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São Paulo
2014
PATRÍCIA DO PRADO FERREIRA LEMOS
São Paulo
2014
FERREIRA-LEMOS, P.P. O sujeito e o gozo escópico na sociedade contemporânea
conectada. Tese apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia
Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de
Doutor em Psicologia Social.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
Aos meus pais
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Raul Pacheco, a quem admiro pela generosidade e paixão
em transmitir, por me acolher tão bem desde quando me interessei pelo Núcleo de
Psicanálise e Sociedade, por todas as trocas dentro ou fora da sala de aula, pela leitura
cuidadosa de minha tese, pelo respeito às minhas ideias e pelas sugestões apresentadas.
Aos professores doutores Sonia Borges e José Aidar, pelas valiosas sugestões no
momento da minha qualificação e aos professores doutores que compõem a banca
examinadora.
Ao meu querido Pedro, sem o qual este processo seria ainda mais solitário, por não
medir esforços em me levar, buscar ou esperar, pelo respeito aos meus silêncios,
ausências, angústias, loucuras, pelo amor e por tudo que dividimos desde quando nos
conhecemos.
Aos meus pais, Antonio e Angélica, por toda ‘humanidade’ que transmitem, por
respeitarem nossas diferenças e especialmente, por todas as oportunidades que me
deram, acompanhando com apoio e amor os caminhos que trilhei.
Ao meu irmão, Toninho, por estar disposto em me acolher em sua casa (e na sua vida)
sempre que preciso, pelos shows e shots que partilhamos, pela amizade, cumplicidade,
incentivo e todo carinho.
À minha irmã, Silvinha, pela presença constante em minha vida, por tentar colocar meus
pés no chão, pela disponibilidade em ouvir meus lamentos (e não consenti-los), pela
parceria de nossa infância e mais ainda pela amizade de agora.
Aos queridos amigos que fiz na graduação e que habitam minha vida desde então: Mel
Scanhola, Ana Fattore, Fran Sousa, Rafinha Christofoletti, Luiz Luz, Fer Lemos,
Moacyr Neto, Jama Garcia, Paty ‘de Santos’, Dani Shinzato, Luís Gustavo (Verde),
Sander Albuquerque e Rick Abussafy.
Aos amigos de Araguari que estão sempre presentes: Glauco Ribeiro, Vêva Tomé, Aline
Schellas, Léo Carulla, Ciça Resende, Roberto Amaral e Marília Nunes.
À amiga Daniela Dechichi, que tive o prazer de ter novamente próxima a mim e com
quem dividi almoços reconfortantes durante esses anos.
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 11
3.1. A precariedade dos laços sociais e as redes sociais virtuais ................ 113
RESUMO
ABSTRACT
Keywords: Subject. Social links. Scopic gaze. Social networks. Internet. Society.
Psychoanalysis.
[11]
APRESENTAÇÃO
Existe uma composição desta pesquisa. Ela é derivada de um trajeto que nos
acompanha desde quando escolhemos a investigação como um caminho a ser trilhado.
Mesmo que tenhamos modificado o objeto, passando da televisão à internet, num
percurso que acompanha o próprio trajeto dos media, há um fio condutor que une a
pesquisa de iniciação científica a esta tese de doutorado: a relação entre as pessoas
mediada pelos meios de comunicação.
1
https://www.orkut.com
2
https://www.facebook.com
[13]
Por certo, não é privilégio do media internet o impacto cultural, mas este meio de
comunicação possui particularidades que o diferencia dos outros meios mais
convencionais – como o rádio, jornal impresso e a televisão –, podendo ser pensado
como algo que se desdobra a partir destes precedentes e, em certo sentido, os ultrapassa.
Lévy (2002/2007) acredita que a cibercultura seja a nova forma de cultura, que não nega
a oralidade e a escrita, mas que emerge como um prolongamento destas, como uma flor,
um fruto. Ora, diante disso podemos afirmar que a internet é um produto de seus
antecessores, um caminho para o qual se seguiu a partir de portas que abriram.
Entretanto, não se pode negar que este seja um dispositivo, de certo modo, transgressor:
[14]
Hoje, a internet é cada vez mais presente na rotina das pessoas, atravessando
notadamente todas as esferas da cultura: economia, entretenimento, ciência, literatura,
artes etc., abrangendo desde conhecimentos triviais, como conhecimentos eruditos.
Vivemos em tempo da ‘Sociedade em Rede’ tendo a internet como dispositivo
[15]
buquê invertido. Entretanto, o olhar como objeto a também deve ser compreendido
como um dos modos de apagamento do sujeito, isto é, “um modo de o sujeito se colocar
em relação ao gozo, e também uma modalidade de apagamento diante do objeto causa
do desejo” (Quinet, 2002/2004, p.66).
Assim, ao mesmo tempo orientados por esta questão e para-além dela, o que nos
evidenciam as relações sociais que se dão nas redes sociais virtuais? O que nos podem
dizer sobre os laços sociais contemporâneos regidos pelo discurso capitalista? Há algo
da estrutura subjetiva que aflora estes e nestes vínculos? Como a questão escópica
enoda este contexto? E, especialmente, como se dá a captura do sujeito pela modalidade
de gozo escópico no contexto das redes sociais?
O olhar se situa, portanto, no campo do pulsional, no real, que não pode ser apreendido.
Não é o olhar do sujeito, mas aquele que incide sobre ele, que o concebe como objeto.
A pulsão escópica e o olhar são elementos estruturais dos sujeitos e dos laços
sociais. Ao refletir a sociedade enquanto comandada pela modalidade de gozo escópico
pensa-se que o olhar “é elevado ao status de mestre/senhor, ou melhor, é utilizado pelo
mestre/senhor fazendo confundir o S1 da lei com olhar vigilante e exigente do Grande
Diretor” (Quinet, 2002/2004, p.285). Portanto, o convite à visibilidade da sociedade
contemporânea se relaciona ao discurso do mestre? E é possível pensar em uma relação
com o discurso do capitalista?
1964/1985, p. 73). Assim, Lacan expõe que “o olhar só se nos apresenta na forma de
uma estranha contingência, simbólica do que encontramos no horizonte e como ponto
de chegada de nossa experiência, isto é, a falta constitutiva da angústia da castração”
(ibid., p. 74). Além disso, Lacan entende a partir das ideias de Merleau-Ponty:
Há uma cisão entre ver e olhar: ‘ver’ não é ‘olhar’, quando vemos agimos com os olhos
do eu, isto é, dotamos de sentido aquilo que nos é visível, selecionando imagens que
reconhecemos. Já o olhar é de outra ordem, implica o desejo e é nisso que é pulsional:
Nesse imenso palco, onde é possível que todos façam espetáculo, que se
exponham e que assistam, é imprescindível que se atente para o que acontece a fim não
só de entendermos a dinâmica social contemporânea pautada na incidência do discurso
do capitalista, como também perceber a estrutura subjetiva que engendra este
movimento e que o viabiliza.
[23]
Assim, ao final deste capítulo, nos dedicamos a abordar teorias que insistem em
indicar o que consideram ‘sintomas’ contemporâneos e suas consequências na vida dos
‘sujeitos genéricos’, movimento que denominamos ‘diagnósticos sociais’: Sociedade
Narcísica (Christopher Lash), Hipermodernidade (Gilles Lipovetsky), Modernidade
Líquida (Zygmunt Bauman), Sociedade de Risco (Ulrich Beck), Cibercultura (Pierre
Lévy) e Sociedade em Rede (Manuel Castells). Embora a discussão esteja distante de
nossa abordagem psicanalítica lacaniana, os apontamentos destes autores nos auxiliam a
entender de que modo a cultura vem sendo apreendida por diferentes e influentes
teóricos, que destacam, especialmente, que algo ocorre no âmbito social e,
consequentemente, nos sujeitos a partir da estrutura capital, como dos aparatos
tecnológicos.
incidências no laço social. Ainda, é importante que se destaque a crítica às teorias que
sugerem a emergência de um sujeito inédito em nosso tempo, tais quais as que
condiremos ‘diagnósticos sociais’, que fragmentam e dissolvem conceitos fundamentais
da psicanálise, como o da estrutura do sujeito. Neste sentido, as elaborações de Markos
Zafiropoulos (2002) nos auxiliam a esclarecer qualquer mal-entendido possível de advir
da própria elaboração lacaniana, especialmente relacionada ao declínio da imago
paterna. Posteriormente, consideramos a precariedade dos laços sociais na condição do
discurso do capitalista, que inviabiliza a relação do sujeito com o outro, privilegiando e
fortalecendo a sua relação com objetos. Nesta cena, os vínculos sociais que se dão nas
redes sociais do ciberespaço, emergem enquanto um espelhamento da relação dos
sujeitos dominados pelo capitalismo tardio e potencialmente fortificam o
distanciamento entre as pessoas, mascarado pela ilusão de proximidade ao possibilitar a
‘conexão’ de todos com todos.
CAPÍTULO I
AS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS
(...) como poderia fazer seu ser o eixo de tantas vidas quem nada
soubesse da dialética que o compromete com essas vidas num
movimento simbólico. Que ele conheça bem a espiral a que o arrasta
sua época na obra contínua de Babel, e que conheça sua função de
intérprete na discórdia das línguas. (Lacan, 1953/1998, p.322)
3
No livro As origens da pós-modernidade (1998/1999), Perry Anderson sugere que o termo
‘mordenismo’ seja original da América hispânica, tendo sido criado para designar um movimento estético
a um poeta da Nicarágua chamado Rubén Darío, em 1890, que fazia frente à Espanha, almejando um
movimento de emancipação cultural.
[31]
Todo este cenário europeu era ainda intensificado pelas transformações que
refletiam na sociedade desde a Revolução Industrial. A Inglaterra, berço deste processo,
era confrontada a todo tempo pelos problemas urbanos e sociais de diversas ordens, que
atingiam mais diretamente a vida das pessoas da ‘nova’ classe baixa, oriunda de todo
avanço moderno. Assim, numa espécie de complementação em detrimento do
estabelecimento do sistema do capital, entre Revolução Industrial e Revolução
Francesa, o senhor feudal foi substituído pelo capitalista industrial, sendo o proletariado
o maior instrumento de produção. Temos então que, apesar das promessas
revolucionárias de ‘liberdade’ do movimento francês, a revolução industrial inglesa, que
também se disseminou, oferece o outro lado: aquele da alienação e exploração do
trabalhador.
De certo modo, é sob esse pano de fundo que tanto Marx (juntamente com
Engels) e também Freud elaboram suas teorias – embora Freud tenha escrito mais a
partir do século XX. De modo peculiar, Marx convoca as pessoas a questionarem o
processo de modernização, (des) escrevendo de forma crítica o contexto moderno,
denunciando as contradições e explorações do desenvolvimento, especialmente àquelas
relacionadas ao trabalho, à vida humana reduzida unicamente a força material; e
acentuando as discrepâncias entre a burguesia e o que categorizou como proletariado –
pois, como sabemos, apesar de ‘lutarem’ juntas na revolução na França, não estava em
questão uma revolução que de fato contemplasse o proletariado. Marx é exatamente o
pensador crítico dessa revolução que acenou, prometeu e não cumpriu – como assinala,
junto a Engels, no Manifesto comunista, em 1848.
[33]
contrário de Berman, que condena esta posição de Marcuse, acreditamos que seu
posicionamento relaciona-se muito mais a uma crítica à alienação produzida pelo
sistema capitalista, numa espécie de equivalente a alienação fundamental formulada por
Lacan (1969-70/1992), na qual o Outro é quem tem os meios de gozo.
5
Desenvolveremos este ponto no capítulo 2.
[35]
Meu interesse, após fazer um détour de uma vida inteira pelas ciências
naturais, pela medicina e pela psicoterapia, voltou-se para os
problemas culturais que há muito me haviam fascinado, quando eu era
um jovem quase sem idade suficiente para pensar. (Freud, 1935/2006,
p.76)
pode ser tomado como uma obra que busca indicar o ‘complexo de Édipo’ nas
formações tribais do passado. Ao contrário, o recurso freudiano ao totemismo, que
culmina na elaboração do mito, teria um caráter crítico à sociedade burguesa moderna.
Vemos em Totem e Tabu que a partir da morte do pai primevo, soberano e absoluto,
pelos membros do clã – seus filhos –, se instituem leis sociais de regulação, que
culminam no horror ao incesto – um dos ‘crimes’ do pai – e na condenação do
parricídio. Para Safatle, este mito nos diz que nas relações sociais os sujeitos agem
como se carregassem o peso do ‘assassinato do pai’: “que nada mais é do que a
encarnação imaginária de representações fantasmáticas de autoridade e soberania”
(Safatle, 2009, p.367). O que fica como herança do parricídio na horda primeva, do
vazio deixado pela morte do pai primevo, é a articulação do vínculo entre enunciação do
poder e apropriação do gozo: “O mito do pai primevo é assim a representação
imaginária própria a um tempo que vê a essência de todo poder como regulação e
administração biopolítica da satisfação subjetiva” (ibidem., p.369). Esta dinâmica, que
concede às figuras ou instituições, a responsabilidade pela “distribuição desigual de
satisfação subjetiva” (ibidem.), pode ser vista nos sujeitos modernos à época de Freud e
nos contemporâneos, por uma razão de constituição, não exatamente de tempo. O que
indica Freud em Totem e Tabu e também desenvolve em Psicologia das Massas e
Análise do eu (1921), é que a relação de poder é fruto de uma exigência constitutiva dos
sujeitos, o que justificaria o fascínio das massas por instituições como a igreja e o
exército. Obviamente, a relação se estabelece através de identificações imaginárias,
como desenvolve Freud em seu texto de 1921, e não somente através da referência ao
líder soberano. A questão é conhecida e relevante, mas não julgamos necessário nos
alongarmos aqui.
culpabilidade – o que foi colocado desde Totem e Tabu – e que também sustentam a
religião. Esta condição social permite a Safatle elaborar que vivemos em uma
modernidade bloqueada, exatamente porque campos como o da política, família, dos
processos de constituição subjetiva e da reprodução da vida material se organizam
vinculados a estas ideias de cunho religioso (Safatle, 2009). E, antecipando uma
discussão que trazemos no capítulo seguinte, é possível se pensar que a ‘pós-
modernidade’ possibilita esta ruptura com estes valores de viés constitutivo?
pergunta que pode se encaixar para os acontecimentos sociais que ocorrem em vários
países do mundo, inclusive no Brasil.
que dizia de uma vanguarda da poesia, que pontuava o ‘fim da grande narrativa’.
