Trabalhos Originais
Samir Aldalla Mustafá1, Maria de Lourdes Brizot1, Mário Henrique Burlacchinite Carvalho1, Maria Okumura1,
Lilian Patroni Toro1, Marcos Marques Silva2, Marcelo Zugaib1
RESUMO
Objetivo: avaliar o prognóstico fetal dos casos de onfalocele com diagnóstico pré-natal.
Métodos: foram analisados 51 casos de onfalocele com diagnóstico pré-natal e divididos em
3 grupos: Grupo 1, onfalocele isolada; Grupo 2, onfalocele com malformações estruturais
associadas e cariótipo normal; Grupo 3, onfalocele associada à cromossomopatia. As análises
foram realizadas em relação à sobrevida geral e pós-correção cirúrgica, considerando as
malformações associadas, idade gestacional no parto, peso no nascimento e tamanho da
onfalocele.
Resultados: o Grupo 1 correspondeu a 21% (n = 11), o Grupo 2 a 55% (n = 28) e o Grupo 3
a 24% (n = 12). Todos os casos do grupo 3 evoluíram para óbito, e a cromossomopatia mais
freqüente foi a trissomia do 18. A sobrevida foi de 80% no Grupo 1 e de 25% no Grupo 2.
Dezesseis casos foram submetidos à correção cirúrgica (10 isoladas e 6 associadas) e 81%
sobreviveram (8 isoladas e 5 associadas). A mediana do peso no nascimento dos sobreviventes
pós-correção cirúrgica foi 3.140 g e dos que morreram foi de 2.000 g (p = 0,148) e a idade
gestacional do parto foi de 37 e de 36 semanas (p = 0,836), respectivamente. A relação das
circunferências onfalocele/abdominal diminuiu com a idade gestacional, 0,88 entre 25-29
semanas e 0,65 entre 30-35 semanas (p = 0,043). Não foi observada diferença significativa no
tamanho da onfalocele nos 3 grupos (p = 0,988) e influência deste prognóstico pós-correção
cirúrgica (p = 0,553).
Conclusão: a sobrevida geral e pós-correção cirúrgica foi de 25 e 81%, respectivamente. As
malformações associadas representam o principal fator prognóstico das onfaloceles com
diagnóstico pré-natal, visto que se associam com prematuridade e baixo peso.
para esclarecer sua origem. Em casos de onfalo- O conteúdo herniado foi discriminado de
celes extensas, nas quais há herniação de fígado acordo com os órgãos exteriorizados em: intesti-
e alças intestinais, o defeito pode resultar da in- no; fígado; intestino e fígado; fígado e estômago;
terrupção no desenvolvimento dos folhetos late- fígado e coração; fígado, intestino e estômago; fí-
rais e de falha no fechamento da parede, por volta gado, intestino e coração. Os fetos com defeito
da terceira ou quarta semana de vida embrioná- extenso da parede abdominal anterior foram ex-
ria. Porém, nas onfaloceles pequenas, em que so- cluídos.
mente as alças intestinais estão herniadas, o de- A avaliação morfológica detalhada e a
feito pode ser resultante de uma falha nos estági- ecocardiografia fetal foram realizadas em todos
os finais de fechamento dos folhetos laterais, se- os casos para diagnóstico de outras malforma-
cundário à exposição a agentes teratogênicos ou ções associadas. Após a confirmação do diagnós-
alterações genéticas que predispõem ao desenvol- tico, foi realizado aconselhamento genético e ofe-
vimento de malformações4. Todos os órgãos abdo- recido análise do cariótipo fetal por meio de pro-
minais podem herniar, sendo mais freqüente a cedimentos invasivos como a amniocentese ou
protusão de alças intestinais, estômago e fígado. a cordocentese.
A associação de onfalocele com anomalias As informações sobre os fetos que nasce-
cromossômicas ocorre em 8 a 67% dos casos5-7, ram neste serviço foram obtidas dos prontuári-
sendo freqüente as trissomias do 18, 13 e 21. A os, e sobre os nascidos em outros hospitais, por
incidência de anomalias cromossômicas é maior contacto telefônico ou carta-resposta.
na presença de outras malformações e quando Para análise dos resultados, foram conside-
a onfalocele é pequena, contendo somente o rados: idade materna, idade gestacional no diag-
omento ou intestino4. nóstico, cromossomopatias associadas, malforma-
Algumas síndromes genéticas também po- ções associadas, tamanho da onfalocele, conteú-
dem se apresentar com onfalocele, tais como a do da onfalocele, volume de líquido amniótico, ida-
pentalogia de Cantrel (onfalocele, defeitos do de gestacional no parto, peso no nascimento, sexo
esterno, do diafragma anterior e defeitos cardía- do recém-nascido, evolução da gestação e evolu-
cos) e a síndrome de Beckwith-Wiedemann ção pós-correção cirúrgica.
