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XIII REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL

22 a 25 de julho de 2019, Porto Alegre/RS

Teorizar lo emotivo: antropología y emoción en la esfera


profesional, institucional y pública

As Emoções e o Câncer:
A Minha viagem com Farrah Fawcett
(Uma história de vida, amor e amizade)

Cícero José Alves Soares Neto


Universidade Federal de Uberlândia/UFU*
cicero.soares@ufu.br

*Professor aposentado

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As Emoções e o Câncer: A Minha viagem com Farrah Fawcett

(Uma história de vida, amor e amizade)

Esta proposta de trabalho tem a intenção de compreender o vínculo social entre as


emoções e o câncer, decodificando as mensagens subliminares dos registros
memorialistas da obra A Minha viagem com Farrah Fawcett: uma história de vida, amor
e amizade. Busca-se compreender o que foi dito e relatado no registro memorialista do
sofrimento pessoal da dor humana vivenciada por uma mulher famosa participante dos
meios cinematográficos da rede mundial. Assim, a meta é entender qual a mensagem
foi veiculada no registro memorialista. Conceitualmente, a proposta de trabalho
pretende se inserir na conexão social das emoções com a patologia, sob a ótica dos
fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa: a polaridade yin-yang, a teoria dos cinco
elementos e os ciclos da criação e do controle. Além do princípio energético do “chi”,
basicamente. O pensamento oriental entende que existe uma conexão entre as
emoções: a raiva, o medo, a tristeza, a alegria, a preocupação e a ansiedade, e os
órgãos ocultos do corpo humano: o coração, o fígado, o baço, o pulmão e o rim. Da
interação entre as emoções e os órgãos do corpo humano, a Medicina Tradicional
estabelece e aprofunda o vínculo de adoecimento do ser humano.

Desta forma, a proposta interpretativa pretende focar nas mensagens subliminares do


registro memorialista para decodificar como a dominação social produz e reproduz a
cultura do ato de adoecer por um registo somático singular, a patologia do câncer,
segundo a leitura holística do problema de saúde. Portanto, a questão básica da
pesquisa pretende decodificar as mensagens emocionais subliminares do
portador da patologia, por intermédio da memória social emitida em registro
documental, no caso, no registro memorialista biográfico que expõe a história de
vida de uma artista conhecida internacionalmente. Enfim, qual a mensagem
subliminar que o portador da patologia expressa como a origem do conflito
emocional vivenciado? Metodologicamente, a inserção da investigação na fonte
documental se instrumentalizará da análise de conteúdo para decodificar a
mensagem emocional emitida pelo sofrimento humano vivenciado. E, então,
compreender a origem emocional do conflito patológico vivenciado que a levou
a óbito.

Palavras chave: emoção, câncer, sofrimento pessoal, memória social e análise


de conteúdo.

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Introdução
Esta proposta de trabalho tem a intenção de compreender o vínculo social entre as
emoções e o câncer, decodificando as mensagens subliminares dos registros
memorialistas da obra A Minha viagem com Farrah Fawcett: uma história de vida, amor
e amizade. Busca-se compreender o que foi dito e relatado no registro memorialista do
sofrimento pessoal da dor humana vivenciada por uma mulher famosa participante dos
meios cinematográficos da rede mundial. Assim, a meta é entender qual a mensagem
foi veiculada no registro memorialista. Conceitualmente, a proposta de trabalho
pretende se inserir na conexão social das emoções com a patologia, sob a ótica dos
fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa: a polaridade yin-yang, a teoria dos cinco
elementos e os ciclos da criação e do controle. Além do princípio energético do “chi”,
basicamente. O pensamento oriental entende que existe uma conexão entre as
emoções: a raiva, o medo, a tristeza, a alegria, a preocupação e a ansiedade, e os
órgãos ocultos do corpo humano: o coração, o fígado, o baço, o pulmão e o rim. Da
interação entre as emoções e os órgãos do corpo humano, a Medicina Tradicional
estabelece e aprofunda o vínculo de adoecimento do ser humano.

