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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS Pré-Reitoria Comunitiria e de Extensto Reitor Pe. Aloysio Bolen, SJ Vice Reitor Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, 5} Pré-Reitor Comunitsrio e de Extensio Vicente de Paulo Oliveira Sant Anna «| EDITORA UNISINOS Diretor Carlos Alberto Gianottt Conselho Editorial Carlos Alberto Gianotti Femando Jacques Althof Pe, José Ivo Follmana, 5} Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ [Nestor Torelly Martins Os paradoxos do imaginari Castor M. M. Bartolomé Ruiz Eprrora UNIsINos Colegao Focus pevoRSOADE DE SE rags ONISe era (©2003 Castor M. M. Bartolomé Ruiz (Os paradoxes do imagindrio "Ensaio de flosofia 2008 Direitos desta edigdo reservados &Eiitora da ‘Universidade do Vale do Rio dos Sinos Eprrora UxisiNos ce Sob diresdo de Marcelo Fernandes de Aquino Editor Carlos Alberto Gianott Preparagio Rui Bender Revisio Marcos Bohn Editoragto Paulo Furaste Campos Capa ‘Marina M. Watanabe Impressio Grafica da UNISINOS, verdo de 2003, A reprodtucio, ainda que parcial, por qualquer meio, das paginas que ‘compoem este lio, para uso nao-individual, mesmo para fins didticos, sem autorizagio escrita do editor, éilictae se constitu numa ‘ontrafacio danosa a cultura, Fol feito 0 deposito legal Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Epona Unsnos ‘Ax Unisinos, 950 .93022-000 - Sio Leopoldo, RS, Brasil Tole: 51. 5908239 Fax: 51, 5908238 editora@unisinos br Introdugio... DO (PRO}LOGOS AO PATHOS CAPHULOL (0 IMAGINARIO IDEIAS PARA UMA ONTOLOGIA DA INDETERMINAGAO 29 O que € 0 imaginario? Nosso horizonte: A formulagao de um conflito {A l6gica e ontologia da determinagao: um olhar panorimico . 35 Alguns questionamentos lgica¢ontologia da determinagao A indeterminagao radical do imaginério.. ATRATURA HUMANA . Aalteridade e 0 sujeito. ‘Aemergéncia da fratura humana (O mundo como representagio .. Afissura entre a pessoa e 0 mundo. Fragmentos do processo ontogenético da fratura humana Aetiologia biblica da fratura humana .. O desejo estabelece as pontes dos sentidos (O SEM-FUNDO HUMANO E 05 PARADOXOS DA PSIQUE .. Na busca de intersecgdes compreensivas Imagem e representagao (© PODER OBJETIVANTE DO IMAGINARIO E ASOCIALIZAGAO DA PSIQUE A dualética do prazer e da insatisfacao. Capitulo L O IMAGINARIO A ciéncia tenta construir unt mundo que permanega invarivel as intengdes e conflitos Inumanost.) No entanto, o humanista acupa-se, principalmente, do mundo e das mudancas que experinenta (u-) Talvez seja por este motion que 0s tiranos odeiam ou temem tanto 08 poetas, os novelistas, historiadores « filéso/os. Jerome Bruner Idéias para uma ontologia da indeterminagio [No homem e na sociedade sobrevive um podereso génio construtor ‘que consegue ieeantar sobre alicerces instavers por assim dizer, sobre dgua em movimento, uma eatedral de conceitos infinitamente complexa. Nietasche O que 6 0 imagindrio? O que € 0 imaginério? Eis uma questio singela que todo mundo entende, mas que provavelmente ninguém pode respon- der com exatidao. Antes da racionalidade consciente, existia a imaginagio. Ela nos acompanha desde 0 seio materno. Ao nas cermos, nao pensamos, mas imaginamos; nao raciocinamos, mas ‘sonhamos; nao argumentamos, mas fantasiamos 0 mundo que rnos rodeia. Constatamos, pois, que a mera racionalidade no cons- titui a totalidade da identidade humana, embora no se possa falar do humano sem que o racional se explicite. A crianca, ser humano que nao pensa, imagina. Sua identidade humana nao é constituida pela capacidade de raciocinio, mas pela singularida- de de colocar em imagens representativas, mesmo que sejam fu- gazes, uma alteridade ainda incompreensivel. 30 Ospanndoxos do inagintro Todos nés, enquanto pessoas, muito antes de pensar cons- cientemente, ja imaginvamos. Nosso primeiro contato com 0 mundo esté embalado pela imaginagao. Os sons que escutamos, © corpo que tocamos e os cheiros que sentimos vao confeccionan- do no recém-nascido sua primeira experiéncia do mundo. Pou- os dias depois, o mundo aparece como imagem visual. Imagens «que nos resultam préximas ou distantes, conhecidas out temidas, zmas que invadem a experiéncia existencial e vaoconfeccionando uum sentido do mundo, um mundo para nés. Por meio das ima- gens significativas do mundo, vamos tecendo nossa identidade. somos a imagem do mundo, que de modo criativo refletimos em nossa interioridade e projetamos em nossa praxis. Mas, afinal, 0 que seja esse imaginario é uma questio que deverd estar minimamente explicitada no final desta obra. Ante- cipamos, porém, que o imagindrio e a imaginacio, por principio, sio indefiniveis, isto é nenhuma explicagao racional por muito densa ou extensa que se pretenda poder exaurir todas as possi bilidades de conceber e existir o imaginério. O imagindrio sem- pre devers ser descrito pelos seus efeitos, pois nunca podera ser explicado por meio de definigdes conclusivas. E preciso realizar um prévio esclarecimento semantico. Os termos imaginario e seu correspondente imaginagio sio ampla- mente usados e nem sempre com o mesmo sentido. Na acepgao ‘comum, imaginago é sinonimo de alucinagao. O real se contra- poe & imaginacao, assim comoa verdade, ao erro. O imaginado é lum subproduto da racionalidade. Enquanto o racional possuii um estatuto ontolégico de verdade, a imaginacio é caracterizada por sua falta de consisténcia. Atribui-se a imaginacao um