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Julio Aróstegui

A PESQUISA HISTÓRICA
teoria e método
( jion/cjiin d/) (Senti
ír. F.lvira M il,m i

IúííjohíiI
Ir. facinta Tim>lo G.mi.i

(Àtortiotador iln (.AilfçiM História


liiiz F.ugúnio V õscio

Coonlcnaçiio l:\v a ithui


Luzia llianchi

(.o m iti' 1‘i/itítniil A ú lífá ilico


li. RIvira M il,m i - / ‘rcsii/nrir
G ló ria M á ria Palm a
Ir. fa cin ta T u ro lo G arii.i
J o s í Iuivam ile A n d ra d e A rru d a
Lu iz P.ugõmo V õscio
M a r íü s V irtm m d
M aria A rm in d a d o N a scim e n to A rru d a

H IÍT Ó W A
A pesquisa histórica
teoria e método

Ju lio A ró steg u i

I kauuçao
A n d réu D o re

KfcVISAO'rrcsK'A
lose Jobson de A n d ra d e A rru d a

© EDUSC
<tlpliufa•»
Niny«vAii/i*i' itvtfui .1 írtnJi/ií./hixikúi

t k m p o e h is t o r ia

Ser histórico é “ser no tempo”, segundo estabeleceu o pensamento lllo-


sólico antigo e moderno e também defendido hoje pelos posicionamentos
mais comuns na ciência, a natural e a social. O tempo é, em conseqüência,
unta das variáveis essenciais, sc- não a absolutamente essencial, entre as cjue in
tegram a definição' da realidade histórica. O processo c|tie chamamos tempo­
ral é o que configura a existência humana corno específica, incomparável a ne­
nhuma outra. Somente o homem, como ser auto-rellexivo, leva "dentro de si"
o tempo. Porém, na realidade, como se losse um paradoxo, o processo tempo­
ral envolve não só o humano, mas tudo o que existe. O homem participa do
tempo da na tu re/a, mas faz também do tempo uma “construção própria".
O tempo é uma variável, como dissemos,, ou uma dimensão, como
acrescentamos agora, essencial, integrada nas realidades sociais, que configu­
ra o histórico. Pi/em os “integrada" porque náo há realidade social sem tem­
po. A temporalidade é, porém, uma realidade tão imbricada em nossa mecâ­
nica psicológica e social, no processo de socialização de qualquer ser humano,
que pode perfeitamente aparecer como algo dado, indiferenciado, inclusive
inato, uma categoria n p rio ri, como pretendia Kanl, mais além de qualquer re­
flexão e até mesmo de qualquer experiência. Com efeito, o tempo aparece
como algo intuitivo cuja percepção, sem dúvida, progride com o amadureci­
mento psicológico, como mostrou Piaget,:: algo dado e “suposto" para o sen­
so comum, e, como algo suposto, sua consideração específica está ausente do
relato histórico, se é que esse mesmo relato já não é, como pretende Paul Ri-
coeur, a própria “configuração" do tempo.-'
Nesse sentido, a primeira afirmação que devemos estabelecer de manei­
ra inequívoca c a inconsistência ou inexatidão da pretensão de que existe um
tanpn físico e outro histórico ou social. Ela representa não mais do que uma for
mulação banal, ou talvez poética, difundida por autores que náo tiveram o cui-

.'5 São b asta n te u n if ic a d o s o s e s tu d o s d e J. Piagct e m seu s f. t m ies d 'i f i i i n u o l o ^ i e j><;-


liétiijtie so b re o d e se n v o lv im e n to d a |»crvc|\ão d o te m p o n as i riau^as. D o m e sm o
.»Hm c o e stu d o l.e d à w lo p p e m v t d e In notion d e tem ps t h tz l e n fn n i. P aris: PU I'.
im .
2o R IC O E U R , P. / / ij ji / w ) ' / lumicítiH. M a d rid : C .ristianid ad, I W 7 , esp ecialm en te u v. *.

271
nn u l
I it'iiriiJ ifii Iibfdi iogrnliii

dado île analisar com rigor o problema Ja realidade objetiva do tempo frente á
sua percepção subjetiva. A realidade do tempo não ê, e não pode ser, objetiva
mente mais do que uma. Outra coisa é a percepção sensorial, não intelectual, do
tempo pelo homem, cujos perfis psicológicos são alheios ao conceito cosmoló-
gico do temporal.• Se não procede falar de um tempo físico e outro histórico,
isso não deve ser confundido com a necessidade de se distinguir entre um “tem­
po de relógio” e um “tempo existencial’/ entre os clássicos chronw e hiiiw .
De outro ponto de vista, a questão da Construção "sociológica" do tem­
po apresenta maior interesse: em iodos os núcleos sociais historicamente exis­
tentes o tempo ê uma instituição que .se constrói e que tem funções precisas.
Para a construção da idéia de história, 110 entanto, o que interessa, na realida­
de, é a maneira pela qual a significação do tempo como um coiiiponenie inter­
no, inserido realmente nas coisas, pode ser captada e explicada por nós de for­
ma objetiva: de que forma o tempo atua sobre a existência das coisas e se ma
nifcsta no processo histórico.
A forma como a história é conceitualmente uma “dimensão” 011 “qua­
lidade” do social, como dissemos, tem sua explicação também pela existência
dessa oulra condição ou dimensão prévia: porque tudo o que existe está
“ imerso 110 tempo” ainda que seja uma maneira metafórica de expressa lo.
Portanto, o círculo dessa argumentação estará fechado ao se concluir que, se
toda pesquisa sobre a natureza da história o é , também, sobre a natureza da
stit ictUnic, também o será, inseparavelmente, sobre .1 natureza do {empo* sobre
a temporalidade. Não podemos falar do que é o histórico sem falar do social
e do temporal. Daí que, no mundo do homem, mais do que talar de um “ fato
social” é preciso entendê-lo como um “falo sócio temporal", que por ser am­
bas as coisas, social e temporal, o categorizamos com maior precisão como
fato sôcio-histórico. Não existe nada que possamos chamar “ lato histórico" sem
maiores qualificações no sentido das mais clássicas idéias do positivismo.

11 IA Q U E S , C. I <i fo rn w d el itnnp o. Itueu os Aires: P aid o s, 1 981. Ver esp ecialm en te


paru nossa d iscu ssão, d e n tro desse ex ce le n te e c o m p le to livro d e 11111 p sicólogo , o
c a p itu lo -I: la e x p e rle n cia con scie n te , p re co n scien te e in co n s c ie n te llam ada tiem p o.

28 H A S S A R D ,). l h e Sociology o f l i m e . L o n d o n : M acm illan , 1 9 9 0 . p. 10.

29 11I.I AS, N . S a b re cl ih'Dijto. M a d rid : I 'C t , 1^ 89, u m en saio sob re a c o n s tr u ç ã o social


d o tin ip o .V e i ta m b é m A D A M , U. t'niu’ tind Social ’I'h e a iy .C a m b rid g e : Polity Press,
1 9 9 0 . T am b ém o já c ita d o ). H assard .

272
SiVftVÍthU' «•fíui/ii i MmVi <l,ihhfàriit.

A história e sociedade mois tempo, ou menos metaforicamente, "sociedade


com lempo”. Por kso toda consciência que o homem adquiro do histórico c,
de certa forma, uma consciência da temporalidade, ç isso é uma questão so­
bre .1 qual os filósofos se pronunciaram há muito tempo, desde Kant a I lusscil
e ilü I leidegger a Kicoeur.
Mesmo sendo verdade, como dissemos, que não se pode falar de um icm-
po/jsiVo e outro histórico, é possível sim fa/é lo, acreditamos, considerando um
objetivo e outro, snbjcliw. Por outro lado, é lambem uma afirmação substancial
<i de que o tempo é irreversível e os processos fundamentais que conformam o
mundo também o são. O tempo aparece assim, em todas as suas manifestações,
e não somente nas humanas, como cumulativo: não pode voltar atrás. ‘ Mas, em
lillim o caso, a pergtmla que o historiador deve se fazer, como qualquer outro
analista de sua própria disciplina, a que deve responder a partir dela mesma, é <i
ijue c o tempo. Tal "o que” é aqui inevitavelmente uma interrogação filosófica c
cientifica. Il para respondê-la com propriedade é prec iso que conheçamos, ainda
que de forma sumária, em que âmbito de idéias nos movemos.

O Q un v o te m p o ?

As considerações do tempo no sentido fhico, do tempo do universo, e no


sentido filosófico, são necessariamente o ponto de partida para entrar no assun­
te). A exploração da entidade do tempo loi empreendida desde a Antiguidade
através do mito, da religião e, depois, da especulação cosmológiea e lísica. A
análise de ordem cientifica seria mais tardia, mas está claro que ambas as ma­
neiras de abordar o problema do lempo nunca estiveram categoricamente sepa
radas antes de chegar a Einstein ou, talvez, às reflexões de 11. Pointaré. O caso
das ciências sociais e, em particular, da historiografia, é bastante diferente.

3it> O m io u m a p rim e ira in tro d u çã o a esse a s su n to n ad a fácil c sob re o qu al existe um a


im p o rta n te b ibliografia, v e r o d ossiê tn o iio g ra fico : IV nsar cl tie m p o , p e n s a ra licin -
po. A rchipièlago, C u ttdcnios ilc critico d c In cultural, liai colo n a, H) I I . 1 9 9 2

3 1 P a r a to d o esse tra ta m e n to c de g ra n d e in teresse o livro ile P O M IA N , K . !:l o rd en dcl


ticinfH). M a d rid : lú e a r. 19 W .

273
JWff !
I Jroriii .í.i linhi/iLifiiiiliii

Idéia do rompo na filosofia e na ciência

No cjiic se refere á tradição ocidental, a origem do tratamento íilosóli


co e científico do tempo encontra-se na <«récia antiga. A especulação filosófi-
ca grega mais importante, e de lodo 0 inundo antigo, foi, sen» duvida, a de
Aristóteles, ainda que de modo algum tenha sido .« primeira. As posições de
Aristóteles sao as de maiores conseqüências para o futuro, mesmo levando em
conta as também fundamentais, mas muito menos sistemáticas e extensas, de
Aguslin de I lipona.’- Aristóteles trata do tempo de maneira completa no livro
IV de sua Físico," onde sao expostas algumas grandes concepções sobre a na­
tureza e a medida do tempo que perduram até hoje. Na análise aristotélica, o
fundamental é que se absoluti/a <i relação de tempo e movimento, mas se nega
que o tempo seja equivalente ao próprio movimento.
Depois do notável avanço da tecnologia da medição do tempo, quer di
zer, da transformação do tempo qualitativo em quantitativo," se produziu o
trabalho teórico de descrever o próprio tempo e de definir seu estatuto, levan
do em conta as descobertas que pareciam ter tornado caducas as opiniões de
Aristóteles, i ) tempo havia sido considerado como inerente a algo. Nesse sen
tido, o tempo é um acidente ou, ainda, um acidente de segundo grau, aciden­
te de acidente. Mas a partir do século 16 se rechaça essa idéia do "tempo aci­
dente". não para fazer dele uma substâtteia mas para estabelecer que, como o
espaço, possui uma entidade siri gencris. Nesse sentido, Gasscndi defendeu que
os conceitos de substância e acidente nao esgotam todo o ser, pois o lugai e o
tempo não sao nem um nem outro. As posições de Gasscndi são então do má­
ximo interesse, mas seria preciso chegar a Newton e seus Principia para que o
tempo se convertesse em um dos eixos do entendimento do mundo físico.
A configuração do tempo como magnitude uniforme e homogênea, re­
versível, escalar, mensurável e, por outro lado, como uma realidade ou entida-

32 SAN A G U S T lN . Los outfesiones. M ad ritl: Akal, t ‘)8<>. Ver a c cicb re p assagem tio c a ­
pitu lo X IV d o livro XI, p. 2 9 ? d m-<|.
33 A K IS T Ó T E L K S . VhietL Paris: í cs Bcllcs Lcttrcs, 1 9 9 0 . 1, p. 13 et se«j.

31 W H 1 T R 0 W , Ci. I. I I tieai/w m In historia, B arcelo n a: C ritic a , 1 9 9 0 , csp ru .ilin in ii-


p. 2 5 et seq.

35 P O M IA N , K. M a r d e u dei lientjm . M adritl: Jú car, I99U. p. 3 0 4 3 0 5 .

274
llllftllukf I
r IcW/vi \ftViVií iÍ.í '«Vil

cle em cujo seio sucede/u as demais realidades físicas loi, como se sabe, idéia ar-
giimcntada por Newlon e a física clássica nos séculos 17 e 18. Posleriormen
le. essa concepção foi discutida e, em boa medida, descartada, e, no enlanto,
permanece bastante viva ua opinião comum. O “tempo absoluto*'definido poi
Newton Ibi logo discutido poi outras concepçòes físicas do lempo posteriores
ã sua, mas foram as formulaçoes de l;rnst Macli e as de Albert l instein, depois,
.is que acabaram por colocá-las inteiramente em questão.
Com eleito, Newton estabelece no i.scolio I dns definições de sua obra
clássica tjue

<i le m p o absolu to . v e rd a d e iro e m a te m á tic o , p o r si p r ó p rio v p o r sua p ró p ria


n a tu re z a , flui d e m a n e ira u n ifo rm e sem re la ção a q u a k p ie r co is a e x te r n a c , poi
o u t r o n o m e , é c h a m a d o d u ra ç ã o ; O reiativo, a p a re n te e c o m u m c vima m e ­
d id a sensível e e x t e r n » (p re c is a o u d esig u al) d a d u r a ç á o d o m o v im e n t o ,ijue e u>-
m n m e n ie u sad a a o in ves d o te m p o v e rd a d e iro ; tal c o m o u m a h o ra . u m d ia . u o i
m ê s, u m an o .

A concepção de um tempo absoluto por parte de Newlon, que se baseia


na tradição astronómica que vem desde IMolomeu, apresenta (al capacidade
ile penetração por seu aparente caráter inluilivò que conlinua .ilc hoje orien
tando a crença comum das pessoas a respeito do comportamento do tempo.
Os antigos também tinham uma idéia do tempo absoluto. O lempo é um "âm ­
bito”, um “ambiente”, um "fluxo” não sujeito a nada externo, "uniforme", quer
dizer, homogéneo, que equivale ã duração e em cujo scio> em cujo interior, su­
cedem todas as coisas. I!, sem dúvida, a imagem do lempo que alimenla o eu
tendimenlo comum dele. A medição do tempo das coisas e o tempo relotivo e
se efetua por meio do “ movimento”, o que resulta, como dissemos, em uma
idéia já exposta por Aristóteles. A de Newton é a que poderia ser chamada
concepção do "tempo-recipiente”.
Mas a profunda mudança na concepção física do lempo começa no
momento em que se põe em questão a idéia nowtoniana de um lempo abso
luto como um lluxo constante, uniforme, no qual estavam imersos os fenôme­
nos do universo e que se mediaatrayés do lempo relativo. A idéia da exislén-

Vi I. N ew lon , ['hilopo so phio e Niiiiiroiis. l'tiitít/>in ntailtviinitna. I.-folio I a /us ilrfmiCio-


ne> fiuitlm uentales. P o d e se v er u m a e d içã o ca stelh an a d o s fr i m i p h f » la u iiiátkof
i/i* hl filosofia n a tu ra l. M a d rid : T e cn o s. 1 9 8 7 ; p. 3 2 el *et|. O j*riló ó uosso.

275
fttitf i
l f<v<r/<i <Ai /iKJiMMg/n/íii

cia real desse tempo absoluto foi discutida ia por Leibniz e t ic a is foi rechaça
da pelo físico e metodólogo da ciência Krnst Mách. um dos claros predecesso­
res cio neopositivismo na ciência e na filosofia, cm fins do século 19, qualifi-
.cando-a de “concepção metafísica ociosa", “baseada em argumentos aparente­
mente sensatos" e, cm todo caso, “supérflua'’, t) tempo só pode sei medido
pela mudança cias coisas,’ disse Macli. Não existe um tempo‘'absoluto”, assim
como também não existe um espado absoluto.
Assim, pois, como já percebeu Mach, na sua época, e reafirmou 1-ins-
tein depois, o tempo não é uma realidade fluente na qual "se submergem ’, se
desenvolvem todos os fenómenos do universo. Não existe um tempo fluente e
externo, um lempo absoluto. O tempo não é externo às coisas, aos fenómenos,
mas são os fenómenos que sustentam o tempo, o que <» prova. Ê o movimen­
to, .1 mudança, o que denota que existe o tempo. O lempo astronómico ueces
sita da idéia de uniformidade, de movimentos uniformes que de fato não exis­
tem. Por isso Newlou disse que se pode aceder desde o tempo vulgai ao astro
nómico de forma matemática. Sem movimento ou mudança o tempo não
existiria, como assinalou Aristóteles, e a experiência pode facilmente recons­
truí-lo. Kssas constatações têm para a história e para a historiografia, como se
pode deduzir, uma importância não desprezível e depois insistiremos nelas."
Em sua significação úllima, a percepção e conceitualização do tempo
pelo homem partem da tlcnoltiçõo tio nitulmiço no mundo real. Mas isso não
permite afirmar, de forma alguma, que o tempo c a mudança, coisa que já de­
nunciou Aristóteles como errónea e que foi motivo lambem dos enérgicos
ataques de Friedricli Hngelsao Docior Dühring.' <> tempo nãoé a mudança,
mas não pode ser apreendido senão através de algum tipo de mudança. Essa
observação já se deve também a Aristóteles. () lempo nõo conicni o unuhnço,
diferente do que acreditava Ncwton, mas antes o contrário. () tempo não é
tampouco uma substância, nem um fluxo contínuo, nem um fundo sobre o
qual os latos se produzem. H uma dimensão das próprias coisas. O tempo

.57 M A C H . ti. l h e SrrVmr I .i Salte, II.: T h e O p en C o m i , 1 9 4 J . P .i versa«»


iiifje.vi di> origin.il .ilem .io de M a c h d c I *>«>2. O s p arág rafo s q u e liitcressiun se en -
c o n ira iii a p a rtir da p ág in a 2 7 1 .

3g N o liipitiifo 5.

39 EN G F.LS, F. A n /i D fíh rin g . M ad rid : A vu so, 1975. p . 3 5 et sc<|.

276
Vivi.v/.i.lr ,• I liVtí.l .l.i íiifhbúi.

como dimensão é a idéia fundamental trazida por Einstein, que concebe aque-
le como um ingrediente definidor em qualquer sistema físico, ligado indisso­
luvelmente ii idéia de espaço e ã da velocidade da luz, quer di/er, ao movimen
lo. Ê conhecida a iiilim a preocupação de 1-ÜnsCein com as dificuldades ineren­
tes à idéia física de tempo, mensurável e reversível.,u
£ antes a “ produção" de fatos, quer di/er, de mudanças, a que introduz
a dimensão icinpo. Uma dimensão da realidade» estreitamente relacionada
com as demais dimensões e, portanto, que não pode ser concebida indepen
dentemente da de espaço. Daí que se tenha dito que o tempo é uma quarta d i­
mensão. A física relalivisla, como expôs Michael I riedman, se baseia nas teo
rias do espaço tempo e a “ tradição relacioiiisla’’ insiste em que “não devería­
mos contemplar o sistema de coi pos físicos concretos como submersos no es
paço-tempo que faria as vezes de grande‘recipiente” ’."
Mas a “ordem tio tempo" não e somente o sistema derivado da realida­
de da mudança, da variação, mas que da mesma forma está também contida
na idéia de duração, de permanência.1 A mudança é, por sua vez, a variação
de uma ordem sucessiva de estados. Aristóteles acabou definindo o tempo
como “o numero da variação segundo um antes e um depois ”. A mudança, a
variarão de que fala Aristóteles, é a sucessão de estados distintos c para que
haja sucessão de estados é preciso denotar por comparação presença ou au­
sência de elementos, o que não é possível senão sobre a existência e a expei íén-
cia básica da permanência, da duração.

40 A e x p o siçã o m ais sim p les d o p e n sa m e n to d e Eiustciii esl.l em LIN S 1T IN . A. Sobre


In tatrhi í/r la w lm iv iilíu lv sjh x u tly g y M iu l. M ad rid : A fiau /a, I9ÍÍ4. (<?> te x to alem ão
foi e s crito e m I 9 I 6 .J

•l 1 I H l 1:1 > M A N . M . / m n h iin a iio s iiv //•.<h v r i i i> r f c lc s p m o -iiv n ifu i. I fsien rv tn d v h in y l'i
losof « ! </<•h < d o iiiii. M a d rid : A lian/.a, 1991. p. ?.<vl-265, n o c a p ilu la d e d ic a d o a o '‘ re-
I.K idoism o” na c o n c e p v ã o d o tcni|K> e <lo e s p a io , tio qual p a rticip a m L eib n i/ c
M acli. ü livro d e F r ie d m jn tem d e m a sia d o ccm teiid o m a te m á tic o p ara q u e seja
u m a feitura fácil.

-12 A c o n c c itlia llz a ça o filosófica da d u ra s.m p ro ce d e d e I Iciir» liergson . Ver. .i titu lo d e


in tro d u v ão , o s te x to s d e líergson s o b re a d iu a ç ã o reu n id os c m H tU G S O N . II. Air
ntorio y V i,hi. T exto?. e sco lh id o s p o r G. U e le ii/e . M a d rid : Alia n /a , 1 9 8 7 . p. 7 - 2 3 . F er-
n.m d lli.m d e l.s e m d ú v id a , in sp iio u -s e ,a in d a <|uè n a n o cite, nessa idéia b erg so n ia-
na i.lt* d u ra r ã o a o escrev er mmi a rtig o s o b r e “ ! a In tig u ed u rêe".
fUrlï ?
\ (iWlii ihï /tii/iirii^nifiii

Hssas observações nos levam ao problema seguramente básico, ou a 11111


dos problemas básicos: a considerarão do lompo não como entidiule absoluta,
existente em si mesma, mas como uma relação entre as coisas t)uc não pode de-
nolar-se senão através da mudança, ou, o que é seu veículo próprio, através tio
movimento. Certamente, também, movimento e mudança não são 0 mesmo,
mas ambas as coisas aludem a uma variação relacionada com o espaço: o tem
po se denota por variações no espaço. A ausência de tempo não pode ser equi­
parada mais do que a ausência de toda mudança de posição. Mor isso conside­
rou-se então que a idéia de um tempo dlboluto tal como loi concebida poi
Newton, baseada no movimento uniforme, é, no mínimo, supérllua.1' Os fatos,
as mudanças, os eventos, não acontecem no tempo, mas eles criom o tempo.
Uma outra questão é a que se refere á ‘ flecha do tempo”, numa expres­
são cunhada por Eddinglon. O tempo é irreversível, é anisotrópico, conforme
se deduz do que estabelece o segundo principio da termodinâmica.-1 O pro
blema é como sc pode tornar o tempo inteligível, 11111 tempo que se comporta
como uma “flecha” cuja trajetória é irreversível e assimétrica.*' H isso se rela­
ciona, por sua vez, com a cosmologia do big Inuig. Uma vez admitida a idéia
de “uma" origem para o universo e para o tempo, não resolvemos o problema
fundamental da existência tias coisas, mas o deslocamos para o velho assunto
da criação, com o agravante, como expressou Pomian, de que agora não é per­
mitido, ao me no* a um cientista, recorrer «1 Deus.4*

45 In teressan tes e scla re cim e n to s sob re a idéia p ro fu n d a d e N ew to n a c e rta d o te m p o


ah so lo to , d eriv ad a d e c re n ça s religiosas, p o d e m sei verificad o» em G A N U T , F. de.
te m p s ph ysiq ue et te m p s m a th é m a tiq u e chez N ew to n , tu : I IFFE N A U , D. (E d .).
M y tlta c l kcf'rcfctiuttioits ilu iaiif>$. P aris: C N R S , 1 9 8 5 . p. 100 11)4.

4 1 Ver a esse fcsp eiio , e sp ecialm en te, P U K iO G lN E , I.; S T F N G ü R S , 1. tia n p n y


lu cicn tiih u l. M a d rid : A liun /a. 1 9 9 0 . O s e s t 1 Itos d e P rig ogin e so b re esses tem .is sao
i.i b.isl.m te ab u n d a n te s. Cl', e n tre o u tro s , P R IG O G IN E , f. I l m u im ic n io tM timtjH).
Ita rce k m a : hiM jueis, 1 9 9 1 .

45 S o b re a flecha d o te m p o , ver o ex ce le n te liv ro de G O U L D , S. Jay. /.ii flix h u d el liati-


po . M itas y in cíãfonts a i cl tU scuhiinticnto ilcl t ia n p n g co fô y ù o . M ad rid : A lia u /a ,
1992.

46 P O M IA N , K. U h n i a i ild tia t ip o . M ad rid : lû ta r . 1 990. p. P arece inevitável n e s­


se p o n lo , p o r se re ferir ju stam en te a esses te n u s , c ita r o e x tre m a m e n te d ifu n d id o ,
e p ro v a v e lm e n te p o u c o lido. livro d e H A W K IN G , S. W . H istoria <I d íicnipa. I >cl big
/fm/y <1 las u g u ia v i u egros. B a rce lo n a : C ritica» I9Ç 8,

278
(Vj"i/<nV» I

lemos <lealudir, ainda que só dc passagem, a uma questão diferente de


tutlo isso. E e .1 de que para .1 resolução dos problemas concernente, ;i relação
entre o tempo objetivo e a história objetiva, as representações mentais do tem
po e inclusive toda a casuística sociológica da construção da temporalidade
têm pouco interesse. A objetividade do tempo é algo diferente de tudo isso, e
é, afinal, a que interessa primordialmente à teoria historiográfica. O que o
tempo representa na definição da história e o sentido ontológico, e analógico
com o mundo físico, do movimento c da mudança social, lendo em vista es­
pecialmente o caráter unidirecional do temporal.
Os ingredientes teóricos e físicos do tempo são importantes para a defi­
nição da história mais ou menos como, à princípio, importam à.s demais ciên­
cias sociais: porque são componentes da vida do homem. A teoria da relativi­
dade mostrou que, no âmbito do universo interior, 0 tempo está estreitamen­
te relacionado com o espaço e. portanto, com a velocidade,1 sendo a velocida
de uma magnitude que se refere ao movimento, à mudança. Ao mostrar as d i­
ficuldades da idéia de simultaneidade, a velocidade se coloca como um dos ele
mentos essenciais na interpretação das mudanças no universo. A historiogra­
fia, no entanto, é a ciência da própria temporalidade humana; o problema do
tempo adquire, pois, em sua teoria, uma dimensão medular, constiiuliva.

O tempo da história c os historiadores

Kxiste também, como destacamos, uma ampla tradição, ainda que rela­
tivamente recente, de análise do tempo a partir dos enfoques sociológico e an­
tropológico. Não podemos aqui nos deter nessa questão, principalmente quan­
do. na prática, as análises provenientes da historiografia, talvez com exceção de
liraudel, tenham ignorado esse tipo de estudos. íi verdade que a ciência social
em seu conjunto, e não somente a historiografia, dedicou tradicionalmente
pouca atenção ao estudo direto do fato temporal como componente essencial

•17 EIN STF.IN , A . S o l)ir l<i n v r la ilc )u tvhnividotl especial y g e n e ra l. M ad rid : A lianza,
1 0 8 1 . N a tu ra lm e n te , u le x tu to d o e im p o rta n te . m as v rr "S o b re el c n n ce p to d c
lie m p o eu l.i lisk a ". .1 p a itir ita página 2 1 . Sem d ú v id a , , 1 m ais c o m p le ta d ivu lgação
q u e E in stcin IV/ (oi uo livro E IN S T E 1N , A .; IN F E L D , 1.. l a e w lu e ió n ile lo física.
B arcelo n a: Salvai. I‘M .

279
ftow2
\IfíWtUih/ (lifUHillJ(lit)H)

«.lo Uu!<»s os comportamentos humanos. Mas existe uina bibliografia sobre o as


sunto mais abundante do que se supõe."* Na historiografia da segunda metade
cio século 20, o célebre artigo de I*. líraudel, I n bngue tlttrêc, de 1958,' deve ser
considerado como um marco, além de lima raridade. Mas em datas recentes o
estudo do tempo histórico suscitou um renovado interesse e assim podem ser
citados os trabalhos de Pomian, Kosseleck, Gurevich, Kracauer ou Lepetit.
lixiste uma sociedade internacional paia o estudo do tempo, de tipo iuierdis
ciplinar, revistas especializadas e um lluxo crescente de publicações.'
A partir da antropologia e da sociologia, os trabalhos sobre o tempo
têm girado em torno cia construção mitológica ou simbólica ou da organiza­
ção social e sua rcgulaçào temporal - tempo de l rabalho, organização da vida
cotidiana, concepções temporais,etc. Uma interessante contribuição á idéia de
passado foi feiln por (j. H. Mead e outra referente ao surgimento de estrutu­
ras temporais por obra de N. I.uhmann.'1 Mas talvez as mais sugestivas con­
tribuições sociológicas, e as que mais nus interessam aqui, são as referentes à
temporalidade da mudança social, como as de Sorokin e Merton, afirmando
que “o tempo é uma variável necessária á mudança social". Em um terreno li­
mítrofe entre a ciência física e as ciências sociais movimentaram-se, em geral,
as diferentes contribuições de llya Prigogine/

•IK C l. U L K C iM aN , VV. t ho P ro b le m o f I une io S o cio lo g y : A n overview o f the litera-


Uire ('ii th e sta le ol 'I hen ry <nut R esearch o n th e " S o c io l o g y «»!' r i m e ' I 9 ÍI 0 -I 9 8 2 .
r im e unit S n a rly , v. I, n. I, p. HI 1 3 4 ,1 9 9 2 . A cerca d o te m p o c m su as verten tes so
c io lò g ic a e a n tro p o ló g ic a e x iste u m a co m p ila çã o d e te x to s feita na E sp anha p o r
R A M O S T O R R E S , R . (C o m p .). y SlK ialiuI. M ad rid : Siglo X X I . 1 9 9 2 .'Iod os
o s a m o re s nela reu n id o s sao e stran g eiro s.