Desta forma, a proposta interpretativa pretende focar nas mensagens subliminares do


registro memorialista para decodificar como a dominação social produz e reproduz a
cultura do ato de adoecer por um registo somático singular, a patologia do câncer,
segundo a leitura holística do problema de saúde. Portanto, a questão básica da
pesquisa pretende decodificar as mensagens emocionais subliminares do
portador da patologia, por intermédio da memória social emitida em registro
documental, no caso, no registro memorialista biográfico que expõe a história de
vida de uma artista conhecida internacionalmente. Enfim, qual a mensagem
subliminar que o portador da patologia expressa como a origem do conflito
emocional vivenciado? Metodologicamente, a inserção da investigação na fonte
documental se instrumentalizará da análise de conteúdo para decodificar a
mensagem emocional emitida pelo sofrimento humano vivenciado. E, então,
compreender a origem emocional do conflito patológico vivenciado que a levou
a óbito.

E como se estrutura esta interpretação? Qual a sua lógica estruturante do artigo?

Inicialmente, foca-se nos fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa, que


abordam os princípios que sustentam a leitura desta abordagem holística acerca
do fenômeno. No segundo, empiricamente e com base apenas na fonte

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documental mencionada, foca-se na fonte original do conflito, evidenciando os
protagonistas do conflito emocional vivenciado pela portadora da patologia. No
terceiro, privilegiando-se a fonte memorialista, resgata-se o contexto biográfico
para detalhar o que foi o processo percorrido pela atriz. E toda essa interpretação
sob a ótica metodológica da análise de conteúdo. Portanto, esta estrutura
analítica objetiva alcançar a meta prevista inicialmente pela proposta de trabalho.

1Medicina Tradicional Chinesa: princípios

Aqui, a intenção é expor a estratégia instrumental da rede conceitual da Medicina


Tradicional Chinesa (MTC), focando nos seus princípios fundamentais que
alicerçam o pensamento oriental e, principalmente, no paradigma do “chi”, como
fonte catalisadora energética desta análise. Em última instância, lança os
conceitos em torno dos quais serão norteadas esta leitura.
1.1 Segundo Bai Ne e Hui He (1999), a Medicina Tradicional Chinesa tem uma
estratégia conceitual que fundamenta um pensamento que norteia a análise que
se adota nesta intervenção interpretativa. De acordo com a MTC, existe uma
visão holística que integra o homem com a natureza, identificando o ser humano
como o microcosmo e restando ao macrocosmo o papel determinante. E o que
integra esses dois polos participantes? O fio condutor de integração entre o
microcosmo, o ser humano, e o macrocosmo, o universo, é o sistema respiratório
energético que provoca a construção materialista da unidade interpretativa da
sociedade humana. Neste sentido, a chave interpretativa se esboça na lógica
materialista da análise que visa, holisticamente, uma abordagem articulada da
realidade humana sob uma ótica sistêmica. Assim, a arquitetura conceitual da
MTC apresenta os seus princípios analíticos como instrumentos de interpretação
da realidade: a polaridade yin-yang, a teoria dos cinco elementos e os ciclos de
criação e de controle.

1.2 Segundo Ergil & Ergil (2009), a teoria taoísta, que fundamenta a MTC,
apresenta os seus princípios para compreender, estrategicamente, como se
arquiteta essa linha do pensamento oriental. Inicialmente, o princípio da
polaridade yin-yang era instrumentalizado pelo pensamento oriental chinês para
decodificar a natureza, por intermédio da metodologia dialética em conjunto com
o pensamento materialista. Assim, a interação dos dois princípios yin-yang
provoca a compreensão de como acontece o processo de criação e
desenvolvimento que interagem mutuamente. Com isto, a arquitetura conceitual