papel de co-adjuvante da racionalidade. Ela possibilita que o logos possa extravasar tensdes, recreando-se com a imaginagio estética, ali- viando-se no mundo da imaginacao onirica, alienando-se no ho- rizonte da imaginacio mistica ou simplesmente relaxando-se na arena da imaginacio ltidica. O estético, 0 Itidico, 0 mistico e 0 onirico constituem os universos secundarios aos quais é relega- da comumente a imaginacao. Eles nao sio realidades empirica- mente aceitveis, nao produzem conhecimento com estatuto de verdade, nem criam praticas politicas com densidade socioist6- rica Castor M. M. Bartolomé Ruiz 31 ato quo tines aman dim, or cn dine feo ead pela vi, © opcas 0 meso Ferm, ande gue scalar aes nies ents, Nass gig chant de is ue sgnfeaperncté onde tt uate ‘ce A neo nade mas pot do qua sao innate encantse ns homens, cm on mts ote ren creado ut jo eset? Desde essa perspectiva, a imaginacio, mesmo sendo uma dimensao inegavelmente humana, resulta secundaria perante a objetividade da racionalidade. A imaginacao aparece como esté- ril, enquanto a razio contém um potencial produtivo inesgoté- vel, promovido por suas filhas prediletas: a ciéncia e a tecnolo- gia. Oracional se apresenta como sindnimo do verdadeito e, con- comitantemente, daquilo que é bom. Na modernidade, estabele- ceu-se uma estreita ligagao moral entre o bem e a racionalidade. ‘Algo é bom e verdadeiro se é racional. Sua verdade ou bondade dependem da argumentacio logica, da comprovacao empitica e da utilidade tecnol6gica. ‘As sociedades contemporaneas impregnaram as diversas dimensées da vida desse paradigma da racionalidade, porém se trata de uma racionalidade instrumental. Tudo é mensurado, com- provado, analisado em termos de eficécia pratica, resultados eco- nomicos, de eficiéncia administrativa ou de utilidade pessoal. Nesse ‘marco da racionalidade instrumental, a imaginacao converteu-se ‘em um subproduto comercial, (sub)metido aos resultados domer- cado virtual: o mercado do onirico, do lidico, do estético. ‘Qualquer que ssa 0 modo raconal ow experimental de descobrir os fates, sempre, de sua conformidade, direta ou indireta, com os fend- ‘menos obseroados resulta exclusieamente sua eficiciaeiewtficn. A (pura imosinagio perde entio de mado irevogdcel sua antiga supre~ ‘macia mentale sesubordina necssariamente d obseramgio, para cons- itwir um estado légico plenamente normal’ 3 Homes, Thomas. Levitin. Barcolona: Altaya, 1997, cap. 4 conte, Auguste. Discours préliminaire, sur Fesprit posit. Paris: Apostolat Positiviste, 1993, p. 16 32 Osparndexos do imeginiro Porém, a realidade humana da imaginagao é bem outra vancia da imaginacao e do imaginario nao se restringe a residuos incontrolaveis do logos. Sua existéncia nio se reduz ameros sub- produtos da racionalidade instrumental, nem a fiteis ou titeis excedentes do mercado da fantasia. A imaginagio e o imaginario constituem dimensées antropologicase sociais que interagem com a racionalidade de forma necessaria. Racionalidade e imagina- ‘20 estao implicadas numa tensio permanente. Nao hi raciona- lidade, nem ciéncia ou tecnologia fora da imaginacao, assim como nao existe a imaginagio fora da dimensio racional. Ambas se correlacionam, interagem e criam a partir da dimensio simb6li- ca inerente ao ser huimano. ‘Apis este esclarecimento prévio, requer-se uma segun distngto semartien.Naose pose usar indistinamente os emos imaginacao e imaginario. O imagindrio corresponde ao aspecto insondavel do ser humano, em que se produ, além de todos 0s condicionamentos psiquicos e sociais, o elemento criativo: ele constitui o sent fundo inescrutivel da pessoa humana, que possi- bilita a imaginacao e também a racionalidade como dimensées proprias do humano. A imaginag3o e a racionalidade slo cria- 66s do imaginario, e ambas coexistem necessariamente, co-refe- ridas na dimensio simbolica inerente ao ser humano. Nosso horizonte: A formulago de um conflito Ao estabelecer as primeiras distingdes semanticas, surgi um conjunto de questdes e hipdteses. Num primeiro momento, temos de realizar uma aproximacao a ontologia. Essa reflexao ontolégica almeja construir horizontes e nao persegue a formu- lacdo de um sistema teérico acabado. Até porque a indefinigao do imagindrio nao nos permite cercé-lo de um modo absoluto € conclusivo. Ele possibilita aproximarmo-nos de forma familiar e até entranhavel de sua insondavel natureza. Podemos sondar as entranhas do humano, mas nunca conseguiremos solidificar 0 sem-fundo, 0 imaginario, em férmulas definit6rias ou em previ- bes de tipo l6gico, cientifico ou empirico. No instante em que Castor M. M, Bartolomé Ruiz 33 modelarmos uma definigao plena do imaginario, petrificaremos ‘0 humano com o olhar da nova medusa da nossa verdade, que sempre tem pretensdes de totalidade. Nesses tempos de desconstrugio, resulta como minimo arriscado introduzir-se nas areias pantanosas da ontologia e, no entanto, é indispensével refletir sobre o que é uma visdo indeter- ‘minada da realidade. O foco de nossa reflexao €a realidade socio istérica e nao a tealidade fisica. Iniciamos essa breve andanga precedidos por séculos de reflexdo, que fizeram correr rios de tinta, as vezes tingidos de sangue, com debates acirrados em tor- no da natureza do ser humano e da realidade socioist6rica. A questi nuclear que nos propomos desenvolver € saber: esté a ‘realidade configurada de forma definition e possui ela uma estrutura plenamente determinada? Se