Carta de
Pedro
Um comentário exegético-teológico
Reinhard Feldmeier
Editora
SiNODAL J>EST
A Primeira
Carta de
Pedro
Um comentário exegético-teológico
Reinhard Feldmeier
ISBN 978-85-233-0922-0
jí!)ESt 11
9 788523 309220
A Primeira Carta de Pedro
Um Comentário Exegético-Teológico
Reinhard Feldmeier
Editora
FACULDADES 2009 _
EST S iN O D A L
Traduzido do original “Der erste Brief des Petrus” - Theologischer
Handkommentar zum Neuen Testament, 15/1 © 2005 by Evangelische
Verlagsanstalt GmbH, Leipzig, Alemanha.
F312p F e ld m e ie r, R e in h a r d
A P r i m e i r a C a r t a d e P e d r o : u m c o m e n t á r io e x e g é t ic o -
t e o ló g ic o / R e in h a r d F e ld m e ie r; [tra d u ç ã o d e] U w e W e g n e r. -
S ã o L e o p o ld o : S in o d a l/ E S T , 2 0 0 9 .
2 4 6 p . ; 1 5 ,5 x2 2 ,5 cm .
T itu lo o rig in a l: D e r e r s te B r ie f d e s P e tr u s T h e o lo g is c h e r
H a n d k o m m e n ta r z u m N e u e n T e s ta m e n t.
IS B N 9 7 8 -8 5 -2 3 3 -0 9 2 2 -0
C D U 22 5
Reinhard Feldmeier
SUMÁRIO
Abreviaturas ................................................................................... 9
INTRODUÇÃO ................................................................................ 15
§ 1: “Fogo ardente” (IPe 4.12). A situação do sofrimento............. 15
§ 2: “Forasteiros” (IPe 1.1; 2.11).
A interpretação teológica da situação................................... 25
§ 3: “Exortando e testificando” (IPe 5.12).
A composição da carta........................................................... 28
§ 4; “Renascimento” e “povo de Deus”. A sobreposição
das dimensões vertical e horizontal da soteriologia.............. 33
§ 5: “Porque está escrito: [...]!” (IPe 1.16). A IPedro e a tradição... 35
§ 6: “Pedro”, apóstolo de Jesus Cristo (IPe 1.1).
Questões introdutórias.......................................................... 38
a) Unidade..............................................................................38
b) Form a.................................................................................39
c) A u tor..................................................................................42
d) Data de composição........................................................... 46
e) Local de redação................................................................ 47
í) Destinatários...................................................................... 49
§ 7: História da interpretação........................................................ 50
INTERPRETAÇÃO...........................................................................53
I. Pré-escrito. Os destinatãrios como forasteiros
e povo de Deus (1.1-2)............................................................... 53
II. Ã razão da existência como forasteiros (1.3 - 2.10).
O renascimento e o povo de Deus............................................. 63
1. O renascimento (1.3 - 2 .3 )....................................................... 63
1.1 Eulogia introdutória: renascimento e alegria no
sofrimento (1.3-12)............................................................. 63
1.1.1 Louvor pelo agir salvífico deDeus(1.3-5)..................... 64
Excurso 1: Esperança................................................................... 67
Excurso 2: “Incorruptível, sem mácula e imarcescível” - recepção
e transformação de predicados metafísicos de Deus na 1 Pe ....... 73
1.1.2 Ãlegria e provação (1.6-7)..........................................77
Excurso 3: Tentação/ireLpaonóç....................................................... 79
1.1.3 Crer sem ver (1.8-9)................................................... 82
Excurso 4: Alma e salvação das almas na IPe ............................. 84
1.1.4 Os profetas (1.10-12) ................................................. 87
Resumo (IPe 1.3-12)..................................................................... 90
1.2 Renascimento e nova conduta (1.13- 2 .3 )..........................91
1.2.1 “Esperança comprometedora”(1.13) ...........................93
1.2.2 Obediência como correspondência ã santidade
de Deus (1.14-16) ..................................................... 95
Excurso 5: As paixões............................................................. 96
1.2.3 O Pai e Salvador como contraparte de uma
existência de fé(1.17-21)...........................................100
Excurso 6: Deus como j u i z ....................................................... 101
1.2.4 Amor como comprovação da nova vida (1.22-25)...... 110
1.2.5 Renascimento e recomeço (2.1-3) ..........................114
Excurso 7; Renascimento.............................................................115
Literatura.....................................................................................223
ABREVIATURAS
1. Escritos Canônicos do Antigo e Novo Testamentos
As abreviaturas dos livros canônicos e o uso de pontuação nas referências aos diferentes
textos seguem o sistem a u sado p ela Sociedade B ib lica do B rasil e in corporado n a
versão da tradução de Alm eida.
10
V it Cont =De V ita Contem plativa Ap • C ontra A pionem
Ed. Cohn-Wendland VI; B e ll ^ De Bell. Jud.
Trad. K. H erm ann V it ^V ita
Jos = Flavius Josephus Ed. B. Niese
Ant = Antiquitates
6. Qumrâ
7. Literatura rabínica
8. Pais apostólicos
11
Herrn = Pastor de Hernias Ed./Trad. J. A. Fischer
m = M andam entos Ig n P o I = C arta de Inácio a
s = Sim ilitudes P olicarpo
V = Visões Ed./Trad. J. A. Fischer
Ign E p h = C arta de Inácio aos IgnRom = Carta de Inácio aos
E fésios Romanos
Ed./Trad. J. A. Fischer Ed./Trad. J. A. Fischer
IgnM ag = C arta de Inácio aos Pol = C arta de Policarpo
M agnésios Ed./Trad. J. A. Fischer
9. Apócrifos (NT)
12
11. Autores pagãos
13
Ed. A. V . H arnack Suet = CSuetonius TranquiUus
Marc = AdM arcellam Caes (Claudius)= D e V ita Caesarum ,
Ed. A. Nauck sobre: Claudius
P s P la t ^ Pseudo-Plato Caes (Domitian)= D e V ita Caesarum ,
A ie ^ Alkibiades sobre: D om itian
Ax ^ A xioch u s Caes (Nero) = De V ita Caesarum ,
Ed./Trad. K. H ülser sobre: Nero
Sallust, DeD eis ■ Sallustius, De Deis et Ed./Trad. M artinet:
Mundo Suetonius
Ed./Trad. A. D. N ock Tac, A n = Cornélius Tacitus,
Sen, Ep = LAnnaeus Seneca, A n a les
Epistulae Ed./Trad. E. H eller
Ed./Trad. F. Loretto Th eogn = Th eogn is, Elegie
Soph, Ant = Sophocles, Antigone Ed. D. You ng
Ed. A. C. Pearson; Xenoph, M em = X enophon,
Trad. R. W oerner M em orabilia Socratis
Ed./Trad. P. Jaerisch
14
INTRODUÇÃO
“Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos estrangeiros na disper
são (diaspora) do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia [...]” - Esse
modelo de abertura com dados sobre o remetente e os destinatários já
é indicação para o caráter especial deste escrito que, em sua forma
exterior, é uma carta e designa como seu autor Pedro, “um apóstolo
de Jesus Cristo”. Os destinatários são cristãos residentes numa área
que corresponde mais ou menos ao tamanho dos Estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, ao sul do Brasil.^ Mais incomum que o
endereço amplo, testemunhado^ também em outras partes da litera
tura cristã primitiva, é a invocação dos destinatários como “estran
geiros da dispersão (diáspora)”. A dupla referência ao status dos re
ceptores como minoria e marginalizados, que além disso ainda é re
forçada pela designação de “estrangeiros”, já permite visualizar o pro
pósito especial deste escrito, qual seja, interpretar esse ser estrangei
rojustamente como uma característica cristã essencial. Consoante a isso,
essa introdução ilumina inicialmente a situação dos primeiros cris
tãos na medida em que ela também corresponde a dos destinatários
da carta, segundo o seu próprio testemunho. Diante desse pano de
fundo é que serão então esboçados temática e estrutura, bem como o
perfil teológico da IPe. O final é formado pela discussão das pergun
tas de introdução^ bem como por algumas indicações sobre a história
da interpretação.
“Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós [...]
como se alguma coisa extraordinária estivesse vos acontecendo” (IPe
4.12) - Essa declaração é reveladora em dois sentidos: como descrição
da situação e como interpretação da situação. Em relação ã primeira, a
metáfora do “fogo ardente” já permite prever quão aflitiva é essa situa
ção. Tanto assim que, com exceção de Jó, nenhum escrito bíblico pos
sui - proporcionalmente ao seu tamanho - tantas e tão variadas refe
rências ao sofrimento como a IPe. Em primeiro lugar, esse sofrimento
reside nos problemas resultantes das hostilidades da sociedade pagã
contra a comunidade cristã, sendo que a discussão dessa problemáti-
15
ca determina todo o escrito. E não são, em primeiro lugar, as autorida
des que fomentam esse conflito; elas, nesse contexto, são apresenta
das antes de maneira positiva (cf. 2.13s). Os cristãos têm dificuldades
sobretudo com seu contexto imediato, que “estranha” o novo compor
tamento de seus concidadãos (4.4), difamando e marginalizando, por
essa razão, a comunidade cristã, inclusive inimizando-se com ela e
denunciando-a (2.12, 23; 3.14-17; 4.4,14-16). Essa situação é típica
para o cristianismo primitivo, desde os seus inícios até a metade do
século III. Já no mais antigo escrito cristão conservado, ITs 2.14, fala-
se, tanto em relação a cristãos judeus como a cristãos gentílicos, sobre
o “sofrimento por parte dos próprios conterrâneos”. De acordo com a
apresentação dos Atos dos Apóstolos, o procedimento das autoridades
contra Paulo originava-se sempre de cidadãos furiosos."^ Também a
perseguição de Nero, aparentemente o exemplo típico de um procedi
mento estatal contra os cristãos, num exame mais atento, revela-se
como manobra de poder político, com a qual Nero desviou a ira popular
pelo incêndio de Roma por ele provocado para aqueles “que eram odia
dos pelo povo devido ãs suas ignomínias e denominados por ele de
cristãos”.® O imperador, portanto, não toma iniciativas contra os cris
tãos por impulso próprio; ele usa o ódio existente contra eles para des
viar as agressões de si próprio - e com sucesso.® Esse ódio que chega
até o mais íntimo parentesco é também testemunhado pelos ditos de
perseguição.^ O perigo que isso podia representar mostram jâ as narra
tivas dos Atos dos Apóstolos: a discriminação social representava uma
constante ameaça e incluía, por parte da população, desmandos vio
lentos e incontrolados. Contudo, enquanto que no tempo inicial nar-
16
rado em Atos as autoridades ainda intervinham em defesa dos cris
tãos, a partir da segunda metade do século I esses conflitos termina
vam geralmente à sua custa. Se no início do século II o procurador
Plinio já via como suficiente para levantar um processo contra os cris
tãos e levá-los ã execução “as ignomínias ligadas ao nome [cristãos]”®,
então isso significa que o nome “cristão” já virara sinônimo de crimi
nosos - uma incriminação do cristianismo, como também é sugerida
em IPe 4.12ss (esp. 4.14, 16). J. Molthagen® defende, com embasa
mentos consideráveis, a hipótese de que o procedimento de Plinio só é
imaginável - tanto em relação ao seu caráter como á elevada cultura
romana do direito - na medida em que para ele houvesse um fundamen
to jurídico. O procedimento de Nero provavelmente levou a uma pri
meira incriminação (local) do cristianismo, que, mais tarde, soh
Domiciano, foi expandida por todo o império “para arranjar uma solu
ção para as múltiplas desordens que sempre de novo eram incitadas
entre a minoria cristã na sociedade”.E sp ecia lm en te casos de de
núncia por parte de uma pessoa privada possibilitavam um procedi
mento legal das autoridades contra cristãos, como Plínio o testemu
nha. Esse procedimento legal, contudo, permaneceu reativo até o ter
ceiro século. O imperador Trajano afirma taxativamente em sua res
posta a Plínio que os cristãos não deveríam ser investigados pelas au
toridades por iniciativa própria.“
17
tropia^'^, de orgulho insuportável e de tumulto'® revelam algo adicio
nal sobre as causas mais profundas desse conflito. Em última análi
se, trata-se da incompatibilidade entre o monoteísmo exclusivo do
cristianismo'® e a sociedade antiga, que se fundamentava de forma
sacramental. Pois, no Império Romano, a religião oficial está
entrelaçada firmemente com todos os setores da cultura e sociedade.
Mais ainda: ela não é nada menos que o fundamento espiritual da
sociedade e ideia de Estado romanas.'^ O Estado e suas estruturas
chegam a ser instituições sacras.'® Assim se explica a aparente con-
18
tradição de que os romanos claramente não eram intolerantes^® em
questões religiosas, nem na Itália tampouco nas províncias, mas que
essa generosidade tinha seu claro limite ali onde não mais era con
cedido o devido respeito à legitimação religiosa do Estado e das insti
tuições so ci a is .E s s e era o motivo pelo qual, independentemente de
convicções pessoais, religiosas ou filosóficas, em que cada um podia
se sentir perfeitamente livre, era solicitada pelo menos lealdade em
relação à religião praticada publicamente, pois não se tratava só de
religião em nosso sentido de convicção pessoal de fé; religião e polí
tica eram, antes, “both [...] parts of a web of power”.^^ Era nessa “rede
de poder” que os cristãos se emaranhavam, pois negavam, em meio a
toda a sua sempre reiterada fidelidade ao Estado, o reconhecimento
aos cultos legitimadores da ordem social, o que, por sua vez, acabava
por ser compreendido como atentado contra o fundamento dessa or-
dem.22 Da perspectiva do mundo circundante, as perturbações da paz
social provocadas pelos cristãos confirmam esse juízo. Os cristãos
eram “inimigos do gênero humano” pelo fato de se ligarem, com uma
exclusividade incompreensível para o mundo antigo, à sua religião
especial à custa da c o m u n i d a d e . E s s a incompatibilidade podia
manter-se em segundo plano na vida do dia-a-dia por espaços de tem
po maiores ou menores: “Muitas comunidades citadinas estavam apa
rentemente dispostas e em condições de se adaptar às pessoas que
viviam à sua margem, valendo o mesmo para essas em relação àque
las”. M a s qualquer crise podia trazê-la muito rapidamente à tona
de novo.^^ Isso valia tanto mais porque essa incompatibilidade tam-
19
bém tinha consequências sociais^®, podendo reconduzir sempre de
novo a tensões no dia-a-dia. Por isso a recusa cristã de qualquer ve
neração a deuses dificultava, impedia até, a participação em festas de
comunidades e associações; a mera proibição de consumo de carne
sacrificada já dificultava uma refeição em comum com gentios^'^, o
que podia causar indignação, sobretudo nas festividades, tão impor
tantes para a comunidade^®. Escândalo causavam também as tradi
ções diferenciadas de enterro^® e os diferentes locais de sepultamen-
to®°. A situação agravava-se quando, devido à difusão do cristianis
mo, eram feridos interesses eeonõmicos.®^ Não por último, o cristia
nismo dava a impressão de ser socialmente subversivo aos olhos dos
conterrâneos pelo fato de essa nova “superstição” e a nova comuni
dade por ela formada se infiltrarem nas relações sociais existentes,
ameaçando desintegrá-las.®^
se move, se a terra se move, se fome, se peste, imediatam ente [se diz]: ‘os cristãos
aos leões’!” . Segundo SCHÃFKE, 1979, p. 649, aqui “fica visível [...] um a estrutura
fundam ental do pensam ento religioso antigo: infelicidade terrena é consequência
de um co m p o rta m e n to errô n eo em re la ç ã o aos deu ses. Os cris tã o s , qu e não
reverenciam nem sacrificam aos deuses antigos, são p or isso m esm o sem pre de
novo responsabilizados por terrem otos, carência de alim entos, guerras e guerras
civis, epidem ias, enchentes e secas” .
Esse isolamento dos cristãos na vida diária ê expresso com muita clareza por Caecilius
no Octavius, de Minucius Felix, quando ele acusa: “ [...] vocês mantêm distância de
todo divertimento, mesmo dos mais decentes. Vocês não visitam jogos, não participam
dos desfiles, rejeitam as refeições públicas; vocês desprezam os jogos em honra aos
deuses, a carne e o vinho sacrificados nos altares [...] Vocês não enfeitam as cabeças
com flores, não tratam o vosso corpo com essências aromáticas; vocês usam aromas
só para os mortos e sequer coroas possuem para vossas sepulturas” (Min, Oct 12,5s;
tradução de KYTZLER, B. (Ed.). M in u ciu s Felix, O ctavius. Lateinisch-Deutsch. 3. ed.
Stuttgart, 1993).
Cf. já IC o 8.
Um exemplo é o ódio nutrido pela mãe do imperador Galêrio contra os cristãos, que,
segundo Lact, MortPers 11, se desenvolveu pelo fato de eles não participarem das
refeições sacrificiais que ela festejava quase que diariam ente em sua cidade natal.
Cf. Min, Oct 38,3, em que Octavius nega o uso de coroa sobre os mortos cristãos, e
Min, Oct 38,4, onde destaca o fato de os cristãos enterreirem seus mortos da mesma
forma discreta como também costumam viver.
Tert, Scapul III.
Isso já ê mostrado pelo levante dos ourives em At 19.23ss. Também o procedimento
de Plínio contra os cristãos parece ter como causa, no mínimo, também problemas
econ ôm icos en volven do os ven ded ores de carne (cf. SH ERW IN-W H ITE, 1998, p.
709, em relação a Plin, Ep X,96,10).
Essa “propensão para os tum ultos” é reiteradam ente tem atizada por Celso em seu
escrito polêm ico contra os cristãos, cf. Orig, Cels V III,2 e III,5.
20
serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do
que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais
do que a mim não é digno de mim”. Também a IPe deixa entrever
que, em virtude da nova ligação com o cristianismo, as ligações de
família e de vizinhança eram colocadas em perigo ou então destruídas
(cf. 3.1ss). Como a grande família, com inclusão da criadagem, o olkoç,
constituía a pedra fundamental da sociedade antiga, a missão cristã
teve que ser compreendida também como ataque aos fundamentos
sociais (cf. IPe 2.18ss). As acusações de “ateismo” (àGeóniç), respecti
vamente de “superstição” (ôeLaLÔaLnoví,a/supersíiíío) por um lado, bem
como de “ódio contra o gênero humano” {[iíaavQptíT\ía/odium humani
generis) por outro, são, portanto, os dois lados da mesma medalha. De
uma perspectiva pagã, a primeira acusação caracteriza a singulari
dade religiosa®® e a segunda, seus efeitos sociais. Aqui pessoas se
enredavam em sua “superstição” especifica e, simultaneamente, se
distanciavam e desligavam das demais pessoas - de acordo com a
acusação de Celso, que julgava poder perceber nesse monoteísmo
exclusivo a “voz do tumulto”.®‘* Nesse contexto, seguramente também
não representava propriamente uma recomendação que o fundador,
do qual essa religião inclusive levava o nome, tivesse sido executado
de morte na cruz por um procurador romano como insurreto.®® Mes
mo que a atitude em relação aos cristãos costumasse oscilar e hou
vesse tempos de relativa tranquilidade, a fé cristã e o modo de vida
expressado por ela sempre podiam de novo ser sentidos como viola
ções provocativas dos fundamentos da vida em sociedade.®® Numa
palavra: os cristãos colocaram-se conscientemente fora do ambiente
de vida religiosamente determinado, tomando-se “estranhos” a ele.®'^
De forma correspondente, apesar de múltiplas interações com a socie-
^ Cf. WILKEN, R. L. D ie frü h e n C hristen. Wie die Römer sie sahen. Graz, 1986. p. 79:
“Quando os romanos dizem que o cristianismo é uma superstição, isso não significa
um sim ples preconceito ou a consequência de um desconhecim ento; representa,
sim, a expressão de uma determinada sensibilidade religiosa. Quando Tácito escreveu
que o cristian ism o é ‘in im igo do gên ero h u m a n o ’, ele não quis d izer com isso
unicamente que não gostava dos cristãos e que os sentia como escândalo (mesmo que
isso seguram ente era correto), m as que eles representavam um a ofensa para seu
mundo social e religioso” .
Orig, Cels VI1I,2: oráoÊcoç (tíoví). Se de acordo com Plutarco ê característico da superstição
“não compartilhar com o resto do gênero humano nenhum mundo em comum” (Plut,
Superst 166C), então isso vale para os cristãos de forma bem especial.
Esse aspecto defende com in sistên cia VITTIN G H OFF, 1984. Sua tese de que, em
virtude da pessoa do seu fundador crucificado, os cristãos eram “desde o início,
crim inalizados de form a generalizada” (p. 336) não convence.
Significativa é a m otivação da sentença em itida contra os m ártires cilitanos: eles
teríam se afastado do m os R om a n oru m (ActScil 14).
Tertuliano, em seu A pologeticu m , acentua com veemência e agressividade o contraste
com várias esferas da vida em geral e, nesse contexto, caracteriza de form a incisiva
a relação dos cristãos com a opinião pública. Cf. Tert, Apol 38,3: noí>is[...] n e c ulla
magis res aliena q u a m p u b lica (“a nós [...] não há coisa mais estranha do que o Estado”).
21
dade antiga e suas instituições^®, eram percebidos, em última análi
se, como um corpo estranho, cuja simples existência já bastava para
questionar seus fundamentos e que, em razão de sua expansão, per
turbava a paz e a ordem, atuando de forma desintegradora.®® Notórias
nesse sentido são também as metáforas, empregadas em diversos con
textos, para doença, peste e epidemia''®, as quais teriam igualmente
acometido o império. Pode até ser que a massa das pessoas não esti
vesse em condições de caracterizar de forma tão incisiva os fenóme
nos como o faziam os historiadores e filósofos - sua percepção, no
entanto, seguramente era bem semelhante: nas calúnias, nas sus
peitas bem como nos deboches, fica clara em todo lugar a distância
que o entorno pagão sentia em relação aos cristãos. Quando, por últi
mo, é negado aos cristãos inclusive o direito ã existência - “vocês
não devem existir!”'“ -, então isso não é senão a consequência de tal
alienação. De uma perspectiva cristã, o Jesus do discurso apocalíptico
formula a mesma questão: “Sereis odiados por todos por causa do meu
nome” (Mc 13.13par.). Se isso já vale de forma bem geral para os cris
tãos do Império Romano no final do século I e início do século II,
parece que a referida situação se agravou mais uma vez de forma es
pecial na Ásia Menor, onde os destinatários da IPe moravam. Por
razões históricas, a Asia minor encontrava-se relacionada de forma
HARLAND, Ph. A. A s socia tion s, S yn a goges, a n d C on grega tion s. Claim ing a Place in
Ancient Mediterranean Society. Minneapolis, 2003, procura mostrar que o antigo sistema
de associações em geral e que as associações judaicas e cristãs em especial interagiam
de forma especialmente positiva com a sociedade e suas instituições. Como critica ao
estereótipo de um difundido “sectarian o r tensioncentered approach” (ibidem, p. 267), essa
modificação, fundam entada também em testem unhos epigráficos, é justificada (mas
confira também VITTINGHOFF, 1984, esp. p. 333ss). A tendência de Harland, contudo,
é, em contraposição, subestimar as tensões entre os cristãos e a sociedade, já que é
justamente a IPe que por ele é elevada à testemunha-chave de uma tal “positive interaction”
(ibidem). Que a IPe, em certos casos, com certeza almeja uma tal interação positiva será
demonstrado nos respectivos textos. O escrito como um todo, porém, pressupõe antes
um a alienação elementar sofrida pelos cristãos na sociedade.
Notório é, nesse contexto, como Suetônio, Caes (Nero) 16,2 enumera o procedimento
do imperador contra os cristãos entre suas providências para a limitação do luxo e
seus procedimentos contra os exageros dos corredores de provas, colocando-o, portanto,
em conexão direta com outras decisões do imperador, julgadas como úteis por Suetônio.
Já Paulo é designado como peste [ÀoLyóç) em At 24.5. Plínio, Ep X,96,9 refere-se à
epidemia (contagio) da superstição cristã, que se alastra por toda parte. Porfirio queixa-
se que Roma tenha sido tomada de tal forma pela doença do cristianismo, a ponto de
os deuses estarem distantes (Porphyr, AdvChrist, Frgm. 80 = Eus, PraepEv V,l,9s).
Na critica ao cristianismo feita por Celso, esse uso metafórico encontra-se no sentido
da doença (vóooc) do tumulto, que teria contaminado os cristãos, representando, dessa
forma, um perigo para toda a sociedade (Orig, Cels VIII, 49).
Tert, Apol 4,4; N o n licet esse vos. Logo no inicio do seu A pologeticu m (1,4), Tertuliano
fa la do generalizado o d i[u m ] e rg a n o m e n C h ris tia n o ru m (“ódio contra o nom e dos
cristãos”). A referência ao ódio do povo, testemunhada já sob Nero (Tac, An XV,44,2),
com prova que sua existência não rem onta unicam ente ao tempo de Tertuliano. O
direito à existência é negado aos cristãos também em Orig, Cels VIII,55, e em Just,
Apol Appendix 4,1 é transm itida a furiosa solicitação para a extinção: “M atai-vos
todos juntos, apressai-vos para viajar até Deus e não nos deis mais trabalho”.
22
especialmente estreita com a casa imperial romana, razão pela qual
certamente não é casualidade que aqui o cristianismo se depara da
maneira mais clara com resistência."*^
Os rom anos chegaram à Ásia Menor em 133 a.C., depois que Atraio III, de
Pérgamo, lhes legou testamentariamente seu reino. Após a repressão de um
movimento contestatório, formaram na região, a partir dessa transação, a Pro-
vincia da Ásia, entre os anos de 129-126 a.C., que compreendia sobretudo a
região costeira a oeste. Essa, no ano de 116 a.C., foi mads u m a vez acrescida
para o leste e sul pelos territórios da Frigia e Caria. A transform ação dessa
região num a província rom ana teve um grande impacto também econômico na
vida da Ásia Menor. Em 123 a.C., membros da ordem dos cavaleiros receberam o
direito de arrecadar impostos. Eles faziam isso com tanta eficácia, a ponto de a
Ásia necessitar ser protegida contra o total espólio pelo propretor Mucius Scaevola
nos anos 90. Mesmo assim, os altos tributos faziam com que cada vez mais
território fosse penhorado ou vendido aos romanos. A partir disso é perfeita
mente compreensível que Mithridates fV, de Ponto, em su a guerra contra Roma,
tenha sido inicialmente saudado como libertador e que su a convocação para
m atar todos os rom anos encontrasse praticantes solícitos. D urante su a pri
meira guerra contra Roma, entre 89-84 a.C., ele aliviou inicialmente o peso
tributário incidente sobre as cidades da Ásia Menor. Após su a derrota arrasado
ra n a Grécia, porém, necessitou de dinheiro para um segundo exército, o qual
foi airrecadado ã força da Ásia Menor. A oposição que se lhe levantou devido ao
fato, ele reprimiu com crueldade. Depois de Methridates ter sido vencido pela
primeira vez por Sulla e ser expulso da Ásia, foram novamente os romanos que,
em contrapartida, infringiram u m pesado castigo às cidades dissidentes. As
cidades deveriam, simultaneamente, fornecer mantimentos às tropas - u m a
solicitação que as levou pela primeira vez à falência. Seguiram -se ainda duas
guerras contra Mithridates, mas que proporcionalmente atingiram pouco a Ásia;
a Bitínia e o Ponto, os reais campos de batalha, sofreram m ais diretamente.
Durante a guerra civil entre Pompeu e César, entre 49-48 a.C., Pompeu reque
reu tanto dinheiro, que o endividamento da província duplicou em dois anos. A
situação se acalmou por pouco tempo sob César, que procurou melhorá-la atra
vés de benefícios e privilégios, o que lhe rendeu extraordinariam ente m uita
gratidão. Tanto é que, num a inscrição em Éfeso, datada de 48 a.C., por exemplo,
ele foi glorificado como “D eus revelado e salvador geral da vida hum ana” (0eòç
ènL(t)avf|ç roC ßiou ouif|p, SIG, Nr. 760). Um agravamento da situação ocorreu ime
diatamente de novo sob os assassin os de César, que haviam se transferido
para o leste. Cassius determinou um a tributação tão alta, que os representan
tes das cidades disseram mais tarde não ter entregado unicamente todo o seu
dinheiro, m as tam bém as joias, os talheres e dem ais utensílios das casas.
Enquanto que Marco Antônio, após a vitória do triunvirato, ainda deu continui
dade ao saque, cobrando os tributos concernentes a nove anos em apenas dois,
com Otaviano (Augusto) veio a derradeira m udança para melhor. Ele se esforçou
pelo bem -estar das cidades, auxiliando-as, inclusive, com privüégios e dinhei
ro. A impressão que isso causou nas cidades da Ásia Menor é testemunhada
enfaticamente por várias inscrições conservadas, que se sobrepujam no louvor
e na glorificação ao imperador. Até o início do ano foi transferido, por decisão
das cidades gregas (provavelmente em 9 a.C.), para 23 de setembro, a data de
aniversário de Augusto. É praticamente impossível dizer com mais clareza que
Cf., além da IPe, também os Atos dos Apóstolos, o Apocalipse de Joao ou a Carta de Plínio.
23
com esse soberano teve início um novo período histórico! Como exemplo pode
ser citada um a inscrição de Halicarnasso (conservada só parcialmente). Apesar
de toda bajulação, inerente a tais inscrições e por trás da qual também segura
mente se esconde um cálculo político, não se pode deixar de perceber que as
palavras aqui u sadas retratam gratidão sincera e veneração honesta, u m a vez
que a própria situação apresentou m elhoras significativas por intermédio do
imperador:
“Considerando que a natureza eterna e imortal do universo presenteou as
pessoas com o sumo bem através de abundantes benefícios, um a vez que
fez surgir César Augusto para ser um a bênção em nossas vidas, o pai de
sua terra natal, a deusa Roma, o Zeus Patroos e salvador de todo o gênero
humano, cuja previdência não só cumpriu as orações de todos, mas ainda
as superou - pois os territórios e o m ar estão em paz, as cidades desenvol
vem-se num estado de direito correto, em concórdia e progresso, todo bem
vem repleto de florescência e fruto, as pessoas estão repletas de boas
esperanças no futuro, cheias de ânimo alegre em relação ao presente
24
último, a que justamente a florescente Ásia no século I depois de
Cristo se transformasse num centro do culto ao imperador"^®, fato que
também na tradição judaica foi assinalado com repulsa (cf. 4Esr 15.46
49). O Apocalipse de João retrata em diversos textos essa polêmica
contra o culto ao imperador (2.13; 13.1ss) e as tensões relacionadas
com o mesmo, incluindo até martírios isolados (cf. 2.13; 6.9s; 17.6).
Mas também a IPe, a despeito de sua solicitação para a submissão às
autoridades estatais“*®, documenta uma rejeição maciça por parte da
população.
“Amados, não estranheis o fogo airdente que surge no meio de vós (...)
como se alguma coisa extraordinária estivesse vos aeontecendo.” Essa
declaração de IPe 4.12 é também notória pelo fato de contestar, em
contraste provocativo ã tentação dos destinatários, que os sofrimentos
“extraordinários” dos crentes fossem algo “(essencialmente) estranho”
aos cristãos. Tal “fogo ardente” seria, antes, a consequência natural da
existência dos cristãos, que justamente são “forasteiros da dispersão”,
como afirmado logo no início da carta e retomado em 2.11, no início da
segunda parte principal, com a dupla predicação de “peregrinos e fo
rasteiros” (cf. adiante, em 1.17). Essa invocação, de certa forma
incomum, expressa a situação há pouco descrita dos cristãos: eles são
marginalizados, marcados, corpos estranhos. Mas, como jã foi dito, essa
invocação também é reveladora de situação. Pois com a referida termi
nologia, a IPe retoma propositalmente uma pequena tradição vetero-
testamentéiria judaica que compreendia a existência de forasteiros, vi
vida pelos patriarcas ou também pelo povo, como o reverso da eleição.“**'
A particularidade da IPe reside, contudo, em primeiro lugar, no fato
de que a carta transforma essa categoria, que na tradição veterotesta-
mentária judaica era antes marginal, no termo-chave para a existên
cia de fé na sociedade. De uma forma absolutamente consequente,
inédita na tradição judaico-cristã, aqui o estigma social transforma-se
num momento decisivo da identidade dos crentes. Já com isso a IPe
desencadeou uma enorme história de interpretação.“*®
25
Deve-se observar atentamente, no entanto, que, diante de várias ex
planações errôneas nessa história interpretativa, no sentido de êxodo
do mundo, a alienação provocada pelo contexto não recebe, na IPe,
seu perfil, em primeiro lugar, da negação do mundo, mas é interpre
tada como o reverso da pertença a Deus, acentuada ao longo de toda
a carta; em 1. Is e 2.4, 9s por meio do motivo da eleição como incorpo
ração ao povo de Deus; em 1.3s, 23 e 2.2s por meio da concepção do
renascimento como renovação escatológica da existência. Isso mos
tra: mesmo que a invocação como “forasteiros” esteja condicionada
pela situação social conflitiva, “a existência dos cristãos como forastei
ros, em sua essência, não é derivada da sua objeção à sociedade“^^, mas
da afinidade para com Deus e da pertença à sua nova comunhão”. Com
isso naturalmente a oposição ao mundo circundante não cessa de
existir, mundo esse cujo estado de morte e de nulidade sempre de
novo ê ressaltado. Salvação significa que os crentes tenham sido cha
mados “das trevas para a sua maravilhosa luz” (2.9). Mesmo assim,
esse antagonismo não é absoluto, no sentido de um dualismo, de
forma que a negação como tal já representasse uma posição. O ser
forasteiro ê, ao contrãrio, somente o reverso da vitória da alienação
de Deus já realizada nos cristãos: assim como a morte de Cristo abriu
o acesso para Deus (3.18), os crentes, diferentes das “ovelhas desgar
radas”, estão convertidos “ao Pastor e Bispo de suas almas” - confor
me a conclusão da segunda confissão cristológica (2.25). Isso explica
por que, na IPe, a autodesignação específica dos cristãos como foras
teiros não leva a um distanciamento sectário da realidade, permitin
do, antes, descobrir um novo acesso ao mundo cincundante.
Curiosamente não é indicado o local em que eles são forasteiros, ou seja, o mundo (mau),
o cosmo ruim, ou semelhante, se bem que a categoria do ser-forasteiro praticamente
requer essa especificação. Isso já se mostra no fato de que muitas traduções se viram
forçadas a acrescentar ainda uma indicação de lugar às declarações petiinas relacionadas
com o ser forasteiro (cf. Bíblia de Jerusalém: “peregrinos e forasteiros neste mundo”; A
Bíblia na Linguagem de Hoje: “estrangeiros de passagem por este mundo”; Nova Versão
Internacional: “estrangeiros e peregrinos no mundo”). Uma lista reveladora nesse sentido,
relacionada a traduções da Biblia para o inglês, encontra-se também em ELLIOTT, J. H.
Um lar p a ra quem não tem casa. Interpretação sociológica da Primeira Carta de Pedro. São
Paulo: Paulinas, 1985. p. 44-46 - provavelm ente como consequência da “p ilgrim ’s
theology”, defendida de forma especiahnente intensa em territórios de fala in^esa; cf.,
p. ex., BARBIERI, L. A. First and Second Peter. Chicago, 2003 (= 1977). p. 34.
’ Cf. sobre isso, FELDM EIER, R. Die Außenseiter als Avantgarde. G esellschaftliche
A u sgren zu n g als m ission a risch e C h ance nach dem 1. P etru sb rief. In: va n den
HORST, P. W. et al. (Eds.). P ers u a s io n a n d D is s u a s io n in E a rly C h ristianity, A n cie n t
Jud a ism , a n d H ellen ism . Leuven, 2003. p. 161-178.
26
invocação de forasteiros, que a IPe compartilha com Hb 11-13®S é seu
clímax escatológico: os cristãos são “forasteiros” porque foram renasci
dos (assim 1.3, 23; 2.2). De acordo com a IPe, isso significa que foram
redimidos do modo de vida futü de seus pais e incorporados em um
novo contexto de vida (cf. 1.18). Por essa razão, eles têm agora um futu
ro que aponta para além®^ deste mundo passageiro. Existência cristã ê
existência nascida de novo (1.3, 23; 2.2), é vida a partir da “esperança
viva”®® e, assim, radicalmente diferenciada da autocompreensão do
mundo circundante; a existência de forasteiros tem como fundamen
to, em última análise, a existência escatológica dos crentes.®"^
27
contrário, a pertença a ele. Isso também é fundamentado cristologi-
camente de diversas formas ao longo de toda a carta. Já 1.11 estabe
lece uma relação entre o sofrimento de Cristo e a glória que o segue.
1.18-21 mostra como os redimidos são colocados numa relação criti
ca com seu contexto de vida presente por causa do sacrifício de Cris
to. Em 2.4-8, a simultânea rejeição por parte das pessoas e a eleição
por parte de Deus representam nada menos que a caracteristica da
“pedra viva”, Cristo (2.4, 6), em cujo discipulado®® os crentes, por sua
vez, se transformam igualmente em tais “pedras vivas” (2.5). E 2.21
25 apresenta o Cristo sofredor, o qual, justamente por ter suportado
os sofrimentos que vicariamente tomou sobre si, deixou aos cristãos
“exemplo para seguirdes os seus passos” (2.21). Por meio dessa acei
tação consciente do ser forasteiro e de suas consequências, a
marginalização social é de tal forma integrada na identidade cristã,
que as experiências que até então tentavam e ameaçavam a fé (cf. 1.6;
4.12) podem transformar-se, agora, até num momento de certeza da
fé. Dessa forma, o conceito de forasteiro, claramente negativo, consi
derando-se seu signifícado original, adquire como expressão de uma
singularidade cristã uma repercussão positiva, sim, elitizada.®^ A IPe
consegue ainda mais com isso: justamente por meio da distinção dos
“forasteiros” em relação ao seu entorno, adequada ã situação, ela pre
tende libertar os cristãos também da fíxação no sofrimento (cf. 4.12ss),
franqueando-lhes com isso, a partir da fé, a liberdade para um com
portamento aberto e responsãvel em meio aos contextos sociais
conflitivos. É para isso que servem as exortações muitas vezes mal
entendidas da IPe. A interpretação que segue mostrará como, atra
vés dessa explicação da situação, os destinatários são capacitados
para uma orientação de vida e de comportamento diferente no trato
com seu entorno hostil e os sofrimentos daí resultantes. Ao lado da
dimensão eclesiológica e escatológica, o discurso sobre o ser foras
teiro na IPe tem, portanto, também uma dimensão ética.
28
ções parenéticas. Coisas já ditas são retomadas com pequenas nuan
ças; nenhum tema é concluído em definitivo e uma progressão con
vincente do pensamento não é reconhecível.®® A isso eorresponde
que, neste escrito, praticamente não se encontram divisões formais.
