, Ciéncias factua As ciéncias factuais sao as cléncias cujos obje 08 sdo “fatos", “fendmenos”, ou situacdes reais, A ciéncia que estuda os fendmenos elétricas & uma ciéncia factual, porque seu assunto so certos fatos (correntes elétricas, cargas, elétrons etc.). A biologia ocupa-se de células, tecidos, organismos tc. €, portanto, também é uma ciéncia factual Mas nom todas as ciéncias factuais tm como objeto de pesquisa apenas os fendmenos naturais (fisicos, quimicos, biolégicos). Outras ciéncias se Preocupain com os fatos sociais, psicolégicos ete., Que, embora também estejam no mundo real, sao ertinentes as atividades humanas, E um habito, entre os filésofos da ciéncia, diferenciar as ciéncias factuais em duas grandes Cartes anor. 0 quent reas: as ciénelas naturals. as ciéncias humanas. Cada uma dessas areas tem propriedades especificas, as quais implicam que os métodos, as técnicas particulares @ os estilos de pesquisa nas duas éreas nao sejam os mesmos. Todavia, ambas, as naturais e as humanas, tm muitos elementos em comumn, o que justifica consideré-las em conjun to, separadas das ciéncias abstratas, ‘As ciéncias humanas e naturais tém, entre ou- tras, as seguintes propriedades comuns: Seus abjetos sdo reais, tm existéncia inde- pendente de nossa mente, e suas caracteristicas so perceptiveis aos sentidos. Nem sempre podem ser percebidos diretamente. As vezes, precisamos de aparelhos extremamente sofisticados (no caso de abjetos muito "pequenos”, por exemplo, pre- cisamos de um microscépio eletrénico}; outres vezes a percepgao deve ser ajudada por instrumen- tos mais comuns, como o telescdpio ete. E certo que algumas propriedades nao sao acessiveis aos sentidos, nem mesmo usando apare- Ihos especiais. Nem 0 microscépio permite ver, ouvir ou sentir certas formas de energia. Mas exis- tem maneiras de deduzir a presenga de energia num corpo de maneira indireta. Nao medimos dite- tamente a energia de um niicleo atomico, mas sabe- mos que ela existe e conhecemos 0 "tamanho” de sua forga, observando as catéstrofes produzidas pelas explosbes nucleares. Nao € certo, porém, que todas as propriedades dos objetos estudados pelas ciéncias factuais sejam perceptiveis. E comum na teoria atémica haver pro- priedades de particulas que nao sdo acessivels aos nossos sentidos, como o que os fisicos chamam pin} mas 6 certo que todas essas propriedades tém Stia origem em objetos reais, e que propriedades ‘que ndo podemos perceber, as vezes, podem ser estudadas de maneita indireta. De qualquer maneira, a diferenga entre as cién- cias factuais e as abstratas é muito rigida. Os objetos das ciéncias factuais e suas propriedades (ainda que sejam propriedades muito “misteriosas” e dificil mente acessiveis) dependem de nosso contato com a realidade, de nossa experiéncia, E por isso que, em muitos textos, encontramos. © termo “ciéncia empirica” para indicar a ciéncia factual. Com efeito, “empirico” é uma palavra de origem grega (empiria) que significa “experiéncia”. Também os procedimentos utilizados pelo cientista factual sao inteiramente diferentes dos empregados pelo cientista abstrato. A unica coin- cidéncia é que os dois, o matematico e 0 cientista de fatos, usam a dedugdo. Todavia, para o matemético 2 deducao 6 0 nico método, e o cientista factual usa muitos outros. Também ¢ certo que algumas maneiras de pesquisa em ciéncia abstrata sao parecidas com as usadas em ciéncia factual. Mas isso est mais rela cionado com os aspectos psicoldgicos da pesquisa. Por exemplo, as duas devem fazer conjecturas, se autoperguntar se certas afirmacdes so verdadeii ou falses, procurar caminhos para resolver certos problemas. Mas as diferengas de procedimentos entre 0 matemético e o cientista factual s0 maiores do que as semelhaneas. Por exemple, o cientista factual precisa de critérios para observar os fatos ¢ escolher aquelas propriedades que possam ser interessantes para seus propésitos. Deve fazer avaliagdes sobre os dados forneci- dos pela realidade. Quando os dados recolhidos s80 quantitativos, 0 cientista pode medir. Exemplo, um bidlogo observa a evolugao de uma certa bactéria, mas um fisico experimental pode medir a intensi- dade de uma fonte de luz. O cientista (factual) nao apenas observa os fatos ¢ registra os dados obtidos. Também, com fre- ~ qiiéncia, tenta reproduzir artificialmente os fatos ‘observados: esse processo é a experimentagao, O cientista enuncia certas “conjecturas” ou suposigdes sobre a realidade. O “pai” da fisica, lsaac Newton, supés que todos os corpos do universo se atraiam reciprocamente. Essas conjecturas deve ser testadas. O teste das afirmagdes cientificas é um aspecto crucial da pesquisa cientifica, Todavia, devemos admitir que ha uma forma de teste nas ciéncias abstratas. Depois que um matematico demonstra um teorema, com frequén: cia ele percorre os passos da demonstracao para ‘onferir se ela foi feita corretamente, Todavia, esse é 0 que éciéacia “Empirico” 6uma palavra de origem grega (empiria) que significa “experiencia” oe 36 Carlos Lungar apenas um teste “mental”. Teste, no sentido de. ‘comparagao com os fatos reais, é algo proprio e pri vativo