assim for, a realidade sera cognosci- vel racionalmente a medida que descobrirmos as configuragoes que a delimitam e desvendarmos as leis ¢ regularidades que a festruturam. Se o real existe como algo definido e determinado, ¢ possivel pensar numa compreensio completa ¢ exaustiva, l6gi- a, do real por meio duma racionalidade explicativa. A visao do real como algo determinado leva inexoravelmente a jé classica conclusio de que 0 ren! seexplica no racional, eo racional se manifes: ta como red. Porém, também é possivel formular a questéo desde outra perspectiva: send quea realidade existe num processo permanente eem terta forma aleatorio, de realizagao e subsist em forma de indetermina-~ (pio? S6 ha possibilidade de podermos pensar numa criagao hu- mana se a realidade é indeterminada. Se ela estiver determina- da, poderemos falar em criacao de um modo metafrico, alegori- ‘co, mas no num sentido estrito, pois aquilo que se constrdi his~ toricamente, de uma ou de outra forma, jé vinha dado nas deter- minagdes existentes no ser da realidade. Resulta ébvio que, ao falar de determinacao e indetermi- nagio da realidade, ha uma grande diferenca entre a realidade da fisica, da quimica, da astronomia e, inclusive, da biologia ea realidade antropoldgica e sociohistérica. O foco de nossa refle- xo se centra sobre a ontologia do humano e do sociohist6rico, porém existem muitos indicios que apontam para 0 conceito de indeterminacao ontologica de toda a realidade. Mesmo que as 34 Ospamdoros do inagintro Castor M. M. Bartolomé Ruiz 38 realidades da fisica, da quimica, da biologia, da astronomia... se- jam, de fato, indeterminadas de modo diferente a realidade do socioistérico e do antropolégico, elas estao impregnadas pela ‘complexidade. Essa complexidade possibilita o conhecimento pot meio de leis e regularidades preestabelecidas e indica a probabi- lidade de uma indeterminagao possivel que possibilita que nem sempre aconteca aquilo que esta previsto pelas leis: O verdadeira- mente cientifico era, atéo presente, eliminara imprecisio, a ambigitida- de, a contradigdo. Mas & preciso aceitar uma certa impreciso ¢ uma “imprecisio certa, nio 56 nos fendmenos, mas também nos conceitos, ¢ um dos grandes conceitos das matemétiens de hoje & 0 de considerar os fussy sets, as conjuntos imprecisos (of. Abraham Moles. Lés sciences de 'imprecis. Du Seuil, 1990P-Os modelos socioistéricos, antropo- ogicos e também os cosmolégicos dependerao, e muito, do tipo de resposta que construimos para os questionamentos anterio- res, A visio do mundo como algo determinado restringe a pré- xis humana a descobrir a realidade oculta pela superficialidade mutante e descontinua dos fatos. Em tal caso, a racionalidade se presenta como o ponto de partida, o caminhoe o objetivo final a ser atingido: racionalizando o real, realizamos sua esséncia racio- nal. Este €0 modelo de racionalidade instrumental que de varias formas vem sendo implementado hegemonicamente em nossas sociedades durante os tiltimos séculos. A ontologia da determinagio reduz 0 antropologico e 0 socioist6rico a algo pré-definido por uma esséncia, teleologia, leis ou regularidades. Dentro dessa concepcao, a agao humana se li- mia a compreender as leis implicitas na natureza do socioistéri- co, com a finalidade de aplicé-las o mais corretamente pessivel. Desse modo se contribui para o desenvolvimento natural cas potencialidades subjacentes a esséncia do socioistérico. ‘Ao ousarmos pensar a realidade desde a perspectiva da indeterminagao, emerge um mundo novo de indefinidas possi- bilidades de ser. Ao conceber a realidade como algo indetermi- nado, a praxis humana no se limita a descobrir o jé implicito, Monin, Edgard, réraducciinalpensamiento comploo Barcelona: Gedisa, 1994, p.60-61 mas a criar o inédito. Se a realidade est permeada pela indeter- ‘mina¢ao, o conhecimento das inegaveis regularidades que cons tituem parcialmente o real formaria um aspecto complementat da sua natureza, porém o objetivo da praxis humana ndo se res- tringiria a conhecer o jé existente, para aplic4-lo corretamente, ‘mas a ctiar novidade socioistérica. Se a realidade é indetermina- da, 0 caminho da criagao socioist6rica esté aberto. Caso contrario, se a natureza do real fosse algo inextrica~ velmente definido, o ser humano pode conjugar alternativas hi- potéticas dentro de um conjunto limitado de possibilidades na- turalmente pré-definidas; pode escolher aquelas que acha mais, vidveis e, inclusive, tem possibilidade de entrelacar diversas op- ‘bes para constituir um conjunto diferente. Mas o que ele ndo pode fazer é criar algo inédito; nao pode produzir uma criagao socioistérica, no sentido estrito da palavra. Pensar a realidade como algo indeterminado nos permite compreender que o humano e o socioist6rico s6 existem enquan- to criagao real e ontolégica. Eles nao sio fruto de uma evolucao programada, nem mero desenvolvimento de uma esséncia ou {eleologia implicita neles. A légica e ontologia da determinacao: ‘um olhar panoramico ‘Ao tentar resumir algumas idéias de autores, nunca se faz, justica plena a nenhum dos dois, pois todo resumo ¢ inevitavel- mente uma forma de reducionismo. Isto desafia o leitor a ampli- ar ee” mplementar os caminhos apontados, seja concordando ou discordando deles. 