■19 P u b licad o o rig in a lm e n te c m A m iales li. S, C ., 13, n. t, p. 7 2 5 - 7 5 3 , o c t./d e c . 195K, o


a riig o foi d e p o is r e p ro d u /id o m nil.is vezes e p o d e ser e n c o u ira d n e m esp an h ol c m
I’ U At 'D I ' l , l:. I n hisliniu y /r/s à r t u io s soiiillcs. M ad rid : A lia n /a , l % 8 .

50 A soi ie d a d e c m q u e stã o e l lu- Interm itioiuil S o ciciy fo r the S im ty o f I m /e, c o m seile


i*in b lo o m in g to n (E U A t, smis p u b licaçõ es c o m p re e n d e m séries l h e Stiuly o f T inir,
q u e s a o p u b licad as d esd e 1 9 6 9 . Existem revistas especializadas n o assu n to, c o m o
T im e m u i SiVWty, ã »pi.il já n o s re fe rim o s aq u i.

51 A m b as p oilem s e r lidas e m R A M O S T O R R E S , R . (C o m p .). Ilc m jw y S o ã tilm l. M a


d rid : Sigli» X X I , 1 9 9 2 .

52 Ver. e n tre m u ito s o u tro s , sen ensaio /•/ itniiiiiienio <lel fwinfto. B arcelo n a: Tii$(|uets,
I9 9 J.

2S0
Sn íi i/iul, uwfvi \ líVtni i/ii ín*ritfui

A consideração ilas formas cambiantes em que aparece “ idéia" ou


“percepção” do tempo em indivíduos» civilizações ou âmbitos culturais histó­
ricos, quer dizer, os aspectos psicológicos e culturais do tempo tem um inte­
resse inegável para a teoria historiográfica, mas uáo mais do que relativo ou
preliminar. A conhecida “ história da ideia do tempo" e mais ainda a coneep
çào do tempo na crónica desde tempos remotos, ou a questão das técnicas e
aparatos de medição e a percepção do temporal, ‘ a diferença entre as concep­
ções acerca da linearidade ou circularidade do tempo, são temas que podem
ter um certo interesse prévio e contextuai, mas não sáo de modo algum esseu
ciais pura a questão do tempo hialórico. Sobretudo porque, de acordo com o
sentido em que esses estudos costumam se orientar, os autores, de forma er­
rónea, associam o tempo histórico a questão da “cronologia”. Com o veremos
mais adiante, a cronologia é lambem um assunto básico na idéia do tempo
histórico, mas de forma alguma se identifica com este.
No próprio campo historiográfico, a atenção ao problema do tempo se
viu em certo sentido potenciada com a revisão crítica geral que contribuições
metodológicas como as dos Anmilcs, ou os aportes do marxismo, significaram.
Mas nunca alcançou plenamente o terreno teórico. Seus estudos foram dirigi­
dos, na verdade, a assuntos pragmáticos referentes às formas de captação do
tempo presentes em diversas culturas, através de suas manifestações escritas
ou propriamente historiográficas que mostram a maneira de interpretar o
“curso" dos acontecimentos. Outro dos caminhos seguidos pelos historiado­
res foi a atenção à operacionalidade do conceito de tempo para definir as pró­
prias características das civilizações. 1Assim, é de se considerar o caso de K.
Lunprecht e sua teoria do “ Renascimento", que Toynbee absorverá depois sob
a forma recorrente tios "renascimentos". Ou a idéia aplicada por George Ku-
b ler ao desenvolvimento das formas artísticas de um tempo que e “construí­
do” (shapeti) pelas concepções cómuns e próprias tios estilos artísticos, lam-

53 W H IT R O W , <"/.). 1:1 licn ip o e u Li historia. I.a evohición ile tm esira seniiila tlcl d c n i
y o y i l e hi p ersp eciiva tciitpontl. H a n clo n a : C rític a , 1 9 9 0 . A p esar do n áo « r o <|iiese
p o d e ria esp erar, essa o b ra d e W h iirow , u m d o s p resid en tes d a so cied ad e in te r n a ­
cio n a l cil.id.i a n te s, ó u m livro e ru d ito e in teressan te.

5-1 Ct". l U C O F l K , l*. e t al. / r s cultuies c i le leaips, êiiu le sp re p a iS e * p a r rU tieseo. Intro


d u e tio n d c P. H ícoetir. P aris: P a y o i-U n c s co , 1 9 7 5 .

55 KLMJLER, (j. I.a n u ifi^ u rm io u ,U I tieuipo . M a d rid : N erca, I9S.S.

281
pouco c estranho que lima das constantes <lo pensamento dos historiadores
acerca tio tempo seja <> empenho em estabelecer se .is concepções temporais
que as culturas históricas mostram são “circulares” ou “ lineares" assunto ao
qual deram atenção desde Vico e Spengler a Arnaldo Momigliano.
I )aí o interesse de algumas posições geratlas na escola dos A n im lc s , como
a de Braudel, ou .1 menos conhecida de Maíret, que se dehruçam sobre outro
tipo de especulação a propósito do tempo histórico, muito mais 11a sua própria
essência, em sua “estrutura'', sem quê, certamente, o próprio Braudel tenha esgo­
tado as perspectivas que suas análises apresentavam. Ainda que atjui não nos
aprofundemos 11a discussão das teses de Braudel .sobre o “tempo longo” e demais
temas que defende," pode-se destacar que sua grande con 1ribuição é, a nosso ver,
o estabelecimento de que o tempo da história não esta de forma alguma circuns­
crito à cronologia e que os “eventos” são sonienle uma parte do devir histórico e
não sua única manifestação. Algumas das criticas que se fez a Braudel, como as
de Ricoeur, por exemplo, não carecem de interesse, mas continuam operando so­
bre uma conceiluaçào errônea, externa e cronológica, do tempo. "
Braudel trabalha com uma conceiluaçào do tempo “eslruturalizante"
enquanto que o “tempo curto” opem 110 sentido "imlividualizante". ’ O cami­
nho eslruturalizante empreendido pelos A n iu iles na análise do tempo pode tci
uma certa relação com o fato de que a escola, em princípio, tratara pouco da
história contemporânea onde, segundo M. Miyake, o tempo estrutural encon
Ira dificuldades. Mas esse autor, comentarista de Braudel, não compreendeu
na sua profundidade a relação entre estrutura e evento que os auiuitistcs ma­
nejaram. Ricoeur. por sua vez, lançou criticas à falta de rigor de Braudel e sua
carência de percepções do tempo plural. Disse que, falando em termos abso­
lutos. a ideia de "velocidade do tempo" não potle ser aplicada aos intervalas de
leinpo mas aos movimentos que os atravessam. A questão está em que R i­
coeur parece crer, no estilo newtoiiiano, que há um tempo absoluto cujos in-

56 M AIRfcT. 0 . /<• tlisciuirs <-i 1‘h ifu u iijn e. ' » / In rcp n W u M th m h isto rin n tr ihi
tanfts. P a ris: M a m e , 1 9 7 4 .

37 A !»•»<> .1 esse resp eito se f a / n o c.ip iln lo 3 d e ste livro.

38 Kli :o i - U K , I'. Ticinfut y m in v d ó ti. .Vl.ulrid: C risli.u iid .u l, I 9 H 7 .1, p. 1S3 et set|.

39 M IY A K I7.. M . I he C o n ce p t o f l 'i m c a s a P ro b le m <»l lh e T h e o r y ol I listo rical K n o ­


w ledge. In: N ih lulen kvn ii/vj ( icfd tn htc. hi m a n o r io u i Ktirl I h c tric b Enlttutm t. Non
m in iste r: Karl W a c h h o lt/, 1 9 9 1 . p. 3 2 1 - 3 3 7 .

282
I il/HIIlh' -I
c liW/y AMrrwJit/AiiiWit

ter V i l los podem ser atravessados por movimentos. Uma vez mais st' confun­
dem lempo-receptáculo e tempo mudança.
Uma das contribuições recentes tlc maior interesse a partir do campo
historiografia) é, indubitavelmente, a de Reinhail Koselleck. 1'sse auloi colo­
cou suas visões sol) uma denominação geral tao sugestiva como a de “semânti­
ca dos tempos históricos” e suas apreciações gerais acerca do papel do estudo
do tempo em uma teoria histórica coincidem substancialmente com os que se
sustenta aqui. Koselleck adverte no início de sua obra que “o que representa o
tempo da história é, entre todas as questões impostas pela ciência histórica,
uma das mais difíceis de resolver’'. A cronologia, dirá também, calcula de acor­
do com as leis da física e da astronomia, mas "não e nessas condições naturais
da divisão do tempo que se observa o que se interroga sobre as relações entre
a história e o tempo, mesmo que exista algo como um tempo tln h is t ó r ia 1
Convém não relacionai “diretamente” o tempo mensurável da natureza com o
conceito de lempo da história. O tempo da história não tem unicidade, mas, na
verdade, encontra se ligado “aos conjuntos de ações sociais e políticas".
Koselleck defenderá a idéia de um tempo múltiplo da história, no que
evidentemente está na linha de Braudel. As determinações temporais são im­
postas pela natureza mas se definem, no entanto, como especificamente histó­
ricas. Evidencia se claramente em Koselleck a marca de I leidegger e da herme­
nêutica quando afirma que “em uma situação concreta, as experiências do 'pas­
sado transformaram-se e as expectativas, as esperanças, os prognósticos volta­
dos para o luiuro, encontram a maneira de se expressar". Logo, a idéia da tem­
poralidade histórica de Koselleck se volta para a exploração dos três tempos ou
modos da temporalidade em uma relaçao entre passado e futuro que se crista­
liza, no presente: o movimento histórico se desenvolve entre a cxperiêmiti, en­
tre as categorias que o autor denominou conc retamente um "campo de expe­
riência" e um “ horizonte cie expectativa”. ( ) lempo da história é cumulativo
mas sua entidade completa não se entende senão a parlir da tensão em direção

6(i k. K oscllctk eu» m u livro já c ita d o a n tc r io r m n ile I n tu iu /niíiu/n...

61 C ita m o s pela e d içã o fran cesa desse livro, d ad os a s n>ndi\rtes da v ersão esp an h ola a
q u e ja nos referim o s. /<■ 1'iitu/ pns<i\ (.o/itribit/io/i <i m /r d a letup* Itit-
lo íu fiia . JMris: EIJF-SS, 1‘WO. p. 9.
62 Pàçin a 1 1.

63 .No excelente e n s a io liii.il d o llvro, p. 3 0 7 3 3 0 .

283
ft#!»•
I fiwíii iltf Uht(itvgfv)in

ao futuro. Assim, as ressonâncias heideggerianas aparecem de novo como a di­


ferença entre esse tipo de especulação e a realizada por Braudel.
O problema do tempo também não foi abandonado pelos filósofos das
tendências mais diversas no século 20. Para I!. Ilusserl a lenomenologia c a
consciência do tempo, o fundo tia “psicologia da psicologia'1; o tempo é uma
configuração essencial tia consciência e da vivência. Já aludimos a Bcrgson e
suas posições sobre a duração e sobre a função criadora do tempo [A evolução
crituhra). Mas quando o problema adquire máxima relevância para a teoria
da história é quando se relaciona, justamente, com seu papel de conligurador
do histórico, lisse tratamento ilo teiupo-história se deu primeiramente nos 11
lósolos, e os sociólogos lambém o empregaram. Mas só tardiamente o proble­
ma do tempo foi objeto de uma detida análise sociológica, è dessa mesma ma­
neira tardia surgiu um tratamento historiografia.) que não se limitasse mera
mente aos aspectos externos da medição cronológica.
Martin I leidegger ocupa um lugar especial e fundamental nessa filoso­
fia do tempo, papel que se reforçou com o surgimento de alguns textos - an­
teriores â sua obra principal, Ser e (empo - antes desconhecidos.'1 I leidegger
começa tomando nota tias proposições tia teoria da relatividade de l-.insteiu
segundo as qu ais“ó espaço não é nada cm si mesmo; não existe nenhum es­
paço absoluto... ic ) coincidindo com a antiga afirmação ai istotélica, também
o tempo é nada em si. Existe somente como conseqüência dos acontecimen­
tos que tem lugar nele mesmo. Não há tempo absoluto nem uma simultanei­
dade absoluta”. I leidegger leva depois seu raciocínio à relação entre o proble­
ma do tempo e o problema do^ser-aí", do ihisein, com uma profunda percep­
ção de que o tempo está no ser porque este “sabe de sua morte".
O que importa aqui é a idéia heideggeriana de que o ser humano tem
consciência do tempo que está nele porque o scr "se encaminha antecipada­
mente para o hnver siilo'\" quer dizer, para seu desaparecimento; pelo que I lei­
degger afirmará explicitamente que a percepção do tempo se faz a paitir do
futuro, “o fenômeno fundamenta! do tempo é o futuro ', no que certamente

64 ItU ID K O G k U , M . 1:1 cor/(<■/>to tlc ticinpo. M a d rid : T ru il.i, 1 9 9 9 . T ia ia s c d e u m a


t o iilW én cia d e 192 4 p u b licad a na A le m a n h a em 1 9 9 5 .

65 Ib id ., p. 2 8 - 2 9 .

M» Ihid., p . I I. O gíifn c uossti.

m
I ityitiih I
Wi.ilu.í. finujui liMimit,i hif.U‘1iii

coincide com outras filosofias. O lempo il<> homoin não tem medida, o ser lii-
Luro é o próprio tempo. Heidegger alirma que .1 pesquisa histórica encontra
"fenômenos relevantes” como é o das gerações e <1 conexão entre elas,'- mus
que essa pesquisa acaba levando a reduzir o tempo ao “quanto”, ao tempo do
relógio. O tempo do relógio é sempre tempo visto como presente. "O lato de
que os acontecimentos se produzam 110 tempo não significa que tenham tem­
po, significa antes que eles... nos vêm ao encontro como se transcorressem
através de um presente". s
O tempo da história torna-se irreversível e homogéneo. Mas há mais
uma observação de I leidcgger que em si mesma equivale a lançar uma luz de­
cisiva sobre a percepção da história: "O passado experimentado como histori­
cidade própria dirá - é tudo menos o que se foi. Ou melhor, é algo a que pos­
so voltar nma ou outra vez”.' O passado, pois, permanece. I. em seguida algo
ainda mais revelador que mostra, no entanto, quais S ã o os limites da coinci
dcncia na visão fisiológica e 11a teorização empírica... “A filosofia nunca averi­
guará o que é a história enquanto a desmembrar como um objeto analisado
através do método. O enigma da história reside no que significa ser histórico”.
Poderíamos concluir de tudo isso que i leidegger representa .1 concep­
ção "radical” da temporalidade que é a própria raiz da existência, do ser-ai. A
história não é senão o produto da consciência que os homens têm dessa tem­
poralidade, da antecipação que fazem do futuro, de que “um presente sabe em
cada caso ser futuro”, dirá textualmente. As posições de Heidegger são chave
na busca de uma apreensão da história pela via hermenêutica, porque o lato
de que o presente sabe em cada caso ser futuro “é o primeiro princípio de toda
hermenêutica”.' Paul Ricoeur recorrerá em boa medida ã herança heidegge-
riana' para estabelecer que o tempo histórico é uma mediação, uma passa

67 N,\o seria d em ais re c o rd a r aqu i q u e p o u co s .m o s d ep ois dessa c o n ferên cia heideg-


g e ri.m a , e m i y ’ 8 u m s o c ió lo g o a le m ã o , Kal M a n h c im . p u b licaria u m te x to liinda
m en tal, I I pwhlnini tie h a gerieniaonci. P o d e -se ver e m esp an h ol en» III I S 1 Rwitui
l->pii/)ol(t il? SomlógiaisU n . 6 2 , p. 193- 2 1 2 , 1993.
68 Ibitl., p. 5 6 - 5 7 . A h isto ricid a d e ê .1 chave da p ró p ria ex istcn cia h u m an a t o m o te m ­
p oralid ad e.

69 Ibid., p. 3 8 .
70 liicoeu r analisa as p o siçõ e s de Heidegger e x p licita m en te em hctnyo y uarm cw i.
M ad rid : G ristin nidad. 1 9 8 7 . v. III: d tie m p o n.irr.itlo, |>. 7 1 8 et seq.

285
fiuYf )
\Mu/ii .tfi litoiHfogr.ifí,!

gem, entre o tempo universal, que c o tempo físico, e o "tempo vivido”, entre
o tempo do mundo e o tempo vivido.'
<

T em po s o c ia l t it .m p o h is t ó r ic o

() tempo da história, assim como a própria história, é uma realidade


externa aos sujeitos porque existe objetivamente, mas não é, pelo contrário,
um “ambiente”, um “receptáculo” onde os acontecimentos e, em conseqüên­
cia, a história se desenvolvem. O tempo é “interno" ao processo histórico e os
sujeitos em sua historicidade o percebem como tal, independentemente do
tempo do relógio. Pierre Vilar lixou cm uma frase especialmente luminosa o
que podemos considerar uma das bases da re la to entre mudança, história e
tempo interno. I }i/er que a história ê um prbçluto do tempo, afirma Vilar, não
significa nada; o que tem algum sentido é dizer que o tewfw c um produto tia
História. O tempo interno das coisas é o que tem verdadeiro sentido na Mis
tória, não o tempo externo da cronologia. As relações da historicidade com a
temporalidade constituem a chave do nosso problema de definição do tempo
histórico. O tempo sócio-histórico tem, de toda maneira, duas diferenles for
tuas de expressão, a interna, na qual importa a percepção da historicidade, e a
externa, que faz com que a mudança social seja realriiente mudança histórica.
Do ponto de vista da experiência humana, são, sem dúvida, os próprios
ciclos da natureza os que dão ao homem um primeiro auxilio para a percep­
ção do tempo. A denotação do tempo como parte do processo civilizador apa­
rece quando o homem repara na recorrência do movimento cíclico dos fenó­
menos celestes, essencialmente a sucessão de dias e noites e subsidiariamente
de estações e de posiçòes dos astros. ’ l-ssa observação, em todo caso, de ma-

71 R IC O E U R , P. ii e n ip o y n a m ic iõ i t . M ad rid : C risti.m id ad , P M 7 . 0 ca p itu lo : F n lre el


lie n ip o v ivid o y el tie m p o universal: el tie m p o h istó rico , p . 7 8 .' c t scq.

7.1 P. V ilar, J lis (o h ? n m rx iftc ... |». 1 9 0 .0 te x to d e Vil.u diz: "II a rriv e e n effet q u e l’his
to ir c c o n jo n c tu r e lle ... scm b le Ia ire d e I h is to irc tin p ro d u it du te m ps te e qui n e s ig
nifie rie n ) e t n o n d u te m p s { c ’c s t-à -d m - d e sa d istrib u tio u non h o m o g è itc , d c SA
d iffé re m ia tio n } u n prod u it d e 1’h istoirc...'

73 A ssim o d e m o n stra N . E lia s ,Soltrc cl tiem po. Ver la m b em C R U M P , T. t.a antropolo-


g ln f/e tos u ín tta o s. M ad rid : A lia n /a , 1 9 9 3 ,e m sen c a p ítu lo referen te a 'T I tiem p o".
T a m b é m T A IJH O N I.S . t jl rnpprcíciiinzio iicsoziitlcilcl teiupo. M ilan o: Angeli, I9JW.

28(i
( .IfMII.I.* J
VOiv/.iiir r ii w/m \ Mu/n ilii iViVh»/if

coincide com outras filosofias. O tempo do homem n.io tem mctlidd, o ser fu
luro ò o próprio tempo. I leidegger alirma que a pesquisa histórica encontra
"fenômenos relevantes” como ê o das gerações e a conexão entre elas,' mas
que essa pesquisa acaba levando a reduzir o tempo ao ‘‘quanto’', ao tempo do
relógio. O tempo do relógio ê sempre tempo visto como presente. “O falo de
que os acontecimentos se produzam no tempo não significa que tenham tem-
' po, significa antes que eles... nos vêm ao encontro como se transcorressem
através de um presente".
O tempo da história torna se irreversível e homogêneo. Mas há mais
uma observação de I leidegger que em si mesma equivale a lançar uma luz de­
cisiva sobre a percepção da história: "O passado experimentado como histori­
cidade própria - dirá - é tudo menos o que se foi. Ou melhor, ê algo a que pos­
so voltar uma ou outra vez”“' O passado, pois, permanece. I em seguida algo
ainda mais revelador que mostra, no entanto, quais são os limites da coinci­
dência na visão fisiológica e na teorização empírica... "A filosofia nunca averi
guará o que c a história enquanto a desmembrar como um objeto analisado
através do método. O enigma da história reside no que significa scr histórico".
Poderíamos concluir de tudo isso que I Icideggei representa a concep­
ção ^radical" tia temporalidade que é a própria iaiz da existência, do ser-ai. A
história nao e senão o produto da consciência que os homens têm dessa tem­
poralidade, da antecipaçao que fazem do fnluro, de que "um presente sabe cm
cada caso ser futuro”, diia textualmente. As posições de I leideggei são chave
na busca de uma apreensão da história pela via hermenêutica, porque o fato
de que o presente sabe em cada caso ser futuro “é o primeiro princípio de toda
hermenêutica”.' Paul Ricoenr recorrera em boa medida a herança heidcgge-
liaiKi para estabelecer que o tempo histórico e uma mediarão, uma passa

iw N.iu se ria dom ai» r m ir d .ii aqu i q u e p o u c o s .m o s d e p o is dessa c o n ferên cia h eid eg -
y e r ia iv a , e m 1 9 2 8 u m su cio lo g o a le m ã o , Kal M .m h e im . puhlicari.i u m le x io tu n d a-
D ie n i.iI, l i i p w b h '» u i «/■* l,ts y m c n iiio n if . P o d e -se ve i c m esp an h ol n n III IS iRcvisut
liíp a iio lu «/r lm r< iiy ih 'b in 's SociológiotfU **2. p. 195 2 1 2 . 19‘J.V

68 Ib id ., p. 5 6 5 7 . A h isto ricid a d e e a ch av e d.i p ró p ria existên cia h u m an a c o m o tem


(xtralid ad e.

69 IbiiL, p. 5 8 .
70 Kíl«ui analisa as |x»sivões d e H eid cgger e x p licita m en te e m Tiaupo y m rfivinn.
M ad rid : C ristia n id a d , 1 9 8 7 . v. III: el tie m p o n a rr.u io . |>. 71K et scq .
IW/r2
I i.nriií .Ai

gcm, entre o tempo universal, que é o tempo físico, e o "tempo vivido", entre
o tempo do mundo e o tempo vivido. 1

T e m p o s o c ia i c t e m p o h is t ó r ic o

O tempo da história, assim como a própria história, é uma realidade


externa aos sujeitos porque existe objetivamente, mas não é, pelo contrário,
um "ambiente”, um "receptáculo” onde os acontecimentos e, em conseqüên­
cia, a história se desenvolvem. O tempo é "interno" ao processo lustót ico c os
sujeitos em sua historicidade o percebem como tal, independentemente do
tempo do relógio. Pierrc Vilar fixou em uma frase especialmente luminosa o
que podemos considerar uma das bases da relação entre mudança, história e
tempo interno. Dizer que a história é um produto do tempo, afirma Vilar, não
significa nada; o que tem algum sentido e dizer que o tempo c um produto tio
História. O tempo interno das coisas é o que tem verdadeiro sentido na I lis-
tória, mio o tempo externo da cronologia. As relações da historicidade com a
temporalidade constituem a chave do nosso problema de definição do tempo
histórico. O tempo sócio-histórico tem, de toda maneira, duas diferentes for­
mas de expressão, a interna, na qual importa a percepção da historicidade, e a
externa, que laz com que a mudança social seia realmente mudança histórica.
Do ponto de vista da experiência humana, são, sem dúvida, os próprios
ciclos da natureza os que dão ao homem um primeiro auxílio para a percep­
ção do tempo. A denotação do tempo como parte do processo civilizador apa
rece quando o homem repara na reconòncia do movimento cíclico dos fenó­
menos celestes, essencialmente a sucessão de dias e noites e subsidiariamente
de estações e de posições dos astros.’ ' l-ssa observação, em todo caso, de ma

71 R IC O E U R . P. lie » t p n y n n n v e ió n . M a d rid : C risti.u m la d , 1 9 K 7 .0 ca p ítu lo : E n tre el


lie m p o v iv id o y el lie m p o universal: el tien>|>o h istó rico , p. 7 8 3 et seq.

72 P. Vilar, Ilistai/v m a rx iste... p. l ‘Ki. O le x to tie V ilar »li/: "Il a rriv e en eïtei qu e l'his
lo irc c o n jo n c tu re lle .., sem b le faire d e l'h isto ire un p ro d u it d u tem p s (c c q u i n e sig ­
nifie r ie n } e t n o n d u te m p s Ic’e s t-à -d ir e d e sa d istrib u tio n n o n h o m o g è n e , d e SA
d iffe re n tia tio n ) un p ro d u it d e I'liistoiiv..."

73 A ssim o d e m o n stra N. Elias. S o l w e t liem p o , V er tam h em C IJU M P , I. I m tUHiopulo-


\>in tie Inn ininteros. M a d rid : A lia n /a , l'»‘J 3 , c m seu cap itu lo referen te a “ I I tiem po".
T .u u b cm T W W O N I .S . I n m p p n > e n tn z io n e iozittlc ilel tem fto. M ilan o : A n gcli, IsiK-l.

2<%
* ,l/'lllth> I
SflíMUttlc •fiWjsi \í.iM/ií Jii fti)/,ViVi

neira alguma invalida a de que o tempo acaba sendo, em imi.i parte importan­
te de sua realidade, uma construção social. Assim, na ciência social moderna,
C. Purkheim, em “As formas elementares tia vida religiosa*’ parece ler sido o
primeiro a chamar a atenção para a origem propriamente social, construída,
da categoria “tempo*', cujo nascimento ele atribuía ao desenvolvimento cíclico
da vida social, derivado, por sua vez, das práticas religiosas.
Para a análise da ontologia d«» histói ico, aparece como básico o lato de
<jue o tempo e justamente o indicador fundamental da existência histórica,
enquanto a consciência tio histórico se manifesta como conseqüência de que
o homem conccitualizo a mudança como elemento constitutivo da existência.
Assim, mudança tempo-históiia aparecem na cultura como o correlato de
toda simbolização da atividade criativa do homem. I ’ o correlato da própria
percepção do movimento social.
O tempo é mensurável poi diversos procedimentos e tem uma manei­
ra peculiar de conformar o social, com implicações distintas tias que se apre­
sentam na natureza não humana. Na realidade, para exemplificar isso, os tem­
pos queconceitualizou Braudel somente medem “tipos"de mudança; mudan­
ça num titio curto que se caracteriza pela presença de muitos “acontecimen­
tos" que são cada vez menos abundantes conforme adentramos outros tipos,
ou níveis, de tempo. Braudel analisa tipos de realidades segundo sua “veloci­
dade" de mudança. Braudel não chega a apresentar uma aiticulação acabada
entre esses tipos de mudança que conformariam o tempo “total”. O que falta
em sua teoria ê a consideração dó nexo lógico que se estabelece entre o tem­
po físico c sua percepção humana: o homem tem consciência tio tempo .1 pai -
til do movimento, mas especialmente a partir da percepção do movimento rc
corrente, do movimento estacionário, de forma que o tempo só é mensurável
pela relação com movimentos recorrentes. Isso contribuiu para explicar o s u r­
gimento da idéia tle“tempo cíclico”, é um novo obstáculo para a compreensão
do “ tempo cumulativo", linear, tia “ flecha do tempo".
O verdadeiro tempo da história é, pois, aquele que se mede em nnnlnn-
frente à thirnçíw. Para uma parte do pensamento filosófico, o da teorização
do histórico, a converteu-se em um obstáculo para a correia com­
preensão da história como realidade externa e objetiva. De uma forma ou de
outra, persiste o pensamento de que historia e liumção são coisas opostas. Mas
um achado fundamental de Braudel reside, mais uma vez, a nosso ver, em ter

287
/Virl.-2
\ W h . ) i t i l flis h < / n y t i)f / ,t

mostrado todo o absurdo que se esconde sob .1 idéia dc lima realidade que se
compõe de ftilos, quer dizer, de mudanças, sem nenhuma 011Ira articulação
cogtiosciliva entre eles, ao estabelecer que é possível conceber, em lodo caso, e
ao menos como contraste, lima história iitnWel. C possível uma história sem
mudanças porque sempre existe o movimento, o movimento recorrente ou
estacionário. Ou o que dá no mesmo, dito em outras palavras: que não há um
lempo que determine os fatos, ou no qual os latos se produzam, senão que são
os latos que determinam o tempo. Que há diversos tempos, em função dc
como os fatos se produzem. Que se os fatos são as mudanças e fundamental
que isso se coloque em relação a n u a duração. A história, assim, não coincide
de modo algum como a mudança mas sim com a articulado dialética entre
permanência e mudança.
hm conclusão, como definir o tempo para os fins da historiografia? Eis
aqui o que propomos como uma primeira aproximação:

V enipo c a d e n o ta ç ã o da aitid u ti(a c o n fo rm e a u m a c a d ê n c ia do a n t e r io r ao


p o sterio r, tfüc cm p rin cfy iti t! passível ntedii c ipie n a s rea lid a d es sócio-históricas é
u m in g re d ie n t e essem iat " im e r n o " 1) ,<iu1 uletU idaile. púis /ais rea lid a d es tulo tico/n
in te ir a m e n t e d e t e r m in a d a s e m s u a m a te ria lid a d e se nã o são rem etid a s » tnna p o
s i(à o tem p o ra l. •

HISTÓRIA COMO ATRIBUIÇÃO

Tentamos agora chegar a conclusões já mais acabadas acerca dc» natu­


reza da história. Poder-se-ia pensai que, conscientemente ou não. comeienlos
0 erro lógico e epistemológico de dar como certo que a história existe antes de
se ter estabelecido qual é sua entidade. Nossa pretensão, porém, não é mais do
que fazer uso de uma licença metodológica.
ttxistcm 1rês aspectos do histórico para os quais se deve chamar a ateu
ção. A percepção imediata do histórico que o homem comum tem é a de que
ocorrem "acontecimentos”, aparecem e desaparecem pessoas e instituições,
produzem-se situações novas e desaparecem outras que, por conseguinte, se
obscurecem 110 "passado”. Tudo são mudanças e nada fica fora dessas mudan­
ças. Tudo está "dentro" tia história e tudo pode mudar. Por isso podemos dizer
que a história é num atribuição, um atributo, das coisas e, especialmente, dos

288
Capitulo 8

O PRO CESSO M ET O D O LÓ G IC O E A

D O C U M EN T A Ç Ã O H ISTÓ R IC A

Os tex to s , o t i o s d o cu in titU o s a n /n c o t ó g ic o s , m e s m o o s m a is cla ro s


v m i i p a ic n c ia e o s m a is c o m p la c e n te s ,
n ã o fa la m s e n ã o q t n u n i o s e s a b e in te rr o g á -lo s .