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vale-se da teoria dos cinco elementos, terra, madeira, metal, água e fogo, para
materializar o processo de mutação e interação na realidade da natureza e da
sociedade humana. A ideia central subjacente na teoria proposta é o processo
de movimento, no qual ocorre a transformação permanentemente e que a
mudança se dá em interação. Com isto, acontece a alteração cíclica de forma
integrada, formando a unidade construída pela polaridade Yin-Yang, a
integração dos opostos como canal da unidade. A teoria dos cinco elementos,
terra, metal, água, madeira e fogo, implica em transformar aquele universo
desdobrado em fases regidos por elementos que constituem a distribuição para
compreender como cada fase acontece e se perpetua com identidade própria.
Por exemplo, segundo os autores mencionados, “todo fenômeno tem qualidades
ou características em comum com uma das cinco fases” (2010, p. 60). E continua
o diagnóstico: “as cinco fases tem várias funções na medicina chinesa. Suas
correspondências e relacionamentos são usados os papéis e as relações dos
órgãos e das vísceras” (p. 60). Com isto, o processo de mudança se encaixa em
cada um dos cinco elementos.

No processo interpretativo dos princípios da teoria taoísta, os ciclos da criação e


do controle aparecem como recursos analíticos que visam operacionalizar as
fases que devem ser encaixadas de forma a apreender como o sistema funciona,
no seu conjunto, ora como um processo de criação, invenção, ou como um
processo destrutivo, de controle. Nesta lógica, o corpo aparece como um
indicador de como as emoções estão sendo vivenciadas em interação com os
órgãos internos e, então, vinculadas ao ciclo de criação ou de controle.

1.3Compreensão energética do “chi”: energia vital

Na sociedade oriental, três paradigmas fundamentam a interpretam da realidade


da natureza e da sociedade: o “chi”, o “ki” e o “prana”. O primeiro paradigma
aplica-se ao contexto chinês, e explora energeticamente os meridianos do corpo
humano, interpretando o “chi” que percorre o corpo somático. Neste sentido, as
práticas energéticas sinalizam para o tai chi e o chi kung como recursos
preventivos de instrumentalização de saúde. O segundo paradigma, o “ki”,
origina-se da tradição japonesa, e foca nos centros energéticos, distintamente
do anterior que privilegia os meridianos. E o terceiro paradigma, o “prana”,
vincula-se a escola indiana, e dá ênfase nos vórtices, privilegiando os centros
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energéticos. Neste cenário, a nossa dimensão energética interpretativa reside
fundamentalmente no paradigma do “chi” que, ocidentalmente, se traduz como
energia vital. Com esse recurso conceitual de interpretação da sociedade
humana, pode-se penetrar na realidade individua ou pessoal, e, também, na
social, para apreender o que anda acontecendo de forma histórica na vida
coletiva. Portanto, com esse recurso analítico pretende-se provocar uma
inserção nos registros memorialistas da autora que consegue pontuar registros
fundamentais para interpretar, por meio de mensagens subliminares, o que
aconteceu e como ocorreu a convivência com a patologia do câncer de uma
paciente.

1.4. No IX Congresso Nacional de Sociologia, ocorrido em Medellín, na


Universidade de Antioquia, no Grupo de Trabalho Sociologia del Cuerpo y las
emociones, o coordenador1, após a exposição da nossa comunicação oral,
denominada “A Origem social do ato de adoecer: o câncer, segundo a Medicina
Tradicional Chinesa”, e no espaço aberto para o questionamento da plateia,
indagou ao expositor: “como articular a teoria taoísta com a teoria sociológica? ”
Após o questionamento do coordenador, o nosso posicionamento foi objetivo e
claro: “não sei, ainda”. Percorrido um período do primeiro impacto questionador,
e refletindo detalhadamente sobre a questão de forma pontuada, a resposta
começou a se delinear a articulação entre a teoria taoísta e a teoria sociológica:
a nossa preocupação no campo sociológico é compreender como se dá o
processo da dominação social, como acontece o processo do controle social em
busca do poder. Nesse cenário da estrutura do poder, a emoção é
instrumentalizada para o processo da dominação social, valendo-se do recurso
emocional para o controle no campo social. E a configuração somática da
materialização do mecanismo somático registra como isto ocorre de forma
corporal. Portanto, a conexão conceitual que se vincula entre os princípios da
teoria taoísta e a teoria sociológica da dominação social passa
fundamentalmente pela questão das emoções como recurso instrumental para o
domínio social, como canal configurado exemplarmente no campo somático,
como materialização do ciclo do controle social da teoria taoísta. Assim sendo,
se caminha no sentido de uma abordagem biomédica e, sim, numa perspectiva

