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O Brasil na Era Lula: retorno ao desenvolvimentismo?

– Fonseca, Cunha e
Bichara

1. Introdução: retomada de uma trajetória


- Artigo se propõe a responder duas questões: debater as possibilidades da continuidade
do crescimento e seus possíveis entraves; e a segunda remetente ao questionamento se o
Brasil estaria retornando ao desenvolvimentismo que marcou o período entre as décadas
de 30 e 80.
- Autores simpáticos ao governo Lula caracterizam um retorno ao desenvolvimentismo;
assim como autores ortodoxos que o acusam de “populismo” e reconhecem esse retorno
ao desenvolvimentismo.
- Governo Lula: crescimento elevado, inflação equilibrada (dentro das metas), ausência
de vulnerabilidade externa (o sentido é inverso, de entrada de capitais e valorização
cambial), elevadas reservas internacionais.
- Interpretação oposta: governo Lula foi um continuísmo liberal (Paula), “social-
liberalismo” (Borges Neto).
- Políticas monetárias e cambiais seguem as regras da ortodoxia e mesmo medidas como
controle de capitais não foram adotadas.
- Governo Lula seguia a cartilha ortodoxa, considerando a inflação de demanda, cuja
consequência era diminuir o crédito e o investimento. A política econômica estaria mais
comprometida com a valorização financeira do que com o crescimento e com a
distribuição de renda.
- Para Gonçalves (2012) o governo Lula seria um “nacional-desenvolvimentismo às
avessas”: desindustrialização, reprimarização das exportações, desnacionalização e
dominação financeira sobre a esfera produtiva.
- A proposta desse artigo é buscar uma mediação entre essas duas correntes de
intepretação do governo Lula, superando a dicotomia “governo neoliberal” vs “governo
desenvolvimentista”. Assim como fizeram Morais e Saad-Filho (2011), que apontaram
que o governo Lula realizou, embora lentamente, uma política “hibrida”.
- Conclusão: o período que se inaugura com o Governo Lula não pode ser facilmente
enquadrado como sendo populista; mas, também, (ii) embora haja indícios para sua
defesa, não estão claramente consolidadas as condições para a sustentação do
desenvolvimentismo como base ideológica da retomada recente de certo dinamismo
econômico.

2. O Desenvolvimentismo no Brasil: uma primeira aproximação


- Governo Lula manteve os marcos essenciais da política de estabilização do governo
FHC, assim como ampliou vários programas de assistência social (políticas focalizadas,
não universais).
- Crescimento do salário mínimo, queda do coeficiente de Gini: distensão no
tradicionalmente concentrado e excludente crescimento brasileiro.
- PAC acena a retomada da responsabilidade estatal como indutor do crescimento,
priorizando o longo prazo, em conjunto com o BNDES e os bancos públicos (que
realizam uma política creditícia anticíclica pós-crise de 2008).
- O desenvolvimentismo, na visão dos que interpretam o governo Lula como um retorno
a ele, seria um fenômeno embedded na formação social brasileira, com raízes históricas
profundas, de modo que o interregno das duas últimas décadas do século pode ser visto
como a interrupção temporária de uma tendência que, mediante certas condições
permissivas, aflora novamente.
- Não foi apenas a crise que ensejou condições para a mudança, mas anteriormente já se
manifestava a retomada, mesmo que gradual, de um ciclo de crescimento econômico e
incorporação de novos segmentos no mercado consumidor, induzidos em parte pela
política governamental e em parte pelo contexto internacional.
- Desenvolvimentismo designa-se um conjunto de ideias e de práticas efetivas dos
governantes o qual sugere estar permeado por uma lógica que se expressa como um
projeto de nação. Abrange a defesa: (a) da industrialização; (b) do intervencionismo
pró-crescimento; e (c) do nacionalismo.
- Assim, sem a presença de intenção deliberada de políticas voltadas a um fim explícito
e de um pacto político capaz de lhe dar sustentação, dificilmente se pode falar em
desenvolvimentismo.