M arc ik o u i
Apologia da 1listória ou O o fiei6 do Historiador

Não há dúvida de que uin dos grandes obstáculos para a consecução do


uniu historiografia mais sólida cru seus fundamentos cognoscitivos, mais llá-
vel em seus achados e mais explicativa em suas com lusôes, foi sempre a escas­
sa atenção de muitos aos problemas do método histórico. Isso foi assim, e em
boa medida continua sendo, mesmo <|uc há mais de um scculo não tenham
cessado os esforços para constituir definitivamente um método para a histo­
riografia. O extraordinário peso da história-relato sem nenhuma conseqüên­
cia continuou gravitando sobre o problema.
1 lá muitas formas de levar adiante nina pesquisa histórica. Mas existem
também alguns pressupostos, algumas operações e cautelas sem as quais real
mente é difícil poder falar de "pesquisa*'. K a verdade é que tudo isso constitui
um procedimento que coincide em suas linhas gerais com as particularidades
de toda pesquisa social. <>procedimento pelo qual o historiador aborda o pro­
blema de construir uma representação do histórico e de explicar porque os la­
tos são como são obedece à mesma lógica que qualquer outro método cienti­
fico social. Suas "operações lógicas” são as mesmas.

465
ftok*J
I >i imtiiiniivM <!•i iiuiiíw

O PROCESSO METODOIOG1CO
NA HISTORIOGRAFIA

Alt1 hoje, a pesquisa histórica é conunuente uma aventura muito mais


confiada à improvisação,à intuição e ao bom senso do pesquisador que a uma
preparação técnica rigorosa. Mas todas as grandes pesquisas históricas sempre
foram feitas, no entanto, sobre a base de um trabalho detido que ia muito mais
além da mera exploração e transição de determinadas fonWs, para construir,
definitivamente, um relato. De certa forma, uma pesquisa histórica deve res­
ponder a um plano. No próprio curso da pesquisa, ü plano ou planos prim i­
tivos serão, com toda probabilidade, profundamente modificados e o resulta­
do linal terá seguramente pouco a ver com o que se presumia no inicio. Mas
assim ocorre com todas as pesquisas no campo (la ciência natural ou social. As
páginas que seguem orientam-se no sentido de ilustrar esse processo geral do
trabalho tio historiador.'

O IM A N O DA PESQ U ISA

Raras vezes uma pesquisa histórica é planejada com cuidado. E, segura­


mente, uma das mais freqüentes imputações negativas feitas ao trabalho histo-
riográfico do ponto de vista metodológico é a falta de explicitação de seus pres
supostos e a falta de previsão de seus desenvolvimentos. É uma herança da liis-

I E x iste m p u b licaçõ es gcr.iis, «te q u alid ad e b a s la u tc d esig u al, «icerca d o s fu n d a m e n ­


to s d o m é lo d n h istó ric o , su rg id a s e m d a ta s rcc c n le s . IVule s e c o n s u lta r m m provei
to H tR N ‘Á N D P.7. S A N D Ü 1 C A , T. t o s to u lii/o s ile lo historia. C uestiones <lc historio­
g r a fia y iticttiilo. M a d rid : S íntcsis, 1 9 9 5 ; lO P O L S K Y , I. M etodologia tlc In hisioriti
M a d rid ; C á te d ra . 1 9 8 5 ; C A R D O S O , C .; U R IG N O L I, II. P érez. lo s m étodos tlc In h is­
toria. B arcclon . 1 : C ritic a . 1 9 7 6 ; M O R A l)IU L L O S ,'K . I.os a n o s ilc ('h a . h i t m h n x iô n
n lo H istoria y ■1 lo H istoriografia. O v ie d o : U nivcrsid.nl d e O v ied o , 1992 c <lo m e s ­
m o a u to r, l i i o j h i a d e historitular. M a d rid : S i g lo X X I , 1 9 9 1 ( V* e d ição co rrig k la e ali­
m e n ta d a e m 1 9 9 9 1 : FAVIKK, I. et al. D e b u tei tlaus lo r c ih e ie h c hisioiitfue. P aris: I lis-,
in ire au P résen t, 1 9 9 0 ; S A N C H E Z I1 M IN T Z , J. I\ira eninfneiiilei lo H istoria. P a m -
plnna: Ved»o D ivin o, 1995$ de to m I 1W Í S p rã lico T H U ÍIÜ IR R , íijj T U L A R D , |.
(À him fu rfu tra r n a irahojo tlc historia Intciotlos y técnico s). B arcelo n a: O ik o s la u .
1 9 8 8 . F x isle m a in d a o u tr o * lip o s d e livros m a is e sco la re s qu e o m itim o s aqui.

466
( ilfrlllik* n
() fliWCSWW/iliMi}JliV
«' II lllh 'IW H 'l(h l)iil> I l l M t i i t l

toi iografia mais pragmática e“crouíslica” que entendeu sempre que a história era
a transcrição mais simples em um texto daquilo que as fontes, os “documentos”,
diziam. Essa imagem do trabalho da pesquisa história é completamente errónea
e esta, nas correntes historiográ ficas mais «ilidas, amplamente ultrapassada.
Na i’5(Tf'/ít tradicional da história, no pensamento historiográ fico mais
simples, sempre se entendeu que a “descrição” histórica, a narração dos aconte­
cimentos “como realmente aconteceram", iá possuia em si mesma um caráter sin­
tético, ordenado, explicativo, que bastava para dar conta dos porquês dos eventos.
Acreditou-se em uma espécie de causalidade implícita. Por isso, o trabalho histo
riográfico tradicional foi entendido, durante muito tempo, como composto de
duas partes essenciais que reuniriam em si todo o método historiográfico:
1. A rctolhn dos fatos, aos que, às vezes, com notável impropriedade cos­
tuma-se chamar thtdos.: Na historiografia do século 19 a temática era dilada
muitas vezes pela mera disponibilidade de tais fatos. Os grandes progressos da
historiografia do século 19 foram realizados sobre o suposto metódico de que
primeiro vêm o trabalho de arquivo, a consulta dos documentos e o agrupa­
mento de informação factual, e que só depois dessa fase se pode passar á se
gunda, sem que esta possa começar antes...
2. A cotislrução do rclolo, a integração dos latos em uma trama seqüen
ciai, cronológica, que em si mesma conteria sua própria lógica, sua própria in ­
teligibilidade, como curso da história. Sem “latos" não poderia haver história
e sem “documentos” não poderia haver fatos. O relato, como forma arquelipi-
c.i e quase exclusiva do discurso histórico, baseou se em uma informação
abundante quase sempre e teve além disso que possuir uma ampla perspecti
va temporal da qual se poderia julgar os acontecimentos, com seus anteceden­
tes e suas conseqüências.
Hm sua fundamentação geral, essa concepção ê completamente errò
nea. Mas com maior ou menor sofisticação, imaginação, variedade de temas e
auxilio de outras metodologias, todos os narrativisnws histuiiogròficos, antigos
e modernos, obedeceram a essa concepção do discurso histórico e a esse es­
quema de trabalho. Idéias tão sumárias são a herança, sem dúvida, dos pre-

2 K ccord f-si* .i p re cisã o ijm : li/e m o s d e q u e níio s<- p o d e talar d c ihnht* se n ã o em re ­


lação c o m u m a o u varias hipàtCM'*. D a d o s n ã o são in fo rm a çõ e s so b re a lg u m a coi
so, m a s te n ta tiv a s d e “ e v id e n cia r .il.no”.

167
/Sirir }
O i i m l i t H m n h t o </■i i i i u i U t f / lõ fc 'rj,v i

ceptistas historiográficos do século 19. Poucas são as escolas historiográlicas


posteriores i|ue fizeram algo de forma sistemática para eliminar essa falsa
idéia de ijue um discurso histórico de valor era obrigado .1 ter apenas boas
tontos do informação.
Na realidade, não há nenhuma prática do conhecimento social sério
que proceda dessa maneira, nem sequer aquelas que mais se assemelham ao
histórico: a descrição etnológica, por exemplo. O clássico esquema Paios - Sín­
teses, herança do imlutivismo positivista mais ingénuo que impregnou as
idéias historiográticas do século 19: primeiro os “dados", depois as “sinteses",
persistiu longamente. Mas, em seus respectivos níveis, muitos autores, que po­
dem ser exemplificados pelo metodólogo K. K. Popper ao historiador lidward
II. Carr, expuseram que o trabalho da descoberta na realidade natural e na so­
cial nunca procede assim.
Como qualquer outra pesquisa praticada com intenção de trazer um
conhecimento que vá além do senso comum, a pesquisa histórica deve ser pre­
cedida do surgimento de uni “ tema", mas também de um projeto, ao menos
um esboço, do procedimento para abordá-lo. O historiador tem de estabele­
cer um “desenho" ou um itinerário de maneira explicita, que sirva de guia
para seu trabalho e de orientação na busca de conclusões sobre um objeto his­
tórico bem definido, 'lenias as pesquisas sociais possuem um certo desenho,
uma planificação, o que se consegue em um processo que as metodologias
próprias de cada disciplina procuram clarificar.
Planejar uma pesquisa é, de certa maneira, prever os momentos cognos-
citivos e técnicos pelos quais o trabalho deverá passar. Mas, de forma mais prá
tica, planejar seria a previsão dc adaptaçao do trabalho aos problemas concretos
í/í» objeto pesquisado, Um planejamento teria de atender a três níveis: o do que
se quer conhecer, o de como conhecer e o da comprovação do conhecido. Isso
acarretaria a provisão do conjunto de problemas relacionados à pesquisa -" p o r
que um processo é como é " - , seus limites cronológicos e sua inteligibilidade 0
justificação e a pcrgnnta que é preciso formular, O como articular uma pesejui
sa deveria levar em consideração as fontes, a organização da informação, sua li
pologia e seu uso, assim como a relação com outras pesquisas. Nenhuma pes­
quisa podo permanecer isolada das demais de uma mesma área. Pois bom, o de-
senho c o planejamento que se faz uma vez que temos claro o problema e suas

468
{Àipilllltlü
O |'Mi w i»r6HÍi>)iiyir<i
.•ii i/i*i*NUitT>Tlii|Yli>tlisfilriüi

fontes , o método c a técnica. Os trabalhos escolares costumam ser planeja­


dos. Paradoxalmente, muitas pesquisas profissionais não.
Mas essa suposição de que a pesquisa histórica pode ser orientada e
substancialmente melhorada em função do rigor do procedimento de traba­
lho deve ser mali/ada nos dois sentidos seguintes:
Primeiro, no sentido de que o que foi dito não supõe promover nem re­
comendar que a pesquisa da história, ou de qualquer outra matéria social, te­
nha de estar sujeita a "espartilhos” para poder garantir alguma produtividade;
Segundo, no sentido de que o plano de uma pesquisa tem de servir não
só à otimização do trabalho, como à riqueza das conclusões.
I- necessário que o historiador lenha sempre explícitos seus procedi­
mentos de trabalho de forma que procure, como procura qualquer prática
científica, apresentar uma imagem exaustiva dos elementos da argunieniaçao
e ilas fontes de suas “evidências"- que o condu/.em a determinadas conclu­
sões. Ou, dito com outras palavras, que tampouco soarão novas: para que um
discurso possa ser considerado científico deve apresentar sempre a possibili­
dade de que suas próprias conclusões possam ser rebatidas.
A prática tia pesquisa histórica tem de ajustar se à definição clara de
problemas, à formulação de hipóteses, ã construção dos dados, à elaboração
de explicações o mais consistentes possível e â construção de mecanismos para
"provar" comparativamente a adequação de suas explicações. C visível que a
pesquisa normal i/ada na ciência social parte de pressupostos ou “estados da
questão", identifica objetos de pesquisa e uáo se confunde com a mera descri­
ção de fatos. Uma pesquisa tem um “tema", mas a problemática de tal tema
não se resolve, evidentemente, na coleta de infoi mações sobre ele.
A pesquisa de um determinado processo histórico não potle ser em
preendida com garantias científicas se não está instrumental e conceitual-
mente bem definido. É cerlo que no ponto de partida é difícil que exista, e
normalmente não existe, uma correta definição e planejamento de um pro­
blema e dos instrumentos para sua resolução; somente o próprio processo
de pesquisa vai perfilando essas definições. Mas tal perfil não pode progre­
d ir se o pesquisador não estiver conscienle de quais suo seus objelivos e
seus meios ou instrumentos, Q uer dizer, por mais Sumário que seja, um
proicto de pesquisa deve ter uma estrutura clara, mas aberta, e naturalmen­
te perféelível, onde sejam fixados objelivos e meios, onde se possa ir intro-

469
dtizindo diversificação e diferenciação cada vez maiores e, ao mesmo tem
po, maior coerência.

O “ p r o h lfm a ” HISTÓRICO

Pode-se encontrar a raiz de uma pesquisa história, logicamente, em


nmitas motivações diferentes. Não existem lextos qüe ensinem o historiador a
planejar um processo de pesquisa uma vez que foram feitas as primeiras apro­
ximações a um problema e, portanto, ü um tema. Mas o próprio plano certa
mente precede o pwblcnui.
A pesquisa histórica surge de "achados"- de novas fontes, de novas co­
nexões entre as coisas, de comparações - ou surge de insatisfações com os
acontecimentos existentes, insatisfações que, por sua vez, são provocadas pelo
surgimento de novos pontos de vista, de novas “teorias”, ou de novas cui iosi
dades sociais, “ lemas de pesquisa”, como dizemos no jargão acadêmico, exis­
tem muitos. Ninguém pode negar que a posta em marcha de um lema de pes
quisa.ou um suposto tema, continua tendo muitas vezes uma origem ideoló­
gica, política ou de outro género bastante alheio aos interesses da ciência. Mas
existem m uilo menos temas relevantes do que estes que costumam ser fomen
lados a partir de instâncias não cientificas.
Além disso, uma disciplina madura distingue plenamente entre a “e\
posição normalizada" dos acontecimentos, dos tratados ou stnleses, e a apari
çáo de “pesquisas novas", de contribuições mais ou menos decisivas. As disci­
plinas selecionam a produção pela relevância dos temas e a validade da pes­
quisa. Na "boa ciência', ambas as coisas devem eslar estreitamente unidas, le­
mas de enorme relevância histórica, dos quais podem ser citados muitos
exemplos, podem ser francamente mal estudados, mesmo que se estudem de
maneira insistente. Deve-se distinguir entre .1 verdadeira contribuição de no­
vos conhecimentos e o simples “amadorismo" ou oportunismo.

3 R c.su lu c s p c d a lm e iu e rs l ranha a p ro p o siçã o <lc qu e a ' pesquisa h istó rica " e o " i n ê
to d o h istó ric o '1 são d u as coisas d istin tas. Essa p ro p o s iç ã o p ro ce d e d e u m livro em
si m e sm o e s tr a n h o e c o m preten sõ es d id á ti c a s ,o ja c ita d o d c E S C A N 1)I: I l„ K H v
riu t k l D iu u r s n Itisu u iitg n ifk v . Htuiik 11n u fn ú t i h u dcu iifttit c m s iia iii' </<• <n m eio
tio. O v ie d o : U n ivcrstd ad d e O v f c d o , 1 9 9 2 . p. 131 cl seq.

170
i «ytfi/A*x
()(*>%
r il <ii>iUH/tOtUiü.* Iutfiiii. iJ

Se o hisloriador trabalha com o rigor metodológico adequado» há de


distinguir muito cuidadosamente entre o que ê o surgimento de campos his­
tóricos novos sobre os quais a pesquisa ainda nao se concentrou, quer dizer,
novos campos temáticos, daqueles outros que são os espaços de pesquisa so
bre os quais se volta mais vezes, quer dizer, daqueles outros tipos de temas ja
estudados mas que se submetem à revisão com novos instrumentos de méto­
do ou novas informações, de velhos problemas que aparecem agora como não
resolvidos adequadamente.
Algumas vezes st* indaga acerca de problemas reais que por alguma ra­
zão haviam permanecido sem tratamento. O conhecimento da periferia e do
contexto de tais problemas é sempre fundamenta). As vezes, a falta de trata­
mento de um assunto evidencia que não havia capacidade teórica para isso.
Outras vezes pode refletir uma carência de «lados decisiva. Nessas situações os
ensaios explicativos prévios podem desempenhar papéis muito distintos: po­
dem tanto ser fundamentais como absolutamente desorientadores.
O aparecimento de novas fontes, de novos enfoques para problemas
antigos, de novas posições “interpretaiivas" acerca de fenômenos conhecidos,
tem tanta ou maior importância para o progresso historiográfico do que a ro-
tolação de novos campos de pesquisa. De fato, ao conflufrem no historiogra­
fia» esses dois tipos de contribuições ao conhecimento da história, os territó
lios da pesquisa se mostram inesgotáveis, contra a opinião dos velhos precep-
tistas que acreditavam na possibilidade do esgotamento de um campo de es
tudo ao se chegar à exploração completa de suas fontes.'
Todas as ciências, as naturais e as sociais, se debruçam sobre esses dois
territórios da pesquisa: os novos temas e a nova pesquisa dos velhos. Não é, de
modo algum, somente a história que se escreve novamente em cada geração,
segundo se disse muitas vezes. Iodos os campos da atividade humana são con­
tinuamente reinvesti gados. O importante é não confundir as meras inovações
temáticas com progressos metodológicos.

4 Essa ingénua posição era manifestada por l.auglois e Seignohos com referência «i
história antiga que eles supunham não eslava longe de scr conhecida “completa­
mente” quando se descobrissem todas as fontes existentes. Tss;i .iftrmaçjo apenas e.
por si mesma, expressiva da ideia que fazem da história edii historiografia osgran
des preu-pl isias da historiografia clássica do começo d»' século .’<1. Langlois
o C. Seignohos» Introdução, cap. I.

471
linteJ
Osimttwmitos titi <i«<IJÍ!c-hlstòiiM

A dicotomia “ história geral" / ‘'m onografia setorial"

O aparecimento de um certo "problema" histórico n pesquisai' e a ton


lativa de desenlvar um planejamento, de projetar no trabalho certas "intui-
ções” previas do pesquisador, podem ser em boa medida ajudados pela clari
ficarão cias próprias tipologias formal e material que as pescjuisas históricas de
lato costumam adotar. Vejamos tomo se pode fazer, com efeito, uma tipologia
das pesquisas históricas possíveis.
No objetivo de uma pesquisa sócio histórica podem ser distinguidos,
pelo menos, quatro planos:
• o da seqüência temporal
• o do espaça ou espaço sócio-histórico
• o da sociedade glohal
• o dos fenómenos sâcio-históricos particulares
A pesquisa da realidade histórica, por sua vez, mesmo compreendendo
os quatro planos acima citados ou qualquer combinação possível entre eles,
pode ser abordada a partir de uma ou várias dessas aproximações ou perspec­
tivas formais e instrumentais:
• a espacial (territorial), que atende preferencialmente à "amplitude" tí­
sica ou social ile um assunto;
• a cronológica, que atende sobretudo ao ritmo temporal;
• j sistemática, que atende a “temas“ bem individualizados.
Em termos absolutos, do cntrecruzamenlo ou da combinação ordena­
da desses planos e dessas aproximações deriva lodo um emaranhado de "his­
tórias” plausíveis distintas, de especializações, de pesquisas possíveis ede com
plexidade metodológica, em suma. da historiografia. Não seria sem proveito
um esclarecimento m ínimo a respeito dessas conceiluações. A titulo de exem­
plo, sem esgotar inteiramente a classificação - que, além disso, é simples de se
estabelecer - . pode-se ver que as pesquisas historiográficas podem ter ciirálcr
de história geral ou história setorial, história nacional, regional ou local (his­
tórias territoriais), história global ou história monográfica, história sistemáti­
ca ou historia cronológica.
Um a‘ história" nunca é definida, a princípio, sem a explicitação do lap­
so cronológico em que ocorre. O histórico leva em seu interior o tempo, e pode
levar diferentes tipos deles. A cronologia e a denominação referencial e sim

47 2
CitfÍlnK<x
<•jwivyui wrfctilrli^irti
r 1/(füiMMMM/liiiilii /lõtórlui

pliflcada d li temporalidade. Uma “história”, por outro l .u l o . tem sempre um cs


paço f/t’ desenvolvimento, ou, como dissemos, de inteligibilidade', posto que
uma história trata de um processo social que »ao é universal, há de ser locali­
zada de forma que assinale o espaço físico em que ocorre, seja um território -
um Kstado, uma região, um município - ou o que chamamos de um espaço só­
cio histórico quando a história não tem uma determinaçao territorial, por
exemplo ou é história intelectual, etc.
líssas duas delimitações, a cronológica e a espacial, se la/em presentes
em todas as histórias de uma lorma ou de outra; mas lui histórias que têm
como reíorente as sociedade* globais, quer dizer, realidades analisadas como
globalidade, como sistema, e outras que os têm em feiiÓmenos particulares,
que fazem parte, como subsistemas, de outra realidade superior, realidade esta
que tida como marco cie referência no processo metodológico.
As determinações da matéria histórica no espaço, 110 tempo e no nivel
de globalidade se conjugam,, por sua vez, com tn?s maneiras possíveis de apro­
ximação metódica que atenderão especialmente a cada uma de tais determina
çóes. As histórias territoriais sào aquelas que adotam um entoque determinado
pelo espfi^o de desenvolvimento de um fenômeno sócio-hislórico; as histórias
cronológicas são as determinadas pelo lapso cronológico; as histórias sistemáticas
analisam fenómenos particulares atendendo à própria natureza do fenómeno,
cm função do qual haverá de ser estabelecido seu marco cronológico e espacial.
A história geral é um trabalho de síntese histórica que pretende dar
conta das determinações totais de um fenómeno histórico ao qual se acederá
a parti 1 do conjunto dessas perspectivas. A articulação de determinações e
perspectivas para que uma história geral possa ser história total é um proble­
ma aberto da teoria da historiografia. A história monográfica é a história de
um setor da sociedade, de 11111 fenômeno particular no seio de 11111 conjunto,
do qual se faz uma análise sistemática, mais do que cronológico ou territorial.

■í N ã o p arece n ecessário in sistir 11.1 ideia d c q u e .1 globntiilutU' <• u m a ca te g o ria rei a ti


\m. P ru tii.im n iie q u a lq u e r e n tid a d e p o d e se r tida c o m o u n i todo o u con sid erad a
c o m o p a rte d c m itra qu e .1 en g lo b a . O a lca n ce da glob alid ad e c u m a d ecisão epís-
tcm ica c m e to d o ló g ic a , sob c e rta s co n d iç o e s , d o pesq uisador.

6 C o m o "siste m a em ergen te", o u c o m p ro p rie d a d e s e m e rg e n te s , se p re s ta rm o s aten


ç à o a s in sin u açõ es d e M UNCir. \1. M cri/c y sociediul. Iiw ayoí irritantes. M ad rid :
A lia n /a . 19«^ . p. 1 3 0 ct seq.

473
fl/W J
(> < i n f i n i i u s m » . í i i i J / i i / b v h it u ir ift »

As histórias cronológicas e territoriais não são senão limitações da história ge­


ral buscadas pelo pesquisador, impostas às vezes pelas próprias possibilidades
<la pesquisa. Existe, em suma, uma pesquisa “monográfica" e existe uma ne­
cessária construção de “histórias gerais” que constituem n apresentação mais
completa do estado da ciência historiográfica cm um dado momento.
A pesquisa monográfica tem, por sua vez, duas orientações básicas. Ou
c uma história "temática”, que corresponde também ás habituais especializa­
ções historiográlícas de acordo com as especializações das ciências sociais no
estudo ilas sociedades: as histórias política, econômica, social, cultural, etc., e
todas as suas múltiplas sub-especializações possíveis, ou ê uma história “ terri­
torial” que representa a tentativa de globalização do.processo histórico sobre
um determinado território, que no caso da orientação monográfica deverá
versar sobre um campo territorial razoavelmente abarcável pelo pesquisador.
Indubitavelmente, como salta aos olhos, os tipos de fenômenos, situa­
ções e episódios históricos suscetíveis de se converterem em objeto de pesqui­
sa são inúmeros. De fato, infinitos. Mas, como toda disciplina estabelecida» a
historiografia apresenta em cada momento de seu desenvolvimento “costu­
mes” concretos para fazer as taxonomias dos “terrenos” ila pesquisa. As práti­
cas historiográlícas estabelecidas identificam os problemas a pesquisar dc
acordo com uma divisão convencional dos campos. O próprio estado de de­
senvolvimento de uma disciplina marca muitas vezes as possibilidades de sur­
gimento de campos, temas, método e pesquisas novas. O “paradigma cicntííi
co” no qual se desenvolve a interpretação tia realidade também. Daí a decisiva
importância de correntes e pesquisas que significam “ rupturas".
Poderíamos esquematizar o que foi dito em um quadro como este:

■171
(.'ly/ZiiA' .s
<»/ v w w «it-fHili'l.lj;h>*
•*•/ifcuiH/«viMr<ii) hfrulrkn

Quadro 6 - 0 .<campos tlc pesquisa tio histórico

Nesse panorama geral de lemas, espaços e estado científico das ques­


tões, de liislórias gerais e histórias setoriais, no marco dos conhecimentos e
das fonlcs disponíveis em um dado momento, em conexão com interesses so­
ciais que são muitas vezes extra historiográlicos, a atenção dos historiadores
se volta paia determinados “problemas", aos quais tampouco são alheios as
modas, as convenções da escola ou os interesses académicos. Os''problemas"
históricos, como quaisquer outros problemas de conhecimento, surgem sem­
pre determinados pelo marco histórico-social 110 qual os cientistas vivem. Os
problemas históricos detectados íalam tanto do estado da disciplina como da
sociedade que os detecta. A historiografia'que se produz é parte da cultura de
uma época e faz parte, pois, da história dessa época.

AS OPERAÇÕES LÕGfCAS DA PESQUISA HISTÓRICA

Não ha possibilidade de uma boa pesquisa sem uma definição clara, em


todas as dimensões às quais nos referimos antes, dos problemas pesquisados.
I la grandes temas históricos cuja pesquisa há de ser abordada por meio de ob
jelivos parciais, pela magnitude do assunto, sua importância, a dispersão das
fontes ou outras múltiplas razões possíveis. Assim ocorreu, por exemplo, com

•173
fttih' .<
o< iiiunii>i</Hi<‘ ihi tiisilireImhiiiiit

a desamortização na Espanha, a dissolução do Império romano nos diversos


territórios, a expansão do feudalismo, para citar alguns exemplos díspares. E
essa necessidade- afeta igualmente os temas amplos de pesquisa e os muito mo
nografizados. Dito isto, é absolutamente certo que essa correta definição não
pode estar disponível sempre no inicio da pesquisa; Às vezes parte-se de meros
indícios, de “vestígios1", de suspeitas. Mas delinir com precisão, o quanto antes,
em um dado momento do trabalho, a entidade real e os limites do que se quer
pesquisar é um passo inevitável e indiscutível de todo processo metodológico.

