Você está na página 1de 88
ae cae pe YO Relea Luts de Camée \en TEXTO INTEGRAL CREDITOS © Copyright desta edigdo: Editora Martin Claret, 1999 IDEALIZAGAO E COORDENACKO Martin Claret Cara Digitagao Ilustragio Conceigdo A. Gatti Leonardo Cléudio Gianfardoni Editoragio Eletronica MIoLo Editora Martin Claret Revisdo Marcio Guimaraes Eliana Maria A. Martins Fotolitos da Capa OESP Projeto Grafico José Duarte T, de Castro Papel Off-Set, 70s/n* Diregiio de Arte José Duarte T. de Castro Impressio € Acabamento Paulus Gréffica itora Martin Claret Ltda, - Rua Alegrete, 62 - Bairro Sumaré CEP: 01254.010 - Sao Paulo - SP ‘Tel: (11) 3672-8144 - Fax: (11) 3673-7146 www.martinelaret.com.br / editorial @martinclaret.com.br Agradecemos a todos 05 nossos amigos ¢ colaboradores — pessoas fisicas e Jurfdicas — que deram as condigdes para que fosse possfvel a publicagao deste livro. Impresso em 2008. PALAVRAS DO EDITOR A histéria do livro ea colegio “A Obra-Prima de Cada Autor” MARTIN CLARET Q ue 6 0 livro? Para fins estatisticos, na década de 1960, a UNESCO considerou o livro “uma publicagio impressa, iio periddica, que consta de no minimo 56 paginas, sem contar as capas”, O livro é um produto industrial. Mas também & mais do que um simples produto. © primeiro conceito que deverfamos reteré 0 de que o livro como objeto & 0 veiculo, o suporte de uma informagao. O livro é uma das mais revoluefonétias invengSes do homem, A Enciclopédia Abril (1972), publicada pelo editor e empre~ sério Vietor Civita, no verbete “livro” traz concisas e im- portantes informagSes sobre a histéra do livro. A seguir, trans- crevemos alguns t6picos desse estudo diditico sobre o livro. O livro na Antiguidade ‘Antes mesmo que o homem pensasse em utilizar deter- minados materiais para escrever (como, por exemplo, fibras vegetais ¢ tecidos), as bibliotecas da Antiguidade estavam repletas de textos gravados em tabuinhas de barro cozido. Eram os primeiros “livros”,/depois progtessivamente mo * As notas so de Aires Sonetos* 1 Enquanto quis Fortuna que tivesse esperanca de algum contentamento, © gosto de um suave pensamento me fez que seus efeitos escrevesse. Porém, temendo Amor que aviso desse minha escritura a algum juizo isento, escureceu-me 0 engenho com tormento, para que seus enganos nfo dissesse. © vés que Amor obriga a ser sujeitos a diversas vontades! Quando lerdes num breve livro casos tio diversos, verdades puras sfo ¢ no defeitos... E sabei que, segundo 0 amor tiverdes, tereis 0 entendimento de meus versos. 2 Eu cantarei de amor tio docemente, por uns termos em si to concertados, ' que dous mil acidentes namorados 2 faga sentir ao peito que nio sente. Farei que amor a todos avivente, pintando mil segredos delicados, brandas iras, suspiros magoados, ? temerosa ousadia ¢ pena ausente. sn Também, Senhora, do desprezo honesto # de vossa vista branda ¢ rigorosa, contentar-me hei dizendo a menor parte. Porém, para cantar de vosso gesto > , a composicao alta e milagrosa, © aqui falta 7 saber, engenho e arte. 3 Busque Amor novas artes, novo engenho, para matar-me, ¢ novas esquivancas; que nao pode tirar-me as esperancas, que mal me tirard 0 que eu niio tenho. Olhai de que esperangas me mantenho! Vede que perigosas segurangas! Que nao temo contrastes nem mudangas, andando em bravo mar, perdido o lenho, Mas, conquanto nao pode * haver desgosto onde esperanga falta, lé me esconde Amor um mal, que mata ¢ nfio se vé. Que dias hd que n’alma me tem posto um nao sei qué, que nasce nao sei onde, vem nio sei como, ¢ déi néo sei por qué. 'Harmoniosos. ? Referente a amor. 3Cf, Nota 132. * Casto, pudico, * Rosto, semblante. 6 Maravilhosa. J ‘1 i " 70 verbo no singular, em cOncordancia}com o elemento 1 *0 verbo no indicativo, apegr do senfido concessivo, como era cle tte. uso. a ~& ximo, pertencente ao sujeito 4 Tanto de meu estado me acho incerto, que em vivo ardor tremendo estou de frio; sem causa, juntamente choro e rio, © mundo todo abarco e nada aperto. E tudo quanto sinto um desconcerto; da alma um fogo me sai, da vista um rio; agora espero, agora descontio, agora desvario, agora acerto. Estando em terra, chego ao Céu voando, numa hora acho mil anos, e € de jeito que em mil anos nao posso achar uma hora, Se me pergunta alguém porque assim ando, respondo que nio sei; porém suspeito que s6 porque vos vi, minha Senhora, i 5 Amor é um fogo que arde sem se ver; € ferida que déi e nao se sente; € um contentamento descontente; € dor que desatina sem doer. i ¥ um nao querer mais que bem querer; € um andar solitario entre a gente; € nunca contentar-se de contente; um cuidar que ganha em se perder. | E querer estar preso por vontade; 6 servir a quem vence, o vencedor; € ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos coragdes humanos amizade se tao contrario a si € o mesmo Amor? ° Bd, 1616: offerecida, 6 Doces aguas ¢ claras, do Mondego, doce repouso de minha lembranga, onde a comprida e pérfida esperanga longo tempo apés si me trouxe, cego; de vés me aparto; sim, porém, nao nego que ainda a meméria longa, que me alcanca, me niio deixa de v6s fazer mudanga, mas quanto mais me alongo, mais me achego. Bem pudera Fortuna este instrumento alma levar por terra nova e estranha, oferecido ° ao mar remoto, ao vento; mas alma, que de cé vos acompanha, nas asas do ligeiro pensamento, para vés, aguas, voa, e em vés se banha. 7 © fogo que na branda cera ardia, yendo o rosto gentil que eu na alma vejo, se acendeu de outro fogo do desejo, por alcangar a luz que vence o dia. Como de dous ardores se encendia, da grande impaciéncia fez despejo, e remetendo com furor sobejo vos foi beijar na parte onde se via. Ditosa aquela flama, que se atreve {a] apagar seus ardores e tormentos na vista de que o mundo tremer deve. Namoram-se, Senhora, os Elementos de vés, queima o fogo aquela neve que queima coragdes e pensamentos. 8 Pede-me o desejo, Dama, que vos veja, niio entende o que pede; est4 enganado. E este amor tio fino e tao delgado, que quem o tem nao sabe 0 que deseja. Nao hé cousa a qual natural seja que nao queira perpétuo seu estado; niio quer logo 0 desejo o desejado, porque niio falte nunca onde sobeja. Mas este puro afeito em mim se dana; que, como a grave pedra tem por arte o centro desejar da natureza, assim o pensamento (pela parte que vai tomar de mim, terrestre [e] humana) foi, Senhora, pedir esta baixeza. 9 Quando da bela vista ¢ doce riso tomando est&io meus olhos mantimento, to enlevado sinto o pensamento que me faz ver na terra 0 Paraiso. Tanto do bem humano estou diviso,"° que qualquer outro bem julgo por vento; assim, que em caso tal, segundo sento, assaz de pouco faz quem perde 0 siso. Em vos louvar, Senhora, néo me fundo, porque quem vossas cousas claro sente, sentir que niio pode merecé-Ias.!! Que de tanta estranheza sois ao mundo, que nfo é de estranhar, Dama excelente, que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas. Separado. " Ed. 1598: conhecé-las, 10 Quem pode livre ser, gentil Senhora, vendo-vos com juizo sossegado, se 0 Menino " que de olhos é privado, nas minimas dos vossos olhos mora? Ali manda, ali reina, ali namora,"® ali vive das gentes venerado; que 0 vivo lume e 0 rosto delicado, imagens so, nas quais 0 Amor se adora. Quem vé que em branca neve nascem rosas que fios crespos de ouro vio cercando, se por entre esta luz a vista passa, raios de ouro verd, que as duvidosas almas esto no peito traspassando, assim como um cristal 0 Sol traspassa. 11 Tomou-me vossa vista soberana adonde tinha armas mais & mio, por mostrar que quem busca defensio contra esses belos olhos, que se engana. Por ficar da vit6ria mais ufana, deixou-me armar primeiro da razo. cuidei de me salvar, mas foi em vao, que contra 0 Céu ndio vai defensa humana. Mas porém, se vos tinha prometido © vosso alto destino esta vitéri: ser-vos tudo bem pouco esté sabido. Que, posto que estivesse apercebido,'* no levais de vencer-me grande gléria: maior a levo eu de ser vencido. ” Cupido. ° Desperta amor. 12 | 13 Vossos olhos, Senhora, que competem,"> | Alegres campos, verdes arvoredos, com 0 Sol em formosura e claridade, claras e frescas aguas de cristal, enchem os meus de tal suavidade | que em vés os debuxais ao natural, que em lagrimas, de vé-los, se derretem. discorrendo da altura dos rochedos; Meus sentidos vencidos se submetem silvestres montes, asperos penedos, assim cegos a tanta divindade; compostos de concerto desigual, e da triste prisio, da escuridade, sabei que, sem licenga de meu mal, cheios de medo, por fugir remetem. j4ndo podeis fazer meus olhos ledos. Mas se nisto me vedes por acerto, E. pois me "6 jé nao vedes como vistes, © Aspero desprezo com que olhais nao me alegrem verduras deleitosas, torna a espertar a alma enfraquecida. nem aguas que correndo alegres vem, 6 gentil cura e estranho desconcerto! Semearei em vés lembrangas tristes, Que fard o favor que vés niio dais, regando-vos com légrimas saudosas, quando 0 vosso desprezo torna a vida? e nascerdio saudades de meu bem. yw? Os clissicos nfo se preodbpavamém evitar cacofonias. Vird adiante 0 soneto que assim ,comeca:f*Alma minha gentil que te beleza, do sol. partiste”, 4 *’ Porfiam, entram em c 14 Esté 0 lascivo,”” e doce passarinho com 0 biquinho as penas ordenando; © verso sem medida, alegre e brando, espedindo no réstico raminho: o cruel cagador, que do caminho se vem calado e manso desviando, na pronta vista a seta endireitando, Ihe dé no Estfgio lago eterno ninho. Dest’arte 0 coragiio, que livre andava, (posto que jé de longe destinado) onde menos temia foi ferido. Porque o Frecheiro ™ cego me esperava, para que me tomasse descuidado, em vossos claros olhos escondido. 15 Lembrangas saudosas, se cuidais de me acabar a vida neste estado, néio vivo com meu mal t&o enganado, que niio espere dele muito mais. De muito longe j4 me costumais a viver de algum bem desesperado; ja tenho co’ a Fortuna concertado " de softer os trabalhos que me dais. Atado ao remo tenho a paciéncia, para quantos desgostos der a vida, cuide em quanto quiser 0 pensamento; que, pois no ha i outra resisténcia para tio certa queda da caida” aparar-lhe hei debaixo o sofrimento. *” Saltitante, como o lati travesso, em referéncia A bOnit isto é, grinalda: “Sendo das mi +8 Cupido, tendo em vist JasciyyEm Os Lusfadas significa qud{a renina trouxe na capela”, Combi Jagei¥g mal tratada” (IM, 134). Combine — 2 Bd, 1598: de subida. a r€presphtacfio. E o deus do amor. 16 Se as penas com que Amor tao mal me trata quiser ?! que tanto tempo viva delas que veja escuro o lume das estrelas em cuja vista 0 meu * se acende e mata; €, Se 0 tempo, que tudo desbarata, secar as frescas rosas sem colhé-las, mostrando a linda cor das trangas belas mudada de ouro fino em bela prata; vereis, Senhora, entio também mudado © pensamento e aspereza vossa, quando nao sirva ja sua mudanga. Suspirareis entio pelo passado, em tempo quando” executar-se possa em vosso arrepender minha vinganca. 21 Bd. 1595, 1598 (sic). 2 O meu lume. ® Equivalente a “em quem relativo, 17 Quem vé, Senhora, claro e manifesto 0 lindo ser de vossos olhos belos, se nfo perder a vista s6 em vé-los, J nflo paga o que deve a vosso gesto. Este me parecia prego honesto; ‘mas eu, por de vantagem merecé-los, dei mais a vida alma por queré-los, donde ja me ndo fica mais de resto. Assim que a vida e alma e esperanca e tudo quanto tenho, tudo € vosso, © 0 proveito disso eu s6 0 levo. Porque € tamanha bem-aventuranga 0 dar-vos quanto tenho e quanto posso que, quanto mais vos pago, mais vos devo. 18 Quando 0 Sol encoberto vai mostrando a0 mundo a luz quietae duvidosa, ao longo de uma praia deleitosa, vou na minha inimiga* imaginando. Aqui a vi, os cabelos concertando; ali, com a mao na face tao formosa; aqui, falando alegre, ali cuidosa; agora estando queda, agora andando. Aqui esteve sentada, ali me viu, erguendo aqueles olhos tao isentos,?> aqui movida um pouco, ali segura: aqui se entristeceu, ali se riu; enfim, nestes cansados pensamentos asso esta vida va, que sempre dura, 19 Tempo ¢ ja que minha confianga se desca de uma falsa opinitio; mas Amor nao se rege por raziio; nio posso perder, logo, a esperanca. A vida, sim; que tia aspera mudanca niio deixa viver tanto um coragao. E cu na morte tenho a salvagio? Sim, mas quem a deseja no a alcanga. Forgado € logo que cu espere e viva. Ah! dura lei de Amor, que nfo consente quietagao nfia alma que é cativa! Se hei de viver, enfim, forgadamente, para que quero a gloria fugitiva de uma esperanga va que me atormente? 