1
Prof. Dr. José R. Barrero

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holística, na qual se procura articular como o somático registra o sofrimento
oriundo das estratégias de poder que são vigentes na sociedade humana e
refletidas no campo corporal. O ato de adoecer também é um ato político, que
denuncia, sutilmente, como a sociedade organiza, estrategicamente, as diversas
formas de registro somático, do sofrimento humano. E, ainda, como desenvolve
os seus mecanismos de procedimento terapêutico para se reconectar o sistema
de forças em atuação articulada. Enfim, cada sociedade prepara, culturalmente,
o seu sistema de controle dos cidadãos, assim como gesta os mecanismos de
saída do domínio de poder instalado.

2.Registros biográficos: trajetória histórica

Nesta temática, aborda os registros biográficos da Farrah Fawcett, traçando a


trajetória histórica da sua vida pessoal e artística, além dos protagonistas do seu
drama existencial e emocional. Nesse cenário, contextualiza os participantes do
conflito vivencial e, então, define a linha interpretativa desta análise holística.
2.1Farrah Fawcett: Registros biográficos

Segundo a fonte documental, Mary Farrah Leni Fawcett nasceu em 2 de


fevereiro de 1947, no Texas, e faleceu em 25 de junho de 2009, em Santa
Mônica, vitimada por um câncer que atormentou a atriz de forma dolorosa. Como
modelo e atriz norte-americana, foi reconhecida internacionalmente como
símbolo de beleza feminina, principalmente na década de 1970. Foi indicada aos
prêmios Emmy e Golden Globe. Em função da sua beleza feminina plástica,
ornamentada pelo corte de cabelo estonteante para o público admirador de uma
silhueta belíssima, a atriz ocupou um lugar de destaque internacional que
valeram a Farrah Fawcett o papel de ícone da cultura pop, conforme o atestado
da revista especializada no mercado da beleza feminina que a transformou em
símbolo sexual nas décadas de 1970-80. Enfim, o destaque estonteante de ícone
do gênero feminino corou o universo da Farrah Fawcett, com certeza. Além disto,
tornou a sua biografia pessoal uma permanente coroação e apologia ao universo
estético feminino.

2.2 Relacionamentos conjugais: visão conjuntural

Farrah Fawcett, inicialmente, foi casada com Lee Majors, ator famoso vinculado
a temática ou seriado do Homem Biônico. Após a separação dele, iniciou um
romance com o ator Ryan O’Neal que se prolongou pelo período de 17 anos,

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mas não oficializado como casamento. Dessa relação conjugal, nasceu um filho
que será peça chave nesta análise. Entretanto, a filha do Ryan O’Neal, a
atriz Tatum O’Neal tinha conflitos de relacionamento com o pai por causa do envolvimento
do genitor com a Farrah Fawcett. Estes são os protagonistas da conjuntura do conflito
emocional que irão envolver a atriz famosa, de forma marcante.

