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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0647.15.001201-9/001 Númeração 0012019-


Relator: Des.(a) Vicente de Oliveira Silva
Relator do Acordão: Des.(a) Vicente de Oliveira Silva
Data do Julgamento: 02/07/2019
Data da Publicação: 12/07/2019

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE


CRÉDITO BANCÁRIO. CAPITAL DE GIRO. TÍTULO EXECUTIVO
EXTRAJUDICIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA
DE RELAÇÃO TÍPICA DE CONSUMO. INAPLICABILIDADE. TAXA DE
JUROS REMUNERATÓRIOS. PARÂMETRO. ÍNDICES DIVULGADOS
PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. ABUSIVIDADE COMPROVADA.
LIMITAÇÃO DA ALÍQUOTA À TAXA MÉDIA DE MERCADO.
POSSIBILIDADE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ADMISSIBILIDADE.
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LEGALIDADE DA COBRANÇA.
COMPOSIÇÃO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I - Para o
enquadramento como consumidor é necessário que os bens sejam
adquiridos de um fornecedor e quem os adquiriu seja considerado
"destinatário final", situação não verificada na hipótese vertente. II -
Comprovado que a instituição financeira concedeu linha de crédito à pessoa
jurídica e tendo esta utilizado o capital disponibilizado para fomentar sua
atividade empresarial, não se aplicam ao caso as normas do Código de
Defesa do Consumidor. III - Conforme orientação do Superior Tribunal de
Justiça, firmada sob a ótica dos recursos repetitivos, "A cédula de crédito
bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de
crédito de qualquer natureza, circunstância que autoriza sua emissão para
documentar a abertura de crédito em conta-corrente, nas modalidades de
crédito rotativo ou cheque especial". IV - A jurisprudência há muito pacificou
o entendimento de que as instituições financeiras não estão sujeitas à
limitação da taxa de juros remuneratórios prevista no Decreto nº 22.626/33. V
- Não será considerada abusiva a taxa dos juros remuneratórios contratada,
quando ela for até uma vez e meia superior à taxa de juros média praticada
pelo mercado, divulgada pelo BACEN, para o tipo específico

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de contrato, à época de sua celebração. VI - É admitida a revisão das taxas


de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada
a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor
em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente
demonstrada, ante às peculiaridades do caso concreto. VII - É permitida a
capitalização de juros em periodicidade inferior à anual nos contratos
celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a
partir de 31/03/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-
36/2001), desde que expressamente pactuada. VIII - Nos termos da Súmula
nº 541 do STJ, "A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual
superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da
taxa efetiva anual contratada." IX - Afigura-se lícita a cobrança da comissão
de permanência ou outros consectários no período de inadimplência, de
modo que o valor correspondente não ultrapasse o somatório dos encargos
remuneratórios e moratórios previstos no contrato, vale dizer, juros
remuneratórios limitados ao percentual contratado, juros moratórios e multa,
desde que pactuados. X - Recurso de apelação conhecido e parcialmente
provido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0647.15.001201-9/001 - COMARCA DE SÃO


SEBASTIÃO DO PARAÍSO - APELANTE(S): ELIANA APARECIDA DO
PRADO & CIA LTDA-ME, ELIANA APARECIDA DO PRADO E OUTRO(A)(S)
- APELADO(A)(S): ITAÚ UNIBANCO S.A

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO.

DES. VICENTE DE OLIVEIRA SILVA

RELATOR

DES. VICENTE DE OLIVEIRA SILVA (RELATOR)

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VOTO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Eliana Aparecida do


Prado e Cia. Ltda. - ME e Eliana Aparecida do Prado, por meio do qual
buscam a reforma da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível
da Comarca de São Sebastião do Paraíso (fls. 169/175-v) que, nos autos de
Embargos aviados em face da execução movida em seu desfavor por Itaú
Unibanco S/A, julgou improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial
dos embargos, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, determinando o
regular prosseguimento da ação executiva.

Os ônus da sucumbência ficaram a cargo das embargantes, arbitrados os


honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à
causa, suspensa a exigibilidade dos créditos em razão da gratuidade
judiciária concedida.