Os diversos trechos são relacionados por meio de partículas e con
junções; raramente há delimitações claras.®® Apesar dessas dificul
dades, o escrito permite identificar temas centrais, sendo possível uma
subdivisão em duas partes principais. A primeira parte (1 .3 -2 .1 0 ) e a
introdução da carta que eonduz a ela (1.1-2) giram em torno do novo
ser dos cristãos, da sua esperança e da estreita relação entre salva
ção, santidade e santificação. Trata-se da fundamentação teológica
da existência cristã.Correspondentemente, domina uma concei-
tuação que reproduz a salvação iniciada bem como o novo ser e o
novo status dos cristãos daí resultantes.®^ Os temas que dominam nas
outras partes da carta, a situação aflitiva dos crentes e a parênese são
reportados de maneira genérica e fundamental, mas continuam su
bordinados ao tema prineipal e estruturante da esperança e eleição
(sobretudo 1.3-12; 2.4-10).“ 1.3 - 2.10 compreende, dessa forma, a
primeira parte principal, a fundamentação, na qual se trata menos de
um tema inicial, mas se interpreta mais a existência cristã ã luz da
Certos trechos são, por um lado, relativamente autônomos, mas, por outro, parcialmente
conectados entre si, só que de maneira mais solta. É bem verdade que na literatura
sempre de novo se encontram tentativas - significativamente bastante diferenciadas
- de estruturar o conjunto da carta, mas um exame mais atento revela que se trata
unicamente de ordenar detalhes de conteúdo. Em subtrechos, como a interpretação
ainda haverá de mostrar, é perfeitamente possível precisar em que dependência lógica
certas partes se encontram em relação a conteúdos anteriores e posteriores, bem como
determ inar a sua im portância nos diferentes contextos. Em relação ao conjunto do
escrito, no entanto, essa mesma tarefa é bem mais difícil.
59 Cf. sobre isso, FELDMEIER, 1992, p. 134.
5° Cf. Os títulos em pregados para essa prim eira parte: “Base e essência da existência
cristã na sociedade” (GOPPELT, 1978, p. 89); “O fundamento teológico na obra salvífica
de Jesu s Cristo e no batism o” (FRANKEM ÕLLE, H. 1. P e tr u s b r ie f 2. P e tru s b rie f,
Judasbrief. Würzburg, 1987. p. 32).
5' No resumo comparativo que damos a seguir, o primeiro número dã a quantidade de
vezes em que o respectivo term o aparece na já referida prim eira parte da carta,
enquanto que, para efeitos de comparação, o número em parênteses aponta para o
total das vezes em que o termo aparece em toda a IPe: ocoT-ripLa 4 (4); KÀTipovofiía 1 (1);
ilm ç 2 (3); iríoTiç 4 (5), bem como a figura do renascimento 3 (3); lepáieupa 2 (2); Àaóç e
eOvoç para os cristãos como novo povo de Deus 4 (4); ayioç como predicado dos cristãos
5 (5); áYLaopóí; 1 (1); éKA.6KTÓç para os cristãos 2 (2; ainda duas vezes como designação
para o próprio Cristo; como designação para a comunidade cristã é mais um a vez
incluido no h a p a x legom enon ouveKlcKTÓç no final da carta, em 5.13).
“ O fato explica que o sofrimento dos cristãos é referido de forma só breve em 1.6s com
“várias provações” , nas quais a fé se p reserva e apesar das quais os crentes se
alegram. Em termos de importância isso ainda se distingue nitidamente da segunda
parte, que se entretém de form a detalhada com o sofrimento, refletindo-o teologica
mente em relação com o sofrimento de Cristo, assim especialmente em 4.12ss - cf.
2.18-24; 3.13-18. D a m esm a form a, tam bém em 1.13-17 e 2. Is a referência ao
comprom isso com um a conduta de vida decorrente da salvação presenteada é feita
de forma só genérica e fundamental; trata-se aqui, por assim dizer, da relação entre
29
relação com Deus®®, de maneira que se coloca o fundamento teológi
co para as explicações parenéticas e poimênicas que se seguem. Em
outras palavras: trata-se de mudar a perspectiva das pessoas que no
presente estão sendo tentadas recorrendo ã salvação de Deus que, já
agora, se concretiza.®'*
Em IPe 2.11, o autor principia mais uma vez. Com a invocação “ama
dos” («yanTiToí), dirige-se mais uma vez diretamente a seus destinatá
rios e os designa novamente de “forasteiros”, uma expressão com duplo
sentido. Aqui ele também, pela primeira vez, se dirige a eles de forma
pessoal (irapaKaÀu), sinalizando com isso simultaneamente o tema se
guinte, a exortação. Nesta, ele debate amplamente a situação de amea
ças dos cristãos e dã instruções detalhadas sobre a maneira de se
comportar, tanto para grupos isolados quanto para a comunidade em
seu conjunto. É bem verdade que, também nesse trecho, podem ser
encontradas explanações teológicas fundamentais, especialmente nas
passagens hinológicas que exalteim a obra redentora de Cristo (2.21
25; 3.18s). Elas têm aqui, porém, sem exceção, função fundamentadora;
encontram-se, portanto, formalmente subordinadas®®- mesmo que,
consoante ã maneira menos sistemática e mais pastoral, orientada
nos leitores da IPe, elas possam - nutridas por certa dinâmica pró-
indicativo e imperativo, do novo ser em geral, ainda não da própria parênese con
creta, como na segunda parte. Correspondentem ente, aqui âyi-oí; é o term o-chave
decisivo, que aparece nada menos que sete vezes nesse curto trecho (bem como uma
vez áyiaopóç), enquanto que no restante da carta só é atestado mais um a vez como
atributo das mulheres veterotestamentárias (bem como um a vez ayLaieiv).
“ Cf. DELLING, Q. Der Bezug der christlichen Existenz au f das Heilshandeln Gottes
n ach dem ersten Petru sbrief. In: BE TZ, H. D.; SCH O TTR O FF, L. (E ds.). N e u e s
T estam ent u n d ch ristliche Existenz. (FS H. Braun). Tübingen, 1973. p. 109; de forma
s e m elh a n te, C L É V E N O T , M. V e rs u c h e in e r L e k tü re des 1. P e tru s b rie fe s . In:
POLEDNITSCHEK, T. (Ed.). Z u r R ettu n g des Feuers. Münster, 1980. p. 49: “ [...] aqui
[sc. em 1. 1 3 - 2.10] o povo é convocado [...]. A carta propriamente dita ainda não
começou”. Apesar de aspectos isolados interessantes, porém, o ensaio de subdivisão
geral da obra efetuado por Clévenot não consegue convencer.
^ O caráter introdutório e fundam ental desse trecho mostra-se form alm ente também
pelo fato de que todo esse fundamento nada mais é do que a continuação da eulogia
principiada em 1.3, que, apesar de term inar em 1.12, encontra-se ligada ao que
segue por meio do 6ló causai. É só em 2.10 que o trecho chega a um término definitivo,
ao qual corresponde em 2.11 um claro novo inicio, sinalizado pela dupla menção aos
destin atários e pelo em prego da p rim eira pessoa do p lu ral em p rim eira mão. A
passagem colocada entre as partes permite, por sua vez, ser também ainda subdividida
- o que será m ostrado logo a seguir -, faltando, contudo, m arcos divisórios mais
claros; as exposições isoladas de conteúdo são ligadas por meio de conjunções e,
principalm en te, p or in term édio de particíp ios associados (cf., em especial, 1.22;
2.1, 4). Isso é também tipico em outras ocasiões, em que trechos, na concepção do
autor, encontram-se estreitamente ligados e os quais ele costura entre si por meio de
correspondente simultaneidade (cf. para a grande parênese de 2.13 - 3.12 a mesma
form a de conexões em 2.18; 3.1, 7, 9).
Cf. sobre isso, LOHSE, E. Parãnese und Kerygm a im 1. Petrusbrief. Z N W 45, p.
85ss, 1954; TA LB E R T, C. H. O nce again: Th e Plan o f 1 Peter. In: ID EM . (Ed.).
P ersp ectives on F irs t Peter. Macon, 1986. p. 149s.
30
pria - tornar-se independentes em relação ao contexto. IPe 2.11 -
5.11 forma, por essa razão, a segunda parte principal deste escrito.
31
A parte introdutória concentrou-se em ressaltar a relação de Deus
com as pessoas’'^ e suas consequências para a existência dos cren-
tes^^, portanto, a autocompreensão das comunidades cristãs. A segunda
parte principal trata de sua relação para com os de fora, tanto no que
se refere ao lado ativo do comportamento cristão no mundo, quanto ao
lado passivo do sofrimento cristão causado pelo mundo. Corresponden
temente, aqui dominam, por um lado, palavras e campos semânticos
que se referem ã situação aflitiva dos destinatários^"^, e, por outro, a
conceituação da parênese.^® As duas partes principais podem ser
subdivididas da seguinte forma;
32
A composição sugere que a carta aborda os principais temas, de diversos
lados, de modo mais poimênico-pastoral, a fim de tomar compreensíveis
seu consolo e suas orientações. Em primeiro plano não estão o discurso
teológico, o tratado rigoroso e claro de certos temas, mas o esforço em
permitir aos destinatários uma nova orientação na percepção de si pró
prios e de seu mundo, influenciando dessa forma seu comportamento.
“Estmturada” a IPe está unicamente a partir de sua intenção pastoral,
de - numa determinada situação difícil - fundamentar teologicamen
te a forma da existência cristã e exercitá-la pareneticamente.'^® Isso
não significa de forma alguma que o autor deste escrito não tenha tido
um plano, que não haja progressão ao longo da carta. Só que essa não
pode ser comprovada numa disposição formal, mostrando-se antes por
meio do progressivo esclarecimento e da nova qualificação da situa
ção. A IPe é uma oferta de identificação para cristãos oprimidos e ten
tados. Talvez seja justamente esse procedimento pastoral e menos
discursivo, orientado mais num discurso livre, a razão da grande im
portância desta carta para a vida comunitária até hoje.'^’’
Como pode ser depreendido do que foi exposto até agora, a IPe é um
escrito poimênico, no qual, porém, justamente no interesse da práxis,
há uma reflexão original, intensiva e teológica. A interpretação have
rá de comprovar isso em muitos exemplos. Aqui deverão ser esboçadas,
para efeitos de orientação, as linhas-mestras teológicas que caracte
rizam o fundamento na primeira parte principal;
BROX, 1993, p. 37; cf. KÜMMEL, 1983, p. 368ss; UNNIK, W. C. van. Christianity
According to I Peter. E T 68, p. 8 Ís , 1956/57; FURNISH, V. P. Elect Sojourners in
Christ: An Approach to the Th eology o f I Peter. P e rk in s J o u rn a l 28, p. 11, 1975,
entre outros.
Veja abaixo. História da interpretação, p. 50.
33
sentido de uma transformação da existência terrena; uma metáfora
que não se encontra no Antigo Testamento, nem em Jesus ou Paulo,
mas que se dissemina sempre mais intensamente desde o tempo do
principado, seja na religiosidade judaica, seja na pagã, seja, finalmen
te, também depois no cristianismo primitivo Em geral, com essa fi
gura parcialmente drástica, a redenção é interpretada como vitória sobre
as condições de existência colocadas com o primeiro nascimento. De
forma correspondente, a IPe caracteriza sua mensagem salvífica como
resgate do fútil contexto de vida (1.18s) e como superação da transito-
riedade (1.23-25). Aos eleitos é garantida, através da regeneração divi
na, a participação na plenitude de vida divina e indestrutível.^®
34
o renascimento. Esse entrelaçamento dos dois motivos, ambos explici
tamente atribuídos ã misericórdia divina (1.3; 2.10), toma claro que eles
se encontram correlaãonados e se complementam na IPe. Enquanto o
discurso sobre o renascimento coloca o acento na dimensão divina, “ver
tical” da soteriologia como superação da miséria da condido humana por
meio da ação “regeneradora” de Deus no crente, o recurso à temática
veterotestamentária judaica do povo de Deus destaca que os forasteiros
desacreditados e incriminados pela sociedade são membros de uma
comunidade: os que renasceram para uma “viva esperança” são, simul
taneamente, “pedras vivas” na “casa espiritual” de Deus (2.5). Além dis
so, essa comunhão tem suas raízes na antiga aliança e se relaciona com
as promessas proféticas; está, pois, localizada na história da salvação. E,
por fim, os “forasteiros eleitos” recebem com isso também uma forma
social visível e uma tarefa na sociedade, que passa a ser então desenvol
vida na segunda parte principal da carta. Essa moldura é, simultanea
mente, contrária a um mau entendimento da salvação no sentido indi
vidualista, anistórico ou de êxodo do mundo, cuja “transcendência” (li
bertadora!) é tão maciçamente realçada por meio de renascimento e de
teologúmenos correspondentes (“salvação das almas”).
Is 40.6s em 1.24; 40.8s em 1.25; 28.15 em 2.5; 8.14 em 2.8; 43.21 em 2.9; 10.3 em
2.12; 53.9 em 2.22; 53.4,12 em 2.24; 53.5 em 2.24; 53.5 em 2.25; 8.12s em 3.14s;
11.2 em 4.14; cf. adiante as alusões a Is 52.3 em 1.18 e 28.16 em 2.4.
35
guem-se - claramente distaneiados - os Salmos®"^ e os Provérbios.®^ O
último proeedimento é raro, e, dado que também os citados salmos têm
parcialmente características da sabedoria (cf. IPe 3.10-12, em que é
citado o SI 34.13-17), essa escolha de palavras da Escritura revela algo
sobre a tendência da carta, a saber, de tomar plausível a vida a partir
da promessa por meio de uma simultânea descoberta de experiência
de mundo correspondente. É acrescentada ainda uma série de cita
ções e alusões ao Antigo Testamento®®, mereeendo destaque que na
IPe só em 1.16 aparece uma citação direta da Torá (Lv 11.44s; 19.2), de
importância central para o judaísmo da época.
Sl 33.9 em 2.3; 118 [117].22 em 2.7; 34.13-17 em 3.10-12; 22.14 em 5.8; cf. as
alusões ao Sl 118.22 em 2.4; 39.13 em 2.11; 89 [88].51 em 4.14; 55.23 em 5.7.
Pv 10.12 em 4.8; 11.31 em 4.18; 3.34 LXX em 5.5; cf. adiante as alusões a Pv 17.3
em 1.7 ; 31.17 em 1.13; 24.21 em 2.17 e 3.25 em 3.6.
Gn 23.4 em 2.11; 18.12 em 3.6; 7.13ss em 3.20; Êx 24.7s em 1.2; 19.6; 23.22 LXX em
2.9; Lv 11.44s; 19.2 em 1.16; Os 1.6,9; 2.25 em 2.10; Ez 22.25 em 5.8; Jó 1.7 em 5.8.
Dn 4.1 6; 6.26 0 em 1.2; 6.27 0 em 1.23.
lE n 1.2 e 16.3 em IP e 1.12; eventualm ente lE n 9.10; 10.11-15 em IP e 3.19.
Alusões a Sab 1.6 em 2.25; Sab 12.13 em 5.7.
V. acima, bem como FELDMEIER, 1992, p. 39-74, 95-104.
V. abaixo, excurso 7: Renascimento, p. 114.
V. ab aixo, excu rso 2: “In co rru p tív el, sem m ácu la, im a rc e s c ív e l” - R ecepção e
transform ação de predicados divinos metafísicos na IP e, p. 73.
V. abaixo, excurso 4: Alma e salvação das almas na IPe, p. 83, bem como FELDMEIER,
R. Seelenheil. Überlegungen zur Soteriologie und Anthropologie des 1. Petrusbriefes.
In: SCHLOSSER, J. (Ed.). 77re C a th olic E p is tle s a n d th e Tradition. Leuven, 2004. p.
291-306.
V. abaixo. História da interpretação, p. 50.
36
escrito do Novo Testamento que, em proporção considerável, acolheu,
combinando e revisando®® de maneira perfeitamente independente,
as duas correntes traditivas fundamentais do cânon neotestamentá-
rio: a tradição sobre Jesus dos evangelhos®® e a tradição paulina.®'^ A
IPe revela-se, assim, como um escrito que une afirmações e metáfo
ras teológicas inovadoras (como “forasteiros”, “renascimento”, “sal
vação para as almas”, “pedras vivas”, etc.) intensivamente vinculadas
à tradição da Bíblia, do judaísmo incipiente e do cristianismo primiti
vo. Remontar-se à linguagem e ãs tradições conhecidas produz apro
vação e serve como legitimação adicional para o que é dito.
37
§6 “Pedro”, apóstolo de Jesus Cristo (IPe 1.1)
Questões introdutórias
a) Unidade
38
renascimento estivesse fazendo alusão ao batismo, o que de forma al
guma pode ser considerado simplesmente como provado, não se trata
ria do batismo como tal, mas da renovação escatológica da existência
de fé, razão pela qual a suposição de tratar-se de um tipo de alocução
batismal não convence de forma alguma. Quanto à cesura entre 4.11 e
4.12, uma doxologia semelhante também se encontra em outro lugar
dentro de uma carta'°°, sem que lhe marcasse o término. A afirmação
de que na primeira parte só se conta com a possibilidade do sofrimento
contradiz declarações como as de 1.6; 2.12; 3.16 e 4.4, que partem do
pressuposto de que as aflições já estejam ocorrendo no presente. Por
outro lado, as nítidas concordâncias apresentadas pelas duas partes
que supostamente deveriam ser separadas, falam claramente contra
uma tal separação crítico-literária, pois essas, longe de se restringirem
unicamente a temas teológicos como eleição, respectivamente voca
ção, graça ou glória, abrangem também a valorização do sofrimento e
como lidar com ele: tanto aqui como lá discriminações e denúncias do
entorno constituem a razão do sofrimento (2.12; 3.16; 4.4, 14). Esse
sofrimento, porém, ocorre segundo a vontade de Deus (3.17; 4.19; cf.
1.6) e é compreendido como provação a ser superada (1.6; 4.12). Em
razão de sua pertença a Deus, a expectativa em relação aos crentes é
que consigam se alegrar jã em meio ao presente sofrimento (1.6, 8;
4.13); os que sofrem por causa de sua fé serão bem-aventurados (3.14;
4.14; cf. 2.19s). Aos cristãos também é solicitado que revidem as acu
sações de serem malfeitores com bom comportamento (2.12, 15, 19s;
4.15s, 19; cf. 3.10s, 16), e assim, no sofrimento, santifiquem a Cristo e
glorifiquem a Deus (3.15; 4.16). As explanações de 4.12ss inserem-se,
portanto, bem organicamente no contexto dos capítulos precedentes.
As diferenças de intensidade na descrição do sofrimento explicam-se
a partir da intensificação da abordagem desse problema mais para o
final da carta, como já foi dito acima. Não há, portanto, motivo para se
duvidar da unidade da IPe.
b) Forma
Cf. Rm 1.25; 11.36; E f 3.20s. Na IClem , um a tal doxologia aparece, inclusive, num
total de nove vezes (20.12; 32.4; 38.4; 45.7; 50.7; 58.2; 61.3; 64; 65.2). ACHTEMEIER,
1996, p. 292 chama a atenção para o fato de que tal doxologia é empregada bem mais
frequentemente no interior do corpo de um a carta do que em seu final.
39
negação de seu caráter de carta - um “ensaio homilético”*®^ uma
“homilia edificante”^“ , uma “alocução batismal”^“^, inclusive datada
na Semana Santa^®"^, uma “carta circular por ocasião da festa da Pás-
coa”i°5, a ordem de culto para uma celebração batismal da igreja ro
mana^“® ou hipóteses semelhantes.^“ A IPe contém as característi
ca s'essenciais de uma earta, desde o pré-escrito (l.ls ) e a eulogia
(l.Sss) até o final da carta com notícias pessoais, saudações e votos de
paz (5.12-14), devendo ser vista, portanto, formalmente como tal.^°®
Este escrito, entretanto, eomo já sinalizado, em nenhuma parte entra
diretamente na situação individual de uma determinada comunida
de, falando tão-somente de uma forma bem geral de problemas e tare
fas dos cristãos. Ele já tem em vista, portanto, de eerta forma, a “igre
ja”. Também não se fala nada sobre a relação entre remetente e desti
natários. O motivo disso reside no fato de - como jã mostram os dados
relativos aos destinatários - o escrito estar concebido como carta cir
cular, comum também em outros manuseritos da literatura veterotes-
HARNACK, A. v. D ie C h ron ologie d e r a ltk irch lich en L ite ra tu r bis E usebiu s, Bd. 1: D ie
C h ro n o lo g ie d e r L ite ra tu r b is Ire n ä u s . Nebst einleitenden U ntersuchungen. 2. ed.
Leipzig, 1897. p. 451-465.
SOLTAU, W. Die Einheitlichkeit des 1. Petrusbriefes. T h S tK r 78, p. 304-313, 1905.
PERDELW ITZ, 1911, p. 5-28.
DANIELOU, J. Sacram entum Futuri. Études sur les origines de la typologie biblique.
Paris, 1950. p. 141.
STROBEL, F. A. Zum Verständnis von Mt XXV 1-13. N T 2, p. 199-227, 1958.
W INDISCH, H. D ie K a th o lis ch e n B riefe. Dritte, stark um gearbeitete Auflage von H.
Preisker. 3. ed. Tübingen, 1951. p. 156ss.
Demais sugestões são apresentadas em BROX, 1993, p. 20 e FRANKEMÖLLE, 1987,
p. 19; ali também com crítica detalhada a essas determinações de gênero.
Cf. FRANKEMÖLLE, 1987, p. 17s: “Na antiguidade, também no judaísmo, realmente
cada com unicação era form ulada em form a de carta, de modo que não é a carta
privada (como usual na literatura paulina) que fornece o pretenso modelo-padrão,
segundo o qual todas as demais cartas devam ser medidas. Considerando-se o todo,
a proximidade das cartas paulinas (até a Carta aos Romanos) com cartas privadas é
u m a ex ceçã o - d eterm in a d a pelo co n h ecim en to p e s s o a l que P au lo tin h a dos
destinatários. Tipos de carta diferenciados eram consequência de diferentes situações
de comunicação. Uma visão geral sobre as cartas helenistas (para um a exposição
sumária de sua crítica formal e de género, cf. BERGER, K. Hellenistische Gattungen
im Neuen Testam ent. A N R W . Berlin; New York, 1984. v. II/25/2, p. 1326-1363),
bem como judaicas (Jr 29; Bar 6; IM ac 5.10-13; 12.6-12; 2Mac 1.1 - 2.19) mostra
não ter tido a antiguidade conhecimento de regras normativas para sua composição.
Suas form as eram determ in adas p ela variedade do conteú do e pelas in tenções
pragmáticas subjacentes (carta privada, carta comercial, carta política ou filosófica,
etc.). Tam bém a recepção de gêneros e form as m enores (provérbios, exem plos da
natureza e história, agradecimento e louvor aos deuses, entre outros) é normal, sendo
até recomendada em reflexões sobre como se deveria escrever cartas (assim, p. ex.,
em Demétrio, Filostrato, Cícero, Quintiliano). A IP e de forma nenhuma transgride a
p rática antiga quando seu autor reelabora tábuas dom ésticas, hinos e fórm ulas
confessionais, provérbios e exortações padronizadas. Mesmo que nem sempre haja
referências diretas aos destinatários no interior da carta, as tradições foram escolhidas
considerando-se a concreta situação pela qual esses passavam. Nesse sentido, as
diferentes form as linguísticas, prosaicas e poéticas contidas na carta têm relação
direta com os destinatários, devendo ser interpretadas de forma pragmática” .
40
tamentária e judaica^°®, bem como neotestamentáriadi° Reiteradas
vezes foi feita referência a certa proximidade da IPe com as cartas
aos exilados da Babilônia (Jr 29.4-23; 2Bar 78-87).^^^ L. Döring tor
nou essa determinação formal plausivel por meio de uma série de
novas comprovações textuais.“ ^ Em seu estudo, distingue duas tra
dições: enquanto que a primeira, em conexão com Jr 29(36), está re
lacionada com a expressão “Jeremias como autor de cartas”^^^, as
demais compõem-se de cartas administrativas à diáspora.“ "^ A
multiplicidade das comprovações textuais fala em favor da suposição
de que realmente existia, no judaísmo incipiente, um gênero distin
to de “cartas ã diáspora”. Já a menção explícita da “diáspora” no en
dereço torna provável que a IPe, como escrito autoritativo do cristia
nismo primitivo, tenha se orientado conscientemente nessa forma de
cartas à diáspora do judaísmo incipiente. Argumenta em favor disso
eventualmente também a referência à Babilônia como local de envio
(v. abaixo), bem como a proximidade para com a Carta de Tiago. Tanto
em Tg como na IPe manifestam-se figuras apostólicas proeminentes
do cristianismo judaico da Palestina em forma de uma carta circular
episcopal a comunidades locais, que viviam bastante separadas umas
das outras. Essa forma de carta implica possivelmente também um
destaque frente à tradição paulina: enquanto do missionário dos po
vos conheciam-se eartas do gênero de carta privada, associava-se com
o grande apóstolo de Jerusalém antes a forma “oficial” de cartas cir
culares judaicas. Certamente é possível discutir se a IPe realmente
foi enviada como carta ou se somente fez uso de sua forma literária.
41
c) Autor
Apesar da clara identificação do autor, a autoria de Pedro é questio
nada desde o início do século XIX. Os motivos apresentados para o
questionamento são relevantes, mesmo que não de forma tão clara
como se costuma afirmar.
É bem verdade que também outros autores cristãos, como Paulo e Mateus, que de
casa eram bilíngues (resp., trilingues, se adicionarmos o hebraico), frequentemente
citaram a Septuaginta; ao lado disso, no entanto, são constatáveis justamente neles
sem pre de novo passagens em que se reportam com au tonom ia ao texto bíblico
hebraico. Surpreendentemente isso falta por completo na IPe, mesmo que seu autor,
caso tivesse sido Pedro, deveria ter tido o aramaico como língua materna, sendo-
lhe. portanto, mais facilm ente atribuível o recurso ao Antigo Testam ento hebraico
do que ao bilíngue Paulo.
Cf. HUNZINGER, C.-H. Babylon als Deckname fü r Rom und die Datierung des 1.
P etru s b riefes. In; G RAF R E V E N TLO W , H. (Ed.). G o tte s W o rt u n d G o tte s L a n d .
Göttingen, 1965. p. 71.
Sobre a estadia de Pedro em Roma e a sua provável morte em conexão com a perseguição
de N ero, cf. A LA N D , K. D er T od des P etru s in Rom . B em erk u n gen zu sein er
Bestreitung durch Karl Heussi. In: IDEM. K irchengeschichtliche Entw ürfe. Alte Kirche.
Reformation und Luthertum. Pietismus und Erweckungsbewegung. Gütersloh, 1960.
p. 35-104; LIETZMANN, H. Petrus röm ischer Märtyrer. In: IDEM. K le in e S ch rifte n
1. Studien zur spätantiken Religionsgeschichte. Berlin, 1958. p. 100-123.
GOPPELT, 1978, p. 29; ali também com fundamentação mais detalhada; de form a
semelhante, GUNKEL, H. D e r erste B r ie f des Petrus. 3. ed. Göttingen, 1917. p. 248
292; BROX, 1993, p. 27.
42
6. Caso 4.12ss se refira a medidas tomadas por autoridades legalmente consti
tuídas contra os cristãos, que ocorriam pela simples razão de su a pertença ao
cristianismo"®, isso dificilmente seria concebível antes da perseguição desen
cadeada contra os cristãos por Nero, u m a vez que também a distinção entre
esses e os judeus tornou-se gradativamente consciente aos de fora somente a
partir dessa épocad^®
Ao lado dessas principais objeções, há ainda um a série de outros indícios que
sugerem não ser o apóstolo Pedro o autor da carta. É notório que o escrito não
deixa transparecer nada da estreita relação do seu autor com Jesus^^h conheci
da a partir dos evangelhos'^^. Em seu escrito, o autor acolhe diversas tradições
da igreja influenciada pelo helenismo'^^, o que tom a provável que aqui não está
falando u m a pessoa ligada aos primórdios do cristianismo.'^'* Isso é especial
mente válido pelo fato de IPe retratar um a tradição paulina (v. acima), o que
igualmente fala antes contra um a autoria petrina.'^^ Fato é que também nada
sabemos sobre um a relação do apóstolo Pedro com as comunidades destinatá
rias da IPe. Questionável é, além disso - especialmente depois das controvér
sias na G alácia - , se Pedro pode dirigir-se autoritativamente a com unidades
que estejam na esfera missionária de Paulo, e sem fazer a mínima referência a
ele.'^® O fato parece apontar mais p ara um tempo posterior, quando Pedro se
tornou a autoridade apostólica por excelência (Mt 16.18s).
Digno de nota nesse contexto é também a falta completa dos problemas envol
vendo cristãos ju deu s e gentíhcos, que, p. ex., encontram-se em evidência na
Carta aos Gálatas. Aliás, as perguntas sobre a lei e a missão dos gentios, ambas
Cf. Plin, Ep X,96,2, que pondera a ação contra os cristãos unicamente com base no
nom en ipsum : v. acima, p. 2, nota 8 (edição alemã).
Cf. GOPPELT, 1978, p. 62.
IP e 5.1 provavelmente não esteja pensando em testemunho ocular (mesmo porque
o Pedro histórico dificilm en te teria podido designar-se com o testem unha ocular
dos sofrim entos de Jesus). A referência a tal testem unho ocular não teria sentido
nesse contexto. Diferente é o caso se o autor tem participação nos sofrimentos de
Cristo em form a de sofrimentos vividos pessoalm ente como “testem unha de ação”,
em favor do que também já fala a seleção de palavras (cf. o Koivwváç em 5.1 com o
K01VCÜVÛV de 4.13). Só assim também permanece “ [...] a correspondência soteriológica
claram ente pretendida entre sofrimento e glória (cf. 4.13s); além disso, o autor só
se encontra autorizado a emitir suas ‘exortações’ na situação de perseguição nesse
caso, por não ser mero expectador, mas um próprio “participante’ na necessidade do
sofrim ento” . (BROX, 1993, p. 229).
Segundo BROX, 1993, p. 45, a IP e é “[...] de tal forma verdadeira em relação a toda
a originalidade nesse tocante, que isso pesa como argumento” .
G O PPE LT, 1978, p. 67; BROX, 1993, p. 45: “A ca rta não dem on stra nenhum
conhecim ento prim ário por parte do autor a p artir de seu testem unho histórico,
mas sua dependência de diversas tradições eclesiásticas [...]” .
Isso vale especialmente em relação aos ditos de Jesus, que o autor toma da tradição,
cf. BROX, 1978 (T ra d ition ).
Cf. BROX, 1993, p. 46: “[...] de acordo com as informações que podem ser depreendidas
de G1 2 e dos Atos dos Apóstolos, não pode ser admitido que Pedro tenha pensado
e falado de forma tão paulina como o faz a IP e ” . Brox aponta, nesse contexto, para
o fato de que, quanto a isso, não se pode cavar um a vala funda entre Pedro e Paulo,
de m aneira que se precisasse declarar como impossível um a eventual aproximação
de Pedro ã teologia paulina. Cham a a atenção, contudo, que justam ente as idéias
teológicas paulinas do conflito entre Pedro e Paulo não estejam presentes na IPe,
oferecendo ela, portanto, “um a tradição paulina sem o referido conflito” (ibidem). De
resto, isso corresponde ao estágio de desenvolvim ento das deuteropaulinas.
' Compare-se isso com a m aneira como Paulo escreve a um a comunidade que lhe é
estranha (sobretudo Rm 15.14ss).
43
pontos nevrálgicos nos tempos fundantes do cristianismo, aparentam não ter
(mais) importância aqui. Tradições judaicas, especialmente o pensamento sobre
o povo de Deus, central n a IPe, são também transferidas surpreendentemente
sem questionamentos a comunidades cristãs compostas em bom número por
cristãos gentílicos, sem que isso ainda seja fundamentado especificamente (cf. o
contrário em E f 2.11ss).^^'^ Esse fato aponta mais para um a composição após 70,
em que especialmente a autoridade do cristianismo judaico palestino havia sido
quebrada. A admoestação de IPe 5.2 para que não se aceite cargos de direção por
motivo de “sórdida ganância” impüca pagamento pelo exercido de cargos, o que
igualmente sugere um estágio posterior de ordem eclesiástica.^^® Além disso, as
comunidades interpeladas na IPe mostram um estágio de desenvolvimento que
aponta para um tempo posterior ainda por outras razões. Faltam, p. ex., também
problemas específicos de novas comunidades emergentes, como encontradas nas
cartas paulinas; em certo sentido, os interpelados já se tomaram “igreja”. Da
mesma forma, as referências à constituição da comunidade ainda apresentam,
como única carta depois de Paulo (com exceção de Atos dos Apóstolos, que, no
entanto, faz isso em retrospectiva), u m a recordação dos antigos ministérios
carismáticos (4.1 Os), que, porém, já se apresenta sobreposta por u m a antiga for
ma de constituição presbiterial (5.1-5).*®° Também em relação às autoridades es
tatais, IPe 2.13ss aproxim a-se claramente de Rm IS .ls s , em bora formule de
forma essencialmente mais comedida o que escreve sobre a dignidade religiosa
das autoridades.*®* Por outro lado, cham a a atenção também o caráter catequético
do escrito, sua rotina pastoral. “Que Pedro, como pessoa da primeira geração e na
situação das primeiras experiências eclesiais, tivesse redigido um a carta circular
formal no tocante à maneira e ao conteúdo, n a qual é tematizada ‘a ’ situação do
ser cristão como tal (não a situação momentânea de um a igreja concreta, como
nas cartas paulinas) é, pelo menos, altamente improvável.”*®^ Como argumento
adicional ainda pode ser mencionada, finalmente, a conceituação usada, bastan
te influenciada pelo pensamento helenista. *®®
Como já foi dito, nenhum desses argumentos é, por si só, de tal maneira deci
sivo como geralmente se admite. No tocante á situação dos cristãos. Tácito (An
XV,44,2) testemunha, pelo menos sobre Roma, que ali existia, jã durante a vida
de Pedro, u m a comunidade relativamente numerosa*®"* e u m a correspondente
rejeição maciça da comunidade cristã por parte da população (v. acima). Mais
cedo ainda, ITs 2.14 pressupõe o sofrimento infringido pelos próprios com pa
triotas como um fenómeno já altamente difundido. O dominio muito bom de
u m a língua estrangeira - também sem a possibilidade de um a formação especial
- é surpreendente, m as não tão impossível como se gosta de afirmar*®®, u m a vez
44
que igualmente deve ser levado em consideração'^® o uso simultâneo de duas
línguas n a Palestina'^'" durante esse período. O emprego exclusivo da Septuaginta
podería representar u m a consideração para com as tradições dos seus destina
tários. Fenômeno semelhante permite ser constatado também em Paulo, que
provavelmente teve su a formação em Jerusalém'^®, conhecendo assim possivel
mente o hebraico. O argum ento com a Babilônia pressupõe que esse termo
realmente se refira a Roma, e não que se esteja somente fazendo referência a
um símbolo do exílio (aliás, perfeitamente adequado à temática da terra estra
nha).'®® E mesmo que o significado seja Roma e sua identificação com a Babilônia
esteja atestada só após 70, esse argumentam e silentio não pode excluir com
certeza (tendo em vista os muitos escritos perdidos) que essa tradição não seja
ainda mais antiga, haja vista que já no livro de Daniel o conflito com o Império
Selêucida foi revestido da roupagem histórica de um conflito com a Babilônia.
U m a dificuldade a mais representa o fato de que, em contraposição ãs cartas de
Paulo, não possuímos nenhum escrito que seja absolutamente certo de Pedro
com o qual pudéssemos realizar comparações. Algumas perguntas também per
manecem abertas, como; qual a razão de ser mencionado justamente o colabo
rad or de Paulo, Silvano? O u: como se deve im aginar a difusão do escrito
pseudepígrafo justamente dentro da área para qual é endereçado?'''®
45
tenção por trás dessa indicação de autoria, especialmente ligada com
a menção de Silas, o acompanhante de Paulo. Uma resposta clássica
constitui a assim chamada hipótese de secretário, segundo a qual
Silvano teria redigido a carta por solicitação de P e d r o . D e s s a ma
neira seria mais fácü explicar a proximidade com a tradição paulina.
Isso pressupõe, obvisimente, que a origem seja numa época em que
Pedro estava vivo e, pelo menos, uma autenticidade indireta da carta,
o que, como já mostrado, é antes improvável. Outra possibilidade de
interpretação da expressão Ypá(j)eLv ôiá tlvoç, também amplamente ates
tada, seria a referência ao portador da carta. Também não se deve
ria descartar por completo a possibilidade de discipulos de Pedro te
rem, após a sua morte, trabalhado dentro de uma linha de ação que
lhe fosse característica. A notícia (controvertida, é verdade) de Papias,
fornecida por Eusébio (HistEccl 111,39,15), descreve Marcos, ao qual
parece se referir IPe 5.13, como tradutor de Pedro, e uma possível
relação entre essas duas figuras do cristianismo primitivo não é tão
enganosa como várias vezes se afirmou (v. abaixo em 5.13). De qual
quer forma, a difundida suposição de que as referências a Marcos e
Süvano não teriam nenhum apoio numa realidade histórica não pas
sa de mera afirmação. É de se avaliar seriamente se aqui tradições -
eventualmente transmitidas por antigos colaboradores de Pedro - não
desempenharam um papeP“^^, mesmo que não se possa provã-lo. O
motivo para uma coletânea de “tradições” apostólicas podería residir
numa reação ã coletânea das cartas paulinas.^"^"^ Essa tendência con
tinua na coletânea das “cartas católicas”, que se apresenta como gran
deza própria ao lado dos evangelhos e do Corpus Paulinum.
d) Data de composição
ZAHN, Th. E in le itu n g in das N e u e Testa m en t. 3. ed. Leipzig, 1924. Bd. 2, p. 16s;
RAD ERM ACH ER, L. Der erste P etru sb rief und Silvanus. M it einem Nachw ort in
eigener Sache. Z N W 25, p. 293, 1926.
“*2 Cf. KÜMMEL, 1983, p. 374; BROX, 1993, p. 242s.
Cf. G O PPE LT, 1978, p. 348, que aven ta a p ossib ilid ad e de “represen tan tes da
com unidade de Rom a estarem repassando, por interm édio da carta, um a tradição
influenciada por Pedro e Silvano”. C f também ACHTEMEIER, 1996, p. 42; BORING,
M. E. The fir s t E p is tle o f Peter. Michigan, 1990. p. 25-30.
Essa sugestão advém de um a conversação mantida com Martin Hengel.
46
zões já aludidas acima. No que se refere ao terminus ad quem, já o
testemunho da IPe na Carta de Policarpo (por volta de 120) indica que
a IPe dificilmente teria sido escrita após o término do século 1. Na
mesma direção aponta também o emprego da IPe por Papias^"^®, bem
como pela 2Pe, que já pressupõe a IPe como escrito autoritativo (2Pe
3.1). Além disso, a IPe ainda conhece, como único escrito pós-paulino,
a constituição carismática da comunidade (4.10s; cf. Rm 12.6ss), mes
mo que essa já esteja claramente sobreposta por uma forma primitiva
de constituição presbiterial. Considerando que Inácio, por volta de 110,
na Ásia Menor, já defende o episcopado monárquico, pelo menos como
a constituição comunitária mais apropriada^"^^, a IPe, que mostra um
estágio de desenvolvimento da constituição comunitária claramente
anterior, deveria ter surgido antes da virada do século. Para uma
datação mais precisa não existem indícios, se bem que a falta de uma
referência a martírios, como no caso do Apocalipse de João, igualmen
te dirigido à Ásia Menor (cf. Ap 6.9; 17.5s), indique antes para o período
inicial de Domiciano (entre 81 e 90).
e) Local de redação
Isso vale, em especial, por causa da identificação entre Rom a e B abilônia e fala
contra GOPPELT, 1978, p. 64s, que sugere os anos 55-80 como data de composição.