2.3 Visão conjuntural: a fonte do problema?

Segundo o documentário cinematográfico (divulgado nos meios televisivos e


digitais) sobre a atriz Farrah Fawcett, uma forma de registrar a sua marcante
história de vida, principalmente pela luta de superação da patologia e, também,
homenageá-la ainda em vida, uma mensagem significativa pontua a trajetória do
roteiro de todo o enredo: na vida glamorosa, a atriz aparece presente ao lado do
ator Ryan O’Neal, e, no leito hospitalar, adoentada, a presença dele também ao
lado da atriz. Para o olhar holístico do especialista desta análise, buscava-se a
fonte determinante, apesar de restrito apenas a fonte cinematográfica para
leitura: cadê a fonte emocional desencadeadora dessa situação de desequilíbrio
patológico? No final do documentário, talvez até de forma sentencial do enredo
real, emerge a peça fundamental e protagonista da mensagem emocional: o filho
foi autorizado (pelo juiz de direito da justiça americana) a visitar à mãe, em
função de sentença condenatória por causa de ligações com o tráfico de drogas.
O filho chega ao leito hospitalar, algemado nos membros superiores (nos braços)
e nos membros inferiores (nas pernas), diante da mãe bastante enfraquecida e
moribunda. Identifica-se o cenário do conflito da dor patológica da Farrah
Fawcett, por uma mensagem documental cinematográfica emocional
profundamente chocante: a mãe moribunda, no leito hospitalar, recebe o filho em
visita. Algo bastante marcante para um olhar analista de interpretação! Imagine
para um olhar emocional e materno. Após a despedida do filho à mãe, com a
presença do pai, ela vai a óbito.

2.4 Confronto de egos: dimensões emocionais

A atriz Farrah Fawcett, nascida para brilhar nas telas cinematográficas e na vida
real, estava acostumada com a lavagem do seu ego estético permanentemente.
A sua beleza era estonteantemente inigualável. Até a revista especializada em
beleza feminina teve uma vendagem recorde e a dimensão estética da

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identidade feminina tomava contornos de acompanhá-la de forma deslumbrante.
Imagine-se uma pessoa elogiada em pontos de beleza e, bruscamente, recebe
o golpe emocional da prisão do filho, vinculado ao tráfico de drogas. E para quem
não tinha o espaço de administrar contornos negativos do conflito do filho e que
iriam atingir a maternidade no seu recolhimento emocional de forma marcante.
Agora, imagine-se para quem não devia ter um baixo nível de resiliência, no
caso, a Farrah Fawcett, pois só vivia na dimensão da beleza estonteante. Torna-
se marcante a mensagem documental do encontro do filho com a mãe
moribunda e o garoto todo algemado, nas mãos e nos pés, para se despedir da
mesma. Algo emocionalmente profundo e catalizador da dor emocional de uma
mãe detentora de uma patologia moribunda. Inserindo a rede conceitual adotada
nesta interpretação, a Farrah Fawcett estava inserida num contexto do ciclo da
criação, da beleza feminina, e foi envolvida no contexto do ciclo do controle, no
qual ela não tinha muita familiaridade e que o processo de controle que atingiu
o seu filho, alcançou também a sua identidade pessoal, derrubando na sua
dimensão maior: a maternidade. Nesse conflito, sucumbiu à matriz materna!
Mas, o que significa isto? Significa que, para quem não tinha nenhuma
aproximação com a dor emocional, com a dificuldade sentimental, pois só sabia
e só conhecia os contornos do ciclo da criação e, então, recebe o peso do ciclo
do controle, é envolvida com os mecanismos do ciclo da punição, da destruição.
Para a qual não existia nenhuma familiaridade historicamente. Sucumbiu
naturalmente ao processo da destruição. Portanto, o confronto dos egos
emocionais, ora do ciclo da criação, ora do ciclo do controle, conduziu a uma
inserção no mundo da patologia do câncer.

3.A Minha Viagem com Farrah Fawcett: uma história de vida, amor e amizade

A narração memorialista essencialmente descritiva oferece informações que


transformam a memória pessoal da informante um atalho para que se perceba o
que aconteceu e como ocorreu a trajetória de Farrah Facewtt no registro histórico
da paciente com o problema de saúde na sua vida pessoal. Para isto, distribui o
registro narrativo em três períodos: 2006-7, com os registros do percurso; 2008-
9, com as mensagens íntimas e em 2009 com o óbito de Farrah Facewtt.