7h > | » - > Por antifrase, quer dizer, usghdé palivra de sentido contrario 20 | cabivel, & imitagao de Petrarc - * Indiferentes, &. 20 Transforma-se o amador na cousa amada2* por virtude do muito imaginar; niio tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Se nela esté minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcangar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma esté liada. Mas esta linda e pura semidéia,2” que, como um acidente em seu sujeito, assim com a alma minha se conforma, esté no pensamento como idéia; © 0 vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma. SO * Manifesta-se aqui, em grau extremo, o que resulta do conceito de amor segundo Platio, j4 encontrivel em Petrarca: “L’amante nel amato si trasforma” (Trionfi, cap. Ill). 7 Aqui, 0 conceito platénico da idéia ver reforgado pelo conceito aristotélico da forma. A paixio que assim anima integralmente a vida do amante “nio poderia ter melhor simbolo do que a forma, no SIGNIFICADO ARISTOTELICO DA PALAVRA”. Esta— explica Herani Cidade — a quem vanids)seguind6, “é 0 principio de organi- zacio interna e de vida total da’m: ‘que s6 por ela sai da sua indeterminacao essencial, converteémfato a sua natureza de mera poténcia”. A seguir, obseryae gone luijavisadamente. “De passagem 21 Passo por meus trabalhos tio isento de sentimento grande nem pequeno, que 86 pela vontade com que peno me fica Amor devendo mais tormento. Mas vai-me Amor matando tanto a tento, temperando a triaga com veneno, que do penar a ordem desordeno, porque assim mo consente o sofrimento. Porém, se esta fineza o Amor nao sente, pagar-me meu mal com mal pretende; torna-me com prazer como ao Sol neve. Mas se me vé co’ males tao contente, faz-se avaro da pena, porque entende que quanto mais me paga, mais me deve. poténcia”. A seguir, observa e conclui avisadamente. 7 Passage platénica e a aristotélica — perturba a unidade ideoléei ‘lo sonelo. A linda e para semidéia €, 20 mesmo tempo, a idéia, em que a alma se transforma; € a forma que ele, feito de puro amor, busca como se fosse matéria simples; mas é também 0 acidente, de ae, 6gica inferior & forma, vivend6jnele ¢& mo-lo a um posta que, mais do’ quézda expresso filoséfcn, quis exprimir a idéia de intima ineréncia em si da imagem da mulher amada”, (Hemani Cidade, Lampes fri lirieg! pig. 166). 22 Num jardim adornado de verdura, a que esmaltam por cima varias flores, entrou um dia a deusa dos amores, com a deusa da caga e da espessura. Diana tomou logo uma rosa pura, ‘Vénus um roxo lirio, dos melhores; mas excediam muito as outras flores as violas, na graca e formosura, Perguntam a Cupido, que ali estava, qual daquelas irés flores tomaria, por mais suave, pura e mais formosa? Sorrindo-se, o Menino Ihe tornava: todas formosas sfio, mas eu queria ® viol’antes que lirio, nem que rosa. *Violetas Save DO » Bu queria antes violetas i Iidos e ites violetas que rosas. Hé uma condensagio na frase, ide nem € conjungio aditiva, 23 Lindo e sutil trancado,* que ficaste em penhor do remédio que merego, se s6 contigo, vendo-te, endoidego, que fora cos cabelos que apertaste? Aquelas trangas de ouro que ligaste, que os raios do Sol tm em pouco prego, niio sei se para engano do que peco se para me atar os desataste. Lindo trangado, em minhas mios te vejo, e por satisfagdo de minhas dores como quem néo tem outra, hei de tomar-te. E se nao for contente *! meu desejo, dir-Ihe hei que, nesta regra dos amores, pelo todo também se toma a parte. » Forma contrata do participio confentado. 24 Esté-se a Primavera trasladando em vossa vista deleitosa e honesta nas lindas faces, olhos, boca e testa, boninas, lirios, rosas debuxando. De sorte,” vosso gesto matizando, Natura quanto pode manifesta, que 0 monte, o campo, 0 rio e a floresta se esto de vs, Senhora, namorando.® Se agora nao quereis que quem vos ama possa colher o fruto destas flores, perderdo toda a graca vossos olhos. Porque pouco aproveita, linda Dama, que semeasse Amor ™ em vés amores, se vossa condicdo produz, abrolhos. 25 Oh! como se me alonga, de ano em ano, a peregrinagdo cansada minha! Como se encurta, ¢ como 20 fim caminha este meu breve € Vio discurso * humano! Vai-se gastando a idade ¢ cresce 0 dano; perde-se-me um remédio que ainda tinha; se por experiéncia se adivinha, qualquer grande esperanga é grande engano. Corro apés este bem que nao se alcanga; no meio do caminho me falece; mil vezes caio e perco a confianga. Quando ele foge, eu tardo; e, na tardanga, se os olhos ergo a ver se ainda parece, da vista se me perde e da esperanga. * De sorte que. O ® Sentindo-se seduzidos poryés. oss Decurso. ™ Amor, abstratamente; amores| Go tamente. 2 Apensoes 26 Gro tempo ha ja que soube da Ventura a vida que me tinha destinada,” que a longa experiéncia da passada me dava claro indicio da futura. Amor fero, cruel, Fortuna dura, bem tendes vossa forca experimentada: assolai, destruf, nao fique nada; vingai-vos desta vida, que ainda dura, Soube Amor da Ventura, que a nao tinha, €, por que mais sentisse a falta dela, de imagens imposs{veis me mantinha, Mas vés, Senhora, pois que minha estrela nao foi melhor, vivei nesta alma minha, que néio tom a Fortuna poder nela, 27 Por que quereis, Senhora, que ofereca a vida a tanto mal como padego? Se vos nasce do pouco que merego, bem por nascer esta quem vos merega. Sabei que, enfim, por muito que vos pega, que posso merecer quanto vos pego que nao consente Amor que em baixo prego t&o alto pensamento se conhega. ‘Assi que a paga igual de minhas dores, com nada se restaura, mas deveis-ma, por ser capaz de tantos desfavores. E se 0 valor de vossos servidores houver de ser igual convosco mesma, 6s s6 convosco mesma andai de amores. *'No tempo de Camées, i a também na voz ativa. * Bd. 1598: escura, OW 23 Quando vejo que meu destino ordena que por me experimentar de vés me aparte, deixando de meu bem tao grande parte que a mesma culpa fica grave pena; 0 duro desfavor que me condena, quando pela meméria se reparte, endurece os sentidos de tal arte que a dor da auséncia fica mais pequena. Pois como pode ser que na mudanga daquilo que mais quero esté tio fora de me nao apartar também da vida? Eu refrearei tio Aspera esquivanga; porque mais sentirei partir, Senhora, sem sentir muito a pena da partida. 29 Se alguma hora em vés a piedade de to longo tormento se sentira, nao consentira Amor que me partira de vossos olhos, minha saudade. Apartei-me de vs, mas a vontade, que pelo natural n’alma vos tira, me faz crer que esta auséncia é de mentira; mas ainda mal, porém, porque é verdade. Ir-me hei, Senhora; ¢, neste apartamento, tomario tristes lagrimas vinganga nos olhos de quem fostes mantimento. E assim darei vida a meu tormento; que, enfim, cf me achard minha lembranga sepultada no vosso esquecimento. 30 Sete anos de pastor” Jacob servia Labi, pai de Raquel, serrana bela; mas niio servia ao pai, servia a ela, eaela“ s6 por prémio pretendia. Os dias, na esperanca de um sé dia, Passava, contentando-se com vé-la; porém o pai, usando de cautela, em lugar de Raquel Ihe dava Lia. Vendo 0 triste pastor que com enganos Ihe fora assim negada a sua pastora, como se a nao tivera merecida, comega de * servir outros sete anos, dizendo: — Mais servira, se nao fora para tao longo amor to curta a vida. * O tema encontra-se no Génesis. Cambes adotou interpretagao apropriada 20 intuito © & intuigdo do poeta, (Vide versiculo 25 € P c seguintes). “© Bd. 1598: Qu’ ella. “0 participio concordava como objeto direto, no tempo compos- to. * Hoje € mais frequente“edme ervir", construgio também usada pelo autor. 31 Pensamentos, que agora novamente cuidados vaos em mim ressuscitais, dizei-me: ainda nao vos contentais de terdes quem vos tem tao descontente? Que fantasia 6 esta, que presente cada hora ante meus olhos me mostrais? Com sonhos e com sombras atentais quem nem por sonhos pode ser contente? Vejo-vos, pensamentos, alterados, e nfo quereis, de esquivos, declarar-me que € isto que vos traz tio enleados? Niio me negueis; se andais para negar-me; que, se contra mim estais alevantados, cu vos ajudarei mesmo a matar-me. 32 Vos que, de olhos suaves e serenos, com justa causa a vida cativais, € que os outros cuidados condenais por indevidos, baixos e pequenos; se ainda do Amor domésticos venenos nunca provastes, quero que saibas que é tanto mais 0 amor depois que amais, quanto sio mais as causas de ser menos, E nao cuide ninguém que algum defeito, quando na cousa amada se apresenta, possa diminuir 0 amor perfeito; antes o dobra mais; e, se atormenta, pouco € pouco o desculpa o brando peito; que Amor com seus contrarios se acrescenta. 33 Se tomar minha pena em peniténcia do erro em que caiu o pensamento, nao abranda, mas dobra meu tormento, a isto, ea mais, obriga a paciéncia. E se uma cor de morto na aparéneia, um espalhar suspiros vdos 20 vento, em v6s niio faz, Senhora, movimento, fique meu mal em vossa consciéncia. E se de qualquer aspera mudanga toda a vontade isenta Amor castiga (como eu vi bem no mal que me condena): e se em vos nao se entende haver vinganga, seré forgado (pois Amor me obriga) que eu s6 de vossa culpa pague a pena. 34 Se pena por amar-vos se merece, quem dela livre est? Ou quem isento? Que alma, que razio, que entendimento, em ver-vos se niio rende e obedece? Que mor gl6ria na vida se oferece que ocupar-se em vés o pensamento? Toda a pena cruel, todo 0 tormento em ver-vos se no sente, mas esquece. Mas se merece pena quem amando contino vos esti, se vos ofende, © mundo matareis, que todo € vosso. Em mim podeis, Senhora, ir comegando, que claro se conhece e bem se entende amar-vos quanto devo e quanto posso. 35 Que modo tao sutil da natureza, para fugir ao mundo, e seus enganos, permite que se esconda em tenros anos, debaixo de um burel tanta beleza! Mas esconder-se nio pode aquela alteza e gravidade de olhos soberanos, a cujo resplendor entre os humanos resisténcia nao sinto, ou fortaleza. Quem quer livre ficar de dor e pena, vendo-a ou trazendo-a na meméria, na mesma razo sua se condena. Porque quem mereceu ver tanta gloria, cativo hd de ficar; que Amor ordena que de juro tenha ela esta vitéria. 36 Presenga bela, angélica figura, em quem, quanto o Céu tinha, nos tem dado; gesto alegre, de rosas semeado, entre as quais se est rindo a Formosura; olhos onde tem feito tal mistura em cristal branco 0 preto marchetado, que vemos jf no verde delicado nao esperanga, mas inveja escura: brandura,® aviso e graca, que aumentando a natural beleza com um desprezo, com que, mais desprezada, mais se aumenta; sio as prisGes de um coracio que, preso, seu mal ao som dos ferros vai cantando, como faz a sereia na tormenta. 37 Por cima destas dguas, forte e firme, irei por onde as sortes ordenaram, pois por cima de quantas me choraram aqueles claros olhos pude vir-me. Jé chegado era o fim de despedir-me, j4 mil impedimentos se acabaram, quando rios de amor se atravessaram a me impedir o passo de partir-me. Passei-os eu com Animo obstinado, com que a morte forcada e gloriosa faz o vencido ja desesperado. Em que figura, ou gesto desusado, pode ja fazer medo a morte irosa, a quem tem a seus pés rendido ¢ atado? 38 Arvore, cujo pomo, belo e brando, natureza de leite e sangue pinta, onde a pureza, de vergonha tinta, est virgineas faces imitando; / nunca da ira e do vento, que arrancando 08 troncos vio, o teu injuiria sinta; nem por malicia de ar te seja extinta a cor, que esti teu fruto debuxando. Que pois me emprestas doce e idéneo abrigo @ meu contentamento, e favoreces com teu suave cheiro minha gléria. Se eu no te celebrar como mereces, cantando-te, sequer farei contigo doce, nos casos tristes, a meméria. 39 O culto divinal se celebrava no templo donde toda a criatura louva o Feitor “ divino, que a feitura com seu sagrado sangue restaurava. Ali Amor, que a tempo me aguardava onde a vontade tinha mais segura, nua celeste e angélica figura a vista da razdo me salteava. Eu, crendo que o lugar me defendia, e seu livre costume nao sabendo que nenhum confiado Ihe fugia, deixei me cativar; mas ja que entendo, Senhora, que por vosso me queria, do tempo que fui livre me arrependo. 0 que faz. J 40 Senhora minha, se a Fortuna imiga, que em minha fim com todo o Céu conspira, os olhos meus de ver os vossos tira, Porque em mais graves casos me persiga: comigo levo esta alma, que se obriga, na mor pressa de mar, de fogo, de ira, a dar-vos a memGria, que suspira, 86 por fazer convosco eterna liga. Nesta alma, onde a Fortuna pode pouco, to viva vos terei, que frio e fome vos no possam tirar, nem vaos perigos. Antes com som da voz, trémulo e rouco, bradando por vés, s6 com vosso nome farei fugir os ventos ¢ os imigos. 