Segundo Eus, H istEccl 111,39,15.
Jã nas cartas pastorais destacam -se ativos presbíteros como E p is co p o i a partir do
presbitério (IT m 3.1s; Tt 1.5-9). IC lem 54.2; 57.1 pressupõe condições semelhantes
às das cartas pastorais em Roma; quanto à posição da IP e na história dos ofícios
eclesiásticos, cf. GOPPELT, 1978, p. 64s.
'‘'® Argumento a favor disso também poderia ser a relação aparentemente não-problemãtica
com as autoridades (IP e 2.13-17), que parece apontar para o tem po anterior aos
ú ltim os anos do rein ado de D om iciano. Na época, sobrevieram p ersegu ições a
diversos grupos, que também podem ter atingido os cristãos (assim, p. ex., GOPPELT,
1978, p. 63), mesmo que, em relação a esses últimos, não tenhamos dados claros
referentes a um a perseguição em maior escala durante o tempo de Domiciano.
Cf. Ap 14.8; 16.19; 17.5; 18.2, 10, 21.
Sobretudo na literatura apocalíptica, como em 4Ed e no apocalipse siríaco de Baruque;
outras evidências em HUNZIGER, 1965, p. 71ss.
47
Com isso combina que, desde o término do século I, segundo tradição
eclesiástica unânime (IClem 5.3s; IgnRm 4.3), Pedro é colocado em
relação com Roma. A outra possibilidade seria de ver na alusão ã Babi
lônia, no final da carta, uma correspondência com a diáspora referida
em 1.1. “Babilônia” como local do exílio seria, assim, símbolo para a
existência do povo de Deus (cf. 2.9s) em terra estranha e na disper
são. Um argumento em favor disso seria que essa situação de diáspora
em 5.13 - como também em l . l s - encontra-se ligada com o pensa
mento de eleição e, dessa forma, com a tradição do povo de Deus.
Isso conjetura, p. ex., K. Berger com referência à “tradição ju d aica das cartas da
diáspora, especialmente testificada nos profetas Jeremias e Baruque” ; ali Babilônia
“não é avaliada negativam ente como em escritos apocalipticos, sendo em pregada
antes para designar - como nas cartas de Jeremias e Baruque - o que se pensava
ser o centro da diáspora” (BERGER, 1984, p. 366). De forma semelhante, os escritos
de Q um rã aparentam em pregar D am asco com o sím bolo para sua existên cia de
forasteiros (cf. MAIER, J. D ie Texte vom Toten M eer. München; Basel, 1960. Bd. 2;
Anm erkungen, p. 49s; GASTER, Th. W. T h e D e a d S ea S crip tu re s . 3. ed. Garden
City, 1976. p. 5). Também HERZER (1998, p. 264-266) problematiza a identificação
de Babilônia com Roma, querendo identificar naquela, pelo menos preferencialmente,
um simbolo para a situação de diáspora, caracteristica da carta.
O m artirio de Pedro geraim ente costum a ser deduzido já de dados in diretos de
IC lem 5.3s e IgnRm 4.3; claramente atestado ele se encontra sõ a partir da segunda
metade do século II (cf. GOPPELT, 1978, p. 33s).
Cf. Sobre isso LONA, H. E. D e r erste Clem ensbrief. Göttingen, 1998. p. 56 e as listas
em ELLIOT, J. H. 1 Peter. A New Translation with Introduction and Commentary.
New York, 2000. p. 138-148.
48
conceitos raros, também com o Pastor de Hermas*®“*) e o fato de os mais
íntimos contatos entre a IPe e a tradição paulina recaírem sobre a Car
ta aos Romanos. De qualquer maneira, se a localização (também) se
referir a Roma, a IPe seria o primeiro escrito do cristianismo primitivo
que - de maneira fictícia ou real - teria agora tomado o caminho em
direção contrária daquele trilhado pelo cristianismo: do oriente para o
ocidente^®®, também assumido pela missão e pela primeira literatura
cristã primitiva (cf. a Carta aos Romanos). Não se deveria, entretanto,
tirar desse fato conclusões inadequadas em relação a uma posição de
destaque da comunidade romana.
f) Destinatários
49
Primeira Carta de João e da Primeira Carta de Pedro”. Com esse
endereçamento também combina a situação dos destinatãrios, pres
suposta na carta, como caracterizada essencialmente por sofrimento,
o que, como jã foi mostrado, era especialmente grave na Ásia Menor
no período inicial.^®®
§ 7 História da interpretação
50
catológica dos crentes. Marcantes foram também as metáforas ca
racterísticas da IPe, a exemplo dos crentes como as “pedras vivas”,
de Cristo como o “supremo Pastor” ou de Satã como um “leão que
ruge” quando vai ã caça.
51
INTERPRETAÇÃO
I - Pré-escrito
Os destinatários como forasteiros e povo de Deus (1.1-2)
53
eeuwen van het Christendom. In: BEEKENKAMP, W. H. (Ed.). Ecclesia. Eien bundel
opstellen. (FS J. N. B. van den Brink). Nijhoff, 1959. p. 33-45; W ALSER, G.
Flüchtlinge und Exil im klassischen Altertum, vor allem in griechischer Zeit. In:
MERCIER, A. (Ed.). Der Flüchtling in der Weltgeschichte. Ein ungelöstes Problem
der Menschheit. Bern, 1974. p. 67-93; W O LFF, Ch. Christ u n d W elt im 1.
Petrushrief. TTiLZ 100, p. 333-342, 1975.
Principalmente nas cartas pauünas, mas também em outras cartas cristãs primitivas,
como 2Pe, 2Jo, Jd, Ap, IC lem , Pol e MartPol.
24 de 32 palavras; a impressão de linguagem comprimida fica ainda mais acentuada
devido à falta de um a série de artigos.
Ki^ctíâç, aram. NS’ : : rocha, pedra. A forma aramaica é empregada só ainda por Paulo (e
um a vez por João, Jo 1.42); os evangelhos sinóticos só em pregam a form a grega
nérpoç.
E xceções são Fp e IT s e 2Ts (indicação de rem eten te acom pan hada de outras
pessoas que não são apóstolos).
Cf. RENGSTORF, 1957, p. 432.
Nesse sentido, também Lucas, em Atos dos Apóstolos, limita o conceito de apóstolo
estritamente aos doze e não designa Patáo de apóstolo (salvo um a vez em At 14.4,14
— fonte pré-lucana?). A tentativa de derivar o grupo dos doze das experiências pascais
é discutida por THEISSEN; MERZ, 1997, p. 200s e rejeitada com bons eirgumentos.
54
de ser c o n t r o v e r t i d o . N ã o é m ais possivel esclarecer ao certo quem exata
mente recebeu esse título no cristianismo primitivo. Além dos “doze”, são dire
tamente denominados como apóstolos ainda Tiago, o irmão do Senhor (IC o 15.7;
G1 1.19), B am abé (IC o 9.6; G1 2.9), bem como Andrônico e Júnia (Rrn 16.7).^®°
Isso j á mostra que o grupo era maior do que o círculo dos doze.
Cf. IC o 9.2; é por essa razão que Paulo sempre teve que lutar pelo reconhecimento
do seu apostolado (de forma mais clara em 2Co).
Sobre Jú nia como m ulher e, de m odo geral, sobre os testem unhos em relação a
m ulheres apóstolas, v. agora EISEN, 1996, p. 50-64.
Cf., em especial, sua confissão de Jesus como Messias em Mc 8.29 e a disputa com
Jesus que se seguiu logo após, em 8.32s; também Mc 9.5; 10.28; 11.21; 14.29, 54,
66-72. Seu fracasso é então tam bém destacado por Jesus (cf. Mc 14.30, 37). Os
evangelhos sinóticos paralelos acentuam essa função de realce por meio de cenas
nas quais Pedro aparece como ator independente (cf. M t 14,28-31; Lc 5.1-11; Jo
21.15-19); cf. FELDMEIER, 1983.
Além de Mc 1.17par., cf. ainda Mt 16.17-19; Lc 22.31s; Jo 21.15-17; cf. sobre isso,
BÕTTRICH, 2001, p. 91-96.
At 8.14ss; 9.32SS.
A estadia de Pedro em Antioquia está testemunhada por G1 2.11-14; IC o 9.5 atesta
as viagens de Pedro; IC o 1.12 podería sugerir um a missão em Corínto (cf. sobre
isso, BÕTTRICH, 2001, p. 189ss).
55
como se defina a autoria da IPe - para o seu ouvinte/leitor, a referida
notificação remete a autoria a Pedro, discípulo de Jesus e apóstolo.
Eles ouvem aqui a voz de uma figura normativa do cristianismo pri
mitivo. Isso deve ser considerado na leitura.
Cf. Dt 28.25; 30.4; Ne 1.9; Jud 5.19; Is 49.6; Jr 13.14 v.l.; 15.17; 2Mac 1.27; cf.
van UNNIK, 1993, esp. p. 69-88.
186
G OPPELT, 1978, p. 28s.
187
SELWYN, 1950, p. 199.
188
SCHRÄGE, 1971, p. 63.
A indicação da herança dos cristãos no céu em 1,4 já deixa claro que a existência
como forasteiro é experim entada concretam ente na sociedade, em bora resida, em
últim a análise, num a diferença entre os crentes e a presente form a do mundo.
V. Introdução, p. 41ss.
56
Os destinatários são invocados como “forasteiros eleitos”. Nessa du
pla expressão está contido o tema central da carta: existência cristã
entre separação por Deus e exclusão pela sociedade. A última é des
tacada pelo emprego do termo relativamente raro napeiríôTuroç, caracte
rístico para uma pessoa que permanece (geralmente por pouco tem
po) em determinado lugar em que não mora nem pretende estabele-
cer-se du ra do u ra m en te .E ss a autodesignação de “forasteiro”, po
rém, acolhe simultaneamente uma limitada tradição veterotestamen-
tãria e do judaísmo incipiente, que entendia a distância, e assim o
conflito com o mundo circundante, como consequência da eleição
por Deus e da pertença ao seu povo.
57
da história salvífica e interpretando-as também teologicamente. Essa
referência da invocação à tradição do povo de Deus ainda é intensifi
cada por meio do atributo êKÀeKTÓç, “eleito”, que, como predicado dos
destinatários, se encontra só na IPe no início de uma carta, sendo
central justamente na primeira parte do escrito.
58
A t r a d u ç ã o a b r a n d a d a d o te rm o irpÓYucoaLç p o r “p r o p ó s it o ”^®® n ã o fa z
j u s à im p o r t â n c ia t e o ló g ic a d a e x p r e s s ã o .
Isso também é confirmado por outros empregos desse termo relativamente raro.
Com D eus como sujeito, o verbo não se encontra nenhum a vez n a LXX, e só
três vezes no Novo Testamento, das quais duas vezes em Romanos (Rm 8.29 e
11.2) e a outra em nossa passagem de IPe 1.2. Resultado semelhante oferece o
substantivo TrpóyvcüOK;. Ele é empregado só duas vezes pela LXX no livro grego de
Judite, significando ali a predestinação divina do futuro.'®® No Novo Testamen
to ele é empregado mais u m a vez pelo Pedro dos Atos dos Apóstolos n a sua
pregação de Pentecostes (At 2.23). Ali - como hendíade com o termo paralelo do
“determinado desígnio” - ele tom a claro que a morte de Jesus correspondeu a
um plano divino. E ssa conceituação pode, portanto, ser encontrada só a partir
dos séculos II e I antes de Cristo em escritos gregos do judaísm o incipiente
como designação da predeterminação divina; o cristianismo primitivo assum e
essa terminologia. Trata-se, provavelmente, da transformação judaico-cristã da
concepção (originalmente estoica)^"® de direcionamento do mundo por meio da
presciência (em grego: TrpóvoLa / em latim: prouidentia), disseminada no mundo
helenístico, a qual se tornara (de novo) atual justam ente n a época neotesta-
mentária, sendo proporcionalmente de grande importância não só n a doutrina
estoica imperial e no platonismo médio^®', m as também no judaísm o helenístico
da época^®^, embora não se encontre no Novo Testamento.^®® Isso com certeza
tem a ver com o fato de, por um lado, serem evitados em todos os escritos
bíblicos os termos clãssicos referentes ao destino^®'', bem como a ideia da pres
ciência, de importância tanto n a religiosidade antiga quanto na moderna®®®, mas,
por outro, de haver progressiva necessidade de sistematização teológica em
con exão com a in c u ltu ra ç ã o n a c u ltu r a h elen ística. N e sse p ro c e sso , o
TTpoYiY''“ OKe'-r’ p assa a ocupar o lugar do irpovoeív, provavelmente como alusão
consciente à concepção veterotestamentária do “reconhecimento” de D eus como
59
a aceitação voluntária e a eleição do seu parceiro de diálogo^“®. De m aneira
correspondente, o em prego neotestam entário do conceito (do substantivo^
irpóyycoaiç em At 2.23 e IPe 1.2, bem como do verbo irpoYiycóoKeLv em Rm 8.29; 11.2'
e IPe 1.20) trata não do postulado filosófico de um direcionamento divino do
mundo (irpóvom), acessivel à razão (voOç), m as da convicção teológica de que a
eleição e a redenção ocorridas, por assim dizer, só recentemente, correspdmdem
a um plano salvífico divino consistente, que já era determinante nas profecias
do Antigo Testamento (IP e l.lO s ), sim, que j á estava determinado antes da
criação (IP e 1.20).
60
a santidade como predicado de Deus (1.15), resp. de seu Espirito (1.12),
tais afirmações sempre são feitas unicamente em contextos
soteriológicos, ou seja, têm como meta a santidade da comunidade,
resultante da relação para com esse Deus santo (sobretudo 1.15s; cf.
também 2.5, 9; 3.5). O genitivo irveúiraroç deve ser interpretado corres
pondentemente como genitivas auctoris (v. acima), sendo o Espírito o
sujeito lógico da e x p r e s s ã o . C o m o tal, ele designa o poder que toma
conta das pessoas e as une a Deus, de forma que elas próprias se
tornam santas na qualidade de propriedade de Deus.
ELLIOT, 2000, p. 307, 318 traduz correspondentemente por “th rou gh the sa n ctifyin g
action o f th e S p irit” [através da ação santificadora do Espírito].
211
W INDISCH, 1951, p. 52.
212
Já que no v. 2 se encontra um a fórm ula triádica e a “obediência” parece não se
encaixar direito nela, sem pre de novo é discutido se o genitivo I tiooú XpioToO se
rep orta não u n icam en te à aspersão p o r m eio do sangue, mas tam bém a essa
o b ed iên cia . M as tod as as te n ta tiv a s de in te rp re ta ç ã o n essa d ireçã o veem -se
confrontadas com a dificuldade que, nesse caso, IrjooO XpLoroO teria que ser genitivas
objectivas em relação a ímaKoíí, enquanto que em relação ao sangue ele só pode ser
entendido como genitivas subjectivas. Não convincente é também a tentativa de uma
interpretação causai do eiç. A pergunta em que medida existe no Novo Testamento e
em outros escritos da época um elç causai foi objeto de controvérsia entre MANTEY,
J. R. (The Causai Use o f Eis in the New Testament. JB L 70, p. 45-48, 1951; IDEM.
On Causal Eis Again. JB L 70, p. 309-311, 1951) e MARCUS, R. (On Causal Eis. JB L
70, p. 129s, 1951; IDEM . Th e E lu sive C au sal Eis. J B L 71, p. 43s, 1952). Em
61
a salvação inaugurada pela morte de Cristo e o compromisso que dela
advém para uma nova conduta de vida. Isso é ainda explicado
detalhamente em 1.13 - 2.3, na primeira parte principal, sob recep
ção da mesma terminologia^ sendo que também as demais partes
da carta se reportam reiteradamente a ela.
verdade, nessa discussão IP e 1.2 ainda não havia sido entendido de form a causai.
A tentativa de AGNEW, F. H. (1 Peter 1:2. An Alternative Translation. C B Q 45, p.
68-73, 1983) de justificar também aqui um a interpretação causai devido à aparente
im portância da obediência de Jesus na IP e (cf. tam bém ELLIOTT, 2000, p. 319),
não convence. Na IP e não é falado sobre a obediência de Jesus, mas com relativa
frequência sobre a obediência dos crentes (1.14, 22; cf. 3.6); Agnew tam bém se
expressa de form a bastante velada sobre a “atitude obediente de Jesus” (ibidem, p.
72). Essa é a razão pela qual damos preferência aqui á interpretação da obediência
como sendo a que os eleitos prestam a Deus, por ser fllologicamente a mais provável.
Ela corresponde tanto ao sentido da tradição de Êx 24.7s aqui acolhida, em que
claramente se trata da obediência do povo às orientações de Deus, quanto também à
intenção da IP e de unir intimamente a promessa da salvação e a reivindicação dela
decorrente.
O temo ÚTOKoií é retomado no início e mais para o final (1.14, 22) das explanações (na
IP e ele não reaparece e no NT é empregado num total de 15 vezes). Entre os dois
encontra-se um trecho cristológico, redigido em prosa rítmica, que exalta a redenção
como resgate pelo aí|j,a XpioToü; cf. também a designação dos crentes como “filhos da
obediência” em 1.14 (cf. também em 1.22).
A mesma fórmula acha-se em 2Pe 1.2; semelhante em Jd 2. A unção de graça com paz
encontra-se ao final de todas as cartas autênticas e inautênticas de Paulo: cf. Rm
1.7; IC o 1.3s; 2Co 1.2; G1 1.3; E f 1.2; Fp 1.2; Cl 1.2; IT s l . l s ; 2Ts 1.2; IT m 1.2;
2Tm 1.2; Tt 1.4; Fm 1.3. Uma vez, porém, que essa fórmula não aparece em nenhum
lugar da literatura grega independente de Paulo, o seu emprego em IP e 1.2 é “an
indication o f direct influence from the Pauline letters” [uma indicação da influência
direta das cartas pauhnas] (BORING, M. E. 1 Peter. Nashville, 1999. p. 51).
Dn 4.1 9; Dn 6.25 9, bem como Dn 4.37c LXX; cf. também Dn 3.31 TM; 6.26 TM;
tSan 11,6.
V. supra. Introdução, p. 15ss.
62
II - A razao da existência como forasteiros (1.3-2.10)
O renascimento e o povo de Deus
1.3 - 2.10 forma a primeira parte principal da IPe. Como já foi mostra
do na introdução (p. 28s), aqui é apresentado de forma fundamental o
que vem a ser o outro lado positivo da existência dos cristãos como
forasteiros. Nesse processo, dois motivos - um histórico-salviíico-
eclesiológico e outro escatológico - são entrelaçados e relacionados
complementarmente: a pertença ao povo de Deus, tão maciçamente
destacada em l.ls, é retomada mais uma vez em 2.4-10 e melhor
desenvolvida. Isso compõe a moldura do bloco 1.3 - 2.3, a explicação
da renovação da vida ao final dos tempos por meio da metáfora do
renascimento.
63
ção de suas vidas: eles foram “regenerados para uma viva esperança”
(1.3). A partir dessa perspectiva da esperança, aquilo que os oprime
aparece envolto numa nova luz: a tribulação atual é relativizada dian
te da salvação vindoura, sim, é sobrepujada em brilho pela alegria!
Dessa forma, louvor a Deus, estimulo e consolo se entrelaçam. Uma
participação essencial nessa nova qualificação do tempo presente já
é mostrada na introdução.
Assim como o pré-escrito, também essa abertura da eulogia oferece teologia num a
linguagem altamente compacta. Isso se mostra de novo n a sintaxe: os v. 3-5
formam um a única sentença nominal coerente, na qual a cópula não é empregada
um a única vez. A sentença nominal é empregada, desde o tempo clássico, sobre
tudo em linguagem selecionada e destacada - em hinos, por exemplo, mas tam
bém em provérbios ou em decretos o f i c i a i s . D e s s a forma, só o estilo já repassa
a impressão de algo festivo, nobre, mas também de algo que é firme e válido. Em
linguas como a portuguesa ou alemã isso dificilmente pode ser expresso, razão
pela qual reproduzimos aqui os adjetivos verbais e particípios por meio de verbos
finitos. No V , 4, chama a atenção a troca para a segunda pessoa: enquanto antes
se falava em ter Deus nos regenerado, segundo o v. 4 a herança está reservada
nos céus para vós. Isso ajuda na intensificação da invocação.
64
V. 3 “Louvado [seja] o Deus” - uma abertura assim, com louvor a Deus
(ou a gratidão a ele), é mais do que mera convenção. Em um início
assim, com um louvor, fica claro que existência de fé não se funda
menta em si própria, mas deve gratidão à afeição de Deus, que sem
pre lhe antecede. Existência de fé é, por isso, fundamentalmente exis
tência responsória, que corresponde ao Tu de Deus revelado no even
to de Cristo (existência cristã é também existência responsável, mas
só em decorrência desse fato). Um dos atos centrais de legítima equi
valência constituem o louvor e a gratidão, pois justamente neles não
está em primeiro plano o interesse próprio (seja individual, seja cole
tivo), mas o outro a quem é dirigido o louvor.
65
Esse agir de Deus no renascimento é definido mais precisamente de
três maneiras. Em primeiro lugar é indicado o motivo no próprio Deus,
por assim dizer, a motivação divina: a muita misericórdia de Deus.
Essa referência à misericórdia de Deus como motivação para o seu
agir corresponde ás formas biblicas de pensar e falar.^^^
No mundo pagão - pelo menos entre os letrados - , tal discurso sobre a misericór
dia de Deus de forma algum a é natural, u m a vez que, em geral, se entendia afetos
como determinados por terceiros e, por isso mesmo, como algo de menor valor,
não compatível com aquilo que era verdadeiramente d i v i n o . P l a t ã o , em seu
Symposion, havia reconhecido ao Bros só o status de um Daimon, justamente por
que o amor, como evidência de carência, não era compatível com o que é divino;
Bros é, por isso, “[...] entre o mortal e o imortal, um grande Daimon” (Platão, Symp
202d).^®^ Recorrendo a Platão, o platônico médio Apuleius frisava que o mais alto
Deus estava “livre de todas as amarras do sofrimento ou da ação, não se encon
trando obrigado a nenhuma retribuição por qualquer tarefa”.^^® Mesmo que esse
“axio m a de a p a tia ”^^^ nem sem pre era reconhecido de m aneira totalmente
consequente na religiosidade vivida^^®, afetos eram de qualquer forma algo que os
deuses também podiam ter, embora não residisse neles a sua essência. Contras
tando com isso, a essência do Deus bíblico reside no fato de se vincular a um
outro como dom gratuito, no fato de - assim a famosa formulação em IJo 4.8, 15
- ser a m o r . D e maneira análoga, Jesus Siraque 2.18 consegue ver na misericór
dia de Deus nada menos que a differentia specifica entre Deus e o ser humano:
“Cairemos nas mãos de Deus, mas não nas mãos de seres humanos. Pois tama
nha é a sua grandeza, tão grande é a sua misericórdia”.
66
A expressão “segundo a sua muita misericórdia” torna claro que o
“renascimento” tem em Deus sua causa exclusiva. Não se trata, por
tanto, nem ao menos de uma reação de Deus ã aproximação do seu
adepto, mas se fundamenta na essência de Deus, que, a partir de ini
ciativa própria, volta-se para o outro, comunica-se com ele e, assim, o
transforma. A importância justamente desse motivo da misericór
dia divina mostra-se no fato de a carta retomá-lo mais uma vez em
2.10, ao final da primeira parte principal, quando, em parallelismus
membrorum, iguala a constituição dos crentes como povo de Deus com
a misericórdia de Deus para com eles. Tanto o renascimento para
uma viva esperança quanto o chamado para o povo de Deus funda
mentam-se na misericórdia de Deus. A misericórdia de Deus une, des
sa forma, os dois conceitos soteriológicos centrais da IPe.
Excurso 1: Esperança
“Ao longo de toda a nossa vida estamos repletos de esperanças”, diz Platão
(Phileb 39e). De fato, ter esperança representa um dos traços característicos do
ser humano. O ser humano antecipa seu futuro, ele se encontra à frente do seu
tempo. Por um lado, isso representa sua força - toda a cultura e o desenvolvimen
to humanos só se explicam a partir da capacidade de desprender-se do contexto
imediato de estímulo-resposta e, com isso, da incorporação mais ou menos cons
ciente no presente, e de imaginar-se o futuro e, assim, de planejar. Mas esse é
unicamente o lado positivo da medalha - o outro lado é proverbial: Spes saepefallit
- “esperar e perseverar pode a muitos abobalhar”. A esperança tem, portanto,
pelo menos dois lados. Por isso Sófocles (497-406/5) constata em sua Antígona
(Soph, Ant 615-619): “É verdade, a esperança que vagueia longe//É para muitos
um consolo na vida,//Mas para muitos também engano, alucinação de desejos
soltos!//Quem ela espia, esse nada suspeita,//Até que sobre fogo incandescente/
/Coloca seus pés” (traduzido por WOERNER, R. Sophokles, Tragödien. Aus dem
Griechischen übersetzt und mit einem Nachwort. Darmstadt, 1960. p. 134s). De
forma narrativa, essa am bivalência da esperança é desenvolvida no mito da
Pandora^^^, transmitido por Hesíodo (por volta de 700 a.C.), quando, ao lado dos
67
males destinados ao castigo das pessoas, sobra como última coisa a esperança
n a jarra da Pandora.^^® Nas interpretações sempre se questionou se essa espe
rança que sobrou para as pessoas representava igualmente um mal ou se - por
que separada dos males - representava um bem. Já os autores antigos interpre
tavam isso de forma antagônica: para uns, a esperança era a única deusa que
havia ficado com as pessoas, enquanto que para outros, representava um demô
nio maléfico (Theogn 1135ss; 637s). As duas interpretações têm ferrenhos adep
tos até os dias a t u a i s . O mito e seu entendimento da esperança permanecem
ambivalentes - e isso talvez não seja assim por acaso, já que pertence à essência
da esperança alternar entre engancP^^^ (prejudicial) e consolo (aliviador). Em sua tragé
dia “O Prometeu acorrentado”, Esquilo (525-556 a.C.) sintetiza essa trágica
ambivalência da esperança quando m anda dizer aos titãs presos com grilhões
nas rochas - como castigo dos deuses - que ele, por causa do sofrimento, não
mais permitiría que os seres hum anos olhassem para o futuro. Em vez disso,
tería implantado em seus corações um a “esperança cega”.
O discurso biblico sobre a esperança é notoriamente diferente. E bem
verdade que também no Antigo Testamento a esperança pode adquirir conotação
negativa; esta, contudo, não se relaciona com a postura hum ana de esperança
em si, mas com o objeto em relação ao qual a esperança é formulada. Na medida
em que o ser humano deposita confiança em coisas passageiras, erra o alvo de
sua existência. Ao contrário disso, existe um a avaliação extremamente positiva
68
da esperança, n a medida em que essa confiança se orienta em Deus.^^® Tal
esperança não reside no fundamento instável das expectativas e dos temores
humanos, mas n a certeza da confiabilidade de Deus; ela n ã o se orienta e m a lg o
que se queira ganhar ou evitar, m a s e m D e u s , o f u n d a m e n t o e c o n te ú d o d a e s p e r a n
ça . Justamente nos salmos, as orações do Antigo Testamento, encontram-se
am iúde confissões como “o Senhor é a m inha esperança” e semelhantes (SI
13[12],6; 40[39].4; 61[60].3; 62[61].7; 71[70].5; 91[90].9; 142[141].6; 146[145].5), e
invocações confessionais como “em Ti eu confio/tenho confiado” (SI 7.2; 16[15], 1;
25[24].20; 31 [30].7, e vários outros). Quem deposita sua confiança em Deus não
será envergonhado (SI 22[21].6; 25[24].20; cf. Rm 5.5), m as bem-aventurado (SI
34[33].9; 84[83].13). D essa maneira, a esperança torna-se algo diferente da an
tecipação do que se deseja; ela se toma, pelo contrário, em certo sentido, sinô
nimo da relação com Deus.^^’' N a medida em que aquele que tem esperança não
espera por algo, mas por Deus, e confia nele, a esperança como tal pode passar
a representar um bem salvífico. S p e s e re s s p e r a ta coincidem - até o ponto em
que, por meio da esperança, j á ocorre u m a apropriação da vitória sobre a morte.
Segundo Sab, a esperança dos justos, ao contrário da “vã esperança” dos tolos
e Ímpios (3.11: Kgvf] èXiríç), é, n a qualidade de esperança fundamentada em Deus,
já ela própria “cheia de imortalidade” (3.4: fj èl-rrlç avxcòy àSavaoíaç irXripri;).
O Novo T estam en to re p o rta -se a esse entendim ento de e sp e ra n ç a
veterotestamentário e do judaísm o incipiente, um a vez que o momento da firme
confiança também aqui determina o conceito da esperança. E ssa esperança é
simultaneamente precisada no Novo Testamento pelo fato de que aquilo que é
esperado do futuro j á se eumpriu em Jesus Cristo. A esperança cristã funda
menta-se, assim, na a ç ã o d e D e u s n a ressurreição de Cristo dentre os mortos,
pela qual ele se definiu como Criador a partir do nada e, com isso, como poder
de vida que vence a morte^^®, salvando dessa forma do pecado, da morte e do
desvanecimento. O futuro já está decidido em Cristo; e, com base no evangelho,
os que creem adquirem certeza sobre o seu futuro, sem que os “sofrimentos do
presente século” e os gemidos e angústias da criação (Rm 8 .18ss) fossem igno
rados por essa razão: “Porque na esperança fomos salvos” (Rm 8.24: èaoS0T|p,ey).
Tal esperança é o penhor da confiança da fé; ela “não confunde” (Rm 5.5; cf. Rm
5.2-4; 8.23-25). Paulo pode, recorrendo a Abraão, designar a fé inclusive como
u m a esperança contra a esperança (Rm 4.18), i. e., como u m a confiança que é
mais forte do que as evidências aparentemente loucas do nosso mundo, como
as coisas que não existem e a morte (Rm 4.17). Possuir ou não possuir tal
esperança perfaz praticamente a d iffe r e n tia s p e c if ic a entre cristãos e não-cris
tãos (IT s 4.13; E f 2.2); o Deus cristão é um “Deus da esperança” (Rm 15.13); a fé
cristã é “praticamente [...] um a re lig iã o d a e s p e r a n ç a ”
Cf. JEPSEN, A. Verbete nOb. In: ThW AT. Stuttgart, 1973. v. I, p. 608-615.
Cf. BULTMANN, R. Verbete èliríç ktI. In: ThW N T. Stuttgart, 1935. v. II, p. 520: “A
diferença entre esperar e confiar desaparece [...]” .
Rm 4.17: Çuoitolüv xotç veKpotç Kal KaXcãv xà fiT) õvxa úç ovxa, cf. IC o 15.22, 45.
ECKSTEIN, H.-J. Z u r W ie d e re n td e ck u n g d e r H offn u n g . Grundlagen des Glaubens.
H olzgerlingen, 2002. p. 18.
Ao lado das cartas paulinas (e, entre elas, esp. Rm e ITs) e de Atos dos Apóstolos,
devem ser citadas as deuteropaulinas Ef, Cl e Tt, bem como Hb.
69
possivelmente em decorrência da forte opressão que se fazia presente
- percebe-se de forma ainda mais determinada do que em outros es
critos a “atribuição de uma importância decisiva” ao f u t u r o . I s s o
provavelmente também tem ligação com o contexto religioso já ante
riormente descrito, no qual o cristianismo de maneira crescente se
destacava como antítese ao mundo caracterizado por “nulidade” e
“transitoriedade” e, dessa forma, como religião de redenção. Como
antecipação em confiança da nova realidade, a esperança toma-se
aqui praticamente o princípio de vida da pessoa renovada. Exata
mente esse aspecto destaca a descrição da esperança como “viva”. O
mesmo predicado qualifica o “Logos divino” em 1.23 e Cristo como a
“pedra viva” em 2.4. Todas as três grandezas qualificadas dessa forma
têm, no entanto, em comum o fato de estarem intimamente relacio
nadas com a nova vida dos crentes: a viva esperança é meta do
renascimento (1.3), a “palavra viva de Deus” fundamenta a nova exis
tência dos renascidos como “semente incoiruptível” (1.23-25); a “pe
dra viva” é aquela pedra que faz renascer os que creem para a vida, de
maneira que eles próprios agora, transformados em “pedras vivas”, se
juntam a ela para, em sua companhia, serem edificados como “casa
espiritual” (2.4s). É provável que a qualificação da esperança, da pa
lavra e da pedra como “vivas” deva ser entendida, nos três casos, como
inclusiva, i. e., de maneira que as grandezas assim caracterizadas
sejam qualificadas como formas de apareeimento do poder divino de
vida, que se comunica por seu intermédio aos que creem. “Vivo” qua
lifica juntamente com o bem salvífico também os seus receptores, que
têm coparticipação na vida de Deus pela esperança, pela palavra divi
na e pela “pedra viva”. Cristo, sendo por essa razão renascidos; a espe
rança viva é esperança que vivifica.'^^'^
N a “v iv a e s p e ra n ç a ” n ã o se tra ta , p o rta n to , u n ic a m e n te d e u m a m e ra e n á la g e
(tro ca d e u m a trib u to n o g e n itiv o p o r a trib u to a d jetivo ), co m o su g e rid o p e la v a ria
le c tio à p a s s a g e m (èAirlç Coíli;). M a is p ro v á v e l é q u e se tra te d e u m a m e to n ím ia ,
u m a p o s s ib ilid a d e q u e j á B e za a v e n ta p a ra o e n te n d im e n to d e èlirlç ((Soa q u a n d o
co m p re e n d e a ex p re s s ã o “[j.6tcl)vi >plkc3ç p r o re s p e ra ta , u t in R o m . 8 .2 4 & á lib i s a e p é ’^ '^ .
N ã o o b sta n te, ta m b é m d e s s a m a n e ira n ã o se d á su ficie n te v a lo r ao fa to d e qu e
70
todas as três grandezas qualificadas como “vivas” n a primeira parte principal da
IPe - esperança, palavra e a pedra, Cristo - evidenciam sua vivacidade ju sta
mente por transmitir a vida (divina) aos que c r e e m . E m sentido comparável, o
salmista afirma que em D eus reside a fonte da vida (SI 35.10). Ainda mais clara
mente, o Evangelho de João identifica o próprio Cristo como “a vida” (Jo 11.25;
14.5; cf. Jo 1.4; At 3.15), querendo expressar com isso exatamente que por meio
dele a vida (eterna) é transmitida (Jo 5.26; 6.33-35 e outros; semelhantemente,
2Co 4.10s). Sintomático é que em João se encontre também um emprego análo
go do predicado “vivo”, quando o Cristo joanino se designa como “água viva” (Jo
4.1 Os), por intermédio da qual no receptor “surgirá u m a fonte de água viva a
jorrar para a vida eterna” (4.14), e também como “pão vivo”, por meio do qual,
aquele que dele comer, “viverá etemamente” (Jo 6.51). Também a qualificação
corrente do D eus bíblico como “D eus vivo” não se encontra unicam ente em
oposição aos ídolos “mortos”, m as se fundamenta, em última análise, na res
surreição (IT s 1.9s) e refere-se, assim, ao poder de D eus com o qual ele trans
mite a vida (eterna) (Jo 6.57); na ressurreição, o Deus vivo comprovou-se como
sendo o D eus vivificador (Rm 4.17; 8.11; IC o 15.22, 36, 45; Jo 5.21; cf. IPe 3.18).
71
vida (eterna). A isso corresponde a qualificação da herança anterior
mente efetuada por meio dos três predicados formados com a-priva-
tiuum, bem como sua paralelização com a “viva esperança”. (3) Ao
mesmo tempo, a metáfora da herança faz referência ao renascimento
no contexto da IPe. Como também em Paulo (cf. Rm 8.14-17; G1 4.6s),
ê a filiação de Deus que fundamenta a reivindicação à herança. (4) Na
metáfora da herança estã incluída também a sobreposição de presen
te e futuro, característica para a existência dos cristãos “entre os tem
pos”. Como “herança”, a salvação ainda é futura, mas, como crianças
renascidas por Deus, os cristãos jã têm direito à ela. Com isso a alu
são ã “herança” também corresponde ao ser-forasteiro dos cristãos,
ressaltado em 1.1. A eterna morada junto a Deus^"^® por meio de elei
ção e renascimento condiciona a existência como forasteiro. “Pois é
justamente a pátria prometida que toma apátrida” (D. Sõlle).
Essa herança é determinada mais exatamente por meio dos três pre
dicados “incormptível, sem mácula e imarcescível”. Tal sequência
de adjetivos de negação, formados por a-privativum, é uma caracterís
tica da teologia negativa da antiga m e ta fís ic a. T od os os três predi
cados determinam o que é divino por meio do contrário daquilo que é
tido como a essência deste mundo, a saber, por intermédio da atra
ção da transitoriedade, que se mostra em destmição, poluição e en
velhecimento, levando ã mina tudo o que é belo e que vive. É provável
que a IPe recorra a esses predicados da antiga metafísica pela media
ção do judaísmo da diáspora^®^ mas o que lá expressa a independên
cia do divino daquilo que é terrenal e humano, aqui é prometido aos
“renascidos”. Na IPe, esses predicados que definem o que é divino por
meio da negação da realidade humano-terrenal transformam-se em pre
dicados soteriológicos. Em relação a 1.4 isso significa; os predicados
tornam claro o que significa ter uma “viva esperança”. Por meio do
Cf. também 2.25, em que o retom o das ovelhas desgarradas “ao Pastor e Bispo das
vossas almas” é destacado como ponto alto do hino cristológico.
2=0 Cf. Aristot, Cael I,270a; I,277b; l,282ab; Plut, EDelph 19,392E; 20,393A e outros.
A origem não-biblica dos predicados já chamou a atenção de PERDELWITZ, 1911,
p. 45-50; ele obviamente os interpreta de tal forma que por seu intermédio o batismo
cristão acaba sendo destacado como antítese dos mistérios.
Em Füo encontram-se os predicados ànápavTOí; e sobretudo S(j)0apToç, aqui empregados
como predicados da realidade celeste. Disso não se pode concluir que a IP e tenha
sido diretamente dependente de Filo. Para tanto se perdeu um número muito grande
de testemunhos do judaísmo da diáspora. Poderia ter sido perfeitamente só o mesmo
ambiente da sinagoga da diáspora, cujas tradições tivessem influenciado Filo e a
IPe. Especialmente em relação a IP e 1.4, é notória, p. ex., a relação com Sab, na
qual todos os trés termos aparecem como predicados de grandezas celestes; cítfiGapToç
12.1, do Espírito divino; em 18.4, da luz da lei divina; àpíavroç 4.2, no contexto da
figura da competição como metáfora para um a vida virtuosa (“prêmio imarcescível”
para a vitória) e à|iápavtoç 6 . 1 2 , para a sabedoria.
72
renascimento divino, é concedida aos eleitos a participaçao na ple
nitude divina de vida.^®^
73
111,31), seu A.ÓYOÇ (Filo, HerDivHer 79; ConfLing 41) e para as forças divinas de
u m a maneira geral (Cher 51), portanto, para aspectos do ser divino relacionados
com o mundo e que agem dentro dele. A partir daqui não falta mais muito até a
apropriação dessa imperecibilidade por parte do ser humano. Ela se baseia na
criação do ser humano à imagem de Deus, por meio da qual ele era, como ideia
de Deus, “imperecível por natureza” (OpMund 134; ãtjjSapToç cj)úoei). Em virtude do
apego às coisas corporais - assim Filo compreende o relato da “queda” - essa
imperecibilidade do gênero perdeu-se como roupagem criacional (OpM und 152),
mas permanece conservada como finalidade destinada a cada pessoa, que deve
se esforçar p a ra “conseguir receber junto àquele que não se formou e que é
imperecível (i. e., junto a Deus) a vida incorruptível e destituída de corpo”.