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3.1 Diário íntimo e pessoal: “Tens a obrigação de fazê-lo”

Segundo a fonte documental, Alana Stewart era atriz americana e apresentadora


de televisão. Trabalhou interativamente com Hollywood por quatro décadas e,
inclusive, produziu o famoso documentário Farrah’s Story, registro memorialista
sobre a luta dramática da Farrah Fawcett contra a patologia do câncer que a
levou ao óbito. O companheiro de Farrah Fawcett sentenciou, em nome da
amizade profunda entre as duas amigas, que “tens a obrigação de fazê-lo”
(STEWART, 2010, p.13), pois será um “tributo estupendo”. Esse estímulo
oriundo do Ryan O’Neal retrata originalmente o registro memorialista descritivo
indireto de quem conviveu com a amiga portadora do problema de saúde. E
conclui a Alana Stewart: “ficarei para sempre grata à minha amiga Farrah por me
ter permitido fazer este percurso junto. O que começou por ser a minha dádiva
a ela, acabou por ser a dádiva que ela me deixou”. E conclui o Ryan O’Neal: “o
laço entre Alana e Farrah é algo quer nunca vi entre duas mulheres. Cresceram
enlaçadas como dois pés de vinha”. Neste cenário inicial, o registro memorialista
possui uma identidade social oriunda da amiga sobre o sofrimento vivenciado
pela portadora do diagnóstico de câncer, desde o outono de 2006. Ele, o registro
memorialista, se caracteriza por ser um diário íntimo e pessoal, que retrata a
convivência com o diagnóstico e luta pelo mecanismos e recursos terapêuticos
para enfrentar o problema de saúde vivido pela Farrah Fawcett. Trata-se, sem
dúvida nenhuma, um registro emocional vivenciado por uma amiga da dor e
sofrimento experimentado na luta pela vida.

3.2 2006-7: registros do percurso

Alana Stewart, autora deste registro memorialista, recebeu, da sua filha Kim, um
questionamento preocupante: “Mãe, a Farrah tem cancro? ”. “O quê? Onde é
que ouviste isso? –Li na internet” (Stewart, 2009, p. 27). Num contato telefônico
com a atriz americana, para averiguação da notícia, não só ocorreu a
confirmação da veracidade da informação, como comentou já do tratamento
quimioterápico e o radioterápico, pois o tumor é muito agressivo. Conforme o
registro de Stewart, “já cheguei a ter aquela crença de que as pessoas famosas
ou “acima da multidão” são imunes a este tipo de coisas, mas, entretanto, vi
demasiadas pessoas que me pareciam invencíveis, que pareciam ter tudo de
bom” (p. 29) ... e prossegue a reflexão: “ninguém está imune às coisas da vida,
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nem sequer um ícone como a Farrah, a menina de ouro dos anos de 1970” (p.
29). Na percepção da memorialista, “desistir é uma palavra não consta do
dicionário da Farrah (p.29). Na lógica do mito de beleza feminina americana, “as
pessoas sempre viram nela um exemplo –é a menina de ouro, um ícone
americano, a imagem da beleza e da vitalidade” (p. 37). Em 2 de fevereiro de
2007, os médicos declaram a Farrah livre do cancro, felicidade.... Até que, em
maio de 2007, num exame de rotina, no Hospital da Universidade da Califórnia,
“o cancro regressou... reincidência” (p. 38). Os médicos queriam fazer uma
cirurgia radical, que teria a retirada dos intestinos e passaria a usar uma bolsa
de colostomia para o restante da vida. E o desconforto seria que a cirurgia seria
na Alemanha, não em solo americano. Algo totalmente desconhecido: equipe
médica, por exemplo. Em maio de 2007, o diagnóstico não esperado:
“metástases no fígado” (p. 46). No ápice do registro memorialista de Alana
Stewart, para quebrar o relato do sofrimento do tratamento enfrentado por
Farrah, ela menciona o problema dos nossos rapazes com a polícia, em função
dos conflitos envolvendo jovens. E comenta acerca de uma ordem judicial de
captura... aqui, segundo esta abordagem analítica holística assumida nesta
interpretação, a mensagem subliminar registrada pela memorialista apresenta-
se de forma breve, minimizada pelo problema do olhar materno minimizado.
Contudo, no documentário cinematográfico, a mensagem subliminar fecha o
cerco da mensagem, ao se confrontarem a genitora e o filho, aquela moribunda,
num leito de hospital, e um filho, algemado nos membros inferiores e superiores,
visitando a mãe, como ato final de despedida, algo chocante a um olhar não
envolvido diretamente, mas, imagine-se para quem está envolvido direta e
emocionalmente: a genitora!