Em suas razões (fls. 178/198), as embargantes, ora apelantes, sustentam


a abusividade dos encargos moratórios e remuneratórios exigidos na cédula
de crédito bancário entabulada entre as partes.

Defendem a ilegalidade da capitalização de juros na transação realizada,


por violar o disposto no enunciado da Súmula nº 121 do Supremo Tribunal
Federal.

Reportam-se à legislação e jurisprudência para robustecerem suas teses


e postularem a adequação dos juros moratórios e remuneratórios a
patamares que consideram razoáveis, sem capitalização. Ao final, requerem
o provimento do recurso interposto.

Preparo: ausente, por litigarem as apelantes sob o pálio da justiça


gratuita, deferida em primeira instância (fl. 89).

Em contrarrazões apresentadas às fls. 201/205, a instituição

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financeira ré, ora recorrida, pugna pela manutenção da sentença, que reputa
justa e correta.

É o relatório.

Conheço do recurso de apelação, eis que presentes os pressupostos


condicionantes de sua admissibilidade.

Inexistindo preliminares ou prejudicial a exigirem solução, passo


diretamente à análise e resolução do mérito recursal.

Compulsando os autos, verifico que os embargos opostos em ação de


execução têm por objeto uma "Cédula de Crédito Bancário/Confissão de
Dívida - Devedor Solidário", na modalidade de capital de giro (fls. 52/61).

Os argumentos das recorrentes consubstanciam-se em abusividade da


taxa de juros remuneratórios praticada em percentual superior a 12% (doze
por cento) ao ano, ilegalidade da capitalização de juros e ilicitude da
comissão de permanência cobrada cumulativamente com outros encargos de
mora.

Ressalto, de início, que as regras do Código de Defesa do Consumidor


não se aplicam ao caso dos autos, haja vista que a relação jurídica existente
entre as partes não é típica de consumo.

O objeto do presente recurso consiste na revisão das cláusulas previstas


em cédula de crédito bancário, na modalidade "Girocomp Recebíveis de
Cartão", pelo qual o ora recorrido concedeu empréstimo às apelantes, no
valor total da composição pactuada em confissão de dívida de R$ 205.579,09
(duzentos e cinco mil, quinhentos e setenta e nove reais e nove centavos),
numerário destinado ao fomento dos negócios das recorrentes.

Não há dúvida de que a tomadora do crédito, sociedade limitada, por ter


usado do empréstimo para incrementar a sua atividade empresarial (capital
de giro), não pode ser considerada destinatária

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final, pois não se insere na conceituação prevista no art. 2º do Código de


Defesa do Consumidor.

A respeito da matéria, transcrevo a lição de Sérgio Cavalieri Filho:

"No pólo passivo da mesma relação estará o consumidor, definido no art. 2º


do Código como sendo "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final". Resulta daí que o consumidor
terá sempre como traço marcante o fato de adquirir bens ou contratar
serviços como destinatário final, isto é, para suprir uma necessidade própria,
e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial." (Conferir em
"Programa de Responsabilidade Civil", 7ª ed., Ed. Saraiva, p. 453-454).

Como se vê, não é possível enquadrar a sociedade empresária


embargante no conceito jurídico de consumidor previsto no art. 2º da
legislação consumerista.

Assinalo que a norma acima citada não faz qualquer distinção à pessoa
física ou jurídica. Basta, para o enquadramento como consumidor, que os
bens sejam adquiridos de um fornecedor e quem os adquiriu seja
considerado "destinatário final", o que não se verifica no caso dos autos.

Nesse sentido, aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, então


vejamos:

"(...) Decisão recorrida de acordo com jurisprudência dominante do STJ.


Empresa e profissionais. Destinatário Final. Arrendamento mercantil
(leasing). Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade. - Não ofende o
art. 557, § 1º-A, do CPC a decisão unipessoal do relator que dá provimento a
recurso com base em jurisprudência dominante do STJ. - O conceito de
"destinatário final",

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do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional


que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio, sem
transformação ou beneficiamento na cadeia produtiva. - O Ministério Público
tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de interesses
sociais homogêneos, de relevante interesse social, em contratos de adesão,
como os de arrendamento mercantil". (AgRg no REsp 508.889/DF, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, TERCEIRA TURMA, j. em 16.05.2006, DJ
05.06.2006 p. 256) - grifei.