Num sinergismo entre o esforço do ser humano e as “virtudes” - ou seja,
no cumprimento da Torá - e a ação apoiadora de Deus, a imperecibilidade toma-
se, dessa forma, um predicado soteriológico: “Sem graça divina”, assim Filo, Ebr
145, “não é possível nem escapar da esfera de poder do que é mortal, nem perma
necer para sempre n a esfera de poder do que é imperecível”.^®® Essa “biblicízação”
da noção héTenista da incorruptibilidade encontra-se menos refletida em outros es
critos do judaísm o helenista, mas, em compensação, com muito mais clareza.
Segundo a Sab, o ser humano como imagem de Deus estã destinado ã impereci
bilidade (2.23), que pode, apesar de sua perda transitória em virtude da queda^“ ,
ser novamente assegurada pelo “cumprimento dos mandamentos” (6.18).
Para as lendas dos mártires de 4Mac, manter-se fiel ã Torã e ao D eus de
Israel em meio a um m undo pervertido e dominado pela morte significa vida
indestrutível, eterna; sim, aquele que em fidelidade permanece dedicado aos
mandamentos de Deus será transformado já na morte para a incorruptibilidade.^®^
No romance de conversão judaico-helenista “José e Asenet”^“ , o judeu, como
verdadeiro adorador de Deus, tem coparticipação na bênção e, com isso, na
imortalidade e incorruptibilidade (JosAs 8.5; 15.5; 16.16).^®® De forma análoga,
também a gentia convertida, como membro do povo de Deus, é presenteada com
imperecível juventude e beleza (16.16; cf. também 18.9).^®^
258 Qjg 1 5 - cf. Filo, RerDivHer 35; PosterC 135; Plant 44; Ebr 135 e outros.
Cf. Filo, RerDivHer 205; MigrAbr 18s; Abr 55; P la n t ll4 e outros.
Dessa forma provavelmente deve ser entendida a afirmação em 2.23s: “Deus criou o
ser humano para a incorruptibilidade e o fez à imagem de sua própria eternidade.
Mas foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo”.
261 Q 40 (jQg Macabeus, um relato algo exagerado de lendas de mártires judeus do
tempo dos selêucidas, provavelmente se originou no século 1 ou II d.C. e surgiu na
A ntioquia (DENIS, A.-M .; HAELEW YCK, J.-C. In tro d u ctio n à la littéra tu re religieu se
ju d é o -h e llé n is tiq u e I. Tu rnhou t, 2000. p. 561-573, esp. 571s; KLAUCK, H.-J. 4.
M a kk a b à erb u ch . Gûtersloh, 1989. p. 665-659). Em razão de sua perseverança, os
mártires teriam ganho participação na àc|)eapoLa (4Mac 17.12; como comparação já em
9.22). A fundam entação m istura pensam ento helenista com judaico: a vitória no
martírio interpretado como com petição é alcançada por virtude e em penho (áprrTj)
dos “atletas da legislação divina” (xf|ç Geíaç vopoSeoíaç aOltitaL, 17.16; cf. 17.15), que
nada mais é senão a sua piedade (9eooé(3€i.a). Segundo 4Mc 9.22, o jovem torturado até
a morte por causa de sua piedade será “transform ado p a ra a incorruptibilidade no fogo”
ainda em meio à morte (ev mipl prraaxTipaTiíópevoç elç à(|)0apaíay).
A datação também neste caso é incerta; ela oscüa entre o século I a.C. até o início do
século II d.C.
^®® As ocorrências corriqueiras como comer, beber e ungir recebem sua particularidade por
meio da bênção; cf. BURCHARD, C. J oseph u n d Aseneth. Gûtersloh, 1983. p. 604s.
Segundo BURCHARD, 1983, p. 604ss, essa transform ação num a criatura perfeita
deve-se unicamente ao fato de agora, como judia, pertencer à comunhão dos verdadeiros
adoradores de Deus e participar da bênção em virtude de viver em meio a esse contexto.
74
Aqui começa a se esboçar o que n a IPe é desenvolvido coerentemente, a
saber, que o p r e d ic a d o d a in c o r r u p tib ilid a d e , n o c o n te x to d e u m a te o lo g ia c u n h a d a
b ib lic a m e n te , te m c o m o s e u c e n tr o n ã o o c o n tr a s te o n to ló g ic o e n tre D e u s e s e r h u m a n o ,
m a s a c o n s e q u e n t e in c o r p o r a ç ã o d o s e r h u m a n o n a e s fe r a d iv in a d a v id a e a s u a
tr a n s fo r m a ç ã o c r ia tiv a d a í r e s u lta n te . Segundo Sab 4.10-13, o justo é arrebatado,
transformado e completado por Deus; JosAs descreve a renovação por D eus
como sendo transformadora de toda a pessoa (JosAs 16.16; 18.9). 4Mac 9.22 fala
diretamente de transformação. Neste sentido, m ais tarde, sobretudo no con
texto de su a grande controvérsia com os que negavam a ressurreição em ICo
15, Paulo vai destacar a transformação do que é passageiro em incorruptibilidade
como centro soteriológico da teologia da cruz.^®^
O predicado “sem mácula” é igualmente de origem helenista e designa a
pureza cultual^®^, embora tenha também, em relação com o divino, um a dimensão
ontológica, n a medida em que pertence à essência da divindade não se contami
nar por meio do contato com a esfera humana.^®^ Como predicado divino, òpíavroí;
também é encontrado em FUo; mas “sem mácula” designa no filósofo da religião
judeu também tudo o que pertence a Deus - desde o seu nome, passando pela
sua sabedoria até a virtude e a alma relacionando-se com ele.^®® Essa é a razão
pela qual o termo à^Lavroç recebe, bem mais destacadamente que Ò£4)0apT:oí;^®^, um
significado ético; na tradição judaica, àptavroç designa pureza cultual, mas tam
bém abstinência sexual^^“, como, por outro lado, delitos sexuais^^^e idolatria^'^^
ou paixões de um a maneira geral^^^ mancham a pessoa, resp. sua alma.
“Imarcescível” (à|j.ápavToç) é um termo raro, cujo horizonte de associação
não parece estar fixo por intermédio de um a tradição especifica.^^'* Encontra-se
só mais u m a vez no Novo Testamento, também na IPe: em 5.4, a coroa da glória
é distinguida por meio de apapavrivoç das coroas murchas usadas pelos vencedo
res militares ou esportivos. É provável que a IPe tenha usado conscientemente
esse predicado com su a metáfora de vegetação como antítese à descrição em
1.24 da seca que atinge toda carne humana, o que n a referida passagem é acla-
Cf. FELDMEIER, R. 0eòç ÇcpoTiouôv. Die pauUnische Rede von der Unvergänglichkeit in
ihrem religionsgeschichtlichen Kontext. In: DALFERTH, I. et al. (Eds.). D enkw ürdiges
Geheim nis. Beiträge zur Gotteslehre. (FS E. Jüngel). Tübingen, 2004. p. 77-91.
2®® Plut, IsEtOs 79,383B; PythOr 3,395E; Num 9,66B; cf. ainda FUo, SpecLeg 1,113.250;
Fug 118.
Cf. Plut, ED elph 20,393C ; IsEtO s 78,382F; para Apuleiu s, um platônico m édio
que viveu duas gerações mais tarde, a supremacia dos deuses reside no fato “ [...]
de que eles não são m anchados por qu aisqu er contatos de n ossa p arte” (Apul,
DeDeo I, 128).
^®® Cf. Filo, LegAll 1,50; Cher 50; DetPotIns 169; MigrAbr 31; Fug 50.114; Som 11,185;
SpecLeg IV,40.
OGopá e seus d erivados tam bém podem sign ificar “o v ic io ” , “ a degen eração” , “a
tentação” (c f Sab 14.25s; Filo, DetPotIns 102; SpecLeg IV,89; Decai 168; Jos 84;
C on fLing 48).
Na LXX falta um equivalente hebraico; o termo é empregado para pureza cultual em
2M ac 14.36 e 15.34, para abstin ên cia sexual em Sab 3.13; 8.19s; cf. no Novo
Testam ento, Hb 13.4.
TestX II.R ub 1.6; T estX II.Lev 7.3; 9.9; 14.6; 16.1; TestX II.B en 8.2s; c f TestX II.Is
4.4; Sab 14.26.
272 Sib V,392; 4Mac 5.36; 7.6; SlSal 2.3; 8.22.
272 C f FUo, e h e r 51.
27“' Nos escritos bíblicos, à|iápavToç se encontra somente ainda em Sab 6.12 como predicado
da sabedoria (paralelo a “vistosa”). IP e 5.4 em prega um derivado para a coroa da
glória a ser alcançada mediante conduta correta como dirigente de comunidade.
75
rado por meio de um dictum probans da Escritura^'^^, n a erva e n a flor.^'^® Ao lado
da indestrutibilidade ontológica e da liberdade de toda contaminação terrenal, o
termo ainda acentua o aspecto da liberdade da tendência à autodestruição, ine
rente a (praticamente) todos os seres viventes a partir do envelhecimento, e,
dessa forma, da vitalidade permanente da herança.
76
lação com Deus, numa atitude de confiança, de entrega e de esperan
ça, que determina e abarca a totalidade de sua existência (cf. 1.21).^®°
Por meio de tal fé, “que não deixa ser envergonhado” (2.6), o poder de
Deus pode então tomar-se eficaz nos crentes, assim que consigam es
tar assegurados, por seu intermédio, no poder de Deus (1.5) e dessa
maneira possam também opor resistêneia ao maligno (cf. 5.9); ttlotlç
designa aqui praticamente uma instância que faz intermediação en
tre Deus e as pessoas que creem.
Cf. BULTMANN, R. Verbete moTeúu ktI. In: ThW N T. Stuttgart, 1965 (= 1959). v. VI,
p. 217: Bultmann refere-se a uma “postura constitutiva para a existência”; como tal,
“a iTÍouç exerce um governo absoluto sobre a vida”.
De form a precisa, GERHARD, 1709, p. 60.
77
Os defensores de um a interpretação futura de àyaXXicraGe chamam a atenção para
o fato de que a conexão relativa da frase em 1.6 - èv (p - refere-se ao ív Kaipcp èoxá-ucp
de 1.5, o que implica que àyaAÀLâoSe como predicado da frase relativa só possa ser
entendido como futuro.^®^ Além disso, o júbilo efusivo, como aqui descrito, seria
característico justamente para o futuro pleno de salvação, como mostra 4.13.
Deve ser observado, no entanto, que 4.13, referindo-se ao sofrimento, também
fala da alegria já presente, mesmo que a ser plenamente realizada no júbilo futu
ro. No que se refere ao distinto “tempero” da presente alegria aqui e em 4.13, não
cabe acentuar demais esse fato - também sobre o sofrimento há referências muito
mais intensas em 4.12ss do que em 1.5, 8! Os defensores de um sentido presen
te apontam, ao contrário, para o fato de kv u ser empregado em outras passagens
da IPe “as a conjunction and not strictly as a relative pronoum” [como um a con
junção e não estritamente como um pronome relativo].^®® O emprego de cláusula
relativa como referência ao anterior deveria, portanto, ser relacionado de forma
causativa bem genericamente com todo o parágrafo antecedente^®'^, razão pela
qual èv (5 deveria ser aqui traduzido como “por isso”.^®® Por esse motivo, o mais
provável é que àyal.A.Lâo9e deva ser entendido como presente em 1.6, 8, ainda mais
que também as observações feitas em 1.10-12 têm por objetivo qualificar o pre
sente como o cumprimento das profecias.
É difícil decidir essa questão, pois a IPe, que seguramente foi escrita
num grego polido, empregou o presente na referida passagem (repetin
do-o em 1.8, onde a significação presente é ainda mais clara a partir
do paralelismo com àvcurâre). Por outro lado, parece artificial que aqui
(como também em outra passagem) uma conexão claramente relativa
de frase receba reinterpretação. É possível que a dificuldade em res
ponder resida no fato de a pergunta estar sendo mal formulada. Nas
passagens subsequentes da carta poder-se-á constatar sempre que uma
rígida diferenciação entre presente e futuro não faz jus à IPe, uma vez
que é seu interesse interpretar o presente totalmente ã luz do futuro
que se descortina para os que creem. Dessa forma, embora o versículo
esteja focado no júbilo futuro, esse não pode ser totalmente separado
do presente.^®® No que segue, a IPe amiúde torna claro como a alegria
do tempo eseatológico é antecipada na alegria presente que a antece
de, afastando dessa maneira o lado sombrio das provações.
78
conotações religiosas e é amplamente empregado no Novo Testamen
to. A compreensão de iTeLpao)j,óç na IPe está especialmente próxima à
tradição sapiencial e ã Carta de Tiago: a tribulação por meio das prova
ções e por causa das hostilidades do entorno (cf. IPe 4.12) é interpre
tada em IPe 1.6s com praticamente as mesmas palavras que em Tg
1.2s: como chance para a preservação da fé. Como tal, ela pode inclusi
ve ser bem-vinda, já que “[é] um privilégio paradoxal pertencer aos pro
vados justamente por causa da Mesmo assim, é destacado com
maior intensidade do que em Tg que as pessoas encontram-se na de
pendência da proteção divina (IPe 1.5; cf. 5.10), o que apresenta afini
dades com os escritos de Lucas ou também com ICo 10.13. A IPe não
entra no mérito da pergunta pelo causador da tentação.^®®
Excurso 3: Tentaçao/iTeLpao|a,óí;
O substantivo iT6Lpaop,óç é derivado do verbo TCLpáCíiv. No grego profano, o
significado do verbo é “provar”, “tentar”. Nesse sentido também pode ser empre
gado no Novo Testamento (At 9.26; 16.7; 24.6). Bem mais seguidamente, porém,
ele é empregado p ara expressar u m a provação em sentido religioso. É nesse
sentido que o substantivo ireipaopóç é empregado consequentemente no Novo
Testamento. Trata-se aí de um desenvolvimento do grego profano por meio do
uso linguístico da Septuaginta, que reproduz o hebraico HD3 piei com TTeipáCeLv (o
substantivo encontrado só no hebraico posterior, corresponde então ao
irei-paopóç).^®® D essa m aneira foi estabelecido um termo p ara o relacionamento
com Deus, que se encontrava ameaçado. Como tal, a tentação, per defirütionem,
só atinge os que creem. “Os que não creem [...] Satã tem sob seu poder de
qu alqu er form a”.2®“ N a m edida em que não é falado unicamente da tentação
como perigo de u m a maneira geral (IT s 3.5; G1 6.1; Tg 1.12), “ela” pode estar
condicionada pela sedução das pessoas por meio dos seus desejos (IT m 6.9; Tg
1.13s; ef. IC o 7.5); mais frequentemente, porém, são perseguições e sofrimen
tos que levam as pessoas a se escandalizar frente a D eus (Lc 8.13; IPe 1.6s;
4.12; 2Pe 2.9; Hb 2.18; Tg 1.2; Ap 2.10). No primeiro caso, ueLpaopóç corresponderia
mais à palavra portuguesa “tentação” e, no segundo, mais à palavra “provação”.
Tentação pode ser compreendida de forma exclusivamente negativa, como
uma superpoderosa ameaça àfê, à qual o ser humano não consegue resistir a não
ser que o cuidado divino lhe dé guarida (IC o 10.13). A exortação de Jesus no
Getsêmani: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação; o espírito, na ver-
287
POPKES, 2001, p. 82.
288
Como responsáveis por provocar o sofrimento geralmente são citadas as pessoas do
entorno (2.12; 4.12ss e outros); mais para o final da carta entra em cena também o
diabo (5.8). Um texto como IP e 4.17 (“porque é chegado o tempo em que se deu início
ao ju ízo da casa de Deus”), no entanto, não deixa parecer impossível que também
Deus, segundo a opinião da IPe, seja causa (conjunta) do sofrimento e da “provação”
por este desencadeada.
Cf. JASTROW, M. A D ictionary o f th e Targumim, the Talm ud B a b li and Yem shalm i, and
th e M id ra sh ic Literature. New York, 1992 (= 1903). p. 916.
KUHN, K. G. treLpaapóç, ipapTia, oápÇ im Neuen Testam ent und die damit zusammen
hängenden Vorstellungen. Z T h K 49, p. 202, 1952.
79
dade, está pronto, mas a carne é fraca”, entende que o vir-a-entrar-em-tentação
seja praticamente igual à queda^®' (o que pode ser constatado na cena subse
quente, em que os discípulos, ao contrário de Jesus, em vez de orarem, acabam
caindo no sono). A oração deve evitar que de modo algum se caia em (poder da)
tentação. Diferentemente de Jesus, que se preserva como o FUho de D eus ju s
tamente no conflito com o tentador^^^, ao crente ameaçado só resta suplicar por
preservação a Deus, “que sabe livrar da provação os piedosos” (2Pe 2.9; cf. Ap
3.10 - ali relacionado com a grande aflição do final dos tempos). De maneira
análoga, o teor da últim a prece do Pai-Nosso era originalmente: “E não nos
deixes entrar em tentação” (Lc 11.4c), especificada por Mateus ainda por meio
do acréscimo antitético “m as livra-nos do mal” (Mt 6.13).
N a Carta de Tiago, ao contrário, a tentação é praticamente saudada posi
tivamente, u m a vez que ela a entende, segundo a tradição sapiencial, como um a
provação pertencente ã vida cristã e que, por oportunizar chance para a comprova
ção, oferece inclusive ensejo de alegria (1.2). De forma correspondente, toda pes
soa que resiste ã tentação é considerada bem -aventurada (Tg 1.12).^®^ Seme
lhantemente, Hb 11.17 pode exaltar a fé de Abraão, que - tentado por D eus
(TreLpaÇó|j,eyoç) — ofereceu seu filho Isaque.
U m a posição intermediária é assum ida pelos escritos de Lucas, nos quais
a tentação constitui um a ameaça que pode levar à queda (cf. também Lc 8.13),
embora não o faça necessariamente. A oração é aqui o recurso por meio do qual
a tentação pode ser v e n c i d a . E m Paulo, a mediação é outra: esse distingue
em IC o 10.13 entre um a tentação hum ana, que aparentemente tem sido vencida
pelos coríntios até a presente data, e outra que está “além de vossas forças”, a
qual o próprio Deus afastará.
Form ulações sem elhantes também existem em orações do judaísm o incipiente; cf.
bBer foi. 60b, em que o orante dirige a Deus o pedido para não cair no poder ('’T*:') do
pecado, da culpa, da tentação (1VD3) e da vergonha. Aqui são paralelizados pecado,
culpa, tentação e vergonha.
Mc 1.12s; Mt 4.1-11; Lc 4.1-13. Referindo-se a isso, Hb 4.15 pode então dizer do
Filho de Deus, “ter ele sido tentado em todas as coisas, á nossa semelhança, mas
sem pecado”.
293
Cf. sobre isso, BURCHARD, Ch. D e r Ja k ob u sb rief. Tübingen, 2000. p. 52s.
294
Nesse sentido, Lucas m odificou de tal form a sua n arrativa do Getsém ani, que o
duplo pedido “Orai, para que não entreis em tentação” (Lc 22.40, 46) em oldura a
oração de Jesus. Dessa forma, o mestre orante tom a-se exemplo para os discípulos,
do qual se pode aprender com o escapar da tentação (cf. tam bém Hb 2.18). Aqui
tentação é sinônimo de tribulação, perseverar é evidência de fidelidade na fé. Essa
é a razão pela qual Lucas omitiu a fundamentação “pois o Espirito está pronto, mas
a carne é fraca” (Mc 14.38b) em sua cena do Getsémani; em vez disso, Jesus assevera
anteriormente aos seus discípulos em Lucas (Lc 22.28) que eles perseveraram com
ele nas suas tentações. De form a sem elhante afirm a Paulo em seu discurso de
despedida em Éfeso (At 20.19) ter ele servido ao Senhor “com toda a hum ildade,
lágrimas e provações (ircLpoto^oL) que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram” (cf.
também A t 15.26 v. 1).
De uma perspectiva escatológica ele pertence ao mundo que está findando - por isso
sua predição como perecível.
80
cidade do ouro precisa ser comprovada por meio do fogo, tanto mais
será necessário fazê-lo em relação à fé, de valor muito maior. Mais
ainda: como na fundição do metal toda a impureza deve ser elimina
da para que, ao final, sobre só sua parte purificada e preciosa, assim
também o sofrimento é entendido como processo de separação em
que a fé é provada, em que ela é purificada.
81
seja, a revelação de Deus ao final dos tempos inverterá completamen
te as hierarquias dessa realidade (cf. Lc 1.49-53).
82
fé espera e naquilo em que confia.^°° Assim, essas provações são nova
mente - bem ao modo do intuito poimênieo-consolador da carta - en
globadas pelo conforto da salvação e, dessa forma, destituídas de sua
arbitrariedade destrutiva. Isso ocorre pelo fato de o autor tomar como
seu ponto de partida o amor presente da comunidade pelo Cristo não-
visíveP®^ sendo que a primeira afirmação com o aoristo oÍ)k lôóvieç pro
vavelmente se refira ao fato de ela não ter conhecido o Jesus históri-
co302^ enquanto que a segunda, com o presente jifi ópôyteç, ã presente
invisibilidade de Cristo. Nessa confiança de fé no Cristo oculto, a opo
sição entre presença e ausência está sobrepujada pela relação pessoal
com ele. Isso é imediatamente absorvido na autocompreensão dos que
creem, na medida em que agora sua fé e seu amor são interpretados
como comunhão com o Cristo não-acessível aos olhos. Na fé e no amor,
aquele que (ainda) está ausente (já) está presente para eles - e por isso
seu momento atual encontra-se repleto de alegria. Mais ainda: quan
do essa alegria, novamente expressa por um tempo verbal presente, é
designada como “indizível” e “transfigurada”, então estamos diante de
predicados escatológicos. Os cristãos vivem por meio de fé e alegria já
agora, “entre os tempos”; eles participam já no presente do júbilo do
final dos tempos.
83
purificado pela obediência (1.22), subjugado a Deus (4.19) e a ser pro
tegido contra as “paixões da carne” (2.11).
é adotada no ju daísm o da diáspora e aceita cada vez m ais tam bém no ju daísm o
palestinense; tam bém conterrâneos da IPe, como os fariseus e Josefo, Stemberger
conta entre os que acatarEun referido ensino. Sobre a concepção de Filo, v. também
as colocações que se seguirão nesse excurso.
84
zenberg reside, portanto, num a petitio principii, um a vez que, em razão da delimi
tação do material usado para comparação, o resultado já se encontra determi
nado de antemão. A isso podem ser acrescentadas ainda outras inexatidões.
Em contraposição a ele, u m a análise mais exata das passagens em que a IPe
fala da i|a)xií apresenta um quadro claramente diferente. Já em 1.9, a fala sobre
a ocoTripía ();i)xcSy lem bra outros textos neotestamentários como Mc 8.35 - mas,
u m a vez desconsiderando a pergunta se também nos evangelhos o termo vl^ux^í
não significa certamente mais do que apenas “vida” (cf. Mt 10.28), para qualquer
leitor ou ouvinte grego, considerando o pano de fundo da antiga concepção da
alma (também corrente entre o judaísm o da diáspora), a menção dessa expres
são deveria evocar com algum a probabilidade a concepção da “salvação da alm a”,
tanto mais se fosse, como n a IPe, o resum o da m ensagem salvífica sobre o
renascimento para u m a herança incorruptível (1.3s), contraposta à transitorie-
dade de toda a carne (1.23s).
Isso é confirmado justamente teimbém n a consideração da literatura ju -
daico-helenista, mormente os escritos de Filo®°®, que Dautzenheg desconsiderou,
mesmo que ela se encontre bem mais próxima à IPe que os escritos de Qum rã
por ele em pregados. O filósofo da religião judaico não em prega a expressão
incisiva ocotripía )j;Dxc3y, m as refere-se em inúm eras passagens á salvação da
alma: Êx 15.1 (a destruição dos egípcios por Deus) ele interpreta de tal forma
que D eus dá assistência à alm a n a luta contra as paixões e instintos irracio
nais, agraciando-a, dessa forma, com a acorripLa (Filo, Ebr 111). A interpretação de
Filo da história da partida de Abraão (Gn 12.1-3) inicia com a notória constatação:
“Deus, que quer purificar (Kaêfipai) a alm a das pessoas, dá-lhe em primeiro lugar
a oportunidade para a salvação (ocotripía) por meio da transferência de três luga
res: do corpo, da percepção sensitiva e da palavra pronunciada” (Füo, MigrAbr 2).
Essas duas referências são particularmente reveladoras porque não fa
lam unicamente sobre a salvação das almas, mas porque ainda a explicam adi
cionalmente de tal forma que evocam diretamente as duas passagens seguin
tes, nas quais a IPe fala sobre ela: IPe 1.22 exorta para que as “alm as” sejam
purificadas no serviço à verdade. E o combate na alm a contra as paixões e a
falta de controle, sobre o qual Filo fala reiteradamente (cf. além de Filo, Ebr 111,
também Filo, QuaestGen 1V.74 e, sobretudo. Filo, O pM und 79-81), tém u m a
correspondência em IPe 2.11, em que é tratado o combate das paixões camads
contra a “alma”. Salvação da alma, purificação da alma, combate entre as pai
xões e a alm a - tais coincidências relativamente claras entre Filo e a IPe mos
tram que esta carta, também aqui influenciada pelo judaísm o helenista, real
mente pensa em algo semelhante a u m a “alma” como o “si mesmo superior” dos
seres hum anos.
Tal recepção do conceito da alma também se encontra, ademais, em ou
tros escritos do judaísm o incipiente. A Sabedoria de Salom ão diz que D eus
85
soprou um a ij/uxií no ser humano (15.11), que aqui se torna pesada em virtude do
corpo passageiro (9.15), que é m anchada pelo injusto (14.26), enquanto que as
almas dos justos encontram-se nas mãos de D eus (3.1), tendo por isso espe
rança na imortalidade (3.4). O 4° Livro dos Macabeus, redigido na Síria, mais ou
menos ao tempo da IPe, distingue claramente entre a alm a dada por Deus e o
corpo (13.13) e ali são também as almas que recebem os castigos divinos (13.15)
e as recompensas (18.23).^“ Ambos os escritos dão testemunho da difusão das
concepções judaicas sobre a alma. Seu testemunho também combina bem com
outras passagens em que a IPe emprega o termo i|iuxií, mesmo que essas, con
sideradas isoladamente, sejam menos inequívocas: assim Cristo - isso perfaz a
meta do hino no capítulo 2 - é designado como pastor e bispo das “alm as”, ao
qual se converteram os crentes, afastando-se dos erros cometidos n a antiga
vida (2.25). Em 4.19 é dito que os cristãos perseguidos devem encomendar suas
“alm as” ao fiel Criador - também aqui a “alma” parece ser distinguida de toda
existência terrenal-corpórea. A única exceção aparenta ser a expressão de 3.20,
segundo a qual oito “alm as” da arca de Noé foram salvas do dilúvio. M as tam
bém nesse caso um olhar mais atento mostra que essa cena, conscientemente
m ontada como “antítipo” da salvação pelo batismo, mencionado no versículo
seguinte, trata de algo mais que meramente vida física (cf. abaixo, p. 173).
86
(2.11)! Aqui encontra-se uma clara antropologia helenizada^'“^, que,
contudo, não é desenvolvida adiante pela IPe no sentido de uma
dicotomia antropológica, mesmo que indicios para uma tal concepção
se encontrem também em outras passagens (cf. 3.4; 4.2). Para a IPe é
suficiente ter encontrado, com o termo uma categoria para o si
mesmo humano como sendo o outro diante de Deus, com a qual pode
fazer uma ligação com o horizonte associativo desse termo junto aos
seus destinatários residentes no âmbito da cultura e fala gregas, a
saber, (1) a afinidade da íjíuxií com o divino, que, por isso mesmo, (2)
deve ser libertada e “purificada” de toda concupiscência e desejo como
atrelamento ao mundo, e que (3), dessa forma, também está em con
dições de sobreviver ã morte.^'® A IPe constitui-se, por essa razão,
num dos escritos pioneiros de uma concepção cristã da alma e cabe
ria perguntar se o conceito da alma não mereceria reflexões teológi
cas adicionais, uma vez que contribuiu por praticamente dois milê
nios para a plausibilidade da antropologia e soteriologia cristãs.
A alma é algo assim como a instância mediadora entre o universo corporal e a esfera
do divino; cf., p. ex.. Plut, G enSocr 22,591Dss.
Sobre a concepção de um a purificação das almas difundida no platonism o, cf. as
explanações de DÖRRIE, H.; BALTES, M. D ie p h ilo s o p h is ch e L e h re des Pla tonism us.
Von der “Seele” als der Ursache aller sinnvollen Abläufe. Stuttgart; Bad Cannstatt,
2002 (6/2). p. 271-276.
87
V, 10 A salvação introduzida por Cristo é imediatamente ligada à
história da salvação veterotestamentária. Isso é típico para toda a teo
logia cristã primitiva^^®, havendo uma predileção pela referência aos
profetas (cf. Lc 24.25-27; At 3.18 e outros). A atenção maior é dirigida
- contrastando com o mainstream do judaísmo da época - não ã Torá,
mas ao aspecto profético da tradição bíblica. O Antigo Testamento é
lido como profecia sobre o evento de Cristo^^^ , sendo que a IPe cita
especialmente o livro de Isaías (como a principal testemunha das pro
messas bíblicas).®^® A concepção de que os profetas só tinham função
preparatória em relação ã situação da comunidade encontra-se tam
bém em Qumrã^*^ e em lEn 1.2. Na medida em que os profetas só têm
em mente, com suas profecias, aquilo que se cumpre nas comunida
des (IPe 1.12 fala, por isso, explicitamente de “servir”), a situação dos
seguidores de Cristo, socialmente marginalizados e estigmatizados,
tende a ser valorizada.
88
e mesma ação divina, fazendo-se presente em ambos uma vontade
divina uniforme, que leva a termo a sua salvação.
Cf. ACHTEMEIER, 1996, p. 65: “Indeed, his p a ssion, d eath a n d subsequent resurrection
sh ow th e w ay p re s e n t su fferin g is related to fu tu re glory, a n d th u s p ro v id e C hristians
w ith a m odel f o r the w ay they are to live a fa ith fu l life in the m idst o f a hostile s ociety ”. [Em
verdade, sua paixão, m orte e subsequente ressurreição m ostram a form a como o
sofrimento atual é relacionado com a glória futura, e por isso oferecem aos cristãos
um modelo de como devem viver uma vida crente em meio a uma sociedade hostil.)
É possível que esse argumento receba peso adicional pela rivalidade entre pessoas
e anjos (sobre esse motivo, cf. SCHÄFER, P. Rivalität zw isch en E ngeln u n d M enschen.
U ntersuchungen zu r rabbinischen Engelvorstellung. Berlin; New York, 1975).
A ltikovouv é um imperfeito, i. e., expressa a duração da ação, enquanto que
encontra-se no aoristo, designando, portanto, pontualmente a pregação do evangelho,
in iciada num tem po determ inado. Não convém igu alar as duas form as de ação,
imperfeito e aoristo, como “processos do passado” (Cf. HERZER, 1997, p. 21).
89
Resumo (IPe 1.3-12)
Cf. 3.15, em que é esperado dos cristãos que deem razão da “esperança que há em vós”.
Diretamente sobre esperança, resp. sobre esperar, a IP e refere-se no início da eulogia
em 1.3, no início da parénese (1.13) e no término de sua fundamentação (1.21).
326 paj-a as tradições do judaísm o incipiente (sobretudo 2Bar) e do cristianismo primiti
vo (sobretudo Mt 5.11-12par.; Lc 6.22s; Tg 1.12), em pregadas nesse contexto, cf.
NAUCK, W. Freude im Leiden. Zum Problem einer urchristlichen Verfolgu ngstra
dition. Z N W 46, p. 68-80, 1955.
90
bém o louvor hínico com sua exaltação da ação de Deus (1.3-5) visa à
reação humana presente, descrita em 1.6-9, que reside em louvor e
“alegria indizivel e transfigurada” (1.8; cf. 1.6).
91
aberta pelo evangelho, sendo que a metáfora da “regeneração” divina é
empregada agora na figura do renascimento (ocorrido) e interpretada
como superação da escravidão à morte a que está sujeita a vida huma
na, por meio da “semente incorruptivel” da palavra de Deus (1.23-25).
92
na. “Aqui, ao contrário de Paulo, não se deduz o imperativo do
indicativo anteriormente desenvolvido. Antes, a parênese encontra-
se no início, sendo fundamentada pela referência anexada à vontade
e às ações de Deus.”^^° É bem verdade que a IPe concorda com Paulo
no princípio teológico de que o dom divino precede e possibüita toda
e qualquer autodeterminação cristã - a imagem da regeneração, resp.
renascimento, repetida três vezes (1.3, 23-25; 2.2), não deixa dúvidas
quanto a isso.^^^ Por outro lado, o interesse da IPe (que já chama
atenção na introdução da carta, em 1.2) em mesclar, desde o início, a
promessa da graça divina com a necessidade de uma conduta cor
respondente, como segundo elemento constitutivo da existência cris
tã, parece constituir uma característica de muitos teólogos da tercei
ra geração^®^ - provavelmente como reação a compreensões deforma
das do anúncio da graça, contra as quais também Paulo já tinha que
lutar.^^^ Nesse ponto também reside uma curiosa semelhança entre a
IPe e as demais “cartas católicas”, que dela diferem em muitos as
pectos. Convém atentar que essas primeiras afirmações fundamen
tais em relação à ética não são colocadas no contexto do discurso
sobre o povo de Deus, mas sobre o renascimento. Isso sublinha a
orientação teocêntrica da instrução ética na IPe.
93
misso: o V. 13 reclama dos destinatários o direcionamento ilimitado
da totalidade de sua existência para a salvação prometida por Deus.
94
derantemente em contextos escatológicos®"*“ e visa prevenir para que
as pessoas não se deixem enganar e anestesiar pela realidade que está
diante dos olhos.
95
ouve ou ob-edece (ÚTT-aKoúco) alguém não é entendida como negação
da liberdade no contexto neotestamentário, mas como ligação a Deus,
razão imprescindível para que os crentes possam tomar-se realmen
te livres. IPe 2.16 enfatiza isso na formulação aparentemente para
doxal de que os cristãos são livres como “escravos de Deus”. Essa
liberdade confirma-se aqui na renúncia às dependências imperantes
na vida de outrora, que a IPe - no típico esquema preto-e-branco da
linguagem da conversão (Ef 4.17-19; cf. IPe 2.9) - caracteriza pelos
termos “ignorância” e “paixões” como cormptas em relação ã cons
ciência e vontade.
Excurso 5: As paixões
Geralmente se associa a batalha contra as paixões (da carne) em especial
com o afastamento de prazeres sensuais (da gula até a sexualidade). Isso não é
totalmente errado. O controle d a vida instintiva é para toda a ética antiga um
pressuposto de vida hum ana bem-sucedida; isso não vale só para as correntes
“socrãticas” do platonismo, cinismo e estoicismo^''^, m as também para a corren
te hedonista contrária, p ara Epicuro. Mesm o o filósofo de Kepos “pede por
ascese”^"*®; seu conceito de prazer é restritivo, priorizando o uso da razão ao do
ventre.^"“ Pois todas as filosofias antigas coincidem na opinião de que os ins
tintos animalescos não-filtrados impedem a liberdade do ser humano para um a
vida autodeterminada; pelo seu desejo, o ser humano transforma-se em escra
vo daquilo que não corresponde à sua essência, como, p. ex., Epicuro sempre
acentua em sua diatribe da liberdade. “A verdadeira liberdade não é alcançada
pela satisfação de todos os desejos, m as pelo seu extermínio (àvaoKeuTj rfjç
€1TL0D|iLa(;).”3‘*^
A despeito de todas as diferenças, o que une o hedonista Epicuro ao
moralista radical Epiteto é a convicção de que a única possibilidade para alcan
çar a verdadeira felicidade é o ser hum ano ter controle sobre os seus instin
t o s . N a crítica dos desejos não se trata, portanto, de u m a repressão com-
Epiteto (50 - 120 d.C.) aconselha abster-se de todos os sentimentos de prazer (r)5o;/ií)
(Epict, Ench 34).
ERLE R , M. S o k ra te s ’ R olle im H ellen ism u s. In; K E SSLE R , H. (Ed.). S o k ra te s .
Nachfolge und Eigenwege. Kusterdingen, 2001. p. 216; “Epicuro reivindica ascese
e refere-se com isso não a um a abstinência radical, mas a um a dosagem sábia”.
Epicuro está interessado, sobretudo, na paz de espirito por contentamento, portanto
no controle racional e na integração dos instintos; o valor m áxim o para ele é a
ataraxia, de form a alguma o excesso.
345
Epict, Diss IV, 1,175; sem elhante Epict, Ench 34.
346
Epicuro argum enta nesse contexto diferenciando o conceito de desejo; “Quando,
pois, dizemos que o desejo é a meta, não nos referimos com isso ao desejo dos que
não têm controle e daqueles que persistem no prazer, eomo pensam alguns que o
ignoram (...) ou entendem mal, mas a não sentir dor no corpo nem distúrbio na
alma. Pois u m a vid a rep leta de prazer não é gerada p or orgias de bebedeiras e
deleites que se seguem um as às outras, tam bém não pelo desfrutar de joven s e
mulheres, de peixes e de todo o resto que um banquete dispendioso oferece, senão
por um a razão sóbria, que perscruta os m otivos de toda escolha e renúncia [...]”