A construção das prim eiras hipóteses

Não ha exploração possível da realidade senão aquela que for “dirigida"


por certas presuiições explicativas. Tais presunções encaixam se, por sua vez,
em um marco duplo de valor diferente. Da lorma mais condicionante, é evi­
dente que o desenvolvimento metodológico só existe no interior de um apa­
rato explicativo de suficiente valor tcórico. Raras vezes uma pesquisa começa
na teoria. O normal é que venha completar um determinado tipo de conheci
mento - pense-se, por exemplo, que esta é .1 origem de muitas pesquisas ter­
ritoriais ( regionais, locais) de temas históricos de maior alcance, como a guer
ra civil espanhola 011 que apareçam novas documentações sobre algum as­
sunto conhecido, ou que os próprios assuntos conhecidos mostrem sua con
comitáncia com possíveis novos campos de pesquisa. Em mais de um caso, são
os próprios problemas do presente que incitam uma pesquisa histórica. Isso é
notório no caso das pesquisas dos anos 60 sobre a Revolução industrial, das
pesquisas sobre história ecológica ou sobre história das relações de gênero.
Em todo caso, sem uma teoria orientadora é possível pesquisar a história,
mas dificilmente se poderá explicá-la. No pensamento pós-modernista há uma
tendência a supor que a "grande descrição”, a descrição "densa", como a chamou
C. ( ieertz, explica as coisas.' Mas, necessariamente, todo processo metodológico,
como já advertimos antes, ocorre 110 sentido de um marco tcórico* de concepções

■/ GP.P.RTZ, C . I<i fw iT /in w n ÍM i/r lus 1uliunis. liu rcelon a: Gedisa, C f. tam b em
M A ftC U S , C .; FISC l ir.R , M . I. A nihrojtnlo^y iis 11 C.uliurot (.ritú iiie. C h icag o : Uiii-
v c rsily i>l C.lmjijjo PreSA, 1 9 8 6 . c a p . 2.

-176
i •\fuiuUrf
11 ««‘Wd/iyiVii
!•il ll/l/ïllh^lill flH/l"1.11

globais sobre o social-histórico. Somente nesses marcos, ainda que implicita


mente, é possível formular perguntas, conjecturas, hipóteses enfim.
Em uni nível de generalidade mais baixo, as pré-condições explicativas
se enquadram em costumes da escola, em costumes científicos depurados. As
hipóteses aparecem em um horizonte que o estado da ciência em cada mo
mento apresenta como plausíveis, lun todo caso, toda pesquisa, como os mais
reputados metodólogos 16111 afirmado, parte de perguntas. As perguntas d iri­
gem a pesquisa e as possíveis respostas, ainda que pouco elaboradas, surgem
ao pesquisadora cada passo de sua pesquisa. Quer diz.er, um fenômeno e iden­
tificado desde o momento em que pode ser isolado de outros, ao menos meu-.,
talmenle, que seus contornos podem ser delimitados e que uma explicação a
seu respeito pode ser esboçada.
Mesmo se tratando de coisas tão díspares como o aparecimento de 1110
vimentos políticos, .1 introdução de uma nova forma 01111111 novo produto ali­
mentício, a observação de que os testamentos de uma determinada época e lu ­
gar nos mostram últimos desejos bastante semelhantes, ou de que a atividade
econômica obedece a ciclos - e estamos dando exemplos temáticos de traba­
lhos historiográllcos reais - , um fenômeno novo é, como é também o iiconic-
cimento, uma anomalia 110 que existe e t.il anomalia só é identificável a partir
de um conhecimento suficiente do que existe, dentro de idéias prévias, em
contraste com as quais podemos perceber tal “anomalia". Isto quer dizer, em
conclusão, que a pesquisa histórica tem de ir encaixando "fatos" dentro de
idéias preconcebidas cm propostas sucessivas de explicação de uma situação a
partir da análise do comportamento tle seus ingredientes e tia origem deles,
para não d i/cr tle suas “causas”. Mas chega um momento em que os novos fa­
tos não podem ser explicados com base nas idéias estabelecidas, l-ntão, produ­
zem-se “ revoluções científicas”.
O pesquisador histórico, ainda que de forma implicita e mesmo in
consciente, busca seus fatos do passado servindo ao propósito de explicai por
quês. K possível que uma pesquisa história se detenha na mera "descrição".
Quer dizer, levante os eventos sucedidos que as fontes dão a conhecer em uma
situação história que o historiador iá encontra definida. Mas a descrição é só
uma parte da real pesquisa histórica. Construir hipóteses é uma tareia que está
sempre ligada á formulação das perguntas e que se laz necessária desde que
são reunidos os primeiros fatos pertinentes 110 fenômeno que se pesquisa. Não

477
ftlfll* J
(f < ii/5fr<in/t'iif(i< > l,i i i / h i l w l i f f / m i o i

há dúvidas «.lo que muitas pesquisas históricas comovam com o objetivo de


"rechear” um espaço cronológico determinado com os-acontecimentos que o
caracterizam. Muitas pesquisas começaram assim e, em certas ocasiões,.não
superaram essa fase.
Mas sem a construção de hipóteses não é possível dar conta, ao final de*
uma pesquisa, das razões pelas quais uma situação histórica é como é. O ideal
da ciência é que uma hipótese não seja mais do que um instrumento que uos
permite ir colecionando tiiutqs, que orienta a busca de novas evidências em pí­
ricas, que ilumina a leitura dos documentos 011 determina as perguntas a se­
rem feitas às fontes - independente de quais sejam Uma hipótese e algo que,
por definição, serve para ser confrontada com os dados e que deve ser siste­
maticamente posta ã prova. O que ocorro e que, na ciência, os pesquisadores
se agarram muitas ve/es ás hipóteses propostas ainda que os dados tendam a
negá-las. Para salvar suas hipóteses os pesquisadores se apressam então em
construir outras hipóteses ad ltoc> para apoiar as primeiras e ir resolvendo as
contradições que surgem sem ter de desprezá-las. Esse é um caminho equivo
cado da ciência, atrás tio qtj.il se vêem ordinariamente» sobretudo nas ciências
sociais, as resistências ideológicas.
Raramente uma primeira hipótese explicativa de um problema, fenô­
meno ou grupo de fenómenos, em qualquer ciência e também na hisloriogra
fia, sobrevive ao longo de uma pesquisa. As primeiras hipóteses costumam ser
erradas, totalmente ou em parte. Pesquisar e justamente ir destruindo essas
primeiras hipóteses e, se for preciso, mudar toda a orientação da busca de no­
vas realidades e verdades. Existem processos históricos para os quais não te­
mos tido explicações satisfatórias mas sim muitas hipóteses de trabalho. As
causas tia decadência de Roma, do desaparecimento'da cultura maia, da po­
tência do nazismo nos países germânicos, do anarquismo espanhol,’do fracas- 1
so dos supostos, regimes socialistas no século 20...

Da observação à explicação da história

A persistência na identificação entre "pesquisa histórica e “relato his-


tortográfico”, ou melhor, da identificação do “produto” da historiografia com
o relato, foi, e ainda é assim, um dos obstáculos mais importantes para o esta-

•178
e 1/ fmfó/itif

beleeimento no interior da disciplina de um corpus metodológico mais bem


articulado. Como afirmamos ao tratar da explicação histórica, o discurso tia
história contém relatos, mas não se compõe exclusivamente deles.
A o/wiTv/jçYh) histórica. Na realidade, devemos enfocar o assunto como
uma vertente do problema da óbschwçáo. A observação é, em princípio, uma
atitude de conhecimento comum, é a fonte de toda experiência e dela surge
lodt) conhecimento fundamentado. O conhecimento cientifico apóia se na
observação sistemática, massiva, ordenada e dirigida e o mais diversificada
possível. As hipóteses e a lí/tfemrçrto da realidade constituem uma armação
dialética que não pode ser fragmentada, lim a não pode existir sem a outra.
Podemos assinalar aqui que em mais de uma ocasião discutiu-se se a
historiografia poderia ser considerada um tipo tle estudo baseado na observa­
ção. “Observação histórica" e, desde iá, uma expressão bastante usada pelos
preceptivas clássicos para defende la ou refuta la. A discussão chega até Marc
Bloch. d problema é ainda mais singular devido a algumas conotações espe­
cificas que o estudo do passado tem:
I ) As fontes são sempre mediatas.
2 1Costuma-se dizer que nos encontramos “com comportamentos sin­
gulares de sistemas singulares".
31 Encontramo-nos frente a realidades de extrema complexidade, tan­
to pelo número de dados como pelo caráter de suas relações.
Mas na medida em que, segundo defendemos aqui, a historiografia é o
estudo dos comportamentos no tempo de fenômenos sociais, baseia-se igual­
mente na observação. No terreno historiográfico, essas realidades dão pleno
sentido àquelas palavras de Marc Bloch acerca de que “os documentos não fa­
lam senão quando se sabe interrogá-los”.'
Como é possível observai o passado? A resposta é que a construção,dos
dados históricos se faz sobre “vestígios” ou “ testemunhos" e estes são observá­
veis. Mas o que é e como se pratica a observação na história? O problema cen
trai é na hisloriogralia o mesmo que nas ciências em seu conjunto, mas a tra­
dição historiográfica nunca foi unânime na consideração da historiografia
como uma ciência de observação. Naturalmente, a hisloriogralia não pode
“observar o passado”. Nenhuma ciência-pode fazê-lo. Existem fenômenos que

8 lil.OCI 1. M. htiioihttxión h hi hisioriii. México: PCE. l l>32. p. 5-1.

A7<)
IWu-1
() > i n u n i w t i i h v i l <I l u u i i i w lu < t^ n < .t

podem ser observados com os sen lidos porque se produzem diante dc nossos
olhos. E» inclusive, ou se produzem rapidamente ou podem ser repetidos ex­
perimentalmente. A historiogralla não pode observar o passado humano;
nem a cosmologia o passado do universo, nem a geologia o da terra, nem a
psicologia oh estados mentais ou mentes sucessivas que um homem atravessa.
Mas as ciências estudam fenômenos que estão á vista ou que não estão. Algu­
mas estudam ambos 95 tipos, e a historiografia inclui-se entre elas. A historio­
grafia não é o estudo do passado, mas o estudo tio comportamento social tem­
poral, e pai te desse comportamento está à vista...
Não obstante, a questão essencial não é essa, mas a de que as ciências
que não estudam, ou não estudam sempre, fenômenos que podem ser vistos
tem de conhecer a realidade através de vestígios* testemunhos, relíquias. No
sentido metodológico mais direto, testemunhos, vestígios e relíquias podem e
têm de sei observados. F.nlão se introduz o conceito de documento e entramos
110 mundo genérico das fontes de informação. No caso da historiografia, essas
fontes da observação são as chamadas topicamente de James r/n história.
A pari ir de novas posições da atualidade, a consideração da historio­
grafia como ciência de observação não parece suscitar dúvidas. Os testemu­
nhos históricos são “observáveis”, são compiláveis, acumuláveis e tratáveis sis­
tematicamente de acordo com uma definição prévia e estrita de uma tipologia
dos “ latos" que estamos buscando. A pergunta sobre a “observabilidade” dos
testemunhos nao se refere ás fontes em si mesmas, mas às informações con­
cretas que buscamos nelas. Com base em um desenho preciso de uma pesqui­
sa histórica, a matéria que se investiga é, certamente, observável; não se traia
meramente dc reconstrução especulativa.
/\ obsct vaçtio da história <; n ofaemjfdo das jantes. C) conhecimento da
história não se reduz, porém, exclusivamente à exploração das fontes, mas se
apóia também em conhecimento “não baseado em fontes", como disse To-
polsky, o que é uma maneira simples de dizer que as fontes não funcionam
sem um aparato teórico-crítico. 1: mais do que isso, não é factível sequer o
conceito de Ibnte sem a ideia correlata de “fonte para...” A conceituação das
fontes da história mudou drasticamente, assim como seu tratamento, como
veremos mais adiante neste mesmo capitulo. O problema metodológico da

^ T O P O I SK Y, J. M etodologia t k In h isu n ia . M ad rid : C á te d ra , l lW ». p. 3fW.

480
(I i» ih>■■■■>líinV.V-Myi,,.
41.< ii> i iJin<vilii|VU< (ii>Ui i t a l

observação histórica através das lontes é, afinal, o de saber se .1 observação


empírica é um processo que tem ile estar orientado estritamente a partir de
instâncias metodológicas que vão além do empírico, a partir das teorias, das
hipóteses, das conjeturas, ou se vale um ingênuo indutivismo que cré que a
primeira coisa a ser feita e o agrupamento dos latos.
I lá, 110 entanto, uma característica que distingue as ciências sociais que
trabalham sobre testemunhos das que o fazem sobre fenômenos presentes. I-
é que aquelas não podem produzir suas fontes. O historiador, salvo no que se
refere à história do presente, não pode construir suas lonies, tem de se valer
das <iue existem. O historiador não pode preparai pesquisas de opinião, nem
pode “fabricar" documentação, fora dos procedimentos da história oral. A
descoberta das fontes é, portanto, o primeiro trabalho de observação. Mas as
fontes não podem ser descobertas senão a partir das hipóteses prévias. As m o­
nografias históricas investigam problemas, assuntos, parcelas da realidade e
deve-se buscar as fontes que possam dar noticias a respeito dc perguntas con­
cretas sobre instituições, pensamentos, mudanças sociais, etc. Uma fonte his
tórica é fonte "para" alguma história; mas uma mesma fonte, indubitavelmen­
te, pode conter informações para vários problemas ou pode ser interpretada
de diversas formas.
A confrontação das hipóteses com os latos, e vice-versa, conduzirá a
pesquisa para a acumulação de 11111 conjunto importante de ‘dados” sobre al­
guma realidade que aparecerá cada vez mais definida e delimitada. Esse un i­
verso dos dados poderá ter sido melhorado, otimizado, com a aplicação de d i­
versas/tWai.« de trabalho,qualitativas ou quantitativas. Mas uma questão ini
portante, porém, que o pesquisador não pode nunca perder de vista é um
axioma sutil acerca da relação entre Informação c explicaçtio de um fenômeno
ou de um processo: o aumento linear da informação sobre 11111 determinado
tema se transforma também linearmente em uma melhor compreensão a seu
respeito?; a explicação de uma realidade é estritamente proporcional ã infor­
mação acumulada sobre ela?
A relação que buscamos é bastante complexa e para estabelecé-la é pre­
ciso determinar primeiro a qualidade da informação recebida. Mm princípio,
pode se estabelecer que até um determinado nivel de conhecimento o aporto
de “dados” contribui linearmente para o incremento do conhecimento do as­
sunto, mas 0 partir de certo limite, que cm cada sistema aparece em um mo-

-181
PiM i' S
i )• ih i o m it iu ' tii> u n lu i

menlo diferente, quando se traUi de continuar coin a reunião de fatos redun­


dantes, lal informação i.i não enriquece o conhecimento se o curso da pesqui­
sa não passar para uma lase qualitativamente distinta, a da organização siste
mática ile tais ciados de acordo com critérios que já uao são exclusivamente
empíricos e a de aplicação de conhecimentos formais e de confrontações de
evidencias já adquiridas. O pesquisador da história, da sociedade em geral,
tem ile levarem conte» que uma imensa acumulação de dados tem um limite
a partir do qual já não é produtiva.
() método de explicação. O desfecho lógico do processo de uma pesqui­
sa é, como já afirmamos, a construção de uma explicação. À explicaçao histó­
rica já dedicamos um espaço importante nesta obra e não é preciso insistir no­
vamente em sua conceituação e problemas.1'' Acentuemos unicamente que se
a historiografia não pode ser resumida no relato histórico e se a explicação da
história, como sustentamos, deve se situar na tipologia das explicações agen-
cial-estruiurais, o que cabe propor <: que a forma de expressão do discurso his­
tórico tem de coincidir, em maior ou menor grau, com o que podemos cha­
mar de proposição argmncntativa. Ou, de outra maneira, que o discurso será
um conjunto de proposições onde se argumente, com as evidências disponí­
veis, com a construção de modelos explicativos, se ha lugar para isso, a necessi­
dade de que as coisas ocorram como ocorreram e a possibilidade de que uma
determinada realidade apresente traços que podem extrapolar até chegar a
proposições com maior grau de generalidade —elaboradas por procedimentos
comparativos.se for possível.
A explicação histórica é, como qualquer outra, mais um processo, uma
cadeia de argumentações ordenadas, do que uma única proposição acabada.
Mas tem de contar com esta última uma qualidade: uma explicação deve mos­
trar o processo metodológico que a produziu. A própria explicação, ou um es­
boço dela, não e> pois, uma simples proposição final mas sim um processo que
mostra suas fases. Não basta dizer o que sabemos mas é também preciso dizer
como o sabemos.
Essa cadeia que compõe a explicação adota geralmente a forma de ex­
posição que segue o caminho
relato - argumentos -» generalizações - explicações

II) C f. lio s s n i.t p il iiln t>.

•182
( iijiiluii' K
I > p r iv e « !» d i.'l.v /.'A v iV i'
I- i i «Av i t //iiV■WI h a l i ’ r i t it

e c|uc pode orientar a construção de uni texto. Pretender que é possível


a passagem .i generalizações do tipo de uma “lei" c, hoje cm dia, certamente»
uma presunção injustificada, como sabemos. Um livro de história deve 1er es­
ses très elementos: relato, argumentação e generalizações, mas o historiador
pode e deve dispô-los de acordo com seu julgamento, de maneira que as con­
clusões, o produto pesquisado, possa ser melhor comunicado. (> sistema clás­
sico de relato de ‘'fatos”, seguido de julgamentos sobre eles e que culmina em
determinadas conclusões, pode ser considerado hoje como uma simplificação
factual imprópria c insatisfatória, mas indica uma ordem natural.
O caminho inverso é igualmente plausível. A história pode ser explica­
da “ao revés", no sentido contrário ao desenvolvimento do tempo, e também
uma história pode começar expondo as mais perfiladas generalizações e racio­
nalizações que o historiador possa construir, para chegar finalmente à descri­
ção dos elementos mais pormenorizados da situação histórica considerada.
Dito de maneira sintética: uma explicação sistemática da história obri­
ga .1 adotar um sistema expositive baseado em proposições argument.uivas,
mas este não pode prescindir de todos os elementos descritivos que sejam* ne­
cessários e isso faz com que, do ponto de vista estritamente metodológico, seja
preciso articular como "produto llnal" do historiador, um texto, um discurso
escrito que tropeça em «videntes dificuldades para expressar cssc“sisleinismo
argumcnlalivo”. O produto final da historiografia tem como veiculo pratica
mente .exclusivo, ainda que em alguma de suas parles com outras possibilida­
des, a-linguagem verbal. A historiografia, como a maior parte das produções
das ciências sociais, se expressa em textos, não em equações, nem em diagra­
mas, nem em software ou em melalinguagens. Da natureza do discurso histo-
riográlico também iá talamos. No terreno absolutamente mais pragmático do
processo metodológico, a questão agora é como se compõe mn livro r/c história.
À exposição. Uma exposição de determinado sucedido histórico através
dos recursos habituais da linguagem verbal tem de manier um elevado nível
de relação com o discurso em forma de relato, assunto ao qual já nos referi­
mos. Mas a articulação de um relato, por mais que se pretenda outra coisa,
não explica a história, não a racionaliza. Um relato apresenta o como das coi­
sas, mas não explicita os por quês. Relato da diacronia histórica, sim, mas, se o
que se tem como objetivo e a explicação dos “estados sociais", e preciso propor
uma visão das estruturas ocultas das situações históricas e argumentar sobre

*183
M/r*' J
i>> i n t l n i / i w i i o í il, \ iW iih . v lll<U >rii'ti

sua origem, seu alcance e sua evolução ate a criação de novos estados que pos­
sam sei' distinguíveis dos anleriores. A questão metodológica alude à forma
pela qual <> historiador pode apresentar relatos e argumentações perfeitamen­
te ai ticuladas em um discurso textual; em conclusão, em uma obra ou livro ou
em outro suporte material onde a comunicação, certamente, se faça em lin
guagem natural.
O fato de que uma situação histórica se apresente mostrando certas
realidades “sistêmicas”, irredutíveis a outras mais simples, que são continua­
mente pei turbadas e que, portanto, mudam, em forma de sistemas que atra­
vessam estados sucessivos, e a razão da principal dificuldade, mas também é a
chave, para a exposição da história. A linguagem natural, lalada ou escrita,
pode descrever um sistema social e seu comportamento através tle muitos ca
minhos diferentes. Pode lazer alusão primeiro aos elementos, depois ãs rela­
ções simples, aos subsistemas e, por último, à entidade global do sistema con
siderado. Mas pode também seguir o caminho inverso: expor o modelo, seja
verbal, seja formalizado em maior ou menor escala, com o auxilio de outras
linguagens não naturais - matemática, gráfica - , seja por uma utilização con­
junta de todos eles, para passar depois a descrição e a argumentação relativas
a subsistemas, relações e elementos. Um e outro caminho são válidos. A difi­
culdade se encontra em como conjugar sincronia e diacronia, enquanto que,
por outro lado, as necessidades do discurso argumentaiivo obrigam a separai
dois grandes campos: o livro de história geral e a monografia lemática, aos
quais jã nos referimos.
O problema c como representar em um texto, em um discurso que é
por delinição seqüencial,.os uiveis de atividade enlaçados sistematicamente e,
rfesse sentido, sincrônicos, que articulam a mecânica social e que aluam de
forma absolutamente inter-relacionada, circular, que estão co determinados:
economia,dinâmica das populações, grupos sociais, exercício do poder e do
minação, criação ideológica, ecologia, equipamento material e produção inte­
lectual não são meros estratos descriiíveis e separados na realidade, senão que
téin muito de abstrações metodológicas que para entender a realidade aplica­
mos a seu estudo. Todas as instâncias ou níveis ou setores da vida social estão
estreitamente co-rciadonados, co-delerminudos. Recursos materiais, grupos
sociais, hegemonias políticas e ideológicas, simbolismos culturais, criação
científica são, em uma determinada conjuntura social e histórica, elementos.

181
de falo, inextricáveis, Assim, por onde começar a descrição histórica do com
porlumenlo de um determinado conjunto humano em busca da exposição de
uma hiV/cfr/d £cm/ sua?
Esse problema é especialmente verificado nas histórias gerais, mas cm
outro nível é detectável em qualquer tipo de história sistemática. Um livro de
história tem diversas parles e nele de alguma maneira hão de se integrar rela­
tos, argumentações e proposições generalizadoras. Existem boas exemplifica
çóes das dificuldades que se apresentam para uma articulação suficiente da ex­
posição do histórico e de como se resolvem permitindo-nos ver os sistemas .1
pai lir de iodos os ângulos de sua inteligibilidade. Existem várias obras de dife­
rente disposição e resolução que exemplificam modelos singulares de exposi­
ção da difícil articulação da história. O célebre estudo de Braudcl sobre o Me­
diterrâneo na época de Felipe II e um modelo paradigmático. Mas essa maes­
tria pode também ser vista em Mommsen tratando da história de Roma, em
W ilold Kula e o feudalismo polonês, em l. Wallerstein e o moderno sistema
mundial, em C. Ginzburge o mundo simbólico de um moleiro do século ló...‘
O relato histórico simples pode ser assimilado ao que a descrição dos
fenômenos, sua caracterização, sua laxonomização, representa cm qualquer
método' da ciência social e, inclusive, da natural. O nível da descrição é logica­
mente anterior ao da explicação, mas a metáfora existe sempre em lodo discur
so cientifico. l ’m livro de história tem de descrever - relatar - e leni de expli­
car - argumentai - . I 'm livro de historia é, em último caso, um discurso sub­
metido à lógica da comunicação, discurso que é descritivo e argumentativo. A
“argumentação” é o que dilerencia tal discurso do relato.
Um livro ile história descreve um sislema, dizemos. A descrição e expli
cação de um sistema devem basear-se na apresentação do elemento ou na re­
lação siffiificaiimi, na variável, na relação entre variáveis ou na relação entre os
subsistemas, que permitam explicar melhor como se cria, relaciona, mantém
e destrói tal sistema. A chave esla na descoberta da variável ou da relação bá­
sica. determinante. A descrição tle uma historia pode começar por qualquer
lugar e nela empregar a metáfora. A argumentação deve estar, 110 entanto, su­
jeita a uma lógica estrita. Um livro de história pode ser escrito de qualquer

1 1 Tík I.is essas ohr.i.% e s ta « d istan tes d o relalo seqü encial.

485
IlHIÍ.1
• I' , l , i , 1/ i M h 1 f i h f d r i i 4«

maneira. Pode começai pela política ou terminar nela. O que não pode fazer
é descrever sem argumentar ou argumentar sem d escrever.
A história que se escreve lem de captar o histórico. Dizer isso não é uma
obviedade, porque o mero relato baseado cm lontcs nao expressa por si mes­
mo o hislórico. Desde a história geral à micro-história, desde a história total à
biografia individual, o que define a historicidade própria de uma situação ê al­
guma variável especialmente significativa. Km torno dela o historiador tem de
construir seu “ produto”. As demais coisas são matei iais para o edifício; são im ­
prescindíveis para a edificação, mas não o sustentam.
/ lislória abato: a í explicações cm cinuraste. ( lo mo podem sei ionfronta-
ilas as explicações históricas? F.ntre aqueles que não conhecem suficientemen­
te a forma de operar da ciência, muitas vezes produz escândalo a situação fre­
qüente de discordância palpável entre as “explicações” as “ interpretações" os
juizos em geral que diferentes pesquisadores podem dar de latos que logica­
mente não podem ter mais do que uma realidade unívoca. A razão pela qual
rem ando V II, rei de Espanha, em setembro de 1832, contradiz suas disposi
çòes anteriores sobre a sucessão de sua filha Isabel, para declarar herdeiro do
trono seu irmão Carlos, seja uma razão simples ou complexa, não pode ser
iiia if tio (jtic uma. Mas deste, e de outros muitíssimos episódios históricos, mí­
nimos ou complexos, as testemunhas e os historiadores têm dado explicações
muito diferentes. O que isto significa?
Alguns autores, pouco documentados na maneira de funcionar a expli
cação na ciência têm falado de um específico “ relativismo histórico", manifes­
tação do “ relativismo cognitivo”, que se expressaria na idéia de que “c muito
comum em história, ainda que não seja exclusivo dessa disciplina, encontrar
versões radicalmente diferentes de um mesmo acontecimento”.1-’ Hssa afirma­
rão é estimulada de certa lórma pelo que poderia pios chamar a "síndrome
Schaff"." Para responder adequadamente conviria partir de um lato bem es-

12 CARRKTERQ M.; LIMÓN, M. Àporlacinnes de I.i psicologia cognitiva v de l.i ins-


iruccion .t l;i ensenan/a de la historia y las ciências soeiales. Apmulizaj?, 62/ 63,
|>. 162- 163, 1993.
13 |.í comentamos antes o espado dedicado por SCHAFF, A. Hisiotlu y Ynihul. Méxi­
co: Grijalbo. 197*1. p. ‘>-72 á analise de como os historiadores nu uca se puseram de
acordo sobre <i> da Revolução francesa. Mas Schaff ao menos entra no pro
Mema das causas...

486
( llfllul,’ H
( *Ji/iSVW i»
(■ií i)íiii'i>i/i>7iiilfí)i' (MMi

tabelecido na metodologia da ciência: um mesmo conjunto de dados pode satis-


fnzcr diferentes explicações. F o problema permanente de como ordenar estrei­
tamente a explicação com os latos. Isso nao ocorre, de modo algum, somente
com a explica^áo da história. Um conjunto de fenómenos pode ser explicado
de diversas maneiras, sem que possamos dizer de nenhuma das explicações
que ela seja falsa. Mas, sem ilúvida, existem explicações melhores do que outras.
Que de uma mesma situação histórica existam interpretações diversas é o
mesmo que ocorre em outras pesquisas, e nao digamos na social, em geral.
Não há nenhum grande processo - n.u) acontecimento- histórico que não seja
objeto de controvérsia em sua “ interpretação”.
K errôneo pensar que a disparidade de explicações da realidade de seu
próprio campo, que se apresenta sempre dentfo das disciplinas, é um sinal de
sua debilidade. Convém assinalar que a disparidade, o contraste, o debate, a
agressividade, inclusive, entabulada entre diferentes explicações da realidade,
não somente é comum e normal em todo tipo de ciências, incluindo, obvia­
mente, as naturais, senão que constituem um pressuposto inevitável para o
seu próprio progresso. A confrontação de explicações é essencial no desenvol­
vimento cientifico.
Nas ciências sociais a questão possui vertentes muito peculiares, às
quais ja nos referimos falando das dificuldades especificas que a explicação
das realidades sociais tem, cujos quadros completos de componentes nos são
mal conhecidos até o dia de hoje. Iodos admitimos que um fenómeno social
é mais difícil de submeter a, ou enquadrar sob, uma explicação completa e su­
ficiente, que possa ser perfeitamente contrastável, do que a generalidade dos
fenômenos naturais. Na escala do natural ao social o aumento da comple xida­
de é um lato estabelecido.
Na historiografia é normal que se apresentem diversas "interpretações'
para fenômenos ou conjuntos de fenómenos. Com o elegei a correia? A meto
dologia da ciência tem resposta para islo. A melhor interpretação é aquela que
explica mais coisas, que leva em conta um número maior de elementos e que,
ao contrário, tem a arquitetura mais simples, mais sem artifícios. Uma inter­
pretação que leve em conta um grande número de elementos pode se conver­
ter em uma explicação satisfatória. Ei o será igualmente aquela que estiver
apoiada por unia maior evidência empírica. Quais são as causas da queda do
Império romano? Existem há muito tempo diversas maneiras de ver o lenô

487
tíurr.t
( h Íi) íllU H H t)li>> ih l Il in l l it c I l i/ U i r i iiJ

meno. Algumas objetivam encontrar causas simples e poderosas: a demogra


fia, o esgotamento dos solos. Outras, mais distendidas e “ visíveis": .1 invasão de
povos estrangeiros» etc. Rssas conjeturas deveriam ser apoiadas por uma evi-
dência empírica, por ihulos, de enorme abundância. Nenhuma dessas explica-
ções básicas pode ser desprezada, Provavelmente, a melhor delas e a que, sem
excluir as demais, estabelece com clareza o papel hierárquico das evidências
110 fato que se pretende explicar.