41 Aguela fera humana que enriquece sua presuntuosa tirania destas minhas entranhas, onde cria Amor um mal que falta quando cresce; se nela o Céu mostrou (como parece) quanto mostrar ao mundo pretendia, por que de minha vida se injuria? Por que de minha morte se enobrece? Ora, enfim, sublimai vossa vit6ria, Senhora, com vencer-me e cativar-me: fazei disto no mundo larga historia. Que, por mais que vos veja maltratar-me, ja me fico logrando desta gléria de ver que tendes tanta de matar-me. 42 Amor que o gesto humano na alma escreve, vivas fafscas me mostrou um dia, donde um puro cristal se derretia por entre vivas rosas e alva neve. A vista, que em si mesma nio se atreve, por se certificar do que ali via, foi convertida em fonte, que fazia a dor ao sofrimento doce e leve. Jura Amor que brandura de vontade causa o primeiro efeito; o pensamento endoidece, se cuida que é verdade. Olhai como Amor gera num momento, de lagrimas de honesta piedade lagrimas de imortal contentamento. 43 Como quando do mar tempestuoso o marinheiro, lasso e trabalhado,** de um naufragio cruel jé salvo a nado, sé ouvir falar nele o faz medroso; ¢ jura que em * que veja bonangoso 0 violento mar, e sossegado niio entre nele mais, mas vai, forgado pelo muito interesse cobigoso; assim, Senhora, eu, que da tormenta de vossa vista fujo, por salvar-me, jurando de néio mais em outra ver-me; minha alma que de vés nunca se ausenta, dé-me por prego "” ver-vos, faz tornar-me donde fugi tao perto de perder-me. * Fatigado. * Ainda que. * Prémio. 44 Ditoso seja aquele que somente se queixa de amorosas esquivancas; pois por elas nao perde as esperangas; de perder n’algum tempo ser contente. Ditoso seja quem, estando ausente, niio sente mais que a pena das lembrancas; porque, ainda que se tema de mudangas, menos se teme a dor quando se sente. Ditoso seja, enfim, qualquer estado onde enganos, desprezos e isengiio trazem 0 coragdo atormentado. Mas triste quem se sente magoado de erros em que nao pode haver perdio, sem ficar n’alma a mgoa do pecado. ‘Ed. 1598: absente, que representa em terra um parafso; entre rubis ¢ perlas doce riso, debaixo de ouro e neve, cor de rosa; presenca moderada e graciosa, onde ensinando estiio despejo e siso | que se pode por arte e por aviso, ” 45 Leda serenidade deleitosa, como por natureza, ser fermosa: fala de quem a morte e a vida pende, °° rara, suave; enfim, Senhora, vossa; repouso nela alegre ¢ comedido; estas as armas sao com que me rende: e me cativa Amor; mas niio que possa despojar-me da gléria de rendido. cake a “natureza’” to €, exkino, opfembe a “natureza”. “Arte e aviso”, isto é, * Explica-se a concord ‘vpaighé uma unidade formada | pelos dois substantivos, constitufivos dé Sujeito composto. Pe apstinntivos 3FEnj post 46 No mundo quis um tempo que se achasse © bem que por acerto ou sorte vinha; ©, por experimentar que dita tinha, quis a Fortuna em mim se experimentasse. Mas por que meu destino me mostrasse que nem ter esperangas me convinha, nunca nesta to longa vida minha cousa me deixou ver que desejasse. Mudando andei costume, terra e estado, Por ver se se mudava a sorte dura; @ vida pus nas mios de um leve lenho. Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado) JA sei que deste meu buscar ventura, achado tenho ja, que nao a tenho. a7 Oh! quio caro me custa o entender-te, molesto Amor, que, s6 por alcangar-te, de dor em dor me tens trazido a parte onde em ti 6dio e ira se converte! Cuidei que, para em tudo conhecer-te, me nio faltasse experiéncia e arte; agora vejo n’alma acrescentar-te aquilo que era causa de perder-te. Estavas tao secreto no meu peito, que eu mesmo, que te tinha, no sabia que me senhoreavas deste jeito. Descobriste-te *! agora; e foi por via gue teu descobrimento e meu defeito, um me envergonha ¢ outro me injuria. 48 Quem quiser ver de Amor uma exceléncia onde sua fineza mais se apura, atente onde me pde minha ventura, por ter de minha £6 experiéncia. Onde lembrangas mata a longa auséncia, €m temeroso mar, em guerra dura, ali a saudade est segura, quando mor tisco corre a paciéncia, ‘Mas ponha-me Fortuna e o duro Fado em nojo, * morte, dano e perdigao, ou em sublime e préspera ventura; ponha-me, enfim, em baixo ou alto estado; que até na dura morte me achario na lingua o nome, n’alma a vista pura, i Ed. 1598: matao. ® Situagio de quem se abor Bad, 1598: ainda, 49 Se, depois de esperanga tio perdida, Amor pela ventura consentisse que ainda *alguma hora breve alegre visse de quantas tristes viu tao longa vida; uma alma jé tio fraca e tio caida por mais alto que a sorte me subisse nGo tenho para mim que consentisse alegria tio tarde consentida. Nao taéo-somente Amor me nao mostrou uma hora em que vivesse alegremente, de quantas nesta vida me negou; mas ainda tanta pena me consente, que com contentamento me tirou 0 gosto de alguma hora ser contente. 50 Senhor Jo%o Lopes, o meu baixo estado ontem vi posto em grau to excelente, que v6s, que sois inveja a toda a gente, 86 por mim vos quiséreis ver trocado. Vio gesto * suave e delicado que ja vos fez, contente e descontente, langar a0 vento a voz tio docemente que fez 0 ar sereno ¢ sossegado, Vi-the em poucas palavras dizer, quanto ninguém diria em muitas; eu s6, cego, magoado fiquei na doce fala. Mas mal haja a Fortuna, e o Moco cego! Um porque os coragées obriga a tanto; outra, porque os estados desiguala. 5 Gesto, isto &, rosto, pot pesbad HiShimia. a1 Apolo “e as nove Musas," descantando com a dourada lira, me influfam na suave harmonia que faziam, quando tomei a pena, comegando: — Ditoso sejao dia e hora, quando tio delicados olhos me feriam! Ditosos os sentidos que sentiam estar-se em seu desejo traspassando! Assim cantava, quando Amor virou a roda & esperanga, que corria to ligeira que quase era invisivel. Converteu-se me em noite o claro dia; e, se alguma esperanga me ficou, sera de maior mal, se for possivel. * Deus da luz e guia das musas, encarna o ideal helénico da beleza masculina, da poesia da espiritualidade. 5 Cada uma das nove divindades, filhas de Zeus e Mnimés (meméria), as quais Fg? agen i a saber: Calfope (poesia épica), Clio (hist6 terpex(misica), Melpomene (trapé dia), Talia (comédia), Urania (a8tronomja), Erato (poesia do amor), Terpsicore (danga), Polimnja (hisios). 52 Dai-me uma lei, Senhora, de querer-vos, que a guarde, sob pena de enojar-vos; que a fé que me obriga a tanto amar-vos fara que fique em lei de obedecer-vos. Tudo me defendei, senfio * s6 ver-vos, ¢ dentro na minha alma contemplar-vos; que, se assim nao chegar a contentar-vos, a0 menor que nao chegue [a] aborrecer-vos. E, se essa condigo cruel esquiva, que me deis lei de vida no consente, dai-ma, Senhora, jé, seja de morte. Se nem essa me dais, é bem que viva, sem saber como vivo, tristemente, mas contente porém de minha sorte. m= 00 53 Se tanta pena tenho merecida em pago de softer tantas durezas, provai, Senhora, em mim yossas cruezas, que aqui tendes uma alma oferecida. Nela experimentai, se sois servida, desprezos, desfavores e asperezas; que mores sofrimentos e firmezas sustentarei na guerra desta vida. Mas contra vossos olhos quais sero? Foreado e que tudo se Ihe renda; mas porei por escudo 0 coragao. Porque, em tio dura e aspera contenda, é bem que, pois nfo acho defensao, com me meter nas langas me defenda. 54 O cisne, quando sente ser chegada a hora que poe termo a sua vida, miisica com voz alta e mui subida Ievanta pela praia inabitada. Deseja ter a vida prolongada, chorando do viver a despedida com grande saudade da partida, celebra o triste fim desta jornada, Assim, Senhora minha, quando via 0 triste fim que davam meus amores, estando posto j4 no extremo fio, com mais suave canto e harmonia descantei pelos vossos desfavores La vuestra falsa fe, y el amor mio. ® Ser o canto de cisne: a tiltima produgdo. Alusio 2 lenda de que o cisne ao morrer solta um canto suavissimo. V. Aristételes, Historia dos Animais X, 12; Platio, Fédon Bliano, Histérias Varias 1, 14, Historias de Animais M1, 37.34 Camées,: soneto “o cisne quando sabe ser chegado...” elegia IX})Cangao, V; Buffon, Histoire Na- turelle”. (Antenor Nascentes, Tésoiiyo da)Fraseologia Brasileira.) 55 Sempre a Razo vencida foi de Amor; mas, porque assim 0 pedia 0 coragiio, quis Amor ser vencido da Razio. Ora que caso pode haver maior! Novo modo de morte, ¢ nova dor! Estranheza de grande admiracio, que perde suas forgas aafeigio, porque néio perca a pena o seu rigor. Pois nunca houve fraqueza no querer, mas antes muito mais se esforga assim um contrério com outro por vencer. Mas a Razio, que a luta vence enfim, no creio que é razio; mas hé de ser inclinagdo que eu tenho contra mim. 56 Diversos dées reparte 0 Céu benino e quer que cada tia almaum s6 possua; assim, ornou de casto peito a Lua, ornamento do assento cristalino. De graga, a Mae “! fermosa do Menino, que nessa vista tem perdido a sua; Palas, de discrigdio, que imite a tua; do valor, Juno,® s6 de império dino. Mas junto agora o mesmo Céu derrama em ti o mais que tinha, e foi o menos, em respeito do Autor da natureza: que, a seu pesar, te dao, fermosa Dama, Diana honestidade, e graca, Venus, Palas,“ o aviso seu. Juno, a nobreza. * Vénus, deusa do amor. Cupido, deus do amorya’qiiemh pifitaYam cego. © Ed. 1616: junto, 1 { pit “ Alusdo a0 prémio por eld dado.a mais bela. a 57 De vés me apatto, 6 vida! Em tal mudanga, sinto vivo da morte o sentimento. ‘Nao sei para que é ter contentamento, se mais hé de perder quem mais alcanga. ‘Mas dou-vos esta firme seguranga, que, posto que me mate meu tormento, pelas Aguas do eterno esquecimento segura passaré minha lembranga. ‘Antes sem vés meus olhos se entristegam, que com qualquer cousa outra se contentem; antes os esquegais, que vos esquecam. ‘Antes nesta lembranga se atormentem, que com esquecimento desmeregam a gléria que em sofrer tal pena sentem. yj 58 A Marte, que da vida o né desata, os nés, que dé o Amor, cortar quisera na Auséncia, que é contra ele espada fera com Tempo, que tudo desbarata, Duas contrérias, que uma a outra mata, a Morte contra 0 Amor ajuntae altera; uma é Razio contra Fortuna austera, , outra, contra a Razao, Fortuna ingrata. Mas mostre a sua imperial poténcia a Morte em apartar dum corpo a alma, duas num corpo 0 Amor ajunte ¢ una; Porque assim leve triunfante a palma, Amor da Morte, apesar da Auséncia, do Tempo, da Razioo e da Fortuna, | 79 é Ba. 1616: Amor. ff Ly a= Suspiros inflamados, que cantais a tristeza com que eu vivi tao ledo! Eu mouro e nao vos levo, porque hei medo que, ao passar do Lete,"* vos percais. ! Escritos para sempre jé ficais onde vos mostrarao todos com dedo | como exemplo de males; que eu concedo que para aviso de outros estejais. | Em quem, pois, virdes falsas esperangas de Amore da Fortuna, cujos danos alguns terao por bem-aventurangas, dizei-the, que os servistes muitos anos, e que em Fortuna tudo stio mudangas, e que em Amor niio hd sendo enganos. “ Rio do inferno, da mi tla * a, onde as sombras cram obrigadas a beber agua, esquécendo intejramente 0 passado. e poe 60 Todo o animal da calma repousava, 86 Liso ™* o ardor dela nao sentia; que 0 repouso do fogo em que ardia consistia na Ninfa que buscava, Os montes parecia que abalava 0 triste som das magoas que dizia; mas nada 0 duro peito comovia, que na vontade de outrem posto estava. Cansado jé de andar pela espessura, no tronco de uma faia, por lembranga, escreveu estas palavras de tristeza: Nunca ponha ninguém sua esperanga em peito feminil, que de natura somente em ser mudivel tem firmeza. ‘Anagrama de Luis, pasfor apaionatlo por Natércia, - of 58 Jovem apaixonado, que dé noiteyatravessava a nado o Hele ponto, para enconirar-se com/Fiero, sualzmada, aquele fogo que 0 61 Seguia aquele fogo, que o guiava, Leandro, contra 0 mar e contra 0 vento; as forcas Ihe faltavam j4 ¢ 0 alento, Amor lhas refazia e renovava. Depois que viu que a alma Ihe faltava, nao esmorece; mas, no pensamento, (que a Iingua jé no pode) seu intento a0 mar que Iho cumprisse, encomendava. 6 mar (dizia 0 mogo s6 consigo), {jf te no pego a vida: s6 queria que a de Hero me salves; ndo me veja. Este meu corpo morto, 14 0 desvia daquela torre, $é-me nisto amigo, pois no meu maior bem me houveste inveja! a, of 62 Por sua Ninfa, Céfalo® deixava Aurora, que por ele se perdia; posto que dé principio ao claro dia, posto que as roxas flores imitava. Ele, que a bela Précris tanto amava que S6 por ela tudo enjeitaria, deseja de atentar se Ihe acharia tao firme f como nele achava. Mudado 0 trajo, tece 0 duro engano: outro se finge, prego ® pée diante, quebra-se a fé mudével, e consente, engenho sutil para seu dano! Vede que manhas busca um cego amante para que sempre seja descontente! © Filho dum rei da Focida..Unido a Procris, deixou-se seduzir por Aurora, irma do sol e da lua. Essa metamorfosear. Mudado 0 ty" a propria esposa. a detiSa concedcu-Ihe 0 dom de se Bd. 1616: Prezo. 