(Epict, Men 131s; tradução de H.-W. Krautz). Epiteto requer, ao contrário, ^éyaç àyóv,
o “grande combate da alma” contra as paixões (Epict, Diss II, 18), com o objetivo de
96
pulsiva da sensualidade, mas da integração dos impulsos animalescos como pres
suposição para um a vida bem-sucedida. Essa convicção é também compartilhada
pelo judaísmo helenista^'^’'; Füo acentua reiteradamente que o judeu, como verda
deiro sábio, se abstém das paixões sensuais (cf. FUo, ConfLing 75-82), que por ele
não raro são explícita e polemicamente contrastadas com as orientações exis
tencial e de conduta não-judaicas, “cujo território é o desejo e cuja lei é a satis
fação sensual” (Filo, QuaestGen IV,39). Também n a apologia de Josefo é ju sta
mente a moral sexual na qual ele exempUíica a superioridade da lei judaica.^'*®
É provável que tenha desempenhado algum papel o fato de que se tenha
visto ai um a chance de u m a minoria religiosa - não raro também eticamente
desacreditada - se impor pela posse de um a ética particularmente rígida, um a
estratégia que também foi u sada pelo cristianismo primitivo. Essa pressão para
a legitimação, contudo, só fazia reforçar o que de qualquer maneira, em matéria
de conteúdo, já estava reconhecido independentemente do fato aludido, a sa
ber: na batalha contra o desejo, o que está em jogo é um a vida bem-sucedida,
que para judeus e cristãos equivalia a ter comunhão com Deus e obediência à
su a vontade. M as é justamente contra essa orientação da existência na vonta
de de Deus que se colocam os desejos e prazeres, apossando-se dos crentes e
influencÍ6indo-os prejudicialmente. E ssa é a razão pela qual também é necessá
rio o esforço próprio para privar as paixões de su a arbitrariedade destrutiva,
sendo que o “destrutivo” é visto - de modo bem judaico - no impedimento da
justiça divina (4Mac 2.6ss). Pela sua capacidade de julgamento®'’®, orientada na
vontade de Deus, o crente controla “não somente a fúria da vontade do querer,
mas todo desejo (èTri,eu|j,í,a)” (4Mac 2.4) - podendo, dessa forma, integrar num bom
sentido a sensualidade em su a personalidade: “A capacidade de julgam ento,
como exímia jardineira, toma todas elas (sc. as paixões), lim pa-as bem, corta-
as, am arra-as, coloca-as sob u m a rede, rega-as de todas as maneiras ao redor,
enobrecendo dessa maneira a vegetação dos costumes e das paixões. Pois que
a capacidade de julgam ento é a líder das virtudes e um a soberana poderosa
sobre as paixões” (4Mac 1.29s; tradução de H.-J. Klauck). Para tanto, contudo,
só está apto quem domestica os desejos, para o que é preciso certa dose de
“treinamento” no autocontrole, ou seja, na “ascese”.
um a total liberdade delas: “ De início, porém , afasta totalm ente o desejo. Pois se
desejas algo daquilo que não está em nosso poder, serás necessariam ente infeliz
[...]” (Epict, Ench 2).
No Antigo Testamento, o combate contra o desejo como tal ainda não desempenha
nenhum papel; é só nos escritos posteriores, como o 4° Livro dos Macabeus, que o
controle sobre as paixões passa a constituir um tema predominante.
Cf. Jos, Ap 11,199-203.215. Em Jos, Ap II,244s, em sua avaliação crítica dos deuses
gregos, é atacada a sua vida sexual desenfreada como “a coisa mais vergonhosa de
todas” (■návxc^v ào6lY*°''^^P°v) •
A 4 M ac fa la de “ ca p a cid a d e de ju lg a m e n to ” , m as refere-se, com o m o stra sua
argumentação, ã orientação na Torá.
97
forma de vida, o axíi|ia.^®° Em IPe 2.11, essa batalha dentro do ser
humano entre relação com Deus e paixão (carnal) é mais uma vez
intensificada na imagem drástica de uma guerra das paixões contra
a alma (como o aspecto da pessoa direcionado para Deus). A metáfora
da guerra reflete claramente a consciência que existe ai um poder
inimigo que ataca o interior e procura conquistá-lo a fim de inter
romper a orientação dos “filhos da obediência” (IPe 1.14) em Deus
como seu Pai (1.17; cf. 1.2).
98
essa palavra contém um claro momento de delimitação: “santo” é p e r
d e fin itio n e m aquilo que é separado da esfera do profano.^®® Tal sepa
ração, porém, nada mais é que o reverso da pertença a Deus (cf. 2.5,
9), que é o santo por excelência.
Caso o hebraico tínp seja um derivado de 4p, “separar” (cf. PROKSCH, O. Verbete ayi-oí;
kU . In: ThWNT. Stuttgart, 1957 [=1933]. v. I, p. 88; KORNFELD, W. Verbete onp.
In: ThWAT. Stuttgart, 1989. v. VI, p .ll8 1 ), a separação no hebraico encontra-se já
em butida no próprio termo.
HORST, P. W. van der. Pseudo-Phocylides and the New Testam ent. ZNW 69, p.
191, 1978.
99
faz referência explícita a L v 11 e 1 9 e designa a correspondência à
santidade de Deus como o real motivo para a conduta dos “forasteiros
eleitos da diáspora”.^®® Dessa forma a ética é diretamente fundamenta
da na relação com Deus. Mesmo assim, também aqui se tem ciência da
atividade antecedente de Deus na vocação: como ó KaÀéoctç ayLoç, Deus
estabeleceu relação com os crentes, sendo sua santificação a respos
ta a essa iniciativa divina (cf. também 1.2: kv àviaoircò irveutiaroç).
100
Essa indicação de Deus como juiz encontra-se com relativa frequên-
eia na lPe.^®° Em eonexão com a discussão sobre o sofrimento injus
to, essa indicação serve, muitas vezes, eomo eonsolo e alívio para os
implicados (IPe 2.23; 4.5, 19). A referência ao Deus que “sem acepção
de pessoas, julga segundo as obras de cada um”, em 1.17, sublinha,
ao contrário, a responsabilidade de cada qual pelas suas obras.
Ambos os aspectos do juízo divino - o consolador e o exortativo, sim,
admoestador - são tradicionais.
A o con trário da m a ioria de praticam en te todas as dem ais afirm ações do Novo
Testamento sobre o juízo, na IP e o ju iz não é Cristo, mas unicamente Deus.
epyov “é empregado aqui no singular como designação do procedimento em geral, da
conduta” (GOPPELT, 1978, p. 120, com referência a Is 40.10; 62.11; IC o 3.13ss;
G1 6.4; Ap 22.12).
BRUNNER, H. G ru n d z ü g e d e r A ltä g y p tis c h e n R e lig io n . D arm stadt, 1983. p. 130:
“Parece que todas as concepções de tal ju ízo em outras religiões, pelo m enos no
Mediterrâneo e em suas áreas dependentes, foram determinadas pelo Egito” .
Trata-se da instrução de um faraó a seu filho e sucessor, Meri-ka-re: “A corte de justiça,
que julga os miseráveis, tu sabes que eles não serão brandos naquele dia, já que os
infelizes serão condenados [...] Ruim é quando o acusador é onisciente [...] Depois da
morte, o ser humano fica só e as suas obras são amontoadas ao seu lado. Ali a gente
permanece etemamente, e quem se queixa disso é um tolo. Quem consegue alcançar (o
além) sem, contudo, ter cometido injustiça, esse será ali como um deus, caminhando
em liberdade como os senhores da eternidade” (BRUNNER, 1983, p. 131); cf. ainda
GRIESHAMMER, R. D a s Jenseitsgericht in den Sargtexten. Wiesbaden, 1970.
Cf. a confissão de pecados negativa diante do ju iz dos mortos no dito 125,10ss, que
pressupõe um a recom pensa no além (125,9: “Dia da prestação de contas”) e que
provavelm ente foi proferida num a sessão da corte ju d icial diante dos deuses (cf.
HORNUNG, E. D a s Toten b u ch d e r Ä gy p ter. Eingeleitet, übersetzt und erläutert von
E. Hornung. Zürich; München, 1990 (= 1979). p. 28s): “O (...) ‘Senhor da verdade
plen a’ é teu nome. Eu cheguei até a tua presença, trouxe-te o direito e afastei a
injustiça para ti [...] Não pratiquei nenhuma injustiça para qualquer pessoa, e não
m altratei nenhum anim al [...] não ofendi nenhum deus. Não prejudiquei nenhum
órfão quanto ã sua propriedade [...] Não causei dor nem deixei (alguém) passar fome,
não provoquei lágrimas. Não matei, e (também) não solicitei que se matasse; a ninguém
provoquei um sofrimento” . (HORNUNG, 1990, p. 233s. Trata-se aqui só do início -
na verdade toda a passagem é mais de dez vezes tão extensa!).
101
E ssa concepção popularizou-se no pensamento ocidental especialmente
por intermédio de Platão. Ele - cabe aqui referência, sobretudo, aos mitos finais
em Gorgias e n a Politeia - adota a referida concepção no contexto de uma fundamen
tação última para sua ética. Em contraste com u m a interpretação da realidade, que
não afirm a os valores senão como estabelecidos arbitrariam ente, a razão
argumentativa consegue apresentar contra-argum entos, consegue defender a
certeza característica dos filósofos de um a ordem mundial abrangente com ju s
tiça, embora não consiga comprová-la empiricamente. Nesse ponto reside o lu
gar da narrativa mítica final que esclarece, metaforicamente, que este mundo
em verdade é influenciado e determinado por um a ordem justa. Essa se estende
além do m undo captãvel pelos sentidos e, dessa forma, igualmente além da
existência individual corpórea“ ^, apontando, justam ente por esse intermédio,
de novo para a responsabilidade incondicional devida ã vida neste mundo.
Também no Antigo Testamento a concepção de Deus como juiz é encon
trada seguidamente^'"'’ -, m as num a forma muito específica. Nada é dito sobre
um julgamento dos mortos em que as obras de cada pessoa são pesadas. Q uan
do é falado de julgamento nos profetas, então isso designa u m a ação punitiva
intra-histórica, seja aos povos estranhos pela sua arrogância, seja a Israel pela
su a desobediência. Ao que tudo indica, o pensamento de um julgam ento não
entrou em Israel por meio do pensamento comum de um a justiça, mas por meio
da fé em D eus como Senhor {certamente justo). O julgamento de D eus é, a s
sim, intervenção ordenadora do criador e mantenedor do mundo, que não permi
te que su a vontade e a ordem por ele estabelecida sejam desrespeitadas sem
102
consequências.^®^ Tanto nos salmos como nos profetas, esse processo apresen
ta um desenvolvimento n a direção de um juizo universal como nova ordem da
realidade, que chega até a ser anelado apesar dos horrores a ele ligados, como,
p. ex., mostra o SI 94, que diante das injustiças opressivas inicia com o grito:
“D eus da retribuição JHW H, D eus da retribuição, apareça! Levanta-te, juiz do
mundo. Retribui aos orgulhosos as suas ações” (SI 94. Is).
Naturalmente o anúncio do julgamento representa evangelho, sobretudo
para os sofredores, para as vítimas. É necessário, no entanto, precaver-se con
tra derivações por demais unilineares, que só levam em consideração a neces
sidade de retribuição; p ara muitos textos proféticos (cf. também Is 26.8s) ou
orações de salmos, juizo e salvação pertencem intimamente juntos como a laoa-
nova: D eus mesmo vem e, julgando, estabelece o seu reino. Por isso o ju lg a
mento de Deus nos salmos pode ser objeto de imenso júbilo e louvor (cf. SI 96;
98). E ssa tendência continua no judaísm o incipiente. Ali podem ser amplamen
te descritos os horrores do julgamento, mas também nesses casos “a palavra
julgamento permanece, em essência, u m a palavra alegre”?^^ E ssa estreita rela
ção entre bondade de D eus e seu julgam ento também é destacada de forma
notória pelo Targum Neofiti.^®® N a narrativa sobre o assassinato do irmão por
Caim, o Targum insere um último debate entre os irmãos. Caim, irado pela
preferência tributada a Abel por Deus, nega um a estrutura fundamental ética
da realidade: “O mundo não foi criado com amor e não é regido segundo os
frutos das boas obras (...) Não há nenhum julgam ento e não existe nenhum
juiz!” Com isso, porém, também não existe mais responsabilidade, e a conse
quência de tal autonomia é o fratricídio! Mas o assassino não fica com a última
palavra. Ao cinismo da violência triunfante do assassino é contraposta - pela
boca da vítima, Abel! - a confissão da justiça e bondade de Deus: “Percebo que
o mundo foi criado com amor (...) (E justamente por isso) existe um julgamento
e um juiz”. O julgamento aqui é praticamente a comprovação de que este mundo
foi criado com amor/misericórdia (fS^DmD); o julgam ento de D eus é a conse
quência de su a misericórdia!
Esse anúncio de juízo contém u m a conotação admoestadora, até am eaça
dora, onde ele se defronta com pessoas que praticam a injustiça. Enfatizada é,
sobretudo em textos parenéticos, a responsabilidade diante de Deus. Enquanto
no Antigo Testamento essa é pensada preponderantemente de forma coletiva,
no judaísmo incipiente e no cristianismo primitivo a responsabilidade individual
gradualmente assum e o lugar central. No contexto dessa individualização ocor
re tam bém a fu são das concepções de ju lg a m e n to veterotestam en tária e
helenista: a esperança pela implantação do reino de Deus é ligada à individua
lização da escatologia e a um correspondente julgamento individual segundo as
obras de cada qual. D essa forma surge o conglomerado conceituai que parte de
Isso também mostra a conceituação: enquanto os termos gregos para “julgar” encon-
tram -se orientados no processo da diferenciação (Kpíi/co, de “ separar, inspecionar,
distinguir”) e, em decorrência, designam desde o início um ato forense, no qual um
indivíduo é julgado, o hebraico BStí orienta-se no processo do exercício de poder:
significa, origin alm en te, “dirigir, re g er” , depois “ d ec id ir” e, fin alm en te, “ju lga r,
assegurar ju stiça ”; c f NIEHR, 1995, p. 412-417.
VO LZ, P. D ie E s ch a to lo g ie d e r jü d is c h e n G e m e in d e im n e u te s ta m e n tlich e n Z e ita lte r.
Nach den Q uellen der rabbinischen, apokalyptischen und apokryphen Literatur.
H ildesheim , 1966. p. 92.
TN, Gn 4.1-8. A tradição também está testem unhada no TPsJon e no Targum dos
fragm entos (cf. GINSBURGER, M. (Ed.). Ta rgu m J o n a ta n B e n U zziel. Berlin, 1903)
sobre 4.8, ou seja, en con tra-se largam en te d ifu n d id a no Targu m p a lestin en se
parafraseado.
103
um juízo final com julgamento individual das obras de cada pessoa, combinando
entre si diversos círculos concepcionais nesse p r o c e s s o . I s s o constitui o pano
de fundo da escatologia do judaísm o incipiente (e, depois, também do cristia
nismo primitivo), com consequências para a imagem do ser hum ano e a funda
mentação da ética. Um exemplo disso é o tratado da M ishná, Avot, o único
tratado da Mishná a encontrar utilização litúrgica.^^' Nele, por diversas vezes, a
existência hum an a é interpretada como concessão®^^, da qual o ser hum ano
deve, no futuro, prestar contas diante do seu juiz.^'^® O fato de D eus ser juiz é.
104
em primeiro lugar, a boa notícia de que a história do mundo não é já o julgamento
do mundo. Simultaneamente, por esse intermédio, sublinha-se a responsabili
dade do ser humano diante de Deus.
Enunciados comparáveis também se encontram no Novo Testamento, pois
a redenção trazida por Cristo de forma algum a exclui a responsabUidade de cada
pessoa por seus atos, o que também Paulo destaca quando afirma em 2Co 5.10
que “importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo para
que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”.
Tam bém n a grande figura de julgam ento apresentada ao final do discurso
apocaliptico em Mt 25.31-46 é precisamente o Cristo que retorna que ju lga e
condena as pessoas segundo o critério do amor realizado ou omitido. Deve-se
observar, nesse contexto, que no Novo Testamento a função de juiz é atribuida
mais e mais a Cristo. Paulo pode referir-se tanto a D eus Pai (cf. Rm 14.10)
quanto a Cristo (2Co 5.10) como juiz. A orientação da IP e é, no entanto,
teocêntrica. Isso se mostra pelo fato de em 1.17, e provavelmente também em
4.5, Deus ser o juiz.
m etade relacion a-se com D eus com o criad or e sen h or sobre o m undo. Os três
predicados da segunda parte - ju iz, testem unha e senhor do ju ízo = acusador -
tom am claro que, com exceção do acusado, todas as demais funções no julgamento
são assumidas pelo próprio Deus.
Cf. Sir 2.15s; cf. também a interpretação dos Dez Mandamentos no Catecismo Menor,
por Lutero: “Devemos tem er e a m a r a Deus [...]”.
105
um elemento constitutivo da iríotu; (Rm 11.20; 2Co 5.11).®’^®Isso ain
da é sublinhado pela referência à imparcialidade de Deus, que justa
mente julga a cada um segundo as suas obras^^® “sem fazer acepção
de pessoas”. A IPe, numa maneira que lhe é tipica^^®, fala da con
duta de vida, da àyaotpoct)fi. O tempo de vida é designado como tempo
em que se é peregrino. Isso lembra um motivo central da carta, o da
terra estranha (no endereçamento, em 1.1, e no inicio da segunda
parte principal, em 2.11). Em 1.17, a referência ao “tempo da peregri
nação” sublinha a provisoriedade da vida presente, unindo essa com
a perspectiva do retorno a Deus, o Pai e Juiz.
106
Chama a atenção a provocativa antítese ao autoentendimento pagão. Para
esse, aquilo que os pais haviam transmitido, o mos maionim, representa
va a norma por excelência. O fato de ele ser aqui refletido em conexão
com o adjetivo iráraioç sublinha mais uma vez, de forma insistente, o con
traste em relação à sociedade do entorno e, com isso, a qualidade do
“ser-forasteiro”, inerente aos cristãos. Com o predicado iiámioç, “fútil”,
“vão”, “sem verdade”, “sem perspectiva”, a Septuaginta e, em seu segui
mento, o judaísmo incipiente e o cristianismo primitivo qualificam toda
orientação de conduta e de existência, segundo a qual o ser humano
rejeita sua dependência de Deus, ficando assim a mercê da transitorie-
dade e futüidade.^®^ O termo é, ao mesmo tempo, também sinônimo para
deuses do entorno e, assim, para uma orientação religiosa errônea.^®^
Os cristãos “foram comprados” dessa “fútil” existência. A conceituação
do resgate aponta para várias raízes: em primeiro lugar, ela lembra, jus
tamente taunbém em conexão com um “preço de compra”, o resgate de
escravos.®®® “O resgate por Deus sinaliza uma mudança de propriedade
e liberta das relações existenciais pré-cristãs, compreendidas como es
cravidão.”®®"* Ao mesmo tempo, subjaz nesse conceito uma alusão relati
vamente clara a Is 52.3 LXX, à promessa de Deus aos cativos da Babilô
nia de que ele não os resgataria por meio de prata (oi) iierà àpyupíou
ÀUTpo)9r|aea9e), portanto ã ação libertadora de Deus na história do seu povo.
Por fim, o termo grego lorpóco lembra também Mc 10.45, em que a doação
de vida de Jesus é interpretada como um Àórpoy àvd TToÀÀcòy, um “resgate
para muitos”. Essa última referência é ainda reforçada pelo versículo
seguinte, que remete explicitamente à morte sacrificial de Jesus. Não é
possível decidir de forma inequívoca se todos os três motivos (resgate de
escravos, libertação do exílio e expiação pela morte de Cristo) estavam
conscientes ao autor da IPe quando da redação de suas linhas, e me
nos ainda sabemos o que exatamente os destinatários associavam ao ler
e ouvir a carta. Mas essa multiplicidade de alusões não-excludentes
entre si pode ter sido perfeitamente proposital, já que todos os motivos
que aqui aparecem têm em comum os aspectos da libertação de depen
dência e perdição, reforçando dessa forma o encmciado.
Cf. Sl 9 4 [9 3 ]. ll (citado em IC o 3.2 0); sob re a id o la tria , A ris t 134; 137; Sib
111,29.547.555; V,83; sobre as riquezas, Arist 321; sobre a violência da ira, TestXII.Dã
4.1; no Novo Testam ento, cf. ainda IC o 15.17; Rm 8.20; E f 4.17.
Cf. Lv 17.7 LXX: “Não oferecerão mais os seus sacrifícios aos espíritos do campo [xoXç
paraíoLç] [...]”; no Novo Testamento, cf. At 14.15, onde Paulo e Bam abé resumem da
seguinte form a o conteúdo da prédica m issionária em relação aos habitantes da
Licônia, que os tomavam por deuses: “vos anunciamos o evangelho, para que dessas
coisas vãs [àirò toútíov tcõv paxaLUv] vos convertais ao Deus vivo” .
O resgate de escravos p or m eio de ouro e prata é testem unhado p or Jos, A nt
X II,28.33.46; XIV.107.371; X V ,156; Bell 1,274.384; cf. BÜCHSEL, F. Verbete Xúu
KTÃ. In: ThW N T. Stuttgart, 1966 (=1942). v. IV, p. 341; DEISSMANN, A. L ich t vom
O s te n . Das N eu e T e s ta m e n t u n d die n e u e n td e c k te n T e x te d er h e lle n is tis c h
röm ischen W elt. 4. ed. Tübingen, 1923. p. 275ss.
HERZER, 1998, p. 124.
107
V. 19 O resgate ocorreu através do sangue de Jesus, que é comparado
em seu efeito redentor com o cordeiro sacrificial (sem mácula) vetero-
testamentário. O sacrifício representa, justamente onde a questão em
pauta é a reconeüiação de Deus, muito mais do que mero desempenho
humano substitutivo; no grande dia da reconeüiação, significa a doa
ção vicária de vida, possibilitada por Deus (com graça), a fim de que pos
sa novamente voltar a estar no meio de seu povo, cuja vida havia sido
arruinada.^®® Nesse sentido é também compreendida a doação de vida
de Jesus Cristo no Novo Testamento: por intermédio dela não foram os
seres humanos que reconcüiaram Deus, mas Deus que os reconciliou
consigo, não só a eles, mas a todo o mundo (2Co 5.19; Cl 1.20; também
Rm 5.1-11 e outros).®®® Mesmo que a IPe não explicite melhor essa con
cepção, mas pressuponha de maneira formal a reconciliação pelo san
gue de Jesus como convicção comum, também ela deixa claro, através
da imagem do resgate, que com isso é feito referência a um evento em
que Deus criou a possibüidade de redenção. Seu acento distintivo a IPe
coloca na contraposição do sangue de Cristo aos bens terrenos. Isso
parece ser superficial, mas, pela contraposição explicita do metal pre
cioso “corruptível” ao sangue de Cristo como “cordeiro sacrificial sem
defeito e sem mácula”, todo o evento redentor é colocado em oposição
explícita ã esfera terrena da transitoriedade, ficando novamente clara
sua alteridade fundamental. Não se trata aqui de uma oposição ontológica
entre passageiro - perene (o que também dificümente seria compreensí
vel, haja vista a durabüidade bem menor do sangue quando comparado
com o metal precioso); a oposição entre metal precioso e sangue carac
teriza, antes, uma oposição entre dois modos de vida e suas avaliações
teológicas contrárias. Pois ouro e prata são meios usados para a afirma
ção violenta da vida à custa de outros: já a sua aquisição custa vidas®®'^,
e quem os acumrda explora outros (Tg 5.1-5; cf. Ap 17.4); na qualidade
de “meio para atrair o mal” e “combustível de guerra”®®®, o metal precioso
108
é ferro nocentius, mais prejudicial que o ferro empregado na produção
de armas mortais.^®® Em contraposição a isso, aqui ocorre o resgate pela
doação de vida. Esse motivo ainda é reforçado por intermédio da ima
gem do cordeiro sem mácula, e por isso adequado como sacrifício no
templo, empregada para Cristo. Nesse contexto, IPe 1.19 faz referência
ao poder criativo salvífíco do sacrifício.^^° A metáfora do cordeiro sacrificial
tem, porém, um excedente semântico, que se revela precisamente no
contraste com o leão no final da carta (IPe 5.8): enquanto o predador,
que “ruge, procurando alguém para devorar”, vive do sangue de outros,
o cordeiro é o sacrifício por excelência, do qual vivem os outros. Nesse
sentido, o cordeiro também simboliza Cristo como aquele que não vive
de outros, mas que se sacrifica por eles.^^^
109
tro da história salvifica - eles são o objetivo último do planejamento
divino anterior ao tempo e de sua execução ao final dos tempos.
Novamente (1.3, 15, 17; cf. ainda 2.9, 23 e outros) Deus não é descrito aqui com
adjetivos, mas particípios. A IPe compartilha essa particularidade com Paulo^®^
e ela é reveladora para o discurso sobre Deus, pois adjetivos descrevem o ser;
particípios, ao contráirio, o efeito e a ação. N a literatura neotestamentária das
cartas, trata-se, mais exatamente, de um a ação que tem por objetivo o outro.
Mesmo onde n a IPe é empregado excepcionalmente um adjetivo, na santidade
de Deus em 1.14s, esse vem unido ao particípio KaÀéoai;, que tom a claro não ter
essa santidade su a razão de ser na delimitação em relação a pessoas, m as em
sua incorporação, sim, n a autocomunicação de D eus ao outro.
Cf. BROX, 1993, p. 83; “Essas poucas palavras descortinam dimensões universais
e h is tó ric o -m u n d ia is , que elas d eix a m d es a g u a r d ireta m en te no d estin o dos
interpelados: o acontecimento dramático, pré-cósmico e escatológico foi querido por
Deus ‘ôl’ úpôç/por vossa causa”’.
Cf. FELDMEIER, R. Paulus. In: AXT-PISCALAR, Ch.; RINGLEBEN. J. (Eds.). D e n k e r
d es C h risten tu m s. Tübingen, 2004. p. 1-22.
110
* Literatura sobre IPe 1.22-25: EVANG, M. ’E k KapSíaç àXX'pXouç àyain^aaTe ÈKTevwç.
Zum Verständnis der Aufforderung und ihrer Begründungen in IPetr l,22f. ZNW
80, p. 111-123, 1989; La VERDIERE, E. A. A Grammatical Ambiguity in 1Pet 1:23.
CBQ 36, p. 89-94, 1974.
111
tem uma predileção especial pelas relações no interior da comuni
dade devido à pressão exterior, contra o que os cristãos não têm o que
contrapor senão a união (semelhante G1 6.10). O pedido por cj)LA.aôeA.(j)ía
encontra-se com maior frequência no Novo Testamento (cf. Rm 12.10;
ITs 4.9; Hb 13.1; 2Pe 1.7).
Sobre o desafio de am ar ou crer sem fingim ento, cf. Rm 12.9; 2Co 6.6; IT m 1.5;
2Tm 1.5; Tg 3.17.
BROX, 1993, p. 86.
Cf. GOPPELT, 1978, p. 127: “com toda doação”; SCHELKLE, 1980, p. 52: “fervoroso”;
BROX, 1993, p. 85: “duradouro” .
Cf. EVANG, M. ’Ek Kapôíaç àUiíXouç ayaTnioaie êKxevôç. Zum Verständnis der Aufforderung
und ihrer Begründungen in IP etr l,2 2 f. Z N W 80, p. 116, 1989.
112
ponsável pela renovação do ser humano. Como ocorreu com o resgate
no trecho anterior, aqui novamente é sublinhada a proveniência “não-
mundana” do meio de salvação redentor - nesse caso, pela antítese
entre semente “corruptível” (como pressuposição da primeira cria
ção) e a “viva e permanente palavra de Deus’”*“^ como a semente
“incorruptível”.'^“® Também esta é uma imagem relativamente arroja
da: a palavra dÍArina é descrita em sua ação em analogia à semente
humana. Assim como essa possibilita a vida biológica, a palavra, que
por si própria é “viva e permanente”'^““, comunica sua vivacidade e
imperecibilidade, de forma que os que renasceram por seu intermé
dio estejam livres da transitoriedade geral; a palavra do evangelho
possui, como palavra do Criador (1.20), “força criadora”.
113
1.2.5 Renascimento e recomeço (2.1-3)
114
ção dos cristãos com recém-nascidos encontra-se só aqui no Novo
Testamento. Justamente onde a responsabilidade dos cristãos é des
tacada, a fim de que ao novo nascimento possa corresponder uma
nova orientação ética, a dependência de Deus é simultaneamente
mais uma vez sublinhada. Essa nova existência só pode ocorrer ali
onde os que creem sempre são “alimentados” por Deus, ou seja, pre
cisamente pelo “leite da palavra”.
Excurso 7: Renascimento*
* Literatura sobre o excurso: FELDMEIER, R. (Ed.j. Wiedergeburt. Gõttingen, 2005.
(BThS 25).
Filo, RerDivHer 79, cf. DetPotIns 85; cf. ainda JosAs 12.2, onde a palavra divina é
designada como a vida das criaturas.
Uma metafórica semelhante encontra-se também na carta cristã-primitiva de Bamabé.
Essa vincula, em sua interpretação alegórica das afirm ações biblicas relacionadas
com a “terra prometida”, o leite e o mel com a fé na promessa e com a palavra que -
da mesma maneira que o leite e o mel em relação à criança - “vivifica” os que creem
(Barn 6.17). A interpretação dessa im agem mais extensiva relacionada com Deus
feda dos seus seios que são ordenhados pelo Espirito Santo e encontra-se nos Odes
de Salom ão (O dSal [syr.] 19.1ss; cf. C H ARLESW O RTH , J. H. (Ed.). T h e O d e s o f
Solom on . The Syriac Texts. Missoula, 1977. p. 81s).
Cf. BACK, F. W iedergeburt in der religiösen W elt der hellenistisch-röm ischen Zeit.
In: FELDMEIER, R. (Ed.). W ied ergebu rt. Göttingen, 2005. p. 45-74. (BThS 25).
115
mento” por D eus mesmo, ao qual é contraposto o primeiro nascimento por meio
de “pais perecíveis”. Por meio desse segundo nascimento a alm a é libertada do
corpo, tom ando-se participante da “mais santa natureza da hebdôm ada”. O em
prego adicional dessa metafórica no judaísm o helenizado da diáspora testemu
n h a também Ps-Filo, De Jona, em que são designados de renascidos tanto o
profeta que n a barriga do pebce apelava para Deus (25s, §95.99) quanto também
os habitemtes arrependidos da cidade de Nínive (46, §184)"^*^. Semelhantes são
igualmente as afirmações do romance sobre conversão “José e Asenet”, prova
velmente surgido no Egito. Nele, a filha egípcia de um sacerdote emprega, em
conexão com sua passagem para o judaísmo, os verbos ãvaÇcooTroieXv (8.9; 15.5;
27.10), àvocKaLVÍÇeiv (8.9; 15.5, 7) e àmnhkaaíiv (8.9; 15.5) como expressão da ação
divina nela.
Um pouco mais recentes são os textos pagãos oriundos do círculo dos
mistérios. O texto mais marcante é o 11° livro das metamorfoses de Apuleio. A
redenção de um certo Lucius de su a aparência de asno por Isis prefigura o
renascimento pela iniciação nos mistérios. Libertado, por essa iniciação, do
destino cego e colocado sob a proteção de um “destino que vê as coisas”'*^®, que
assegura vantagens como numen irwictum (Apul, Met XI,7) e omnipotem dea (Apul,
Met XI, 16) ao seu adepto tanto nesta vida quanto no reino dos mortos através
de u m a forma de relacionamento clientelista, dito protagonista é renatus quodam
modo (Apul, Met XI, 16). A propagação da metafórica do renascimento em cone
xão com a iniciação nos mistérios é testemunhada também por um a inscrição
no templo de Mitra de Santa Prisca em Roma, a qual designa o dia da iniciação
como o novo dia de nascimento. Também algum as inscrições de Taurobolium
remetem ao dia de nascimento do iniciante nos m i s t é r i o s . A terminologia do
renascimento é igualmente testemunhada - mesmo que só no século IV - por
Sallustius.'*^“
No Novo Testamento, a noção do renascimento encontra-se, fora da IPe,
sobretudo no diálogo noturno de Jesus com Nicodemos em Jo 3; ali (esp. 3.5),
como em Tt 3.5, ela é em pregada para interpretar o batismo (cf. também Jo
1.13). Ao contrário desses textos que correlacionam renascimento e batismo, Tg
1.18 acentua com o renascimento, como a IPe, a ação da palavra de Deus. Um
caso especial constitui o renascimento nos textos herméticos.
As concepções designadas com a metáfora do renascimento são, no en
tanto, de tal forma disparatadas, que não parece poderem remontar a um tipo
u n i f o r m e . A i n d a mais hipotéticas são todas as tentativas de comprovar de-
Cf. sobre isso SIEGERT, F. D re i h e lle n is tis ch -jü d is ch e P red ig ten . Ps.-Philon, „Ober
Jona“ , „Über Jona“ (Fragment) und „Über Simson“ . Kommentar nebst Beobachtungen
zur hellenistischen Vorgeschichte der Bibelherm eneutik. Tübingen, 1992. v. 2, p.
163s, 166s, 207.
Apul, Met XI, 15; essa visão da divindade é a emtîtese consciente da ca ed ta s fortunae.
Cf. sobre isso B U RK ERT, W. A n tik e M y s te rie n . Fu n ktion en u nd G ehalt. 3. ed.
München, 1994. p. 84.
™ Sallust, DeDeis 4=8.24, ed. Nock - ali os renascidos (àvaYewcó^i6voL) recebem leite
após o jejum, cf. IP e 2.2 (cf. WYSS, K. D ie M ilch im K ultus d e r G riechen u n d Röm er.
Gießen, 1914).
Sobre o C orp H erm X III, cf. BACK, F. W ied ergeb u rt in d er re ligiö sen W elt der
hellen istisch -röm isch en Zeit. In: FELDM EIER, 2005, p. 64-69.
Cf. as colocações de BURKERT, 1994, esp. p. 83-86. Os testemunhos para o ritual do
renascimento são, segundo Burkert, “em parte por demais vagos, em parte por demais
pluriformais, para justificar a preferência por uma teoria simples e simultaneamente
abrangente” (p. 84).
116
pendências entre os diferentes testemunhos.'^“ Nesse sentido, inicialmente
cabe dar razão à maioria das interpretações quando rejeitam um a proveniência
e explicação diretas do discurso sobre o renascimento na IPe desses textos
paralelos. D a m esma forma, porém, também não convence a renúncia de toda e
qualquer consideração em relação às fontes da história das religiões, por exem
plo, devido à identificação do renascimento com o batismo.''^'* Pelo contrário, é
justamente na consideração simultânea de contato e diferenciação, de recepção
e transformação que se mostra como a IPe traduziu a verdade do evangelho num
novojogo de palavras por meio de recepção e combinação criativa de diferentes concep
ções, a fim de que pudessem tomar-se realidade também em meio a contextos de vida
diferentes. Para tanto é necessáirio que se considere também, bem mads intensi
vamente do que até a presente data, o renascimento como metáfora religiosa
autônoma, em vez de desconsiderá-lo através de “interpretações” precipitadas.
O que segue dará, em forma de teses, um resumo daquilo que significa a repro
dução da mensagem cristã da salvação pela imagem do renascimento n a IPe:
A metáfora do renascimento personaliza a salvação escatológica. Assim como o
nascimento, também o renascimento é um acontecimento relacionado indivi
dualmente com cada pessoa. Enquanto o nascimento condiciona sua vida terrena,
a função do renascimento é corrigir, resp. superar as condições colocadas com o
seu primeiro nascimento (cf. em especial IPe 1.23s). A concentração na “salva
ção das almas” representa u m a modificação de acento significativa em relação à
escatologia do cristianismo primitivo, influenciada pela apocalíptica e articula
da, p. ex., na pregação de Jesus sobre o reino de D eus vindouro ou n a esperan
ça de um a nova criação (desde Paulo'^^^ até o Apocalipse).
Com o renascimento é sublinhada ajá ocorrida renovação da existência dos cren
tes e, com ela, apresentificação da salvação. Essa personalização permite identificar,
também num mrmdo ainda não-redimido - e os sofrimentos sempre reportados
na IPe destacam com insistência esse estado de não-redenção - , um lugar em
que a renovação escatológica já tenha se realizado, a saber, nos que creem'*^®. No
motivo repetido da alegria em meio aos sofrimentos (1.6; 4.13s; cf. 3.14; 5.12),
essa renovação já pode ser experimentada como superação e transformação da
experiência negativa do mundo e, assim, como antegozo da glória vindoura.
No presente, contudo, a salvação só pode ser experimentada na medida em que,
naforma da esperança, ofuturo de Deusjá qualifica o presente dos que creem. Pelo fato
de o renascimento ser definido como renascimento “para um a viva esperança”, a
IPe deixa claro que a referência ao futuro permanece constitutiva para ele. A vida
dos eleitos vai se tom ar nova em função da “herança nos céus” (1.4), que, apesar
de já Lhes ter sido dedicada n a ressurreição de Jesus Cristo (1.3), será revelada
unicamente “no final dos tempos” (1.5). Essa salvação futura para a terra está
presente unicamente no modo de fé e amor (cf. 1.8); na “viva esperança”, a salva
ção ainda ausente é presentificada para os crentes como perspectiva vivificante
e, por isso, portadora de alegrias, sem, contudo, perder sua dimensão futura.
117
Os renascidos vivem neste mundo como “peregrinos”; ao mesmo tempo, encon
tram-se integrados na nova comunhão do povo de Deus. D essa maneira, a condição
de salvação recebe um a forma social e histórica.
Ao mesmo tempo, com o renascimento. Deus e o ser humano encontram-se defi
nidos em sua relação mútua: Deus como o poder de vida que vence a existência humana
escravizada à morte; as pessoas como “filhos/as”. Como tais, já não são mais so
mente criaturas, m as têm simultaneamente participação genética com D eus
como “Pai”.'*^'^ Dito de outra forma: pela regeneração. Deus dã pairticipação em
su a própria vitalidade e eternidade. De forma correspondente, predicados ex
clusivos da divindade, como incorruptibilidade, imarcescibilidade, imaculabUi-
dade, tornam -se, pelo processo do renascimento, em atributos da nova vida
(esp. IPe 1.4, 23; cf. também 3.4; 5.4).
Renascimento sublinha que a nova existência deve-se exclusivamente ao Deus
que, na palavra, se comunica e dá participação de si. Como o ser hum ano não pode
fazer absolutam ente n ada para su a geração e nascimento, assim tam bém a
metáfora da regeneração, resp. do novo nascimento, destaca que salvação é algo
que nos acontece, que o renascido não é senão um recebedor.
Pela sua relação com Deus como “Pai”, os renascidos são, simultaneamente,
“filhos da obediência” (1.14). A palavra de Deus que transforma as pessoas não é
somente a palavra que elege e promete, mas, ao mesmo tempo, a palavra que
ordena, n a medida em que, em oposição à orientação de vida que até o momento
estava determinada pela “concupiscência”, espera pela correspondência com a
santidade de Deus (1.14ss).
C f o y^vv!\(ikvxa oü iT0Lr|9évTa (genitum, non fa ctu m ) no símbolo niceno, que tem justamente
esse destaque, ou seja, que a filiação de Jesus vai além da relação mais exterior
entre produtor e produto, implicando um a participação na essência de Deus. É isso
que provavelmente também quer dizer 2Pe 1.4 com a participação na natureza divina.
™ Isso fica claro por meio de IP e 2.4 onde o “Senhor” de 2.3 é acolhido na imagem da
“pedra viva” , que claramente se refere a Cristo.
‘‘=5 C f sobre isso BLASS-DEBRUNNER, 2001, § 24.
430 Poder-se-ia perguntar, porém , a quem se refere a IP e com essas citações. Pelo
menos em 1.25 poderia, com base na afirmação paralela em 1.23, estar-se pensando
no próprio Deus (diferentem ente ELLIOTT, 2000, p. 391).
118
ção. A “degustação” da bondade divina'^®^ implica - junto com a me
táfora da amamentação no v. 2 justamente pelo recurso ã sensuali
dade, uma relação direta dos renascidos com aquela realidade “im
perecível” (cf. 1.23).