3.3 2008-9: mensagens íntimas2

Após a identificação da mensagem subliminar emocional do conflito vivenciado


pela Farrah Fawcett, segundo o registro memorialista descritivo de Alana Stewart
e interpretado sob os princípios da medicina tradicional chinesa, o período de
2008-9 pontua-se pelo processo terapêutico com o detalhe de idas e vindas nos
hospitais e clínicas americanas e germânicas em busca de tratamento ao

2
Em função da limitação do artigo, evita-se detalhar pormenores do processo histórico vivenciado,
conforme o relato memorialista.

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sofrimento emocional do câncer da Farrah. Porém, nenhum diagnóstico mais
agressivo que, após “os últimos resultados da Farrah chegaram da Alemanha, e
ela tem, de facto, dois ou três tumores novos no fígado” (Stewart, 2009, p. 102).
Um sofrimento atrás do outro, se avolumando nas idas e vindas do processo
terapêutico, e estreitando os vínculos da amizade entre as duas amigas: Alana
e Farrah, conforme os registros memorialistas históricos da convivência das
duas. E isto provocando inclusive um processo de transferência do conflito da
patologia em uma para o sofrimento da outra: “de ver a minha melhor amiga
sofrer tanto estes últimos dois anos, enquanto vai batalhando com um cancro
feroz e persistente... sem saber se ela irá acabar por vencer esta batalha” (p.
123). Neste sentido, a reflexão introspectiva toma conta do registro memorialista:
“por que razão, perguntei, foi isto acontecer à Farrah? Haverá alguma lição nisto
tudo? ” E continua o desabafo memorialista “acho que há sempre uma causa
por detrás de qualquer doença” (p.127).

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Conclusão

Diante de um desafio analítico interpretativo como este, o foco da abordagem


(Boukaram, 2015), apoiado nos fundamentos da medicina tradicional chinesa,
privilegia, inicialmente, a questão da emoção da tristeza, que se vincula ao
pulmão e, em seguida, a questão da raiva, oriunda da adversidade, que ataca o
fígado. Tudo isto preso aos ciclos da criação e do controle. Portanto, o processo
de aplicação dos conceitos da MTC ao caso analisado, só reforça o que foi
identificado e analisado no artigo: o vínculo da patologia com o sistema
emocional. A questão básica identificada no confronto do conflito emocional
vivenciado por uma genitora na visão do olhar imposto pelo mando da lei
americana. E qual a mãe que resiste a uma determinação impositiva judiciária?
A emoção da tristeza, por um lado, afetando o pulmão, e da raiva, agredindo o
fígado, pelo outro, são desdobramentos certeiros nos órgãos ocultos, com
certeza.

Referências
Bai Ne, Zhang & Hui H, Yin. Teoria básica da Medicina Tradicional Chinesa.
São Paulo: Editora Atheneu, 1999.
Boukaram, C. O Poder Anti Cancro das Emoções: uma nova forma de
enfrentar o cancro. Portugal: Nascente, 2015.
Ergil, M. C. & Ergil, K. V. Medicina Chinesa: guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed,
2010.
Stewart, Alana. A Minha Viagem com Farrah Fawcett: uma história de vida,
amor e amizade. Lisboa: Planeta, 2009.

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