8 clissicos ~ A tradicdo greco-oridental tem pensado-a realidade em geral e 0 socioist6rico em particular como algo de- terminado em si mesmo (pera). Em paras de Hegel: £ sé na superficie onde existe o jogo dos azares, poisa realidade nada mais é do que uma ordem fisica em que todos os elementos esto deter- minados pelas prescrigdes da natureza, uma ordem biol6gica em que cada individuo obedece & norma de sua espécie e uma or- dem social onde cada pessoa obedece & norma de sta cultura. A 36 Osparadoxos do imagintrio objetividade verdad do real se encontastuada numa hete- ronomia; 0 sentido pleno do real vem dado por algo que ja esta seer ta a Oconceito elestico do ser, assim como o postulado que ele expressa constituem 0 comego histérico e a tematica recorrente da logica em geral. Pensar e ser sio concebidos nao s6 como co referentes, mas como coincidentes. Eles estio numa relacio de pura identidade. Aquilo que o ser é, sua esséncia, s6 se deixa captar pelo pensamento. E na inversa, todo pensar se refere a um ente determinado como a seu objeto. Em palavras do proprio Parménides: O pensar oabjetodo pensamento sio uma sé cost, por- fhe i pods encontrar pensaent sm ent no qua cha Platao construiu 0 mundo das idéias (e#dos). E o mun« perfico onde se encnta ose plen edetemminado das cles E ali que reside a auténtica verdade dos entes, que aqui contem- plamos como sombras. Nés, homens da caverna, s6temos acesso 2s ténues sombras que os cides projetam sobre nossa existéncia, Para nos encontrarmos com a verdade, devemos sair da caverna constituida pelo socioistérico s6 assim poderemos aceder a0 ver- dadeiro ser das coisas. Filésofo é aquele que possui a praxis su- blime que Ihe permite sair da caverna dos sentidos e o transpor- ta, pormeio da gnosis, 20 mundo definide dos cites. Arist6teles, ao perceber a ilusao inerente ao mundo plato nico das ins, volt seu ola para cm entesconcretom Neles pretende reencontrar uma explicacio menos idealista que a de Platao. Fugindo das determinagdes eidéticas do idealismo, cons- tr6i a realidade a partir de uma esséncia (ousia), na qual reside ia o ser da cada coisa. As perfeigoes nao esto mais no mundo puro das idéias, mas na ousia oculta no set dos entes. A ‘ousia possui de forma potencial todas as possibilidades de ser de cada ente particular. O conhecimento da realidade se efetiva por meio do descobrimento das potencialidades da ousia. O ser da realidade esta perfeitamente determinado na esséncia inerente a cada ente concreto. A praxis humana, em geral, ea do filésofo, em particular, consiste em desvendar as potencialidades ocultas da esséncia.O futuro reside no felosinerente acada esséncia. Todo ato esta contido na poténcia, que jé 0 possiuia como possibilidade Castor M. M. Bartolomé Ruiz 37 de ser. Ele, na verdade, nao representa uma novidade absoluta, pois, de alguma forma, jd estava presente na esséncia. O ato por Eeontecer € algo previsivel; ele reside como potencialidade espe- cifica de uma esséncia determinada. Esta ¢ a logica da identida- de, Ha um paralelismo pleno entre a légica da identidade e sua ontologia. Nelas, 0 conceito constitui a revelagao da essén- cia. O juizo formal representa plenamente a realidade objetiva do ente. O raciocinio consegue desvelar totalmente o ser dos en- tes, pois todo raciocinio ¢ um reflexo do ser. Arealidade € susce- tivel de ser conhecida de modo pleno, dado que esta constituida Ge forma determinada. E 0 conhecimento racional que desema- ranha a trama oculta da realidade e a realiza como algo racional- mente estruturado. Desentranha sua esséncia pelo conhecimen- toca realiza pela ciéncia e técnica. A ciéncia e a técnica se limi- tam a projetar um desenvolvimento correto das potencialidades proprias dos entes. Ciéncia e fechmne s8 concebidas como modos Instrumentais de efetivar-se a racionalidade. Desse modo, a racio~ nalidade instrumental chegou a constituir-se na (per)versio do- minante do paradigma da nossa modernidade. Estritamente falando, a realidade nao pode ser algo dife- rente daquilo que potencialmente jé é. A légica e a ontologia da identidade marcaram de modo hegeménico 0 pensamento da maior parte da histéria da filosofia greco-ocidental. Elas pressu- poem um conjunto de categorias que definem e determinam a Tealidade em geral e os entes em particular: identidade, oposi- ‘cho, diversidade, totalidade, unidade, realidade, necessidade, possibilidade... Embora essas categorias sejam construtos racio- his, definem as causas e consequéncias, delimitam 0 que consi- ideram o principio material e principio formal do ser, sendo am- bos constitutivos da substancia. O movimento esta determinado no seu principio pela causa eficiente e no seu fim, pela causa fi- nal. Na légica e ontologia da identidade, 0 termo ser nao é es- tritamente unfvoco nem equivoco; ele é andlogo. O significado original do ser esta referido a substancia primeira. Diferente de Platao, que definia o ser como 0 ideal universal das coisas con~ cretas, a ontologia aristotélica identifica 0 ser com 0 individuo 38 Osparadoxos do imaginario conereto, com @ente como especificagio da substincia. Em am- 105 08 casos, concebe-se a realidade como algo determin: Verda algo diigo (wr), que deve procrarse por melo do desvendamento racional do real. N6s $6 teremos acesso a ver- dade oculta na realidade quando retirarmos 0 véu que encobre a esséncia escondida no seu ser. Na légica e ontologia da determi- nagio, 0 sentido esti pré-determinado por algo ja definido, que Possut a explicagio ima sobre o principio e o fim de tudo 0 que existe. A metafsien gregn que pensa o ser do