UMATIiORIA DA DOCUMF.NTAÇÀO
HISTÓRICA

Buscamos descrever de forma muito sistemática um modelo de proce­


dimento de pesquisa empregado pelo historiador. Nãòé demais insistir nova­
mente 110 lato de que toda pauta metodológica dever sei’ bastante aberta em
suas prescrições. Ainda que, como também afirmamos repetidamente, ne­
nhum método garanta a verdade, a falia dele torna a impossível.
O conhecimento histórico como qualquer outro se constrói com infor­
mação e conceitos* com observarão e com pensamento formnl, estando ambas
as coisas ligadas dialeticamente. Fm conseqüência, são dois os assuntos de que
todavia restam aqui tratar: a aquisição de informação histórica e os instru­
mentos operativos conceituais mais apropriados para penetrar na realidade
do histórico. Isso quer dizer que será preciso falar primeiro das fontes da h is­
tória e depois das categorias que emprega o historiador, sem que haja alguma
presci içá o sobre que coisa deve preceder a outra. Fm último lugar, é itnpres
cindíVel, além disso, que disponhamos de técnicas que permitam obter infor­
mações nas melhores condições e nos permitam a análise mais liável.
A tradicional consideração das “fontes da história" como as referidas
quase exclusivamente á documentação original de arquivo deve ser indiscu­
tivelmente substituída hoje por sua concepção e tratamento muito mais am ­
plo. ainda que como parcela especifica, dentro do campo da documentação.
A tradicional '‘fonte de arquivo', que foi a peça essencial da documentação
histórica na tradição positivista, e que veio ocupar o lugar da história que se
compunha sempre a partir de relatos históricos anteriores, é hoje um tipo a

•188
(.lí/Xíl/íi* s
I •(IfllT-UlI I
r.i |A'||ÍI/||7I/|A,|)|I

mais, e não necessariamente o mais importante, entre os meios de inform a­


ção histórica.
Justamente uma das características mais destacadas do moderno pro­
gresso da utilização da documentação histórica e a concepção cada ve/ mais
disseminada de que '‘íonte para a história’' pode ser. e de falo é, qualquer tipo
de documento existente, qualquer realidade que poss;i aportar gm testemu­
nho, vestígio ou relíquia, qualquer que seja sua linguagem. Nesse sentido não
é pequena a contribuição das idéias dos primeiros representantes da escola
dos Aimules, de um dos quais, l.ucicn Febvrc, são estes esclarecedores parágra­
fos: “ Há que se utilizar os textos, sem dúvida. Mas íoilos os textos. I; não so
mente os documentos de arquivo em favor dos quais criou-se um privilégio...
Também um poema, um quadro, um drama são para nós documentos, tesle
munhos... Kstá claro que há que se utilizar os textos, mas não exclusivamente
os textos...”."

A “ in t o k m a ç AO i iiS T o R io c iiiÀ t ic a ” : a s ro N T i s

O termo infonmiçào historiografia] parece o correio para expressar ade


quadamente a problemática atual das fontes históricas. A expressão deve ser
distinguida da “ informação histórica”. Esta última pode ser entendida em,sua
acepção de conhecimento e difusão, da liislói ia escrita, elaborada, do produto
da historiografia, que chega ao público na forma de livros, textos diversos, co­
leções gráficas e outras obras ou suportes - vídeo, cinema. A expressão “ infor­
mação historiográfiea" pode compreender com menor dificuldade e com me­
nor possibilidade de equívocos a idéia das informações “primárias”, os teste­
munhos, os materiais de observação a partir dos quais o historiador estabele­
ce a síntese histórica.
Podemos adiantar desde i;í que o irahalho da pesquisa histórica, do
ponto de vista de suas fontes, tem dois momentos: n) a definição do assunto a

M L. F ch v re, < '.onthmes. p. 2 ') 31). T ra ta -s e »te u n i a r tig o d e g ra n d e in té re ss e ,“ D e ISl>2


•i 1 9 3 3 . E x a m o tic co n scié n cia (le « n i h isin ria d o r”. O te x lo e, c m aiguillas tic su.i>
passage»*, uni v cid a d e iro in a n ife s to c o u lr.i .i c x c liis iv id a d c c « li-iichism n d o an | iii-
vo. i A s cu rsiv as sa o d e i c h v re .)

489
rtlrtc }
< >• iitstruitimhn iíy o m J i V J ií W i n f c i

p esq u isaib ) a busca das fontes de informação. Quer dizer, é o problema o que
condiciona as fontes e nao o contrário, ao menos em um correio enlendimen-
lo do que é o progresso dos conhecimentos. A expressão “informarão histo-
riográfica” congregaria bem, poriailto. a idéia de fonte da história. A informa­
ção sobre, e a documentação de, um problema é um passo subseqüente, não o
primeiro, em todo início dè um projeto de pesquisa.
Provavelmente em nenhum outro terreno foi tão patente o avanço da
historiografia na segunda metade do século 20 como nas novas idéias sobre as
Ibmes da história. Cm nenhum outro terreno ficou tão obsoleta a velha pre­
ceptiva de tradição positivista que, no entanto, em alguns de seus tópicos e
oricnlaçoes tem chegado a nossos dias. A extensão do conceito de lonle, a ca­
racterização dos objetivos, a necessidade e as técnicas da “crítica de fontes“, a
conccitilação das “disciplinas auxiliares” que têm sido o apoio tradicional do
historiador para a interpretação das fontes mudaram radicalmente. Foram ar­
ruinadas três velhas concepções: a das fonte.c da história e sua critica como a
origem de toda pesquisa; a distinção entre lontes primarias e secundarias; a
concepção tradicional das ciências auxiliares da história.
As idéias de informação e documentação na pesquisa são hoje essenciais
no uso das fontes na pesquisa, dada a enorme variedade delas que é possível
utilizar. A informação histórica c algo mais do que a mera “ leitura" das fontes
e a transi riçào das noticias que proporcionam. A informação é um demento
permanente do método. A tradicional "critica das fontes" deve ser vista a luz
da idéia de “depuração da informação”.

O c o n c e ito d e “ fo n le ”

Marc Bloch dedicou lodo lim capítulo de sua clássica Apologia.da his
tõria á questão dá “observação histórica" e a mostrai que a pretensão de que o
presente é aquela fase temporal que tem o privilégio único de poder ser obser­
vado diretamente não é de todo verdade. A coincidência com o passado neste
ponto repousa no fato de que o que entendemos como “presente” tampouco
é de maneira absoluta observável diretamente. Reciprocamente, a observação
do passado, ademais, não se distingue sempre da que se faz do presente. Toda
a velha lese de Seignobos acerca da impossibilidade de uma “observação" da

•190
<*pHKffSi»Hh'ttohMftln'
7
••I l l U lU W H M f'iH ’ ifl<Mrii l

história» sobre a qual se basca ri.1 a absolula singularidade ilo conhecimento


histórico, tem, portanto, ponta base.
Sobre que informação, ou que evidência, se baseia o conhecimento his­
tórico, sobre que materiais o historiador constrói seus dados, è uma questão
cuja importância nao necessita ser ponderada. Hm conseqüência, é um assun­
to que requer um tratamento especifico. A idêi.i de fonte adquire sua impor­
tância fundamental quando se repara que em todo conhecimento lia sempre
algo de exploração de “pistas". Km historiografia, certamente, isto tem uma es­
pecial relevância, mas nao está desprovido de sentido em nenhum outro tipo
de conhecimento. Ponte histórica seria, cm princípio, todo oipicle material,
instrumento ottferramenta, símbolo ou discurso intelectual, {fite procede do cria­
tividade humana, através do tjual se pode inferir algo acara de uma determina­
da situação social no tempo.
Uma definição de tal tipo indica já de início o caráter extremamente
amplo e heterogéneo de uma entidade como a que chamamos "fonte".
Talvez, a diferença substancial entre <» acervo documental que lega a
história e a documenlaçao utilizável por qualquer outro tipo de pesquisa so
ciai é a finitude irremediável de tudo o que é documentação tia humanidade
no passado. As fontes históricas são teoricamente finitas. A questão é se são
conhecidas ou mio. No entanto, disso não se deduz em absoluto que a pesqui­
sa de algum momento da história possa ser delida pelo esgotamento das lon
tes. Como já afirmamos, nem a pesquisa histórica nem nenhuma outra de­
pende exclusivamente do aparecimento de fontes de informação, senão de ex­
plicações cada vez mais relutadas.
Carecemos de uma bibliografia a altura das exigências atuais sobre a pro­
blemática das fontes e a crítica das fontes. Existem as numerosas obras de tradi­
ção positivista ás quais já nos referimos, mas a tradição positivista só é supera­
da de forma aparente, apesar da contribuição essencial que a historiografia dos
Amialestoi\ as correntes quantiliilivista e marxista deram ao próprio conceito de

13 BLOCII. M. lutrothfccMÎn «■la Instortu. Mexico: K.'fc, 1952. p. 2-1cl seq.


If> Asile l>roysen,Meyer, I .uiylois Seignohos, liernheim, flâner. Halphen, ll.ilkin,I’.
S,ilmon, fie. entre ,in île Ir.ultç.ïo positivisl.i. De mur« c.ir.Hoi sao as <le Herr.
l’ioch. Topolsky, C»rdoso-Pére/ Urigiiôli on Vilar. Mas veja-se, em toilo cas«,a I*i
hliograila linal.

<191
Mi/tf J
O-i'ii.'lKti/U'i/Miihl ilIftífrV(lifhirioI

fonte. Entretanto, a arquivística e os técnicas da documentação, em um amplo


espectro, progrediram de forma espetacular nos últimos decênios e tais progres­
sos não podem, de lòi ma alguma, deixar de ser conhecidos pelo historiador.
A idéia tradicional dc "fonte histórica" deve ser reformulada no contex­
to mais adequado da idéia de iitforimiçdo tlàaunvnUÜ. As fontes para a histó­
ria têm uma procedência bastante variada. O arquivo histórico constitui hoje
um dos repositórios fundamentais da documentação histórica, mas as fontes
históricas não têm, dc modo algum, exclusivamente, essa procedência.' Isso é
especialmente pertinente em setores cronológicos da história geral como po­
dem sei a história antiga para a qual não existem arquivos no sentido habi­
tual desses organismos - ou a contemporânea, que tem de fazer uso de fontes
de outras muitas procedências.

U ma n o v a t a x o n o m ia das io n t i -s h is t ó r ic a s

A própria ampliação do conceito «le fonte, a extraordinária generaliza­


ção das possibilidades de exploração de objetos materiais ou de realidades in ­
telectuais tomo fonte de informação histórica, a extensão do campo tia reali
dade que os historiadores exploram habitualmente, faz com que as velhas con­
siderações sobre o caráter, crítica e uso das fontes históricas sejam hoje quase
sem serventia. Uma das questões prévias, portanto, para todo estudo profun
do das fontes históricas é a de estabelecer uma lnxoiioiniti adequada e sulicien
te das diferentes variedades de fontes possíveis.
À iliisiilhaçíio ou Utxotwmiti das fontes podem ser aplicados critérios
muito variados. É preciso encontrai critérios de classificação que permitam
referir-se globalmente a todas as fontes possíveis, seja qual for sua precedên­
cia, suporte e aspecto, mas, sobretudo, é preciso que tais critérios sejam úteis
para algo que resulta ser imprescindível em todo tratamento das fontes histó-
ricas: sua avtiluiçào. Daí que o recomendável seja precisamente o estabeleci
mento de vários critérios classilicatórios,

17 Duas ohras de- iiucrcssesohrc ,i .signiOca^io e .1 milidadr do anjuivcic FARGE, A. I.ti


titrauitUi tlcl tinliiiv. Valniua; Allons d Maj?n.mim, 1991; FUGUERAS, R. Albert;
MUNDET» |. K. Cru/. Arcfiivesc! Io* tltK'liiih’tHtis ilt‘l jiotlcr, el fintier </r las t/iitwncii-
h». Madrid: Alian/.i. 1999.

492
<ilfl»u i.f .V
4
< ) flU W Í > Ml» W l>%h'<l
,-,l./><.!,’Il. in,!,.h' /iM.in,v

Os critérios taxonômicos

l)c lato, mua taxonomia complota das tontes de informação histórica


só é realizável por meio da combinarão dc pontos dc vista, dc critérios, dife­
rentes no tocante à distinção e a avaliarão t\ linalmenle, ao l i s o i|ue o pesqui­
sador fará de suas fontes. C possível atender, ao menos» a um critério básico
quádruplo. As foules podem sei localizadas em uma classificarão de acordo
com os critérios seguintes, expressos sem ordem dc preferência:
G k i íf.Kios t a x o n O m k i o s :

Posicionai (foules diretas ou indiretas)


Intencional (fontes voluntárias ou não voluntárias)
Qualitativo (fontes materiais ou culturais)
Formal-qnantitativo ( fontes seriadas ou não seriadas e «no seriimr/s)
Essa taxonomia permitiria nma variarão, antes formal, <|ueatenderia ã
posição, à intenção, a informação quantitativa c ã infonnaçao qualitativa. Tudo
isso poderia ser expresso graficamente no seguinte quadro:

Quadro 7 - Critérios para a classif icação das fontes históricas


i________________________ !---------------------------------------
d ire ta s

C rité r io p o sk io n a l

in d iretas

vo lu n tárias

C rité r io in tencional

n.io volun tárias

n arrativ as
m au -riais, a rq u e o ló g ica s escritas
n ao narrativas
C rité r io <|ii.ilii;itivo verbais
o rais
cu ltu ra is
.sem iológicas
não verbais
au d iov isu ais
seriad as (seriáveis)

C rité rio
lo rm a lijiia iitita tiv o
n a o seriad as I n a o seriáveis)

•193
<>*/uttrumrnhn ih in/tlliff i|t'jí<irir«i

A s C A R A C T E R ÍS T IC A S T A X O N Õ M IC A S d o s T I P O S D E r-O N J ES

A classificação por critérios específicos que têm que ver com a nature­
za interna das fontes e não meramente com a forma em que serão "lidas”, ou
seja, pela forma como dela é extraída a informação - escritas, orais, arqueoló­
gicas, etc. permite uma grande flexibilidade. Assim, um exemplo de classifi­
cação por aplicação simultânea dos quatro critérios poderia irazer-nos uma
fonte que fosse, por exemplo: nialcritil/invohtntària/seriada/direta* com o qual
nos encontraríamos, justamente, frente a um dos melhores tipos de fontes
imagináveis, ou verbal/nilo no n u l i va/serit tdo/indirclo, que corresponderia a
um tipo de fonte como a judicial, aplicável, por exemplo, ao estudo da evolu­
ção da linguagem oficial. Fm suma, esses critérios, e as correspondentes cate­
gorias complexas que deles se depreendem, têm antes de mais nada um valor
técnico ao favorecer de modo especial a observação* erllico e ovalioçõo docu­
mentais, que é do que se trata. São, como dissemos, critérios combináveis na
busca da correta localização de uma fonte.
A classificação das fontes tem interesse também, ao menos, pelo crité­
rio orientador que facilita a busca tias fontes adequadas ao estudo de determi­
nadas situações históricas, levando-se sempre em conta que o ideal de uma
grande pesquisa é o uso das mais variadas fontes possíveis e a confrontação
sistemática entre elas. Ainda assim, seria possível encontrar, é claro, fonte de
classificação duvidosa ou impossível.
Além disso, uma classificação de fontes que se lim itar a distinguir entre
materiais ou arqueológicas e todas as demais - o que não é raro - teria por si
mesma uma utilidade técnica bastante limitada. Uma boa taxouomia das fon­
tes não é, afinal, uma coisa fácil. Qualquer classificação coloca sempre proble­
mas que mostram quão decisivo é o próprio critério do pesquisador 110 mo­
mento de se m unir tle uma documentação idônea para o estabelecimento de
conclusões. Assinalemos, pois, as características fundamentais dessas classifi­
cações e algumas das dificuldades quanto aos critérios de classificação.

O c r ité r io p o s ic io n a i

Fontes diretos e fontes indiretos. O assunto-chave implicado no critério


posicionai se refere justamente ã questão das fontes diretos e indiretos que.

•191
OJUdrtYí««
«•,i i/iuiiiUí>iiii,iU>tíáhnwi

uniu vez mais, podem ser interpretadas lambem como primárias ou secundá­
rias. Como eslahelecer o critério distintivo? Segundo a procedência da fonte,
seu conteúdo, o grau de relação com o núcleo central do pesquisudo? L-.m his­
tória agrária, por exemplo, imagine-se .1 diferença entre um cadastro d;i pro
priedade agrária e uma informação sobre as festividades rurais em relaçáo ã
colheita tios frutos.
A distinção entre fontes iliretas e indiretas resulta bastante clássica. Mas
em sua forma clássica essa distinção era aplicável mais à natureza do testemu­
nho contido na fonte do que ã própria categoria de fonte. I ma fonte classifi­
cada de direta era um escrito ou relato de alguma testemunha presencial de
um fato, de um protagonista» de uma documentação, às vezes, que emanava
diretamente do ato em estudo. Uma fonte indireta era uma fonte mediada ou
mediatizada, uma informação baseada, por sua vez, em outras informações
não testemunhais. Hm suma, tratava se de 11111 critério classificador aplicável
aos escritos em forma de crónica, de memória, de reportagem. As fontes eram
de um ou outro tipo segundo a forma como a informação era reunida, segun­
do a "proximidade" da fonte cm relação aos fatos narrados.
Mas hoje a categorizaçào direta/indireta, sem abandonar de todo essa
noçao referente ao grau de “originalidade** - informação, diríamos, de prim ei­
ra mão ou não deve atender primordialmente â funcionalidade on idoneida­
de i/u uma fonte em relação ao tipo «le estudo que se pretende. Desloca-se as­
sim o critério de classificação da natureza da inlormaçao para 0 tipo de pes­
quisa que se pretende. Dessa forma, fontes podem sei direta* para um deter­
minado assunto e indiretas para outro. Assim, certos dounnentos históricos
mostram uma extremada poli valência. As vidas de santos informam sobrem
do a respeito do simbolismo religioso, posto que visam “edificar" o fiel. mas,
ao mesmo tempo,.são uma fonte inestimável sobre o^> costumes de uma épo
ca. por exemplo. Esse critério de classificação das fontes, portanto, da mais es­
paço aos conceitos relac ionados com a pertinência metodológica do que à for
ma de reunir a informação.
Por fim. o critério posicionai nos leva ao problema do carálei das fon­
tes em relação aos períodos históricos dos quais tratamos. Cada período tem al­
gumas fontes inteiramente típicas. Compare-se a questão das fontes antes do
surgimento da escrita e depois, ou o tipo de fontes históricas que geram as so­
ciedades pré-indusiriais em reluçao com as industriais. Por isso, em conclusão,

495
f'iirh' .t
( h i «SflW W M ft»» '/•! r im i/ iff fIW/iHWW

<1 tooriu das fontes segundo critérios posicionais nos leva a contemplar as tou­
tes históricas estreitamente ligadas à história que se pretende pesquisar.
Por l'un, uin assunto bastante clássico relacionado com a classificação
posicionai é o dessa posição em sentido cronológico. A “proximidade” ou “dis
tanciamento" de um determinado tipo de fonte em relação à situação de que
Iratam impôs à historiografia tradicional o imbróglio da distinção entre docu­
mentação e bibliografia, ou entre fontes prim árias e secundárias. P., no entan­
to, essas diferenças não obedeceriam na realidade a um critério posicionai,
mas antes intencional. “ Documentação” é a informação não elaborada, não
discursiva. “ Bibliografia" deline melhor o contexto científico, o “estado da
questão", tut qual nos movemos. Assim, coloca-se o problema: uma crónica é
documentação ou c bibliografia? Tem algum sentido empregar aqui um crité­
rio cronológico como distinção e ajuda à classificação? Parece claro que não.
A distinção deve ser estabelecida entre o que é crônica testemunho ou o que
é estudo historiográfico.

O critério intencional

hontes testemunhais e fonte* não testemunhais, São precisamente algu­


mas observações feilas pot Marc Blocli em seu livro clássico as que permitem
lixar um dos grandes pontos de vista para discriminar no campo das fontes
um carátei que e básico em sua avaliação: o chi voluntariedade, As formas
como foram gerados os testemunhos com os quais o historiador trabalha, se
voluntariamente ou de maneira não prclcndida explicitamente, vão fazer com
que seu caráter seja considerado, em princípio, inteiramente diferente. Ou,
dito de outra forma, é radicalmente diferente que uma criação humana tenha
sido concebida como “ testemunho histórico” ou que, ao contrário, tenha sido
produzida 110 curso de uma atividade e finalidade sociais que não têm, em ab­
soluto, o caráter testemunhal como horizonte: Por isso chamamos aqui teste­
munhais as fontes que procedem de um ato intencional e não testemunhais as
fontes involuntárias. Hm função dessa primeira distinção ó possível elaborai o
seguinte quadro.

•1%
( Ji/víi/fi* K
0
i >/>nvt’M <i.viixA'A'i>t'
.i iSuwiiaih\thi huMiUii

Quadro 8 - Pontes históricas segundo sua intaicionalidade

Intencionalidade Qualidade Classe

C o n s tru ç ã o su n tu o sa
M ateriais L íp id e s e artos fúneb res
E statu ária c o m e m o ra tiv a

In ten cio n ais


(tcstcim iiilia is)

In scrições
C rô n ic a s ,., n iem ô r ias
C u ltu ra is E p o p eia... «pica
A n ais... c ro n o lo g ias
to rn e s o ra is

t-ONTES
U ten sílios
M o b iliá rio ... Enxoval
M ateriais N u m ism ática
A rq u itetu ra civil e m ilitar
O u tro s vestígios m ateriais

N'.io in te n cio n a is
1 ii .Ui te ste m u n h a is)

A d m in istra çã o estatal
C u ltu ra is D o cu in c u fa ç a o e co n ô m ica
D o c u m e n to s ju ríd ico s
A d m in istraçõ es p riv ad as

O conhecimento da forma de produção de um documento é, natural­


mente, essencial em qualquer análise da informação que transmite. Por isso, a
classificação das fontes segundo o caráter e processo de sua produção tem um
inegável interesse para o exercício da critica das fontes, independentemente das
próprias características intrínsecas que conceda ao documento o "destino”
com que-se produz. Através de uma hermenêutica nada complicada parece lá

-197
/tl/f«’ .*
<><iimramrnM <h uiuVíw JiírftWrti

til diferenciar a problemática crítica t|ue apresentariam fontes, por exemplo,


como uma inscrição comemorativa de algum fato e as contas de uma expio
ração mineradora. Km quase todos os aspectos implicados no processo de sua
produção, esses dois tipos de fontes mostram uma diferença radical.
Em resumo, o mecanismo de produção de um documento de qualquer
tipo empregado como fonte de informação histórica, mecanismo no qual le­
ria de se considerar desde a ‘‘intenção” até o próprio material de que é feito o
documento, é essencial na avaliação das fontes. Um testemunho que foi pro­
duzido para criar uma forma de “ memória histórica” - por exemplo, os luga
res da memória de que falou Pierre Nora não pode receber o mesmo tra­
tamento e valor que o produto material da atividade cotidiana do homem,
como é, por exemplo, uma lista de participantes de um banquete, ou Unia ins­
c r i t o censitária.
A fonte voluntária, a que propriamente podemos chamar de leslenut-
u ln ti é a fonte clássica, a fonte por excelência, aquela na qual durante sécu­
los baseou-se toda a tarefa da reconstrução da história até a época da Ilus­
tração. A fonte voluntária e a que constituiu a memória oficial das socicda
îles. I- o reflexo do “imaginário" que os componentes de um grupo cons-
l roem, de sua nicntnliihutce idcologiti. É a que reflete, portanto, o conllito in ­
terno de toda sociedade.
As mais perfeitas e objetivas inferências que podem ser feitas da vida das
coletividades humanas, ao contrário, o são através de seus produtos objetivados,
de seus vestígios não intencionais, nào voluntários, não testemunhai*. Trata-se de
todas aquelas marcas do homem que se conservaram sem que este se tenha pro­
posto conscientemente sua conservação como "testemunho histórico”. A vida das
sociedades modernas está cheia desse tipo de “restos". São desse caráter todos os
vestígios arqueológicos, etnográficos; o são todos os produtos tias burocracias
normalizadas. Tudo o que podemos chamar de “a memória infraestrutural”.
H normal que a historiografia científica prefira trabalhar com fontes
não testemunhais. As fontes testemunhais sao presumivelmente as mais ma
nipuláveis. Mas até hoje, a maior parle da história do mundo foi feita sobre
fontes testemunhais. A Cirande História anlei ior ao historicismo do século 19
não concebia outro tipo de tònlcs além dos vestígios que o homem deixa de si

IS N O R A . I'. tfcxl.l. / 1'.< U n ix t/e ht n ú in o iiv . Paris-, G a llim ard , c seguintes. 6 v.

•198
r ( atíiwimwui-ímííim7i‘ii

mesmo de maneira "histórica”. Daí o avanço c|uc supôs a valorizarão iunda-


mental do "documento histórico", do material de arquivo que podia nos dar a
conhecer coisas não preparadas para criar uma especial memória histórica. !•
a validade e fecundidade do conceito de “história inconsciente”.
O problema das lontes não testemunhais é também de outra índole, Na
medida em que uma determinada fonte não foi originariamente concebida
como tal, do mesmo modo a quantidade de informação que oferece é menor.
Isso tem duas leituras; de um lado exige um esforço maior de “ interpretarão"
um esforço de leitura técnica muito sofisticada,1'' que se deve comerar decifran
do com segurança as linguagens —de todo tipo em que os documentos se ex­
pressam; de outro, todas as fontes não testemunhais tem maiores problemas de
contextualização. I ’ma fonte arqueológica, um utensílio agrícola primitivo, por
exemplo, não diz o mesmo que um texto escrito que nos falasse disso. À pro­
dução não testemunhal está muito menos elaborada do que a testemunhal.
Nisso reside sua grande vantagem como informação objetivada, ou não conta
minada, mas aí reside também sua maior dificuldade técnica para manuseá-la.
O critério intencional é provavelmente o de maior interesse, o que se
presta a maiores sutilezas críticas e o que permite conhecer melhor a$ possibi
Iidades de informação correta que as fontes contém. É também por essa razão
o critério que apresenta o maior numero de problemas interpretaiivos.

O c rité rio q u a lita tiv o

Fontes materiais e fontes culturais. Estamos aqui diante das classifica


ções mais complexas pela grande quantidade de tipos.de fontes que. em fun­
ção de seu conteúdo, suporte, campo, etc. podem ser encontradas em uma
pesquisa. Formalmente falando, há um par de conceitos classilkatórios em
virtude dos quais se pode destacar também dois tipos de fontes alternativas.
Trata-se das classificações em lontes verbais / fontes não verbais ou culturais /
materiais. Inclusive entre <is fontes verbais pode-se estabelecer outra impor­
tante dicotomia entre fontes narrativas e foptes nao narrativas.

H) Uns <|ii.iis.i Mullisi' i/e conteú d o <lc que* fa la re m o s n o c.ip iu ilo seguinte p o d e s e r u m
b o m e xem p lo .

-199
nutf ?
<>' iiistiHiiirtUiit ilti iiuiI/iW{tuiiM/j11

Encontramo-nos frente a um tipo de critério taxonômjco que se baseia


n.i diferenciação «lo tipo de leitttra que pode ser feita de unta fonte. Quer d i­
zer, de uma lonte podem importar duas coisas: sita própria e aparente mate­
rialidade ou a mensagem que, pot meio de sua materialidade, se expressa. A l­
gumas fontes interessam como objetos, outras interessam por sua mensagem
do qual o próprio objeto é mero suporte. Normalmente, toda fonte interessa
por ambos os aspectos, mas ambos podem e devem ser separados por crité­
rios taxonòmicos. Aqueles documentos históricos cujo valor informativo resi­
de, em primeiro lugar, em sua própria materialidade - os vestígios arqueoló­
gicos em geral - precisam, sem dúvida» de um tratamento diferente daqueles
outros cuja identidade e valor residem "no que dizem”, em seu conteúdo inte­
lectual. Não é equivocada nem difícil de estabelecer, portanto, uma profunda
distinção entre fontes materiais e fontes culturais ou. caso se queira, entre ar
qneológicas e filológicas.
Os documentos culturais são. sem dúvida, um amplo tipo de fontes
onde se incluem todas aquelas nas quais c possível separar um "suporte" de
um “conteúdo" da informação. Pontes culturais são, portanto, praticamente
todas as existentes que não são fontes arqueológicas, todas aquelas,escritas, fa­
ladas, simbólicas ou audiovisuais que transmitem uma mensagem em lingua­
gem mais ou menos formalizada.
Fontes narrativas c fontes mio narrativas. Mas nas fontes culturais, nas
fontes expressas em linguagem verbal, a moderna critica Itá de incluir uma re
ferência a seu caráter narrativo ou nao narrativo. Fontes narrativas e fontes
não narrativas são uma categoria muito genérica que deixa de fora só uma ca­
tegoria bastante homogénea porém extensissima: tudo o que é o relato. Um
principio trata-se de uma distinção clara, mas que permite sutilezas e diferen­
ciações tie forma que a partir de umas ou outras se pode extrair um trabalho
histórico bem diferente. A verdade é que assim como a preferência se decan­
tará com o tempo no tipo de fontes nao testemunhais* o fará também nas se­
riadas e nas não narrativas.
A história tradiiional se fazia essencialmente com base em fontes nar
ralivas: crônicas, relatos, reportagens, memórias, que iá eram em si mesmas
uma "história" enquanto narração. O avanço fundamental da moderna Insto
riogralia em matéria de fontes reside no uso cada vez mais amplo das fontes
não narrativas. Por sua vez, a diferença entre o tratamento das fontes culturais

500
O pftHVfA*>wi.<ih'l>*gni'
r 1/i<i>ii/i>uyiiiêfih>biiit»

de todo tipo e as arqueológicas, lambem de todo tipo - dos vestígios pré-his­


tóricos à agora chamada “arqueologia in d u stiia l"-, é tal que essas últimas re­
querem para seu uso o auxilio de técnicas de grande especificidade, norm al­
mente tomadas de empréstimo de outras disciplinas.