Portanto, não há que se falar na aplicabilidade do Código de Defesa do


Consumidor ao caso em exame.

Todavia, a falta de incidência do CDC à lide não afasta a possibilidade de


o devedor questionar o contrato com arrimo nas disposições do Código Civil,
sobretudo fundado na potestatividade de suas cláusulas, assim consideradas
aquelas que sujeitam ao arbítrio de apenas uma das partes todos os efeitos
da relação jurídica.

E assim porque o art. 122 do Código Civil, com inegável transparência,


dispõe que "são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à
ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem
as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro
arbítrio de uma das partes."

Ademais, a legislação civil vigente confere ao magistrado o poder de


resolver os litígios com base em valores éticos, como a boa-fé fundada na
conduta das partes, que devem agir sempre com correção e honestidade,
correspondendo à confiança reciprocamente depositada.

Agregue-se a isso que, em razão da introdução do princípio da função


social no ordenamento jurídico pátrio, o contrato deixou de ser entendido
como uma relação jurídica existente apenas para satisfazer interesse relativo
às partes, passando a ser inserido num contexto social que pode influenciar
ou mesmo alterar o ajuste.

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Quanto à aplicação e interpretação da lei, tenho por pertinente o


pronunciamento do saudoso Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 'in
verbis':

"a melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, e


não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil.
Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando 'contra
legem', pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda
às aspirações da Justiça e do bem comum". (RSTJ 26/384).

Por conseguinte, é permitida a discussão da matéria contratual,


respeitada, contudo, a divisão do ônus da prova, imposta pelo art. 373,
incisos I e II, do Código de Processo Civil.

Para que o título possa embasar uma pretensão executiva, o art. 783 do
CPC exige três requisitos substanciais para a obrigação dele decorrente,
quais sejam, a certeza, a liquidez e a exigibilidade.

"Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título


de obrigação certa, líquida e exigível."

Sobre o tema ensina Cândido Rangel Dinamarco, em Instituições de


direito processual civil, 4ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, vol. IV, p.
204:

"São requisitos substanciais dos títulos executivos os predicados de certeza


e liquidez que devem estar presentes nas obrigações indicadas em cada um
deles. Embora não se trate de requisitos do próprio título executivo (porque
não se concebem títulos que em si

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mesmos sejam certos ou deixem de sê-lo, ou que sejam líquidos ou


ilíquidos), nenhum dos atos tipificados como título tem eficácia executiva se a
obrigação ali indicada não for certa ou não líquida. Isoladamente, a tipicidade
de um ato que a lei qualifica como título executivo é insuficiente para
autorizar-lhe a execução forçada.

A exigibilidade da obrigação que a lei e os usos correntes associam


freqüentemente à certeza e à liquidez, nada tem a ver com o título ou sua
função no sistema. Enquanto este é fator da adequação da tutela
jurisdicional, a qual depende da tipicidade, da certeza e da liquidez, a
exigibilidade constitui requisito para que a tutela jurisdicional seja
necessária."

Por liquidez, certeza e exigibilidade entende-se:

"Liquidez: A liquidez importa expressa determinação do objeto da obrigação.


(...)

Note-se que liquidez, nos títulos extrajudiciais e judiciais, se traduz na


simples determinabilidade do valor (quantum debeatur) mediante cálculos
aritméticos. (...)

A liquidez se configurará mediante a simples apresentação de planilha


explicitando principal e acessórios. Assim, há liquidez se o valor originário do
crédito se submete a reajuste monetário.'

'Certeza: A certeza revestirá o título, à simples explicitação da natureza do


direito nele previsto, tal atributo se relaciona, mesmo, à existência do crédito.
(...)

A certeza, que o juiz aprecia, é a da existência da obrigação, diante apenas


do título (sentença ou título extrajudicial), e não só dos pressupostos formais
do título executivo.'