119
sus Cristo, permite duas coisas: as afirmações em 2.4, que resumem
antecipadamente o florilégio de passagens bíblicas para pedra (2.6
8), esclarecem inicialmente em Cristo o duplo caráter da eleição: essa
une a Deus, mas simultaneamente também separa do entorno, fun
damentando dessa maneira uma distância, sim, uma tensão em rela
ção aos semelhantes. Ao mesmo tempo, a imagem da pedra em com
binação com a da casa, oriunda provavelmente da primeira“^^"^, permi
te realizar a transferência desse duplo aspecto de Cristo como a “pe
dra viva”, eleita e rejeitada, para os cristãos como as “pedras vivas” da
casa espiritual de Deus (2.5). Dessa maneira é fundamentada cristo-
logicamente, pela primeira vez, a interpretação histórico-salvífica, resp.
teológico-eletiva da existência dos cristãos como “estranhos” na so
ciedade. Esse aspecto é aprofundado nas citações e nas alusões dos
V. 6 - 8 : Cristo é um fundamento firme para os crentes, mas para os
descrentes é pedra de tropeço. O trecho tem o seu ponto alto num
acúmulo singular de títulos coletivos de nohreza, que sublinham a
pertença a uma nova comunhão eleita por Deus, a comunhão dos
“cristãos”.
Assim VIELHAUER, Ph. O ikodom e. Das Bild vom Bau in der christlichen Literatur
vom Neuen Testam ent bis Clem ens A lexandrinus. Diss. theol. H eidelberg, 1939.
p. 145: “ [...] um a alegoria proveniente da com provação escriturística, um a nova
aplicação inteligente da com provação escriturística” .
435 A IP e é um dos p rim e iro s e s c rito s do N ovo T e s ta m e n to que p ressu p õ em a
autodesignação “cristãos” (4.16; cf. At 11.26). Essa consciência de um a identidade
própria provavelmente também explica que justam ente na transferência dos epítetos
do povo de Deus em 2.4-10 ocorra o surpreendente fenômeno do “esquecimento de
Israel” da IPe.
120
V. 8: e: “pedra de tropeço e rocha de ofensa”. São esses os que
tropeçam [nele], os que não obedecem a palavra, para o
que também estão determinados.
* Literatura sobre IPe 2.4-8: KUSS, O. Der Begriff des Gehorsams kn Neuen Testa
ment. 7TiGZ27, p. 695-702, 1935; METZNER, R. Die Rezeption des Matthãusevangeüums
im 1. Petrusbrief. Studien zum traditionsgeschichtlichen und theologischen Einfluß
des 1. Evangeliums auf den 1. Petrusbrief. Tübingen, 1995. p. 176-181. (W U N T 11/74);
PESCH, W. Zu Texten des Neuen Testamentes über das Priestertum der Getauften.
In: BÖCHER, O.; HAACKER, K. (Eids.). Verborum Vertas. (FS G. Stählin). Wuppertal,
1970. p. 303-315, esp. 306ss; PRIGENT, P. I Pierre 2,4-10. RHPhR 72, p. 53-60, 1992;
SCHLIER, H. Die Kirche nach dem I. Petrusbrief. In: FEINER, J.; LÖHRER, M.
Mysterium Sälutis. Grundriss heilsgeschichtlicher Dogmatik, das Heilsgeschehen in
der Gemeinde. Einsiedeln, 1972. v. IV/1, p. 195-200; SCHÜSSLER FIORENZA, E.
Priester für Gott. Studien zum Herrschafts- und Priestermotiv in der Apokalypse.
Münster, 1972. p. 51-59. (NTA 7); VIELHAUER, Ph. Oi/codome. Das Büd vom Bau in der
christlichen Literatur vom Neuen Testament bis Clemens Alexandrinus. Diss. theol.
Heidelberg, 1939. p. 144-151.
121
exatamente assim ele é a pedra angular da nova construção (IPe
2.7). Dessa maneira, a determinação da essência da comunidade,
entre seleção por Deus e exclusão da sociedade, recebe uma funda
mentação cristológica (v. 7s).
A imagem incomum das “pedras vivas” encontra-se (com outro significado) também
em JosAs 12.2.
Cf. sobre isso GERHARD. 1709, p. 68.
Cf. E f 2.20-22; IC o 3.16; 6.19. A concepção segundo a qual o verdadeiro templo não
é um edifício, mas uma grandeza espiritual, formada pela comunhão dos que creem,
já era largamente difundida também em Qumrã (IQ S 8.4-10; IQ H 6.25-28; 4QFlor
1.1-7; IQ p H ab 12 e outros). A negação dessa relação entre a casa espiritual e o
motivo do templo por Elliott e sua interpretação como “house(hold)” (ELLIOTT, J. H.
Um la r p a ra quem não tem casa. Interpretação sociológica da Primeira Carta de Pedro.
São Paulo: Paulinas, 1985. p. 150ss; repetido em seu com entário, 2000, p. 414-
418) não convence: E lliott necessita da m etáfora independente da casa para sua
teoria de um a correspondência entre oíkoç e nápoiKoç (cf. sobre a crítica à teoria de
Elliott, FELDMEIER, 1992, p. 204-210).
VIELHAUER, 1939, p. 146.
122
ção sacra do “sacerdócio real” que, por meio de sua conduta de vida,
deve trazer “sacrifícios espirituais”.'^"^“ Ao lado da asseveração de que
a comunidade cristã é o local da presença de Deus neste mundo, é
colocada imediatamente a reivindicação de testemunhar a Deus den
tro dele. Em favor dessa interpretação também fala o atributo ocyi-oç (cf.
1.2, 15s; 2.9), bem como a conexão da pedra com o Sião (2.6). Na his
tória da teologia, esse versiculo foi de grande importância, notabili
zando-se na discussão sobre o sacerdócio geral de todos os crentes,
pois atribui a função sacerdotal a toda a comunidade, em vez de a
uma única classe especial de sacerdotes. Aqui no contexto, porém, o
versículo não se relaciona com o status sacerdotal dos cristãos indi
viduais, mas com a comunidade em seu todo.
A IPe, portanto, retoma aqui uma tradição cristã primitiva. Com base
na relação previamente estabelecida nos v. 4s entre os cristãos como
123
“pedras vivas” e Cristo como “a pedra viva”, ela consegue agora, com
os enunciados cristológicos, definir simultaneamente a situação mais
exata da comunidade dentro do mundo. Nesse contexto é citado ini
cialmente Is 28.16, um texto que também em Qumrã pode ser empre
gado para a comunidade (1 QS VIII.7s). Esse texto provém de um anún
cio de juízo, proferido contra os sacerdotes e profetas de Jerusalém,
que - como é dito literalmente em Is - fizeram aliança com a morte e,
com o além, um acordo (Is 28.15, 18). É difícil dizer em que medida o
autor ou os leitores da IPe estavam conscientes desse contexto, que
combina bem com a temática até aqui tratada de morte - vida. De
qualquer maneira, a citação bíblica confirma, por um lado, o enuncia
do sobre eleição e valor da “pedra viva”. Cristo, no v. 4, e estabelece,
por outro, uma ponte para os destinatários: o texto sublinha na aqui
citada versão da Septuaginta'*"’'^ que aquele que confia em Cristo crendo
(•iïLoxeùov), não será envergonhado (cf. sobre a fé em 1.5).
124
mana, então isso também deve valer para a descrença (cf. também ITs
5.9). No nosso contexto essa afirmação sublinha, além disso, como já
as duas citações biblicas, que também a oposição das pessoas contra
Deus não significa um limite do seu poder. Importante é também que
esse elemento predestinado (cf. também 4.17), como já constatado an
teriormente (1.2, 20), não seja a única coisa que a IPe saiba dizer so
bre os não-cristãos. Quando se trata da relação com descrentes, os
cristãos não devem se alegrar com sua rejeição, mas fazer tudo para
ganhá-los à fé (cf. 2.12; 3. Is, 15s). Verdade é que em tal palavra perma
nece, em última análise, uma dureza que não cabe abrandar.
Diante desse pano de fundo sombrio, a IPe faz com que, por meio de
uma concentração inédita de enunciados sobre eleição no Novo Tes
tamento, no final da primeira parte principal - continuando e finali
zando as explanações de 2.4s com um “vós, porém” sumarizante - a
comunidade cristã desponte como lugar de salvação.
125
Nesses enunciados que encerram a prim eira parte principal, a IPe em prega
novamente o recurso estilístico da frase nominal, que sublinha o aspecto sole
ne e o caráter fundam ental daquilo que foi dito. U m a frase secundária final,
contudo, interrompe o enunciado, destacando os com prom issos dos crentes
oriundos do novo status.
Digno de nota em relação a esse aspecto é que a IP e não fala da èKKA.r|OLa, empregando,
em vez disso, term os histórico-salvíficos. Talvez isso ocorra de form a consciente,
justam ente por não ter essa comunhão nada que justifique um a existência para si
própria, o que o conceito de èKKXrioía (como reunião dos cidadãos plenos) tende a
sugerir.
U m a in trod u ção secu n d á ria (cf. ALTAN E R , B.; STU IBE R, A. P a tro lo g ie . Leben,
Schriften und Lehre der K irchenväter. 8. ed. Freiburg, 1978. p. 138), mas que
reproduz corretam ente o que se sentia contra os cristãos, m ostra muito bem esse
fato. No escrito de acusação contra João (aparentem ente apresentado por judeus
diante do imperador) consta que os acusados representam um povo novo e estranho
(Kaivòy KKL tfivov ’éGvoç), que quebra tradições, hostil à humanidade, sem lei e subversivo,
que se atribui o estranho nome “cristãos” (ActJ 3). Na tradição paralela, a acusação
ainda é precisada no sentido de que os cristãos teriam se desviado da reverência a
Deus transmitida pelos pais (èk xf|ç trarpoirapaSÓTou OpTioKeíaç), dando assim origem a um
nome estranho e a um outro povo (woxe yevéoSaL i,kvov ôvopa kkI 'é9voç rapov). Aqui retom am
todos os motivos: abandono da tradição dos pais, isolamento, formação de um povo
próprio e, como consequência, o ser-forasteiro - agora, expresso por outros.
Coisa sem elhante ocorre em Qumrã, onde a com unidade se com preende com o o
verdadeiro Israel, ao qual pertence a ailiança dos pais (cf. CD VIII. 17s; XIX.29ss).
Essa passagem era o texto comprobatório dos reformadores para o sacerdócio geral
de todos os crentes. Sobre um a crítica a essa ideia de parte católico-rom ana, cf.
PESCH, 1970.
126
para a luz é linguagem típica de conversão'^® sendo que o chamado faz
referência à eleição; ambas as coisas encontram-se em formulação
quase idênticas já também no judaísmo (JosAs 8.9; cf. Is 42.16 LXX).
Como “trevas” conota ruína e morte, assim luz, salvação e vida."^“ Ambas
as coisas juntas - a mudança de trevas para luz provocada por meio da
palavra - lembram simultaneamente a criação“*®®, de modo que a voca
ção nas esferas da salvação e da vida apareça como um ato da nova
criação. Por fim, a inclusão na esfera da “luz” implica a tarefa de teste
munhar esse Deus no mundo (cf. também Mt 5.14-16; ITs 5.4ss; Ef
5.8ss). Objeto desse testemunho são as ctpexaí de Deus, como a IPe 2.9
o denomina em alusão a Is 43.21. Em virtude do equivalente hebraico
n‘^nn em Is 43.21, Bauer-Aland sugerem aqui a tradução de “louvor”,
“recompensa”.“*®'* Isso, porém, dificilmente reproduz o sentido do ter
mo grego aperfi, que em verdade significa “habilidade”, “mestria”, de
maneira geral, uma boa característica, e por extensão também quali
dades morais, como virtude, coragem, magnanimidade, filantropia,
etc.'*®® Na forma plural aqui empregada e relacionada com os deuses, o
termo também pode designar (capacitação divina para) milagres e atos
poderosos“*®®, sendo que aqui também o aspecto ético pertence ao hori
zonte associativo do termo.
127
que a IPe acredita que seus receptores estejam em condições de iden
tificar alusões biblicas como tais - e somente sob esse pressuposto me
parece ter sentido compor toda uma carta na forma de um mosaico de
citações e referências bíblicas pode-se supor que a IPe esteja fa
zendo referência consciente a todo o contexto de Os Is com o versículo
em questão. Ali se trata do sinal de juízo representado pelo casamen
to com a prostituta (Os 1) e dirigido contra o povo infiel, superado ao
final pelo amor de Deus ao seu povo (Os 2). Como “resultado”, Deus
decide, por fim, em 2.23: “Compadecer-me-ei da Lo-Ruhama [desfavo
recida]; e a Lo-Ammi [Não-Meu-Povo] direi: Tu és o meu povo! E ele
dirá: Tu és o meu Deus!” IPe 2.10 cita essa passagem. O fato de justa
mente essa lembrança da declaração apaixonada de amor feita por
Deus ao seu povo infiel encerrar a primeira parte principal da carta
sublinha mais uma vez que tudo o que foi dito dentro dela encontra-
se envolto pela misericórdia divina (1.3; 2.10).
Resumo
Cf. SCHÄFKE, 1979, p. 631: “O ater-se ao mos m aiorum fé9oc; consuetuáo, disciplina)
é um traço de caráter destacado dos romanos, embora possa ser também encontrado
em maior ou menor intensidade em toda a esfera espaciotem poral da Antiguidade.
A religião e os costumes religiosos são incorporados na preservação da tradição. As
tra d iç õ e s re lig io s a e p o lític a de u m a co m u n id a d e d evem ser p en sa d a s com o
indissociavelmente unidas nesse contexto. Essas relações também determinam ainda
os primeiros séculos após o nascimento de Cristo” .
Já Platão dizia que os ancestrais eram KpeÍTTOveç riptôv Kal kyymípu) Oecôi’ oI koOvtc; (Plat,
Phileb 16c). Esse postulado permanece válido apesar de todas as crises da religião
recebida. Cícero o repete quando fundam enta a conservação dos ritos religiosos
tran sm itidos com o fato de que “os tem pos antigos estavam m ais próxim os aos
deuses” (Cic, DeLeg 11,10,27). Por essa razão ele tam bém pode exigir obediência
irrestrita em relação à religião transm itida pelos anciãos (cf. Cic, NatDeor 111,2-6).
De form a semelhante, Porfírio pode form ular o princípio: “Este é o m aior fruto da
piedade: honrar a Deus segundo a tradição dos pais” (oütoç y“ P phi-ô™? etepeíaç iLpSy
TÒ 9eIoy Kttrà rà iráipia; Porphyr, Marc 18). Sobre o todo, cf. PILHOFER, P. Presbyteron
K re itto n . D er A ltersb ew eis der jü d isch en und ch ristlich en A pologeten und seine
V orgesch ichte. Tü bingen, 1990.
128
o rompimento com o p a s s a d o . A IPe destaca esse fato por meio de
uma forma absolutamente provocativa quando designa as coisas trans
mitidas pelos pais como “fúteis” (1.18: laaxaía àvaoxpo4)f|) e o modo de
existência nelas baseado como sujeito à morte (1.24). É verdade que
também nessa carta (como em todo o Novo Testeimento) encontram-se
referências a profecias do Antigo Testamento (1.10-12), mas esse tempo
dos profetas justamente não é caracterizado como o tempo dourado
mais próximo de Deus, sendo visto antes como o tempo da esperança
sob o aspecto de sua carência'*®^; trata-se do tempo da preparação“*“ ,
do qual se distancia o degrau agora alcançado como tempo do cum
primento. Inclusive os anjos, os seres celestiais, não estavam excluidos
desse processo (1.12 final)! Todo o peso das explanações da IPe reside,
assim, sobre o novo, sobre o novo início, sobre o renascimento'^^^ e a nova
vida a partir da esperança, a ele ligado. Com isso está demarcado um
claro contraste com o entorno em toda a compreensão da realidade e
de si próprio. De forma parcialmente estereotipada, poder-se-ia dizer
que o mundo circuncidante orienta-se pelo que aconteceu, legitiman
do o seu presente a partir do passado, enquanto a comunidade cristã
relaciona tudo com o futuro de Deus já aflorado em Cristo e que faz
parecer o até agora existente como velho e fútil - nesse processo, esse
novo é uma vez mais o totalmente original, determinado pela
predestinação de Deus ainda antes da criação do mundo (cf. 1.20).
Este contraste entre a interpretação da realidade e a autocompreen-
são nela baseada representa também um momento decisivo para o
tema do ser-forasteiro, tão importante na carta, que agora será nova
mente retomado nos versículos subsequentes e inicialmente desen
volvido considerando-se a orientação quanto ao comportamento.
129
Ill - A comprovação em terra estranha (2.1-5.11)
130
politischen Parânesen in IPetr 2 und Rom 13. BiLe 14, p. 88-104, 1973; LAMPE, P.
„Fremdsein“ als urchristlicher Lebensaspekt. Ref. 34, p. 58-62, 1985; SCHAEFER,
H. Verbete Paroikoi. In: PRE. Stuttgart, 1949. v. XVlII/4, p. 1695-1707; SENIOR,
D. The Conduct of Christians in the World (2:11-3:12). RExp 79, p. 427-438, 1982;
WOLFF, Ch. Christ und Welt im 1. Petrusbrief. ThLZ 100, p. 333-342, 1975.
Cf. SCHWYZER, E. G riech isch e G ram m atik. A u f der Grundlage von K. Brugmanns
G riechischer Gram m atik. Syntax und syntaktische Stilistik. V ervollstän digt und
herausgegeben von A. Debrunner. München, 1950. v. 2, p. 31: “Quando masculino
e fem inino são designados conjuntam ente ou quando para quem fala a distinção
entre am bos não é im portante, usa-se o m asculino [...]; assim, especialm ente no
plural [...]” .
Que o masculino àvatiriroí tem aqui sentido inclusivo mostra a continuação, pois as
orientações dirigidas a todos em 2.1 Is são concretizadas em três orientações para a
subordinação, das quais a terceira, em S .lss, refere-se claramente a mulheres (note-
se que em 3.4 mais uma vez é empregada uma formulação masculina - ò K p u irtò ç -ufiç
K t t p ô í a ç ãvepoíiTOí; - explicitam ente relacion ada com as m ulheres). Assim sendo, a
invocação àyairriTOÍ refere-se à comunidade toda.
Assim no batismo, Mc l. llp a r . e na transfiguração, Mc 9.7par.; cf. também a alusão
na parábola dos vinhateiros hom icidas, Mc 12.6par.
131
“Exorto” - pela primeira vez, o autor da carta se apresenta pessoal
mente. Depois da parte inicial, que se deteve fundamentalmente na
ação de Deus em relação aos crentes, o autor passa a falar daquilo
que determinará os versículos subsequentes: as recomendações de
conduta. Deve-se observar, contudo, que a tradução portuguesa de
ïïapaKaA.û com “exorto” limita o horizonte associativo do termo unila
teralmente ao que é ordenado. uapaKctleiy significa tipicamente tanto
“exigir”, “exortar”, quanto “encorajar”, “aconselhar”, “consolar”. O que
segue quer oferecer amhas as coisas: conselho e orientação para o
caminho, exigência e encorajamento.
JACOB, E. Verbete v)mxr| k x X . B. Die Anthropologie des Alten Testaments. In: ThW NT.
Stuttgart, 1973. v. IX , p. 627.
''®® Sobre isso e para o que segue, cf. SCHW EIZER, E. Verbete oápl kxX. In: ThW N T.
Stuttgart, 1966 (= 1964). v. VII, p. 118-151.
■'69 p r e y , J. Die paulinische Antithese von „Fleisch“ und „Geist“ und die palästinisch
jü disch e W eisheitstradition. Z N W 90, p. 63, 1999.
132
Essas tradições devem ter influenciado (também) a Paulo'^^°, considerando que
nele a “carne” pode tomar-se um poder autônomo, inclusive sujeito do pecado.'^^*
133
piente encontra-se a concepção de um combate existente nos indiví
duos provocado pela concupiscência'*^®, assim como igualmente é
testemunhado por Tg 4.1 no Novo Testamento. A antropologia clara
mente helenizada no conceito da alma'*^®, mencionada anteriormen
te, evidencia-se também no fato de que essas concupiscências da
carne não se rebelam contra o Espírito (divino), como diz Paulo'*^^,
mas lutam contra a alma (humana) como o correlato antropológico do
amparo divino.'**'® Esse contraste entre alma e concupiscência da carne
reformula a antítese paulina de Espírito e carne como dualismo an
tropológico.'**'®
de u m a m a n e ira g e ra l, Ô R R IE .H .; B A L T E S , M. D ie p h ilo s o p h is c h e L e h r e d e s
P la to n is m u s . Von der „Seele“ als der Ursache aller sinnvollen Abläufe. Stuttgart;
Bad Cannstatt, 2002. p. 403-406.
Cf. 4Mac 3.5; ApM os 19.3; 25.4; 28.4.
Cf. acima, excurso 4: Alm a e salvação das almas na IPe, p. 84ss.
Cf. Gl 5.17; Ti Y“ P oàpí eiiiGupel Katà roü weúparoç, tò Sk itveOixa Kara rriç oapKÓç [“a cam e milita
contra o Espírito, e o Espírito, contra a cam e”].
Cf. acima, excurso 4: Alm a e salvação das almas na IPe, p. 84ss.
Cf. SCHWEIZER, 1966, p. 145: “Em term os form ais, esse uso linguístico poderia
ser dependente de Paulo, mas, quanto ao seu conteúdo, a passagem é claramente
determ inada pelo h elenism o” .
Plínio (Ep X,96) pressupõe com toda naturalidade que com o nom e dos cristãos
estejam relacionadas práticas vergonhosas (flagitia cohaerentia nomini; TAC, An XV,44:
quos p e r fla g itia in visos vulgus C hristianos a ppella ba t), outros exemplos, na Introdu
ção, p. 15ss.
Esse é designado em Is 10.3 de f) fipépa rfiç èiuGKoiTfjí;; cf. Sir 18.21[20j; Sab 3.7; Lc
19.44; IC lem 50.3.
Coube a REISER, M. Die Eschatologie des 1. Petm sbriefs. In: KLAUCK, H.-J. (Ed.).
W eltgericht u n d W eltvollendung. Zukunftsbilder im Neuen Testament. Freiburg, 1994.
p. 170s, desenvolver esse aspecto com m u ita clareza, fazendo sim ultaneam ente
referência ao em prego diferenciado dessa tem ática na 2Pe.
134
direciona o interesse dos seus leitores totalmente para ganhar ou
tros. De forma bastante arrojada, mas seguramente não sem instinto
para a publicidade'*®^, aqui o escândalo é até interpretado como opor
tunidade para propaganda, abrindo assim a possibilidade de trans
formar a pressão destrutiva do sofrimento numa chance a ser apro
veitada ativamente.
135
mação cultural ocorrida entre a história salvifíca de Moisés e a políti
ca grega]"*®“^. Até um exegeta ponderado da qualidade de Eduard
Schweizer acredita ser preciso inferir da referida unidade textual o
início da paganização do cristianismo h®®
BALCH, D. L. H ellen ization /A ccu ltu ration in 1 Peter. In: TALBE RT, C. H. (Ed.).
Persp ectives on F irst Peter. Macon, 1986. p. 97. A mesm a tendência de um a crítica
unidim ensional m ostra tam bém a pesquisa de WOYKE, J. D ie n e u te s ta m e n tlich e n
H au sta feln . Ein kritischer und konstruktiver Forschungsüberblick. Stuttgart, 2000.
S C H W E IZ E R , E. D ie W e ltlic h k e it des N eu en T es ta m en ts. D ie H a u stafeln . In:
DONNER, H. et al. (Eds.). B eiträge z u r alttestam entlichen Theologie. (FS W. Zimmerli).
Göttingen, 1977. p. 407, 410.
Isso ocorre, p. ex., com WINDISCH, 1951, p. 62, que interpreta essa sequência de
três exortações à submissão com indiscutível satisfação como “sinal petra o caráter
totalm ente patriarcal, sem o m enor resquício de ten dên cia para reform a, m uito
m enos para revolução, do cristianism o prim itivo” .
Cf. Epict, Diss 11,14,8; 111,24; Sem, Ep XV,94,1.
C f Filo, Decai 165-167; Jos, Ap II, 198-210.
C f especialmente Cl 3.18 - 4.1; E f 5.22 - 6.1; ainda IT m 2.8-15; 6.1s; Tt 2.2-10;
IC lem 21.6-8; Did 4.9-11.
136
Excurso 8: O contexto das exortações à subordinação
a) O contexto social: deve-se observar, em primeiro lugar, que todas as
exortações estão relacionadas por IPe 2.12 de antemão com a situação do sofri
mento injusto."^^“ Por isso, já n a introdução às orientações para a subordinação
(2.12), o sentido do correto comportamento é fundamentado com o fato de que,
dessa forma, as difamações do entorno poderiam ser melhor rebatidas. O mesmo
repete-se em cada u m a das três orientações. 2.15 fundam enta a exortação à
subordinação à autoridade com o propósito de emudecer os blasfemadores por
meio de boas ações. Os escravos - especialmente sujeitos a hostilidades em
razão de su a conversão ao cristianismo e do consequente afastamento da religião
dos seus senhores“*®^—, segundo 2.19s, devem sofrer somente por causa da injus
tiça, resp. em virtude de boas ações, o que iguahnente parece relacionar-se com
um sofrimento por causa de su a existência como c r i s t ã o s . ^ exortação que
segue dirige-se, sobretudo, a mulheres casadas com homens não-cristãos (3.1s).
Junto com os escravos, eram sobretudo as mulheres para as quais era atrativa a
Cf. KN O PF, 1912, p. 98s: “As exortações da carta, m ú ltip las e em p arte bem
diversificadas, são conservadas num a unidade pelo fato de continuamente ser feita
referência ao entorno pagão, dentro do qual vivem os cristãos, e que parcialm ente
até se introm ete de form a bem estreita em sua vida pessoal (...) E, visto de um a
maneira geral, (...) o entorno no qual se encontram colocados os cristãos configura-
se-lhes como rigido e hostil (...)” .
Cf. BÕM ER, F. U ntersu chungen ü ber die Religion der Sklaven in G riechenland
und Rom. V ierter Teil: Epilegom ena. Mainz, 1953. p. 247ss.
BROX, 1993, p. 133 é de opinião que a referência aqui é a qualquer sofrimento de
escravo, contanto que ten h a sido in fligido de form a injusta. E ssa interpretação
ainda faz sentido para 2.19; se, porém , em 2.20 é falado de um sofrim ento dos
escravos como àyaSoTTOioOvteç, então, em bora não seja obrigatório ver nisso um nexo
causal entre com portam ento cristão e sofrim ento (assim GOPPELT, 1978, p. 197),
ele, não obstante, parece ser provável, uma vez que a referida “prática do bem” já é
quase que um sinônimo para a conduta como cristão (cf. também Jo 5.29). Sobre
todo o contexto dessas exortações acha-se em Tertuüano uma lamentação reveladora;
na discussão sobre os argumentos usados contra os cristãos, lê-se o seguinte: “Por
que muitos se deixam levar por esse ódio (sc. contra os cristãos) de olhos fechados,
a tal ponto que, mesmo que tenham que prestar testemunho favorável sobre algum
de nós, imediatamente o acusam de usar o nome de cristão? (...) Outros consideram
como errado justam ente aquilo que necessitam louvar naqueles que, antes de sua
aceitação do nom e de cristãos, conheciam com o vagabundos, m iseráveis e sem
caráter; (...) Assim, reprova-se o nome para que possam melhorar. Outros há ainda
que compactuam com esse ódio inclusive pelo preço de vantagens pessoais (...) Sua
esposa, que agora é casta, é rejeitad a pelo esposo, que não m ais n ecessita ser
ciumento; seu filho, que agora é obediente, é deserdado pelo pai, que anteriormente
perm anecia paciente; seu escravo, que agora é confiável, é banido dos olhos pelo
seu senhor, que anteriorm ente usava de moderação. Assim que alguém apresenta
melhoras em função desse nome, provoca escândalo [u t quisque hoc nom ine em endatur,
offen d it]” (Tert, Apol 3.1-4; traduzido segundo C. Becker). Mesmo que em Tertuliano
ten h a que se le v a r em c o n s id era çã o a sim p lific a ç ã o e a m p lia çã o a p o lo g é tic a
(justamente também no contraste moral entre antes e agora), ele dificilm ente teria
escrito as palavras citadas sem que elas tivessem qualquer fundamento na realidade.
É revelador nesse particular que foi sentido como escândalo não só o fato do ser-
cristão como tal, mas também o ser-diferente dos convertidos, oriundo do seu etos
especial (cf. IP e 4.3s), ou seja, o fato de ter existido um “sofrimento como praticante
do bem”; cf. ainda ÜGLER, U.-R. D ie Pa rã n ese an die Sklaven ais M od ell urchristlicher
S ozia leth ik . Diss. theol. Erlangen, 1977. p. 172.
137
oportunidade de um a membresia própria nas comunidades cristãs.''®^ N a medida
em que sua decisão religiosa própria podia ser sentida como negação da subm is
são e, com isso, como ataque contra a ordem da casa, elas igualmente tinham
que contair com a oposição dos seus maridos.'*®'^ Em ambos os casos, atingia-se
um a esfera especialmente sensivel, pois a comunhão da casa, o oíkoç, represen
tava a célula-mãe da sociedade antiga''®^, e a intrusão nessa ordem aparentemen
te provocou recriminações espeeiais ao cristianismo, um a vez que a decisão reli
giosa autônoma de mulheres ou escravos despertava a suspeita de insubordina
ção generalizada, aumentando as aversões e x is t e n t e s .P o r é m , na medida em
que a casa tinha importância central para o cristianismo primitivo como centro
missionário e local de reunião, fazia-se mister, nesse particular, não causar es
cândalo que não fosse absolutamente necessário. De forma análoga, a IPe enco
raja as mulheres (como anteriormente havia feito em relação a todos os cristãos
diante das autoridades e aos escravos diante dos seus senhores) a, por meio de
comportamento exemplar e ajustamento e submissão conscientes ã estrutura de
poder vigente, resistir à pressão e intimidação (3.6) do entorno que, de forma
maçiça, as mantém sob suspeita e as difama.'*®’^ A situação de incriminações
injustas também se encontra retratada n a exortação final de 3.9, bem como na
passagem seguinte de 3.13ss. Bem mais claramente do que nos “catálogos do
mésticos” das cartas de Efésios e Colossenses, toda a parênese em IPe 2.11 -
Cf. EBEL, E. D ie Attraktiuäät frü h e r ch ristlich er G em einden. Die Gemeinde von Korinth
im Spiegel griechisch-röm ischer Vereine. Tübingen, 2004. p. 218ss.
Cf. BALCH, D. L. L e t W ives B e S u bm issive. The Domestic Code in I Peter. Atlanta,
1981. p. 81ss. B alch a p resen ta m u itos textos co m p rob atórios ali; cf. tam bém
SCHÄFKE, 1979, p. 482s.
C f ELLIOTT, 1985, p. 170-182.
Isso retrata-se claramente, p. ex., nas Cartas Pastorais, em que tanto o pedido de
submissão às mulheres (Tt 2.5) como aos escravos (IT m 6.1) é fundamentado com o
fato de que, dessa maneira, deve ser evitada a difamação da palavra de Deus e da
doutrina (cf. ainda Tt 2.9s, em que encontra-se formulada a mesma coisa). SENIOR,
1982, p. 432 provavelmente não está de todo errado quando afirm a justam ente do
com portam ento dos escravos e das m ulheres que esse era considerado por não-
cristãos como barômetro sobre “how com patible Christianity might be with Greco-
Roman Society” [“quanto o cristianismo pode ser compatível com a sociedade greco-
rom ana”) .
Instrutivo é um deboche no “Asno de Ouro” de Apuleio, no qual é descrito o arquétipo
de uma mulher depravada, sendo que a listagem dos intermináveis defeitos e faltas
culmina com o fato de que essa epitome da depravação tinha um só Deus a quem
adorava - e com o qual também legitimava suas faltas; “O moleiro que me comprara
a peso de dinheiro” , assim narra Lucius, transformado num asno, “era um homem
bom e modesto; porém, casara-se com a pior das mulheres, malvada entre todas as
suas iguais; seu leito e seu lar eram, para ele, um a fonte tão amarga de desgosto,
que até eu, por Hércules, gemia frequentemente, à parte, sobre a sua sorte. Pode-se
dizer que nenhum vicio faltava a essa infame criatura; pelo contrário, estavam todos
reunidos na sua alma, como numa latrina emporcalhada: ela era cruel e mesquinha,
bruta, bêbada, rebelde, teimosa, avara nas suas torpes rapinas, pródiga nos seus
gastos vergonh osos, in im iga da fé, h ostil ao pudor. P o r o u tro la d o, d e s p re z a v a ,
ca lca n d o-os aos p é s , os n u m es d ivinos. E m lu g a r da religião, fa ls a e sa crile g a m e n te
p rofessa va a crença p resu n çosa num deus que procla m a va único [qu em p ra ed ica ret u n icu m ].
Sob a aparência de observâncias vãs, enganava a toda a gente, principalm ente ao
mísero marido. Bebia de manhã ã noite, e se prostituía durante o dia” (Apul, Met
IX, 14; o itálico é meu. Tradução de Ruth G uim arães, com leves adaptações ao
português). O discurso destacado sobre o deus unicus permite pensar somente numa
mulher ju dia ou cristã, sendo que a última hipótese é a mais provável, já que a frase
final parece reportar à Santa Ceia.
138
3.9 encontra-se determinada pela situação social precária dos cristãos e correla
cionada ao tema determinante do sofrimento.“*^®
b) O contexto da tradição: quando se compara IPe 2.11 - 3.9 com outros
códigos domésticos no Novo Testamento“*®®, fica claro que o autor da IPe serve-
se de u m a tradição difundida no cristianismo primitivo.“ ® Ele acolhe essa tradi
ção, no entanto, de u m a form a independente, modifica-a e lhe dá u m a nova
orientação.
A especificidade j á inicia com a colocação dessas instruções: enquanto
em Efésios e Colossenses elas se encontram no fim, ou seja, onde tradicional
mente costuma ser o lugar da parênese em cartas cristãs primitivas cunhadas
por Paulo, na IPe ela se encontra no início da parte principal, está portanto no
centro do escrito.
Notório é, além disso, que aqui a atenção não está concentrada na ordem
interior, mas no efeito para fora: trata-se da dimensão missionária (2.12; 3.1s)
e apologética (2.15; cf. 3.13ss) do comportamento cristão. Ao contráirio dos ou
tros códigos domésticos, a parênese inicia com a exigência à subm issão à auto
ridade pagã, e as exortações significativamente terminam com a proibição da
vingança, bem como com o pedido p ara revidar ao mal com a bênção“ * - direta
mente relacionadas com a situação de sofrimento. Isso apresenta grande afini
dade com formulações paulinas (Rm 12.14, 17; cf. ITs 5.15; ICo 4.12); objetiva
mente também corresponde ao mandamento de Jesus que, ao lado do pedido
pelo amor ao inimigo, espera por um novo comportamento em relação a perse
guidores (Lc 6.28; Mt 5.44).“ ^
A essas diferenças fundamentais correspondem também outros desvios
isolados. Os escravos, p. ex., não são referidos - como em outros códigos do
mésticos - em último lugar, mas por primeiro, sendo que essa exortação adicio
nalmente ainda vem apresentada com a mais extensa fundamentação, em que o
destino dos escravos é diretamente relacionado com o de Cristo. Em contraste
a isso, a exortação aos senhores desaparece por completo. D a m esm a forma foi
omitida a exortação para pais e filhos, importante para a “casa”. AHás, a exorta
ção aos de cima e aos de baixo em pares, típica para os códigos domésticos,
encontra-se somente no caso de homem e mulher, sendo que também aqui a
exortação às mulheres acaba sendo proporcionalmente muito mais longa, além
de ser fundamentada detalhadamente com a alusão às “mulheres santas” (3.5).
Cf. sobre isso tam bém LOHSE, 1954, p. 73ss; HILL, D. On Suffering and Baptism
in I Peter. N T 18, p. 181ss, 1976.
Uma bela visão geral pode ser encontrada em SELWYN, 1949, p. 430, que, contudo,
precisa ser Uda com cuidado, uma vez que ela só coloca lado a lado as coincidências
- isoladas do seu contexto -, repassando, assim, num primeiro momento, a impressão
de um grau de coincidência muito maior do que realmente corresponde ao conteúdo
dos textos.
Cf. a lista de SELWYN, 1949, p. 423.
3.9; já mencionado em 2.23 em conexão com o exemplo de Cristo; cf. também 3.11,
onde no citado é recom endada aos cristãos a busca pela paz.
As form ulações da IPe, como já foi dito, relacionam -se estreiteimente com Paulo -
p o r isso é d ifíc il d ecid ir se a IP e está fazen d o aqui con scien tem en te alu são à
tradição de Jesus.
139
Tudo isso mostra que não se trata aqui de um código doméstico em
sentido normal.“ ^ Se o especifico de um texto se revela em seu des
vio da norma vigente, por ser nesse aspecto que ele pretende agir e
age em particular nos receptores®“"^, convém precaver-se contra a in
terpretação exagerada das passagens convencionais, como tem acon
tecido sempre de novo justamente na critica ã IPe. Em primeiro pla
no não se encontra a ordem da casa cristã, mas o condizente “compor
tamento entre os povos gentios” (2.12), ou seja, a pergunta pela rela
ção e conduta corretas diante de um entorno hostil e, com isso, tam
bém pela tarefa cristã dentro dele, pela “prática do bem” (àYocBoiTOLeXy).®“®
“Do começo ao fim, a ênfase está na missão, não na submissão.”®“® Na
verdade, no centro das atenções encontram-se aqui justamente os
que na sociedade são os mais fracos; aqueles que estão expostos ãs
maiores provações encontram-se mais próximos de Cristo, resp. das
santas mulheres, tornando-se dessa forma paradigma para todos os
cristãos.®“'^ Nos escravos é explicado pela primeira vez o que está em
jogo para todos os cristãos: trata-se de fazer o bem (2.20; 3.11, 13,
16s), de abdicar da vingança (2.23; 3.9), de ter disposição também
para o sofrimento injusto (2.19s; 3.14, 16s). Dessa maneira, o presen
te que aparentemente é tão destituído de salvação pode ser com-
140
preendido como chance para a comprovação, até mais ainda como
local da salvação (2.19s; 5.12).
Sobre essa tradução de k-cÍoiç, cf. HERZER, 1998, p. 229-231; a tradução por “qualquer
tipo de pessoa” (FOERSTER, W. Verbete ktÍCco ktI. In: ThW N T. Stuttgart, 1957 (=
1938). V. III, p. 1034) não convence.
BaoUeúç (literalmente: rei) também é empregado para o im perador romano (cf. Jos,
B ell V, 563; Jo 19.15; A t 17.7; Ap 17.9, 12; outros textos em B AU ER-ALAN D ,
1988, paaiÃeúç § 1.
à&ÀijjÓTTiç representa a totalidade dos irmãos (e das irmãs) em Cristo (cf. IC lem 2.4).
141
V.13 Diante do pano de fundo das erítieas às exortações à submissão
da IPe, apresentadas acima, já o início é notório: o Estado, resp. seus
soberanos são caracterizados aqui como “instituição humana”. Ora,
a dignidade religiosa do Estado e de seus representantes constituía
uma parte decisiva de sua legitimação, que unia os diferentes grupos
e classes no império por meio da “religião de fidelidade” do culto ao
imperador.®” Em contraposição a isso, em nosso texto não é atribuída
nenhuma dignidade religiosa ao E s t a d o . T a m b é m em relação ao
paralelo mais próximo dentro do Novo Testamento, Rm 13.1-7®^®, cha
ma a atenção que a legitimação teológica da autoridade em IPe 2.13ss
ocorre de maneira bem mais reservada.®” Enquanto Paulo fundamen
ta seu pedido para a subordinação com o fato de o Estado exercer sua
função de manter a ordem como servo de Deus®^®, cabendo-lhe por
isso “temor” (Rm 13.7; cf. 13.3s), e sendo oposição ao Estado, portan
to, oposição a Deus (13.2), a IPe é claramente mais reservada nesse
ponto: o “servo de Deus” transforma-se em “instituição humana”, e
“temor” é solicitado decididamente só em relação a Deus (2.17).