Entretanto, nesta ocasião a palavra não caiu em uso e somente décadas depois teve seu
significado atribuído muito mais a uma questão de época, com temos agora.
Este passeio histórico pelo ‘pós-moderno’ não o define, mas se faz necessário ao
indicar a origem e o caminho do termo, antes que nos dediquemos às definições mais
disseminadas, que por vezes nos induzem a pensar que a origem do ‘pós-moderno’ teria
sido dada a partir das elaborações de Jean-François Lyotard. Não por caso, abrimos esta
6
A Guerra franco-prussiana ocorre nos anos de 1870-1871, marcou a queda de Napoleão III e da
monarquia francesa. Em 10 de maio de 1871 o governo francês assina o Tratado de Frankfurt,
estabelecendo novos limites territoriais.
[40]
Lyotard coloca que o ‘saber cientifico’ é uma espécie de discurso sobre o qual
incidem informações tecnológicas que afetam suas funções:
7
O título original francês é La Condition Postmodern e no Brasil encontramos as duas traduções: A
condição pós-moderna e O Pós-moderno. A edição nacional consultada traduz O pós-moderno, mas
optamos por manter o título original francês.
8
Ressaltamos que o saber em Lyotard se distingue daquele da psicanálise, precisamente definido por
Lacan enquanto algo que se diferencia do conhecimento ou da representação. Para Lyotard o saber –
considerado conhecimento – nas sociedades pós-modernas, está associado aos conjuntos de enunciados
que denotam ou descrevem objetos, podendo ser falsos ou verdadeiros; o saber psicanalítico refere-se
“precisamente a algo que liga, em uma relação de razão, um significante S1 a um outro significante S2”.
(Lacan, 1969-1970/1992, p.28)
[41]
Como ressalta Berman (1982/1986), tanto para Nietzsche quanto para Marx “as
correntes da história moderna eram irônicas e dialéticas: os ideais cristãos da
integridade da alma e a aspiração à verdade levaram a implodir o próprio Cristianismo”
(p.20). Para Nietzsche isto resultou na ‘morte de Deus’ e no ‘advento do niilismo’ e, por
consequência, condenou a humanidade ao vazio. Esta falta de ‘valores’ que regularizam
faz com que o ser humano busque formular suas próprias regras, já que se encontram
numa espécie de caos. O passado histórico é apenas um referencial para as fantasias que
já não servem mais no ‘homem moderno’. Nietzsche acreditava no ‘homem do amanhã’
como o próprio arquiteto de seus valores. Seriam estas ideias as condutoras do
pensamento que permite o desenrolar de dezenas de teorias do sujeito pós-moderno?
Podemos ponderar que este também era um dos sentidos do que Lacan (1968-
1969/2008) descreveu como “jeito de feira” das universidades, ao menos uma década
antes de Lyotard, na ocasião em que elaborava o conceito de mais-de-gozar, atrelado ao
de mais-valia em Marx.
partes. Para a sociedade como ‘todo funcional’, ele sugere a escola de Talcott Parsons9 e
para a ‘sociedade em duas partes’ a corrente marxista, com o princípio da luta de classes
e a dialética como dualidade que constitui a unidade social.
Esta lógica também condenaria a teoria crítica marxista, uma vez que o “pilar
social do princípio da divisão, a luta de classes, tendo se diluído a ponto de perder toda
a radicalidade, encontrou-se finalmente exposto ao perigo de perder sua base teórica e
de se reduzir a uma ‘utopia’, a uma ‘esperança’(...)” (Lyotard, 1979/1988, p.23). A
visão é de um desiludido ‘ex-militante de extrema esquerda’, como nos lembra
Anderson (1998/1999), já que Lyotard participou por 10 anos do grupo socialista
libertário radical francês Socialisme ou Barbarie e militou na dissidência Pouvoir
Ouvrier por dois anos. Abandonou a ‘causa’ quando teria se convencido de que a
proletariado não teria mais uma função de agente revolucionário diante do capitalismo.
Uma formulação tão pessimista, que o fez levantar a impossibilidade de se pensar em
um sujeito ‘pós-moderno’ crítico. Ora, por certo poderíamos pensar aqui na ideia do
sujeito cínico proposto por Žižek no texto Como Marx inventou o sintoma? (1996/2010)
a partir da formulação de Peter Sloterdijk (1988) sobre a razão cínica. Para Sloterdijk, o
funcionamento cínico da ideologia torna impossível (ou inútil) o método crítico-
ideológico. Diante disso, a postura adotada por Lyotard frente aos fatos da sociedade,
que denomina pós-moderna, parece assemelhar-se muito mais à escolha em insistir na
máscara ideológica, mesmo tendo perfeita consciência da distância entre ela e a
realidade social.
9
Sociólogo norte-americano considerado um funcionalista estrutural. Sua causa estava em determinar as
funções específicas que os indivíduos desempenhavam na estrutura social e as consequências disso para a
sociedade como um todo, numa espécie de sistema integrado de funções.
[45]
Uma relevante resposta para a questão é abordada por Fredric Jameson no artigo
Cinco teses sobre o marxismo atualmente existente (1997/1999). Ele afirma que o
marxismo é a ‘ciência’ do capitalismo. O que significa, em suas palavras, que “é a
ciência das contradições inerentes ao capitalismo” ou “que é incoerente comemorar a
‘morte do marxismo’ na mesma ocasião em que se anuncia o triunfo definitivo do
capitalismo e do mercado” (p.187). Ora, neste sentido, o recurso à teoria de Marx está
mais do que justificado neste momento de crise. É inevitável que os críticos atentos aos
efeitos do sistema capitalista jamais a tenham abandonado e os que agora pretendem
alguma reflexão, encontrem na teoria marxista o maior aparato para fazê-la.
É neste sentindo que para Žižek (2009/2011) a vítima principal da crise atual
pode até mesmo não ser o capitalismo, mas a própria esquerda, que não consegue
apresentar uma alternativa global viável: “Foi como se os acontecimentos recentes
tivessem sido encenados com risco calculado para demonstrar que, mesmo numa época
de crise destrutiva, não há alternativa viável ao capitalismo” (p.27). O que, obviamente,
não significa que não haja ou que estejamos realmente vivenciando o estágio final da
evolução ideológica, como indicou Fukuyama.
Este processo delimita uma ruptura na história, pois se trata de uma ‘metamorfose de
sujeição’. O trabalhador é posse do capital antes mesmo de vender-se ao capitalista
Marx (1885). Ele se crê enquanto detentor de seu trabalho, como um sujeito livre da
relação fetichizada feudal, mas ao contrário, é exatamente nisso que reside sua alienação
ao capitalismo, nesta alienação de sua própria liberdade.
ele indica não três, mas quatro posições insustentáveis, as quais denominam discursos.
As formas distintas de se fazer laço social, isto é, de se emparelhar o gozo são: discurso
do mestre (governar), o discurso universitário (educar), o discurso do analista (analisar)
e o discurso da histeria, incluído por Lacan e que corresponde ao fazer desejar – que não
se enquadra a nenhuma ‘profissão’ – as outras formas também não, como veremos.
Em seu estudo, Lacan sugere que o discurso não necessita de anunciados para
agir, ele pode se dar sem palavras, pois “mediante o instrumento da linguagem instaura-
se um certo número de relações estáveis, no interior das quais certamente pode
inscrever-se algo bem mais amplo, que vai bem mais longe do que as enunciações
efetivas” (p.11). Ao apresentá-los, utilizou-se do seguinte esquema lógico para indicar
os elementos que os compõem e os lugares que ocupam:
Cada posição – agente, outro, verdade e produção – é ocupada por termos diferentes em
cada discurso, sendo eles: S1 (significante mestre), S2 (o saber), S (sujeito dividido) e a
(objeto perdido, o mais-de-gozar) – todos diretamente relacionados à constituição do
sujeito.
O significante mestre (S1) advém do outro que irá representar o sujeito para
outro significante (S2) – sendo que desta articulação de S1 para S2, na qual se origina o
sujeito, há algo que fica de fora da representação, que é o objeto a, causa de desejo10.
Lacan o denomina aqui como objeto mais-de-gozar, associada à ideia de marxiana de
mais-valia, enquanto um gozo excedente. Mas como esta proposta articula com o
caminho que percorríamos?
10
Lacan equipara o discurso do mestre ao discurso do inconsciente, uma vez que ele agiria da mesma
forma no comando do sujeito, sem a sua concessão .
[52]
Pois bem, Lacan sugere que na passagem do sistema feudal para o capitalismo
ocorre um giro discursivo11, sendo do discurso do mestre para o discurso universitário:
O discurso do mestre tem no lugar de agente o S1, no lugar da verdade está o sujeito
dividido, o S2 no lugar do Outro e no lugar da produção está o objeto, como a pura
perda. O S1 no lugar de agente relaciona-se com o senhor feudal, uma vez que está
ocupando um lugar de comando, sem nenhuma necessidade de significação. O escravo,
nesta analogia, ocupa o lugar de S2, do Outro, pois é deste lugar que se produz saber,
somente articulado a S1, que sozinho não o produz. O saber é acessível ao mestre
somente a partir do trabalho produzido pelo escravo e, neste sentido, o escravo é aquele
que sabe fazer (savoir-faire) o mestre gozar. Na posição de S1, o senhor reina absoluto,
não podendo ser contestado. Deste modo, o senhor mantém velada a sua verdade de
sujeito igualmente dividido ($), marcado pela falta. E é neste ponto que podemos pensar
no fetichismo da relação. Para o senhor, não interessa saber nada, o que visa é somente
que as coisas aconteçam, isto é, que o escravo trabalhe para que ele obtenha gozo.
no lugar da verdade, opera para operar a ordem do mestre (Lacan, 1969-70). As relações
de poder, como vimos, encontram-se agora camufladas, sendo assim, a tarefa de nomear
ou localizar o significante-mestre é difícil. Portanto, com o quarto de giro ocorre
também um deslocamento do saber, S2. Enquanto no discurso do mestre quem detém o
saber é o escravo, no discurso universitário podemos entender, no caso específico que
estamos analisando, que o capitalista é detentor do saber. O que fica no lugar de resto é
o sujeito, o sujeito do capitalismo, expropriado da sua condição de detentor do seu
trabalho e marcando, enquanto o outro é tomado como objeto a, a sua condição de
mercadoria. Aí se inscreve o fetichismo da mercadoria, que camufla a relação existente
entre o capitalista e o trabalhador.
3. Diagnósticos sociais
Bauman, podem ser tomadas como uma espécie de diagnóstico do sujeito moderno ou
pós-moderno, numa tentativa de associar as mudanças sociais às transformações
subjetivas. Em comum, a ideia de que vivemos em um tempo no qual as questões de
instância coletiva são cada vez menos importantes aos sujeitos, que agora se encontram
muito mais centrados em seus próprios interesses.
Jameson propõe que a interpretação da obra de Van Gogh, pressupõe uma expressão
mais solitária, angustiada e pouco superficial, indicando que em Um par de sapatos é
possível se apreender algum sintoma de uma realidade mais vasta, que nos indica algo
além do que está posto na superfície da tela. Isto é, se pode compreender que aí se
encontra representado o universo camponês diante dos olhos de quem o observa. Os
quadros trazem, na leitura de Jameson, a representação da miséria agrícola, da pobreza
rural, do árduo trabalho. Não estamos diante de um objeto inerte, mas sim de algo que
representa parte do mundo, que indica uma realidade que de alguma forma chega ao
observador.
nabos” (p.35). Deste modo, o autor indica que nesta representação poderíamos ver o
retrato da condição pós-moderna, especialmente, pela retificação da imagem que, em
sua opinião, não deixa margem para a interpretação do observador. Aqui, a realidade
estaria reduzida a imagens, a simulacros que acarretariam em uma ausência de
profundidade, decorrente de uma vertente que se centra na mercantilização e enfatiza o
fetichismo das mercadorias, particularidade do capitalismo tardio. Seria também a esta
condição de vazio da pós-modernidade que Lash, Lipovetsky e Bauman estariam se
referindo?
A discussão que os autores fazem no livro não traz nenhuma novidade no que
tange a questão das imagens. Muito se diz sobre a representação que ocupa o lugar da
vivência, aos moldes do que há muitos anos já havia sido proposto por Guy Debord, em
A Sociedade do Espetáculo (1967). Embora de extrema relevância para nossa pesquisa,
nos dedicaremos a esta leitura de modo mais crítico no terceiro capítulo da tese.
Assim, Bauman afirma que estas transformações que ocorreram e que ainda
ocorrem na sociedade não nos permitem elaborar se são mudanças duradouras, que vão
se solidificar, ou se estamos vivendo um período de transição de um tipo de ordem
social para outro. No período de transição é muito difícil pensarmos em uma solução
estável, mas há duas coisas que, para ele, de fato aconteceram e que não seriam
reversíveis: a primeira delas seria que a humanidade do planeta se multiplicou, assim
como as conexões e as relações e que “estamos agora em uma posição em que todos nós
dependemos uns dos outros, (...) é a primeira vez na história em que o mundo é
realmente um único país, em certo sentido” (s/p); e a segunda é que os homens
acreditaram que poderiam gestar sobre a natureza e extrair seus recursos, mas que
depois de tanto sucesso tecnológico, científico e social, teríamos chegado aos limites da
suportabilidade do planeta.
partir dos movimentos sociais que saíram das redes e ganharam as ruas aqui no Brasil e
em outras partes do mundo. E embora não se limite a isso, os blogs de várias
‘especialidades’, destinados ao que entendemos como ‘socialização do particular’,
também podem ser apreendidos enquanto lugar de espaço democrático.