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'Exigibilidade: O implemento do termo, ou da condição, outorga atualidade ao


crédito (art. 572 do CPC). Termo é fato natural, verificado no próprio título, e
por esta razão carece de qualquer prova, em princípio, tirante a do chamado
termo incerto. Ao contrário, a condição, porque evento futuro e incerto,
exigirá prova na petição inicial da ação executória (art. 614, III do CPC)."
(Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, 8ª ed., São Paulo: RT,
2002, p. 150/152).

Logo, a certeza e a liquidez devem resultar do próprio título, ao contrário


da exigibilidade, que deve ser provada nos autos da ação executiva.

No caso, a certeza do título exequendo está evidente porque composto


por cédula de crédito bancário, na modalidade capital de giro, tratando-se,
pois, de título executivo extrajudicial.

Confira-se, a propósito, a orientação jurisprudencial do STJ, firmada sob


a ótica dos recursos repetitivos:

"DIREITO BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL


REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CÉDULA
DE CRÉDITO BANCÁRIO VINCULADA A CONTRATO DE CRÉDITO
ROTATIVO. EXEQUIBILIDADE. LEI N. 10.931/2004. POSSIBILIDADE DE
QUESTIONAMENTO ACERCA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS RELATIVOS AOS DEMONSTRATIVOS DA DÍVIDA. INCISOS I E II
DO § 2º DO ART. 28 DA LEI REGENTE.

1. Para fins do art. 543-C do CPC: A Cédula de Crédito Bancário é título


executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer
natureza, circunstância que autoriza sua emissão para documentar a
abertura de crédito em conta-corrente, nas

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modalidades de crédito rotativo ou cheque especial. O título de crédito deve


vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo
cliente, trazendo o diploma legal, de maneira taxativa, a relação de
exigências que o credor deverá cumprir, de modo a conferir liquidez e
exequibilidade à Cédula (art. 28, § 2º, incisos I e II, da Lei n. 10.931/2004).

2. No caso concreto, recurso especial não provido." (STJ - Recurso Especial


nº 1.291.575/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA
SEÇÃO, julgamento em 14/08/2013, DJe de 02/09/2013).

Na hipótese em apreço, não foram cogitados quaisquer vícios de forma


ou de vontade na celebração do contrato nesta instância revisora, devendo
ser, portanto, reconhecida a certeza do título em questão.

Por outro lado, a liquidez também se mostra presente.

Com efeito, as embargantes/recorrentes não negam a existência da


dívida, mas apenas não concordam com o montante do débito, de tal sorte
que eventuais encargos, caso abusivos como alegado, não retiram a liquidez
do título.

E se reconhecida abusividade em algum dos encargos previstos no título,


seriam necessários simples cálculos aritméticos para apuração do 'quantum
debeatur', com o devido decote do excesso, fato que não retiraria a liquidez
da cédula de crédito bancário.

Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

1) "O fato de ter-se de apurar o quantum debeatur por meio de cálculos


aritméticos não retira a liquidez do título, desde que ele contenha os
elementos imprescindíveis para que se encontre a quantia a ser cobrada
mediante execução. Portanto, não cabe extinguir a execução aparelhada por
cédula de crédito bancário, fazendo-se aplicar o enunciado n. 233 da Súmula
do STJ ao fundamento de que a apuração do saldo devedor, mediante
cálculos efetuados pelo credor,

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torna o título ilíquido. A liquidez decorre da emissão da cédula, com a


promessa de pagamento nela constante, que é aperfeiçoada com a planilha
de débitos." (AgRg no REsp 599609/SP, 4ª Turma/STJ, rel. Min. João Otávio
de Noronha, j. 15.12.2009, DJ. 08.03.2010).

2) "A jurisprudência desta Corte Superior já se encontra pacificada no sentido


de que não perde a liquidez a dívida cujo quantum debeatur dependa tão
somente de cálculos aritméticos (AgRg no Ag 688.202/BA, 6ª Turma, Rel.
Min. Hélio Quáglia Barbosa, DJU de 26.06.2006)." (AgRg no REsp
970912/PE, 5ª Turma/STJ, rel. Min. Felix Fischer, j. 17.03.2009, DJ.
13.04.2009).

Noutro giro, tenho que no caso o requisito da exigibilidade também se


encontra presente, uma vez que o montante do empréstimo e respectivos
encargos moratórios e remuneratórios foram livre e volitivamente pactuados
entre as partes.