gue & pensa este ser como una cnte que secuampre ou reaiza no pensar. Este pensar éopensamento do nous, quesepensa como ocente supremoe matsauténtco, aque mine em sio.ser de tudoo queé. Os modernos - Dando um saltoa filosofia moderna eana- lisando algumas linhas de pensamento mais significativas, cons tatamos que a percepcao do ser como algo determinado continua sendo um objetivo amplamente perseguido. A dialética hegelia- na pretende constituir a superacdo da determinagao do ser hile- miérfico, entendido este como uma esséneia pré-definida e aca- ada. Para isso concebe o ser como uma autoconsciéncia que se projeta historicamente. O socioist6rico acontece como resultante das leis da dialética, que, por sua vez, estio enraizadas e direcio- nadas pela Idéia. Esta projeta teleologicamente os acontecimen- tos histéricos. A dialética pretende superar o mecanicismo racio- nalista e o hileformismo estatico; para tanto, elabora uma nova rospeccio, na qual se integram os contradit6rios de forma dind- mica e dialética, porém dirigidos por uma nova forma de telos racional inerente a Idéia, No primeiro capitulo da /ntradugto @ Historia da Filosofia Hegel afirma: Conceito, ldtia ou Razioe a evolugio deles. Sao estas as determinagdes da evolugio do concreto. O produto do pensar, o pens mento em geral &0 objeto da flosofia. O pensamento aparece para nés, ‘inicialmente, como formal, 0 conceito como pensamento determinado ‘Gapanrn, Hans Geong, Vendad y meted: fundamento de una hermentutica Alesifia, Salamanca, Sigueme, 1977, p. 57. Castor M.M. Bartolomé Ruiz 39 (como pensamento definido); a Idéia &0 pensamento na sua totalidade, 0 pentsamento determinado em si-e por si. A natureza da idéia agora desencotver-se (evoluirF. Nada escapa a autoconsciéncia da Idéia, como nada esta fora da logica teleolégica da dialética. A realidade deixou de es- tar determinada por uma esséncia, mas agora esta definida por ‘um fels racional. Este felos configura, de forma determinada, 0 socioist6rico e impede que tenha um sentido auténomo. O fe/as racional invalida a possibilidade da criagao nao pré-vista pela Idéia. O verdadeiro e auténtico sentido do socioist6rico residena teleologia implicita na estrutura dialética da Idéia. ‘Marx inverte a perspectiva da dialética hegeliana, inserin- do-a na estrutura da matéria. A realidade nao é mais transforma- da pelo processo de autoconsciéncia da idéia. Agora s3o as leis da natureza, que existem de forma implicita em todas as coisas, 1s responsaveis pelo proceso de transformacao da realidade. O socioistérico também esta penetrado por essa teleologia imanen- te das leis naturais. Sociedade e histéria se desenvolvem a partir de um processo dialético pré-definido pelas leis implicitas da historia. A historia é pré-visivel. O que deve acontecer ja esta sub- jacente na dialética do fazer histérico. Nao existe possibilidade de modificar as grandes diretrizes que impulsionam o rumo da historia. Desde esta perspectiva, nao nos ¢ permitido falar de uma ‘criagao hist6rica no sentido real ou ontol6gico da palavra, ou seja, ‘nao podemos pensar na possibilidade de fazer acontecer algo que nao € previsivel, nem esta potencialmente implicito no ja exis- tente. A praxis humana deve pautar-se pelo conhecimento das leis da dialética implicitas no ser das coisas. ‘Nao pretendemos ser exaustivos no estudo histérico, s6 queremos mostrar algumas das prineipais concepgdes filos6ficas gue, estando de uma ou outra forma imbufdas de uma logica e ontologia da determinagao, nos possibilitam ter uma visa do aleance histérico que teve e ainda tem a ontologia da determina- ‘Gio e as conseqtiéncias que ela acarretou para a compreensio da realidade antropoldgica e socivist6rica. 7 wecet, Georg WI Intraductal Plosofe. Madeid: Sarpe, 1983, p39. 40 Osparnderos do imagintrio Desde uma postura contréria ao pensamento dialético, porém nessa perspectiva de uma ontologia da determinacao, devemos considerar a importincia que o positivismo teve e sta verso mais atual, oneopositivismo, ainda tem. Ambos analisam a realidade a partir dos paradigmas da racionalidade empirica $6 € verdadeito aquilo que é possivel comprovar e demonstrar. Osocioistérico esta circunscrito a fatos positives. Estes falos siio algo objetivo, suscetiveis de uma andlise empirica. Tudo 0 que escapa ao dominio da comprovacio experimental ¢ descartavel ou secundario. A verdade se reduz ao método de comprovacao. A verdade é concomitante a sua descrigio, constatacio, sem es- aco para a criacao. O werdadeito métedo da filosofa seria propriamente este: nfo dizer adr @ no ser agi que se pode dizer; isto as proposes da cin in natural algo, pis, que ndo tem nada a wr conta filesofi- ___ O socioistérico também é essencialmente positive. Deve ajustar-se ao rigor da analise cientifica, que estabelece com exati- do as causas ¢ conseqiiéncias, a0 tempo que projeta com um alto nivel de preciso as probabilidades futuras. No nivel do so- ivistérico, tudo o que nao for cientifico deve ser superado. Este 0 imperativo da etapa positiva. A revolugio fundamental que enracteriza 0 estado varonil da nossa {nteligéncia consiste em substituir por todn parte a inacesstvel de {ermiinagio des causas propriamente alando pea simples investiga ‘io das suns les, das relagdes constantes que existent entre os fend- ‘menos obserindes. Dentro do conjunto de teorias atuais que pensam a reali- dade socioistérica de modo determinado podemos mencionar 