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Estrutura e Legislação da Aviação Civil

Módulo 1 – Unidade 3

REGULAÇÃO E PAPEL DA ANAC

Ao final desta Unidade, você deverá ser capaz de:

 Reconhecer a necessidade da regulação de mercado.

 Descrever regulação de comando e controle e as atividades que a compõem.

 Elencar as alternativas à regulação clássica.

 Explicar a abordagem de regulação baseada em riscos.

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Nesta Unidade vamos tratar dos conceitos básicos da regulação e o papel da ANAC.

 As agências reguladoras foram criadas como instrumento de controle estatal sobre


atividades econômicas que não funcionam adequadamente se deixadas agir livremente.
 A forma mais restritiva de regulação, conhecida como “de comando e controle” ou
“regulação clássica”, envolve três atividades: regulamentação, fiscalização e enforcement.
 As agências reguladoras somente devem optar pela regulação de comando e controle
quando não for possível regular por meio de alternativas menos onerosas para o mercado.
 Devido à natureza finita dos recursos e à crescente demanda por regulação, as agências
reguladoras trabalham com a abordagem de regulação baseada em riscos.

As agências reguladoras foram criadas como instrumento de controle estatal


sobre atividades econômicas que não funcionam adequadamente se deixadas
agir livremente.

As agências reguladoras derivam de um processo que ocorreu no Brasil nos anos 90


de abertura de mercado e transferência de atividades anteriormente desenvolvidas por órgãos
governamentais e empresas públicas para o setor privado. Com a liberalização, o Estado
reservou para si o controle sobre as atividades, por meio das agências reguladoras.

A ação regulatória, portanto, se justifica quando existem monopólios, lucros


excessivos, necessidade de garantir oferta, necessidade de preservação de bens públicos,
etc. Além disso, as agências reguladoras estão incluídas em um sistema estatal complexo, o
qual pode dar origem a outras falhas, regulatórias e institucionais. A tabela a seguir mostra
em mais detalhes os diversos casos nos quais se justificam as ações da agência.

Falha de mercado Ocorre quando os mecanismos de mercado não são capazes de originar
resultados econômicos eficientes, provocando alocações imperfeitas de
recursos e impedindo o alcance de bem-estar máximo do ponto de vista
social, o que oferece o suporte econômico para eventual intervenção
governamental. As falhas de mercado mais comuns são poder de mercado
(monopólio, monopólio natural, concorrência imperfeita), externalidades
positivas ou negativas, assimetria de informações, existência de bens
públicos ou meritórios.
Falha regulatória Ocorre quando uma ação regulatória, adotada para solucionar um problema,
não consegue resolvê-lo satisfatoriamente ou ajuda a criar novos problemas.
Isso pode ocorrer por diversos motivos como falha na implementação ou
fiscalização da regulação, consequências imprevistas, inconsistência entre
regulações concorrentes ou complementares, etc.

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Falha institucional Ocorre quando as instituições atuam de forma disfuncional ou tem uma
performance não satisfatória, prejudicando a eficiência e eficácia dos
processos ou impedindo o alcance dos objetivos almejados. Falta de clareza,
duplicação ou sobreposição de competências entre instituições, rigidez para
alteração de normas ou estruturas para se adaptar a novas realidades,
captura das instituições, são exemplos de fatores que podem causar falhas
institucionais.
Riscos inaceitáveis Ocorre quando existe a necessidade de se evitar riscos que são
considerados intoleráveis ou que só podem ser justificados em
circunstâncias excepcionais. Este tipo de risco pode variar em função da
cultura local, do nível de riqueza do país, etc.
Garantia de direitos Ocorre diante da necessidade de intervenção para garantir ou preservar
fundamentais direitos fundamentais dos cidadãos como vida, liberdade, integridade,
segurança, privacidade.
Políticas públicas Ocorre quando há a necessidade de intervenção para garantir objetivos
perseguidos por políticas públicas como equidade, moradia, saúde, proteção
da indústria nacional.