63 Sentindo-se tomada a bela esposa de Céfalo, no crime consentido, para os montes fugia do marido; e nao sei se de astuta, ou vergonhosa. Porque ele, enfim, sofrendo a dor ciosa, de amor cego e forgoso compelido, apés ela se vai como perdido, j4perdoando® a culpa criminosa. Deita-se ao pés da Ninfa endurecida, gue do cioso engano esta agravada; ja lhe pede perdio, j4 pede a vida. © forca de afei¢io desatinada! Que da culpa contra ele cometida, perdao pedia & parte que é culpada! pny P / Bd. 1616: Perdendo. f 4 64 Os vestidos Elisa” revolvia ; que Ihe Eneas deixara por meméria; ; doces despojos da passada gloria, doces, quando seu Fado 0 consentia, Entre eles a fermosa espada via que instrumento foi da triste historia; ©, como quem de si tinha a vitéria, falando s6 com ela, assim dizia: — Fermosa e nova espada, se ficaste 86 para executares os enganos de quem te quis deixar, em minha vida, sabe que tudo comigo te enganaste; que, para me tirar de tantos danos, Sobeja-me a tristeza da partida. 65 Ferido sem ter cura parecia 0 forte ¢ duro Télefo ® temido, por aquele que n’égua foi metido, a quem ferro nenhum cortar podia. ‘Ao Apolineo Ordculo pedia conselho para ser restituido; respondeu que tornasse a ser ferido por quem o jé ferira, ¢ sararia. Assim, Senhora, quer minha ventura que, ferido de ver-vos, claramente com vos tornar a ver Amor me cura. Mas é tao doce vossa fermosura, que fico como hidrépico doente, que com beber Ihe cresce mor secura. 7 Filho de Hércules, ferido ng/G Fea Bh Tesin por Aquiles, e que i lastO, feito com a ferrugem da sarou, gracas a aplicagio de win e propria langa que o gol} 66 Fiou-se 0 coracéio, de muito isento de si cuidando mal, que tomar tao ilicito amor tal ousadia; tal modo nunca visto de tormento. Mas os olhos pintaram, tao a tento Outros que visto tem na fantasia, que a razdo, temerosa do que via, fugiu, deixando 0 campo ao pensamento. 6 Hipélito casto, que, de jeito, de Fedra,” tua madrasta, foste amado, que nfio sabia ter nenhum respeito: em mim vingou o amor teu casto peito; mas esti desse agravo tio vingado, que se arrepende ja do que tem feito, ” Esposa de Teseu, pai de’ 0). por seu enteado, por quem se apaixonara, 67 O raio cristalino se estendia pelo mundo, da Aurora marchetada, quando Nise, pastora delicada, donde a vida deixava, se partia. Dos olhos, com que 0 Sol escurecia Ievando a vista em légrimas banhada, de si, do Fado e Tempo magoada, pondo os olhos no Céu, assim dizia: —Nasce, sereno Sol, puro e luzente; resplandece, fermosa e roxa Aurora, qualquer alma alegrando descontente; que a minha, sabe tudo que, desde agora, jamais na vida a podes ver contente, nem to triste nenhuma outra pastora. 68 Apartava-se Nise de Montano,” em cuja alma partindo-se ficava: que o pastor na meméria a debuxava, por poder sustentar-se deste engano. Pelas praias do fndico Oceano sobre 0 curvo cajado se encostava, € 0s olhos pelas Aguas alongava, que pouco se dofam de seu dano. Pois com tamanha mégoa e saudade (dizia) quis deixar-me a que eu adoro,” por testemunhas tomo Céu e estrelas. Mas se em v6s, ondas, mora piedade, levai também as lagrimas que choro, pois assim me levais a causa delas! ay * Pastor amado pela pastorijNise. 75 Bd, 1595: a em que nde % Ninfa riistica, por qu que tomava por vinganga doro; Fd. 1598; a em que eu moro. 69 Tomava Daliana”§ por vinganga da culpa do pastor que tanto amava, casat com Gil vaqueiro; e em si vingava o erro alheio ¢ pérfida esquivanca. A discrigio segura, a confianca, as rosas que seu rosto debuxava, 0 descontentamento Jhas secava, que tudo muda uma Aspera mudanga. Gentil planta disposta em seca terra, lindo frato de dura mao colhido, Iembrangas de outro amor, e fé perjura, tornaram verde prado em dura serra; interesse enganoso, amor fingido, fizeram desditosa a fermosura. 8nio estava apaixonado, © aqueiro. ‘Oipastor sar com Gil, 72 Em fermosa Leteia * se confia, por onde vaidade tanta aleanga, que, tornada em soberba a confianga, com os deuses celestes competia. Porque ndo fosse avante esta ousadia (que nascem muitos erros da tardanga), em efeito puseram a vinganga, que tamanha doidice merecia. Mas Oleno, perdido por Leteia, nao Ihe sofrendo Amor que suportasse castigo duro tanta fermosura, quis padecer em si a pena alheia; mas, porque a morte Amor niio apartasse, ambos tornados siio em pedra dura. 73 Naiades,*" v6s, que os tios habitais, que os saudosos campos vao regando, de meus olhos vereis estar manando outros, que quase aos vossos séo iguais. Driades,® v6s, que as setas atirais, 05 fugitivos cervos derrubando, outros olhos vereis que triunfando derrubam coragdes; que valem mais. Deixai as aljavas logo, e as 4guas frias, e vinde, Ninfas minhas, se quereis saber como de uns olhos nascem mégoas; vereis como se passam em vao os dias; mas nao vireis em vao, que cé achareis nos seus as setas, € nos meus as Aguas. OF ® Esposa de Oleno, aug Wa Mis bela do que as deusas Estas, ofendidas, convertetgm agpbdg emlrochas, 74 Num bosque que das Ninfas se habitava Silvia,® Ninfa linda, andava um dia, subida nua arvore sombria, as amarelas flores apanhava. Cupido, que ali sempre costumava a vir passar a sesta 4 sombra fria, hum ramo 0 arco ¢ setas que trazia, antes que adormecesse, pendurava. A Ninfa, como id6neo tempo vira para tamanha empresa, nao dilata, mas com as armas foge 20 Mogo esquivo, As setas traz nos olhos, com que tira: — O pastores! fugi, que a todos mata, se nao a mim, que de matar-me vivo. 75 Tal mostra da de si vossa figura, Sibela “, clara luz da redondeza, que as forgas e o poder da natureza com sua claridade mais apura. Quem viu uma confianga tao segura, tao singular esmalte da beleza, que nao padega mais, se ter defesa contra vossa gentil vista procura? Eu, pois, por escusar essa esquivanga, a razo sujeitei ao pensamento, que, rendida, os sentidos Ihe entregaram. Se vos ofende o meu atrevimento ainda podeis tomar nova vinganga nas reliquias da vida, que escaparam. —______OfF) 4 Cognome literério, qu we ‘vofladeira idemtidade da dama | requestada pelo Poeta. ian mg de Tse. "Ed, 1598: Sybila. € y € 76 Pelos extremos raros que mostrou em saber Palas, Vénus em fermosa, Diana em casta, Juno em animosa, Africa, Europa e Asia as adorou. Aquele saber grande que ajuntou espirito e corpo em liga generosa, esta mundana méquina lustrosa, de 86 quatro Elementos fabricou. Mas mor milagre fez a natureza em vés, Senhoras, pondo em cada uma © que por todas quatro repartiu. A vés seu resplendor deu Sol e Lua, a vs com viva luz, graca a pureza, Ar, Fogo, Terra e Agua vos serviu. 77 Na metade do Céu subido ardia o claro, almo Pastor, quando deixavam © verde pasto as cabras, € buscavam a frescura suave da agua fria. Com a folha da arvore sombria, do raio ardente as aves se emparavam; © médulo cantar, de que cessavam, 6 nas roucas cigarras se sentia; quando Liso pastor, num campo verde Natércia, crua Ninfa, s6 buscava com mil suspiros tristes que derrama: Por que te vas de quem por ti se perde, para quem pouco te ama? (suspirava). [El o Eco Ihe responde: Pouco te ama. 78 Jaa saudosa Aurora destoucava 08 seus cabelos de ouro delicados, € as flores nos campos esmaltados do cristalino orvalho borrifava; quando 0 fermoso gado se espalhava de Silvio e de Laurente pelos prados; pastores ambos, e ambos apartados, de quem o mesmo Amor nao se apartava, Com verdadeiras lagrimas, Laurente, — Nao sei (dizia), 6 Ninfa delicada, Por que nao morre j4 quem vive ausente, pois a vida sem ti nao presta nada. Responde Silvio: — Amor no 0 consente, que ofende as esperancas da tomada. - *% Apolo. 79 O filho * de Latona esclarecido, gue com seu raio alegra a humana gente, 0 horrido Piton, brava serpente, matou, sendo das gentes tao temido. Feriu com arco, ¢ de arco foi ferido, com ponta aguda de ouro reluzente; Nas Tessdlicas praias, docemente, pela Ninfa Peneia andou perdido. Nao Ihe p6de valer, para seu dano, ciéncia, diligéncia, nem respeito de ser alto, celeste e soberano. Se este nunca alcangou nem um engano de quem era tao pouco em seu respeito eu que espero de um ser que € mais humano? 80 Alma minha gentil, que te partiste tio cedo desta vida, descontente, repousa ld no Céu eternamente, e viva eu cf na terra sempre triste, Se Id no assento etéreo, onde subiste, meméria desta vida se consente, nio te esquegas daquele amor ardente que jé nos olhos meus téo puro viste. E se vires que pode merecer-te alguma cousa a dor que me ficou da mAgoa, sem remédio, de perder-te, roga a Deus, que teus anos encurtou, que tao cedo de cé me leve a ver-te, quao cedo de meus olhos te levou. 81 Aquela triste ¢ leda madrugada, cheia toda de magoa e de piedade, enquanto houver no mundo saudade quero que seja sempre celebrada. Bla s6, quando amena e marchetada safa, dando ao mundo claridade, viu apartar-se de uma outra vontade, que nunca poder ver-se apartada. Ela sé viu as légrimas em fio, que de uns e de outros olhos derivadas se acrescentaram em grande ¢ largo tio. Bla viu ® as palavras magoadas que puderam tomar o fogo frio, e dar descanso &s almas condenadas. 82 Doces lembrangas da passada gloria, que me tirou Fortuna roubadora, deixai-me repousar em paz ui que comigo ganhais pouca vi hora, Impressa tenho n’alma larga hist6ria deste passado bem que nunca fora, *” ou fora, e nao passara; mas jé agora em mim nao pode haver mais que a meméria. Vivo em lembrangas, morro de esquecido de quem sempre devera ser lembrado, se Ihe lembrara estado to contente. 1 Oh! quem tornar pudera a ser nascido! Soubera-me lograr do bem passado, conhecer soubera o mal presente 83 ‘Amor, com a esperanga ja perdida, teu soberano templo visitei; por sinal do naufrégio que passei, em lugar dos vestidos, pus @ vida. Que queres mais de mim, que destrufda me tens a gléria toda que alcancei? Nao cuides de forgar-me, que ndo sei tornar a entrar onde nao hé safda. Vés aqui alma, vida e esperanca, despojos doces de meu bem passado, enquanto quis aquela que cu adoro: nelas ® podes tomar de mim vinganga; ese ainda nao estas de mim vingado, contenta-te com as lagrimas que choro. *8 Ed, 1595: Nella ® Bd. 1595: Ha de. aD 84 Males, que contra mim vos conjurastes, quanto ha de durar tio duro intento? Se dura porque dura meu tormento, baste-vos quanto j4 me atormentastes. Mas se assim perfiais porque cuidastes derrubar meu tao alto pensamento, mais pode a causa dele, em que o sustento, que vés, que dela mesma o ser tomastes. E pois vossa tendo, com minha morte, € de ® acabar o mal destes amores, dai jd fim a um tormento t&o comprido, porque de ambos contente seja a sorte: v6s, porque me acabastes, vencedores; © eu, porque acabei de vés vencido, 85 Em prises baixas fui um tempo atado, yergonhoso castigo de meus erros; ainda agora arrojando levo os ferros que a Morte, a meu pesar, tem ja quebrado. Sacrifiquei a vida a meu cuidado, que Amor nao quer cordeiros nem bezerros; vi magoas, vi misérias, vi desterros parece-me que estava assim ordenado. Contentei-me com pouco, conhecendo que era o contentamento yergonhoso, 86 por ver que cousa era viver ledo. Mas minha estrela, que eu ja agora entendo, a morte cega, ¢ 0 caso duvidoso; me fizeram de gostos haver medo. } _ _ aa a ‘ i ioe. ‘uavi 9 Animais para sacrificio, a6s quais, poeta preferin a vida. 86 Cara minha inimiga, ”' em cuja mao ps meus contentamentos a ventura, faltou-te a ti na terra sepultura; por que ® me falte a mim consolagio. Eternamente as dguas lograrfio a tua peregrina fermosura: mas, enquanto me a mim a vida dura, sempre viva em minha alma te achatio. E se meus rudos versos podem tanto que possam prometer-te longa histéria daquele amor tao puro e verdadero, celebrada serds sempre em meu canto; porque enquanto no mundo houver meméria, serd minha escritura teu letreiro. Y¥ 4 a quiyanga da amada, FiooBaat ° As designagbes desse tipojfrisant vesquit cree LY 837 Foi ja num tempo doce cousa amar, enquanto me enganava a esperanga; © coracdo, com esta confianga, todo se desfazia em desejar. 6 vio, caduco e débil esperar! Como se desengana uma mudanga! Que, quanto é mor a bem-aventuranga, tanto menos se cré que ha de durar! Quem jé se viu contente e prosperado, vendo-se em breve tempo em pena tanta, razo tem de viver bem magoado. Porém quem tem o mundo experimentado, ngio © magoa a pena nem 0 espanta, que mal se estranhara 0 costumado. 