O c rité rio q u a n tita tiv o

O fiilnro das fontes não verbais. Com a grande revolução tecnológica


que o mundo experimentou no último quartel do século 20 e a sua continua­
ção, no raiar do século 21, dos aperfeiçoamentos tecnológicos no terreno das
comunicações, por meio essencialmente da digitalização, no da informação,
mediante a imagem de lodo tipo - fotografia, filmagem, etc. - , a palavra e a
conjunção de imagem, som e texto nos chamados m ultim ídia, aproxima-se
uma profunda m u d a n ç a , já cm marcha, das tradicionais fontes de informação
histórica. Se hoje o Arquivo de fundos, que são escrita sobre papel, é absoluta­
mente predominante na pesquisa histórica, iá é considerável o aparecimento
e o aumento constante do uso de materiais foniah de outro género: filmes, fo­
tografias, gravações de áudio, imagens de todo tipo. Mas o mais importante de
tudo é. provavelmente, a integração desses tipos de meios ou suportes digila
lizados, através da informaliea.
A questão essencial não é aqui, de modo algum, o desaparecimento da
linguagem verbal como fonte essencial da história, que» em lodo caso, como
bem sabemos, não é a única nem a fundamental em todas as épocas da histo
i ia, sobretudo na medida em que retrocedemos no tempo, A novidade radical
repousa, junlo com o surgimento de ou Iro lipo de registros que não são ver
bais, mas sim visuais ou sonoros, em outros dois extremos: a integração de to
dos os registros em novos lipos de meios e sua conservação em suportes de
memória livre, quer dizer, eletromagnéticos e digitalizados. No futuro, a histo­
riografia terá de fazer necessariamente um uso massivo desses tipos de fontes.
Atualmente, não há um número suficiente de trabalhos sobre o signifi­
cado dessa revolução, nem estão claros os procedimentos para sua exploração,
nem o preparo tios historiadores eslá em dia com a novidade das técnicas. Não
contamos com trabalhos sólidos sobre o uso das fontes visuais ou sonoras á
exceção, talvez, das técnicas chi história oral , sobre a exploração das filma

301
lhifeJ
O f in * /n /H H 'H W Ih i illlif f l. V llis h W m

gens documentais não do cinema de ficção - ou a análise do conteúdo apli­


cada ao desentranhamento <los testemunhos orais, ainda que haja algumas
coisas sobre isso.- 1>e lato, c pelo momento, são os historiadores interessados
na história do presente os que mais atenção tém dedicado à problemática dos
novos tipos de Tontes.'1
hontes seriadas c fornes não seriadas. Resta, finalmente, um critério de
classificação das fontes de uma extraordinária importância conceituai, critica
e técnica. Sem os conceitos discriminatórios de fontes seriadas (serníveis) e
não seriadas (não seriáveis). muitos dos progressos da historiografia dos úlli
mos decénios não teriam sido possíveis. Digamos, primeiro, que entendemos
por fonte seriada aquela, material ou cultural, que é composta de muitas uni
dades ou elementos homogéneos, suscetíveis de serem ordenados, numericamen­
te ou não. Estamos diante de fontes que se compõem de um número plural de
elementos tie informação ou conjuntos deles formalmente iguais - que per­
mitem o uso dos conceitos de variável, de “caso" ou de “registro” em uma base
de dados e que,ao final, dão conta de um fato repetido, redundante. I lã, ou
pode haver, uma extrema variedade de fontes seriadas ou suscetíveis de seria-’
ção: desde um fichário policial ã contabilidade de uma empresa, de um livro
de protocolos de um notário aos anuários estatísticos de vários anos. Algumas
fontes se apresentam, por sua natureza, seriadas: as escrituras de taxação ou de
venda de beiis nacionais no século 19. Outras não são seriadas por natureza,
mas .são seriáveis: um conjunto de testamentos, os sermões religiosos de uma
detei minada época, os discursos políticos, etc.
A materialidade ou o conteúdo comimicaeional estrito de uma fonte
pode ser submetido hoje a algum tipo de seriação se isto for útil para o obje-

2(1 Detáto.n.io ntcrcflroa questões como‘Yincnia e História” ou reunião dc testemu­


nhos em fiiiis dc audiovisual. Paio de algo mais sofisticado, como a "leitura” histõ-
lica do documentário dc época, a dccodificaçâo da Imagem fotográfica ou a análi­
se de conteúdo de testemiiuhos falados gravados-.
21 Vei I >[AZ B A R R A D O , M. P. iP .d .). Ilisioriii dei tieinpo ptefniie. Teoria y nteiodolo-
üiij.C á c c r e s : Univer.sidad d e F v lrc m a d u rá , 1997; I> ÍA Z B A R R A D O , M . P. (C o o r d .l .
/ ií< edndei de hi mi tudo. C á c e re s : U n iversidad ile F .xtrcn rad u ra, 1996.
22 Ver ampliações desses conceitos no capitulo 9. que trata das técnicas.
2.< Quer di/ei. as características de seu suporte - textos, contas, ohjclos repetidos, ima
gens ,aljíui»lu característica da fonte onde se possa estabelecer qualquer tipo de re­
corrência,

502
(jlf'lllilti ,V
i >f'iwr."i' i/n
CH i ! , \ I l i i l i ' l i f U

tivo de lima pesquisa. Pudern ser reduzidos a uma “matriz de dados" desde as
características mais externas de uma lonte, cómo podem ser as cores de catla
uma de suas partes, até as distribuições de freqüências das palavras de um tex
l<» ou das quantidades expressas em determinadas coutas. A diferença repou
sa em que algumas fontes aparecem construídas sobre a seriarão - assim são
as fontes económicas, de forma habitual e arquetipicamente - , enquanto em
outras a seriação deverá ser feita pelo historiador. As fontes não seriadas ou
não seriáveis seriam essencialmente as qualitativas.
A condição de writnlas ou não scritultis alude especiulmente, ainda que
não de forma exclusiva, á distinção que se pode fazer nas fontes entre aquelas
que apresentam, ou das que se pode extrair, um conteúdo exprimive! nume­
ricamente, frenie as que não têm essa possibilidade. Encontra mo nos assim
diante dó tão tratado tema da existência de magnitudes mensuráveis implica­
das na pesquisa histórica e suas características. A velha discussão, e a velha for­
ma de optar, entre fontes qualitativas e fontes quantitativas, a oposição entre
elas, carece hoje praticamente de sentido. Rara ê a fonte de conteúdo não nar­
rativo, incluindo certamente as verbais desse tipo, que com os meios técnicos
hoje existentes 1 não seja suscetível de algum tipo de seriação. A seriação tem
relação com a quantidade, mas o que im poria não e sempre o número senão
a repetição, a recorrência.
Uma seriação não deve ser entendida, como se deduz do que foi expos­
to, que é sempre seriarão no tenipo. Realmente, seriadas tio tempo estão tíu/ns
as lontcs. ra/ao pela qual tal característica não tem interesse taxonòmico, ain­
da que o tenha, obviamente, no sentido técnico, em seu tratamento por parte
do pesquisador. A seriação de que falamos aqui alude sobretudo ao conteúdo.
Fontes não seriadas são as tradicionais fontes qualitativas geralmente escritas:
crónicas e memórias, documentos diplomáticos, vestígios arqueológicos em
determinadas circunstâncias, etc. Mas não será excessivo concluir reiterando
que a habilidade técnica do historiador deve ser suficiente para expressar em
forma de séries, se isso lôr necessário para a análise, para a comparação ou
para a estatística, as informações que suas fontes proporcionam.

M Referi m o nos e sp e cia lm e n te a o u so ita in fo rm á tica .

503
ftirr«-.«
11»iiMnoimUix il.t »imita-hMtirku

OS FUNDAMENTOS DA ANALISE DOCUMENTAL: A “ CRlTICA DAS lO N I I S”

( )s problemas dá informação empírica que sc apresentam cin qualtjuer


tipo de pesquisa social adotam na historiografia algumas ma infestações curio­
sas. Dessa forma, resulta muito sintomático que durante décadas se lenha
acreditado que o "método histórico” se baseava cm, e se destin.iva a. assegurar
boas e verdadeiras fontes de informação. Como se assim acabasse todo o tra­
balho... Ninguém duvida que isso é essencial na pesquisa histórica, mas de
modo algum esgota seu método.

O s p ro g r e s s o s d a c r ític a d a s fo n te s

O progresso decisivo na crítica das fontes está em estreita relação com


os meios técnicos para opinar sobre sua autenticidade c datação, para elucidar
a história mental interna delas mesmas e a dos suportes que as contém; meios
que estão relacionados com as técnicas de laboratório, químicas, eletrônicas,
informáticas e de outros tipos. A crítica e a avaliação de tontes mudaram tam­
bém de maneira espetacular na mesma medida em que se modificou o con
ccilo de fonte e, portanto, as fontes realmente utilizadas.
Uma prova desses avanços misé ciada, por exemplo, pelo fato de que seja
considerado normal que os “supostos” manuais de metodologia existentes nao
façam alusão aos problemas da imprensa como fonte-' e, por outro lado, tam­
bém como exemplo,que até há não muitos anos, em muitos arquivos documen­
tais, se distinguia entre uma documentação que era ou tinha caráter "histórico*
e outra que carecia de tal qualidade e era considerada documentação “adminis
nativa”. ]á não se tratava, então, de uma distinção originada na antiguidade da
documentação - o que, de certo modo, teria justificado essa diferenciação - mas
da sua quolnhule. Uma distinção desse género é hoje impensável.

23 £ curioso e altamente significativo p.ir.i u que aliriiianiiv» sobre .1 persistência de


idéias muito velhas em rela^to ao método histórico e às fontes históricas que um
livro que sc apresenta quase como .1 "biblia" da metodologia Itistoriográllca, o de
SAMAUAN, C. (Dir.). l.'!íhioire ei ses iwthmirs. Paris: Gallimard, 1% I, 1.771 p.
(Coll. hncyclopédie de la Plêiade), nilo tale cm absoluto da imprensa como fonte
histórica, enquanto se refeic ao cinema, discoteia e outros. Jamais se |HHÍcria reco­
mendar um livru como este a 11111 jovem historiador.

50-1
('tipiluU*H
I >fHifSJll UíiW.'M-y<ii'
4
i*(t i vMn»i’f»íi»frf<i h i i t f i i i o i

O progresso da historiografia no século 20. portanto, não deixou intac­


to, nem poderia fazé-lo, o panorama da velha crítica. De um lado, aquelas dis­
ciplinas historiográficas que mais contato tiveram com os avanços técnicos -
quer dizer, .1 arqueologia e, sobretudo, a arqueologia pré histórica, a paleonto­
logia humana, a arquivistica e, em relação com os progressos tia f ilologia, a his­
tória antiga e medieval, ou a história contemporânea, relet indo-se n economia
ou sociologia, etc. - puderam aperfeiçoar de lornia considerável os recursos
técnicos para a comprovarão da autenticidade das peças ou dos textos fontais.
Mas os progressos da crítica se devem em igual ou em semelhante me­
dida ao próprio progresso das concepções sobre a historiografia, a<> progresso
da relação tia disciplina com suas vizinhas e afins, aos progressos da filologia,
as técnicas de análise textual, ã comparação estatística e ao próprio projeto da
pesquisa hisloriográlka. Obrigou-se, assim, a pôr em contato os problemas da
crítica das fontes com os âmbitos técnicos do laboratório químico, das análi­
ses lingüísticas, das técnicas de análise de textos, incluindo a informática, dos
conhecimentos crítico documentais ou tia estatística. A crítica tias fontes dei­
xou de ser um trabalho “artesanal" guiado muitas vezes pelo bom senso e os
conhecimentos comparativos, para converter-se em uma tarefa tecnificada, ao
mesmo tempo mais fácil e mais complexa, do que as antigas. () impedimento
consiste em que neste campo se arrastam também muitas idéias obsoletas,
muit.is supostas técnicas absolutamente ineficientes e certas crenças infunda­
das, entre as quais se destaca a persistente idéia de que a atividade historiográ
líca não tem relação com nenhum outro tios conhecimentos e técnicas de tra­
balho na pesquisa social.
Provavelmente as origens mais diretas da moderna crítica e busca das
fonles podem ser encontradas nas contribuições da escola dos Amtales, c em
particular no inteligente corptts de observações que Marc Bloch lez sobre isto
em sua Apologia..., recolhendo e indo mais além de toda a velha erudição tia
crítica dos medievalistas. Nesse texto inacabado, Bloch falou da função dos
documentos, da forma de interroga los, da persecução do erro e tia mentira,
mas também do “ sentido” que é possível extrair tle um documento que men­
te. A mentira e também fonte da história... A leitura desse texto de Bloch con­
tinua sendo insubstituível como introdução à “arte” tle criticar as fontes. Mas
o mesmô não se pode dizer de outros velhos textos da preceptiva que tiveram
continuidade em seus epígonos.

r
505
I\ir/r 1
Cu imuati/tWtú tíii iMiXiic /laufriM

A análise docum enlal na historiografia

A idéia de critica das fontes pode sor substituída hoje de forma vantajosa
pela de análise documental. A análise documental é algo mais do que a clássica
crítica em seus aspectos de autenticidade, veracidade e objetividade, em seus as
pectos de crítica “eXterna" e “ interna’', e, mais ainda, substituiu a velha distinção
entre heurística, metódica e sistemático, eLcv" O trabalho de preparação e mani­
pulação técnica das fontes de informação encontra-se estreitamente inserido no
processo metodológico normal; não é algo prévio nem dcsconeclado das de­
mais operações metodológicas. A informação desempenha um papel*essencial
ao longo de todo o processo de pesquisa. A análise documental oslá embutida
no processo geral da pesquisa científica que considera sempre que as fontes
equivalem ao campo geral da observação na qual hao de ser obtidos os dodos.
A iniciaçáo ã atividade crítica e de avaliação das fontes é, sem duvida,
essencial em toda preparação conscienciosa paia o aprendizado do método
historiográfico. O agrupamento das evidências documentais é a base em píri­
ca decisiva de qualquer pesquisa e a idoneidade de tal base, sempre com rela
ção ao tipo de objetivos que a pesquisa pretende atingir, é a função final da c rí­
tico e das lontes. A competência para a critica e avaliação requer fun­
damentalmente uma preparação teórica, metodológica e técnica que pode*
perfeitamente ser adquirida e que incorpora não somente recursos técnicos,
mas também intuição e rigor na aplicação cio método. Mas tampouco é alheio
a esse processo o próprio exercício da "prática” da pesquisa.
Na metodologia historiográfica, a obrigatoriedade e a necessidade téc­
nica da critico e avaliação cio campo de observação ou fontes parte de quatro
princípios básicos, dois dos quais são próprios da natureza especifica cia do­
cumentação histórica e são os seguintes:
a) Que os fatos estudados só podem ser captados pela inferência a par­
tir dos restos ou vestígios. '
h) Que a informação histórica é gerada em fontes de extraordinária /ir
tcrogeneidáde.

2<\ A origem de todas essas expressões citadas encontra se, obviamente, na terniiimlo-
j:ü própria d.i aniiga preceptiva, a historidsta e .1 positivista. Para esse aspecto, re­
passar iodos o s clássicos textos ja citados de Droysen, Keinlieitn. Ilauer. I an^lois-
Sd^nnhos, Garcia Villada, e iltê Samaran, Halkin, Salnion, Regia, eu.

506
Kxistein outros dois condicionamentos que são, no entanto, comuns a
todos os lipos de documentação:
f) Que a pesquisa c Iralamento das fontes estão absolutamente vincu­
lados em lodo o campo da ciência social á busca de adequação entre as hipó­
teses orientadoras da própria busca e o tipo de fatos que contribuem para tor­
nar tais hipóteses fecundas. Ê por isso que a crítica da adequação, á que nos
referiremos depois, niio contém substancialmente aspectos técnicos mas sim
epistemológicòs e contextuais. Hm linhas gerais, e ideais, toda pesquisa corre­
ta parte de um problema e não de uma fonte. O problema em questão decide
sempre a crítica de adequação.
d) Que as fontes por si só podem conter um componente de distorção
da realidade. Não a que é introduzida pelo historiador, como resultante de di­
ficuldades de método ou técnica, ou como efeito de pressuposições ideológi
cas, mas sim aquela distorção que já se encerra na própria fonte e que, como
qualidade intrínseca a ela, coloca, além disso, problemas de lógica e de conteú­
do, Porque como é possível medir uma distorção? Ou, simplesmente, como
descobri-la? A distorção ou os erros que as fontes contém apresentam um pro
blema critico de primeira grandeza que já percebera Marc Bloch: a intencio­
nalidade dos erros é por si só uma fonte impressionante de verdade na histó­
ria: por que mente aquele que mente... ?
A análise documental na historiografia, também aqui como cm qualquer
outra pesquisa social, tem aspectos instrumentais e aspectos epistemológicos.
Como em toda ciência normalizada, é preciso cíeluar sempre um trabalho de de­
puração dos dados, o qual constitui uma das tarefas próprias do contexto meto­
dológico da observação. Xós aqui chamaremos essas operações técnicas de and
lise da fiabilidade das fontes. Mas na historiografia há mais uma vertente, como
é a do estabelecimento do tipo próprio e adequado de fontes a ser empregado. A
pesquisa desse aspecto é o que chamaremos análise da adequação das fontes, fissa
segunda seria a busca de respostas a perguntas tais como "qual o caráter de uma
determinada pesquisa”, “que tipo de lontes seria necessário utilizar”, “o que se
pode lazer com as que forem encontradas". Os objetivos da pesquisa condicio­
nam a adequação das fontes. A pergunta acerca de quais as fontes necessárias é
um problema em boa parte teórico, tle uma boa conceitualização prévia ou de
hipóteseá claras. H um problema heurístico. Enquanto que saber para que pode
servir uma fonte encontrada é um problema hermenêutico de grande interesse.

507
<b uutni/invuu <l,i m,Ui.w hislA/i.ii

Cm conseqüência, ;i análise documental poderia scr definida como o


conjunto de princípios e tlc operações técnicas (pie permite estabelecer a jiabilida
de c adeejuação de cei to tipo de informações paro o estudo e explicação de um de­
terminado processo histórico. A crítica, pois, não sc esgota na depuração dos
dados; c*sia é antes um primeiro passo para aquela. Kntende-se, pois .1 estreita
implicação entre as tareias criticas e as hipóteses sobre as quais se trabalha. To­
das as demais caracterizações das tarefas críticas tradicionais - aulenticida-
de/veracidade/obietividade, críticas externas e internas - são, de fato, questões
derivadas c\cm certo sentido, secundárias.
Em todo caso, islo não significa que os velhos e clássicos critérios de
vam ser bruscamente descartados, [• evidente que a clarificação a respeito da
autenticidade de uma fonte, ou a distinção entre sua forma eseu conteúdo, as­
sim como a elucidação de sua origem, são operações inteiramente indispensá­
veis. Todas elas podem ser reunidas na análise da fiabilidade. Ainda que fale­
mos da avaliação de iodas essas qualidades nas fontes.históricas, está claro que
qualidades desse tipo são exigidas a qualquer documentação que contenha in ­
formação sobre algo. Cada tipo de pesquisa requer suas fontes e, portanto, sua
critica. Também pode continuar sendo útil, em principio, o clássico critério
que levava o pesquisador de uma critica externa das fontes - conservação, tra­
ços taxonóm ieos,suporle,etc.-a uma critica propriamente interna* o conteú
do, a mensagem, a própria análise da informação ali contida.
Mesmo permanecendo vigente a utilidade relativa de todos esses velhos
preceitos, hoje, para efeitos pragmáticos, e necessário que o historiador inte­
gre todas essas operações na perspectiva que o avanço clas idéias metodológi­
cas e «las técnicas oferece. Isto potência, ademais, o recurso, nos casos perti­
nentes, às velhas e clássicas "disciplinas auxiliares”: paleografia, diplomática,
epigrafia, numismática, sigilograíia, etc. E das novas: documentação, arquivís-
tica, lexicografia, etc. O que ocorre é que a formação do historiador deve hoje
ser mais ampla em campos novos, mais seletiva quanto aos aspectos a que se
dedica ou, o que equivaleria a dizer, tem de ser mais especializada.

O p m e e s s o d a a n á lis e d o c u m e n t a l

Assim, pois, fiabilidade e adequação são as duas grandes características


que uma fonte deve possuir para poder ser considerada como tal em uma de-

508
('ii/iíiiibff
< >pr»i)f*i uh /is/i'hyii ii
!•,i ifi\ /iíi/ri/f<iSiK<histihüii

terminada pesquisa. I' evidente que para o historiador, como para qualquer
outro pesquisador social, a Habilidade de suas fontes continua sendo, como é
natural, um problema prévio a resolver, ailles ainda do problema seguinte que
é o de utilizá-las corretamente.
A idéia de fiabilidade das fontes substitui amplamente, e com vanta
gens, as antigas concei tu ações que já comentamos da “nutenlicidade" “veraci­
dade" “objetividade". Mas há outra conceituarão que importa tanto quanto a
fiabilidade material e formal de uma lonte que é a da adequação. A adequação
de uma fonte para emitir informação acerca tle um determinado assunto é
algo que supera propriamente a critica, tal como habitualmente a entende
mos. O problema da adequação das fontes tem sido, no entanto, uma questão
normalmente marginalizada pela preceptiva historiográfica de origem histo-
ricista. O julgamento a respeito da adequação é lima decisão metodológica
mas é mais importante do que a própria crítica “externa”, como era chamada
pelos clássicos.
A maneira pela qual a análise da fiabilidade e a da adequação se rela­
cionam pode ser assim representada:
A fhhilirftuic. A djiíi/isc í/ri jtabiluliulc das fontes se basearia cm uma ba­
teria tle meios instrumentais mais ou menos simples e diretos que incluiriam
coisas como:
Autenticidade:
Técnicas de datação (estratificação, ratlialividade, comprovação de da­
tações explícitas).
Técnicas lingüísticas (lexicografia, análise do “estado" tia lingua), eru­
dição literária e crítica histórica..
Análise tia história tia fonte.
Depuração ilti informação:
Coerência interna tia fonte (rastreamento de interpolações).
Comprovação externa da informação.
l’esquisa por enqucle ou questionários comparativos.
Comexiunlização:
Técnicas de classificação documental.
Análise tle “séries" ou “famílias" de documentos.
Comparação tle fontes diversas.

509
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th iníimiitiiiitH ,t,i tnuKiw//i wAvt

Quadro 9 í/íí.v /<>;jfia5

A crítica documental, em suma, deve lançar mão de muitos tipos de


técnicas: filológicas, estatísticas, de laboratório, etc. Mas as tareias de avaliação
de uma fonte sempre deverão buscar estabelecer, em primeiro lugar, a história
tia própria fonte. A origem, vicissitudes e trajetória de uma fonlc até chegar a
nossas mãos podem ser uma extraordinária informação para proceder á sua
o/w m nvííi. lim a vez a fonte examinada adequadamente» pode-se passar para
sua análise interna. 1-sse tipo de análise será mais clara e ordenada se forem
observadas certas precauções para qut? a análise classifique a fonte quanto ao
tipo de informações que é capaz de oferecer. A crítica utiliza, pois, meios pro
priamente técnicos e outros de análise histórica. O tipo de fontes sobre as
quais estaremos trabalhando fará prevalecer determinados procedimentos so
bre outros; ou críticas textuais, ou complexas análises arqueológicas com aju­
da de técnicas auxiliares, valorização de fundos arquivíslicos, valorização de
testemunhos orais, etc.
A inlvtfuaçiio, A análise tia adcijuaç<)o iá é, por sua vez, uma tarefa de
maiores conteúdos teóricos do que técnicos, como alirmamos, mas que faz
parte do processo de avaliação ‘ las fontes. No terreno prático, de forma abso­
luta, o projeto de uma pesquisa pode originar-se da definição, ou de uma pro­
posta de definição, de um problema para cuja resolução, em princípio, faltam»
nos fontes de informação, ou pode proceder também de justamente o contrá­
rio: da descoberta de novas fontes aplicáveis ao estudo de problemas já conhe­
cidos e definidos ou, inclusive, da descoberta de documentos - de qualquer

510
L'wj*rtnAi.1
11finkttiOwMli'hfcttit
v , i iliiri»;uviM|iii> h i f l f i r im

tipo - de cuja exploração primária so deduz que podem sei aplicadas no estu-
do de alguma questão nova ou iá colocada anteriormente.
Nada se presta á presença de uma casuística tão variada que depende de
um sem número de lãtores como a origem de mna pesquisa social e histórica:
estado dos conhecimentos, interesse intelectual estrito ou demanda da opi­
nião pública, necessidades ideológicas, "modas intelectuais", etc. A relação en­
tre lenta e fontes é sempre dialética e é ela que explica e condiciona o desenho
de uma pesquisa. A dialética entre problemas, hipóteses e fontes é também a
que impõe a necessidade de um estudo da adequação.
Podemos dizer que sãofontes adaftiadas parn ttin tana aqueles conjun­
tos documentais capazes de responder a um número maior de perguntas, com
um número menor de problemas de Habilidade, de equivocidade ou melhoi
adaptação aos fins da pesquisa e suscetíveis de usos mais proveitosos. Infeliz­
mente, o problema da adequação não se apresenta como mera possibilidade e
necessidade de opção entre tipos diferentes de fontes, li ram, ou pouco exigen­
te. o pesquisador que se encontra satisfeito com suas fontes. Passado um certo
nível elementar de adequação - quer dizer, descartando se a absoluta dispari­
dade entre a informação, por exemplo, que pode ser extraída de uma contabi­
lidade e a pergunta a respeito das crenças religiosas do contador... as fontes
podem responder a géneros diferentes de perguntas e dar respostas .1 elas dire­
las ou indiretas dai a classificação desse tipo que fizemos.
O problema da adequação é antes o que se relaciono com a necessária
“quantidade de informação" para poder dizei que um problema pode ser re­
solvido e da necessária “ variedade da informação" que permita dar generalida­
de as respostas. Às fontes são adequadas quando, passado esse nível mínimo a
que aludimos, de relação entre o que se pretende perguntar e a que ou a quem
é feita a pergunta, há delas em suficiente quantidade e variedade - formal e de
co nteúdos-e quando superaram uma avaliação suficiente de sua fiabilidade.
Uma avaliação da adequação exigiria, pois, que se prestasse atenção a
questões como:
Demanda de infonmnão:
Estabelecimento dos tipos de documentos requeridos - segundo crité-
1ios taxonómicos explícitos.
Quantidade de informação precisa.
Variedade dos suportes c dos conteúdos.
C a p ítu lo 9

M éto d o e t é c n ic a s n a

PESQUISA HISTÓ RICA

Itito ilcfornm hrctr, icorkiwn tth- n initivúhto r twt positiliuio:


tnt:t(Hloiaj>ktwieniL\ <>intlivüliio c iniui unithulv /Ir nioliifu.

A H. H
m o s \
Teoria da ecologia Inimana

Não sabemos da existência ate este momento de nenhum livro com


um título semelhante a “Técnicas de trabalho em pesquisa histórica”.' Salvo
alguns livros especializados dedicados ao emprego da estatística, os livros de
arquivística e certos tratados que se ocupam de alguma das hoje chamadas
de forma tão bárbara como inconcludehte “ciências e técnicas historiográfi-
cas” - paleografia, epigralja, diplomática, numismática, etc. além do que
se refere às fontes orais, a formação histoi iográfica carece dessas abundan­
tes publicações sobre “ técnicas de pesquisa” de que outras disciplinas d is­
põem. I não parece fácil que esse vazio seja preenchido em pouco tempo.

I Um livro, por exemplo, <01110 o j i citado dc THUILLEK, ti.; TUI.AKP, I. Cónioptv-


pitntr 1111 inibujo dc historio {nictodosy arnicas), Itarcelona: Oikos-T.m, 1989, tra­
dução do original francês da coleção “Que sais-je?", é do tipo dos que dilicilincjite
podem ser lidos por uma obra como as de que sen1imos lalta. Compõe-se dc um
conjunto de conselhos, em geral elementares e, as vives, ridículos (sobre como fo­
tocopiar, por exemplo, p. 78). que não descrevem técnica alguma e que parecem
aprovar a absoluta desprofissionali/avAO IcCnica do trabalho do historiador. Infe
li/.meolc, lambem não responde a essas características um livro ião excelente como
o clássico de C. Cardoso e H. Pérez Hrignoli. 0 « mctoths, orientados paia a histó­
ria demográfica, económica e social, c cuia disposição da matéria e algo caótica.