Esta afirmação parece ser essencial para o conceito de ‘sociedade de risco’, elaborado e
desenvolvido pelo sociólogo germânico Ulrich Beck (1986/2010), pelo menos no que
diz respeito ao sofrimento advindo da fragilidade de nosso corpo e do mundo externo.
pois ocupando as pessoas com causas que geram giros econômicos, que continuam a
sustentar o sistema, ofuscam-se assuntos que poderiam resultar em algum tipo de efetiva
transformação social. O objetivo é sempre o de tamponar o furo do sistema, mesmo que
para isso se produzam centenas de dispositivos provocadores de angústia. A velha
fórmula bastante conhecida utilizada pela discursividade capitalista.
E o autor igualmente afirma que a cultura do medo seja algo lucrativo, extremamente
explorado na cultura global, se engendrando em ‘microatitudes’ – como carros
blindados, casas em condomínios, aprendizado de artes marciais – ou em
‘macroatitudes’ – representado aqui pelos armamentos ou câmeras de segurança
espalhadas por todos os lados e, acrescentamos, a espionagem americana dos governos e
também dos cidadãos.
A discussão pode também ser feita a partir do medo da desordem psíquica, que
agora acomete milhões de pessoas no mundo todo, provocando um ‘boom’ de
portadores de síndrome do pânico, transtornos obsessivos, popularizando a fibromialgia,
condenando crianças ao TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade),
etc.. Vivemos a categorização psiquiátrica de todos os ‘desvios’ que se possa apresentar
e, consequentemente, a medicalização psiquiátrica de centenas de milhares. Para todo
mal, a cura. Por de trás das descobertas científicas divulgadas a cada dia em jornais e
[69]
Algo que se situa fora de nosso corpo, um medo, mas de nada, que o
corpo, espírito incluído, possa motivar. O medo do medo, em suma.
[70]
Deste modo, isto nos permite afirmar que a ‘Sociedade de Risco’ e/ou a ‘Cultura do
Medo’ contribuem enquanto leituras da discursividade contemporânea, na qual por trás
da tentativa de instauração de medos que visam transformar a relação dos sujeitos com
as coisas e até consigo mesmo, está implícita a ideia de um coletivo homogêneo guiado
pelos significantes ‘medo’ ou ‘risco’, que nada mais alcançam através de identificações
imaginárias, senão a insistência na alienação das estratégias do capitalismo. Assim,
neste contexto, o discurso funciona como uma via de mão-dupla no sentido que provoca
‘ações’ – seja a solidariedade, seja a busca pela cura – ao mesmo tempo em que
condena o sujeito a buscar soluções na própria armadilha do capital, numa espécie de
resposta ao ‘Che vuoi?’.
Podemos entender que Castells tenciona tecnologia e sociedade em uma relação dual
que, em analogia, permite assentar que corrobora com a perspectiva psicanalítica de que
[72]
sujeito e social não podem ser pensados de forma independente – ou, como veremos no
capítulo seguinte.
p.42) , embora na maioria das vezes os hackers estejam sendo utilizados por empresas
para a sustentação e desenvolvimento da internet e também do sistema... O que, neste
caso, não nos deixa margem para pensarmos em liberdade. Entretanto, vale mencionar a
organização transnacional WikiLeaks, representada aqui pelo ciberativista Julian
Assange.
vida social ou econômica. O segundo ponto – e esse nos é bastante caro – percebemos
que em psicanálise igualmente tem produzido sobre o tema, validando nosso esforço
contínuo que se ocupa em apreender que ali existe algo alocado sobre o sujeito.
Chè vuoi?
[77]
CAPÍTULO II
não nos é interessante, tampouco sustentável. Uma vez que, como nos esforçamos em
sustentar, não se trata de um rompimento, pois não estamos diante de uma modificação
estrutural do sujeito. A transformação em nossa conjectura se dá na ordem da
discursividade, e por esta mesma razão, é possível que vejamos as alterações refletidas
nos laços sociais.
Nosso ego, nosso bem pensante ego cartesiano, diz penso, logo sou.
Eu me defino pelo que estou falando, pelo que estou pensando, pela
minha imagem corporal, mas isso não me diz quem sou. Esse eu do
pensamento consciente e do corpo não se confunde com o sujeito do
desejo inconsciente. (Quinet, 2000/2003, p.28)
Neste sentido, o sujeito se situa em uma relação com o saber e o saber não
comporta qualquer conhecimento. É por isso que no entendimento de Lacan, a grande
descoberta de Freud é que a verdade (e, portanto, o sujeito) aparece no equívoco.
[80]
Nossos atos falhados são atos que são bem sucedidos, nossas palavras
que tropeçam são palavras que confessam. Eles, elas, revelam uma
verdade detrás. No interior do que se chamam associações livres,
imagens do sonho, sintomas, manifesta-se uma palavra que traz a
verdade. Se a descoberta de Freud tem um sentido é este – a verdade
pega o erro pelo cangote, na equivocação. (Lacan, 1953-1954/1986,
p.302).
13
A teoria de Ferdinand Saussure é a base utilizada por Lacan para elaborar sobre o significante. Na tese
de Saussure qualquer signo linguístico é constituído por uma imagem acústica (som) e o conceito, isto é,
o significado daquilo que sobre o qual o som diz. A imagem acústica sem o seu significado (conceito), é o
que Saussure entende como significante. Portanto, temos na linguística que: o significado (s) se sobrepõe
ao significante (S): s/S. Lacan (1957/1998) acredita que sustentar essa ideia – de que o significante atende
à função de representar o significado – é um equivoco, pois as coisas não podem fazer mais que
demonstrar que nenhuma significação pode se sustentar a não ser pela remissão a outra significação. Não
existe uma significação em si, fechada e recíproca, pois “[...] não há língua existente à qual se coloque a
questão de sua insuficiência para abranger o campo do significado, posto que atender a todas as
necessidades é um efeito de sua existência como língua” (Lacan, 1957/1998, p. 501). Lacan propõe que
se inverta este algoritmo, sugerindo que o significante (S) se sobreponha ao significado (s): S/s,
demonstrando sua primazia e sua necessária articulação a outros significantes. È na combinatória entre
significantes que temos a cadeia significante.
[81]
cadeias significantes que se articulam entre si formando anéis dentro de um colar, que
se articulam com outros anéis de outros colares, etc. O significante não pertence
exclusivamente a uma cadeia, ele está articulado a outra, o que garante a sua
propriedade de equivocidade. Isto é, a equivocidade do significante é a característica
que sustenta que uma mesma palavra possa ter diferentes significados.
Para Lacan, é neste jogo de linguagem, no qual um significante mestre (S1) irá
buscar representação em outro significante (S2), formando a cadeia significante, que o
sujeito surge. É também neste jogo de linguagem – inerente e submetido à sua
irrefragável imersão na cultura – que é colocado diante do laço social desde antes de seu
nascimento. Não se pode questionar a ideia de que um bebê seja carregado de desejos e
expectativas do outro que o embalam antes mesmo de ter atravessado a barreira
corpórea que o separa do ventre da mãe e do mundo. É neste sentido ainda que se pode
pensar em sua inscrição no laço social, uma vez que sua condição é de alienado a um
desejo que não lhe é próprio, mas do Outro.
A relação entre estrutura e história é também o que evidencia o laço social que
traz consigo a marca da impossibilidade da relação sexual, constitutiva da cultura e
também do sujeito. A linguagem viabiliza que se contorne o objeto impossível (o objeto
a para sempre perdido), nunca alcançado, já que é desde sempre inacessível – ele não
está lá, embora produza efeito. Em definitivo, é a falta estrutural (e real) do sujeito, que
inaugura a sua entrada na cultura, que o condena ao laço social, pois é pela linguagem
que terá a função de tentar contornar este furo, através de suas tramas simbólicas, que se
[82]
14
Lacan também se refere ao experimento do buquê invertido no Seminário 1: Os escritos técnicos de
Freud (1953-1954), mas tomando um espelho esférico.
[84]
Figura 9 - Esquema L
(...) mas ele é também saber, dito de outro modo, o que dessa
estrutura se desenrola, se articula no discurso, no discurso do Outro.
Esse Outro, do qual o inconsciente é o discurso, não se reduz aos pais;
é o Outro do discurso universal que determina o inconsciente como
transindividual. Ora, o Outro, entendido nesse sentido, ou seja, o
simbólico, se ele é invariável em sua estrutura – aquela da linguagem
–, é também submetido às mudanças, às mutações, às rupturas, às
subversões (Askofarè, 2009, p.169).
Sujeito Outro
S S1 S2
Figura 10 - A alienação
nessa divisão que venho, me parece, de articular suficientemente ao dizer que se ele
aparece de um lado como sentido, produzido pelo significante, do outro ele aparece
como afânise” (Lacan, 1964/1985, p.199). É nesse sentido que temos o que Lacan
denomina de ‘escolha forçada’, já que independente do que escolher não se terá nem
um, nem outro.
Soler (1997) destaca que o sujeito da alienação é o que está posto no nível
inferior do grafo do desejo (figura 4), onde ele tem que decidir entre a identificação
fixada e o sentido, sendo o destino desse sujeito do significante a petrificação (pelo
significante) ou a indeterminação, no interior do deslizamento do sentido:
Para Soler, temos aqui o ‘impasse do sujeito do significante’, “resultado dos dez anos de
retorno de Lacan a Freud – dez anos em que Lacan construiu o sujeito da fala e da
linguagem, terminando com um sujeito alienado, isto é, um sujeito que perdeu seu ser e
está dividido” (1997, p.62).
Sujeito Outro
As duas faltas que temos representadas na operação são o ser perdido do sujeito –
decorrente da operação de alienação – e a falta do desejo que se refere ao Outro, própria
à estrutura significante, que permite que o sujeito apreenda algo do desejo do Outro no
intervalo que corta dos significantes:
Soler indica que nesta separação o sujeito precisa se implicar no sentido de querer, é
preciso que ele queira se separar da cadeia significante: “A separação supõe uma
[91]
vontade de sair, uma vontade de saber o que se é para além daquilo que o Outro possa
dizer, para além daquilo inscrito no Outro” (1997, p.62-3).
O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito naquilo que não cola, nas
faltas do discurso do Outro, e todos os por-quês? da criança
testemunham menos uma avidez da razão das coisas do que
constituem uma colocação em prova do adulto, um por que será que
você me diz isso? sempre re-suscitado de seu fundo, que é o enigma
do desejo do adulto. (Lacan, 1964/1985, p.203)
sujeito alienado. Somente o ser é que pode responder e o ‘ser’ é gozo. Isto é, o sujeito
para além do significante é pulsão (Soler, 1997). E a pulsão é uma atividade do sujeito,
mesmo sendo sem o sujeito. Ela visa restaurar seu lugar de objeto para o Outro, isto é,
enquanto objeto de desejo do Outro.
Como lembra Coutinho Jorge (2004), o que Lacan denomina gozo é a pulsão de
morte freudiana, um vetor fundamental que rege o psiquismo e que tem como finalidade
buscar a satisfação. Entretanto, sabemos “nenhuma pulsão se satisfaz direta e
totalmente, ela deriva” (Quinet, 2002/2004, p.80), pois o objeto está estruturalmente
perdido e responder à exigência pulsional implicaria na abolição do desejo, pois o gozo
total é a morte. No entanto, ela se satisfaz nas suas derivações, nas formações
inconscientes e nos prazeres advindos da arte e do sexo (id.). Assim, a pulsão sempre
contorna o objeto e é aí encontra a sua satisfação, como demostra Lacan (1964/1985,
p.169) no seu esquema (figura 13), sendo aim correspondente à trajetória e goal a ter
atingido seu objetivo:
Portanto, sua finalidade é exatamente contornar o objeto, por isso podemos dizer que a
estrutura da pulsão é circular e, além, que a pulsão é parcial: “a estrutura circular da
pulsão, de vai-e-volta, fará Lacan dizer que a atividade da pulsão se encontra no ‘se
[93]
fazer’: ‘se fazer chupar para a pulsão oral, ‘se cagar’ para a pulsão anal, e ‘se fazer
olhar’ para a pulsão escópica” (Quinet, 2002/2004, p.82). Ainda, Lacan coloca que “se a
pulsão pode ser satisfeita sem ter atingido aquilo que, em relação a uma totalização
biológica da função, seria a satisfação ao seu fim de reprodução, é que ela é pulsão
parcial, e que seu alvo não é outra coisa senão esse retorno em circuito” (Lacan,
1964/1985, p.170). Esta é uma colocação importante para a tese, pois a insatisfação da
pulsão, na qual se inclui a escópica, sustenta o ‘se fazer olhar’, dispositivo fundamental
daquilo que se propõe enquanto Sociedade Escópica. Abordaremos a questão no
capítulo seguinte.
Uma elaboração de Soler (2009) amarra essa relação transposta até agora,
entrelaçando (e distinguindo) o ‘trabalho’ do sujeito do inconsciente ao do sujeito do
gozo “é sobre essa foraclusão daquilo que faria relação de gozo, sobre essa falta central,
que o inconsciente constrói aquilo que supre para assegurar a relação com o parceiro,
fantasia e sintoma” (p.188). O sujeito tenta, com a ajuda da fantasia e do sintoma,
contornar o furo estrutural, que aponta para a impossibilidade de escrever relação
sexual, o real, na medida em que, por exemplo, a fantasia enquadra a relação do sujeito
com o gozo, ela é uma espécie de véu da pulsão.