0 WITTGENSTEIN, Luding. Pactatus Lio Piosophicus Madris Alianza, 1979, 653 " COMTE, Auguste. Discoursprtiminaite, sur Vesprit post. 2 Ed. Pau Apostolat \Posiiviste, 1895, p. 17 Castor M. M. Bartolomé Ruiz 41 funcionalismo. Uma das pretensdes do funcionalismo é reduzir a sociedade & natureza. Parte da premissa de que todas as neces- sidades humanas sio naturais e que a sociedade se constitui para satisfazé-las. Para tal finalidade criou-se um conjunto de fungdes fixas e estaveis. A sociedade se explicaria pelas funcdes estabele- cidas, pela relagio entre elase por sua complexidade. Desse modo, co social sempre pode ser reduuzido as fungdes sociais que o expli- came determinam®. A sociedade 6 anéloga a um organismo ou hiperorganismo com um sistema de fungdes independentes, de- terminadas a partir de uma finalidade. Dado que a finalidade Ultima de todo organismo se pode reduzir a auto-reproducao ea autoconservacio, a organizagao da sociedade pode ser compre- endida a partir dessa mesma finalidade. ‘A chamada Teoria Social de Sistemas constitui uma vari- ante mais elaborada do funcionalismo®. O social se explicaria pela interacdo de sistemas. Cada sistema esté formado por uma logica propria, que interage de forma aberta com a légica dos outros sistemas que o circundam, até formar um todo l6gico, co- erente e harmonioso. ‘Oarredor de um sistema esta formado por outros sistemas. Internamente cada sistema se subdivide em subsistemas que pos- suuem uma dinamica propria e estao entrelacados com outros sub- sistemas. Os sistemas surgem como resposta social a0 caos de su- cessos contingentes, pois a complexidade e o caos s6 sao reduzi veis com um maior aumento da complexidade sistémica”. Essa teoria resulta muito valiosa a medida que nos possibilita uma com- pteensio mais acurada da complexidade das sociedades contem- 10 watisowaxs, Bronislaw Un tori ceca de la cultura. Buenos Altes: Edhasa, 1981 11_Apss on anos cingienta vi ‘organism vivente para a concepgo de sistema. E Talcott Parsons quem apticada que fram deservoh dos durante a segunda guerra mundial eliza 0 giro metafrico para a sociedade comosistema auto-egulado”- Chl The Seca Syste, Glencoe: Free Pres, 1967;1d. Salil Dheory and Modern Society New York: Free Pres, 1967, 12 onan, Niklas. Sistemas soi México: Fondo de Cultura Econémica, 1984, 48 0 funcionalista muda a metéfora social do bascando-se nos estudes de cibernti 42 Osparataxosdo inagintro Castor M. M. Bartolomé Ruiz 43 poraineas. Ela também nos permite conectar de modo aberto os complexos nichos sociais que se desenvolvem na contemporanei dade. Porém, a medida que tende a reduzir o social a uma deter- minagao sistémica explicativa, reduz.a sociedade ea praxis huma- naa um modelo pré-definido por fungdes complexas, que intera- _gem nos diversos subsistemas e que direcionam a praxis humana para 0 modo natural de ser da sociedad. Isto equivale a pensar o social a partir de um modelonatural definido, que estrutura a com- plexidade para um modelo tinico, ainda que complexo, de consti- tuirnos como sociedade e como pessoas. Nessa linha se propée a realizar uma classificagao da evolucao histsrica dos diversos siste- ‘mas sociais, tendo em conta seu grau de organizacio. Houve uma sociedade baseada nas interacoes, seria a sociedade arcaica; outra sociedade sustentadaem organizagoes, que corresponderia as al tas culturas regionais;e finalmente uma sociedade,a contempori: nea, baseada no sistema social”. Olhando outra perspectiva, o estruturalismo constitui uma outra visio contemporanea, que concebe a realidade antropol6- gica e o social como algo determinado. O socioistérico se explica por meio das combinagdes ligicas possiveis e finitas que se reali- Zam num conjunto determinado. A mesma operacao logica, re- petida um determinado niimero de vezes, explica a realidade humana. Esta é a resultante de uma combinacao bindria de mul- tiplicidade de elementos. Alto e baixo, masculino e feminino, dia enoite, frio e calor, morte e vida sio tomados como dados natu- rais, sem interrogar ou questionar a carga de significacao social- ‘mente instituida que existe neles. O estruturalismo sustenta que a esfera de significado de toda a sociedade € produto da ordem interna dos signos estruturadores em pares de oposicoes" 13 LUHMANN, Niklas. The Diferentntion of Society. New York: 1982;14, Funktion der Religion. Frankfurt am Main: Subrkamp, 1990. 1d. Introduccion la teoria de sistemas, México: Universidad Iberoamericana de Guadalajara, 1996, M4 nvestrauss, Claude. Le ers eff cuit, Paris: lon, 1968. Para uma melhor compreensio da visio estruturalista cf: Id. Totémisme aujourd Ii. Pais PUR, 1962; ld. Antropolog Estructura: mito sociedad, humanidade. Madsid Siglo wu, 1979; Id. Las estructuas clementales de parentsco. Buenos Aizes aids, 1969. Porque se trata agui de separar néo tanto 0 que existe nos mitos ‘masosistena deaxiomas ede postulados, definindo 0 mellor igo ppossivel,enpaz de dar uma signifienglo comum a elaboragees in- conscientes ‘A légica e a ontologia da determinagio se manifestam de modo excepcional na teoria dos conjuntos. Os objetos sao bem definidos e delimitados, e suas relacdes surgem a partir de uma gama combinatoria possivel. Uma vez delimitados o objeto ¢ as relagdes possiveis entre os diversos objetos, pode-se prever um ntimero finito de novos conjuntos. Estes novos conjuntos surgem ‘a partir dos jé estabelecidos. Essa logica conjuntistasupde a