838 Que poderei do mundo ja querer, que naquilo em que pus tamanho amor, no Vi seniio desgosto ¢ desamor, € morte, enfim: que mais no pode ser! Pois vida me nao farta de viver, pois ja sei que nao mata grande dor, se cousa h4 que magoa dé maior, ewa verei; que tudo posso ver. A morte, a meu pesar, me assegurou de quanto mal me vinha; jé perdi © que perder 0 medo me ensinou. Na vida desamor somente vi, na morte a grande dor que me ficou: parece que para isto s6 nasci! f 89 Pois meus olhos nfo cansam de chorar tristezas, que ndo cansam de cansar-me; pois no abranda o fogo em que abrasar-me pde quem eu jamais pude abrandar; nfo canse o cego Amor de me guiar a parte donde nio saiba tornar-me; nem deixe o mundo todo de escutar-me, enquanto me a voz fraca nao deixar. E se nos ® montes, rios ou em vales, piedade mora, ou dentro mora Amor em feras, aves, plantas, pedras, aguas, ougam a longa histéria de meus males, e curem sua dor com minha dor; que grandes magoas podem curar mégoas. _ I Ppa 1595em. ff =m TG. 90 Um ™ mover d’olhos, brando e piedoso, sem ver de qué; um riso brando e honesto, quase foreado; um doce ¢ humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso; um despejo ® quieto e vergonhoso; um repouso gravissimo ¢ modesto; uma pura bondade, manifesto indicio da alma, limpo e gracioso; um encolhido ousar; uma brandura; um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente softimento: esta foi a celeste fermosura da minha Circe, ® e o magico veneno que pdde transformar meu pensamento. ee ™ Hi recomendagio de evitar esse artigo indefinido; quando desne- Cessdrio, ndo exclui a possibilidade exemplificada do seu valor esti. Istico. % Naturalidade. * Bela e poderosa feiticeira,/Atrafa os homens ao seu palicio e, depois de os seduzir com seus encantos, tranformava-os em porcos, ledese outros animais. // 91 Fermosos olhos que na idade nossa mostrais do Céu certfssimos sinais, se quereis conhecer quanto possais, othai-me a mim, que sou feitura vossa. Vereis que de viver me desapossa aquele riso com que a vida dais; vereis como de Amor néio quero mais, por mais que 0 tempo corra ¢ 0 dano possa. E se dentro nesta alma ver quiserdes, como num claro espelho, ali vereis também a vossa, angélica ¢ serena. Mas eu cuido que sé por néio me verdes, yer-vos em mim, Senhora, nio quereis: tanto posto levais de minha pena! 92 Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se 0 ser, muda-se a confianga; todo o mundo é composto de mudanga, tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperanga; do mal ficam as mégoas na lembranga, e do bem (se algum houve), as saudades. O tempo cobre 0 chao de verde manto, que jd coberto foi de neve fria, e, enfim, converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, outra mudanga faz de mor espanto, que no se muda j4 como sofa. 93 Conversagao doméstica afeigoa, ora em forma de boa e sa vontade, ora de uma amorosa piedade, sem olhar qualidade de pessoa. Se depois, porventura, vos magoa com desamor e pouca lealdade, logo vos faz mentira da verdade 0 brando Amor, que tudo em si perdoa. Nio sao isto que falo conjecturas, que o pensamento julga na aparéncia, por fazer delicadas escrituras. Metido tenho a mao na consciéncia, e niio falo sendo verdades puras que me ensinou a viva experiéncia. 94 Depois que quis Amor que eu s6 passasse quanto mal ja por muitos reparti entregou-me & Fortuna, porque viu que nao tinha mais mal que em mim mostrasse. Ela, porque do Amor se avantajasse no tormento que o Céu me permitiu, © que para ninguém se consentiu, para mim s6 mandou que se inventasse. Eis-me aqui vou com vario som gritando, copioso exemplirio para a gente que destes dois tiranos é sujeita, desvarios em versos concertando, Triste quem seu descanso tanto estreita, que deste tio pequeno est contente! 95 Ondados fios d’ouro rehuzente, que, agora da mao bela recolhidos, agora sobre as rosas ” estendidos, fazeis que sua beleza se acrescent olhos, que vos moveis tio docemente, em mil divinos raios encendidos, se de cf me levais alma e sentidos, que fora, se de vés niio fora ausente? Honesto riso, que entre a mor fineza de perlas e corais nasce e perece, se n’alma em doces ecos niio 0 ouvisse! Se imaginando s6 tanta beleza de si, em nova gl6ria, a alma se esquece, que fard quando a vir? Ah! quem a visse! 96 Bem sei, Amor, que € certo o que receio; mas tu, porque com isso mais te apuras, de manhoso mo negas, ¢ mo juras no teu dourado arco; e eu to creio. A mao tenho metida no teu seio, € nio vejo meus danos as escuras: € tu contudo tanto me asseguras, que me digo que minto, e que me enleio. Nao somente consinto neste engano, mas ainda to agradego, e a mim me nego tudo 0 que vejo e sinto de meu dano. Oh! poderoso mal a que me entrego! Que, no meio do justo desengano, me possa ainda cegar um Moco cego! Com grandes esperangas j4 cantei, com que os deuses no Olimpo conquistara; depois vim a chorar porque cantara € agora choro j4 porque chorei. Se cuido nas passadas que j4 dei, custa-me esta lembranga s6 tio cara que a dor de ver as mAgoas que passara tenho pola mor magoa que passei. Pois logo, se est4 claro que um tormento da causa que outro n’alma se acrescente, ja nunca posso ter contentamento. Mas esta fantasia se me mente? Oh! ocioso € cego pensamento! Ainda eu imagino em ser contente? 98 Aquela que, de pura castidade, de si mesma tomou cruel vinganga por uma breve e stibita mudanca, contréria & sua honra e qualidade; venceu a fermosura a honestidade, venceu no fim da vida a esperanca, porque ficasse viva tal lembranga, tal amor, tanta fé, tanta verdade. De si, da gente e do mundo esquecida, feriu com duro ferro o brando peito, banhando em sangue a forga do tirano. [Oh!] estranha ousadia! estranho feito! Que, dando breve morte ao corpo humano, tenha sua meméria larga vida! 99 No tempo que de Amor viver sofa, nem sempre andava ao remo ferrolhado; antes agora livre, agora atado, em Vérias flamas variamente ardia. Que ardesse num s6 fogo, nio queria o Céu, porque tivesse experimentado que nem mudar as causas ao cuidado mudanga na ventura me faria. E se algum pouco tempo andava isento, foi como quem com peso descansou, por tornar a cansar com mais alento. Louvado seja Amor em meu tormento, pois para passatempo seu tomou este meu tdo cansado sofrimento! 100 Quando de minhas magoas a comprida imaginago os olhos me adormece, em sonhos aquela alma me aparece que para mim foi sonho nesta vida. LA numa saudade, onde estendida a vista pelo campo desfalece, corro para ela; e ela entio parece que mais de mim se alonga, compelida. Brado: Nao me fujais, sombra benina! Ela (os olhos em mim com brando pejo, como quem diz que j4 nao pode ser), torna a fugir-me; e eu, gritando: Dina... antes que diga mene, * acordo, e vejo que nem um breve engano posso ter. ni a 1. nome disfarga o de ° Refere-se a Dinar ninfa uuma das amadas do Poetf! AL 101 Ah! minha Dinamene! Assi deixaste quem nao deixara nunca de querer-te? Ah! Ninfa minha! Jé nao posso ver-te, to asinha esta vida desprezaste! Como j4 para sempre te apartaste de quem tao longe estava de perder-te? Puderam estas ondas defender-te, que nao visses quem tanto magoaste? Nem falar-te somente a dura morte me deixou, que tio cedo 0 negro manto em teus olhos deitado consentiste! O mar, 6 Céu, 6 minha escura sorte! ' Que pena sentirei, que valha tanto, que ainda tenho por pouco viver triste? Bd, 1668: duraste. 5% Bd. 1668: morte. J 102 Quem fosse acompanhando juntamente por esses verdes campos a avezinha que, depois de perder um bem que tinha, nao sabe mais que cousa é ser contente! [E] quem fosse apartando-se da gente, ela, por companheira ¢ por vizinha, me ajudasse a chorar a pena minha, eu a ela o pesar que tanto sente! Ditosa ave! que ao menos, se a Natura a scu primeiro bem nao dé segundo, dé-Ihe o ser triste a seu contentamento. Mais triste quem de longe quis ventura, que, para respirar, Ihe falte 0 vento, e para tudo, enfim, lhe falte 0 mundo! y 103 Cantando estava um dia bem seguro, quando passando Silvio me dizia (Silvio, pastor antigo, que sabia pelo canto das aves o futuro): — Méris, quando quiser 0 fado escuro, oprimir-te viro em um sé dia dois lobos; logo a voz e a melodia te fugirdo e o som suave e puro. Bem foi assim; porque um me degolou quando gado vacum pastava e tinha, de que grandes soldadas esperava: ¢ outro por meu dano me matou acordeira gentil que eu tanto amava, perpétua saudade da alma minha! 104 Correm turvas as aguas deste rio, que as do Céu e as do monte as enturbaram; ‘os campos florecidos se secaram, intratavel se fez 0 vale, ¢ frio, Passou o veriio, passou 0 ardente estio, umas cousas por outras se trocaram; os fementidos Fados j4 deixaram do mundo o regimento, ou desvario. ‘Tem o tempo sua ordem jé sabida; 0 mundo, nao; mas anda tao confuso, que parece que dele Deus se esquece. Casos, opiniées, natura ¢ uso fazem que nos pareca desta vida que no hd nela mais que o que parece. 105 Julga-me a gente toda por perdido, vendo-me tao entregue a meu cuidado, andar sempre dos homens apartado, ¢ dos tratos humanos esquecido. Mas eu, que tenho o mundo conhecido, e quase que sobre ele ando dobrado, tenho por baixo, rtistico, enganado, quem nao é com meu mal engrandecido. VA '"' revolvendo a terra, 0 mar eo vento, busque " riquezas, honras a outra gente, vencendo ferro, fogo, frio e calma; que eu s6 em humilde estado me contento, de trazer esculpido eternamente vosso fermoso gesto dentro n’alma. 11 B4.1616: Vio. 1 Bd. 1616: Busqui 106 O céu, a terra, o vento sossegado... As ondas, que se estendem pela areia... Os peixes, que no mar o sono enfteia... noturno siléncio repousado... O pescador Aénio, que, deitado onde com vento a 4gua se meneia, chorando, o nome amado em véo nomeia, que nao pode ser mais que nomeado: Ondas (dizia), antes que Amor me mate, torna-me a minha Ninfa, que to cedo me fizestes 4 morte estar sujeita. Ninguém lhe fala; o mar de longe bate; move-se brandamente 0 arvoredo; leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita. y © EpOnimo de Adnia, ugar da,Beécia, onde estava a fonte inspi- radora de Aganipe. Nome postico da Begcia Wwowsaneidann oisaicad®, ff "6 Que sofren dano, predicado..» 107 Que me quereis, perpétuas saudades? Com que esperanga ainda me enganais? Que o tempo que se vai nfio torna mais, ese torna, nao tornam as idades. Raziio é jé, 6 anos, que vos vades, porque estes to ligeiros que passais, nem todos para um gosto siio iguais, nem sempre so conformes as vontades. Aquilo a que jé quis € tao mudado, que quase é outra cousa: porque os dias tém 0 primeiro gosto jé danado. '* Esperangas de novas alegrias nao mas deixa a Fortuna e o Tempo errado, que do contentamento sao espias. A 108 Erros meus, mé fortuna, amor ardente em minha perdig&o se conjuraram; 0s erros € a fortuna sobejaram, que para mim bastava o amor somente. Tudo passei; mas tenho tio presente a grande dor das cousas que passaram, que as magoadas iras me ensinaram ano querer ja nunca ser contente. Errei todo o discurso "5 de meus anos; dei causa a que a Fortuna castigasse as minhas mal fundadas esperangas. De amor no vi seniio breves enganos. Oh! quem tanto pudesse que fartasse este meu duro génio de vingancas! '°* Decurso. 109 Eu cantei jé, e agora vou chorando © tempo que cantei tio confiado; parece que no canto ja passado se estavam minhas lagrimas criando. Cantei; mas se me alguém pergunta: Quando? nao sei; que também foi nisso enganado. E tao triste este meu presente estado que 0 passado, por ledo, estou julgando. Fizeram-me cantar, manhosamente, contentamentos nfio, mas confiangas; cantava, mas jé era ao som dos ferros. De quem me queixarei, que tudo mente? Mas eu que culpa ponho &s esperangas ‘onde a Fortuna injusta é mais que os erros? 110 Na desesperagiio jé repousava © peito longamente magoado, e, com seu dano eterno concertado, 4 nao temia, j4 ndo desejava; quando uma sombra va me assegurava que algum bem me podia estar guardado em tao fermosa imagem, que 0 treslado n’alma ficou, que nela se enlevava. Que erédito que dé tio facilmente © coragao Aquilo que desej quando Ihe esquece o fero seu destino! Oh! deixem-me enganar, que eu sou contente; que, posto que maior meu dano seja, fica-me a gloria j4 do que imagino. 