15
Na década de 1970, Lacan avança ainda mais ao indicar o fim de análise como identificação ao
sinthome (1975-76), que se refere a um ‘saber-fazer’ com seu sintoma, com o real do seu gozo.
[94]
16
Fonte: KOSOVSKI, Giselle Falbo. O semblante, o corpo e o objeto. Fractal, Rev. Psicol., Rio de
Janeiro , v. 22, n. 2, Ago. 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-
02922010000800005&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 21 Jan. 2014.
http://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922010000800005.
[95]
E é justamente por aparelhar o gozo que os discursos funcionam como laço social.
Como sabido, o aparelhamento de gozo é parte imprescindível do processo da cultura,
na medida em que a renúncia pulsional é necessária para que os laços se estabeleçam. O
que sugere, em ultima instância, que existe um aspecto de mestria, no sentido de
ordenação do gozo, em todos os discursos – com exceção do discurso do analista, que se
encontra no polo oposto (Lacan, 1969-70):
Precisamente é esta razão que nos leva a considerar estas posições equivocadas.
Este mesmo pensamento se apoia especialmente nas elaborações de Lyotard, que sugere
que vivemos em um tempo no qual não há possibilidade de se pensar em um sujeito
crítico e que o problema da luta de classes encontra-se ultrapassado:
Não articulamos aqui que os problemas apontados pelos autores que destacamos
no capítulo anterior sejam inexistentes, de fato há questões como a segregação do saber,
o discurso do medo, a despolitização dos sujeitos, entre tantos outros. Atentamos para
que o que se enfatiza nessas condições não as foca enquanto uma problemática, mas
enquanto consequências do pós-moderno no ‘novo sujeito’.
(...) como poderia fazer seu ser o eixo de tantas vidas quem nada
soubesse da dialética que o compromete com essas vidas num
movimento simbólico. Que ele conheça bem a espiral a que o arrasta
sua época na obra contínua de Babel, e que conheça sua função de
intérprete na discórdia das línguas. (Lacan, 1953/1998, p.322).
Como se evidencia, Lacan nos indica mais uma vez que o sujeito é efeito do
significante, ele está imerso e emerge na linguagem. Assim, o inconsciente é tomado
como estrutura, lugar do Outro simbólico, mas é também saber, pois se trata do que
desta estrutura se articula no discurso do Outro. Neste sentido, o Outro (simbólico) é
invariável em sua estrutura, mas encontra-se suscetível às mudanças e que,
consequentemente, ecoam em outros termos que o compõem, mais especificamente
sobre o eu (Askofarè, 2009): “Quem pode contestar as mudanças induzidas no Outro
pelo advento do monoteísmo, a invenção da escrita, a emergência da ciência moderna e,
mais recentemente, das biotecnologias e da informática?!” (Askofarè, 2009, p.169).
Portanto, afirmamos que há incidência do capitalismo tardio no campo do Outro e, por
esta mesma razão, isso pode gerar confusões e criações deste ‘acontecimento’ das mais
variadas formas. Ou seja, gostaríamos de apontar que o modo de interpretar estas
transformações implica na emergência de distintas leituras, como as que indicamos até
[102]
Trazemos esta colaboração, pois ela se relaciona diretamente com o que está em
discussão. No nosso entendimento, Dunker indica que a paridade existente entre as
elaborações de Beard, Janet e Freud, não se encontram no modo de sofrer, na
fenomenologia do sintoma de cada paciente ou de pacientes de cada época particular, e
sim na função do sintoma enquanto aquilo que constitui transgressão ao discurso, isto é,
que atrapalha a ‘bela ordem do mestre’ e que vem do real: “as doenças mentais, ou
melhor, seus sintomas, realizam possibilidades universais do sujeito, que se tornam
coercitivamente particulares ou privativamente necessárias. (...) um sintoma é um
fragmento de liberdade perdida imposto a si ou aos outros” (Dunker, 2012, p.24). Lacan
(1971-1972/2012) indica a inexistência da verdade no princípio do sintoma:
[103]
Há uma série de modos de sofrimento que se podem listar a partir dessas ideias,
quais sejam: nos anos 1940 (pré-guerra e pós-guerra) temos as neuroses de caráter–
àquelas em que há falta de implicação da pessoa em reconhecer seu sofrimento; nos
anos 1950/60 as neuroses narcísicas – sofrimento de inadequação, de vazio, falta de
sentido (onde a proposta de Christopher Lash da ‘cultura do narcisismo’ seria a maior
expressão); nos anos 1980/90 temos os pacientes limítrofes – o laço como problemático,
pessoas fora de aceitação em relação ao outro; nos anos 2000 temos as depressões,
pânico e anorexia como formas paradigmáticas de sofrer... “há uma variação das
modalidades preferenciais de sofrimento” (Dunker, 2012).
Isto posto, devemos marcar que existem e sempre irão existir modos de sofrer
mais específicos em uma época, mas que isso não indica uma transformação estrutural
do sujeito. Se se pode formular algum tipo de afirmativa de transformação, esta se
relaciona muito mais à emergência de uma subjetividade de um tempo, relacionada à
questão social e histórica, mas não se pode remeter a um ‘sujeito contemporâneo’, como
um marco inédito, pois existe uma impropriedade em se buscar dar conta disto pela
postulação de uma estrutura inédita do ‘sujeito contemporâneo’, completamente distinta
da estrutura dos sujeitos anteriores a este período histórico. Há transformações na
ordem discursiva, mas o mal-estar é permanente, sem nome e sem lugar, pois se articula
ao que é impossível ser dito, portanto, à ordem do real. Quando se tenta nomear o mal-
estar, ou trazê-lo ao simbólico, ele vira sofrimento, que quando articulado em narrativa,
vira sintoma (Dunker, 2012). Como nos alerta Carmem Gallano (2006), os sintomas
neuróticos não estão desconectados da história, eles tomam formas próprias em um
momento da história particular de um sujeito e também da época social que condiciona
o sintoma.
No decorrer deste seu texto, Lacan investiga as relações dos sujeitos dentro da
família, destacando na complexa relação do núcleo familiar, pai, mãe, filhos e irmãos,
ressaltando importâncias e conflitos; relacionando-a com a sociedade e valorizando a
função do pai enquanto responsável pelas funções repressivas e sublimatórias. Neste
momento, ele postula três complexos: desmame, intrusão e Édipo e se estende sobre
eles. Aqui, não julgamos nos voltar a cada um, pois nosso problema não se centra em
estudá-los.
É também esta base sociológica que leva Lacan a pensar em uma evolução do
‘Complexo de Édipo’, a partir das transformações sociais. Tal proposta, em nosso
entendimento, se distancia do campo epistemológico proposto por Freud e, como
sabemos, também irá ser descartado por Lacan no decorrer de seus seminários. Em
1938, Lacan está vinculado a uma versão ‘familiarista’ da psicanálise, que depois será
substituída pelas regras da linguagem, a partir da influência do pensamento de Lévi-
Strauss, assim como a um retorno a Freud, especialmente a partir do início da década de
1950, sendo Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise (1953) o marco
deste momento.
As colaborações dos autores nos indicam pontos que se relacionam. Elas
destacam a relevância das transformações históricas, enquanto dispositivos de giro nos
laços sociais ou de engendramento nos modos de sofrer; colocam que na perspectiva
psicanalítica que toma o sujeito enquanto um constructo estrutural, não é possível a
emergência de um sujeito inédito, muito menos sem que tenha havido um corte
epistêmico; e apontam que a leitura de Lacan é minuciosa, não podendo tomar uma obra
por todo o conjunto, sem se considerar o seu contexto e desdobramentos.
Ainda, a verdade (S1) dirige-se ao outro (S2), que é desapropriado de seu lugar
de saber e reduzido ao seu lugar de gozo. Quando S1 se dirige a S2, produz os gadgets,
que se identificam com o mais-de-gozar e que em tese satisfazem o saber (S2). O que
ocorre é que o acesso ao mais-de-gozar que deveria conservar-se distante do sujeito,
como pressuposto no discurso do mestre, agora é viabilizado, foracluindo a castração e
fixando o sujeito no lugar que S1 determina. O sujeito do significante é, então,
‘transformado’ em sujeito do gozo.
relações com a demanda, sem se dar conta de que, ao fazê-lo, sustenta e em primeira
mão, a pulsão de morte” (s/p.).
17
No seminário 17 Lacan refere-se ao discurso universitário como ‘dominante’ laço social no contexto do
final da década de 1960 e, posteriormente, em Televisão (1974), indica que o discurso do mestre moderno
é o do capitalista.
[111]
São inumeráveis os exemplos de como isso funciona na prática, uma vez que as
promessas se estendem em para todas as direções, gerando consumidores de todos os
tipos de ofertas, desde as tecnológicas com centenas de celulares, tablets, televisões etc.,
até consumidores de ‘ciência’, como os ávidos por correções de suas imperfeições,
como no mercado dos tratamentos corporais ou a própria indústria psiquiátrica. A
mesma lógica ocorre nas ofertas de aplicativos na internet, sendo que de tempos em
tempos surgem novos sites que se tornam os ‘da vez’. A ciência e a tecnologia
legitimam esta lógica, seja ao sustentarem o estatuto de verdade ou em seu próprio
avanço. O discurso universitário, deste modo, corrobora com o discurso do capitalista:
“(...) estamos falando do capitalismo, mas o capitalismo é, ele mesmo, condicionado
pelo discurso da ciência” (Soler, 2010, p.261).
O capital não tem uma face, o que culmina, por exemplo, que o trabalhador que
no discurso do mestre sabia ser explorado pelo senhor agora não sabe quem o explora.
Cada sujeito torna-se um explorador do outro para que se tire vantagem, para que se
possa acumular e, então, consumir. O discurso do capitalista faz girar a máquina que o
sustenta, uma espécie de ‘máquina de gozo’ (Alberti, 2000), repleta de ilusões de
[112]
completude. E não é a este processo que Lacan remete com a denúncia de espoliação de
Marx, ao aproximar mais-valia ao mais-de-gozar?
Não nos restam dúvidas de que a elaboração de Lacan elucida a relação que se
estabelece entre sujeito – que aqui é tomado como um indivíduo completado pelo mais-
de-gozar, na medida em que em na posição de agente do discurso do capitalista, ele
nada se assemelha ao sujeito aos moldes do que está posto no discurso da histérica, por
exemplo – e a sociedade contemporânea. Como expusemos anteriormente, o predomínio
de um discurso sobre o outro não significa que isso se faça em todos os momentos ou
que não haja possibilidade de transitar entre cada um deles em ocasiões distintas. Mas,
enquanto se estabelece como discurso do senhor moderno, qual seria a possibilidade de
saída de suas impiedosas presas?
A proposta vem do próprio Lacan. Sonia Alberti alerta que a última vez na qual
Lacan menciona o discurso do capitalista é em Televisão (1974), justamente fazendo
referência ao discurso do analista como saída para o discurso do capitalista: “Quanto
mais somos santos, mais rimos, esse é meu princípio, ou até mesmo a saída do discurso
capitalista – o que não constituirá um progresso, se for apenas para alguns” (Lacan,
1974/2003 p.519). O santo seria uma referência ao lugar do psicanalista no discurso do
analista, objeto a, que como vimos, é o único discurso que realmente toma o outro
enquanto sujeito:
agente sem se dar conta de que age somente a partir dos significantes
mestres que o comandam e que, no discurso do capitalista estão no
lugar da verdade. (Alberti, 2000, s/p.)
Carmen Gallano (2011) ressalta que ao promover o laço direto entre o objeto e
sujeito, sem se passar pelo simbólico, o discurso capitalista promove, como vimos, a
quebra dos laços sociais. Assim, os laços entre os sujeitos tornam-se instáveis e
precários. A relação de amor torna-se caduca e desnecessária, pois os sujeitos deverão
satisfazer o outro como um objeto, numa relação direta e imediata.
O amor não escapa a lógica do mercado ou poderíamos pensar que o que ocorre
é uma impossibilidade em se estabelecer o amor? Para Gallano, as relações têm sido
substituídas pela ‘relação pessoal’, em uma referência a Anthony Giddens. Com isso, as
uniões se baseiam na associação a outra pessoa para que esta satisfaça ‘suficientemente’
e, perdendo seu ‘valor de mercado’, seu brilho fálico, troca-se o parceiro. Um dos
exemplos contemporâneos extremos que temos de ‘relações pessoais’, são os aluguéis
de pessoas para substituir filhos, mãe, pai, avós e até mesmo de cachorros que ocorre no
Japão. Os objetos ‘alugados’ fazem semblante de laço, é ‘como se’ amasse e fosse
amado. No Brasil, há um site na internet (Namoro Fake) 19 que disponibiliza mulheres e
homens para que se contrate como um namorado (a) fake:
19
http://www.namorofake.com.br/
[115]
Neste sentido, remetendo-se a Freud (1930), Gallano (2006) indica que ele
antecipa em Mal-Estar na Civilização a condição do homem moderno ao assinalar que a
mais dolorosa fonte de sofrimento é proveniente dos vínculos com os outros seres
humanos. O modo pelo qual se regulam os laços sociais é uma marca essencial da
cultura – é o que vemos indicado na elaboração de Freud e também de Lacan ao
estabelecer os quatro discursos.