513
JV th ' i
( ) í i/ i< iir ir n ,/ iiii < , l , i i i t t i í t i i t ' h i f i i i i i c i i

Mm lodo caso, o que se oferece* a título de çòlofon, não e muito mais do cjue
uma introdução ao assunto.
Como j.i advertimos antes, a presente obra não se propõe a analisar em
detalhe e mostrai o desenvolvimento das técnicas de pesquisa que o historia­
dor pode empregar. Carecemos, sem dúvida, de textos adequados desse tipo,
mas para o tratamento da maíéria necessita-se liojc, pela sua extensão, de vo­
lumes específicos, o que não constitui o presente livro. O que este capítulo li
nal oferece, pois, é uma idéia muito sumária, quase unicamente informativa,
das técnicas de pesquisa que o historiador tem hoje à sua disposição, ü isso se
busca fazer a partir de dois pontos de vista. Primeiro, diferenciando as técni­
cas por seu caráter ou orientação global ou pelo tipo de instrumentos que em­
pregam, Sempre dentro do contexto das técnicas de pesquisa que as ciências
sociais aplicam - nem todas são possíveis para o h istoriad or- pode-se distin­
guir entre as tjhalitativas e as quantitativas, entre as gencmlizanles e a.s indivi-
diutlijuintcs. Segundo, distinguindo-as pela instrumentação que fazem dos
meios de trabalho; desse ponto de vista podemos falar de técnicas arqnivísti-
ctís, estatísticas, informáticas, etc.
No estado atual do ensino do método e das técnicas do historiador é
praticamente impossível expor qualquer matéria sobre técnicas de pesquisa -
com exceção talvez da arquivística , onde não sejamos obrigados o recorrer a
manuais, compilações e livros básicos pensados para outras ciências sociais,
para a sociologia especialmente. A penúria de publicações dessa natureza e a
antiguidade ou superficialidade das poucas existentes faz com que não haja
outra solução. Isso não é grave na medida em que muitas das técnicas da pes­
quisa social são perfeitamente aplicáveis ã pesquisa histórica, como veremos.
Mm lodo caso, porém, e este é o problema central, é evidente que as técnicas de
pesquisa não podem ser ensinadas pela sua descrição, mas obrigatoriamente
com sua prática. Uma razão a mais para atribuir ao que segue apenas um ca­
ráter de orientação.
Quando falamos de técnicas de pesquisa é imperioso não esquecer a es
Ireita relação, necessária e insubstituível, que em uma disciplina sempre liga a
teoria, o método e as técnicas. Por isso, raramente se fala de técnicas de pes­
quisa sem estabelecer primeiro essa clara hierarquização entre o conceituai, os
pressupostos do método e as habilidades das técnicas.

514
(.'i/fíltlki 9
Shhvti' i liVmVif; iui /'rsr/Mí*! liíí/iUmi

AS TÉCNICAS QUALITATIVAS

Tradicionalmente a historiografia pouco tem empregado para seu tra­


balho além ele técnicas de crítica e análises qualitativas. Em principio, pode­
ríamos eli/cr que técnicas qualitativas seriam aquelas que nuo aspiram a medir
na construção dos dados. Sua aspiração é, portanto, a de classificar, lipologi-
znr, reunir os dados em função de sua qualidade, de suas características o
que necessariamente exige primeiro do pesquisador uma tarefa de cóneeitua-
lizaçno , classificando fenômenos de acordo com informações verbais ou ver
balizando as informações numéricas. As técnicas qualitativas acabam sempre
em informações wrhais.
A análise qualitativa descreve variáveis em uni processo, mas não as
mede» não .se preocupa em, ou não chega a, contabilizar os valores que essas va­
riáveis adquirem, ainda que se possa estabelecer que há mudanças de valor. En­
tretanto, as velhas técnicas qualitativas que se limitavam a “reunir” informações
pela analogia entre elas, que eram uma mera compilação de dados iguais, atual­
mente estão bastante superadas por técnicas que podem analisar o discurso
verbal das fontes, conforme a estrutura de seu conteúdo, que podem analisar o
estado da língua ou o uso de determinadas palavras, que podem aplicar mode
b s verbais a uma descrição da inforinaçao. lJodcr-sc-ia dizer, inclusive, que as
técnicas que buscam uma discriminação qualitativa entre os dados, sem medi
da. podem ser de alguma forma “maternalizadas”. A informática pode ser uma
via para isso. Há muitas diferenças entre técnicas qualitativas tradicionais e as
mais sofisticadas da atualidade: análise filológica, modelos verbais, análise de
conteúdos, etc. Podem existir técnicas qualitativas ainda que empregam a ma-
tematização como auxílio em algum momento do processo.
As técnicas de análise quantitativa são muito posteriores às da análise
qualitativa. A quantificação lói compreendida cm suas origens como uma for­
ma de controlar toda a carga subjetiva que o tratamento tios fenômenos so­
ciais sempre traz para o pesquisador. A aplicação elas técnicas matemáticas ã
análise dos fenômenos sociais é antiga, mas o fato é que no transcurso do tem­
po cei tas ciências sociais, como a economia, dotaram-se de um aparato mate­
mático que as transformou completamente. A chave da quantificação tem es­
tado sempre na medição mimcrica dos valores das variáveis.

515
fti/ir I
i •• i i i M r i i n w i i t i » i / . i t i i i i t í h i - / l i s i J / i ú i

N atureza e f u n ç à o das t é c n ic a s

As técnicas não são senão as operações que o pesquisbilor realiza para


transformar osftilos em dados. As técnicas são o ponto de engate entre a reali­
dade empírica - que é objeto da observação - e a conversão desta em um cor
po articulado de evidências para a demonstração de uma hipótese. Por meio
das técnicas, os conteúdos temáticos dos fundos de um arquivo, coloquemos
como exemplo, se convertem em tabelas de valores de preços, em listas de re­
presálias, em índices da evolução de um fenômeno, etc. Antes disso, é eviden­
te também que nada pode se converter nessas coisas se não existe o projeto de
uma pesquisa e, além disso, se não existe uma concepção do historiador do
que entende por "sociedade” e por "história tia sociedade" Mas disso falare­
mos em seguida.
As técnicas se compõem de um conjunto de regras comprovadas e re­
petidas, redundantes, que estão subordinadas sempre aos princípios método
lógicos. As técnicas são o elemento-chave na construção dos dados. Os dados
são fatos estruturados conceitualmeule; não são o mero resultado da observa­
ção, mas sim “observações registradas”.' As técnicas são “operações de campo"
e, ademais, costumam mudar com freqüência em função do progresso das tec­
nologias. Existe um método, por exemplo, sociológico ou psicológico ou his­
toriografia). 1'les são peculiares tias disciplinas que os aplicam. Ainda assim,
não há obstáculo para que a sociologia aplique em certas ocasiões elementos
do método psicológico. 11 há ainda menos obstáculos, pelo contrário, é antes
uma constante, para que muitas disciplinas apliquem em algum momento um
método histórico. Com as técnicas isso ocorre de forma mais acentuada. A pes­
quisa de campo ou o questionário a que se submetem a documentação, a aná­
lise de textos, a estatística - todos exemplos de técnicas , podem ser aplica-
dos por muitas ciências diferentes. Kssas regras que chamamos técnicas são,
em princípio, intercamhiáveis entre diversos métodos.
Somente as concepções metodológicas rigorosas e bem estabelecidas
podem engendrar técnicas de trabalho empírico igualmente eficazes e produ­
tivas. Possuir um bom método significa saber aplicar também as técnicas de

2 MAVNI Z. U.; HOLM, k.; HÜKNEK. !J. Iinnuluu ió» o /<>.<métodos de In sociologia
aitpirtca. M a d rid : A li.tn /a , IWttt. p. Ií>.

516
í lt\ «Uíll llil (Vu\uhii hhlón, tf

trabalho mais apropriadas Por isso, <k todocienlista social escrupuloso, e na


turalmente também do pesquisador da história, há de se poder dizer que pos
sui um “oíkio", quer dizer, que domina o método e as técnicas adequadas para
seu trabalho.
Existem muitas técnicas de manipulação orientadas para n pesquisa
cientifica e seu número aumenta a cada dia, mas todas possuem certos traços
comuns. As técnicas se agrupam segundo suas características em práticas de­
limitadas e coerentes - por exemplo: técnicas gráficas, técnicas estatísticas,
técnicas documentais, técnicas de arquivo, de pesquisa, de amostragem, etc. -
epie estão a serviço do método, ou de alguma de suas fases, na pesquisa cien­
tífica. No mundo da pesquisa empírica, as técnicas desempenham um papel
fundamental no contexto da coleta de informação, da>observação. O progres
so das técnicas acarreta o progresso dos métodos, mas por si só não são capa­
zes de fazer avançar significativamente a ciência.

A c i Assiik :a <;a <) das iè c n ic a s

í- possível a classificação das técnicas em função de diversos critérios,


de forma que é pouco provável encontrar uma classificarão única e geralmen­
te aceita. Admite-se, de início, que o critério mais primário é aquele que as di
vide em técnicas qualitativas e técnicas quantitativas. Para distingui-las com
algum rigor, é necessário igualmente não confundir o que são técnicas nor­
mais de‘ quantificação" com pressupostos metodológicos “quanlitavistas", que
São duas questões distintas.
As técnicas qualitativas são aquelas que trabalham com dados não expres­
sos de forma numérica, quer dizer, com conceitos agrupáveis em classes mas não
suscetíveis de adquii ii valores mensuráveis numericamente. A medida numérico
é, pois, a chave da distinção entre os dois tipos de técnicas, mas não é uma dis­
tinção absoluta. As técnicas quantitativas são aquelas que operam com conceitos
suscetíveis de tomai diferentes valores ou magnitudes que podem sei expressos
como série numérica, lisses conceitos são os que normalmente se chamam variti-
ivis. A técnica que opera com .dados quantificados por excelência é a estatística.
Outra classificação possível para as técnicas,que tem interesse eni relação
com as liistoi iográlicas, é a que distinguiria técnicas de observação documental de

517
HiWí .1
<l>iri>Jn/i‘n ih/líditílV/li<líiriiu

outras de observação direta. Denlro de cada um desses grupos apareceriam as


qualitativas e as quantitativas e ainda outras distinções segundo o caráter e obje­
tivo de cada uma. As técnicas de observação documental, como seu nome indi­
ca, seriam as aplicáveis ao estudo dós “documentos", atualmente de muitos tipos
diferentes e sobre variados suportes, tom a peculiaridade de que sempre nos da
riam uma observação mediata da realidade. Documentos escrito s- de arquivo,
publicações olkiais periódicas ou não, livros, folhetos, opúsculos diversos, im
prensa, etc. - ou documentos visuais ou sonoros seriam os tipos fundamentais.

Quadro 10 - Naiurcza das técnicas

Arquivo
Olvservaçao docnmcinal Imprensa
i Publicações oficiais
Icxlos Bibliográficus

Técnicas arqueológicas

Qualitativas
Análise dc conteúdo
Técnicas filológicas
Estudos liugiiíslivos

História oral
Pesquisa oral
Técnicas de pesquisa Questionário

Tabularão e indexação

Descritiva
rstJliM ica

Quantitativas Inícrencial

'Análise textual quantificada"

Técnicas gráficas

3 T o m a m o s essas idéias d o v d h o c h a s U n le c o m p le to livro tle D U Y LK G fcK , M . A le


n u los tlc I«* i iena a< su a n le s. B a rc c lo n i: Ariel, l % 2 . Ê csi.i a i lassilicaváo co n trai que
D u v crg e r l'az «las lec nicas.

518
I
<Ílffll/fí*•>
«■tállísili m /VjiJ/i/jm/lí.»l(*rn»i

As técnicas dc observação direta seriam aquelas das que, cm linluis ge­


rais, podemos dizer que constroem elas mesmas os documentos. Sào as técnicas
de amostragem, em revista, entjiiele, testes, observação participativa ou a mais
moderna de intervenção sociológica.' Essas técnicas poderiam ser agrupadas
em dois tipos: observação direta extensiva - amostragem, questionário distri­
buído, enquete - ou intensiva - testes, entrevistas, intervenção ou observação
participativa - segundo, justamente, o maior ou menor grau de intervenção
do pesquisador na preparação da documentação.
I ma classificação tlesse tipo, sem perder de vista seu relalivismo e suas
imperfeições, tem para o entendimento das técnicas do historiador um interes­
se inegável. Hm linhas gerais, pode-se dizer que o campo técnico do historiador
é o da observação documental, a observação mediata. A característica da pesqui
sa historiográfica é, essencialmente, .1 de que não pode construir sens dóaimen-
tos. Ainda que, de modo algum, se deva confundir isso com o lato de que o his
loriador não construa suas fontes. A fonte é uma escolha do historiador a partir
dos documentos existentes nos quais organiza e seleciona a informação que lhe
interessa. Mas, como afirmamos, essas observações são corretas de forma geral,
mas não absolutamente. Na pesquisa da “ história recente” o historiador pode
empregar as técnicas de observação direta: técnicas de pesquisa oral (história
orai), questionários, etc. A velha posição metodológica que não considerava a
historiografia como “ciência de observação” carece hoje de qualquer sentido.
No que se refere às técnicas disponíveis para o historiadoi e do ponto
de vista central de seu caráter qualitativo ou quantitativo, uma classificação
simples poderia ser feita como a do quadro 10.

T ratam ento t e m á t ic o d a d o c u m e n t a ç ã o e s c r it a :
ARQUIVO li HKMEROI EGA

Entre o acervo geral das técnicas que se encontram à disposição do pes­


quisador social é claro que o historiador pode lazer um uso normalizado de
muitas delas, uma ve/ que lerá muitas limitações e, inclusive, impossibilidade

I 1’ nitic.ul.i, p o r e x e m p lo , p o r M . V iew iork.t -■ p ro p ó sito «la .ty lo te rro rista cm Sitdt1-


té <*f T en y rism v . I';iris: Fav artl, T ra ta -s e tle K iu V crs.m V s coletivas c o m p ro l a -
gonistiis c u m in te rro g a d o r q u r ilirige a ioi»vcrs;i.

519
/'«l/f»' .*
í*< I/Ilfdíl/I.7l/|’ llll Klr.l/lM Jh,/l>/lVlS

ilc* empregar outras. Entretanto, a barreira tradicional que durante muito


tempo acreditou-se que existisse entre a análise dos documentos do fumsntio
como elemento essencial da tareia do historiador, frente à análise de docu­
mentos do presente como o próprio de outras disciplinas os dom mentos do
sociólogo, antropólogo ou polilólogo deixou de ser aceitável, ao menos de
lorma absoluta. E não o é em dois sentidos: porque a historiografia atual não
se recusa, de modo algum, a entrar na análise histórica de processos muito re­
centes cuja documentação pode ser considerada “presente” e porque, ao con­
trário, sociólogos,antropólogos e demais pesquisadores fazem liso também de
documentação histórica/
A tloannenlaçíio escrita que o historiador emprega pertence, em todo
caso, a dois grandes campos:
• documentação de arquivo
• documentação bibliográfica c ht-merográfica.
1-m princípio, hoje aceitamos que a distinção tradicional, também em
certos preceptistas, entre fontes de tipo documental e outras bibliográficas não
lem razão de ser. Do ponto de vista da construção do discurso histórico isso
tem pouca relevância." A análise tradicional da dociiinentaçiio de arquivo é o
que o historiador enfrenta com os HJr?fd5de um fundo documental que são os
que reúnem informações muitíssimo variadas, que aqui, é claro, não podemos
classificar de forma detalhada, e que lãcilitaram a “ informação fálica”, de “fa­
tos”, com a qual o historiador constrói seu relato. Comumente, os fundos do
cumcntais públicos, os arquivos públicos, em diferentes estados de conserva­
ção e catalogação,olerecem hoje ao historiador lòutes que foram já submeti
ilas processos de identificação, inventário, catalogação e racionalização em
geral, por meio de uma refinada técnica da arquivistica que, em seus funda­
mentos, todo historiador, ainda que não seja especialista, deve conhecer.
A regra de ouro de toda exploração documental de arquivo é, sem d ú­
vida, a de que a bnsca e a exploração da documentação há de ser feita a partir

f. CHAUMJPK, 1. 1 es in lm n j u e i i/rujiMieif/imes. Paris: PUF, 1986. p. 23 et seq.


Ver ó hom critério que adota, neste sentido, tuna análise geral das lonles para .■ his­
toria da Espanha como a que n presenta a Unciclopediu d e H hioríti d e fcfuirio. M a­
drid: Alian/a, I 9‘)3. v. 8 , dirigida por M . Artola e este volume, especifica mente, por
M . Perez Ledesma.

520
i K>
M ,‘f>hín r In uiiiir rii» ('i-fi/H h is f i M it r ii u

dc uma boa planificaçao da pestpiiut que é a única que permite otirui/ar »> tra­
balho <lo ponto de vista tlc uma observação imprescindível:
• possibilitar, buscas exaustivas;
• permitir a orientação da busca;
• produzir 11111 agrupamento correto chis informações;
• latililar um controle claro das “lacunas” da informação.
A técnica de exploração documental tem como ponlo-chave não só a
leitura correia das documentações encontradas, quer dizer, a extração de iti-
forninçno primária, informação factual de qualquer tipo, seja de expedientes
administrativos, correspondência, contabilidade ou qualquer Outro tipo de
documentos, como também, sobretudo, o trasvasc das informações obtidas ao
aparato <le “organização da informação". O pesquisador constrói tipologias
em função de seu projeto e suas formas de trabalho: fichários de conteúdo,
base de dados, compilação de citações, etc.
A “ leitura” de um documento, ao contrário tio que possa parecer, não
é coisa fácil. Um pesquisador não pode simplesmente ler um documento
para captar seu sentido superficial, mas sua leitura deve estar orientada, e de
fato o está, para a busca de coisas concretas. Porque a leitura da informação
é sempre "hipotética", está orientada por perguntas. Algo diferente disso sig
nificaria praticamente a impossibilidade de superar o nível da “descrição”.
Um historiador não lê, “para ver o que há”, senão buscando coisas orientadas
por um projeto prévio de observação. Há uma análise externa e inteina de
um documento, da forma e do conteúdo. Uma análise contextuai e outra
substancial. 0 tudo isso independentemente das questões de cnlica tlocuincn-
lat de que já tratamos e que são diferentes e, provavelmente em muitos casos,
prévias ao que agora tratamos aqui.
A documentação hetnerogwftca c bibliográfica tem, por sua ve/., seus
próprios condicionamentos. De inicio é preciso assinalar que toda pesquisa
em qualquer ciência social e, portanto, em historiografia, é impossível de ser
levada a bom termo sem um correto c suficiente apoio bibliográfico. Quer d i­
zer, sem a consulta do aparato preciso da bibliografia científica sobre um de­
terminado tema, á qual é possível ter acesso por meio de repertórios variados,

7 1 H JV E R G E R , M . A/êí<w/r*s tlc las e ie m i/t t n u iu le s . Ila rc e lo n a : A ric l, l % 2 . p. 151


£1 seq.
ÍMl/O I
í.k i'i(fii|iriN'>/A<( i/ii «iíiiJÍ/si1Ziii/il/íi ii

catálogos de bibliotecas, bases bibliográficas i u f b i matizadas, etc." Não é possí­


vel definir um projeto de pesquisa ou planejar sua estratégia sem um conhe­
cimento, «wriMsfm» até onde seja possível, do vstario da questão cientifica em
mu determinado campo temático e em um determinado momento. A biblio­
grafia existente sobre um lema não só e a primeira e fundamental fonte de in ­
formarão, cuja consulta pode ter, justamente, o resultado de descobrirmos
que um determinado tema ou não foi tratado ou o foi de forma insuficiente,
senilo que a bibliografia existente e a que vai sendo produzida é sempre um
controle imprescindível para o próprio processo de pesquisa.“ Descobrir o Me­
diterrâneo’' c, como se diz no jargão especifico da pesquisa, a conseqüência de
não conhecer suficientemente o estado de um tema científico.
Os livros, folhetos e outras publicações de imprensa não periódicas, ou,
em determinados casos, .is documentações escritas em outros suportes e for­
mas, tais como manuscritos, papiros, inscrições, etc. constituem um campo
essencial e muito tipificado da documentação de qualquer pesquisa historio-
grálica sobre qualquer época. Os progressos da documentação arquivística e
da observação direta não invalidaram, de modo algum, o fato de que a cons­
trução histórica continua se baseando também em relatos antigos, relatos de
época, trabalhos histoi iográíicos anteriores, livros de memórias, ensaios e
toda a bibliografia utilizável para obter evidências empíricas sobro um perío­
do ou um problema.
A íhcuinentaçâo heinerogràfica nos coloca diante de um dos conjuntos
documentais de maior interesse hoje na pesquisa da história em todo Ociden­
te desde o século 18. A imprensa foi a fonte de comunicação pública de maior
importância desse século e foi adquirindo relevo cada vez maior ít medida em
que nos aproximamos da época recente. Para as pesquisas em história políti­
ca, cultural, social, a imprensa é uma fonte imprescindível. Mas os problemas
de crítica tias fontes da imprensa são de grande envergadura.' As informações
da imprensa necessitam de uma estrita e profunda depuração conforme tcc-

8 Ver SANCHEZ NISTAL, I. M. Prohleina*. v soluciones para l.i l>ãs«|iicda de mlbr-


mación bibliográfica en la investigjcinn histórica, fn : MONTANARI. M. ei al. P ro­
b l e m a s a c i u a l e i i t c h i l u > s > n i u . Salamanca: 1'nivcr.sidad de Salamanca, 1
‘W.V p. 9- 18.
y Entre as obras básicas para iniciar •• estudo dos problemas criiico.s da imprensa
como fonte histórica, ver BAUKF.ItE, B. ei al. XU uulologíti </r In h isio rm tlc In piv/i-
sii csfuuioliu Madrid: Siglo XXI. 1982.

522

I
i tiyi/ii&i v
Aítí.v/.' i kvi/hv.*/iii ;ir;^Mi>ii tinfiiriai

nicas que adquirem hoje um alto grau de sofisticação. A importância da im ­


prensa é tal que por si só constitui, inclusive, um campo de estudos historio-
gráfico preciso história da imprensa e do jornalismo além de seu uso
como fonte para outras muitas setorializaçocs.
I inalmcntc, hoje em «lia, em llnais do século 20, a ilocmnélitaçào escri­
ta, que além daquelas de arquivo e da hemerográfica compreende os amplos
géneros das “ publicações oficiais" das administrações públicas, das empresas e
instituições de lodo tipo —censos, anuários, informes, estatísticas de difc-ren
tes tipos, etc. é a predominante no aparato informativo do historiador. As
técnicas de pesquisa fundamentais se dirigem hoje primordialmente, ao tra­
balho com documentação escrita. Mas já parecem claras as tendências em di
reçào ao crescimento da importância das fontes visuais' ou iconográjicas, so­
noros, informáticos, etc., que no futuro chegarão a adquirir provavelmente
maior importância do que os textos escritos que hoje respondem pela maior
parte das manifestações culturais.

I.IN C iU A G EM F D ISC U R S O

Na atualidade, a mera leitura temática das fontes escritas não basta para
o progresso técnico da pesquisa histórica. O progresso das técnicas qualitativas
caminha, evidentemente, na direção daquilo que chamamos informações prim á­
ria*, quer dizer, o que se obtem de informação “direta” por ineio da leitura do
conteúdo de um texto, vá sendo progressivamente mais elaborado por técnicas
complexas que permitam organizar conjuntos de dados por meio do estudo de
codificações menos aparentes que o texto também contém: a língua, a semióti­
ca, á semântica de um texto podem nos trazer conteúdos "subjacentes”, ocultos,
que a mera leitura primária não descobre. É por isso importante que o historia­
dor que trabalha sobre fontes escritas de caráter textual conheça as mais diferen
tes técnicas de análisé cias codificações ocultas dos textos que outras disciplinas
praticam. Ainda que se trate de uma especialização laboriosa.

II) Existe liojc nesse sentido a incógnita de que todavia nao se conhece hein a dorabi
lidado ilos suporto?» de .uio.i/euamemo de informação como lllas magnéticas de
áudio ou video, disquetes e outros.

523
fW/1- J
<tf imUiiiitiVlos <!<<«KiinVíf híilòi iVir

Naturalmente* estamos lãlando aqui das técnicas de trabalho na análise


dos textos de fontes para a história em uma posição teórica bem distante da que
defendem as correntes pós-modernas e, especialmente, desconslmcionistas,
como a de Jacques Derrida, que tornam problemática a própria noção de fonte
textual, uma ve/, que se nega o “caráter referential” do texto, assunto que já co­
mentamos anteriormente. A possibilidade de que um texto não possa ser toma­
do como "representação’' de uma realidade, que c o caso proposto pelo estrulu-
ralismo de Derrida, que não seja entendido como algo mais que uma codifica­
ção fechada em si mesma - que deve ser descodificada sem referente externo,
destrói a própria idéia de fonte histórica escrita.1 Nãoé esta a nossa posição.1'
O rec urso habitual aos procedimentos filológicos, estado da língua, uso
selei ivo de palavras, estudos etimológicos, variações semânticas, é hoje acompa­
nhado de recursos semióticos, de referências aos meios que o emissor da men­
sagem tem para produzir sentido, ao uso da linguagem metafórica, ou a distri­
buição do discurso em relação com os momentos sucessivos de um processo de
comunicação. Os princípios da teoria da comunicação, como a de I labermas, ou
de inferência hermenêutica, como a de Ciadamer, são hoje elementos muito
úteis na análise da informação histórica do ponto de vista da linguagem.
Em lodo caso, o recurso da linguagem como elemento de apreensão do
histórico não é recente, mas tem na verdade certa tradição. A filologia e a his­
tória têm agido em colaboração há muito tempo. Um livro pioneiro nesse
tema foi <» de Regine Kobin." A análise da linguagem é um primeiro método
de aproximação mas no qual certa epistemologia vê mais um cárcere do que
um progresso. O estudo da língua em relação com os processos históricos
também foi ampliado até a análise propriamente literária do “discurso” histó­
rico, no que uma tradição norte americana representada por I layden White,
Dom inick I.a Capra, Louis C). M ink, ou o magistério de \\ Ricoeur, tiveram
uma iniluência decisiva. Mas trata-se de um a s s u iiL o que vai muito além das

11 Ver G. M. Spil^el, ilistory, llhunitism. nutl Thr Stu itil Logic 0/ ilw Tcxt, p. 59 c
seguintes.
12 Nosso posição se encontra, naturalmente, mais próxima <b <|iie expõe MORÀ-
OIELLOS, II. Ultimas corrionies en historia. Jliíkniti mkm K 16. p. 97 ei sc«|.. 1993.
Os textos são "representações".
13 KOBIN, R; Hhíoiteel l.inguistitfiie. Rios: Arm.iml Colin, 1973.

524
t

< <l/'i lnh> V


A/iViMi»|‘/iVJnnii ml fvxjli/MOi/liUlc.i

técnicas ile «ináliso hislórica. Nesse sentido técnico, é mais imporlanie o estu­
do do aparecimento do “ lato lingüístico" como fato histórico.1. As mudanças
sociais são também mudanças de linguagem. A linguagem adquire sua forma
genuína no conceito e, conío estabeleceu Wittgenstein, é uma representação
do inundo que diz quase tudo sobre uma época.

A ANALISE DE CONTEÚDO
é

De forma geral, podemos chamar as técnicas que permitem obter iri


lormaçao adicional dos documentos escritos através da análise de suas codifi­
cações internas de técnicas de tundisc dc contctido, mas esse sistema de traba­
lho admite diversos níveis e objetivos. Podem ser feitos estudos do vocabulá­
rio de forma quantitativa, da semântica, das foi mas de expressão e tudo isso
admite e, possivelmente, torna recomendável o estudo comparativo. Por ou­
tro lado, a análise sistemática de um texto do ponto do vista de sua língua, de
semântica ou sintaxe, de sua "mensagem", necessita também da aplicação de
certas técnicas numéricas: contai tipos de palavras, por exemplo, classificar ti­
pos dc orações ou de frases, analisar freqüências de certas formas ou cei tas as­
sociações de palavras e de idéias, etc.
A ntuilisedc contendo (A C ) é uma técnica antiga, mas desenvolvida hoje
sobre bases muito mais sofisticadas, que acaba sendo essencial na analise qua­
litativa de dados. Trata-se de uma técnica baseada na análise da linguagem,
mas cujo objetivo não é conhecê-la em si mesma mas “ in le iii” alguma outra
realidade distinta por meio dela. A AC começou como análise da propaganda
e da linguagem política.'' A A<! foi definida por B. Berelson como "uma técni­
ca de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteú­
do manifesto da comunicação”." Unia definição mais completa é hoje a que

11 A C IIA R D , I*. ct al. iD ir.l. Ilislo irc ct I J n g m t i ifi ir : P aris: M aiso n d e s Scien ces de
I I la m in e , 198*1.

I > UAKDIN, I... th•coincnido. M.idi id: Akal, llJW>. \\ 11,


16 Apud I1AUÜIN, 1. A ntíliiií d c contcnido. Madrid: Akal, 19K6. p. 13. Essa «lua clãv
sii:.i dê 15. Kcrclsnn da ijual parte essa lecnico moitcma c ('.o incm Atuilyti* in Ghii-
nntuiciiiioii t i a a i i i h . New York: The Free Press, 1952.
M r r r t ' .<
O i i m l r u i i i i i i l i t t ili i i i i h l ü n ' l/ ifK lritii

estabelece que c “ um coniim io de técnkas de análise das comunicações' que


lende a proporcionai indicadores (quantitativos ou nào) |>oi meio do proce­
dimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo d;is mensagens,
permitindo a inferência de conhecimentos relativos ás condições de produ­
ção/recepto {variáveis inferidas) dessas mensagens"."
A A C aplica-se a documentos de interesse qualitativo certamente, mas
os mesmos podem ter uma orientação tjiinliunivn ou (fiuiutitiitivít. Pode bus­
car tornar ostensível alguma qualidade da mensagem, sua capacidade de per­
suasão ou sua intenção política, por exemplo, ou pode pretender contar o apa­
recimento de palavras para ver o estudo da língua. Nesse sentido, a AC é uma
parle do que Duverger chamou “semântica quantitativa”. ' Nos anos posterio­
res a I 960, a AC avançou cm função da aplicação tio computador, do estudo
da comunicação não verbal e tia maior precisão aplicada ã análise.
As técnicas de AC são sempre muito abertas, já se afirmou que é preci
so inventá-las cada vez que se as emprega.
A A< tem certos padrões que podem ser descritos em poucas palavras.
Pode-se entender brevemente seu caráter por meio de quatro características
essenciais:
• campo;
• procedimento analítico;
• objetivo de inferência;
• relação com a lingüística.
Campo. O campo de aplicação da análise de conteúdo não deixa de fora
nada que corresponda a sistemas de intercomunicação por meio da lingua
gem: textos escritos de todo tipo, discursos orais reunidos em algum suporte,
etc. H esse é um dos seus principais problemas, posto que é aplicável também
ã comunicação não verbal, de onde deriva a dificuldade de uma sistematiza
ção fixa tias técnicas tle análise.

