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Boca de Urna
Boca de Urna
Boca de Urna
By Poliana Paiva
‘Só quero entender o que você sente por mim’, era a frase que saltava das pálpebras
cansadas de Fernanda e imediatamente se dependurava nos ouvidos viciados em elogios de
Jaime, homem com quem há um ano se relacionava.
Por conta disso, numa tarde nublada de agosto, depois de horas e horas de sexo, Jaime,
como quem pede desculpas a si mesmo, diz: ‘Não tenta me entender, me decora que é
melhor’.
Ao ouvir isso, Fernanda, que desde os tempos de escola nunca foi boa em decorar fórmulas,
datas nem capitais dos estados, ressecou. Como assim, ‘não tenta me entender, me decora
que é melhor?’ Logo com ela ele tinha de vir com esse papo? De que adianta decorar, se
decoreba só serve pra passar de ano e não tem aplicação na vida? Será que com esse lance
de decorar ele não estava dizendo, de forma subliminar, que ele era apenas uma matéria
eletiva e não um aprendizado pra posteridade?
Se Jaime estava achando ruim a pergunta inicial, imagina agora, quando, de uma hora pra
outra, foi soterrado por pontos de interrogação e ressecamentos das mais diversas ordens.
Ou para uma outra mulher, que aquela, àquela altura, precisava de mais do que respostas
para aplacar suas muitas dúvidas.
E foi isso que Jaime fez, apelou pras linguagens não-verbais e apostou no potencial das
pontas de seus dedos.
Assim, retomada a umidade inicial, pelo menos uma resposta estava a salvo: quem decora,
de forma subliminar, também elege.