111 Eu vivia de lagrimas isento, num engano tio doce e deleitoso que em que ™® outro amante fosse mais ditoso, néio valiam mil gl6rias um tormento. Vendo-me possuir tal pensamento, de nenhuma riqueza era invejoso; vivia bem, de nada receoso, com doce amor e doce sentimento. Cobigosa, a Fortuna me tirou deste meu tao contente ¢ alegre estado, e passou-me este bem, que nunca fora: em troco do qual bem s6 me deixou lembrangas, que me matam cada hora, trazendo-me & meméria o bem passado. TOE 46 Ainda que. i Lot 112 Indo 0 triste pastor todo embebido: na sombra de seu doce pensamento, tais queixas espalhava ao leve vento com brando suspirar da alma saido: — A quem me queixarei, cego, perdido, pois nas pedras nao acho sentimento? Com quem falo? A quem digo meu tormento que onde mais chamo sou menos ouvido? Oh! bela Ninfa, por que nao respondes? Por que o olhar-me tanto me encareces? Por que queres que sempre me querele? Eu quanto mais te vejo, mais te escondes! Quanto mais mal me vés, mais te endureces! Assim que com mal cresce a causa dele. 113 Lembrangas que lembrais meu bem passado, para que sinta mais 0 mal presente, deixai-me (se quereis) viver contente, nao me deixeis morrer em tal estado. Mas se também de tudo esta ordenado viver (como se vé) t&o descontente, venha (se vier) o bem por acidente, e dé a morte fim a meu cuidado. Que muito melhor é perder a vida, perdendo-se as lembrangas da meméria, pois fazem tanto dano " ao pensamento. Assim que nada perde, quem perdida a esperanga traz de sua gloria, se esta Vida hd de ser sempre em tormento. ____—is)' 17 Fd, 1668: pois tantgano fale. 114 Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados! Quéo asinha em meu dano vos mudastes! Passou 0 tempo que me descansastes, agora descansais com meus cuidados. Deixastes-me sentir os bens passados, para mor dor da dor que me ordenastes; ent&o nia hora juntos mos levastes, deixando em seu lugar males dobrados. Ah! quanto melhor fora nao vos ver, gostos, que assim passais tao de corrida, que fico duvidoso se vos vi sem vés jd me niio fica que perder, se nao se for esta cansada vida, que por mor perda minha nao perdi. 115 Ah! amiga cruel, que apartamento E este que fazeis da patria terra? Quem do paterno ninho vos desterra, gl6ria dos olhos, bem do pensamento? Js tentar da fortuna 0 movimento e dos ventos cruéis a dura guerra? Ver brenhas de 4gua, ¢ mar feito em serra, levantado de um vento e de outro vento? Mas jé que vos partis, sem vos partirdes, parta convosco o Céu tanta ventura, que seja mor que aquela que esperardes. E s6 nesta verdade ide segura: que ficam mais saudades com partirdes, do que breves desejos de chegardes. A 116 117 Quando cuido no tempo que, contente, vias pérolas, neve, rosa e ouro, como quem vé por sonhos um tesouro, parece tenho tudo aqui presente. Aqueles claros olhos que chorando ficavam quando deles me partia, agora que fardio? Quem mo diria? Se porventura estardo em mim cuidando? Mas tanto que ™ se passa este acidente, € vejo 0 quio distante de vés mouro, temo quanto imagino por agouro, porque de imaginar também me ausente. Se terfio na meméria como ou quando ] deles me vim tio longe de alegria? " Ou se estardio aquele alegre dia | que tone a vé-los, n’alma figurando? } Se contar‘io as horas e os momentos? | J4 foram dias em que por ventura Se acharfio num momento muitos anos? ! vos vi, Senhora, se assim dizendo Se falardio com as aves e cos ventos? posso com coragao seguro estar sem medo; \ agora, em tanto mal nao mo assegura a propria fantasia e nojo vosso; eu nao posso entender este segredo! Oh! bem-aventurados fingimentos, que nesta aus€ncia to doces enganos sabeis fazer aos tristes pensamentos! pondente a triste. Logomue. J "8 “Tao longe de alegit € perifasd 118 Quem vos levou de mim, saudoso estado, que tanta sem-raziio comigo usastes? Quem foi, por quem tio presto me negastes, esquecido de todo o bem passado? Trocastes-me um descanso em um cuidado to duro, tZo cruel, qual me ordenastes; af6, que tinheis dado, me negastes, quando mais nela estava confiado. Vivia sem receio deste mal; Fortuna, que tem tudo a sua mercé, amor com desamor me revolveu. Bem sei que neste caso nada val, que quem nasceu chorando, justo é que pague com chorar o que perdeu. 119 Senhora ja desta alma, perdoai de um vencido de Amor os desatinos, e sejam vossos olhos tio beninos com este Duro amor, que d’alma sai. ‘A minha pura fé somente olhai, e-vede meus extremos se sio finos; e se de alguma pena forem dinos, em mim, Senhora minha, vos vingai. Nao seja a dor que abrasa 0 triste peito causa por onde pene 0 coragio, que tanto em firme amor vos € sujeito. Guardai-vos do que alguns, Dama, dirdo, que, sendo raro em tudo vosso objeito, possa morar em vés ingratidaio. 120 Ca nesta Babilénia, donde mana ‘matéria a quanto mal o mundo cria; cé onde o puro Amor niio tem valia, que a Mie, que manda mais, tudo profana; cd, onde o mal se afina, e o bem se dana, ¢ pode mais que a honra a tirania; cd, onde a errada e cega Monarquia cuida que um nome vao a desengan: cd, neste labirinto, onde a nobreza com esforgo e saber pedindo vio as portas da cobica e da vileza; c4 neste escuro caos de confusio, cumprindo o curso estou da natureza. Vé se me esquecerei de ti, Sido! 121 Dizei, Senhora, da Beleza idéi para fazerdes esse dureo crino, onde fostes buscar esse ouro fino? De que escondida mina ou de que veia? 0 Dos vossos olhos essa luz Febeia, '"! esse respeito, de um império dino? Se o alcangastes com saber divino, se com encantamentos de Medeia? " De que escondidas conchas escolhestes as perlas preciosas orientais que, falando, mostrais no doce riso? Pois vos formastes tal como quisestes, vigiai-vos de vés, ndo vos vejais, fugi das fontes: lembre-vos Narciso. 0 Certa planta ornamental. "Luz de Febo, nome grego de Apolo,luz do sol. 1 Feiticeira casada edmn Jastion@ qual gudrdava, na Célquida, velocino de ouro. ~ DP 122 Doce contentamento jé passado, em que todo meu bem ja consistia, quem vos levou de minha companhia e me deixou de vés to apartado? Quem cuidou que se visse neste estado naquelas breves horas de alegria, quando minha ventura consentia que de enganos vivesse meu cuidado? Fortuna minha foi cruel e dura aquela que causou meu perdimento, com a qual ninguém pode ter cautela. Nem se engane nenhuma criatura, que no pode nenhum impedimento fugir do que [Ihe] ordena sua estrela. 4 r 123 Doce sonho, suave e soberano, se por mais longo tempo me durara! ‘Ah! quem de sonho tal nunca acordara, pois havia de ver tal desengano! Ah! deleitoso bem! ah! doce engano! Se por mais largo espago me enganara! Se ento a vida mfsera acabara, de alegria e prazer morrera ufano. Ditoso, niio estando em mim, pois tive, dormindo, o que acordado ter quisera. Othai com que me paga meu destino! Enfim, fora de mim, ditoso estive. Em mentiras ter dita raziio era, pois sempre nas verdades fui mofino. 124 Enquanto Febo os montes acendia do Céu com luminosa claridade, por evitar do 6cio a castidade na caga 0 tempo Délia " despendia. ‘Vénus, que entao de furto descendia, por cativar de Anquises " a yontade, vendo Diana em tanta honestidade, quase zombando dela, Ihe di — Tu vas com tuas redes na espessura os fugitivos cervos enredando, mas as minhas enredam o sentido. — Melhor é (respondia a deusa pura) nas redes leves cervos ir tomando que tomar-te a ti nelas teu marido. Deepen aa "3 Diana, deusa da ca of. Tha'dé Delos. "4 Principe troiano, me ao Enéi aby amado por Vénus. 125 Este amor que vos tenho, limpo e puro, de pensamento vil nunca tocado, em minha tenra idade comegado, t8-Io dentro nesta alma s6 procuro. De haver nele mudanga estou seguro, sem temer nenhum caso "4 ou duro Fado, nem o supremo bem ou baixo estado, nem 0 tempo presente nem futuro. A bonina ¢ a flor asinha passa; tudo por terra o Inverno ¢ Estio deita, 86 para meu amor & sempre Maio. Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa, e que essa ingratidaio tudo me enjeita, raz este meu amor sempre em desmaio. 45 Acaso. 46 @ concordancia de “passa” como a do verbo “deitar” encontra explicago na unidade sentida, no-Sujeito”composto, num ¢ noutro caso. No primeiro, transparece si sinonimia, ja/gue bonina é flor do campo; no segundo, pen a” apo da idéia de tempo. 126 Fortuna em mim guardando seu direito em verde derrubou minha alegri Oh! quanto se acabou naquele dia, cuja triste lembranga arde em meu peito! Quando contemplo tudo, bem suspeito que a tal bem, tal descanso se devia, por nao dizer o mundo que podia achar-se em seu engano bem perfeito. Mas se a Fortuna o fez por descontar-me tamanho gosto, em cujo sentimento a meméria nao faz senao matar-me, que culpa pode dar-me o sofrimento, se a causa que ele tem de atormentar-me, eu tenho de sofrer o seu tormento? 127 JA ndo sinto, Senhora, os desenganos ‘com que minha afeig’o sempre tratastes, nem ver 0 galardio que me negastes, merecido por f, hd tantos anos. A migoa choro s6, s6 choro os danos de ver por quem, Senhora, me trocastes; mas em tal caso v6s 86 me vingastes de vossa ingratidéio, vossos enganos. Dobrada gléria di qualquer vinganga, que 0 ofendido toma do culpado, quando se satisfaz com cousa justa, mas eu de vossos males e, esquivanga, de que agora me vejo bem vingado, nao 0 quisera eu tanto a vossa custa. [41 128 Meméria de meu bem, cortado em flores por ordem de meus tristes e maus Fados, deixai-me descansar com meus cuidados nesta inquietagao de meus amores. Basta-me o mal presente, e os temores dos sucessos que espero infortunados, sem que venham, de novo, bens passados aftontar meu repouso com suas dores. Perdi numa hora tudo quanto em termos to vagarosos e largos aleancei; deixai-me, pois, lembrangas desta gléria. Cumpre acabe a vida nestes ermos, porque neles com meu mal acabarei mil vidas, nfio uma s6, dura meméria! 129 Na ribeira do Eufrates assentado, discorrendo me achei pela meméria aquele breve bem, aquela gloria, que em ti, doce Sito, tinha passado. Da causa de meus males perguntado me foi: Como nao cantas a hist6ria de teu passado bem, e da vitéria que sempre de teu mal hés alcangado? Nio sabes, que a quem canta se Ihe esquece o mal, ainda que grave e rigoroso? Canta, pois, € nao chores dessa sorte. Respondo com suspiros: Quando eresce a muita saudade, 0 piadoso remédio é no cantar sendo a morte. "” Verso de Petrarca, i 130 Num tao alto lugar, de tanto preco, este meu pensamento posto vejo, que desfalece nele ainda 0 desejo, vendo quanto por mim o desmereco. Quando esta tal baixeza em mim conhego, acho que cuidar nele € gro despejo, © que morrer por ele me é sobejo € mor bem para mim, do que merego. O mais que natural merecimento de quem me causa um mal tio duro e forte, © faz que v4 crescendo de hora em hora. ‘Mas eu nao deixarei meu pensamento, porque ainda que este mal me causa a morte. Un bel morir tutta la vita onora. "7 1A 131 O dia em que eu nasci, moura parega, niio 0 queira jamais 0 tempo dar; nao torne mais ao mundo, e, se tornar, eclipse nesse passo 0 sol padeca. A luz Ihe falte, 0 sol se [Ihe] escurega, mostre 0 mundo sinais de se acabar, nasgam-Ihe monstros, sangue chova 0 ar, a mie ao préprio filho nao conhega. As pessoas pasmadas, de ignorantes, as lagrimas no rosto, a cor perdida, cuidem que o mundo ja se destruiu. 6 gente temerosa, nao te espantes, que este dia deitou ao mundo a vida mais desgracada que jamais se viu! 132 Olhos fermosos, em quem quis Natura mostrar do seu poder altos sinais, se quiserdes saber quanto possais, vede-me a mim, que sou vossa feitura. Pintada em mim se vé vossa figura, no que eu padego retratada estais; que, se eu passo tormentos desiguais, muito mais pode vossa fermosura. De mim nao quero mais que o meu desejo; ser vosso, e s6 de ser vosso me arreio, porque 0 vosso penhor em mim se assele. Nao me lembro de mim quando vos vejo, nem do mundo; e no erro, porque creio que, em lembrar-me de v6s, cumpro com ele. 133 tempo acaba 0 ano, o més e a hor a forga, a arte, a manha, a fortaleza; co tempo acaba a fama e a riqueza, © tempo o mesmo tempo de si chora. O tempo busca e acaba 0 onde mora qualquer ingratidao, qualquer dureza; mas nao pode acabar minha tristeza, enquanto nio quiserdes vés, Senhora. O tempo o claro dia torna escuro, 0 mais ledo prazer em choro triste; ‘© tempo, a tempestade em gra bonanga. Mas de abrandar o tempo estou seguro. 0 peito de diamante, onde consiste a pena e o prazer desta esperanga. 