Neste cenário atual, a internet aparece enquanto um dispositivo que tem recebido
cada vez mais atenção dos pesquisadores. Como vimos, os autores das ciências sociais e
da teoria da informação se ocupam desde meados dos anos 1990 com o tema. Na
psicanálise, este movimento é tímido. Entretanto, alguns psicanalistas também vêm se
atentando ao tema, especialmente indicando as incidências nos laços sociais. Essa
‘demora’ pelo interesse pode ser justificada, em nossa hipótese, por duas vias:
primeiramente, a internet aparece como um mass media, bastante relacionado ao
entretenimento e semelhante aos outros meios já instituídos, como o rádio, os jornais, as
revistas, o cinema ou a televisão; e, posteriormente, pelos seus ‘efeitos’ que aparecem
nas falas dos sujeitos, na escuta psicanalítica, enquanto um dispositivo que desvela as
implicações do discurso capitalista na precariedade dos laços.
informação em uma via de mão única, sem que haja meios para questioná-la. A
influência e o papel dos meios de comunicação na sociedade foram extremamente
desenvolvidos pela Teoria Crítica, ou Escola de Frankfurt, indicando a perda de
autonomia do sujeito na sociedade da indústria cultural, reforçando a alienação e
aniquilando qualquer ideia de resistência do espectador/receptor:
A passagem para os self media cria um paradoxo. De saída, temos uma ideia
otimista que nos leva a crer que nos libertamos das armadilhas dos mass media de
massificação, na medida em que se dissolve a ideia de que ‘todos são iguais’ e que o
que vale para um vale para todos – seja no âmbito do conhecimento, no da moda, do
entretenimento ou em qualquer outro; ou que é possível ter alguma autonomia em
relação à ideologia, especialmente em relação ao que podemos pesquisar, pois, neste
sentido, é possível fazer uma seleção no que se busca, trocar informações, tecer críticas
ou concordar com ideias que estão postas, colocar em rede elaborações que eram
particulares e que dificilmente circulariam de forma ‘global’. Sim, tudo isso é possível.
No entanto, por outro lado, concordamos com Slavoj Žižek (2011) quando ele indica
que a internet não é exatamente um espaço público e aberto, há empresas que a
monitoram, controlam. Este controle também pode ser feito pelo Estado, como na China
ou em Cuba, onde há controle do que pode ser acessado (voltaremos a esse ponto no
capítulo que segue) e também do que é veiculado no ciberespaço. Adiantamos que um
exemplo recente disso são as manifestações que ocuparam as ruas aqui no Brasil e as
‘retaliações’ denunciadas por vários internautas. Esse é um ponto que gostaríamos de
ressaltar, o outro diz respeito aos sujeitos e aos laços sociais.
Quando Lacan (1959-1960) coloca sobre o conceito de Das Ding, anos antes de
sua elaboração sobre o objeto a, coloca que o objeto de desejo do sujeito está sempre
mantido à distância e relaciona Das Ding – o vazio constitutivo, enquanto um enigma,
estranho e hostil –, ao próximo:
significante e imagem, não podemos esquecer o ‘porco-espinho’, pois é ele que implica
a distância mínima necessária ao desejo. Neste contexto, a função dos aparatos
tecnológicos (self media) – sejam celulares, computadores, tablets... – pode ser
apreendida enquanto similar ao que vimos no esquema L ou até mesmo ao aparato da
fantasia, um vez que se estabelecem também como mediadores entre eu e o outro, ou
seja, uma espécie de escudo que protege o sujeito do possível incômodo da presença do
outro, que aponta sua própria falta.
Em sua palestra no TED20 2012, Turkle argumenta que quando escreveu seu
primeiro livro sobre tecnologia, Life on the Screen: Identity in the Age of the Internet
20
TED é a abreviatura de Technology, Entertainment, Design, uma fundação americana que se dedica a
compartilhar ideias sobre questões da atualidade que contemplem seus temas. As palestras ocorrem ao
redor do mundo, com pensadores locais ou não, e são amplamente divulgadas em rede.
[121]
Ao realizar uma pesquisa empírica com centenas de pessoas sobre a vida delas
conectadas, Turkle concluiu que os dispositivos móveis (que são levados em bolsos e
bolsas) são extremamente potentes psiquicamente, no sentido de que podem modificar o
que as pessoas fazem (como por exemplo, atualmente enviam mensagens durante
reuniões, conversas, jantares; fazem compras; atualizam o Facebook durante as aulas,
apresentações, etc..) e também aquilo que elas ‘são’. Uma das evidencias que Turkle
encontrou foi a de que o sujeito sempre se desculpa dizendo que envia mensagens para
o outro para não incomodá-lo, enquanto, em ultima instância, o que realmente almeja é
que o outro também não lhe ‘incomode’. E o que é incomodar? Para Turkle, é
conversar, estar com o outro, ter que lidar com o jogo de palavras entre eu e o outro:
“vejo que as pessoas não se fartam umas das outras se, e somente se, eles podem ter
uma outra distância, em quantidades que elas podem controlar. Eu chamo isto de efeito
Cachinhos Dourados: não muito perto, não muito longe, simplesmente certo” (Turkle,
[122]
2012, s/p.) 21
. Mais uma vez, evidencia-se a intensificação do movimento de ‘porco-
espinho’ entre os sujeitos e seus pares nas relações atuais.
Ainda, Turkle considera que as conversas face a face causem desconforto por
ocorrerem em tempo real e, desde modo, não se pode ter controle absoluto sobre aquilo
que vai dizer. Ou seja, existe algo do sujeito que escapa quando se fala. Para Turkle, a
possibilidade de optar pela conversa online em detrimento daquela na qual se teria uma
‘presença real’ – no sentido de duas pessoas frente a frente –, as pessoas poderiam se
apresentar como gostariam de ser vistas, isto é, enquanto eu ideal: “Nós editamos, e isto
significa que deletamos, o que significa que retocamos o rosto, a voz, a carne, o corpo...
Não muito pouco, não em demasia, apenas o certo” (ibid.). Mas não seriam também
estes ‘truques’ utilizados na vida off-line? Não é sempre para o outro e enquanto ‘eu
ideal’ que nos apresentamos? Maquiagens, perfumes, plásticas etc., também não podem
ser consideradas formas de ‘se editar’?
Assim, a conclusão de Turkle é que a tecnologia atrai quando nos sentimos mais
vulneráveis. E, neste sentido, ao se relacionar com o outro enquanto objeto, sem ter o
amor enquanto fonte que enlaça, todos estão vulneráveis, sozinhos, e com receio da
intimidade, da proximidade. Estas relações que emergem no discurso capitalista,
especialmente nas redes sociais, oferecem três fantasias gratificantes, de acordo com
Turkle, sendo: 1) as pessoas podem se concentrar onde quer que deseje; 2) sempre terão
a sensação de estarem sendo ‘ouvidos’; e 3) nunca precisarão ficar sozinhos. Sendo,
que, em sua análise, estar sozinho é algo que se configura enquanto um problema para
as pessoas na atualidade, que buscam na conexão uma forma de resolvê-lo parcialmente.
Portanto, neste contexto, estar conectado se configura muito mais enquanto um sintoma
do que como ‘cura’.
Nas relações virtuais, assim como em todas as outras, por via das palavras e dos
significantes no imaginário, se podem cultivar ficções amorosas que satisfazem as
fantasias; entretanto, o que se questiona é se com o advento da ‘sociedade do
espetáculo’ as imagens recebem um valor fálico justamente por não colocar em jogo o
21
O efeito ‘Cachinhos Dourados’ refere-se ao termo físico que diz à distância de um planeta em relação à
sua estrela – se perto demais, quente demais, se longe demais, frio demais; se, na distância ‘certa’, terá
condições de desenvolver vida. A título de curiosidade, a expressão foi tirada de uma história infantil,
onde uma menina de ‘Cachinhos Dourados’ que invade a casa de uma família de ursos e encontra três
pratos de mingau, do pai, da mãe e do filho urso. O prato maior estava muito quente, o intermediário
muito frio e o menor estava ‘perfeito’.
[123]
encontro ‘presencial’ dos sujeitos, como sugere Gallano (2011). Para ela, os vínculos
que se estabelecem nas relações virtuais não são libidinais, não entrelaçam real,
simbólico e imaginário, o que impossibilita que se forme um laço estável com o outro.
Isto é, Gallano sugere que o real não está em ali e, por isso mesmo, a internet é tomada
como muito propícia para os ‘amores líquidos’, que não entrelaçam corpos, gozos e
palavras. Perguntamo-nos: esta afirmativa não coloca novamente em questão que existe
uma distinção entre ‘vida online’ e ‘vida off-line’, controversa para quando pensamos
em ‘realidade psíquica’ ou fantasia? Ou: ao pensar a internet enquanto dispositivo
propício para ‘amores líquidos’, não devemos tomá-la enquanto um amplificador das
transformações do Outro que evidencia questões próprias relativas ao que é da estrutura
dos sujeitos?
Outra vertente trazida pela psicanalista é que há o relato de uma violência muda
que agita o corpo no já desassossegado da pulsão, que agora se nomeia ansiedade. O
‘desassossego’ da pulsão se dá justamente porque o sujeito não encontra um modo de
colocá-lo para fora do seu corpo, ligando-se a outro corpo, a outro sujeito, pois a relação
se dá a objetos inanimados (como podem ilustrar as bulimias ou as toxicomanias).
Assim, o sujeito irá se conformar com ‘gozos autistas’ ou autoeróticos, retornando as
pulsões sobre o próprio corpo, na escassez do amor. Outra indicação da falta outro
corpo para se enlaçar em um laço de amor e também de desejo.
Por certo, não podemos generalizar e afirmar que é impossível se fazer laço no
ciberespaço. As considerações feitas até aqui corroboram com as considerações de
Gallano, Rinaldi e Turkle, de que as relações na internet reproduzem e evidenciam a
escassez do amor, potencializando a dificuldade de fazer laço na conjuntura do
capitalismo tardio, seja na internet, seja em qualquer outro espaço. Caso contrário,
estaríamos afirmando que fora da rede o laço social não apresenta transformações e,
como exposto, isso não se confirma.
único objeto no lugar de ideal de eu e se identificam a partir do eu. Acreditamos ser este
tipo de agregação que comporta críticas à alienação grupal em torno de um líder ou uma
ideia e que também nos permite pensar na ‘prática’ e ‘confortável’ militância que vemos
nas redes sociais. Sem esforço, as pessoas podem se engajarem em causas políticas ou
reivindicações, ‘compartilhando’ publicações, curtindo status de outras pessoas,
assinando petições que ficam ali, ‘nas nuvens’. É como se assim se desse contorno ao
seu ‘eu ideal’ preocupado com questões políticas, ciente dos problemas do mundo e
acreditando que isso é suficiente para se sentir ‘menos culpado’, já que está fazendo
algo em favor da sociedade, do coletivo. O maior exemplo de como se engajar a partir
de forma confortável pode ser representado pelo site Avaaz22, que se descreve enquanto
“uma comunidade de mobilização online que leva a voz da sociedade civil para a
política global”. As petições são compartilhadas nas redes sociais virtuais, como o
Facebook e o Twitter, e as pessoas (algumas vezes milhões) vão disseminando a ideia e
aderindo ao movimento.
Em uma via de mão dupla, a internet mostra como as pessoas podem se articular,
desde pequenas comunidades locais a multidões, a partir de uma insatisfação coletiva e,
em nosso entendimento, a partir da ideia freudiana, esta é uma forma de ‘amor’. Ao
mesmo tempo, o ativismo social que se dá pela via de preenchimento e
22
http://www.avaaz.org/
[125]
compartilhamento de dados, pode reduzir ainda mais a participação ativa, isto é, fazer o
movimento descer às ruas.
São estes laços que podem incidir no real, pois estão atados pelo sintoma, por
aquilo que faz furo no social e, portanto, ‘sintoma social’. São estes movimentos, deste
nosso tempo, “que podem entrelaçar semelhantes que são dispares para alguma via de
efetiva realização que, para-além do efêmero das agregações, possa inventar modos de
vínculo que, cada qual se autorizando de seu desejo, apostem em projetos coletivos
ideais” (Gallano, 2011, s/p.).
CAPÍTULO III
1. O Facebook
Há outras pesquisas que parecem retomar o que fora elaborado por Lasch no
final da década de 1970 – e ao qual nos referimos no primeiro capítulo – indicando que
se trata de uma espécie de epidemia narcísica, como sugere o estudo das psicólogas
americanas Jean Twenge e Keith Campbell, em The Narcissism Epidemic (2010):
Narcissism clearly leads to more social media use, social media use
leads to positive self-views, and people who need a self-esteem boost
turn to social media. It is less clear whether social media directly
causes narcissism, at least in the short term. With narcissists having
[131]
more friends and posting more frequently, however, social media sites
are clearly influenced by those high in narcissism at a rate higher than
their fair share. And that’s just the way they like it. (Twenge, 2013,
s/p)
Essa ideia ainda ganha reforço em dezenas de outras pesquisas, como a de Panek
et. al (2013), quando afirmam que no Twitter as postagens estão associadas a
componentes narcísicos de superioridade enquanto no FB os posts se associam a um
componente exibicionista do narcisista. Vale salientar, que o narcisismo ao qual se
referem em nada se assemelha ao da construção psicanalítica freudiana, tampouco das
considerações de Lacan. Nesses estudos ele é compreendido quase como uma ‘doença’,
grosso modo, podemos afirmar que ele é entendido da maneira como popularmente se
toma o termo ao dizer de uma pessoa que se sente melhor do que as outras, centrada em
si, entre tantas outras características comumente associadas a estes ‘narcisos genéricos’,
que se aproximam mais do eu consciente. Ou, muito mais semelhante ao narcisismo
secundário exemplificado por Freud (1914/2006) a partir dos ‘megalomaníacos’, os
quais desinvestiriam a libido do mundo externo e a dirigiriam para si. Entretanto, Freud
ressalta a existência de um narcisismo que é primário e encontra-se presente em toda
criatura viva, isto é, parte da constituição psíquica dos sujeitos e que posteriormente
será deslocado para os objetos. Mais ainda, para a psicanálise o narcisismo implica o
reconhecimento do eu a partir da imagem do corpo próprio investida pelo pequeno outro
e introduz o sujeito numa tensão mortífera (eu ou o outro) cuja pacificação só pode ser
dada pela mediação simbólica, garantida pelo desdobramento da alteridade na ordem
simbólica, impessoal, a ordem da linguagem que estrutura o inconsciente e o desejo.