17 Fniende-se que qualquer tipo de “cdmunicaçao” verbal nào sc refere as conuinka-


ções eletrônicas n em aos meios de coniunicaçao.
IX BARDIN, I . A iuilisist te t m t o i i d o . Madrid: Akal, 1986. p. 32.
p) DUVERGER, M. \4étotlt>$ tle I tm ic n e itb soeitile*. Barcelona: Ariel, 1962. p. 165. AN
I »F.R- FGG, F. Técniettt tle invesii^ieióti s»i nr/. México: lil Ateneo, 1993. fala tainhêm
tle unia “seinánlii a diferem ial". p. 339 e seguintes.

526
I np)tul,>9
(Vi^ubt luM.li I. It
I- V i l í i u i í Ill)

Andlisc sistemática, K o moinento-chave dessa técnica. A lécnica tia A C


é difícil de tlefinir a partir de seu campo, a lim de que seus procedimentos de
análise resultem mais delimitai ivos. I lá várias lormas de sistematizar a manei­
ra de procedera uma AC. A análise de um texto, de um discurso, começa sem­
pre com uma descrição dele, mas isso é uma questão meramente introdutó­
ria. Naturalmente, as operações parlem da divisão de um texto em unidades
previamente designadas: palavras, orações, parágrafos; «lo estabelecimento de
categorias de classificação, quer dizer, criar uitulatlcs básicas tie codificação.
Uma vez que se têm claras as unidades ;i analisar - palavras, frases, documen­
tos normalizados (cartas, pasquins, imagens simples, etc.) - pode-se em
preender um tipo de análise dupla: categorial e estrutural.
A análise categorial é a que decomj>õc e distribui um texto nessas caie
gorias, em grupos de características homogéneas, morfológicas ou de outro
tipo: os adjetivos, os tipos de orações, os significantes políticos, etc. O traba­
lho fundamental é o estabelecimento dessas categorias em lunçáo do que se
pretende pesquisar e atendendo a normas técnicas e lógicas precisas. As cate­
gorias devem ser objetivas, homogéneas, excludenies entre si, exaustivas e per­
tinentes. "“A análise vale o que valem as categorias previamente definidas”. As
categorias classificatór ias podem se referirá matéria (temática), forma (decla
rativa, promocional, etc.), apreciação (valorativa),etc.
A análise estrutural é a que estabelece não uma classificação em catego­
rias mas sim a que aprofunda na sua organização as características de suas re­
lações - quantas vezes aparece uma determinada relação de palavras, por
exemplo a situação dos elementos em um todo e outros. A análise estrutu­
ral supõe a categorial e a aprofunda.
A análise de conteúdo pode ser realizada, naturalmente, cm diversos
níveis. Quanto mais minuciosa for a base categorial, quer dizer, quanto maior
for o número de “unidades de análise", e mais desagregante for o critério de
divisão do texto empregado, mais completa será a análise, mais completa e
mais rica cm possibilidades. Uma coisa é analisar no nível das palavras e ou
tra no nível das frases, parágrafos ou temas; Pode ser também mais ou menos
acentuado o emprego de um aparato numérico ou estatístico.

2 0 Ibitl., p. 2 7 .

527
/»•r/l*.*
I I* U tílf\llH * -n h ff l l l l l/iu lt iu - il< < ll'líl/l

Inferência. A questão fundamental na técnica ila AC, como em qualquer


outra, é que persegue um objetivo que vai além da própria manipulação do
real. A análise interna de um lexto ou de qualquer outra estrutura que possa
ser decomposta em elementos não pretende ter um fim em si mesmo, senão
que pretende, mediante essa técnica, lazer uma inferência-, quer dizer, averi­
guai outras coisas que a observação primária dos dados não nos diz. Assim, a
AC “identifica e descreve de uma maneira sistemática as propriedades lingüís­
ticas de um texto com a finalidade de obler conclusões sobre as propriedades
não-linguísticas das pessoas ou os agrupamentos sociais’’.'1 Por meio da anali
se da linguagem de um documento pretende-se averiguar coisas sobre aqueles
que o escreveram, suai. intenções, interesses, situação ou importância em um
contexto social dado. A questão essencial é, pois, que a análise dos documen­
tos os trata como indicadores, como indícios ou vestígios, de uma realidade
que se intui - que é “hipotética” - e que se quer desvelar.
Os livros de memórias, submetidos ã AC, podem ser um excelente
exemplo do que queremos dizer. A análise do conteúdo lingüístico de um ma­
nifesto político pode levar a estabelecer sua inautcnticidade por não encaixar
sua linguagem em uma série bem conhecida de textos políticos do tipo dos
quais aquele se diz pertencer. As inferências podem ser mais ou menos am­
plas. Desde aquelas que se referem somente a pessoas muito ligadas ao con­
teúdo dos documentos até a tentativa de reconstruir situações sociais de maior
alcance. Na historiografia» como em qualquer outra disciplina, se procede
sempre por meio de “restos documentais”. A rigor, nenhuma realidade presen
te ou passada nos c dada de imediato: é preciso inferi-la.
I.ingtta. Uma AC tem uma estreita relação com a língua, mas nãoé uma
análise da linguagem, e sim de palavras. O que interessa é o conteúdo das pa-

21 MAYN I Z, II.; I IOI..M, K.: I lOllNEU. I*. Intrxuluu iõii a los inàhulos de la sociologia
empírica. M a d rid : A lian& i, 1 9 8 8 . p. 198.
22 AUOSTHCíUI, |. El Maniliéstn de l.i "Fedcr.uión de Realista* Puros" IIK 26). Cion-
trilnicinn al estúdio Ue los grupos políticos vn cl reinado de Fern.iiido VII. In: í :.s-
nuiios tle Historia Conicntporãnco. Madrid: Insliuilo "Immimo Zurila’' dei C.SK .
1976. v. II. p. 119 1K5. Nesse trabalho pretendia-sc demonstrar «|ue o Manifesto
aludido era nin.i falsificaçao liberal que queria se fa/cr passar por realista ou- apos­
tólico' proclamando rei Carlos Maria Isidro de Itorhõn, irmão dc Fernando VII.O
cMudo de sua língua prati« ainente nao deixa lugar para dúvidas: sua terminologia
imo c i autenticaniciite realista da época e tampouco soas idéias.

528
lavras não .1 linguagem em si. Por isso .1 AC chega a ser "análise tio discurso",
uma análise semântica do que o emissor de uma mensagem quer realmente
dizer ainda que pareça dizer outra coisa.

A AN Al isr 1)0 DISCURSO

Um exemplo característico do uso da análise do discurso para desen­


tranhar o significado de determinadas situações históricas nos é dado sobre­
tudo pelos trabalhos sobre a análise do discurso político empreendidas por
Aiitonio R. de l.is I leras c seus discípulos. Uma das técnicas empregadas é a
chamada análise (ias regulações, ' onde o indicadot c o perfil da discurso, Por
meio desse procedimento de análise do discurso pode se entrar na análise do
poder, das estratégias e regulações do antagonismo. O método empregado nos
trabalhos da escola de A. R. de las I leias compreende sete regulações: sublima­
ção, favor, desvio, medo, culpabilidade, repressão, expulsão. ’ São estratégias
para regular a relação orador/auditório.
A regulação de um discurso tem dois momentos ou elementos: perfil e
seqüência.*" Mas, na realidade, esses elementos, no nível mais elevado, parecem
mais uma estratégia de regulação de contradições do que de relações de poder.
O tratamento d(> discurso político resulta essencial em certo tipo de história,
porque o ‘ discurso político” é o canal fundamental de comunicação entre o po
der e a sociedade. O discurso politico é algo institucionalizado na época con­
temporânea. Parece, no entanto, que um problema básico dessa análise é o de
ter de estar sempre mesclando inlei prelações' formal/quantitativas com as con
ccitnal/qnaliiolivas. Nenhum desses sistemas não tem tradução no outro.

23 DlAZ BARRADO, M. P. Audlisis <kl i/wcJirsi» político. U n a aplicaciõn uw todülógitü.


Mérida: Editora. Regional «Ir Fxtremadtir.i. tl).S'*J. AMADOR. M. P. A u iilitis <k los
Qiceres: Universid.nl de
discursos de I ruucisco I n a n o. U a a aplicnciáu tfietodológko.
(.nccres, 1987.
21 DÍAZ tUURA DO, M. P. A natisis </<*/ discurso fw lllk o . U m ap Jkaciõ í/ hw ituiológica.
Mérida: Editora Regional dc Fxireinadura, t‘W). |». 18.
25 Sem dúvida, .1 teoria poderia ter encontrado termos iimís preciso» para expressar
essas conotações semânticas.
2(\ I)ÍAZ BARRADO, M. P. A ndlhis ( k l discurso politico. U no oplicación nie/odolóyica.
Mérida: túlitora Uogion.il de Fxlremadiira, 1V8M. j\ 32.

529
ZiUtíJ
I *' ifH /rw i> iiilli> .' i / i / ■. iiv i

O perfil faz alusão ã “quantidade“, ao nível, cm cada regulação. As sete


regulações definidas podem sei reduzidas a três blocos levando-se em conta
seu fundamento teórico e o lato de que se tratâ de regulações de antagonismo.
I sublimação favor; 2 desvio-mcdo-culpabilidade; .í repressão-expulsão. F.
possível, em lodo caso, c]tie esse tipo de Iratamenlo possa ser colocado em
contato com outros do base dialética e com a teoria dos jogos.
A sajüêncin é a sucessão das regulações. Uma espécie de elelro encefa-
lograma do discurso. Analisando, portanto, grandes quantidades de texto de
discursos se pode chegar a criar, com base em perfis e sequências, uma tipo­
logia ilos discursos." O lipo de discurso de debate, de Parlamento, é um deles.
Esse tipo de discurso também pode, 110 caso político, revelar que nos encon­
tramos na primeira fase da vida de uma associação que acaba por não aceitar
o sistema no qual está imersa.-“
As técnicas documentais que a historiografia emprega são, em linhas
gerais, mais limitadas tio que aquelas de outras disciplinas que podem “cons­
truir" de alguma maneira seu campo de observação, coisa quê, em princípio,
não parece possível 110 estudo do passado. K possível utilizar a técnica da cn-
(fitctv em historiografia? A resposta óbvia parece sei negativa. Nilo é possível
inquirit documentos escritos; outra coisa é a história oral de que falaremos
depois. Não obstante, é possível aplicar 11111 ifitetlioiuírio de perguntas à docu­
mentação histórica? Essa, desde já, parece outra questão. A possibilidade de
uma análise extremamente formalizada de uma documentarão histórica, qua­
litativa ou quantitativamente falando, depende do próprio caráter da fonte,
antes ainda que do objetivo da pesquisa.

27 DÍAZ IJARRADO, M. f . Análisis 4M í/i<i urso politico, U n n aplicaiiõn metmbhbiiai.


Mérid.i: Editora Regional tic Extremadura, 1‘WJ. j>. 3fi.
28 Uin.i apresenla\âo mais reconte sobre a análise tios discursos que apresenta tam
bem mu tratamento da imagem em DlAZ BARRADO, M. P. Menuvin th' lo pulu
bm. iipologii 1 >/<•/ iliscursO lo/iwiiipordnm Cáccres: Universidad tie Extremadura,
1987.
2si As técnicas do questionário são descritas em todos os manuais de técnicas de pes­
quisa social. Algumas proposições bastante novas e recentes são expostos cm MI­
LES, M. B.; MUBERMANN, A. M. Qt/iilimtiw Data Analysis. London: Sage. I 99'l.
Sen capitulo 2 trata da prepararão do proieto de questionário. Ver igualmente os
n atados citados de Dnverger, Garcia Ferrando et al., rest ingere Katz, Sierra Bravo,

530
cjtfíi/iki v
U r i i i / o c ftv v iv .M u i l(i».'i"v«vi

Quadro 11 Perfis ile discursos, >t'guiitio o regulação de “sublimação"

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S6

Precisamente, as documentações wiadtts, de tipo diverso, sao as que


perniiliri.in) a aplicação de técnicas de questionário e. se for necessário, de
tuiioilrogcni. A formalização dos dados, um tratamento que permita sua or­
ganização e.sti ita - tabulação, sua classificação em cal ego i ias, sua estrita seria
ção cronológica *pode ser um objetivo desejável na pesquisa histórica se com

M) C A K D O S Ü , C .: B R K ÍN O I I. II. P e i e /. lo s i n c i o M tlc In historio. f a r c d o n n : Criii


c a . 1 9 7 6 . p. 2 7 7 .

531
P k irí.' 1
Õ> J l U l i i w t c H h H <hi i i l u í t i s v h i s l j t k t i

isso "se puder ver mais coisas". Mas esses trabalhos, sobretudo com dados qua­
litativos, textos, expedientes verbais - jurídicos ou de outro tipo informes,
etc.,só se justificam pára seu uso instrumental, não em si mesmos.

A HISTORIA ORAI COMO TÉCNICA: AS FONTES ORAIS

A ‘'história oral" ( 110) é lima atividade historiográfica que compreen­


de duas coisas diferentes que seus próprios cultivadores distinguem e que é
preciso manter separadas conceituaimente. A HO é, de um lado, “um acesso
ao histórico” que supòe um determinado tipo de fontes, os testemunhos orais,
e um determinado método de trabalho para obtê-los, para fazer um discurso
histórico, no entanto, do mesmo tipo do feito com outras fontes e método.
Nesse sentido a história orttl seria uma técnica qualitativa praticada com um
certo tipo de fontes, as orais.
Mas enquanto a história oral como técnica exclusiva só é possível no
âmbito da história recente, c enquanto sua temática e sua própria forma de
acesso aos talos têm concomitâncias com pesquisas como a sociológica e a psi­
cológica, entre outras, a HO pode ser considerada como uma setorialização
historiográfica, como uma especialidade temática e, até mesmo, como uma es­
pecialização cronológica, com o que saímos do âmbito das técnicas e inclusi­
ve da teoria disciplinar da historiografia para nos depurarmos com uma par­
te substantiva do estudo da história.
O que aqui nos interessa éa primeira das acepções, a da HO como uma
técnica - ou um método, se pretei irmos - qualitativa de trabalho com fontes
específicas." Dessa fornia ela é caracterizada por um dos pioneiros dessa espe­
cialização historiográfica, Paul Thompson. A HO adquiriu um importante
desenvolvimento na década de 1980.*" Sua forma de pesquisar consiste concre-

31 A melhor introdução cm castelhano aós antecedentes c desenvolvimento da histõ


ri.i oral õ o livro de JOUTARD, P. H. iísrrs mv5 ifite nos lk$wt dei pasatio. México:
F C E , 1 9 8 6. ' •

THOMPSON, P. I.o voz <M pusaib. Historia dnr/. Valencia: Alfons el Magnánim,
1988. A edi\íto original e de Thompson atualizou as edições sucessivas.
<3 Existe urna associação internacional de seus estudiosos <)ral History, livcrnationai
fourmi of OroI History, Historia yfticnic arai (Barcelona), alguns centros onde se es­
tuda especialmente como o Institut dTlistoiie du Jemps Présent (Paris), seminá­
rios espcci ticos, etc.

532
< ïi/»i7iiAi y
AI<!W.<i i>triuiMthi fh‘>i(itnnhn/irrim

lamente no emprego de testemunhos transmitidos oralmente ao historiador,


0 que tornou fundamental o uso tio gravador on video-cassete, segundo o
projeto sobre uma determinada pesquisa.' A entrevista pessoal é, pois;básica.
Todos os praticantes e tratadistas do assunto reconhecem que é a consiniçifo
</<.*suas próprias fontes o que constitui a peculiaridade máxima desse tipo de
historia. í: isso acaba poi ser uma das características mais interessantes que
podem ser destacadas do panorama das fontes historiográficas e das técnicas
de pesquisa.
Com efeito, é esta uma técnica historiográfica que aproxima a H O dos
modos de pesquisa de disciplinas como a sociologia, psicologia ou antropolo­
gia. lí que a coloca fora da impossibilidade geral da historiografia, que já des­
tacamos, de construir suas próprias documentações. A técnica da 110 pode se
aproximar o quanto se quiser da entrevista sociológica, da enquetc, da inter­
venção, do teste, da observação participativa e outras. Mas está claro cjue seus
objetivos podem ser, e de lato são, inteiramente diferentes dos dessas técnicas,
dado o caráter muito mais envolvente, globalizaute, que tem a<l IO.
A I IO e um instrumento verdadeiramente novo e de imensas possibi­
lidades na pesquisa histórica do mundo presente. Os estudiosos destacaram
que sua temática e orientação até o presente peneirou em âmbitos da realida­
de social que a historiografia acadêmica convencional deixou desatendidos:
grupos marginais ou em vias de desaparecimento, discriminados, submetidos,
analfabetos, eic. A MO estendeu-se por campos como a história das relações
de gênero e a história local, terreno este em que veio a coincidir com a micro-
história.' Km suma, já se disse que a HO é a encarnação completa do que li. |.
1 lobsbawm chamou a “história vista de baixo". Seus problemas melodoiógi-

31 Uni exeinpki da «liliis.ii» que esse tipo tle pesquisa lem alcançado lia Espanha c
dado pelii célébras'»!« cm Barcelona <lu V Congresso Iniemauimal em 1V85 e a con­
tinua rçalizaçâo de Jornadas ondcsc trata dos mais variados itfriias. Cl. TRU|I1.LA
NO, ). M. (tel.). Ilis t o r iii y l)u 'n ic< o n d es."M cn iv rin y m ie d n d a i lu l û a w t e u i
Actasde las III lornndas. Avila: Fundacion C iilinr.il Santa Teresa. 1993.
fnuïitieo“
3r> Ver, por exemple, POU AK, M. Pour un inventaire. / .< • > Caillées de l'IH T P , Paris,
n. I: Questions a l'Histoire Oral, p. IS, juin l‘>.S7.
3f> J O U T A R l A P. H . É siis nnr.< f/ne nos llc g m d c l j><i»tdo. M t 'x ï c o : l ' Œ , p . .r/ 3 .

.e / N IJT T IIA M M FR , I . Para ipié sirve la 1 1 .0 .? Ilit u iiia y fu n t/e oral, B arcclo n a, n.
Mcnioria y Biogralia» p. h, 1989.
3fl FRASHR, R . l a liis lo ri.i o r.il c o n iO liis lo r ia d esde ab ajo . In : R U IZ TORRP-S, P. ( lid , ) .
l.a h is to riu j'.ra li i. /\ jrr, M a d r id . 12. p. 79, 1993.

533
Muh-.«
I •> ilh ln t iH l'illiK ' i l l I «/«Afí*fíl»i>rir;l

cos c técnicos, dos quais tbi se ocupando cada vez mais - foi assinalado por M.
Pollak que se publicam mais trabalhos metodológicos ilo que de pesquisa
são, no entanto, de certa envergadura.
O problema ciitico e técnico da fonte construída sobre declaração
oral reside nas dilieuldades de sua objetividade, sua exaustividáde, sua
transcrição correta, a dinâmica específica que se estabelece entre entrevista­
dor e entrevistado, a complementariedade com outras fontes, etc. Nesse ú l­
timo aspecto, deve-se dizer que uma parcela de grande autonomia e também
de tbrte presença interdisciplinar é a da construção histórica mediante o re­
lato oral do passado de povos agrafos, que não têm fontes escritas, na Á fri­
ca ou Oceania. A construção da fonte oral está sujeita a uma série de con­
dicionantes “de situação“ psicológicas c sociológicas, que certamente a do­
cumentação escrita não tem. A coleta e controle dos testemunhos orais são
tarefas cujo rigor deve ser extremo. O procedimento técnico tem três mo­
mentos que foram descritos de forma brilhante por I!. I*. Thompson; proje
to, entrevisto e armazenamento e peneiro.
A enquetú oral é o elemento básico dessa técnica. Mesmo apresentando,
é bem verdade, problemas de “distanciamento”, tem as vantagens de toda co­
municação imediata que permite abrir sempre novas vias de informação. Tra
ta-se de uma técnica que prima absolutamente pelo qualitativo, o subjetivo,
com problemas de censura e auto-censura e oferece lambem a vantagem de
tpie a forma Ião peculiai de reunir a informação não impede que posterior­
mente se possam aplicar a seu tratamento técnicas relinadas, como a da ana­
lise de conteúdo, por exemplo. A ausência de uma padronização das enquetes
pode set outra das dilieuldades para objelivar a I IO. Isso se associa ao proble­
ma do nivel de “represenlalividade" que o agrupamento de fontes orais pode
aportar ao estudo de um problema concreto. O número das entrevistas que
uma pesquisa necessita é uma questão metodológica importante.

39 Uma síntese atual de seus problemas cm PR INS, G, I listori» Oral. In: lUMiKt. P.
(F.d.). tonnas tiehaeer historia. Madrid: Ali.mza. 1991. p. I-M et seq. Essa contribui
ÇiH» Iião tala de outra coisa além do que assinalamos,.
•II) VOt DMAN, D. L'invention du témoignage oral. (J a r s rions. p. 77 cl seq. ( ) liistori.v
dor oral Icm de “inveiMar” a tonte.
-It THOMPSON, P. lu I"02 d e l pnstuto. Ilisio rio o ra l. Valencia: Allons el Magnanim,
1988. cap. h, 7, 8.
•12 POLI AK, M. Penn un inventaire. Lei C a h iers i le t ’I U T P , Paris, n. I: Questions à
l'Histoire Oral, p. 19, juin 1987.

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I ilfittlth * 9
AMiiiíiri'M/iiiviy jv/ifufsii lii<uiri(ii

A HO apresenta, sem dúvida, um panorama técnico delicado no momen-


lo de sua projeção real na pesquisa. Isso explica que boa parte dessas pesquisas
sejam obra de equipes de pesquisadores, o que iios coloca lambem frente a ou­
tra característica nada habitual do trabalho historiografia).1' O projeto da pes­
quisa, a preparação de questionários e a orientação clara das perguntas neles con­
tidas, etc. têm uma importância fundamental. Kstamos diante de um lipode ira
balho histórico onde a retificação dos erros, do projeto ou da realização ou de
orientação, ê muito mais difícil do que na pesquisa histoiiográtlca convencional.
Independentemente das u iticas suscitadas e dos debates metodológicos,
a H O trouxe interessantes contribuições para o conhecimento confrontado de
acontecimentos recentes de grande transcendência: a Segunda (merra Mundial
do ponto de vista de diversos países, os episódios de resistência e repressão, a
guerra civil espanhola,-1' a vida em bairros da periferia, etc. Entretanto, na téc­
nica da HO, é preciso introduzir uma dupla distinção que afeta em grande me­
dida o seu uso e eficácia. Por um lado, há uma notável diferença entre sua apli­
cação a elementos individuais, o que em seguida obriga à reconstrução pelo
historiador de Ioda a observação/ ou a grupos e com técnicas de intervenção
coletiva. À outra distinção essencial é a que se estabelece entre o uso da HO de
forma exclusiva, o que iá nos coloca nessa especialidade historiográfica i\ qual
nos referíamos, e que e o que tem dado a essa atividade sua importância.em es­
treita relação com a concepção de uma história recente, ou o uso de fontes orais
de forma complementar à documentação convencional, prática adotada com
relativa freqüência pelos pesquisadores de história contemporânea.

■13 C.AUCiA NIETO, M. C.; VAZQUEZ DE PAKGA, M.; VII.ANOVA, M. Historia,


Diente y Arehivo oral. Actus del SetnituUio "Hiseuo de Projretö* dt Historia Oral",
Madrid: Ministerio de Giltum. 1990. Os tres trab.»Iluts mclmdo.s tratain da criasän
e utili/acao de fontes, valor da foate oral c projeio?, c ei|iiipes.
44 ö (rahalho pionciro e mais conhecido c o de FRASER, K. Kecuerdalo tu y ir< m'rda
Io ii oiros. Barcelona: Critica, 1979. 2 v. Eraser escrcveu aiml.i mn texto nictodolo-
)-iio sohre o assunto. Nos mesmns cni|uegainos abundamciilcineute a HO na re-
mnsii n^ao da historia das milkias n.i guvita civil de I 93C», mas sempre como com­
plement!) de mitras fontes.
4f> Issn iio s c o lo ca ta m h e m n o te rre n o d<> iis<> d a b iografia c o m o lu n d a m c n to da re-
constrii«,ao liism rio g ra lica . C f. R O SA , (E d .). liiografia »• Storiityntfia. M ilan o:
E ra n co A n gcli, I9& *. E M O R A L E S , A. Bioijralia )• ii a r r a c io n e n la histuriognifi« a c ­
tual. In: PwWrMni.' <hi tittles. p. >.u > <.i sei). E a p iru eta d e N O R A , P. lE d .). Ifetth
<raj>o-ltisioire. P aris: <iallim ard , |9#7, o h d e m n c o n jim io d e "g raiid es” d a h isio rio -
g ra lia fhm eesa l'a/em M ia p ro p ria “ h istoria d e vida".
ftir w J

O ’ t i l ' l l n i M l l h H i 'l l f liM Í W J in / i 'i i û i

A técnica <la I IO tem convergido cada vez mais com a técnica mais li-
mitnda da chamada história tie vitlti - l ife History - que disciplinas vizinhas
praticam há muito tempo." A conexão ou diferença enlie uma e outra impõe
alguns problemas. Além disso, a analogia t|ue se quer ver, às vezes, entre “his
tória de vida” e uma “ história cotidiana” não parece correta. A história de vida
(I IV ) é. em linhas gerais, “a narração da vida de uma pessoa feita por ela mes­
ma". Lm principio é, pois, uma fonte simples, bem delimitada, utilizável de di­
ferentes maneiras. Defende-se, às vezes, que não é possível lazer uma boa I IC)
sem que haja um fundo de HV.,TOs problemas normais da validade epistemo-
lógica da fonte oral se complicam na I IV pela absoluta proximidade do pro­
dutor com o compilador da lónte.
Poi isso, há fortes correntes propensas, por um lado, a integrar ao mé­
todo o falo inevitável de que a subjetividade preside essa pesquisa, buscando
justamente essa subjetividade.1 A experiência do sujeito foi posta cm relação
com sua possível exploração psicanalíticn, com a exploração e interpretação
dos “silêncios” etc." E são propensos, por outro lado, a considerar que há um
conceito mais amplo da extroversão,tia subjetividade histórica do indivíduo
que é o de “documentos pessoais”, de forma que a pesquisa oral se completa­
ria com o uso de outras fontes como cartas, diários, fotografias, etc.

•16 C f. T o n iin o lo g io •icntlín v-íot ml, p. 1 5 7 -4 3 8 p ara u m a d efin ição b reve. B ER T A U X ,


L>. íiio^ ia phy iim l S in iciy . U m ■ton: Sage, 1 9 8 3 , c .> c o m p ila rã o d c lexto s d c M AUI
N A S, I. M .; SA N T A M A U lA . C . I.a fih ta iin un i/: m é to d o s y exp e rie n cia s. M ad rid :
D e b ate. 1 9 9 3 , i|uc m n s ira a a p r o x im a r ã o d o assu n to .i p.irlir d a s h istórias d c vida
d«i p sicologia e so cio lo g ia , l’o d e -s e v er t.im h é m P U JA D A S M U N O Z , 1.1. /•/ tnctoila
biográfico: ol u so d c las h isto ria s d e vida c » ciê n cia s so ciales. M ad rid : C e n tro de In-
v cS lig icio n e s S o cio ló g ica s, 1 9 9 2 . U m te x to q u e , a lé m de tu d o , d e s c o n h e c e coniple
la m e n te a e x is tê n cia d a I listória O ra l.

47 M Vilanov.i em GARCIA NlfcTO, M. C.: VÁZQUB7. DL 1'AKCA. M.; VII ANOVA,


VI. Historio. Ivauc yAnhiw orai. Acias iIci Scinhuiria “t>iscno <h Proyvchtt tle His­
toria (bol”. Madrid: Ministério dcOdlura, 1990. p. 31.
4K POII AK, M. Poui un inventaire, les ( ahias tic l'IHTP, Paris, ii. 4: Questions à
l’Hisitiire Oral, p. IR. juin 1987.
•19 1H0 MPSON, P. l a iv»z J r i pasaila. Ilis io n a uni/. Valcncia: Allons cl Magnànim.
198«. p. I 7X. passim.
50 PLUMMHK, K. l.o< <loatnitnlo* phsonaks. Intiwltin ion a lus fmihlanos y NMiognifin
iIci arctotlo Ininionisty. Madrid: SigloXXI, 1989. Livrodenso e completo mas de gran­
de inten-ssf pelo tratamento interdisciplin.ir dos prohlemasdas histórias de vida. Ver
tambein PINEAU, G.; I.EGIÍANI >, J. L. Ic< Itisioin's ih vie. Paris: PUI:, 1994.

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