134 Posto me tem Fortuna em tal estado, © tanto a seus pés me tem rendido! Nao tenho que perder jé, de perdido, nao tenho que mudar j4, de mudado. Todo 0 bem para mim é acabado; daqui dou o viver ja por vivido; que, aonde o mal é tio conhecido, também o viver mais ser4 escusado, Se me basta querer, a morte quero, que bem outra esperanga nfo convém, e curarei um mal com outro mal. E, pois do bem tao pouco bem espero, j4 que o mal este s6 remédio tem, nao me culpem em querer remédio tal. Ly ~ 135 Quando se vir com Agua o fogo arder, e misturar com dia a noite escura, ea terra se vir naquela altura em que se vém os Céus prevalecer; o Amor por raziio mandado ser, e a todos ser igual nossa ventura, com tal mudanga, vossa fermosura entiio a poderei deixar de ver. Porém nao sendo vista esta mudanga no mundo (como claro esta nao ver-se), iio se espere de mim deixar de ver-vos. Que basta estar em v6s minha esperanca, 6 ganho de minha alma, ¢ 0 perder-se, para nao deixar nunca de querer-vos. 136 A fermosura desta fresca serra, ea sombra dos verdes castanheiros, © manso caminhar destes ribeiros, donde toda a tristeza se desterra; © rouco som do mar, a estranha terra, 0 esconder do sol pelos outeiros, orecolher dos gados derradeiros, das nuvens pelo ar a branda guerra; enfim, tudo 0 que a rara natureza com tanta variedade nos oferece, me esté, se nao te vejo, magoando, Sem ti, tudo me enoja e me aborrece; sem ti, perpetuamente estou passando nas mores alegrias, mor tristeza. 137 Diana prateada, esclarecida com a luz que do claro Febo ardente, por ser de natureza transparente, em si, como em espelho, reluzia. Cem mil milhdes de gragas Ihe influfa, quando me apareceu 0 excelente raio de vosso aspecto, diferente em graca e em amor do que sofa. Eu, vendo-me tio cheio de favores, € tao propinquo a ser de todo vosso, louvei a hora clara, € a noite escura, pois nela destes cor a meus amores; donde colijo claro que nfo posso de dia para v6s ja ter ventura. 138 Quando a suprema dor muito me aperta, se digo que desejo esquecimento, 6 forga que se faz ao pensamento, de que a vontade livre desconcerta. Assim, de erro tio grave me desperta a luz do bem regido entendimento, que mostra ser engano ou fingimento dizer que em tal descanso mais se acerta. Porque essa propria imagem, que na mente me representa o bem de que carego, faz-mo de um certo modo ser presente. Ditosa 6, logo, a pena que padego, pois que da causa dela em mim se sente um bem que, ainda sem ver-vos, reconheso. 139 Quando, Senhora, quis Amor que amasse essa gri perfeigdo e gentileza, logo deu por sentenga que a crueza em vosso peito amor acrescentasse. Determinou que nada me apartasse, nem desfavor cruel, nem aspereza; mas que em minha rarfssima firmeza vossa isengiio cruel se executasse. E, pois tendes aqui oferecida esta alma vossa a vosso sacrificio, acabai de fartar vossa vontade. Nao Ihe alargueis, Senhora, mais a vida; acabaré morrendo em seu oficio, que fé defendendo e lealdade. 140 Que pode ja fazer minha ventura que seja para meu contentamento? Ou como fazer devo fundamento de cousa que 0 nao tem, nem € segura? Que pena pode ser téo certa e dura que possa ser maior que meu tormento? Ou como recearé meu pensamento os males, se com eles mais se apura? ‘Como quem se costuma de pequeno: com pegonha criar por mao ciente, da qual 0 uso jé 0 tem seguro; assim de acostumado com veneno, 0 uso de sofrer meu mal presente me faz ndo sentir ja nada o futuro. 141 Quem presumir, Senhora, de louvar-vos com humano saber, ¢ nao divino, ficaré de tamanha culpa dino quamanha "" ficais tendo em contemplar-vos. Nao pretenda ninguém de louver dar-vos, por mais que raro seja € peregrino: que vossa fermosura eu imagino que Deus a Fle s6 quis comparar-vos Ditosa esta alma vossa, que quisestes em posse por de prenda tio subida, como, Senhora, foi a que me destes. Melhor a guardarei que a prépria vida; que, pois mercé tamanha me fizestes, de mim seré jamais" nunca esquecida. =r Mit Segundo membro da corr fagdo gStabelecida por ramanho. Construgdo arcaica. '] 1 Negativa reforgaday obsoleta, 142 143 Se de vosso fermoso e lindo gesto Sempre, cruel Senhora, receei, nasceram lindas flores para os olhos, medindo vossa gra desconfianga, que para 0 peito so duros abrolhos, que desse em desamor vossa tardanga, em mim se vé mui claro e manifesto: e que me perdesse eu, pois vos amei. pois vossa fermosura e vulto honesto Perca-se, enfim, jé tudo o que esperei, em os ver, de boninas vi mil molhos; pois noutro amor ja tendes esperanga. mas se meu corago tivera antolhos, Tao patente sera vossa mudanga, nao vira em vés seu dano o mal funesto. quanto eu encobri sempre 0 que vos dei. Um mal visto por bem, um bem tristonho, Dei-vos a alma, a vida 0 sentido; que me traz elevado 0 pensamento de tudo o que em mim hé vos fiz senhora. em mil, porém diversas, fantasias. Prometeis e negais o mesmo Amor. Nas quais eu sempre ando, ¢ sempre sonho, Agora tal estou que, de perdido, € v6s nao cuidais mais que em meu tormento, nijo sei por onde vou, mas alguma hora em que fundais as vossas alegrias. vos dard tal lembranga grande dor. 144 Sustenta meu viver uma esperanga derivada de um bem tio desejado que, quando nela estou mais confiado, mor diivida me pe qualquer mudanga. E quando ainda este bem na mor pujanga de seus gostos me tem mais enlevado, me atormenta entiio ver eu que, alcangado serd por quem de vés néo tem lembranga. Assim, que nestas redes enlacado, a penas dou a vida, sustentando uma nova matéria a meu cuidado. Suspiros d’alma tristes arrancando, dos silvos de uma pedra acompanhado, estou matérias tristes lamentando. com a 145 Vencido esté de Amor o mais que pode ser sujeita a vos servir oferecendo tudo Contente deste bem, ou hora em que se viu mil vezes desejando outra vez renovar Com essa pretenstio causa que me guia fo estranha, tao doce, Jurando nao seguir votando s6 por vs ou ™ ser no yosso amor 9 Bd.1668: sem. meu pensamento vencida a vida, instituida, a vosso intento. Jouva 0 momento, fo bem perdida; atal ferida, seu perdimento. esta segura nesta empresa, honrosa ¢ alta. outra ventura, rara firmeza, achado em falta. 146 EL vaso reluciente y cristalino, de Angeles agua clara y olorosa, de blanca seda ornado y fresca rosa, ligado con cabellos de oro fino; bien claro parecia el don divino labrado por la mano artificiosa de aquella blanca Ninfa, graciosa més que el rubio lucero matutino. Nel vaso vuestro cuerpo se afigura, raxado de los blandos miembros bellos, yen el agua vuestra anima pura; Ja seda es Ja blancura, e los cabellos son las prisiones, y la ligadura con que mi libertad fue asida dellos. 147 Pues légrimas tratdis, mis ojos tristes, y en lagrimas pasdis la noche y dfa, mirad si es Ianto este que os envia aquella por quien vos tantas vertistes. Sentid, mis ojos, bien esta que vistes, y siella lo es, oh gran veritura mia! por muy bien empleadas las habria mil cuentos que por esta sola distes. Mas una cosa mucho deseada, aunque se vea cierta; no es creida, cuanto més esta, que me es enviada. Pero digo que aunque sea fingida, que basta que por lgrima sea dada, porque sea por lgrima tenida. 148 Se a Fortuna inquieta e mal olhada, que a justa lei do Céu consigo infama, a vida quieta, que ela mais desama, me concedera, honesta e repousada; pudera ser que a Musa, alevantada com luz de mais ardente e viva flama, fizera ao Tejo 14 na patria cama adormecer com som da lira amada. Porém, pois 0 destino trabalhoso, que me escurece a Musa fraca ¢ lassa, louvor de tanto prego nao sustenta; a vossa de louvar-me pouco escassa, outro sujeito busque valeroso, tal qual em vés ao mundo se apresenta. 149 A morte de D. Antonio de Noronha. Em flor vos arrancou, de entio crescida (Ah! senhor dom Ant6nio!), a dura sorte, donde fazendo andaya o brago forte a fama dos Antigos esquecida. Uma sé razao tenho conhecida com que tamanha mdgoa se conforte: que, pois no mundo havia honrada morte, que nao podieis ter mais larga a vida. Se meus humildes versos podem tanto que com desejo meu se iguale a arte, especial matéria me sereis. E, celebrado em triste e longo canto, se morrestes nas mios do fero Marte, na meméria das gentes vivereis. 150 A sepultura de D. Fernando de Castro. Debaixo desta pedra est metido, das sanguinosas armas descansado, © capitio ilustre, assinalado, Dom Fernando de Castro esclarecido. Por todo 0 Oriente tao temido, e da inveja da fama tao cantado, este, pois, 6 agora sepultado, est aqui j4 em terra convertido. Alegra-te, 6 guerreira Lusitania por este Viriato '?! que criaste, e chora-o, perdido, eternamente. ) Exemplo toma nisto de Dardania; que, se a Roma com ele aniquilaste, nem por isso Cartago est4 contente. "8 Pastor lusitano que durante egiorze durante a "y comandou a resistén- cia 20 poder imperial de Roma. 1 De Dardano, rei di Tréia, troldnos; nl daa 1 € 0 nome latino de 4151 AD. Simdo da Silveira, em resposta de outro seu, pelos mesmos consoantes, mandando-the perguntar quem fora o primeiro Poeta que fizera Sonetos. De um tio felice engenho, produzido de outro, que o claro Sol nao viu maior, € trazer cousas altas no sentido, todas dinas de espanto e de louvor. Museu ® foi antiquissimo escritor, filésofo e poeta conhecido, discipulo do Misico amador que com som teve o Inferno suspendido. Este pode abalar o monte mudo, cantando aquele mal, que eu jé passei, do mancebo de Abido ™ mal sisudo. Agora contam j (segundo achei), Tasso, "5 e 0 nosso Bosciio, que disse tudo dos segredos que move o cego Rei. 15 Pgeta mitico, discfpulo do mtisico amador, Orfeu, miisico da Tricia. 24 Leandro, morador em Abido, cidade & margem dos Dardanelos. Todas as noites atravessava a nado o Helesponto para visitar Hero, sua amante, que morava na outra margem. 125 Bernardo Tasso ‘LZ ,-escritorsitaliano, pai do poeta Torquato Tasso. 6 Juan de Boscéin, poe! na Peninsula Ibérica. jue intraduziu o hendecassflabo 152 Depois que viu Cibele 0 corpo humano do fermoso Atis seu verde pinheiro, em piedade o vio furor primeiro convertido, chorou seu grave dano. E, fazendo a sua dor ilustre engano, a Japiter pediu que 0 verdadeiro prego da nova palma e do loureiro, a0 seu ninheiro desse, soberano. Mais the concede o filho poderoso que, as estrelas, subindo, tocar possa, 153 Resposta do autor a um Soneto, pelos mesmos consoantes. De tao divino acento e voz humana, de tao doces palavras peregrinas, bem sei que minhas obras nao sao dinas, que o rudo engenho meu me desengana. Mas de vossos escritos corte ¢ mana licor que vence as 4guas Cabalinas, e convosco do Tejo as flores finas fardo inveja 4 cpia Mantuana. " vendo os segredos 14 do Céu superno. E pois, a vos de si nao sendo avaras, as filhas de Mnemésine "° fermosa partes dadas vos tem, a0 mundo caras, Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso quem se vir coroar da folha vossa, cantando & vossa sombra verso eterno! a minha Musa e a vossa tao famosa, ambas posso chamar no mundo raras: a vossa d’alta, a minha d’envejosa. "8 Licor (Iiquido) que vence as éguas cabalinas, isto é, a das Fontes Cabalinas, inspiradoras de poctas. Lo | Refere-se aos escritogile VeFfilio, ferargt ‘de Mantua, na Telia “Cépia” pela idéia de confyonto'inveja, ayes no final do soneto. * Deusa da memoriag’ maelYas ove spftsas. ” Deusa, filha do céu/e da férra, Wsposa dQ Satuno, a qual, apai- xonada pelo jovem Atis, anf fend pinpeiro ao saber-se traida. 154 Ao segundo conde de Redondo, D. Jodo Coutinho. Dos ilustres antigos que deixaram tal nome, que igualou fama 4 meméria, ficou por luz do tempo a larga histéria dos feitos em que mais se assinalaram. Se se com cousas destes cotejaram mil vossas, cada uma tao notéria, vencera a menor delas a mor gloria que eles em tantos anos alcangaram. A gl6ria sua foi; ninguém tha tome. Seguindo cada um varios caminhos, estétuas levantando no seu Templo. Vés, honra portuguesa ¢ dos Coutinhos, ilustre Dom Joao, com melhor nome a v6s encheis de gléria e a nds de exemplo. 155 Esforgo grande, igual ao pensamento; pensamentos em obras divulgados, € nio em peito timido encerrados e desfeitos depois em chuva e vento; Animo da cobiga baixa isento, dino por isso s6 de altos estados, fero agoute dos nunca bem domados povos do Malabar sanguinolento; gentileza de membros corporais, omnados de pudica continénci obra por certo rara de natura: estas virtudes e outras muitas mais, dinas todas da Homérica elogiiéncia, jazem debaixo desta sepultura. 156 — Nao passes, caminhante! — Quem me chama? — Uma meméria nova ¢ nunca ouvida, de um que trocou finita e humana vida, por divina, infinita e clara fama. — Quem é que tio gentil louvor derrama? — Quem derramar seu sangue no duvida por seguir a bandeira esclarecida de um capitiio de Cristo, que mais ama. — Ditoso fim, ditoso sacrificio, que a Deus se fez e a0 mundo juntamente, apregoando direi tao alta sorte. — Mais poderds contar & toda a gente, que sempre deu sua vida claro indicio de vir a merecer to santa morte. 