cons- tituicao prévia de um conjunto de operagdes especificas para definir os objetos: distinguir, definir, separar, juntar, contar...NBo importa qual seja a natureza dos objetos, o decisivo é compreen- der que existe um conjunto de operacdes logicas, que sao prévias econcomitantes a constituigao do objeto como objeto. Essa logica Cconjuntista identitaria resulta necesséria a todo pensar sobre 0 objeto. E necessério pensar 0 objeto definindo-o, separando-o, relacionando-o, contando-o... A ligica conjuntista-identittira es- tabelece que uma coisa é predicavel enquanto faz parte de... 0 objeto é definido pelos atributos e por estes determinados ati butos. Dedutivamente, a logica conjuntista estabelece a dupla determinagio do que é essencial ou acidental para cada elemen- to de cada conjunto. O elemento fica definido por aquilo que se considera essencial para pertencer a um determinado conjuntoe ‘sem o qual seria excluicio desse conjunto. Concomitantemente se define aquilo que resulta acidental nele: aquilo que resulta pres- cindivel para sua pertenca e participagao nese determinado cor junto. 15 evisteavss, Claude. Le cre le cut Paris: Plon, 1964. Para uma melhor ‘compreensio da visio estruturalista cf: 1d, Tovémisme aujourd ui. Pats PU, 1962: 1d. AntrapolopieEstructual: mito sociedad, humandade. Madi: Siglo wa, 1979; ld. La esructuras elementals de parentesco. Buenos Aires aids, 1969 44 ‘paradoxes do imaginério Alguns questionamentos a légica e ontologia da determinagao O elenco de teorias anteriormente mencionadas e outras smuitas, que por falta de espaco nao podemos referir, sendo mui- to diferentes nos seus postulados e contetidos, tm em comum a constituicio de uma l6gica e ontologia da determinacao como matriz tedrica, que possibilita compreender a realidade em geral € 0 socivistérico em particular como algo pré-definido ao que nos devemos acoplar. ‘Tendo como base a determinacao do real, 0 antropolégico € 0 socioistérico sto reduzidos as categorias que os instituem: coisa, objeto, idéia, conceit... Desse modo, eles se encontram subordinados as operacbes ldgicas que elevam elementos parti- culares a categoria de universais. Segundo uma conhecida sen- tenca de Heidegger, Kant jf sabia diante de que ‘ele recuaca’, quando ssubtraiu a razio prttica a competéncia (as atribuuicoes) de una imagi- ago produtica. Se 0 antropol6gico € 0 socioistérico sao configurados pel determinaca0 ontolégica dora, a pessoa, ahistria ea socieda, de nao podem acrescentar nada de essencial que a realidade jé ‘no possui, pois eles sio partes determinadas pela totalidade. Se o real é determinado, a sociedade e a hist6ria existem na medida em que se submetem as determinagdes do ser. Nesse caso, 0 real ‘ao $6 est determinado, como também é determinante. Pessoa, sociedadee hist6ria so na medida em que se adaptam dentro de uma ordem de possibilidades estabelecidas pela ontologia deter- minante do ser. Pode-se pensar um conjunto de possibilidades do ser socivist6rico, porém todas elas estio limitadas & esséncia ou teleologia do real". Ao manter as premissas da ontologia da determinacio, resulta inexplicavel a novidade socioistérica; ¢ incompreensivel a divergéncia dos diversos modelos sociais e dos multiplices modos de vida construfdos ao longo da histéria. O multicultura- 16 nce, Georg W. F Inaduccin a la historia de la filesofi. Madi: Sarpe, 1983, p. 195-199 “ Castor M. M. Bartolomé Ruiz 45 lismo, por exemplo, seria uma excrescéncia da histéria, que deve sersuperada na medida em quea racionalidade uniformiza, num padrao comum, universal e superior, 0 conjunto das culturas € reduz a diversidade a meros elementos acidentais de comporta~ mentos curriosos foleléricos. Resulta facil perceber como por tras dessa l6gica universal, fundamentada numa ontologia da deter- minagdo, paira a sombra do poder dominador. Para explicar a realidade como algo determinado por uma racionalidade impli- cita, devemos podar todas as singularidades que nao se adaptam a0 nosso modelo tedrico e nos vemos impelidos a ignorar ou ne- gar tudo aquilo que, de um ou de outro modo, nao se encaixa plenamente nas premissas preestabelecidas. Esta é a grande iro- nia representada em tantas ocasides na forma de tragédia huma- na. Tragédia que sempre est embalada pelas concepsdes fecha- das e deterministas do socioist6rico e do antropol6gico. Dizia Ri- Ike: As coisas 1s desbordam. As ordenamos. Se desagregam. As orde- amos nocamente e nds nos desagregames (Elegias do Duino). Retornando ao exemplo do funcionalismo, desde seu cit- culo explicativo resulta incompreensivel a multiplicidade de agbes sociais que nio preenchem uma fungao determinada. Nao tem como explicar por que se as necessidades sao naturais, se criam rnecessidades diversas em sociedades contemporaneas e, inclusi- ve, necessidades contrarias dentro da mesma sociedade; nao tem como explicar por que se institui de forma plural e divergente a solugao para uma mesma necessidade. Todos concordamos que alimentac3o é uma necessidade, mas por que em algumas cultu- ras, determinados alimentos s30 proibidos, como a vaca na cul- tura hindu, o porco no judafsmo e no islamismo, ete., enquanto em outras constitui a dieta basica? A habitacdo é natural, mas por que em algumas culturas se privilegia dentro da casa o espa- 0 privado e em outras tudo é comum? O sexo e a reprodugio sao fungdes naturais, mas por que o sexo é visto como pecamino- 0 por muitas pessoas e