142
É nesse sentido que, em relação a autoridades judaicas que procuravam proibir-
lhes a continuidade da pregação cristã, os apóstolos formulam o princípio: “an
tes importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29; cf. 4.19). Quando os
mártires cilitanos eram para ser obrigados a participar do culto ao imperador,
louvaram a Deus como rex regum e imperator omnium gentium (ActScil 6), distancian
do-se, portanto, provocativamente do culto ao imperador por meio de um a ter
minologia política, form ulada diretamente por um dos mártires ao procônsul
que o interrogava: “Ego imperium huius seculi non cognosco [...]” (ActScil 6). O
mais radical é o Apocalipse de João, para o qual o Estado romano encontra-se
diretamente a serviço do mal (cf. esp. Ap 17s). Em meio a toda a aparente ética
de submissão, jã aflora aqui u m a compreensão nova e secular do Estado, e o
entorno percebeu isso muito bem como sendo um sistema referencial não com
patível e concorrente com sua própria autocompreensão. E não foi totalmente
sem razão que esse mesmo entorno, a partir de su a perspectiva, em bora de
forma distorcida, sempre de novo desconfiou e acusou o cristianismo de “tu
multo”! Para o filósofo platónico-médio Celso, cujo 'AlriOfiç Aóyo; representa a
primeira polêmica pagã abrangente contra os conteúdos do cristianismo, o prin
cípio cristão segundo o qual não se deve servir a dois senhores constitui a “voz
do levante” (jjuyTi oTáoeuç), pelo qual os cristãos se “enclausuram e distanciam”
de todas as demais pessoas (Orig, Cels VI11.2).
Nesse sentido, p. ex., os mártires cilitanos enfatizam sempre de novo nos interro
gatórios seu cumprimento exem plar das obrigações morais e sociais - incluindo-se
aí a moral tributária.
143
Isso explica porque, apesar das tensões que, de u m a maneira geral, intensifica
vam-se cada vez mais, no cristianismo primitivo não se conseguiu impor a postu
ra radical do Apocalipse, mas a postura positiva diante do Estado testemunhada
na IPe. É bem verdade que na Carta de Clemente Romano a Corinto, surgida
poucos anos após a IPe^'^, logo no início é feita referência às “desgraças e calami
dades que se precipitaram repentina e sucessivamente sobre nós” (tradução de
J. A. Fischer) - provavelmente sob Domiciano -, e os capítulos 5 e 5 reportam-se
expHcitamente à perseguição sob Nero. Ao mesmo tempo, contudo, o autor pede
obediência aos soberanos (60.4), cuja instalação ele atribui expressamente a
Deus (61. Is). Manifestações semelhantes também se encontram em Justino, o
mártir, que assegura lealdade cristã ao imperador, ao mesmo tempo em que faz
referência a perseguições (Just, Apol I,17,3s), ou em Atenágoras, que inclusive
pede pelo domínio mundial de Roma (Athenag, Suppl 37).®'®
144
serção com o auxílio do conceito da liberdade, que não desempenha
nenhum papel para Paulo no contexto de Rm 13.1-7. A IPe acentua
que o reconhecimento do Estado não representa nenhum “confor
mar-se” diante do poder superior que fosse incompatível com a liber
dade cristã; a liberdade dos crentes, pelo contrário, comprova-se,
antes, pelo fato de eles se inserirem, em obediência a Deus®^°, no
âmbito do poder estatal como uma ordem a ser considerada boa em
sua essência.^^' Difícil é julgar em que medida a admoestação contra
o abuso da Uberdade cristã, referida logo a seguir no mesmo versículo,
estava condicionada por problemas c o n c r e t o s . qualquer forma,
o que a IPe afirma nesse contexto é uma importante contribuição
para a compreensão da liberdade cristã. Esta é o contrário de arbitra
riedade sem compromisso, como jã frisava Paulo. Por intermédio de
uma liberdade mal-entendida, a “carne” pode se tornar um “ponto
estratégico” no indivíduo, como se expressa o apóstolo em metaforismo
militar, uma àct)op;ní, a partir do qual então se apossa de toda a pes-
soa.523 A IPe expressa algo semelhante com a imagem mais ativa do
disfarce, resp. camuflagem, quando fala de tal falsa liberdade como
“pretexto para o mal”“ '^, já que a pessoa que nega suas ligações não é
realmente livre, mas vítima da própria cobiça (cf. 1.14; 2.11). Liberda
de no sentido cristão é, ao contrário, o reverso da pertença a Deus,
pois o ser humano não é livre por natureza, mas é libertado (cf. IPe
1.18). Dessa maneira, a liberdade é o resultado de ligação. Em 1.14,
cunha-se o conceito “filhos da obediência” para expressar esse fato.
Agora o entrecruzamento específico de ligação e independência ine
rente ao conceito de liberdade cristã é destacado retoricamente e
™ Cf. GERHARD, 1709, p. 260: “E stis quidem liberi, sed tarnen servi D E O [...] M agistratui
p ro p te r D E U M obed ientes; n on h om inibus sed D E O seru itis“.
A IP e , contudo, com o já foi referido, evita toda e qu alqu er legitim ação religiosa
dessa autoridade (cf., contrário a isso, a sua acentuação maciça em Rm 13.Is, 4, 6).
“ “ Pouco provável seria nesse caso um engano político no sentido de um a oposição ao
E s ta d o - o q u e ta m b ém d ific ilm e n te s e r ia im a g in á v e l n um gru p o m a rg in a l
num ericam ente tão inexpressivo. Mais provável seria pensar num equivoco ético
(cf. G1 5.13; IC o 8.9) que interpretasse a liberdade cristã com o afastam ento do
mundo: “O m otivo da liberdade, presente em 2.16 e que se liga com 2.17, aponta
para um desinteresse teologicamente fundamentado em autoridades terrenas; como
cristão se era da opinião de já estar retirado do mundo, valendo como irrelevantes
para o próprio com portam ento suas estruturas societais-sociais. Tal concepção é
corrigida pela IPe: cristãos são, de fato, livres de todas as coações intramundanas;
m as eles preservam sua liberdade, inserindo-se em circunstâncias vigentes [...]”
(WOLFF, Ch. In der Nachfolge des leidenden Christus. Exegetische Überlegungen
zur Sklavenparänese 1 Petr 2,18-25. ln: MAIER, Ch. et al. (Eds.). E x e g e s e v or Ort.
(FS P. W elten). Leipzig, 2001. p. 428).
Gl 5.13; assim a pessoa recai no “jugo da escravidão” , do qual havia sido libertada
por Cristo (G1 5.1).
Sobre a imagem de um “disfarce” para o mal, cf. também a sentença de Menander
sobre a riqueza, em Menand, Frgm. 90: trloCToc & -iroUcov èniKáluii^’ èotI v KaKcôv.
145
ainda melhor definido por um - para a antiguidade orientada pelo
ideal do homem livre, provocativo®^® - oximoro: os crentes são “livres”
justamente como “escravos de Deus”.
Deve-se considerar, contudo, também que essa imagem do “escravo” aqui não
se encontra de forma isolada, sendo antes complementada e definida por todas
as demais imagens sobre Deus e sua comunidade já empregadas até o momen
to e que mostram u m a relação bem mais pessoal. Ademais, convém lem brar
que, para alguém familiarizado com a tradição veterotestamentária judaica, o
conceito de ôoOXoç não evoca unicamente associação com opressão e exploração.
Quando um Paulo se denomina de “escravo de Jesus Cristo” (Rm 1.1; Fp 1.1; cf.
IC o 7.22; G1 1.10; cf. também Tg 1.1) - baseando-se, provavelmente, n a tradição
veterotestamentária do mm - ele expressa com isso su a completa per
tença a Cristo, fundamento de su a independência de todas as outras coisas (cf.
IC o 7.29-31). Rm 6.18 formula de forma incisiva: os cristãos foram libertados
justam ente por terem sido feitos escravos da justiça. D essa maneira, fun da
menta-se u m a liberdade que não contesta a inserção em ordens vigentes (cf.
IC o 7.17-24). De maneira análoga, a IPe também sublinha, pela ligação que
estabelece entre liberdade e escravidão, que liberdade cristã reside n a ligação
ao “Senhor”.
Cf. RENGSTORF, K. H. Verbete ôoOXoç ktX. In: ThW NT. Stuttgart, 1935. v. II, p. 264:
“O valor pessoal reside para o grego no fato de ser Hvre. Com isso já está de antemão
realizada a diferenciação da autoconsciência grega em relação a tudo o que é abarcado
pelo conceito do ôouA.eúeu’ [...]” (textos comprobatórios nesse sentido, da época clássica
até a época dos imperadores, p. 265-267).
526
Na invocação do servo de Javé, traduzido por 5oGA,ó<; |iou (Is 49.3 LXX; cf. 49.5).
527
A exortação encontra-se no aoristo, ao passo que os outros três im perativos são
form ulados no presente. As possíveis interpretações para o em prego diferenciado
dos tempos verbais são apresentadas por SNYDER, 1991. Ele mesmo defende uma
interpretação antiga, segundo a qual o primeiro membro representaria o título para
os demais. O sentido seria: dai a todos a honra que lhes é devida, a saber... Nessa
compreensão, ele ainda relaciona os três membros com 1.22 (amor fraternal), 1.17
(temor a Deus) e 2.13ss. Dessa maneira, contudo, não se percebe a cesura em 2.11
nem a troca feita entre o primeiro e segundo membros, pela qual o tem or a Deus
passa a receber um papel intermediário parcialmente peculiar entre amor frateno e
respeito pela autoridade. Tam bém é duvidoso que Deus possa ser sim plesm ente
enquadrado num návrtz generalizante.
146
meio de Deus, Pai. Em terceiro lugar, segue o temor, que é devido
unicamente a Deus.®^^ Essas três exortações formam um claro clí
max: a escalada que parte de todas as pessoas, passa pelos “irmãos” e
termina em Deus corresponde à escalada da honra, passando pelo
amor e culminando no temor (reverente). Chama a atenção, então, o
anticlímax no quarto membro; o imperador deve ser honrado. Com
isso a IPe consegue alcançar duas coisas: pela exortação final de
honrar o imperador é retomada a parênese anteriormente comentada
sobre a autoridade, enfatizando o respeito pela autoridade estatal como
“dever cristão”. Ao mesmo tempo, a retomada do verbo u|j,âi/ do início
da enumeração coloca o comportamento devido ao imperador em ní
vel igual ao do comportamento devido a todas as pessoas. Isso repre
senta uma redução se comparado à relação com Deus (cf. o contrário
em Rm 13.3, 7), já que sublinha que, apesar de todo reconhecimento
da ordem estatal, sua reivindicação de dignidade religiosa é rejeita
da.®^® Que essa é a intenção da IPe fica ainda mais claro se compa
rarmos os dois últimos membros com a provável fonte que lhe serviu
de base, ou seja, com Pv 24.21 LXX: cfioPoO xòu 9eòv, i)lé, kkl paailéoc. En
quanto que na sentença instrutiva de Provérbios o temor é devido a
Deus e ao imperador de igual maneira, na 1 Pe ele é expressamente
restrito ao relacionamento com Deus.
147
B. Submissão e valor dos escravos (2.18-25*)
148
com os escravos, e depois mais u m a vez com as mulheres, são invocados dois
grupos de pessoas especialmente expostos à pressão social e, assim, ao sofri
mento, dos quais é esperada u m a submissão, seguramente nada fácil de vivenciar.
Nos v. 21-25 subjaz u m a lem brança da paixão que se orienta em Is 53. Seguida
mente foi admitido, por razões de estilo®^ ^ conteúdo®^^ e histórico-traditivas®®®,
que se trata nesse texto de um hino tomado da tradição e que a IPe teria
adaptado ao seu c o n t e x t o . E s s a hipótese, porém, não é obrigatória, como já
mostrado por Osborne®®®, que avaliou criticamente as diversas tentativas de
reconstrução. Mesmo o argumento mais importante, a m udança notória da se
gunda para a primeira pessoa do plural e vice-versa, pode, é verdade, ser um
indício para o emprego de tradições; “nevertheless, this shift may be explained
ju st as well by the reference to Isa 53” [Contudo, essa m udança poderia ser
também explicada como referência a Is 53]®®®. Além de O sbom e, Wolfí®®’^ tam
bém chamou atenção para o fato de a referência a Isaías, importante para a tese
da independência literária, se encontrar igualmente em outros textos da IPe e
que também a argumentação com os hapax legomena não seria tão forçosa quan
to aparentava. Só na passagem de 5.1-4, cuja autoria petrina é discutida, en-
contram-se quatro hapax legomena neotestamentários e treze petrinos. Também
as concordâncias com Pol 8.1, apresentadas como argumentos para a teoria de
um hino independente, podem ser explicadas, segundo Wolff, pelo conhecimen
to da IPe por Policarpo.®®®
149
É bem verdade que no tempo do principado, provavelmente também em razão da
falta de novos afluxos de escravos, motivada pela diminuição das novas con
quistas, impõe-se um tratamento mais hum ano dos escravos na jurisprudên
cia. Ao lado dessa preservação dos recursos por razões econômicas, a filosofia,
principalmente o estoicismo, acentuou que o escravo era tanto concidadão quanto
a pessoa l i v r e . M a s a instituição m esm a não chegou a ser questionada por
causa dessa humanização. A própria 47® carta das Epistulae morales de Sêneca,
que apresenta as degradações e humilhações a que eram submetidos os escra
vos, em grande parte desprotegidos, de um a forma opressiva, passando a lamentá-
las, nem pensa em criticar a escravidão em si. A carta principia, ao contrãrio,
com um louvor a Lucilius, por ele ser amigo de seu escravo. Mesmo os partici
pantes dos levantes de escravos não lutavam pela abolição da escravidão, mas
pela su a liberdade i n d i v i d u a l . T a m b é m no judaísm o antigo, em geral^'*^, são
pressupostas e aceitas a escravidão e suas respectivas consequências.®'*^ A s
sim também no cristianismo primitivo. N a tradição dos evangelhos, pode ser
levantado o problema do aparato de poder tradicional (cf. Lc 12.37; 22.24-27),
m as a escravidão como tal não é explicitamente rejeitada em nenhum lugar,
sendo, ao contrário, pressuposta como vigente nas parábolas sobre os escra
vos. De forma semelhante, Paulo pode relativizar a escravidão e também outras
condições sociais da humanidade pela referência a Cristo (cf. G1 3.28), além de
trabalhar para conseguir u m a alforria individual ali onde tem alguma influência
(cf. Fm 13s), mas também ele não questiona a instituição da escravidão como
tal (cf. IC o 7.22).
Cf. Sen, Ep V ,4 7 ,l: “‘São escravos!’ Não, são, antes, seres humanos! ‘São escravos!’
Não, são, antes, companheiros de morada. ‘São escravos!’ Não, são, antes, amigos
de nível inferior.” (tradução de F. Loretto); Sen, Ep V,47,10: “Pensa bem que esse
ser que cham as teu escravo nasceu da m esm a sem ente que tu; que u su fru i do
mesmo céu, respira o mesmo ar e vive e morre (como tu)! Assim como podes vê-lo
livre, ele pode ver-te escravo” (tradução de F. Loretto).
541
ALFÕLDY, 1984, p. 66.
542
São conhecidos só dois grupos m argin ais que rejeitam fu n dam en talm en te essa
instituição: o primeiro é composto, segundo o testemunho de Josefo (Ant XVIII. 18-
22) e Filo (OmnProbLib, 79), pelos essênios, aliás, um testemunho não confirmado
pelos próprios escritos de Qumrã, se é que são essênios; e o segundo, de acordo
com Filo, pelos terapeutas (Filo, V irC ont 70).
Josefo pressupõe o castigo de escravos fugitivos como óbvio (ôÍKaiov vevópLorai), mesmo
que esses tenham fugido de senhores injustos (Jos, Bell III.373).
150
(2.13).®"^"* De maneira análoga aqui, em contraposição a Ef 6.5, em que
a submissão aos Kaxk oáçKa KÚpioL é paralelizada com a submissão a
Cristo, não é acentuado o senhorio de Cristo, mas seu sofrimento isento
de culpa na paixão - correspondente ao sofrimento injusto dos escra
vos. Isso também é importante para a compreensão da controversa
expressão hv mvi\ t()ópu.
544
Cf. PROSTMEIER, 1990, p. 408.
545
Cf. P R O S T M E IE R , 1990, p. 4 0 8 , B R O X , 1993, p. 131, 143; cf. ta m b ém
W OHLENBERG, 1923, p. 74. A referência ao paralelo em E f 6.5 não convence,
como já frisado acima, um a vez que mesmo ali “o temor aos senhores terrenos não
passa de consequência do temor a Cristo” (POKORNY, P. D e r B r ie f des Pau lu s an die
E p h e s e r. Leipzig, 1992. p. 236).
Assim também GOPPELT, 1978, p. 193; WOLFF, 2001, p. 430.
KúpLoç design a três vezes claram ente C risto (1.3; 2.3; 3.15). Nas duas citações
veterotestam entárias em 1.25 e 3.12, a menção original naturalm ente se referia a
Deus, mas não é certo que a IP e igualmente o entenda dessa maneira, pois também
em 3.15 a citação de Is 8.13 foi relacionada com Cristo.
151
V. 19 O V. 19 formula uma sentença-chave da IPe: “Porque isto é
graça, quando alguém suporta tristezas, sofrendo injustamente, por
motivo de sua consciência para com Deus”, uma frase cujo sentido é
mais uma vez repetido no versiculo seguinte. Não se deveria designar
isso de “escandaloso”®"^®, pois a escravidão era pressuposta como na
tural, também pelos cristãos, o que já mostramos acima.®"*® Além dis
so, os cristãos, como grupo marginal separado, não só não estavam
em condições de mudar algo na sociedade vigente, mas também de
viam contar com o fato de que quaisquer tentativas nessa direção
representariam a perigosa confirmação da desconfiança social, se
gundo a qual eles formariam uma comunhão de facciosos. É justa
mente por causa desse perigo que a IPe procura, de forma tão deter
minada, pedir pela tolerância dos cristãos. Não há dúvida de que aqui
o preço esteja sendo pago pelos mais fracos, mas isso não ocorre sem
compensação. Inicialmente cabe perceber que a carta de forma algu
ma procura legitimar a escravidão. Pelo contrário; enquanto na auto
ridade foi destacada sua função positiva como garantidora da ordem,
aqui fala-se explicitamente de sofrimento injusto que assola os es
cravos (cristãos), e todo esforço vai no sentido de comprovar que jus
tamente nesse caso a graça de Deus está presente. Graça é alhures
na IPe a epitome para a salvação escatológica recebida pelos cris
tãos.®®® Esse significado provavelmente também aqui ressoa junto em
xápiç, só que essa graça (em contraposição marcante ao emprego
terminológico paulino, embora em concordância com outros escritos
neotestamentários e cristãos-primitivos®®*) encontra-se simultanea
mente ligada a um determinado comportamento, nesse caso ao sofri
mento por causa da pertença ao cristianismo®®^, de forma que, ao lado
do favor divino, também o momento do “mérito” desempenha um pa
pel. Se a participação nessa salvação é aqui e no versiculo seguinte
explicitamente prometida ãqueles que, como os membros mais fra
cos, estão expostos ãs arbitrariedades e ã hostilidade do entorno da
maneira mais desprotegida, se esses, logo adiante nos v. 21ss, inclu
sive são colocados em relação direta com o Cristo sofredor, então é
152
dessa maneira que os escravos socialmente desprivilegiados sao va
lorizados no contexto das comunidades cristãs.
153
substitutivo em favor dos destinatários e, com isso, a singularidade
de sua ação salvifica. A IPe já havia dado a legitimação hermenêutica
dessa conexão entre texto profético e paixão em 1.1 Os, em que via o
Espírito de Cristo atuante nos profetas, que testemunhava antecipa
damente seu sofrimento e sua glória.
154
para a prática do bem e para que seja evitado o mal nos v. 19s. De
forma bem especial, no entanto, é feita referência a Jesus como exem
plo para a renúncia à vingança no v. 23, a ele que não revidou com a
mesma moeda quando sofreu injúrias e foi açoitado, vindo a incorpo
rar, dessa maneira, o objetivo ético de toda a parênese (cf. 3.9). Tam
bém esse motivo lembra o cântico do servo sofredor (Is 53.7), reprodu
zido na paixão de Jesus especialmente em seu silêncio diante das
acusações (Mc 14.61par.; 15.5par.; Lc 23.9). Tal comportamento, se
julgado de forma não-amigável, podia ser interpretado como uma fra
queza indigna do divino no contexto dos valores antigos®®^; mas tam
bém se poderia reeonhecer nele - e assim quer a IPe que seja enten
dido - força moral exemplar.®®^ A fundamentação para essa postura
de Jesus, no entanto, não é a superioridade sobre o mundo conforme
a ataraxia cinico-estoica ou a apatia; ela se fundamenta antes - bem
ao modo judaico®®®- na confiança em Deus, que estabelece justiça.
Nova referência ao seu juízo é feita com a especificação, acrescida
adversativamente, “punha a sua causa nas mãos daquele que julga
com justiça”, sendo que a questão em destaque agora reside, diferen
temente de 1.17, não na exortação aos praticantes, mas no consolo ãs
vítimas; o consolo de que esse juiz haverá de conceder também aos que
sofrem injustamente a obtenção dos seus direitos®®'^- podendo esses,
por isso, renunciar ã retribuição própria (cf. Rm 12.17-21 e outros).
Conforme Celso, Jesus deveria ter colocado sua divindade ã prova pelo fato de ter
reagido punitivamente em relação àqueles que haviam debochado dele: “Por que ele
não mostra - se não antes, ao menos agora - algo de divino (0eióv xi.) e não se salva
dessa vergonha e não exige prestação de contas daqueles que se sobrepõem a ele e
ao seu Pai?” (Orig, Cels 11,35).
A renúncia ã retaliação em relação ás hostilidades, que, segundo Epiteto, caracteriza
um verdadeiro cín ico (Epict, Diss III,2 2,53s), tam bém se con cretiza no silêncio
diante das injúrias dos inimigos. Plutarco, p. ex., afirm a não existir nada de maior
valor e mais nobre que a serenidade em relação ao inimigo injurioso (loO A.otôopoijvcoç
fXSpoO Tf|v pouxíav à yíiv, Plut, DeCap 90D); e Marco Antônio pede de um que quer
segui-lo ( 'A vtojvívou paSTirnç), entre outras coisas, que não revide de igual para igual
em caso de reprim endas injustas ([...Jtoüç àôÍKOjç aúxòv |j.ep(j)op.évouç pf) àvxipeptljopévoç;
M Ant V I,30).
Cf. 2En 50.3s: “ [...] se vos sobrevêm perigo e uma chaga em razão do Senhor - tudo
isso suportai por causa do Senhor. E se estais em condições de retribuir cem vezes,
não vos vingueis, nem em relação ao que está próximo, nem ao que está distante.
Pois o Senhor é o que retribui, e (ele) vos será por vingador no dia do grande juízo,
a fim de que não sejais vingados aqui por pessoas, mas lã pelo Senhor” (tradução de
Ch. Bõttrich, H e n o ch b u ch ). De form a sem elhante, TestX ll.B en V,4 (tradução de J.
Becker, T esta m en te): “Pois o piedoso com padece-se sobre o injurioso [A.OL5o)pov] e
silencia”. (A tradução de J. Becker, porém, não é segura; oLcovã também podería estar
se referindo ao injurioso como sujeito); “[...] deixa a retribuição para Deus” (TestXII.
Gad V I,7; tradução de J. Becker, Testam ente).
Cf. também 2Mac 7.17, 19, 31, 35ss; 4Mac 10.11; TestXII.Gad 6.7; Jos, Ant IV.33
e outros; v. sobre isso o excurso acima: Deus como juiz, p. lO lss.
155
V. 24 O V. 24 combina outros trechos de Is 53 com afirmações próprias
sobre a paixão a fim de interpretar a morte de Jesus eomo perdão dos
pecados recorrendo ao servo de Deus de Dêutero-Isaías. Convém ob
servar que aqui (como também alhures na IPe) é falado de pecado no
contexto do perdão. O discurso sobre o pecado não tem, pois, por ob
jetivo desabonar os lados negativos do ser humano também ainda
de forma religiosa; seu enfoque reside, pelo eontrário, justamente no
fato de o “pecador” ser colocado em relação com o Deus que perdoa -
Jesus “carregou, ele próprio, os nossos pecados em seu corpo sobre o
madeiro, para que nós, mortos para o pecado, vivamos para a justiça”,
assim se afirma em nosso versículo. Dessa maneira ele estabeleceu a
possibilidade de nova vida, dentro da qual os discípulos encontram-
se inseridos. A contraposição antitética de “mortos para o pecado” e
“vivamos para a justiça” evoca explanações de Paulo em Rm 6.®®® Até
certo ponto, a IPe reformula nesse versículo aquilo que, influencia
do pela mensagem paulina da justificação, na primeira parte princi
pal, ela expressou com o renascimento (cf. Rm 6.4). Assim como a
IPe, no entanto, já ligou o pensamento da expiação com o do exem
plo nos V. 21-23, também o v. 24 evidencia-se, ao mesmo tempo, como
eticamente acentuado: “justiça” não é, na IPe, tanto o poder liberta
dor de Deus (como em Paulo), mas designa (pelo menos também) um
determinado comportamento^®®: do singular do pecado (como poder
escravizante) passou-se para o plural “pecados” (como sinônimo de
erros humanos).
156
C. A exortação às mulheres e aos homens (3.1-7*)
157
ros no casamento como Plutarco parte do pressuposto de que as mu
lheres só devem honrar os deuses de seus maridos (PraecConiug 140
D). A submissão - colocada por meio de óiroícoç junto com as instru
ções até agora formuladas - é aqui recomendada como o ceiminho
para não somente aplacar, mas inclusive ganhar o cônjuge unica
mente por intermédio do testemunho de vida (novamente é falado da
àvaaxpocjjfi).®’^* Com a ajuda de um jogo de palavras - os que não creem
“na palavra” devem ser ganhos “sem palavra” a IPe orienta-se no
ideal (patriarcal) da mulher que prova seu valor por meio do silên
cio. Também aqui fica novamente clara a proximidade da IPe com
o judaísmo helenístico; também esse havia legitimado seu lugar na
sociedade antiga especialmente pelo cumprimento de valores “bem
burgueses”, i. e., conservadores. Os judeus apresentavam-se a si pró
prios, até certo ponto, como os melhores gentios.Particu larm en te
no tempo do Novo Testamento, isso costuma ocorrer em relação à moral
s e x u a l . A esse contexto também pertence a submissão das mulhe
res, cuja inferioridade em relação ao homem é pressuposta.
158
destinada ao c o m a n d o . A partir daí também se explica que a mulher é respon
sabilizada em primeira mão pela queda no pecado: “É de um a mulher que advém
o início da culpa, e por su a causa todos nós morremos” (Sir 25.32[24]). Isso
também encontra eco n a literatura cristã primitiva (cf. ITm 2.14). N a filosofia
popular pagã, essa inferioridade da mulher ainda pode ser adicionalmente legi
timada pelo fato de ser atribuída a um a moldagem complementar dos gêneros
pela divindade (tò 06lov) (cf. Aristot, Oec I,3s, 1343b-1344a^^'^). O judaísm o helenista
recorre, de forma análoga, à ordem criacional: “A mulher em tudo é inferior ao
homem. Por isso ela deve subm eter-se, não p ara seu vexame, m as para que
possa ser conduzida. Pois foi ao homem que Deus deu o poder [Kpároc;]”^^®.
Esse é o contexto das instruções da IPe. Também ele pode falar das
mulheres como o “gênero frágil” (3.7). Considerando o pano de fundo
desse (em princípio, não questionado) contexto, cabe agora certifi
car-se também das particularidades que o nosso texto apresenta.
Filo, QuaestGen 111,3. Por isso a história do pecado original mostra para onde se é
conduzido quando Adão dá atenção a Eva, ou seja, quando a razão dã atenção à
percepção sensitiva (Filo, LegAll III,222s).
Sobre a origem do escrito, cf. VICTOR, U. (Aristoteles), Oikonom ikos. Das erste Buch
d er Ö k o n o m ik -H a n d sc h riften , T ext, Ü b ersetzu n g u nd K om m en tar, u n d sein e
Beziehungen zur Ökonomikliteratur. Königstein, 1983. p. 167-175; Victor atribui o
escrito a um aluno de Aristoteles.
Jos., Ap 11,201; de modo semelhante já Arist 250s acentua a necessidade da mulher
ser conduzida pelo homem; cf. também o fragmento de Füo, Hypothetica I, em: Eus,
PraepEv VIII,7,3, que concebe a total submissão ao homem como mandamento bíblico.
159
“espírito manso e tranquilo” (v. 4). Pode-se perguntar se as destinatá
rias da IPe possuíam colares de ouro e vestidos suntuosos; impossí
vel isso não era, pelo menos não para algumas®^®, embora dificilmen
te tenha constituído o caso normal. É provável que aqui se trate me
nos de indícios quanto à condição econômica das destinatárias e mais
de uma expressão consagrada (cf. também ITm 2.9); o aumento da
atratividade por meio de cosmética e joias pode ser rejeitado também
na ética pagã®®°- não por último devido ã sua afinidade com a prosti
tuição.®®^ Epiteto e Plutarco, p. ex., recomendam ãs mulheres, ao in
vés disso, o cuidado com o seu caráter e comportamento como verda
deiro adorno.®®^ É provável que essa ideia básica também esteja pre
sente aqui no contraste entre adorno exterior (v. 3) e interior do cora
ção (v. 4), sendo que, na primeira parte da antítese, o assunto gira
menos em torno do adorno em si, mas, antes - isso mostra a enume
ração das ações -, na ocupação com o embelezamento do próprio cor
po a fim de tornar-se atraente.®®®
Cf. At 17.12. Segundo Plínio, que cerca de 20 anos m ais tarde narra sobre os
cristãos na mesma região para a qual foi endereçada a IPe, eles seriam pertencentes
a todas as classes sociais (Plin, EP X,95,9: m ulti [...] om nis ordinis).
Um exemplo é a narrativa sobre um decreto do legislador Zaleukos em DiodS XII,21:
“No mais, ela (sc. a m ulher livre) procure não colocar adereços de ouro nem um
vestido com bainha de púrpura, a não ser que seja uma hetera” . Plutarco reporta-se
ao exem plo de Lisandro, que rejeitou os adornos para suas filhas, frisando que
esses mais as envergonhavam que adornavam (Plut, PraecConiug 141D: Kaxaiaxwíl
[...] nâUov T] KOo^if|oeL).
Cf. HERTER, H. D ie Soziologie d e r a n tiken Prostitu tion im L ich te des heid n isch en und
ch ristlich en S chrifttum s. Münster, 1960. esp. p. 89-94.
582
Plut, PraecConiug 142B; Epict, Ench 40.
583
Cf. GOPPELT, 1978, p. 216; “Os genitivos que descrevem as ações dão ideia do esforço
em termos de trabalho e tempo que requer a atividade de tomar-se atrativa [...]”.
Sobre irpaúi; como atitude desejável de relacionamento recíproco, cf. Mt 5.5; G1 6.1;
junto com Tjoúxioç podem ser encontrados na literatura cristã primitiva como virtudes
cristãs (cf. IC lem 13.4; Barn 19.4; Did 3.7s).
1.4, 23; cf. 1.18; v. acima o excurso 2: “ ‘Incorm ptível, sem mácula, im arcescivel’ -
recepção e transform ação de predicados divinos metafísicos na IP e ” , p. 73.
160
V. 5 Com a referência às “santas mulheres” a IPe acrescenta ainda
uma segunda fundamentação, de caráter histórico-salvifico. A espe
rança, apresentada na primeira parte principal como conteúdo da nova
vida®®®, já determinava no Antigo Testamento a essência daquelas
“santas mulheres”. Trata-se aqui de uma das poucas passagens no
Novo Testamento em que as mulheres do Antigo Testamento são usa
das como exemplos autônomos. Como as que esperam em Deus, elas se
adornavam, assim é explicado pelo emprego do particípio úiroTaoaóiJ,evaL,
por meio da submissão aos seus maridos. A referência generalizada às
“santas mulheres”, como texto bíblico comprobatório para essa tese,
dá testemunho de uma percepção seletiva dos textos - mulheres de
patriarcas, como Rebeca, com certeza trilharam caminhos próprios.
161
do primeiro particípio, anexado como uma “prática do bem”. O segun
do particípio constata que tais mulheres, cujo comportamento é moti
vado pelo temor a Deus, não necessitam temer nenhuma intimidação
por parte de pessoas. Como os “livres” temem a Deus na condição de
“escravos de Deus” (2.15) e por isso não necessitam temer o imperador
(2.17), assim também as mulheres tementes a Deus, justamente por
sua “conduta em temor”, tomam-se livres de todo temor diante de in
timidação humana, resp. dos seus maridos (v. 6 fin.; cf. também 3.14).
162
Também em relação às mulheres não se encontra na IPe um progra
ma revolucionário que tentasse compatibilizar as condições sociais
do Império Romano com os padrões da sociedade europeia, america
na ou sul-americana dos inícios do século XXL Quem espera por isso
e responsabiliza a IPe pela decepção dessa expectativa revela uma
incapacidade problemática (não somente de uma perspectiva históri
ca) de conceder a uma outra cultura inicialmente o direito de colo
car valores próprios e de procurar entendé-los, antes de emitir juízo.
Considerando-se especialmente a IPe, tal perspectiva, anacronisti-
camente deformada, também impede que se percebam os tons silencio
sos com os quais essa carta procura traduzir para dentro das estrutu
ras de poder da sociedade vigente suas exigências, formuladas de
maneiras inovadoras a cada capítulo, no sentido de cristãos e cristãs
conviverem em regime de amor e humildade (1.22; 2.17; 3.8s; 4.8ss;
5.5s) e de procurarem minimizar nesse processo o potencial de vio
lência inerente a tais estruturas, na medida em que se ofereçam pos
sibilidades nesse sentido. Sugestões semelhantes tornar-se-ão visí
veis também ainda por ocasião das instruções dadas em 5. Iss ãs pes
soas em cargos de direção na comunidade.
163
para descrever os dois modos de comportamento contrapostos: a retribuição e a
bênção. Os verbos finitos encontram-se unicamente na frase secundária, que
serve como fundamentação, e n a sua explicação final.
164
à injúria recíproca faz referência ao exemplo de Cristo de IPe 2.23.
Sobretudo ressoam as conhecidas exigências de Jesus dos sermões
da montanha e da planície:®^® a renúncia à retribuição do mal lembra
a quinta antítese do sermão da montanha (Mt 5.38ss); a resposta com
a bênção lembra o texto de Lc 6.28a, sendo que essa tradição de Je
sus é reproduzida aqui na forma da versão transmitida por Paulo: a
renúncia à retribuição do mal com o mal encontra-se em ITs 5.15 e
Rm 12.17; a “resposta” à injúria com bênção, em ICo 4.12 (cf. tam
bém Rm 12.14). Essa exortação adquire seu perfil no contexto da dis
cussão sobre o sofrimento injusto: justamente ali onde os cristãos
sofrem violência e experimentam o mal, são conclamados a inter
romper o círculo vicioso da retribuição. Pouco comum é a fundamen
tação dessa exortação com o estado de salvação em que se encontram
os cristãos: como eles “foram vocacionados para herdar bênção”, o
encontro entre eles como portadores de bênção e seus adversários
deve redundar em bênção também para esses últimos.®®®
165
E. Síntese (IPe 2.11 - 3.12)
166
d) Submissão tem por objetivo a vitória do mal pelo bem (3.9; cf. 2.23),
mesmo que as experiências concretas tendam a provar o contrário (cf.
4.3s), e por isso ocorrer a confirmação final só no “dia da visitação” (2.12).
®°‘' Cf. 2.14s, onde se parte do pressuposto que, em relação àquilo que é ‘bom ” , é
possível haver consenso entre cristãos e gentios.
N esse contexto tam bém se deve observar criticam ente a diferença (fundam ental
para Balch) entre a tradição cristolõgica asseguradora de identidade e a parênese,
de importância menos decisiva para o referido propósito. A tese de Balch ainda não
é revidada pelo fato de tal separação e contraposição de proclamação e lei contrariar
toda a autocompreensão do Antigo Testamento e Novo Testamento (e, natureilmente,
também a da IPe, para a qual a estreita relação entre promessa e exigência inclusive
é característica). N esse ponto Balch até poderia ter razão, já que, apesar dessa
autocompreensão, o conteúdo das respectivas éticas vem adaptado do entorno, não
co n ten d o n a d a de e s p e c ífic o . N esse sen tid o , d e v e r-s e -ia in te rp r e ta r en tão a
comprovação de Balch de que o material dos códigos domésticos remonta em grande
m edida ao âmbito rom ano-helenista (sendo que ainda podia ser acrescentado que
parte desse m aterial se encontra em fontes ju d aico-h elen istas). Contra a tese de
Balch deve-se objetar, porém, que é por demais estreito o seu conceito de ética em
relação com a parênese da IP e, sobretudo quando ele se concentra unicamente no
pedido para submissão, vendo como sua principal meta a “domestic harmony between
husband, wife, and slaves” [harmonia dom éstica entre marido, esposa e escravos],
como ficaria claro em 3.8s, no fim da parênese (BALCH, 1981, p. 88; cf. p. 109 e
outros). O acento na sobriedade em 3.8 relaciona-se com o comportamento mútuo
dos m em bros da com unidade, sem constituir, contudo, o fin al in terpretativo de
toda a parênese. Esse encontra-se, como já dito, em 3.9.
Cf. At 16.20s; 17.6s; 24.5, 12; cf. ainda Lc 23.2 e Jo 19.12 onde, em conexão com a
paixão de Jesus, provavelmente ressoam as acusaçóes por parte de judeus e pagãos.
Caso Onésim o tenha procurado por Paulo por ter fugido do seu senhor, como o
admitem muitos intérpretes, a Carta a Füemon estaria mostrando que a mensagem
cristã sobre a igualdade de todos em Cristo (cf. G1 3.27s) podia ser entendida por
escravos como possibilidade para fuga. Da m esm a form a m ostra IC o 7.13s que
167
Nessa situação, a IPe tenta compensar o desvio da norma social, condicio
nada por sua nova orientação religiosa, com um “supradevef [“Übersoll”] de inser
ção nas hierarquias sociais existentes e minimizar, dessa forma, os pontos de
atrito. A isso acrescente-se que na IPe a esperança da volta de Cristo ainda de
sempenha um papel que não deve ser menosprezado.®°® Quem, no entanto, espera
pelo fim dessa época do mundo, dificilmente terá compreensão para a transforma
ção das estruturas dessa reaJidade transitória“ ®; essas são, ao contrário, pressu
postas®'® como dadas para prova®" e em meio a elas cabe comprovar-se e dar teste
munho do futuro de Deus.®'^ Por essa razão, é questionável até que ponto a crítica
externada em relação a essas orientações faz ju s ã autocompreensão da época,
considerando que a percebemos de forma unilateral diante do pano de fundo do
moderno conceito de liberdade. “Nós ouvimos a palavra (sc. subordinação)
involuntariamente a partir de sua primeira sílaba. No Novo Testamento, porém, o
tom não recai sobre a primeira süaba ‘su b’, mas sobre a raiz ‘ordem””.®'®
168
Para considerações adicionais oferece-se o entendimento apresentado
acima, segundo o qual a IPe pressupõe a ordem vigente como fato natural, mas
lá onde exerce influência, ou seja, nas comunidades, traduz o etos cristão n a
forma de amor mútuo e humildade para dentro das estruturas de poder da so
ciedade vigente, procurando de fato minimizar o potencial de violência inerente
a essas estruturas ã medida que se apresentem possibilidades para tanto.