157 No mundo poucos anos, ¢ cansados, vivi, cheios de vil miséria dura; foi-me tio cedo a luz do dia escura, que niio vi cinco lustros acabados. Corti terras ¢ mares apartados, buscando a vida algum remédio ou cura; mas aquilo que, enfim, no quer ventura, nao o alcangam trabalhos arriscados. Criou-me Portugal na verde e cara patria minha Alenquer; mas ar corrupto que neste meu terreno vaso tinha, me fez manjar de peixes em ti, bruto mar, que bates na Abjssia fera ¢ avara, tio longe da ditosa patria minha! 171 158 — Que levas, cruel Morte? — Um claro dia. —A que horas 0 tomaste? — Amanhecendo. — Entendes 0 que levas? — Nao o entendo. — Pois quem to faz levar? — Quem o entendia. — Seu corpo quem o goza? — A terra fria. — Como ficou sua luz? — Anoitecendo. — Lusitfinia que diz? — Fica dizendo: Enfim, nao mereci Dona Maria. — Mataste quem a viu? — J4 morto estava. — Que diz o cru Amor? — Fallar no ousa. — E quem o faz calar? — Minha vontade. —Na corte que ficou? — Saudade brava. — Que fica 14 que ver? — Nenhuma cousa; mas fica que chorar sua beldade. 159 Chorai, Ninfas, os fados poderosos daquela soberana fermosura! Onde foram parar na sepultura aqueles reais olhos graciosos? O bens do mundo, falsos e enganosos! Que magoas para ouvir! Que tal figura jaza sem resplendor na terra dura, com tal rosto € cabelos tio formosos! Das outras que ser, pois poder teve a morte sobre cousa tanto bela que ela eclipsava a luz do claro dia? Mas 0 mundo nfo era dino dela, por isso mais na terra nio esteve; a0 Céu subiu, que jé [se] lhe devia. 160 A sepultura del-Rei Dom Joéio Terceiro. — Quem jaz no griio sepulero, que descreve tio ilustres sinais no forte escudo? — Ninguém; que nisso, enfim, se torna tudo; mas foi quem tudo péde ¢ tudo teve. — Foi Rei? — Fez tudo quanto a Rei se deve; pos na guerra e na paz devido estudo; mas qudo pesado foi a0 Mouro rudo tanto Ihe seja agora a terra leve. — Alexandre ser4? — Ninguém se engane; que sustentar, mais que adquirir se estima. — Sera Adriano, gro senhor do mundo? — Mais observante foi da Lei de cima. —E Numa? — Numa, n&o; mas é Joane: de Portugal terceiro, sem segundo. 161 Os reinos ¢ os impérios poderosos que em grandeza no mundo mais cresceram, ou por valor de esforgo floresceram ‘ou por vardes nas letras espantosos. Teve Grécia Temistocles famosos; 0s Scipides a Roma engrandeceram; doze pares a Franga gloria deram; Cides a Espanha, e Laras belicosos. ‘Ao nosso Portugal (que agora vemos tio diferente de seu ser primeiro), os vossos deram honra e liberdade. E em v6s, gro sucessor ¢ novo herdeiro do bragangao estado, hé mil extremos iguais ao sangue, e mores que a idade. "1 Vermelho. 162 Tlustre e dino ramo dos Meneses aos quais 0 prudente e largo Céu (que errar nao sabe), em dote concedeu rompesse os Maométicos arneses; desprezando a Fortuna ¢ seus revezes, ide para onde o Fado vos moveu; erguei flamas no mar alto Eritreu e sereis nova luz aos Portugueses. Oprimi com tao firme e forte peito o Pirata insolente, que se espante e trema Taprobana e Gedrosia. Dai nova causa & cor do Arabo estreito: assim que 0 roxo "! mar; daqui em diante, ‘0 seja $6 com sangue de Turquia! 163 AD. Leonis Pereira. Vés, Ninfas da Gangética espessura,) cantai suavemente, em voz sonora, um grande Capito, que a roxa Aurora dos filhos defendeu da noite escura. Ajuntou-se a caterva negra e dura, que na Aurea Quersoneso ™ afouta mora, para langar do caro ninho fora aqueles que mais podem que a ventura. Mas um forte Letio, com pouca gente, a multidio tao fera como nécia destruindo castiga e torna fraca. Pois, 6 Ninfas, cantai! que claramente mais do que Le6nidas fez em Grécia, © nobre Leonis fez em Malaca! 1 Bosques & margem & Ganges/ “° Peninsula de Malaca. 4 lag 164 AD. Luis de Atatde. Vizo-Rei. Que vengais no Oriente tantos Reis, que de novo nos deis da India o Estado; que escureceis a fama que ganhado tinham os que a ganharam a infigis; que do tempo tenhais vencido as leis, que tudo, enfim, vengais com tempo armado, mais é vencer na patria, desarmado, os monstros e as Quimeras que venceis. E assim, sobre vencerdes tanto imigo, e por armas fazer que, sem segundo, vosso nome no mundo ouvido seja, © que vos dé mais nome inda no mundo, e vencerdes, Senhor, no Reino amigo, tantas ingratiddes, tio grande inveja! 178 165 V6s outros, que buscais repouso certo na vida, com diversos exercicios; a quem, vendo do mundo os beneficios, © regimento seu esta encoberto; dedicai, se quereis, ao desconcerto novas honras e cegos sacrificios; que, por castigo igual de antigos vicios, quer Deus que andem as cousas por acerto. Niio caiu neste modo de castigo quem pés culpa Fortuna, quem somente cré que acontecimentos h4 no mundo. ‘A grande experiéncia é gro perigo; ‘mas 0 que a Deus é justo e evidente parece injusto aos homens e profundo. 166 Verdade, Amor, Razio, Merecimento, qualquer alma fardo segura e forte; porém, Fortuna, Caso, Tempo ¢ Sorte, tém do confuso mundo o regimento. Efeitos mil revolve o pensamento e nio sabe a que causa se reporte; mas sabe que o que é mais que vida e morte, que nfo o alcanga humano entendimento. Doctos varées dardo razGes subidas, mas so experiéncias mais provadas, € por isso é melhor ter muito visto. Cousas hé i" que passam sem ser oridas € cousas cridas ha sem ser passadas, mas 0 melhor de tudo € crer em Cristo. Sumario Sonetos 1 (Enquanto quis Fortuna que tivesse] 2 [Bu cantarei de amor tdo docemente) .... 3 [Busque Amor novas artes, novo engenho| 4 [Tanto de mew estado me acho incerto) 5 [Amor é fogo que arde sem se Vers] sms 6 [Doces dguas e claras, do Mondego,] 7 [0 fogo que na branda cera ardial . 8 [Pede-me 0 desejo, Dama, que vos veja, 9 [Quando da bela vista € doce iso}... 10 [Quen pode livre ser, gentil Senhoral . 11 [Tomou-me vossa vista sobrerand] .. 12 [Vossos othos, Senhora, que competem) .. 13 [Alegres campos, verdes arvoredos,] 14 [Estd 0 lascivo, e doce passarinho) .. 15 [Lembrangas saudosas, se cuidais}. 16 [Se as penas com que 0 Amor tdo mal me trata)... 17 [Quem vé, Senhora, claro e manifesto) . 18 [Quando 0 Sol encoberto vai mostrando) .... 19 [Tempo é jé que minha confianca] 20 [Transforma-se 0 amallor ndicoulga amada,) 21 [Passo por meus trabalhos tao\{Sento) | 22 [Nun jardim adornddo de(verdittal 36 23 [Lindo e sutil trangado, que ficaste] 24 [Estd-se a Primavera transladando} 25 [Oh! como se me alonga, de ano em ano,] 26 [Grito tempo hd jd que soube da Ventura) .... 27[ Por que quereis, Senhora, que ofereca) .. 28 [Quando vejo que meu destino ordena 29 [Se alguna hora em vés a piedade] 30 [Sere anos de pastor Jacob Servia] nu 31 [Pensamentos, que agora novamente] 32 [Vds que, de olhos suaves e serenos,] 33 [Se tomar minha pena em peniténcia] .... 434 [Se pena por amar-vos se merece,] 35 [Que modo tao sutil da natureza,| 36 [Presenca hela, angélica tal mistura,) 37 [Por cima destas dguas, forte ¢ firme] 38 [Arvore, cujo pomo, belo e brando,] 39 (0 culto divinal se celebrave ... 40 [Senhora minha, se a Fortuna imiga,] Al [Aquela fera humana que enriquece) . 42 [Amor que 0 gesto humano na alma escreve,] ... 43 [Como quando do mar tempetuos0o) ..... 44 [Ditoso seja aguele que somente] .. 45 [Leda serenidade deleitosa,) .. 46 [No mundo quis um tempo que se achasse] 47 (Oh! quéto caro me custa 0 entender-te,] 48 [Quem quiser ver de Amor uma exceléncia) .. 49 [Se, depois de esperanga tao perdida,}... 50 [Senhor Jodo Lopes, 0 mew baixo estado) 51 [Apolo eas nove Musas, descantando] 52 [Dai-me wna lei, Senhora, de querer-vos,] 53 [Se tanta pena tenho merecida) .... 54 (0 cisne, quando sente ser chegada] 55 [Sempre a Raziio venctdia fotde 56 [Diversos does reparfe o Ci 51 [De vs me aparto, pvidal 58 [A Morte, que da vida o né desata,| 59 [Suspiros inflamados, que cantais) .. 60 [Todo 0 animal da calma repousava,) .. 61 [Seguia aquele fogo, que 0 guiava) nun 62 [Por sua Ninfa, Céfalo deixava) .. 63 [Sentindo-se tomada a bela esposa] 64 [Os vestidos Blisa revolvia] ..... 65 [Ferido sem ter cura parecial .. 66 [Fiou-se 0 coragdo, de muito isento) .. 67 [0 raio cristalino se estendia| 68 [Apartava-se Nise de Montano,} 69 [Tomava Daliana por vingancal .. 70 [Quantas vezes do fuso se esquecia] .. 71 [— Como fizeste, Porcia, ral ferida?| 72 [Em fermosa Leteia se confidy) me T3 [Ndiades, vds, que os rios habitais| 714 [Num bosque que das Ninfas se habitava} 15 [Tal mostra dé de si vossa figura,] 76 [Pelos extremos raros que mostrou} 77 (Na metade do Céu subido ardia) 78 [Jd a saudosa Aurora destoucaval .. 79 [0 filho de Latona esclarecido, 80 [Alina minha gentil, que te partiste}.. 81 (Aquela triste e leda madrugada,) . 82 [Doces lembrangas da passada gléria,) ... 83 [Amor, com a esperanca ja perdida,] 84 [Males, que contra mim vos conjurastes,} .. 85 [Em prisdes baixas fui un tempo atado,] . 86 [Cara minha inimiga, em cuja mao) . 87 [Foi jd num tempo doce cousa amar,] 88 [Que poderei do mundo jé querer, 89 [Pois meus olhos ndo cqnsam de choray 90 [Um mover d’othos, bfando Epieilosds] 91 (Fermosos olhos quefa idagetigssalS 92 [Mudam-se os tempgs, mullam-s 93 [Conversagdo doméstica afeigoa) ... 94 [Depois que quis Amor que eu sé passasse) 95 [Ondados fios d’ouro reluzente,] 96 [Bem sei, Amor, que é certo o que receio;) ., 97 [Com grandes esperangas jd cantei) . 98 [Aquela que, de pura castidade,] 99 [No tempo que de Amor viver sofa] 100 [Quando de minhas magoas a comprida] 101 [Ah! minha Dinamene! Assi detxaste . 102 [Quem fosse acompanhado juntamente] 103 [Cantando estava um dia bem seguro,] 104 [Correm turvas as dguas deste rio,) . 105 [Julga-me a gente toda por perdido,) 106 [0 céu, a terra, 0 vento sossegado.. 107 [Que me quereis, perpétuas saudades?) 108 (Erros meus, mé fortuna, amor ardente) .. 109 [Eu cantei ja, e agora vou chorando| 110 (Na desesperagéio ja repousava 111 [Eu vivia de lagrimas isento,) .. 112 [Undo o triste pastor embebido) ... 113 [Lembrangas que lembrais meu bem passado,] . 114 [Aly Fortuna cruel! Ah! duros Fados!).. 115 [Ah! amiga cruel, que apartamento) 116 [Aqueles claros olhos que chorando] 117 [Quando cuido no tempo que, contente,) 118 [Quem vos levou de mim, saudoso estado,] 119 [Senhora jé desta alma, perdoail 120 [Ca nesta Babilnia, donde mana) .. 121 [Dizei, Senhora, da Beleza idéia:] 122 [Doce contentamento ja passado,] 123 [Doce sonho, suave soberano,) 128 [Meméria de meu bem, cortailo em flores) 129 [Na ribeira do Eufrates assentado,) 130 [Num to alto lugar, de tanto preco,] 131 [0 diaem que nasci, moura e parega.} 132 [Othos fermosos, em quem quis Natura) 133 [0 tempo acaba o ano, o més ea hora,] 134 [Posto me tem Fortuna em tal estado,} 135 [Quando se vir com dguao fogo arder;) 136 [A fermosura desta fresca serra,} . 137 [Diana prateada, esclarecida] 138 [Quando a suprema dor muito me aperta,] 139 {Quando, Senhora, quis Amor que amasse] .. 140 (Que pode ja fazer minha ventura)... 141 [Quem presumir, Senhora, de towvar- 142 [Se de vosso fermoso e lindo gesto} 143 [Sempre, cruel Senhora, receei,] 144 [Sustenta meu viver wna esperanga] 145 [Vencido estd de AmOF] wn 146 [El vaso reluciente y cristalino,] 147 (Pues ldgrimas tratdis, mis ojos tristes,] 148 [Se a Fortuna inquieta e mal olhada,} 149 [Em flor os arrancou, de entdio crescidal 150 (Debaixo desta pedra estd metido,] 151 [De um tio felice engenho, producido] 152 [Depois que viu Cibele 0 corpo humano} 153 [De tdo divino acento e voz humana, 154 (Dos ilustres antigos que deixaram .. 155 [Esforgo grande, igual ao pensamento; 156 [—Nado passes, caminhante! —Quem me chama?] 157 [No mundo poucos anos, e cansados,} . 158 [—Que levas, cruel Morte? — Um claro dia.] 159 [Chorai, Ninfas, os fados poderosos] 160 [—Quem jaz no graglepulffo, Que < 161 [Os reinos e os imodios pgileosos| 162 [lustre e dino rampidos Mene Sop 163 [Vés, Ninfas da Gangética espessura] .. 164 [Que vencais no Oriente tantos Reis,| 165 [Vés outros, que buscais repouso certo] 166 [Verdade, Amor, Razdo, Merecimento,] u Os ObyseTivos, A Fito pA Epirora Martin C O principal Objetivo da MARTIN CLARET é Rca oe ae nc Crrmes carrey Rema ciones A Filosofia de trabalho da MARTIN C consiste em criar, inovar, produzir edistribuir, siner- enter OM See Mn Moe EUR nre TiC Berea te Meramec a CMe ocr coMTT Ly Rueda rset do da MARTIN CLARET éconscientizar e MOA wee ece ure econ CCD PN CUe ego ur aT en toc tate trib POC eMetontiae teeter OT is ortodoxos e het RTIN CLARET, em sua missao empresa acredita na yerdadeira funcao do livro: o livro muda ence an iluminar a vida das pessoas. SCOT cir

Você também pode gostar