Mas não é esse nosso ponto.
informações e fotos. Não se trata de uma invenção, visto que existiam outras redes
sociais circulando na internet como, para citar alguns, o ClassMates de 1995, o
SixDegrees de 1997, o Frindster de 2002 e até o próprio Orkut de 2004. E, lembramos,
que o conceito de ‘rede social’ não se origina com a internet, ele é bastante antigo e
emerge justamente da demanda dos sujeitos humanos em compartilharem entre si,
estabelecerem laços, socializarem suas afinidades e ideias. Qualquer pessoa pode buscar
em sua memória as redes as quais se conectaram durante sua vida. No entanto, com o
advento da internet o que antes estava restrito às histórias e nichos particulares ganham
a dimensão da digitalização e, então, temos acesso a todas essas redes que nos
atravessam de algum modo.
Nesta ocasião, Freud menciona que a pulsão de ver pode aparecer nas crianças como
uma manifestação sexual espontânea, sendo que elas primeiramente se sentem curiosas
por sua própria genitália e posteriormente inclinam seu interesse para os genitais de seus
colegas. Sabe-se, de todo modo, que para Freud as experiências iniciais de satisfação
são autoeróticas e se relacionam com funções vitais. Não por acaso, os dois objetos
sexuais iniciais de um sujeito são ele mesmo e seu cuidador, indicando a presença do
[135]
Além disso, Freud indica uma atividade além da visão para os olhos ao nos dizer
de sua função também enquanto fonte de prazer:
Quinet (2002/2004) completa afirmando que “é a pulsão escópica que faz de uma
pessoa um objeto excitante e charmoso, com o caráter de belo. O objeto olhar, enquanto
objeto pulsional, emerge no campo de desejo do sujeito e veste a quem causar o desejo
do sujeito de beleza” (p.12).
Para Freud, na pulsão escópica – e igualmente nas demais – existe uma espécie
de ‘fase preliminar’ que é de cunho narcísico. Isto é, no início de sua atividade, a pulsão
escópica é autoerótica: é o próprio corpo do sujeito o seu objeto, que só posteriormente
também irá investir no outro. É neste movimento que se podem articular os três tempos
da pulsão escópica: o autoerotismo, o voyeurismo e o exibicionismo, que irão existir
simultaneamente:
[136]
Deste modo, é possível afirmar que ver (voyeurismo) e ser visto (exibicionismo)
não são destinos excludentes, ao contrário, ambas estão presentes simultaneamente,
indicam a estruturação da pulsão e sua constituição, como sugere Quinet:
Ser olhado pelo outro, isto é, introduzir no jogo escópico um outro sujeito que
olhe para o sujeito da pulsão ou para o qual ele possa se exibir, faz eclodir o sujeito da
pulsão enquanto objeto e o outro que olha toma o lugar de ‘sujeito’ ativo: aquele que o
vê. Entretanto, como lembramos, os três tempos da pulsão escópica permanecem
sempre presentes, o que nos indica que “a pulsão escópica permanece sempre presa ao
narcisismo, que não se desvincula do exibicionismo fálico” (ibid., p. 76). Todavia, em
seus diferentes momentos, vemos serem introduzidos alguns elementos: se na fase
inicial autoerótica o sujeito é seu próprio objeto, na fase voyeur temos a presença de um
outro objeto, estranho ao sujeito e na fase exibicionista temos a introdução do outro, de
uma pessoa estranha. O que ocorre é que nessa articulação o sujeito desaparece, uma
vez que ele se reduz ao objeto que é olhado. Para Quinet, “isto mostra a estrutura
paradigmática da pulsão, pois revela que a pulsão é acéfala: não há mais sujeito,
somente o objeto que brilha em satisfação, o gozo escópico, a Schaulust” (p.76).
[137]
Neste sentido, ao articular desejo e objeto, Lacan declina o desejo “de acordo
com os objetos entendidos como pedaços do corpo” (Soler, 2012, p.111): desejo oral,
desejo anal, desejo fálico e inclui o olhar e a voz. Acrescentando que essa parte corporal
é “essencialmente e por função, parcial” (Lacan, 1962-1963/2005, p.237) e que
enquanto objeto de desejo só os somos como corpo. O que significa que o desejo é
sempre desejo do corpo, desejo do corpo do Outro.
Lacan nos diz que o ‘objeto’ não se associa a objetividade, mas à objetalidade.
Essa distinção marca a objetividade enquanto um correlato de uma razão pura que se
traduz, em última instância, ao formalismo lógico e a objetalidade enquanto um
correlato de um pathos de corte. Soler nos indica que o pathos de corte é o substrato da
causa do desejo, ou seja, é um modo de dizer que para desejar é preciso da falta. Neste
sentido, “o que falta devido ao corte, é um pedaço do corpo. O que produz o corte (...) é
o significante” (Soler, 2012, p.113). É por isso que desejo é desejo de corpo e que os
‘objetos’ da pulsão, na proposta lacaniana, se ligam diretamente a uma parte desse
corpo: boca, ânus, falo, olho ou voz. Além disso, o objeto a enquanto resto deve ser
entendido enquanto aquilo “que sobrevive à provação da divisão do campo do Outro
[139]
pela presença do sujeito” (Lacan, 1962-1963/2005, p.243), tomado “não somente como
tronco cortado, mas como cepo de onde jorra a vida. O resto não é apenas algo perdido,
é também o que jorra a partir do perdido” (Soler, 2012, p.117).
A imagem de Buda reflete a cisão entre olho e olhar, entre o visível e invisível
do campo escópico, justamente apontando para o olhar enquanto objeto de gozo, não
mais podendo ser confundido com sua função visual. O que se destaca é exatamente a
inversão da relação entre sujeito e objeto quando se pensa no olhar, uma vez que o olhar
está do lado do objeto – é o objeto que olha –, justamente enquanto ponto cego do
campo do visível. As pálpebras de Buda estão baixadas e preservando o sujeito da
fascinação do olhar ao mesmo tempo em que o indica. É por isso que Lacan afirma que
Buda está no campo do visível, mas está voltado para o invisível e tenta-nos poupar
disso. A imagem budista, portanto, “toma a seu encargo o ponto de angústia e suspende,
anula, aparentemente, o mistério da castração” (Lacan, 1962-1963/2005, p.265).
Desse modo, podemos fazer uma analogia com o campo visual que se configura
no FB, primeiramente naquilo que ele tem de ‘visível’. O usuário da rede social é
capturado pelo campo do visível através das imagens dos outros que continuamente se
[140]
atualizam e, ao mesmo tempo, o sujeito se coloca – dar-se a ver – para os outros a partir
da imagem que alcançou no campo visível do espelho. Este é um sem fim do campo do
sentido e, portanto, da idealização, no qual o sujeito tem ideia, por exemplo, de que ali
pode se apresentar de acordo com seu ‘eu ideal’, o suporte de onde o sujeito se vê como
visto pelo Outro, que se constitui no estádio do espelho. Aí se localiza novamente a
dimensão narcísica na qual se estendem as pesquisas que mencionamos. E sim, é
também disso que se trata aqui. O espelho no qual o sujeito se vê é o Outro e,
certamente, são as respostas desse Outro – enquanto ideal do eu, que dão a forma do eu
ideal que se pode ver refletida nos ‘perfis’ do ciberespaço. Deste modo, cada um pode
eleger sua representação, dando seu contorno de corpo e assim gozar do sentido. Isso se
dá não só pela exposição de seus autorretratos, do compartilhar de fotografias das ‘férias
incríveis’, dos lugares visitados, do que foi comido ou comprado, mas também através
da exibição de seus pensamentos. E falamos dos banais e também dos mais elaborados.
Ter sua foto ou seu status (provocado pelo próprio FB com a pergunta No que você está
pensando?) ‘curtidos’ ou comentados se configura enquanto uma aprovação dos
semelhantes, que sabemos ser uma demanda estrutural para o fortalecimento de
construções fantasiosas e, por conseguinte, para o próprio eu.
O que, em tese, não é algo que possa ser ‘criticado’ enquanto um mecanismo do
FB, pois é algo da estrutura do sujeito que é maximizado pelo dispositivo. Não há uma
mudança estrutural, mas uma situação contingente que convoca o privilégio desta
modalidade de gozo. Neste sentido, o FB se configura enquanto um espaço onde é
possível se ver no espelho – a construção que colocamos em seguida, extraída de um
blog da internet30, descreve essas possibilidades de ‘edições’ do eu:
é descolado
30
http://diasdepoesias.wordpress.com/2013/03/15/no-facebook/
[143]
é inteligente
faz protestos
denuncia as injustiças
milhares de “:)”
Inúmeros “s2″
e tudo é compartilhado
(...)
Como anuncia Soler (2012), temos uma tendência em opor o especular – isso
que é do campo do imaginário, tomado pelo narcisismo – ao registro do desejo.
Entretanto, a psicanálise deve ser pensada enquanto uma prática que merece o nome de
erotologia (Lacan, 1962-1963/2005, p.12) quando tenta responder à questão do desejo,
nesse um por um. O que está evidenciado na topologia do nó borromeano (distante do
seminário que estamos tratando, mas pertinente para essa discussão) é justamente a
intrínseca relação entre os campos imaginário, simbólico e real, sem que estes sejam
possíveis senão enodados. Algo similar a isso pode já ser lido nesse momento do
estudo lacaniano, pois vemos que a todo tempo – e mesmo sem intenção – Lacan tenta,
com os recursos cabíveis do momento, articular os três registros. Acreditamos que isso
também se confirma em Soler quando ela coloca que a erotologia começa no especular e
acrescenta que há um discurso na própria psicanálise que sustenta que o especular se
despreze em função do registro simbólico: “Lacan é um pouco culpado por essa
[145]
Aqui temos: i(a) enquanto a imagem real ou imagem de corpo, (-φ) – que Lacan
aborda a partir da libido e não da imagem –, o espelho do Outro (A) – enquanto aquele
olha e valida as imagens narcísicas, sustentando, como destaca Soler, que o acesso a
própria imagem não passa somente pela imagem real, mas também pelo espelho do
Outro, que aí sim irá produzir no espelho plano a imagem virtual de i(a). E, ainda, tem-
se a que não aparece na imagem virtual. Para Soler, é justamente aí que se localiza o
equívoco do especular, pois a não está remetido à forma e, portanto, a relação especular
não é uma relação a uma forma. O especular se refere à uma forma libidinizada:
Assim, o que temos é que em i(a) está não só a forma, enquanto imagem,
mas também o afeto, aquilo que pode ser entendido como uma quota de libido investida
[146]
na forma, onde temos: i (imagem) + a. Não se trata de uma imagem com investimento
libidinal, o que é investimento libidinal aqui é “esta forma que nos interessa, cativa,
atrai, ocupa, deixa com raiva, excita... (...)” (ibid., p.29). O a, oculto na imagem virtual,
é ‘suporte de desejo da fantasia’ e, por isso mesmo, não é da ordem do visível.
Lacan ainda acrescenta que à esquerda vemos o a próximo demais para ser
visto por S, mas que se configura como o initium do desejo e coloca i’(a) em lugar de
prestígio. O a, na sua não-visibilidade, engana o sujeito. O desejo está velado:
Deste modo, ao não ser possível ver a, a falta também não é possível no
registro da visão, na medida em que não é possível ver o que falta à imagem. É nesse
sentido que a imagem traz sempre um aspecto de ‘júbilo’, de satisfação, já que está
‘cega’ para a castração. Como coloca Soler (2012), isso faz com que “o desejo escópico
em jogo na contemplação, na relação estética com o mundo, tente e consiga, em parte,
uma nulificação do objeto a” (p.124). Ou, como elabora Quinet: “O encobrimento
promovido pela imagem vela também que o objeto que aí se apresenta como causa de
jubilação é justamente o olhar, causa da Schaulust, o gozo do especular” (2002/2004, p.
133). Também nessa direção, a fantasia se assemelha ao campo do visível ao se articular
com o objeto, justamente trazendo essa ideia de uma completude que, no entanto, está
sempre na iminência de se ‘descortinar’ pois o objeto é reduzido ao ‘ponto zero’, mas
encontra-se lá enquanto causa de desejo:
Por isso o desejo cada vez mais em se estar conectado aos gadgets que pressupõe a
mestria/atividade do sujeito – smartphones, Ipad, Ipod, computadores? Seria uma
‘parceria’ sustentada pela articulação entre a estrutura do sujeito, no que diz respeito às
peculiaridades da pulsão escópica, e o discurso do capitalista?
limite no que lhe parece ser tão imperativo, sedutor e demandante: “eu desativei minha
conta durante esta semana, pois tenho muito trabalho e recebo muitas informações e
mensagens por lá”. Poderíamos trazer inúmeros fragmentos destes acontecimentos, mas
não temos como objetivo quantificar ou analisar as construções. O que nos interessa de
fato é justamente apontarmos onde e por qual razão se é capturado, de acordo com nossa
perspectiva de constituição e estruturação de sujeito. Sim, trata-se de uma leitura
específica, na qual elegemos um objeto e também a via pela qual interpretamos ser o
acesso, mas certamente existem outros caminhos na própria psicanálise que poderiam
contribuir com a discussão, como nos apontaram especialmente os trabalhos de Doris
Rinaldi e Carmem Gallano, sobre os quais nos dedicamos no capítulo anterior.
Ainda, vemos neste mesmo seminário e, entendemos que para marcar uma
diferença à concepção de Merleau-Ponty, que Lacan prefere ‘olho’ e ‘olhar’ à visível e
[150]
invisível, que utilizava no seminário anterior: “O olho e o olhar, esta é para nós a
esquize na qual se manifesta a pulsão no nível escópico” (Lacan, 1964/1985, p.74).