3. O desempenho recente da economia brasileira em uma perspectiva de longo


prazo
- Entre o final da década de 40 e o início da década de 80, o Brasil foi um exemplo
típico da experiência latino-americana de modernização, marcada pela presença de
avanços econômicos, embora incapazes de equacionar de forma satisfatória o problema
da desigualdade na distribuição da renda, riqueza e poder. Transformação radical de sua
estrutura produtiva.
- Porém, com um padrão de financiamento fortemente dependente da utilização de
fundos públicos e recursos externos (fragilidade financeira), além de ser incapaz de
gerar uma maior homogeneização social.
- Nos anos 1970, enquanto o mundo enfrentava os ajustes recessivos gerados pelos
choques externos das crises do petróleo e da flexibilização dos regimes cambiais, o
Brasil acelerava sua estratégia desenvolvimentista, com base em financiamento externo
propiciado pelo ciclo de liquidez da reciclagem dos petrodólares. Desde então a
economia experimentou diversos ciclos curtos e instáveis de crescimento (as políticas
monetária e fiscal contracionistas contribuíram para esses ciclos curtos).
- Década de 1990: queda da renda, a despeito de um incremento não desprezível de
produtividade.
- Apesar de atingir o controle inflacionário, a âncora cambial e os juros elevados
geraram um acumulo de desequilíbrios no setor externo e na área fiscal. A gestão desses
problemas num cenário de reversão da liquidez externa (que sustentava a estratégia de
crescimento com poupança externa) marcou a segunda fase do Plano Real, após a
desvalorização cambial do início de 1999.
- A euforia da estabilização com algum crescimento do primeiro governo FHC deu
lugar a estagnação econômica, deterioração do mercado de trabalho e aprofundamentos
dos passivos fiscal e externo.
- A continuidade no plano econômico presente no primeiro governo Lula significou
uma terceira etapa do processo de estabilização iniciado com o Plano Real.
- A partir de 2003, a conjuntura externa excepcionalmente favorável contribuiu
decisivamente para a correção dos desequilíbrios externos e fiscais: queda da relação
dívida/PIB; queda da inflação; queda do risco país e indicadores de solvência externa;
recuperação do emprego, dos salários e do crédito.
- Entre 2001 e 2003, a demanda externa apresentou uma contribuição positiva e superior
à demanda doméstica, ao passo que, depois de 2004, a expansão do gasto doméstico
passou a liderar o crescimento.
- Após a crise de 2008, o dinamismo do mercado interno e as políticas contracíclicas
(expansão do crédito e estímulo fiscal) garantiram a reversão do quadro de deterioração
do nível de atividades e do mercado de trabalho (já em 2009).

4. Considerações finais: retorno ao desenvolvimentismo?


- Todavia, a despeito dos sinais da conjuntura, vários autores apontam para as
dificuldades de uma retomada mais consistente e robusta sem que o país enfrente alguns
problemas crônicos, como a crise da previdência, a alta carga tributária e o
assistencialismo, por exemplo.
- Para esses autores o principal fator explicativo do crescimento no período mais recente
é a estabilidade econômica, ou seja, o fato de o governo Lula, a despeito do
assistencialismo, ter mantido as linhas gerais da política econômica de matiz ortodoxo
do governo F.H. Cardoso (metas de inflação, altas taxas de juros, câmbio valorizado,
superávit primário.
- É bastante discutível associar o governo Lula com ciclo econômico populista, pelo
menos à luz dos modelos de diversos autores que se debruçaram sobre o tema, mesmo
afinados com o mainstream. A análise da “Era Lula” sugere que, não obstante o carisma
de seu titular e de alguns arroubos midiáticos, seu governo afasta-se completamente do
hardcore da definição de populismo daqueles autores.
- O governo Lula optou nos primeiros anos por uma política monetária e fiscal
restritiva, de continuidade, ao contrário dos modelos de ciclo populista. Em termos de
política social se optou pelo gradualismo (elevação do salário mínimo e programas de
transferência de renda). Esses fatores aproximam muito mais o governo Lula com a
socialdemocracia europeia, de inspiração keynesiana, do que com o ciclo populista.

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