das ciéncias factuais. De agora em diante, vamos omitir 0 qualificat vo “factual”. Sempre que usarmos as palavras ciéncia”, “cientista” ¢ outras correlatas, estaremos falando estritamente das ciéncias factuais, Eis um resumo das caracteristicas especificas das cléneas factuais, ‘A ciéncia elabora 0 conhecimento a partir dos fatos. Estes podem ser fatos fisicos, biolégicos, psi coldgicos, sociais etc., mas s80 sempre fendmenos do mundo real 0 conhecimento cientifico depende da reali dade, ©, portanto, é suscetivel de modificagao, & medida que nosso conhecimento da realidade vai se aperfeigoando, Os sistemas cientificos (chamados teorias) ten tam explicar a ocorréncia de fatos passados e predi zer a ocorréncia de fatos futuras. As teorias cientificas tencionam atingir certa confiabilidade. E freqdento dizer que “a ciéneia asp ra.a verdade”. Embora a verdade seja dificil de alcangar, as teorias pretendem se aproximar delas tanto quanto possivel O que é ciéncia a ( tusis, mas nao se ocupem dos fendmenos pure mente naturais. O interesse dominante nas ciéncias humanas so os fenomenos e atividades relaciona- dos com 0 homem, a cultura, a sociedade e os ele- mentos que fazer parte da comunicagéo, coma a linguagem: O interesse pela atividade propria do homem & tao velho quanto o interesse pela natureza. Os ant gos gregos estudaram os planetas, os fenémenos meteorolégicos, os corpos fisicos, os organismos bioldgicos e as propriedades da Terra. Mas também se interessaram pela politica, a inguagem, a organi- zagio social e até a economia, Apesar disso, 6 s6 no século passado que se ‘comega a falar em “ciéncias do homem”, as vezes também chamadas “ciéncias da cultura” e, em tem- pos mais recentes, “ciéncias sociais”. Ainda que a preocupagao pelo homem fosse muito velha, até o século passado era pouco o que sé estudava de um ponto de vista cientifico, A maioria dos pensamen- tos sobre o homem, a historia, a cultura e a sociedade eram de carditer exclusivamente filoséfico 0u realigioso, E 86 depois da Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) que comecam a aparecer as disciplinas que estudam o homem com as caracteristicas que hoje reconhecemos as ciéncias. Disciplinas tais como a sociologia ou a psicologia s6 em tempos bastante préximos ganham crédito académico e S40 lecionadas nas universidades e pesquisadas nos a7 38 Carlos Lungarzo centros de pesquisa, Como as duas reas, a das ciéncias natursis ea das ciéncies humanas, séo ciéncias factuais, parece ecessério explicar o porqué da divisao, © motivo nao poderia ser apenas o fato de terem diferentes campos de aplicagao, ou de se pre. ocuparem por objetos diferentes. Por exemplo, 0 homem é estudado também pelas ciéncias naturais. Com efeito, a biologia analisa as propriedades do homem considerado como um elemento da espécie animal; a quimica também se interessa por proble mas humanos: isso é bem evidente quando nos submetemos a andlises quimicas para testar 0 esta- do de nossa satide, A divisao entre os dois campos esté definida pela natureza que umas e outras estudam, Por exemplo, nao ha nenhuma ciéncia da natureza dedicada ao estudo dos conflitos sociais, dos habitos de tribos, clas, grupos familiares etc., da direcao da historia e de outros problemas especif io homem. Essas propriedades especificas das ciéncias humanas tém algo diferente das propriedades rele- vantes para as ciéncias naturais, O homem é um ser ensante e afetivo: ele tem uma forma “superior” de Inteligencia, tem emagoes que influem em suas ati sus tem a capacidade de transformar 0 mundo. © homem nao é um objeto "passivo” como as forgas, @ energia, a luz, as células, os planetas ou ou- {ras entidadies que fazom parte das ciéncias natura. b 0 que éeiéncia Ha uma conseqiéncia extremamente impor- tante desse caréter voluntario e inteligente da acao humana: 6 que as atividades humanas so bem mais dificeis de predizer. Um astrénomo pode predi zer com exatidéo quando teré lugar 0 proximo eclipse do Sol. Pelo contrario, ninguém pode predi er, nem com uma aproximagéo razoavel, quando aconteceré uma nova guerra mundial Como ciéncias, as humanas sao novas. Faz pouco tempo que a comunidade cientifica admitiu que os fendmenos humanos podem ser tratados também cientificamente, Todavia, é necessario ter muita precaugio. Nao devemos pensar que as ciéncias naturais ¢ as humanas, apesar de terem pontos de contato, sto idénticas. 0 homem e a sociedade nao sao mecanis mos, © nao seria correto tentar hes exata- mente as mesmas técnicas que usamos no estudo da natureza, Inclusive, muitos cientistas acham (penso que razoavelmente} que nem mesmo existe um método comum aos dois campos. Mas este 6 um ponto polémico do qual poupareros o leitor. AAlgumas ciéncias humanas tém relagées bastante estreitas com as naturais: é, por exemplo, 0 caso da | economia, onde muitas “leis” parecer tao exatas como a leis fisicas e aceitam até um tratamnto matemalico. Mas a diferenca entre os dois campos existe, ea tendén: cia a unifica-los faz parte de uma tradigao filosofica (0 positivismo) que esté em absolute decadéncia,

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