Sendo olhar aquilo que ‘escorrega, passa, se transmite’ diante das figuras de
representação.
Lacan coloca que o mundo é onivoyeur, numa perspectiva platônica de ser absoluto com
a qualidade onividente – é saber que se é olhado sem que isso se mostre. No entanto,
essa característica do mundo não o faz exibicionista (no sentido de provocar o olhar),
pois ao provocá-lo evoca-se um sentimento de estranheza. Ou seja, se o mundo passa a
ser exibicionista, ele mostra alguma Outra coisa, algo que vem do Outro, que não
corresponde à imagem do espelho. É possível pensarmos que alguma coisa mancha esta
imagem do espelho, quebra, evidenciando o ‘vazio’ do sujeito. Por isso a estranheza. No
sonho o isso mostra vem antes, diz Lacan, e a posição do sujeito é a de ser aquele que
não vê:
O sujeito não vê onde isso vai dar, ele segue, ele pode até mesmo
oportunamente se destacar, dizer para si mesmo que é um sonho, mas
não poderia em nenhum caso se apreender dentro do sonho à maneira
como, no cogito cartesiano, ele se apreende como pensamento.
(Lacan, 1964/1985, p.76)
[151]
O que fica oculto no campo escópico é aquilo que há de ‘anterior’, que está velado e que
causa enquanto sujeito. O sujeito é olhado pela mancha, por aquilo que faz mancha no
mundo e não pela imagem ou representação. Com o exemplo da ‘latinha’ (lata de
sardinhas que boiava na superfície das ondas na ocasião de uma pescaria), Lacan traz
essa cisão de ver e olhar, indicando que a latinha não vê, mas revela que olha. Isto é,
nesta cena a lata aparece enquanto uma mancha, um corpo estranho que tem relação
com o sujeito e que desvela, ou seja, que denuncia o objeto a no campo escópico. A
inversão encontra-se justamente aí: o sujeito é tirado do seu lugar de mestria, não é mais
ele quem olha, mas sim quem é olhado: a mancha “representa o olhar, ela mancha o
espetáculo narcisista do mundo, desvendando o segredo da imagem” (Quinet,
2002/2004, p. 137) ou, ainda: “o real mortífero da pulsão escópica pode se manifestar
como ruptura na harmonia do mundo especular, que então se decompõe e o espelho
deixa de exercer sua função de véu. Sua presença é incompatível com a manutenção da
imagem narcísica” (ibid., 139). Neste sentido, o estranhamento causado pela instância
do olhar não se relaciona com o eu do sujeito, com a imagem narcísica do estádio do
espelho, mas justamente se contrapõe a isso, no sentido de furar a imagem especular.
Quando o olhar visa o sujeito desvela o real de seu ser, isto é, aquilo que
estava vetado pela imagem, causa uma desorganização no cheio de sentido, nas
identificações simbólicas, nos seus pontos de referência, fazendo com que “o lugar que
o sujeito havia encontrado para si no Outro, seu ‘lar’, seu Heim, se tornará então
Unheim, estranho” (ibid., p.140).
Colette Soler (2012) ressalta que o desejo visual é o que melhor mascara a
angústia de castração e também pensamos na relação entre a fantasia e os modelos
visuais, na medida em que se articula ao objeto, fazendo crer em uma totalidade. Se
fizermos uma conexão exatamente com a gestalt, a imagem do espelho, pensando nas
características do FB, será possível pensar que a apreensão por essa modalidade de gozo
na contemporaneidade indica certa tentativa de mascarar a angústia em ‘tempos
angustiantes’ do discurso do capitalista, justamente porque este discurso tenta,
[152]
Žižek ainda traz o filme Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock (1954) para
nos falar do que ele descreve como uma inversão da relação entre sujeito e objeto,
fundamental para a concepção da cisão entre olho e olhar. Para relembrar, nesta película
o fotógrafo L.B. Jeffries está com a perna fraturada e por isso precisa ficar confinado a
uma cadeira de rodas dentro de seu apartamento. Sem ter muito que fazer, ele resolve
passar seu tempo ‘vendo’ a vida de seus vizinhos pela sua janela com a ajuda de uma
lente fotográfica. Antes de tudo, a estratégia hitchcockiana, a partir de uma câmera
quase ‘subjetiva’, é de colocar o espectador na cena, provocando o ‘empuxo a ver’ dos
sujeitos. Através da janela conhecemos outros personagens do filme, como um casal
com cachorro, um pianista, uma mulher solitária e um vendedor que Jeffries suspeita ter
matado a esposa. Basicamente, o suspense gira em torno daquilo que o protagonista vê e
como é olhado pelos espectadores, o que leva Žižek a afirmar que o olhar é
protagonista. Estes eventos são tramas triviais, que poderíamos assistir na sociedade e,
certamente, por isso mesmo Hitchcock consegue fisgar o espectador – isto é, por essa
perspectiva de que ali transitam ‘seres humanos’ semelhantes a nós: identificação
imaginária, tal como podemos ver, em analogia, na timeline do FB. Entretanto, se a
‘câmera subjetiva’ faz com que vejamos através dos olhos de Jeff, por outro ela coloca
em cena a questão da estranheza do olhar onipresente, ou seja, a ideia de que estamos
sendo olhados pelo mundo:
Posso me sentir olhado por alguém de quem não vejo nem mesmo os
olhos, e nem mesmo a aparência. Basta que algo me signifique que há
outrem por aí. Esta janela, se está um pouco escuro, e se eu tenho
razões para pensar que há alguém atrás, é, a partir de agora, um olhar.
A partir do momento em que esse olhar existe, já sou algo de
diferente, pelo fato de que me sinto eu mesmo tornar-me um objeto
para o olhar de outrem. Mas, nessa posição, que é recíproca, outrem
também sabe que sou um objeto que se sabe ser visto. (Lacan, 1953-
1954/1986, p.246)
[154]
Uma cena freudiana paradigmática também pode ser retomada para que se
possa entender melhor a ‘ausência’: trata-se do Fort-Da, apresentado por Freud no Além
do Princípio do Prazer (1920). No texto, o autor refere-se a uma criança de 18 meses,
que sabemos seu neto, que não chorava quando sua mãe o deixava por algumas horas,
mesmo sendo bastante ligado a ela. A criança tinha um hábito “ocasional e perturbador”
de pegar objetos e atirá-los, emitindo um som (‘o-o-o-ó’) – interpretado por Freud e a
mãe do bebê como fort, que significa ‘ir, partir’ – e de expressão de interesse e
satisfação. O psicanalista compreendeu que se tratava de um jogo que a criança fazia,
usando seus brinquedos para ‘ir embora’ junto a eles. Quando o brinquedo foi um
carretel, Freud observou que ele o jogava repetidas vezes em direção a uma cortina,
onde o brinquedo ‘desaparecia’ e, puxando-o pelo cordão ele reaparecia, sendo recebido
pelo bebê com a interjeição da (ali). Esse jogo é interpretado por Freud como um modo
de simbolizar o ‘desaparecimento e retorno’ do objeto:
Lacan (1964/1986) retoma esta passagem freudiana e nos diz que o carretel não
representa a mãe: “o jogo do carretel é a resposta do sujeito àquilo que a ausência da
mãe veio criar na fronteira de seu domínio – a borda de seu berço – isto é, um fosso, em
torno do qual ele nada mais tem a fazer senão o jogo do salto” (p.63). Já a compreensão
de Georges Didi-Huberman (1998/2010), filósofo e historiador de arte francês, marca
[155]
que o olhar está no jogo do carretel: “até o momento em que o que ela vê de repente se
abrirá, atingido por algo que, no fundo – ou do fundo, isto é, desse mesmo fundo de
ausência - , racha a criança ao meio e a olha. (...) puro ataque, pura ferida visual” (p.79).
E, além disso, completa afirmando que “o carretel só é ‘vivo’ e dançante ao figurar a
ausência, e só ‘joga’ ao eternizar o desejo, como um mar demasiado vivo devora o
corpo do afogado, como uma sepultura eterniza a morte para os vivos” (p.82-83). O que
faz sentido se pensarmos que para Lacan o carretel é uma ‘coisinha’ que se destaca do
sujeito, mas que ainda é dele, que ele segura, e com o seu objeto salta as fronteiras desse
domínio que é fenda, dando início a encantação pelos objetos. Pacheco Filho (2010)
sintetiza que:
Ainda, Pacheco Filho destaca que é aí que se inicia tanto o envolvimento do sujeito com
o mundo, quanto a sua alienação estrutural, em duplo sentido: o desejo enquanto desejo
do Outro e o desejo tendo como causa um objeto, como destacamos no capítulo que nos
dedicamos ao sujeito. Além disso, a repetição, inerente ao circuito pulsional de contorno
do objeto, demanda o novo e o deslizamento metonímico do desejo sustenta a própria
‘encantação’ dos sujeitos pelos objetos, no entanto: “vela o verdadeiro segredo do
lúdico, do jogo, da metáfora que constitui o sujeito e criou a marca que o representa no
simbólico e dele se desprendeu o objeto que o designa no real (...), que constitui a
repetição em si mesma” (ibid., p.39). Com o fato de os objetos pulsionais não serem
suficientes para a hiância, a repetição insiste na renovação e tudo que nela varia é
alienação de seu sentido. Para Pacheco Filho, a repetição incessante “fornece a base
estrutural e transistórica sobre a qual podem se assentar as diferentes ordenações sociais
do gozo, dispostas pela multiplicidade histórica de configurações dos discursos, como
formas do laço social” (idem).
[156]
3. Recorte: Disconnect
armadilhas nas quais se podem cair nas redes sociais, por outro o filme coloca em xeque
a ideia de que aquilo que vai para a rede se dissocia da vida offline.
Destacamos duas das histórias. Em uma delas o casal (Cindy e Derek) perde
seu filho e desde então vivem problemas conjugais. Eles não falam entre si sobre sua
perda e se distanciam enquanto casal. Ele não a olhava, nem a tocava. O marido, infeliz
em seu trabalho, está sempre viajando e se diverte fazendo apostas em salas virtuais de
poker. A esposa, por sua vez, passa a frequentar salas de bate papo em busca de um
apoio emocional na tentativa de poder compartilhar sobre sua angústia e acaba se
envolvendo emocionalmente com um homem que igualmente teve uma perda. No
entanto, o casal têm seus cartões e identidades roubados na internet e,
consequentemente, suas contas bancárias são invadidas e ‘limpas’. Eles contratam um
detetive especializado em crimes cibernéticos que acaba revelando aquilo que Cindy e
Derek não sabiam sobre o outro: que ele fazia apostas online e que ela entrava em salas
de bate-papo e estava se envolvendo com alguém. Com a demora para que qualquer
prejuízo fosse reparado judicialmente, o casal decide resolver à sua maneira e segue
atrás do ‘acusado’.
acontece quando Rich busca nas redes sociais do filho entender o que aconteceu,
encontrando com um ‘desenquadre’ que o revela. A despeito de todas as causas
particulares dessa relação entre pai e filho, Rich se depara com a sua castração, que lhe
coloca diante de seu fracasso como ‘pai’. Rapidamente, Rich trata de tirar a mancha do
quadro e mergulha numa busca frenética por uma razão ou por um ‘culpado’ do ato do
filho, isto é, diante de sua angústia, Rich atua no sentido de tentar novamente camuflar
qualquer indicativo de sua falta, de algo que se volte ou coloque questões para ele. E
assim ele age e o faz, numa tentativa de escamotear qualquer indicativo que o tire de seu
lugar fantasiado.
Quinet diz, especialmente a partir de suas considerações sobre os reality shows, que a
sociedade escópica parece ter se reduzido ao ser-visto. Uma espécie de compilação
entre a visão e os avanços científicos, no que diz respeito às novas parafernálias que
capturam e reproduzem visões. A visão pode então ser considerada um sentido
privilegiado da sociedade contemporânea e o olhar retornaria ao mundo sobre o
imperativo do Veja! Ou Mostre-se! – quando se trata de não poder vê-lo.
Fonte: http://www.cafecomsociologia.com/
[162]
Assim, a sociedade do espetáculo pode ser compreendida enquanto uma máquina que
vela a relação entre as demandas do capitalismo para sustentá-lo e as pessoas que se
tornam, em certo sentido, reféns da maquinaria que ele dispõe. O sujeito, novamente,
não sabe o que é da ordem do seu desejo, daquilo que lhe é singular. Ele encontra-se
imerso no discurso que lhe diz quais são as suas possibilidades de ‘querer’, ‘ter’ e se
‘satisfazer’. Então, o ‘amo’ do discurso do capitalista é o próprio capital e, o campo do
visível enquanto simulacro, véu da verdade, pode auxiliar a sustentação deste discurso –
combinado a tudo aquilo que é da estrutura do sujeito e que trouxemos no item anterior.
E como afirma Quinet, não estamos falando só do ‘belo’, que encobre a falta
e fascina o sujeito com seu brilho:
“São necessários apenas alguns segundos de exposição a este tipo de material para
deixar um traço permanente, principalmente na mente de um jovem”; “Remova este
vídeo! Jovens com mentes inocentes não devem ver isso!”; “Isso é absolutamente
horrível, desagradável e precisa ser removido... há muitos jovens que podem ver isso.