(onfalocele, macroglossia e gigantismo)8. Para melhor avaliar a evolução e prognósti-
Fetos com onfalocele apresentam alta mor- co da gestação, dividimos os casos em 3 grupos:
talidade, que varia de acordo com a presença de Grupo 1, onfalocele isolada sem anomalias
malformações ou cromossomopatias associadas. cromossômicas (Tabela 1); Grupo 2, onfalocele
Quando isolada, o prognóstico é muito bom, com associada a outras malformações sem anomali-
uma taxa de sobrevida de até 94%9. as cromossômicas (Tabela 2); Grupo 3, onfalocele
Este estudo tem por objetivo avaliar o prog- com anomalia cromossômica (isolada ou associ-
nóstico das onfaloceles com diagnóstico pré-na- ada; Tabela 3).
tal.
Pacientes e Métodos Tabela 1 - Evolução das onfaloceles isoladas com cariótipo normal (grupo 1).
ID = idade materna; IGD = idade gestacional no diagnóstico; IGP = idade gestacional ao parto;
P = tipo de parto; ACH = achados; EG = evolução da gestação; CONT = conteúdo da onfalocele;
Foi realizado levantamento retrospectivo TAM = tamanho da onfalocele.
dos casos de onfalocele com diagnóstico pré-na- CASO I D IGD SEXO CONT TAM IGP P PESO EG
tal, atendidos no Setor de Medicina Fetal do Hos- 1 28 30 M F >5 cm c 1800 Onn
35
pital das Clínicas da FMUSP, no período de ja-
2 34 32 M I <5 cm 39 c 3295 vivo
neiro de 1992 a abril de 2000.
Para o diagnóstico de onfalocele conside- 3 30 33 NM I NM NM NM NM vivo
ramos a presença de protrusão dos órgãos ab- 4 23 27 F F+I+ E >5 cm 39 c 4180 vivo
dominais envolvidos por uma membrana e com 5 20 35 M I >5 cm 39 v 3780 vivo
inserção do cordão umbilical no saco herniário. 6 25 33 F F >5 cm 37 c 2590 vivo
As medidas da onfalocele foram realizadas
7 29 27 F F >5 cm 38 c 3520 vivo
em corte transversal na abertura da parede ab-
dominal. Foi considerada onfalocele grande aque- 8 23 28 M F >5 cm 30 NM NM RPM-onn
la com diâmetro do saco herniário maior que 5 9 19 32 F F+I <5 cm 36 c 2400 vivo
cm. Também foi calculada a razão entre a cir- 10 22 26 M F >5 cm 36 c 2270 vivo
cunferência da onfalocele e a circunferência ab- M = masculino; F = feminino; NM = não mencionado; v = vaginal; c = cesárea;
dominal. onf = onfalocele; onn = óbito neonatal; RPM = rotura prematura das membra-
nas; F = fígado; I = intestino; E = estômago.
Tabela 2 - Evolução das onfaloceles associadas a outras malformações com cariótipo normal (grupo 2). IM = Idade materna; IGD = idade gestacional no diagnóstico; MFs ASSOC =
malformações associadas; IGP = idade gestacional ao parto; TP = tipo de parto; EG = evolução da gestação; CONT = conteúdo da onfalocele; TAM = tamanho da onfalocele.
Tabela 3 - Evolução das onfaloceles com cariótipo anormal (grupo 3). IM = Idade materna; IGD = idade gestacional no diagnóstico; CARIO= cariótipo; IGP = idade gestacional no parto;
TP = tipo de parto; EG = evolução da gestação; CONT = conteúdo da onfalocele; TAM = tamanho da onfalocele.
Na análise estatística foi utilizado o teste tacional no parto e peso no nascimento entre os
de Mann-Whitney para comparação da idade ges- grupos. Na avaliação da evolução da relação do ta-
venosa do fígado e falência renal. Kamata et al.16 cia de 35% de recém-nascidos pequenos para a
atribuem a mortalidade à hipoplasia pulmonar idade gestacional. No presente estudo a
presente nos casos de aberturas extensas da pa- prematuridade ocorreu com maior freqüencia no
rede abdominal. Por outro lado, estudos que avali- grupo com outras malformações associadas. No
aram a relação entre o diâmetro transverso da grupo com onfalocele isolada, 44% dos partos ocor-
onfalocele com o diâmetro transverso do abdome reram antes de 37 semanas. Entretanto, a medi-
não observaram esta diferença na ausência de ana da idade gestacional no parto foi de 37 sema-
anomalias associadas13. Mabogunje e Mahour17 nas. A prematuridade não foi fator importante no
também não encontraram associação entre o ta- prognóstico pós-cirúrgico, uma vez que os três ca-
manho da onfalocele e a mortalidade neonatal (> sos que morreram apresentavam idade
ou < do que 4 cm). No presente estudo o tamanho gestacional de 36 a 38 semanas.