Destarte, sob qualquer prisma que se analise a matéria ora debatida,


permito-me concluir que o título exequendo reveste-se dos requisitos da
certeza, liquidez e exigibilidade, não havendo como prosperar a irresignação
das recorrentes.

Juros remuneratórios

Cumpre-me registrar, inicialmente, a lição de Hélio Apoliano Cardoso a


respeito dos juros moratórios e remuneratórios:

"Os juros são moratórios ou compensatórios (também chamados de


remuneratórios). Os primeiros constituem pena imposta ao devedor pelo
atraso no adimplemento de determinada prestação, são aplicados, nos
termos da lei, pelo simples fato da inobservância do

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termo para pagamento, ou, inexistindo prazo, da constituição do devedor em


mora (o que se faz por intermédio de notificação, interpelação, protesto ou
citação - esta apenas se a obrigação for ilíquida). Os últimos, diferentemente,
têm por escopo remunerar o capital mutuado, equiparando-se aos frutos que
dele poderiam advir. São, por assim dizer, aqueles pagos como
compensação por ficar o credor impossibilitado de dispor do seu bem, e
defluem desde o momento da cessão da respectiva posse ou uso. Também
podem ser classificados os juros como legais ou convencionais. Como se
infere pelas próprias denominações empregadas, esses requerem a
expressa manifestação da vontade das partes, enquanto aqueles, ao
reverso, se produzem em virtude de regra jurídica previamente estabelecida."
(Revista Internauta de Práticas Jurídicas. Núm. 19 Enero-Junio 2007).

No tocante à viabilidade de limitação dos juros, o tema, depois de acesa


discussão, mormente a partir da entrada em vigor da Constituição da
República de 1988, foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, por meio
da Súmula nº 596 e da Súmula Vinculante nº 7, segundo as quais as
instituições financeiras não estão sujeitas à limitação dos juros
remuneratórios determinada pelo Decreto nº 22.626/33.

Tal como o STF, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça


prestigia também a tese de que as partes podem estipular livremente os juros
remuneratórios, como se vê do teor de sua Súmula 382, a dispor que: "A
estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não
indica abusividade".

Desse modo, poder-se-ia entender que haveria liberdade legal na fixação


da taxa de juros. Não é essa, porém, a interpretação que vem sendo adotada
de modo geral. E assim porque os juros livres propiciariam arbitrariedades e
excessos que não se compatibilizam com os princípios norteadores do CDC
e do Código Civil de 2002.

Essa conclusão pode ser deduzida da jurisprudência do Superior Tribunal


de Justiça, que ao deliberar sobre a limitação dos juros remuneratórios em
contratos bancários, em sede de recurso

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repetitivo, pacificou o entendimento de que pode ser reconhecida a


abusividade dos juros pactuados se a taxa estipulada for até uma vez e meia
superior à média praticada pelo mercado (Recurso Especial nº
1.061.530/RS).

E no julgamento do Recurso Especial supracitado, o STJ firmou seu


posicionamento a respeito da taxa a ser aplicada quando reconhecida a
abusividade na contratação dos juros remuneratórios. Confira-se:

"1.3. Taxa aplicável quando reconhecida a abusividade na contratação dos


juros remuneratórios.

A questão final atinente a este tópico procura responder ao seguinte


problema: constatada a abusividade, qual taxa deve ser considerada
adequada pelo Poder Judiciário?

Muitos precedentes indicam que, demonstrado o excesso, deve-se aplicar a


taxa média para as operações equivalentes, segundo apurado pelo Banco
Central do Brasil (vide, ainda, EDcl no AgRg no REsp 480.221/RS, Quarta
Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 27.3.2007; e REsp
971853/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007).

Esta solução deve ser mantida, pois coloca o contrato dentro do que, em
média, vem sendo considerado razoável segundo as próprias práticas do
mercado. Não se deve afastar, todavia, a possibilidade de que o juiz, de
acordo com seu livre convencimento racional, indicar outro patamar mais
adequado para os juros, segundo as circunstâncias particulares de risco
envolvidas no empréstimo." - grifei.