por outras nao. Diz que a familia é uma estrutura natural, porém a diversidade de formas culturais em {que se estrutura a familia nao se explica pela mera funcao social Muito mais complexo resulta compreender o desejo humano a partir meramente da fungao que ele desenvolve na sociedade. O funcionalismo nao tem resposta para esses porqués, ja que nem sequer leva em conta 0 porqué da agao humana. Limita-se sim- 46 Osparndoxos do inaginiro plesmente a constatar a importancia social de um determinado elemento, destacando a fungao ou funcdes que desenvolve sem poder explicar stta origem. Se a ado humana se explicasse pela mera necessidade biolégica ou de subsisténcia, nao se entende- ia a diversidade nem a multiculturalidade Nao se pode explicar 0 ser humano nema sociedade de for- ma absoluta por nenhum tipo de determinag3o. Nao é possivel reduzi-los a categorias ou construtos explicativos detinitivos. Qual- quer explicagao sera sempre um modo parcial e fragmentado de aproximar-nos do fazer humano, Embora as leis e as regularida- des sejam parte da realidade, ambas se estruturam de modo aber- toe indeterminado, A abertura das regularidades humanas possi- Dilita a confeccao de visdes globais, porém todas elas relativas. A praxis humana que produz 0 socioist6rico nao esta pré-definida Por nenhum tipo de categoria, racionalidade, normatividade, lei natural ou regularidade. Ela é construfda sempre a partir do senti- do que a pessoa e a sociedade instituem para aquilo que realizam, Esse sentido nao pode ser deduzido nem induzido de forma abso- lutaanenhum outro elemento. Ele é uma criagao, na acepgao mais ampla da palavra, $6 a significagao instituida de modo criativo peloser humano e pela sociedade pode explicar o porqué da pri- xis humana, pois: O somem é pré-isor. Estéorientado — como Prome- teu ao longinguo, ao nto presente noespago.e no tempo:aocontririo do ‘animal, vive para o futuro e néo para o presente? Dentro da légica e ontologia da determinacio, 6 possivel aceitar a pluralidade, a variedade e diversidade, mas sempre de modo limitado, conjugando-as com os limites que o real impoe. Sendo assim, 0 tempo se constitui num simples recepticulo de acontecimentos que se produzem com o desvendamento do ser. Nao existe uma alteridade radical que crie o tempo como novi- dade socioistorica. Nesse caso, racionalidade hist6rica constr6i teleologicamente a hist6ria, eo tempo é um simples meio no qual se desenvolve 0 acontecer social. A hist6ria nao tem novidade Porque possui uma racionalidade implicita. A racionalidade his- rica é a légica que constitui o ser da histéria. 17 Games, Arnold, £7 hombre su naturatizey su lugar em ef mundo, Salama Sigueme, 1980, p. 36 Castor M. M, Bartolomé Ruiz 47 O tempo da determinagao do real é submisso aos ditados do desenvolvimento ja pré-definido. S6 se pensarmos 0 antropo- Jogico e 0 socioistérico sob a ética de uma ontologia da indeter- ‘minagao (apetron), pode existir 0 tempo real. Este devemos en {ender como um tempo de criagao, produtor de novidade hist6- rica, 56 6 possivel a existéncia da natureza criadora do ser hu- mano e da sociedade, se pensarmos numa indeterminagao ine~ rente a seu ser. Os questionamentos que viemos realizando 3 on- tologia ea légica da determinacao nao podem induzir-nos a pen- sar que nao existe um modo de ser do humano e do socioistérico. Pois se a indeterminacao da reatidade em geral e do humanoem particular fosse absoluta, 0 caos também seria absoluto ¢ a con- fusio total. A indeterminacao absoluta do ser tornaria impossi- vel a existéncia continuada de algo e impediria simplesmente pensé-lo como tal. Isto nao significa que a alternativa ontol6gica } indeterminagao absoluta tertha que ser a determinagao plena do ser. Para poder existir, 0 socioistérico deve configurar-se sob determinagdes especificas, sejam estruturas sociais, modos po- liticos, valores, leis, formas produtivas, idéias, costumes, etc Essas determinacdes manifestam a realidade por meio de entes particulares, porém ela nao se esgota nessas determinagoes es- pecificas. Junto com a possibilidade de concretizar-se em for- mas determinadas, o ser do socioist6rico nao pode ser identifi- ‘cado com as especificidades que ele constitui. O antropol6gico ¢ 0 Socioistorico existem na medida em que se determinam na forma de instituicdes, funcdes, normatividades, valores, estru- turas, modos de ser.., mas nenhuma dessas determinagées es- pecificas nem a soma de todas elas conseguem explicar sua na~ tureza. O ser do humano e sociedade sao radicalmente inex- plicdveis, porque sua raiz ontol6gica esta impregnada pela in- determinacio. Existe, bem entendida, uma natureza da pessoa, da socie~ dade e da histéria: a criagdo. Nas palavras de Rilke: Nossa vida se ‘esgota ent transformagio (Elegias do Duino). © modo de ser da pessoa ¢ da sociedade se realiza mediante a possibilidade, no sentido ativo, de criar formas (cidas) de existéncia social e pessoal. 48 Osparatorosdo inaginivio Castor M. M. Bartolomé Ruiz 49 Essa natureza ou modo de ser do humano ¢ do socioistérico se manifesta na possibilidade de inovar, de fazer existir algo que nao estava pré-visto nem pré-definido anteriormente em nenhum tipo de essencia, teleologia ou lei natural. Essa natureza criadora se exprime na alteridade diferenciadora das instituigdes, das lin- guas, das personalidades, do ethos... Essa criagdo nao esté con-

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