As agências reguladoras são, portanto, responsáveis pela regulação de seus setores


de competência, dentro de limitações estabelecidas em lei. O termo “regulação”, no entanto,
possui diferentes conotações. Em um sentido mais amplo, pode-se entender a regulação
como uma atividade intencional, que visa alterar o comportamento de terceiros para obter um
resultado específico. A figura a seguir mostra tudo o que pode se enquadrar nesse conceito.

O controle social pode ocorrer de


diversas formas, que podem incluir
propaganda ou a publicação de
informações de mercado, por exemplo.
Esse seria o conjunto maior que engloba
todas as formas de regulação. Algumas
formas de controle social envolvem a
intervenção mais direta do Estado, como,
por exemplo, o estabelecimento de um
programa de fomento.

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A forma mais restritiva de regulação, conhecida como “de comando e controle”


ou “regulação clássica”, envolve três atividades: regulamentação, fiscalização
e enforcement.

A figura a seguir mostra o conceito dessa forma de regulação:

Na regulação clássica, o Estado define o que considera como comportamento


desejado por meio da regulamentação (ou normatização). As agências reguladoras possuem
delegação do Estado por meio de suas leis de criação para baixar regulamentos. Na ANAC,
esses regulamentos são baixados por meio de Resolução. Caso sejam relacionados à
segurança, são estabelecidos Regulamentos Brasileiros de Aviação Civil – RBACs para
indicar ao mercado o que a ANAC considera como comportamento aceitável.

A regulação clássica também envolve a verificação do comportamento do regulado por


meio de fiscalização. Essa atividade pode ser exercida de diferentes formas. A ANAC realiza
auditorias presenciais e remotas, vistorias, mas também fiscaliza a aviação civil por meio de
informações prestadas pelo próprio regulado.

O terceiro aspecto da regulação clássica envolve a promoção da modificação de


comportamento do regulado. Essa atividade é conhecida como enforcement (coerção) e é
praticada pela ANAC em forma de advertências, multas, suspensões e cassações, previstas
na Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, Código Brasileiro de Aeronáutica.

O grande objetivo por trás do enforcement é conscientizar o regulado acerca da


importância do cumprimento da regra. Para que isso seja efetivo, é necessário que o regulado
tenha percepção de justiça no tratamento que recebe da agência.

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Os regulados deixam de cumprir normas por diferentes motivos. Os principais deles


estão listados a seguir:

 o regulado tenta honestamente e é capaz de cumprir a norma, mas comete


erros que causam o descumprimento;
 o regulado discorda da norma e descumpre propositalmente;
 o regulado não possui os recursos ou conhecimentos adequados e, portanto,
não consegue cumprir a norma;
 o regulado verifica que os benefícios do descumprimento superam os custos e
opta por descumprir a norma.

O conceito de fiscalização não é muito claro na legislação brasileira e o termo enforcement não é utilizado.
Quando uma lei cita “fiscalização”, na maioria das vezes inclui tanto as atividades de verificação do
comportamento quanto de promoção da modificação de comportamento.

Essa forma de regulação (comando e controle) é considerada “pesada” pelo mercado.


Ela envolve custos e burocracia, requer que os regulados despendam tempo para adequação
às novas normas, as quais nem sempre são tão claras e às vezes resultam em conflitos com
outras regulações de diferentes níveis hierárquicos.

As agências reguladoras somente devem optar pela regulação de comando e


controle quando não for possível regular por meio de alternativas menos
onerosas para o mercado.

Algumas dessas alternativas são mostradas na tabela a seguir.