Tenho 23 anos e estou muito perturbado depois de assistir dois segundos”;
“Gostaríamos de ver medidas sendo tomadas para tentar proteger as pessoas de verem
tal conteúdo”; “Esses vídeos vão abastecer inúmeros pesadelos entre os jovens e os mais
sensíveis”; etc.. A proibição do FB, em contrapartida, gerou a crítica de ativistas que
defendem a liberdade de expressão, sugerindo que a responsabilidade não seria da
empresa, mas dos pais dos jovens. Quando o site voltou a liberar as imagens justificou-
se que o vídeo estava sendo compartilhado para condená-lo e que o próprio site oferecia
às pessoas o controle do que gostariam ou não de ver. Não entraremos no mérito da
proibição ou liberdade, mas apontamos esse ‘descortinamento’ indicativo do mal-estar
na cultura, que as pessoas não querem ver/saber. O vídeo da decapitação é sim da ordem
do horror, ele vem fazer a mancha no quadro, revelando aquilo que não é belo e que está
fora do enquadre. Há outras dezenas de imagens desta ordem que circulam por ali. É por
isso também que ele causa esta perturbação, discussão e condenação, como se estivesse
sendo dito “não queremos ver, deixe no invisível”. Não estamos defendendo que todas
as cenas dessa ordem deveriam estar para serem acessadas, numa forma de delatar a
‘crueldade’ do mundo, mas tentando entender porque é que nem tudo ‘pode’ circular. E,
nesse caso, acreditamos que imagens com esse teor não fazem parte do jogo escópico
das imagens fascinantes, belas e brilhantes, que capturam o ‘navegante’ e colaboram
para sustentar a fantasia imaginária.
O modo como esse discurso é incorporado nos pareceu evidente numa foto
compartilhada por um ‘amigo’ de FB. Na imagem, o usuário aparece segurando e
apontando uma arma (que particularmente sabemos ser de chumbinho e legalizada,
utilizada para esporte). Alheios às particularidades que o levaram a postar tal foto,
chamou-nos a atenção as retaliações que imediatamente lhe foram feitas. Um dos
comentários diz: “NSA got you now”, em uma referência direta a Agência de
Segurança Nacional dos Estados Unidos, uma das protagonistas da questionável
espionagem das redes. Horas depois de receber palavras que desaprovavam a imagem,
o sujeito que a postou retirou – posteriormente a postou novamente – e teceu uma
crítica à vigência do discurso do ‘politicamente correto’ – que, de fato, também se faz
massivamente presente. Entretanto, o que nos parece manifesto aqui é exatamente a
imagem do panóptico (ou da sociedade disciplinar) disseminando que ‘estamos sendo
vigiados’ não só pelo governo, pelas empresas, mas também pelos próprios comparsas,
ou seja, agora todos sabem e fazem vigorar a ideia de que existe um olhar, que faz lei
em sua invisibilidade, que censura e determina aquilo que pode e o que não pode
circular. Esta é uma dimensão do olhar em rede que não podemos perder de vista,
valendo-nos do trocadilho.
Deste modo, embora não fosse nosso objetivo primordial, esperamos ter
contribuído para introduzirmos que caminhos também podem ser percorridos diante
das problemáticas que emergem na sociedade capitalista contemporânea, tendo a
questão do olho e do olhar no que vai além da estrutura do sujeito e sua captura pela
modalidade de gozo escópico, como apresentamos e desenvolvemos no segundo item
deste capítulo e que se configura enquanto nossa tese principal. Em nosso
entendimento, a sociedade escópica contribui para a discussão quando a
desmembramos e a entendemos enquanto uma armadilha do discurso do capitalista,
que a partir de seus meios se utiliza da internet para efetivamente fazer (ainda mais) a
sua voracidade e acidez transitar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De fato o que ocorre é que ambas tomam uma mesma época – entre o fim do
século XIX e a partir do século XX – e traçam considerações particulares. Entretanto,
em nossa concepção de cunho moderno, as transformações não se deram na estrutura. O
que nos parece ter ocorrido é que a verdade se ‘multiplicou’ a partir de ideologias que
[170]
Como afirma Safatle, é preciso marcar que o declínio da imago não tem
como consequência um afrouxamento da pressão do supereu, mas há certa mudança em
sua força. Remetendo-se a Lacan em Mais, ainda, explica:
Esta versão do pai, como conota o jogo de palavra feito por Lacan, assemelha-se a
resposta perversa ao pai e à castração simbólica. Neste contexto, a perversão se utiliza
da Verleugung, a denegação ou o desmentir da castração e da lei do pai. O significante
da castração é sabido pelo perverso que se renega em sabê-lo, desmentindo-o,
recusando-o, num jogo que no nosso entendimento, a vela e desvela. Essa estratégia é se
assemelha a dos sujeitos cínicos, que sabem e mesmo assim fazem como se não
soubessem. No entanto, a árdua tarefa do perverso acaba por colocá-lo diretamente
relacionado ao pai, na medida em que é preciso desafiar e transgredir sua Lei. E é
exatamente nessa dinâmica que ele busca seu gozo, insistindo em fazer o Outro gozar.
[172]
Ele está em busca do gozo absoluto, justamente contrapondo à amarração neurótica, que
através do recalque se submete à lei e à castração.
Em equidade, trazemos esta imagem irônica que nos revela, por exemplo,
uma similaridade com questões que atualmente são tomadas como absolutamente
relevantes e urgentes, como a causa ‘antissocial’ amplamente debatida como
consequência do uso das tecnologias e que, provavelmente em outra época, poderia ser
representada deste modo:
Fonte: http://postscarcityorbust.tumblr.com/post/68469548000
Não afirmamos que as novas tecnologias não tragam nada de novo, apenas ressaltamos
que a novidade sempre suscita perguntas e, mais ainda, quando se relacionam
diretamente às relações pessoais. E entendemos que os laços sociais contemporâneos
possuem elementos próprios, que derivam do discurso do capitalista. Não são os meios
de comunicação, necessariamente, que transformam o laço social. Essas ‘mudanças’ ou
diferenças provêm do capitalismo, que é também fruto da ciência, e que dificultam (ou
trazem implicações) para os laços sociais. É aqui que se insere o debate que levantamos
no segundo capítulo da tese, quando trazemos a fragilidade, liquidez e até mesmo
escassez dos laços. Portanto, não são os laços sociais virtuais que se tornam
[174]
representa por meio do esquema do buquê invertido que, por efeito da castração, o a
encontra-se enquanto um resto que não pode ser especularizado. Ele fica de fora, mas na
condição de algo que, enquanto furo, impulsiona o sujeito. Como a pulsão não pode se
satisfazer diretamente e tampouco totalmente e, ao mesmo tempo, busca a satisfação,
ela incessantemente se direciona em contornar o objeto e obter satisfações parciais.
Freud (1915) indicou que um dos destinos da pulsão era a reversão em seu
oposto, mudando-se da atividade para a passividade e, no caso da pulsão escópica, a
reversão se daria em sua finalidade, sendo o ato de ‘olhar’ substituído pela passividade
em ‘ser olhado’. Se pensarmos no caso da rede social FB, vemos que esse par encontra-
se aí. O que nos dá a ideia de uma transformação da passividade do olhar nos meios de
comunicação seria lido, a partir dessa colocação freudiana, como uma atividade. É o
sujeito quem olha alguma coisa, enquanto que aquilo que entendemos como atividade,
no sentido de colocar em ação alguma coisa, é a face ‘passiva’ de ser olhado pelo outro.
E, antecedendo essas funcionalidades, temos o narcisismo como ponto de partida.
No FB, ao se colocar enquanto objeto para ser olhado pelo outro – o ‘dar-se
a ver’ – convoca-se outro sujeito para o qual se exibe e para que se olhe o sujeito da
pulsão, o que, como efeito, faz do sujeito objeto. O sujeito, portanto, a partir da leitura
freudiana, ao se colocar para ser visto se reduz a um objeto a ser olhado e, portanto, se
faz desaparecer. Lacan desloca a questão indicando a distinção entre visível e invisível,
colocando o olhar enquanto objeto de gozo, isto é, o objeto é que olha para o sujeito.
Não existe, neste sentido, uma premissa que pressuponha que se possa ‘obter’ o olhar,
até mesmo porque ele se compõe enquanto um objeto que está fora do campo do visível,
no sentido de não poder ser visto e, portanto, tampouco capturado.
Assim, quando pensamos que o sujeito se coloca para ser visto no FB,
estamos trabalhando o campo do visível, alimentando o cheio de sentido próprio ao
espelho no qual o sujeito se constituiu. Aqui, o sujeito goza do sentido, na medida em
que se direciona ao Outro, buscando ‘alguma coisa’ – o que pode ser representado no
FB, como trouxemos no último capítulo desta pesquisa, pelas ‘curtidas’ e pelos
comentários dos outros. Ao mesmo tempo, tem-se acesso aos outros a partir dos perfis
que cada um define e sustenta em sua participação nesta rede. Como destacamos,
algumas vezes estes encontros virtuais revelam mais das pessoas do que nossas relações
[177]
fora dali, pois é como se neste palco imenso do FB coubessem pequenos fragmentos da
infinidade de identificações, que transcendem aquelas que se representa de acordo com
os nichos nos quais se circula e que ‘demandam’ semblantes específicos. Mas, como
ressaltamos, é possível pensar no olhar no FB, na medida em que algo pode retornar
para o sujeito – isto é, objeto olha para o sujeito e coloca em evidência aquilo que estava
oculto em razão do campo que vela, o visível. Trazer exemplos de como isso pode
ocorrer talvez não seja exatamente o melhor modo de dizer sobre. Tentamos fazê-lo por
meio do filme Disconnect, mas sabemos que o modo como o olhar pode retornar para o
sujeito é particular, no um a um. Entretanto, não é tudo que é ‘bem-vindo’ e belo no FB.
Parece-nos que aquilo que quebra, faz mancha nesse quadro ou contempla um mal-estar,
será sempre condenado – como no caso das imagens de decapitação. Aqui também
podemos nos referenciar a Deep web (a web oculta), que fica no invisível da Surface
web (web da superfície) – essa que todos podem acessar – e os conteúdos da ordem do
‘horror’ que podem ser acessados.
De certo modo, apesar de suas regras ou da ‘falta’ delas, a internet oculta faz frente a
toda captura – seja de dados, seja de leis – às quais se está sujeito na internet de
superfície. E, diante disso, desse olhar estrategicamente oculto, também se vê emergir
conteúdos ‘do mal’. A Deep web, nesse sentido, ficou popularmente conhecida – mas
não acessível a qualquer pessoa – por seus teores fora do eixo, entre eles: pornografia
infantil, comércio livre de drogas e armas, assassinatos, necrofilia, comunidades que
trocam informações sobre estupros, experimento com humanos e até mesmo contratos
de matadores de aluguel. É como se ali o olhar do Outro tivesse sido suspenso e,
portanto, fosse possível praticar coisas que estão fora desse crivo de redes sociais que
buscam, como o FB, colocar a versão idealizada de si para o outro. Na Deep web não é
isso que está em questão. Não se pode tomá-la do mesmo modo que a Surface web, pois
não parece haver jogo escópico – pelo menos não do modo como argumentamos:
Assim, a Deep web aparece enquanto uma rota de fuga do controle das
armadilhas às quais estamos sempre expostos na internet e, ao mesmo tempo, ao excluir
o jogo escópico que favorece/sustenta o laço social, tem-se a propagação dessas cenas
outras. É prematuro elaborar algo mais sobre estas redes ocultas, pois não tivemos
acesso direto aos seus conteúdos, mas nos parece interessante evidenciar a existência
desse outro lado que promete enganar a vigilância e que, como efeito, aparece algo que
pode ter relação com o sintoma e, portanto, com o que aponta na direção do real.
[179]
Em países que utilizam a censura às redes – Irã, Coréia do Norte e China – é a internet
oculta que possibilita alguma saída. Jérémie Zimmermann (2012), em conversa com
Assange (2012) e outros, sugere que a criação de um software livre que todos possam
entender e modificar, para que seja um modo de se constituir uma sociedade on-line
livre, “para termos o potencial de sempre controlar a máquina, não permitindo que ela
nos controle” (p.79). Entendemos e reconhecemos a sugestão de Zimmermann, mas nos
perguntamos: isso é possível?
A ‘revelação’ se deu pelo modo como fomos todos surpreendidos por essa
ocupação coletiva, que delatou o mal-estar social contemporâneo, ou o desencanto,
especialmente no que tangem as questões relacionadas, de algum modo e em última
instância, ao modo de produção do capitalismo tardio. Ao mesmo tempo, tornou-se
evidente que as redes sociais virtuais – seja o Facebook ou qualquer outra –, mesmo
quando as tomamos enquanto uma produção tecnológica que espelha o capitalismo,
pode se apoderar dessa função do olhar, manchando o cheio de sentido e fazendo-se
revelar o furo da ‘bela ordem’ capitalista e, mais ainda, da própria ideia burguesa de
democracia. A ‘ilusão democrática’, como sugere Žižek, nos leva a aceitar os
mecanismos democráticos como sendo uma moldura essencial para qualquer mudança
e, desse modo, ao se oferecer enquanto um molde, ela dificulta uma possível
transformação radical das relações capitalistas:
não foram feitas porque isso requer palavras e conceitos que soem
verdadeiros, e aqueles usados atualmente para nomear os fenômenos
se tornaram insignificantes: democracia, liberdade, produtividade etc.
Com os novos conceitos, as questões logo serão levantadas, pois a
história envolve precisamente esse processo de questionamento.
Logo? Em uma geração (Berger apud Žižek, 2012, p.25).
Fonte: https://twitter.com/JornalOGlobo/status/346753824763019264/photo/1
[182]
Enfim, é preciso dizer que nos aventurarmos a investigar algo tão efervescente
como as redes sociais na atualidade, especialmente o FB e dentro disso a relação dos
sujeitos com uma modalidade de gozo particular, como o escópico, não foi, em
momento algum, uma direção única e sem variáveis. Enquanto nos atentamos para um
objetivo necessariamente específico, vimos surgirem outras redes e outros
acontecimentos que nos confirmaram que é preciso estar atento para o que essas novas
tecnologias podem explicitar sobre como a estrutura dos sujeitos se engendra no
discurso capitalista, de que modo isso aparece na relação entre o sujeito e Outro e
também na relação dos sujeitos com os objetos.
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