Logo, é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em


situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e
que a abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem
exagerada fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do

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caso concreto, consoante a dicção do art. 51, § 1º, da legislação


consumerista.

Na hipótese concreta dos autos, verifico no contrato firmado entre as


partes (fls. 52/61) que as taxas de juros remuneratórios estipuladas foram de
2,50% (dois vírgula cinquenta por cento) ao mês e 34,48% (trinta e quatro
vírgula quarenta e oito por cento) ao ano.

Em consulta aos cálculos discriminados pelo perito em seu laudo de fls.


142/158 e ao sítio eletrônico do Banco Central do Brasil, observo que as
taxas médias de mercado vigentes à época nos contratos de empréstimo
para capital de giro em prazo de financiamento superior a 365 dias (março de
2014), era de 1,59% (um vírgula cinquenta e nove por cento ao mês) e
20,5% (vinte vírgula cinco por cento) ao ano.

Diante desse cenário, considerando que a taxa de juros estabelecida no


contrato encontra-se bem superior à média praticada no mercado e divulgada
pelo Banco Central do Brasil, o Poder Judiciário tem o dever de exercer o
controle da alíquota contratada.

Capitalização de juros

A matéria referente à capitalização de juros, juros compostos ou juros


sobre juros, diferentes variações linguísticas para se designar o mesmo
fenômeno jurídico/normativo, já foi exaustivamente debatida em nosso
ordenamento jurídico e, não obstante, ainda guarda controvérsia. Não há que
se adentrar nessa discussão, apenas considerar o entendimento emanado
do Superior Tribunal de Justiça.

Segundo o disposto no art. 591 do Código Civil, "Destinando-se o mútuo


a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de
redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art.

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406, permitida a capitalização anual".

Já o art. 5º, caput, da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30.03.2000,


sucessivamente republicada até a Medida Provisória nº 2.170-36, de
23.08.2001, em vigor por tempo indeterminado em decorrência do disposto
no art. 2º da Emenda Constitucional nº 32 de 2001, reza o seguinte: "Nas
operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a
um ano."

O Superior Tribunal de Justiça, responsável por uniformizar a


interpretação das leis federais em todo o País e, portanto, órgão de
convergência da justiça comum, editou, no que concerne à capitalização de
juros, os enunciados das Súmulas nos 539 e 541, a seguir transcritas:

"É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em


contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n.
2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." (STJ, Súmula 539,
Segunda Seção, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).

"A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao


duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva
anual contratada." (STJ, Súmula 541, Segunda Seção, julgado em
10/06/2015, DJe 15/06/2015).

Assim, é possível a capitalização de juros nos contratos ajustados depois


da edição da Medida Provisória nº 2170-36, de 2001, desde que
expressamente pactuada.

Volvendo aos autos, vejo que o contrato bancário em apreço, firmado em


10 de março de 2014, contém previsão de taxa de juros anual superior ao
duodécuplo da mensal, sendo suficiente para

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permitir a cobrança de juros capitalizados. Está, portanto, de acordo com a


orientação do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciada na Súmula nº
541, pelo que inexiste ilegalidade em sua cobrança.

Além disso, a cláusula nº 1.7.3 do instrumento contratual prevê


expressamente a periodicidade mensal da capitalização de juros.

Comissão de permanência e encargos moratórios

Quanto à comissão de permanência, assim entendida aquela cobrada


pela instituição financeira do devedor responsável pelo título vencido, a qual
engloba os encargos contratados, não se mostra potestativa a cláusula que a
prevê, conforme preceitua a Súmula nº 294 do Superior Tribunal de Justiça.

É facultado, por conseguinte, às instituições financeiras estipular a


comissão de permanência, de modo que, quando pactuada, pode ser exigida
até o pagamento do débito. Todavia, será considerada abusiva a sua
cobrança a uma indefinida taxa de mercado e cumulada com outros
encargos, quais sejam: juros remuneratórios previstos no contrato para o
período de normalidade, juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e multa
de 2% (dois por cento).

Isto porque a comissão de permanência e a correção monetária têm a


função de atualizar o valor da dívida. Por consequência, é indevida a
cumulação de ambas, não podendo a comissão de permanência incidir sobre
o débito corrigido monetariamente.