Autorregulação A autorregulação é o tipo de regulação em que um grupo organizado da iniciativa


privada regula o comportamento de seus membros.
Por ser o próprio setor a elaborar e monitorar a norma, há uma maior aceitação
por parte dos regulados, os quais se sentem mais responsáveis pelo seu
cumprimento.
Corregulação A corregulação, ou regulação compartilhada, é o tipo de regulação no qual o
mercado desenvolve e administra seus próprios padrões, mas o Estado fornece
o apoio legal para permitir que eles sejam aplicados.
Incentivos A regulação por incentivos econômicos pode ocorrer de diversas formas.
econômicos A forma mais direta é aquela que ocorre com a aplicação de impostos, taxas,
multas, penalidades ou a concessão de subsídios ou financiamentos.
Outra forma é a criação de mercados de comercialização de direitos, licenças ou
permissões. O mercado precificará esse direito, fazendo com que ele seja
alocado para regulados que podem usá-lo de forma mais eficiente.

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Informação e A regulação por meio de informação e educação pode ser empregada para
educação corrigir a assimetria de informação entre os regulados ou para melhorar o
conhecimento dos regulados acerca do problema.
Pode ser feita pelo próprio regulador ou por meio de imposições sobre os
regulados.

A captura é um fenômeno que ocorre quando uma agência reguladora deixa de


agir em conformidade com o interesse público para a qual foi criada e passa a
agir de forma a atender outros interesses, comerciais ou políticos.

O fenômeno da captura ocorre devido ao fato de alguns segmentos regulados usarem


seus recursos para influenciar as decisões do regulador, enquanto outros afetados da
sociedade, muitas vezes alheios ao processo decisório, exercem pouca ou nenhuma
influência. Com isso, ocorre uma distorção do resultado, em prejuízo do interesse público.

É comum que a captura ocorra devido a pressões da indústria ou de políticos, mas


nem sempre ela ocorre por vontade do regulador. Pode ocorrer devido ao fato de o regulador
não dispor de informações adequadas ou devido à proximidade entre o regulador e o regulado,
por exemplo.

Esses dois aspectos são “faces da mesma moeda”: o regulador não dispõe de
informações adequadas porque está muito afastado dos conhecimentos do mercado. Ao se
aproximar do regulado para obter as informações necessárias, corre o risco de uma
aproximação excessiva que resulta em favorecimento.

Nos últimos anos, os concursos públicos permitiram que empregados de empresas


reguladas pela ANAC se tornassem servidores da agência. Com isso, muitos servidores hoje
têm amigos e até familiares que trabalham nas empresas do setor de aviação. Isso diminui o
risco de que a ANAC seja capturada por não dispor de informações adequadas, mas por outro
lado aumenta o risco de captura devido à proximidade. Os servidores nessas condições
devem se esforçar para combater a captura e trabalhar em nome do interesse público,
atentando para o código de ética do servidor público.

Devido à natureza finita dos recursos e à crescente demanda por regulação, as


agências reguladoras trabalham com a abordagem de regulação baseada em riscos.

Neste modo de regulação, os recursos da agência reguladora são direcionados às


atividades que são mais relevantes para mitigar o risco de que o objetivo da agência não seja

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alcançado. A figura abaixo mostra um exemplo de aplicação dessa abordagem, considerando


as formas de regulação que vimos anteriormente.

Em situações em que o risco é aceitável, a forma ideal de regulação seria baseada em


informação e educação. Não seria razoável impor ao mercado normas prescritivas em
situações em que a simples conscientização dos regulados já gera resultados eficazes. Por
outro lado, à medida que aumenta o nível de risco, torna-se justificável a ação mais próxima
do regulador e uma maior imposição de custos ao regulado.

A regulação baseada em riscos se reflete nas diferentes áreas de atuação da ANAC.


Na regulamentação, as normas são mais restritivas para atividades que envolvam transporte
de passageiros em grande número. Na certificação de produtos aeronáuticos, a ANAC se
envolve mais detalhadamente nos aspectos mais críticos para a segurança. Na fiscalização
de organizações de manutenção, a ANAC inspeciona com mais frequência as organizações
que trabalham com os maiores aviões de transporte. Esses são alguns exemplos, mas a
abordagem permeia toda a atividade da agência.

Na próxima Unidade trataremos da Convenção de Chicago e da ICAO.

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