da onfalocele também não influenciou o prognós- Apesar de não ter sido demonstrada dife-
tico pós-correção cirúrgica. rença significante entre os pesos no nascimento
Fetos com onfalocele apresentam alta mor- dos que sobreviveram comparados com os que
talidade, variando de acordo com a presença de morreram pós-correção cirúrgica, dois dos 3 ca-
malformações ou cromossomopatias associadas. sos que morreram apresentavam peso <2.000
Quando isolada, o prognóstico é muito bom, apre- gramas. A ausência de significância pode ser
sentando uma taxa de sobrevida de até 94%9. Ob- justificada pelo número pequeno da amostra. Dunn
servamos taxa de sobrevida maior no grupo com e Fonkalsrud15 referem que 62% dos fetos que so-
onfalocele isolada (80%) comparada com o grupo breviveram à correção cirúrgica apresentavam
com anomalias estruturais associadas (25%). As peso maior do que o percentil 50 no último exame
anomalias associadas mais influentes na morta- ultra-sonográfico.
lidade pós-cirúrgica foram as cardiopatias. No gru- Kirk e Wah 18 descreveram que o parto
po com malformações estruturais sem anomalias cesáreo trazia poucos benefícios em relação ao
cromossômicas a sobrevida foi de apenas 31%. parto vaginal. A injúria ou a rotura do saco
A sobrevida dos recém-nascidos que foram herniário e do cordão umbilical são pouco fre-
submetidos à correção cirúrgica foi de 81% (13/ qüentes, e não foram observadas nesta série. O
16), sendo 8 isoladas e 5 associadas. Dos três argumento maior em favor da cesárea eletiva é o
casos que evoluíram para óbito pós-correção ci- parto programado em ambiente asséptico e com
rúrgica dois apresentavam onfalocele isolada. preparo de todas as condições necessárias para
Van Zalen-Sprock et al. 12 observaram o recém-nascido. Já Cameron et al.19 referem que
translucência nucal aumentada ou higroma a opção pela via de parto depende do tamanho e
cístico em 47% (n = 8/17) dos casos com do conteúdo herniado: onfaloceles grandes teriam
onfalocele diagnosticados no final do primeiro e indicação de cesárea. Lurie et al.8 não observa-
início do segundo trimestre da gestação, e todos ram vantagem da cesárea em relação ao parto
os 8 casos apresentaram cariótipo anormal. Na vaginal, mas recomendam que para os casos de
presente série, com exceção de um caso diag- onfaloceles grandes (>5 cm) seja realizada a
nosticado neste Serviço com 13 semanas de ges- cesárea. A carência de estudos randomizados,
tação e translucência nucal normal, todos os ou- comparando estas duas vias de parto, justifica a
tros foram encaminhados no segundo ou tercei- polêmica e a divergência observadas na literatu-
ro trimestres, sem referência à medida da ra. A conduta adotada no nosso serviço é de
translucência nucal. cesárea após a 38a semana, para os casos que
Heydanus et al.11 não observaram alteração sugerem bom prognóstico, e parto vaginal para
no volume de líquido amniótico com a onfalocele. os de mau prognóstico ou letais.
No presente estudo, encontramos uma maior ocor- Observamos que o principal fator prognósti-
rência de poliidrâmnio (29%, 15/51) em relação co nas onfaloceles com diagnóstico pré-natal são
ao oligoidrâmnio (12%, 6/51). as anomalias cromossômicas e estruturais as-
Séries com diagnóstico pós-natal referem sociadas, uma vez que se associam com prema-
que a síndrome de Beckwith-Wiedemann apre- turidade e baixo peso.
senta onfalocele associada em 10-15% dos ca- A conduta obstétrica pré-natal na presen-
sos17. Observamos um caso desta síndrome com ça de onfalocele deve incluir a investigação do
suspeita diagnóstica pré-natal sendo confirma- cariótipo fetal e avaliação ultra-sonográfica de-
da no pós-natal. O feto apresentava onfalocele, talhada para detecção de outras malformações
macroglossia e visceromegalias, com peso no associadas, incluindo-se ainda a realização de
nascimento de 4.950 gramas. uma ecocardiografia fetal. A importância do di-
Sermer et al.14, observaram prematurida- agnóstico pré-natal por meio da ultra-sonografia
de (<37 semanas) em metade dos casos e incidên- reside no diagnóstico correto da malformação e
na identificação dos fetos que terão bom prognós- 3. Moore KL. The digestive system; In: The developing
tico. Esses aspectos contribuem para o aconselha- human. 3rd ed. Philadelphia: W.B. Saunders;
mento dos pais e permitem formular um plano 1982. p.227-55.
racional da conduta obstétrica e perinatal. 4. St-Vil D, Shaw KS, Lallier M, et al. Chromosomal
anomalies in newborns with omphalocele. J
Pediatr Surg 1996; 31:831-4.
5. Nakayama D K, Harrison M R, Gross B H, et al.
Management of the fetus with an abdominal wall
defect. J Pediatr Surg 1984; 19:408-13.