Além disso, a comissão de permanência enseja mais do que uma simples


correção monetária, já que em sua formação são encontradas a taxa de juros
e a multa.

Enfatizo, ainda, que a comissão de permanência, como forma de

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indexação do contrato, deve ser utilizada apenas na hipótese de mora do


devedor, calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à
taxa de mercado do dia do pagamento.

Nessa linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça editou as


Súmulas nºs 30, 294, 296 e 472, de seguintes teores:

Súmula 30. "A comissão de permanência e a correção monetária são


inacumuláveis".

Súmula 294. "Não é potestativa a cláusula contratual que prevê comissão de


permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco
Central do Brasil, limitada à taxa de juros".

Súmula 296. "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de


permanência, são devidos no período da inadimplência, à taxa média de
mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual
contratado".

Súmula 472. "A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode
ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no
contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da
multa contratual".

Aclarando-se o enunciado da Súmula nº 472, colhe-se o seguinte do


julgado:

"Com o vencimento do mútuo bancário, o devedor responderá


exclusivamente pela comissão de permanência (assim entendida como juros
remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o
percentual contratado para o período de normalidade, acrescidos de juros de
mora e multa contratual) sem cumulação com correção monetária (Recursos
Especiais repetitivos n. 1.063.343/RS e

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1.058.114/RS). Súmula n. 472/STJ. (...) (AgRg no Recurso Especial nº


1.442.155/RS, Relator Ministro João Otávio de Noronha - julgado em
08/05/2014 - DJe. 23/05/2014)." (grifei)

Destarte, com a devida vênia, seguindo a jurisprudência do STJ, tenho


que a comissão de permanência poderá ser cobrada das apelantes, limitada,
contudo, ao somatório dos encargos remuneratórios e moratórios previstos
no instrumento contratual, vale dizer, juros remuneratórios de 1,59% (um
vírgula cinquenta e nove por cento), moratórios de 1% (um por cento) ao mês
e multa de 2% (dois por cento), esta uma única vez sobre o valor total do
débito na hipótese de inadimplemento.

Ressalto, por derradeiro, que eventuais valores decorrentes da cobrança


de encargos remuneratórios, em percentuais superiores ao aqui fixado,
deverão ser restituídos às apelantes de forma simples, facultada a
compensação com o saldo devedor em aberto, se houver.

Em face do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE


APELAÇÃO e reformo a sentença para limitar a taxa de juros remuneratórios
à média anual de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil, isto é, ao
percentual de 20,5% (vinte vírgula cinco por cento) ao ano, a ser apurada
mensalmente de forma decomposta e capitalizada na fase de liquidação de
sentença. Fica limitada, por conseguinte, a taxa de inadimplência à média de
mercado, a ser calculada na forma já determinada, permitida a incidência de
multa contratual de 2% e juros de mora de 1% ao mês.

Eventuais valores desembolsados a maior deverão ser restituídos de


forma simples às recorrentes, tudo a ser apurado na fase de liquidação de
sentença.

Diante do parcial provimento do recurso, ficam repartidos entre as partes


as custas processuais, inclusive as recursais, bem como os honorários
advocatícios e periciais arbitrados na sentença, na

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

proporção de 80% (oitenta por cento) para as ora recorrentes e 20% (vinte
por cento) para o banco apelado, o que faço na forma do art. 86, 'caput', do
CPC, suspensa, contudo, a exigibilidade dos créditos em relação às
apelantes, por serem beneficiárias da gratuidade judicial.

E considerando a natureza imperativa do art. 85, § 11 do CPC, impõe-se


o redimensionamento do valor arbitrado a título de honorários devidos ao
advogado das recorrentes. Em cumprimento ao referido dispositivo legal,
tendo em vista o labor adicional do profissional, o êxito obtido pelas
apelantes mediante a defesa exercida por seu procurador e a natureza da
ação, entendo por bem elevar em 1% (um por cento) o montante dos
honorários advocatícios devidos ao procurador das recorrentes.

É como voto.

DES. MANOEL DOS REIS MORAIS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. CLARET DE MORAES - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE


APELAÇÃO."

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