169
A. A bem-aventurança dos que sofrem (3.13-17*)
KELLY, 1969, p. 139; SCHELKLE, 1980, p. 100; KNOPF, 1912, p. 136s; BROX,
1993, p. 157.
GOPPELT, 1978, p. 234; cf. FRANKEM ÕLLE, 1987, p. 57.
170
teológica fundamental, que ela vai contradizer logo no v. 14, que a
segue, na medida em que ela pressupõe ali a possibilidade de sofri
mento injusto. Uma vez que a palavra KaKÓu também pode significar o
prejuízo para o interior (cf. Filo, SpecLeg 111,99), damos aqui preferên
cia à interpretação apresentada por primeiro, confirmada também por
Sab 3.1-4. A pergunta introduzida com tlç foi, portanto, pensada como
pergunta retórica e sublinha a certeza de que realmente nada pode
prejudicar de fato os que creem.
171
também confirma o Optatiinis potentiális, introduzido por el ícaL.®^^
sim como na primeira menção ao sofrimento em 1.6, isso deve ser
entendido como condição que faz uma afirmação sobre uma situação
na qual o sofrimento é experimentado.
o Potencialis é em pregado aqui sem &v. cf. BLASS; DEBRUNNER, 2001, § 385,2
(com nota 4).
Pelo fato de ao verbo cjjopéopai ser adicionado 4)ópoç, da m esm a raiz, com o objeto
interno, a negação acaba sendo mais reforçada ainda.
No TM de Is 8.13 o KÚpLoç é mnv
Cf. BROX, 1993, p. 159.
Um comprom isso sem elhante com a defesa da fé controvertida também conhece o
judaismo; cf. mAv II, 14a: “Deseja aprender ardentemente o que deves ensinar a um
espirito livre” (tradução de K. Marti; G. Beer).
GOPPELT, 1978, p. 236: “Essa roupagem linguística m ostra um a abertura para o
mundo helenístico, mesmo que a Apologia de Platão comece a ser considerada pelos
apologetas cristãos somente a partir do século II d.C.”.
172
“esperança que há em vós”. A esperança é aqui novamente o princí
pio da nova vida, i.e., a fé que, reportando-se ao destino de Jesus,
obtém certeza do seu futuro (v. abaixo em 3.18-22) e que, por essa
razão, adquire forma como atitude da esperança em contraste com a
futilidade e deterioração até a morte de uma vida sem Cristo.®^®
628
Cf. excurso 1: Esperança, p. 67ss.
629
BROX, 1993, p. 161.
Sobre o temor a Deus, v. acima em 1.17; teimbém em 2.17, 18; 3.2.
O resultado a que chega A. D eissm ann, em sua relevante m onografia, é de que
Paulo foi “o moldador da fórmula, não no sentido de que ele tivesse sido o primeiro
a unir ív com o singular pessoal, mas assim que e le c rio u u m te rm o té c n ic o to ta lm e n te
n o v o , u tiliz a n d o -s e d e u m u s o lin g u ís tic o j á e x is te n te (DEISSMANN, 1892, p. 70). F.
Büchsel é mais cauteloso em relação à proveniência, mas constata igualmente como
resultado de sua pesquisa: “À medida que kv K [sc. o èv K u p í u LXX], etc. se tom ou
ex p re s s ã o p a ra a fé de P a u lo em C risto , ga n h o u u m a im p o rtâ n c ia qu e nem
rem otam ente possu ía em período an terior” (BÜCHSEL, 1949, p. 157). HERZER,
1998, p. 84-106 admite ter sido Paulo o autor da expressão èv XpLorü, mas crê que
ela se tornou independente, vindo a ser em pregada tam bém por círculos cristãos
“não dependentes histórico-traditivam ente de Paulo” (ibidem, p. 105).
173
V. 17 A frase seguinte, que afirma ser melhor sofrer como praticante
do bem do que do mal, estende o que foi afirmado em 2.20 em relação
aos escravos para todos os cristãos. Isso é formulado em forma de uma
sentença que lembra um axioma da antiga ética. Caso a alusão
seja proposital, temos aqui um primeiro exemplo para a estratégia
apologética empregada também posteriormente, p. ex., por Justino ou
Origenes, os quais interpretam a delimitação sociorreligiosa etica
mente e colocam a perseguição aos cristãos no mesmo contexto da
rejeição de homens justos como S ó c r a t e s . D e s s a forma, a própria
estigmatização é, até certo ponto, tornada plausivel a partir de pres
supostos pagãos. O sofrimento é relacionado com a vontade de Deus,
embora na forma de um Potentialis condicionado por el - “se for da
vontade de Deus” -, que torna elaro tratar-se nesse sofrimento como
praticante do bem unicamente de uma possibilidade, não de uma
necessidade. Com a expressão “se for da vontade de Deus”, a IPe pa
rece fazer uso de uma fórmula comum no ambiente grego pagão.
174
Lasterkataloge im Neuen Testament. Exegetisch, religions- und formgeschichtlich
untersucht. Münster, 1936. p. 188-191. (NTA 16/4-5).
BULTMANN, 1967, p. 285ss; BOISMARD, M.-E. Q uatre hym nes baptism ales d a n s la
p re m iè re E p ître de Pierre. Paris, 1961. p. 60ss; WENGST, K. C h ristologisch e F orm eln
u n d L ie d e r d es U rchristentum s. Gütersloh, 1972. p. 161ss, entre outros.
636 paxa um a crítica, cf. GOPPELT, 1978, p. 240-242.
Além dos citados, cf. ainda a tipologia do dilúvio em Lc 17.26ss e o batismo como
purificação (Tt 3.5; cf. E f 5.26).
Cf. IT m 3.16; Fp 2.6-11.
Mc 14.24par.; Jo 10.15 e outros; especificamente como um morrer para os injustos,
em Rm 5.6ss; cf. G1 2.20.
E f 3.12.
Rm 8.11; IC o 15.44s; 2Co 3.6; Jo 6.63.
^“*2 Lc 24.51; At 1.10.
Mc 12.36; At 2.33 e outros.
Fp 2.10; E f 1.21; Hb 2.8.
V. acima. Introdução, p. 51.
175
V. 18: Pois também Cristo sofreu uma vez pelos pecados, um
justo por injustos, para conduzir-vos a Deus, morto,
sim, na carne, mas vivificado no Espírito.
V. 19: No qual [Espírito]®“*®também pregou aos espíritos em
prisão.
V. 20: Os quais outrora foram desobedientes, quando a pa
ciência de Deus aguardava nos dias de Noé, enquan
to se construía a arca, na qual poucas, para ser exato,
oito almas foram salvas através da água,
V. 21: a qual [sc. a água] agora também vos salva no antítipo
do batismo, não como remoção da imundícia da carne,
mas como pedido de uma boa consciêneia a Deus. [Isso
acontece] por causa da ressurreição de Jesus Cristo,
V. 22: que - após ter ido para o céu - está à destra de Deus,
depois de lhe terem sido subordinados anjos,
potestades e poderes.
176
aberto por Cristo implica a superação da morte (ICo 15.21s; Rm 5.12ss).
Um parállelismus membrorum antitético, que dá a impressão de uma
fórmula, recapitula nesse sentido, em relação a Cristo, mais uma vez
de forma concisa, paixão e ressurreição: “morto, sim, na carne, mas
vivificado no Espírito”. Ele esclarece que Cristo, pela sua pertença à
“carne”, estava entregue à morte, mas que, ao mesmo tempo, pela sua
pertença ao Espírito ( d i v i n o ) e s s a morte é vencida. O Espírito é tam
bém em Rm 1.3s o poder de Deus, pelo qual o filho de Davi, Jesus Cris
to, é destacado como Filho de Deus na ressurreição. O verbo CwoTroLeXv é
igualmente empregado no âmbito judaico-helenístico como designa
ção para o poder criador de Deus (JosAs 8.3, 9; 12.1; 20.7; oração das
18 preces). Em Rm 4.17, ele é expressão para o poder criador de Deus
que vivifica os mortos, da mesma maneira como também Deus cria exis
tência do nada. A participação no Espírito provoca por isso, justamente
na esfera da morte, a vitória sobre a própria; ela “vivifica os vossos cor
pos mortais” (Rm 8.9-11)®^®, como isso já ocorreu com Cristo.
nveújxatL pode aqui ser entendido de forma instrumental (cf. Rm 6.4; IC o 6.14) ou -
o que é mais provável - como dativo de relação. A interpretação de ELLIOTT, 2000,
p. 646s que quer entender mitú^iaTL, devido ao paralelo com oapKÚ, “with respect to
(his) spirit” [com respeito ao (seu) espírito], ou seja, antropologicamente, não convence.
No texto paralelo de Rm 8.10, apresen tado por Elliott, é claram ente o Espírito
divino, e de form a algum a “one spirit (that lives)” (ibidem, p. 647), que m ora nos
crentes e cria a vida no corpo morto (Rm 8.11).
De form a sem elhante isso é expresso em Rm 5.21: tam bém o Filho participa do
poder de Deus para vivificar os m ortos. Jo 6.63 chega inclusive a contrastar a
carne, que para nada serve, com o Espírito vivificante. No grande capítulo sobre a
ressurreição em IC o 15, esse Cioovoitlv descreve a ação de Deus na criação (15.36) e
na ressurreição (15.22), também nesse caso com um acento focado na cristologia:
enquanto o primeiro Adão foi só “alma vivente”, o “último Adão” (Cristo) tornou-se
“espírito vivificante” (15.45).
SPITTA, F. C hristi P red igt an d ie Geister, IP e tr. 3,19jf. Ein Beitrag zur neutestament-
lich en Th eologie. G ottingen, 1890.
Cf. CD 11.18-21; 1 QGenApokr I l. l, 16; 2Bar 56.12-15.
651
No NT, Ju 6, 13; 2Pe 2.4.
652
Sobre a interpretação que relaciona IP e 3.19 com os anjos guardiões, cf. REICKE,
B. T h e D is o b e d ie n t S p irits a n d C h ris tia n B a p tis m . A Study o f 1 Pet. 111.19 and Its
177
o tema do “livro dos anjos guardiões” é o destino dos filhos de Deus caídos, desig
nados de àyytkoi no texto grego de lE n , mas também - o que não deixa de ser
importante em relação a IPe 3.19 - algumas vezes de - (lEn[gr.] 10.15;
13.6; 15.4, 6-8).®^^ A desobediência desses filhos foi responsável pelo dilúvio, e eles
encontram-se amarrados (lEn[gr.] 10.4, 11; 14.5), resp. num a prisão (ôeoguTtipLov)
(lEn[gr.] 18.11 - 19.1; 10.13; 18.14; 21.10). A eles deve dirigir-se o patriarca (em
lEn[gr.] 12.4; 13.3 e 15.2 são empregadas formas específicas de Tropeíio|raL) e lhes
pregar a sua definitiva rejeição (12.5). A petição de graça, que ele formula a pedido
deles (13.4-7), é rejeitada (14.4-7). Aqui se encontram motivos centrais do texto da
IPe - a “ida” para os “espíritos”, a desobediência no dilúvio, a prisão e a ida de um a
pessoa aos aprisionados, a fim de lhes comunicar algo. A importância desse even
to, contudo, permanece incerta: “ou a frase realmente pretende dizer no contexto
cristão que aos ‘anjos’ amarrados foi pregado o evangelho (permanecendo em aber
to se isso era para a conversão ou para o juízo) ou Cristo mesmo proclamou sua
vitória até as mais remotas regiões do cenário cósmico, inclusive (kkí) a esses
‘espíritos’. Para mim a questão parece insolúvel [...]”.®®‘'
C ontext. K openhagen, 1946. p. 90s; SELW YN, 1949, p. 326; KE LLY, 1969, p.
156s; BROX, 1993, p. 171ss.
Os restos gregos de lE n encontram -se coletados em BLACK, M. (Ed.). A p oca ly p s is
H e n o ch i G raece. Leiden, 1970. p. 1-44.
BROX. 1993, p. 175. Sobre todo o complexo, cf. GSCHWIND, 1911, esp. p. 97-144,
que igualmente relaciona a cena com os espíritos; geralmente o cenário é entendido
como proclam ação do poder sobre os espíritos caídos, como, p. ex. o faz REICKE,
1946, p. 133s, que vê nesses espíritos simultaneamente os poderes que se encontram
por trás das autoridades terrenas. A um a interpretação semelhante também chega
DALTON, 1989, p. 200: “Cristo, o novo Enoque, venceu em sua paixão e ressurreição
a v itó ria d efin itiva sobre esses poderes angélicos do m al. O m undo descren te,
aliado com e instigado por esses poderes, compartilha de sua derrota e condenação,
um a condenação a ser ratificada no juízo final”.
Cf. CIAI, Strom VI,6,44-46; Orig, Princ 11,5,3; Orig, Cels 2,43; Orig, Comm Mt 132.
Cf. GOPPELT, 1978, p. 249, que aponta para Hb 12.23; também Dn 3.86a LXX e
lE n 22.3-13; Lc 24.37, 39.
Sobre o motivo da paciência de Deus antes do dilúvio, cf. m Av V,2a; “Existem dez
gerações de Adão até Noé para proclamar quão grande é a sua paciência. Pois todas
as gerações provocaram o seu desgosto, até que ele fez chegar sobre elas as águas do
dilúvio” (tradução de K. Marti/G. Beer).
658 xPsJon sobre Gn 6.3; cf. Lc 17.26s.
178
vro de Jubileus descreve que não só os anjos caídos (Jub 5.6), mas
também os renovos dos casamentos entre os anjos®®® “[foreim] amarra
dos nos abismos da Terra até o dia do grande juízo” (Jub 5.10; tradu
ção de K. Berger). Esse local supramundano do castigo dos weqaara xwy
i(;ux(ôv Tcôv yeKpcSv (lEn[gr.] 22.3; cf. 22.9) é, em conexão direta com o
ôeopœxTjpLoy dos anjos (lEn[gr.] 21.10), descrito em correspondência a
este, sendo que chama a atenção o emprego frequente do termo weupaxa
como designação para as almas dos mortos (lEn[gr.] 22.6s, 9, 11, 12,
13). Ora, na literatura cristã primitiva, o lugar do castigo das almas é
também designado explicitamente de “prisão”.®®® Se acrescentarmos
a isso que o verbo KxipúoaeLy geralmente designa, no Novo Testamento,
a proclamação da mensagem cristã salvíííca®®^ enquanto que seu
emprego para uma pregação de juízo seria singular, então a enigmá
tica passagem de IPe 3.19s poderia ser efetivamente interpretada em
conexão com a pregação do evangelho entre os mortos, referida de
forma abrupta, é verdade, mas pressuposta como conhecida junto aos
destinatários pelo Kal yáp introdutório e pela passagem de 4.6, em
que um eúaYYe^íCeoQttL, correspondente a KX|púoo€Ly, possibilita vida para
os mortos por causa do Espírito de Deus. Se essa interpretação for
certa, a passagem poderia ser compreendida como correção conscien
te da suposição de uma perdição definitiva da geração do dilúvio,
como é testemunhada, p. ex., no Talmude de Jerusalém®®^; o texto
estaria querendo acentuar que até mesmo esse arquétipo da depra
vação é incorporado na salvação que ocorre através da ressurreição.®®®
179
Isso também se aplica ao fato de que a IPe, mesmo sugerindo o juízo
sobre os descrentes, em nenhum momento executa sua condenação,
muito menos faz dela um tema geral.®®'^ Deve-se observar, ademais,
que a descida de Cristo é configurada como contraparte consciente
da ascensão, da mesma forma como no texto o ïïopeu9eiç da descida no
V . 19 corresponde ao iropeuGeíç da subida ao céu no v. 22. Com isso
estaria sendo acentuado, como também em outras ocasiões de vez
em quando nas confissões cristãs primitivas (cf. Fp 2.10; Ef 4.9s; Ap
5.13), que a tomada do poder por Cristo não abrange só o céu e a terra,
mas inclusive o inframundo, como mundo da morte e da ausência de
Deus“ ® - estendendo-se assim ainda para mais longe que a procla
mação cristã.
Contra essa interpretação objeta-se que não se pode estar pensando n a “desci
da ao inferno” porque essa só poderia ter ocorrido antes da ressurreição, razão
pela qual também “a explicação dada pelo autor para o v. 19 no v. 20 [...] de
qualquer maneira estaria errada”.®“ Essa argumentação pressupõe, por um lado,
que o evento ao qual se refere o v. 19 tenha que ter ocorrido após a aludida
ressurreição ao final do v. 18, o que não é obrigatório. A expressão eavarueelç pèv
oapKL - C(t)OiroLr|0elí; ôè iTV6ij|iaiL no v. 18 coloca morte e ressurreição formalmente
juntas; o v. 19 conecta-se ao anterior pela referência ao Espírito com o pronome
relativo, sem que do fato se pudesse deduzir u m a sequência cronológica; é con
cebível, da mesma forma, que se trate de um adendo que não tinha lugar dentro
da fórmula confessional, construída antiteticamente.®®’’ Além disso, a conheci
da colocação da “descida ao inferno” pela confissão de fé, a saber, entre sepul-
tamento e ressurreição (no assim denominado tríduum mortis) é afirmada como
ú n ica possibilidade p a ra tal, o que configura um anacronism o. Tam bém a
constatação, bastante repetida, de que Irineu em suas referências à “descida
ao inferno” por Cristo não apontaria para a IPe perde em evidência num exame
mais atento: ou Irineu pressupõe simplesmente a “descida ao inferno”, sem
qualquer referência bíblica (Iren, Haer IV,27,2), ou ele cita u m a palavra apócrifa
de Jeremias especialmente adequada para a sua interpretação do evento (Iren,
Haer 1V,22,1; Epid 78).
Contra ELLIOTT, 2000, p. 661, o qual afirma que a condenação dos anjos da tradi
ção do dilúvio “ seria consistente com o fato da desobediência persistente, como
testem unhada ao longo da IP e ” .
®®^ Cf. também Rm 14.9, onde, da m esm a form a como em IP e 3.19, o domínio sobre
mortos e vivos é inclusive a consequência direta da morte e ressurreição de Cristo.
BULTM ANN, 1967, p. 288.
®®’ Um a am pla tradição desde Agostinho relaciona essas afirm ações inclusive com o
Cristo preexistente (cf. ELLIOTT, 2000, p. 649s).
180
das de morrer afogadas por intermédio da arca. Deve-se observar, po
rém, que essa alusão à história do dilúvio foi conscientemente
construída como “antítipo”®®® da salvação pelo batismo, exemplificada
no versículo subsequente. Ora, isso toma provável que também em
nosso caso o termo ij/u/fi tenha sido empregado com cautela; quando
se diz das oito úW l: ôieocóGrioav ôl’ üõatoç, então isso pode, é verdade,
ser traduzido por “elas foram salvas através das águas”, embora seria
de esperar antes um “para fora das águas”. O referido ôi’ üôaroç tam
bém pode, é verdade, significar “através”, resp. “por intermédio de”®®®
água, e no que segue também não se fala mais da água como um
elemento de morte, mas - metaforicamente (vide v. 21) - de sua força
purificadora, que possivelmente já está de certa maneira incluída
aqui.®^° Além disso, o posposto õl’ íjôaToç ao final do v. 20 corresponde
ao posposto ôl’ àvaotáoecoç ’Irioou Xpioxou ao final do v. 21. Assim, é
provável que também o v. 20, como “contraimagem” do batismo no v.
21, esteja fazendo alusão ã “salvação das almas”®^^ ocorrida ali.
181
à vista do pequeno número de textos comprobatórios transmitidos para
efeitos de averiguação, dificilmente se pode explicar porque, nesse
caso, a auveíôrioLç àyaOf) em 3.21 pode ter um sentido totalmente dife
rente que em três versículos imediatamente anteriores em 3.16, onde
se trata claramente da consciência de serem falsas as injúrias do
entorno e de que não se sofre pessoalmente como quem praticou o
mal. A ouvcLÔriaLç àyaêfi só pode significar aqui “boa consciência” (cf.
também 2.19). Em última análise, uma interpretação da locução
oi)veLôf|06coç ayaBric eirepcSTTpa no sentido de “promessa de firme ligação”
faria com que a alusão final à ressurreição (como fundamento da sal
vação; cf. 1.3 fin.!) não soasse senão como um adendo desligado do
c o n t e x t o . P o r essa razão, faz-se mister partir do pressuposto de que
ouveíôrioLç àyaGfi também aqui não signifique outra coisa do que “boa
consciência”. Mas como então se deve entender o enunciado?
182
comportamento, à “prática do bem” (2.20), resp. “boa conduta” (3.16).
Isso se transforma aqui no pedido a esse Deus por uma boa consciên
cia (comprometendo, inclusive, a própria pessoa que ora).
Mais precisamente é falado, como no v. 19, com um particípio sobre a ida de Cristo
- por isso também a tradução “viagem ao céu” .
Outro estreito paralelo para a exaltação à direita de Deus é Rm 8.34; ali o enfoque da
exaltação, porém , é a in te rce s s io de Cristo (sua intervenção intercessora em favor
dos crentes junto ao Pai).
Cf. sobre isso HENGEL, M. „Setze dich zu m einer R echten !“ Die In thron isation
Christi zur Rechten Gottes und Psalm 110,1. In: PHILONENKO, M. (Ed.). L e Träne
d e D ien . Tübingen, 1993. p. 108-194.
183
U m a ligação direta entre viagem ao céu e o assentar-se à direita de Deus encon
tra-se no final não-origLnal de Marcos (Mc 16.19; cf. também B a m 15.9).®®*
Em si, B am 15.9 cita a viagem para o céu, em bora em conexão com a descida ao
in fern o .
Contra BROX, 1993, p. 164: “A contribuição desses versículos [sc. 3.18-22] para o
tem a central da carta exaure-se, portanto, no v. 18” .
Seguidam ente é sublinhada a conexão entre sofrim ento e glória, que, com o em
Cristo (cf. 1.11, 21), também haverá de tornar-se realidade naqueles cristãos que
com ele estão ligados pelo sofrim ento (cf. 1.7; 4.13s; 5.1, 10). A qui se trata da
redenção da perdição (eterna).
184
V. 6: Pois, para esse fim foi o evangelho também pregado aos
mortos, a fim de que sejam julgados à maneira humana
na carne, mas vivam pelo Espírito, segundo Deus.
185
Não é tão fácil entender a afirmação de que os sofredores “deram um
fim ao pecado”. O emprego de pecado no singular, uma linguagem
incomum na IPe, torna provável que se trata, nesse caso, da
reformulação de pensamentos paulinos, como o apóstolo desenvol
veu, p. ex., em Rm 6.1-11: pelo batismo os crentes participam na mor
te de Cristo, tornando-se assim, como mortos, livres do pecado. Como
também em outras partes, a IPe substitui o discurso sobre a morte
por outro que diz respeito ao sofrimento, uma vez que o pensamento
da participação no sofrimento de Cristo como expressão de comu
nhão com ele desempenha um papel proeminente nesta carta (cf.
2.19ss; 3.13ss; 4.13ss; 5.1). Portanto a frase diz o seguinte; quem so
fre no discipulado de Cristo, armando-se assim com o mesmo pensa
mento que ele teve, quem, portanto, fica unido a Cristo, esse também
participa da esfera da salvação®®®, inaugurada com os seus sofrimen
tos, sendo que o imperativo sobreposto òirÀíoaaGe torna claro que tal
participação requer simultaneamente o máximo de esforço por parte
dos que creem.
V.2 O que segue explica o que acabamos de afirmar; o “tempo que vos
resta na carne” - a formulação indica para a limitação da vida e colo
ca, ao mesmo tempo, essa vida no horizonte da eternidade de Deus®®®
- deve ser agora organizado de forma que corresponda a essa liberta
ção do pecado. Assim, os crentes encontram-se colocados em meio
ao antagonismo entre duas esferas de poder, euja inteneionalidade é
sublinhada pelo respectivo conceito de vontade empregado no con
texto: uma consiste nas “concupiscências das pessoas”®®’^, definidas
mais uma vez no v. 3 como “vontade (poúÀrina) dos gentios”, e a outra,
na “vontade (GéA-Tpa) de Deus”. A consequêneia da pertença ao Cristo
sofredor e do “armamento” representado pelo mesmo pensamento é
que os erentes, em razão do seu afastamento das “concupiscêneias
dos seres humanos” se colocam sob a vontade de Deus - comprovan
do-se, assim, como “filhos da obediência” (1.14), como os que, na união
com Deus, são os verdadeiramente livres (2.16).
186
humanos” surge a “vontade dos povos/gentios”. O poder contrário das
concupiscências, preferencialmente psicológico e com ação no inte
rior das pessoas, recebe agora também uma dimensão sociocultural,
sendo, ao mesmo tempo, contrastado ainda mais fortemente eom a
vontade de Deus. Em termos de conteúdo, isso é explicado por meio
de um catáúogo de vícios, que, em linguagem típiea de conversão,
sublinha a futilidade (cf. 1.18) e as trevas (cf. 2.9) da vida anterior. A
“vontade dos gentios” é earacterizada no contexto em forma de clichê
como licenciosidade incontrolãvel, que significativamente tem seu
ponto alto na idolatria. Tais catálogos de vícios, que unem polemiea-
mente®^® idolatria e licenciosidade, encontram-se ainda mais fre
quentemente no Novo Testamento.®®® É provável que constituam uma
herança da sinagoga da diãspora®®°, que gostava de interpretar sua
condição excepcional dentro do mundo pagão por intermédio do seu
etos específico.®®^ Alta consideração aparentemente recebia nesse
contexto a esfera da moral sexual e, de maneira bem geral, toda a
influência recebida pelas pessoas por meio de vontades e desejos, a
qual também podia ser avaliada criticamente pela filosofia pagã, mor
mente dentro da tradição estoica.®®^ Ela permitia que os judeus (e de
pois provavelmente também os cristãos) se projetassem como os “me
lhores pagãos” e tomassem plausível, dessa maneira, sua separação
dos pressupostos pagãos.®®® A IPe aproveita de forma consequente essa
chance de interpretar a posição de forasteiros dos cristãos com base
em sua orientação religiosa e as tensões com o entorno daí decorren
tes em termos de um contraste ético. Dessa forma, o ser-diferente na
sociedade, o ser-forasteiro, contém praticamente um momento elitista,
que pode ser integrado positivamente na autocompreensão contesta
da e, ao mesmo tempo - como mostram as exortações para a prática do
bem e o afastamento do mal, que nesse contexto são frequentemente
Provavelm ente a IP e esteja fazendo referência a festas (ocasionais), que sem pre
tinham também caráter religioso.
Cf. G1 5.19-21; um a composição dos paralelos diretos encontra-se em BROX, 1993,
p. 194.
^ Cf. Sir 18.30 - 19.4: “Não te deixes levar por tuas paixões e refreia os teus desejos.
Se cedes ao desejo da paixão, ela fará de ti objeto de alegria para teus inimigos. Não
tenhas prazer em muito luxo, pois a pobreza haverá de recompensar-te duplamente.
Não serás glutão ou beberrão, pois senão nada permanecerá na bolsa (de dinheiro).
Pois com isso tom ar-te-ás inimigo de tua própria vida (...) Vinho e mulheres produzem
um coração leviano, e forte concupiscência leva ã m in a aquele sobre o qual domina.
Podridão e vermes o terão como herança, e desejo pervertido será eliminado. Aquele
que confia rapidamente é descuidado de coração, e o pecador comete delito contra
si próprio” .
V. acima, p. 157s.
O quão longe isso podia ir num ambiente pagão mostra, p. ex., a rejeição do prazer
sexual mesmo dentro do casamento, em Musonius, Diatribe XII.
V. acim a o excurso 5: As paixões, p. 96ss.
187
repetidas motiva para um modo de vida melhor. Esse pode então,
mais uma vez, ser usado apologeticamente.
É essa atitude que explica a referência à “difam ação” no v. 4; cf. At 13.45; 18.6.
Cf. GOPPELT, 1978, p. 274: Trata-se de “um comportamento que busca compensar
o vazio de sentido pela falta de controle, um modo de vida que, como já indicado
p ela ra iz d a p alavra, é d estitu íd o de sa lva çã o ” ; de form a sem elh an te tam bém
FO ERSTER, W. V erbete ãouxoç ktà . In: T h W N T . S tu ttgart, 1933. v. I, p. 504: a
palavra significa que a gente “se arruina com o próprio estilo de vida” . Um vivido
exemplo fornece o emprego do advérbio correspondente àoúrcoç na parábola do filho
pródigo, Lc 15.13.
A construção infinitiva aqui empregada, “para julgar os vivos e os mortos” , ainda se
encontra em 2Tm 4.1, no entanto, com in finitivo presente; a form ulação da IP e
com o infinitivo aoristo encontra-se literalmente nos símbolos; v. acima. Introdução,
p. 51.
V. acima em 3.19; também ELLIOTT, 2000, p. 730s.
Assim também REICKE, 1946, p. 204-210; JEREMIAS, 1949, p. 196s; GOPPELT,
1978, p. 249s.
188
ração do dilúvio (KpL0cõaL é aoristo, enquanto presente; também
eur|7Ye^Lo0Ti, formulado no aoristo, corresponderia ao aoristo de èKripuÇev
em 3.19). Em favor desse nexo também fala o contraste entre oapKi (como
esfera da mortalidade, na qual se concretizou o juízo) e irucijpoíTL (como
a esfera de ação do poder divino vivificador), que alude diretamente a
3.18. O versículo, com sua surpreendente diferenciação em vista do
juízo, deveria então ser compreendido como tentativa de combinar o
enunciado do juízo do versículo precedente, segundo o qual Deus como
juiz pune a injustiça, com a declaração de 3.19s, que por meio de Cris
to é oferecida salvação mesmo à geração do düúvio, outrora desobedien
te. Em aberto deve fiear em que medida tal afirmação poderia ser gene
ralizada no sentido de que será oferecida a salvação a todos os que mor
reram sem Cristo; o emprego do aoristo em eur|YY6A.í.o0T|, entretanto, defen
de antes®®® uma ação única, sobre a qual se discorreu em 3.19.
189
nha nenhum papel. Tudo ainda se concentra aqui na relação da co
munidade com Deus (quatro vezes nos v. 10-11) e dos seus membros
entre si (três vezes nos v. 8-10).^°® O trecho encontra-se delimitado
do seu antecedente pela referência introdutória ao término próximo
de todas as coisas, bem como pela série de orientações para o conví
vio mútuo; mais clara ainda é a delimitação em relação ao texto sub
sequente pela doxologia e o “Amém”.
700
BORING, 1999, p. 148.
701
Isso se torna particularmente evidente numa comparação com o Apocalipse de João,
surgido mais ou menos na mesm a época. Não posso entender como se pode dizer
que a IP e defenda “a esperança pela vinda imediata com a mesma intensidade que
o Apocalipse de João” (GOPPELT, 1978, p. 281).
O verbo ouitipovcLv, ju ntam ente com seus derivados, encontra-se tipicam ente nos
escritos posteriores do Novo Testam ento, em especial nas Cartas Pastorais; salvo
em Rm 12.3 e At 26.25, ainda em Tt 2.2, 4-6, 12; IT m 2.9, 15; 3.2; 2Tm 1.7.
IT s 5.6, 8; v. acima em 1.13.
190
sobre o comportamento dos cristãos entre sU^"^ No centro encontra-se -
retoricamente ainda reforçado por um “acima de tudo” introdutório - a
exigência do amor mútuo. A posição central do mandamento do amor
é válida para todo o cristianismo, e o acento especial sobre o amor
intracomunitário certamente também tem a ver com a pressão advinda
de fora. O “amor fraterno”, em verdade, já havia soado anteriormente
na IPe como epítome do etos intracomunitário (1.22; 2.17); agora ele,
pela primeira vez, é explanado mais detalhadamente. Interessante é
que, de imediato, é aerescentado que ele deve ser praticado “com todo
o ardor”, ou seja, que ele só pode ser preservado com trabalho éirduo.
191
(cf. Rm 12.9-13; Hb 13. Is). O próprio Cristo pode ser encontrado no
forasteiro (cf. Mt 25.35, 43). Nas Cartas Pastorais, a hospitalidade é
uma comprovação para a qualificação de um bispo (ITm 3.2; Tt 1.8),
resp. de uma viúva (ITm 5.10) para o ofício na igreja. A hospitalidade,
tida em alta conta na antiguidade^“®, desempenhou papel tão rele
vante justamente no cristianismo primitivo porque o acolhimento de
missionários e missionárias, resp. dos mensageiros e mensageiras
era decisivo"^^“ para a missão do cristianismo e o contato mútuo entre
as comunidades. Um pouco mais tarde, a possibilidade de mau uso
da hospitalidade por parte de aproveitadores'^“ forçará a Didaquê ao
estabelecimento de regras restritivas (Did 11.5s, 12; 12.5). Na IPe
(ainda) não se entra em tais detalhes, mas se sublinha tão-somente
que a hospitalidade deve ocorrer “sem murmuração”, sem lamentação
ou avareza, que poderiam arruinar exatamente o valor da atenção
dispensada aos hóspedes.
192
os dons do Espírito não devem ser razão de autoapresentação, mas
são “serviços” (ICo 12.4s; cf. Rm 12.6s). Isso é importante na IPe,
justamente em relação à pergunta pelo poder no interior das comu
nidades. Não há dúvida de que também ali exista hierarquia, com
precedência e subordinação - o que conta em primeiro lugar é, po
rém, a relação caracterizada pelo serviço mútuo.
V. abaixo em S.lss. Deve ser observado também que toda a comunidade é designada
como “dispenseira da multiforme graça de Deus” e não só o bispo, como em Tt 1.7.
Enquanto essa designação na IP e une a comunidade pela tarefa comum, o olKovópoç
0€oO assinala na carta pastoral a posição especial do detentor do ministério.
O entendimento das “palavras de Deus” por ELLIOTT, 2000, p. 759 como “oráculos”
parece forçado, mesmo porque esse sentido também é duvidoso nos textos compro-
batórios de Rm 3.2 ou Hb 5.12, por ele apresentados com essa finalidade.
193
V. 14: Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventu
rados [sois], porque sobre vós repousa o Espirito da gló
ria e de Deus.
V. 15: Ora, não sofra nenhum de vós como assassino, ou la
drão, ou malfeitor ou como quem se intromete em as
suntos alheios.
V. 16: Mas, se [sofrer] como cristão, então não se envergo
nhe; antes, glorifique a Deus com esse nome.
V. 17; Porque o tempo de começar o juízo pela casa de Deus
é chegado; mas, se ele começa inicialmente por nós,
qual será o fim daqueles que não creem no evangelho
de Deus?
V. 18: E “se é com dificuldade que o justo é salvo, onde será
visto então o ímpio e pecador?”
V. 19: Por isso também os que sofrem segundo a vontade de
Deus devem encomendar a sua alma a ele como ao
fiel criador, pela prática do bem.
Cf. FRANKEM ÕLLE, 1987, p. 64: “A invocação não é prim ariam ente um sinal de
introdução de um a nova parte principEd, mas - entendido de forma retórico-pragmática
- um retorno intensificado ao público, um a vez que os destinatários necessitam de
consolo e solidariedade (5.9).
V. sobre isso as explanações em 2.11.
Isso já vale para o tem a do sofrimento, que até o momento tem sido desenvolvido
sem p re re n o va d a m en te (cf. 1.6, 8; 2.12, 15, 18ss; 3.9, 13ss; 4 .4 ), p a ra su a
concretização em forma de injúrias (cf. 2.12, 15; 3.16; 4.4), também para o contraste
entre sofrimento justo e injusto (2.20; 3.17), para o sofrimento por causa da ligação
da fé (2.19; 3.14), para o sofrimento segundo a vontade de Deus (2.19; 3.14), bem
194
uma mudança de perspectiva. O testemunho para fora retrocede, sendo
insinuado só ainda no ôo^aCéxco de 4.16. Ao invés disso, aborda-se fun
damentalmente as perguntas sobre o sofrimento, as crises de fé daí
advindas e sua avaliação teológica. Sofrimento é consequência da
pertença à comunidade dos eleitos e significa prova (v. 12); no sofri
mento, os cristãos participam do sofrimento de Cristo, recebendo as
sim também participação em sua glória (v. 13); essa é a razão pela
qual os que sofrem já são agora declarados bem-aventurados (v. 14);
eles glorificam a Deus (v. 16) e já antecipam para si o juízo final, que
ainda aguarda os outros (v. 17s). Assim, as declarações da carta feitas
até agora sobre o sofrimento são agrupadas e desenvolvidas, a fim de
assumir um posicionamento sobre esse problema central da IPe com
um rigor ainda não alcançado até esse ponto. De maneira análoga,
muda também o “clima”.
195
V. 13 A primeira fundamentação é cristológico-escatológica, que, em
sua essência, provavelmente remonta a Paulo (Fp 3.10s; cf. 2Co 1.5
7; Rm 8.17). A IPe refere-se a ela também em outra passagem. Nesse
versículo, ela é desenvolvida em três passos argumentativos:
a) Os sofrimentos no discipulado de Cristo são concretizações da
união com o Cristo sofredor;
b) essa comunhão com o Cristo sofredor fundamenta a partieipação
em sua glória quando de sua “revelação” - uma provável alusão ã
parúsia de Cristo. Por isso,
c) os cristãos já podem se alegrar agora, e não só apesar do sofrimen
to, mas - simultaneamente, antecipando o júbilo do tempo final - in
clusive por causa do sofrimento.’’2'*
™ Cf. DAVIDS, 1990, p. 167: “Essa alegria escatológica antecipada é um tema comum
a IP e e Tiago (Tg 1.2; IP e 1.6)” .
Tert, Apol 1,4.
Essas ocorrem só a partir da metade do século III d.C.
™ V. Introdução, p. 16ss.
™ Cf. sobretudo a bem-aventurança aos injuriados por causa de Cristo em Mt 5.11; cf.
também Mc 9.37, 39, 41; Lc 21.12. GOPPELT, 1978: “Novamente, como em 2.24,
afirmações similares são formuladas, primeiramente em linguagem paulina, depois
em sinótica” ; em relação à in flu ência exercida por Mt 5.11 sobre IP e 4.13s, cf.
M ETZNER, 1995, p. 34-38.
196
a) O futuro àvairaúieTai,, testemunhado por todos os manuscritos da LXX
que nós conhecemos, é transformado no presente àvamijeTaL; dessa for
ma é acentuada a presença desse Espírito prometido no sofrimento;
V. 15 Uma vez mais (cf. 2.20; 3.13) a IPe sente-se compelida a espe
cificar melhor que todas as referidas promessas não valem para um
sofrimento merecido em razão de mãs ações. A corrente de possíveis
delitos (assassino, ladrão, malfeitor) é de própria autoria. Qual o sen
tido da advertência para não sofrer como assassino? Pode ser aventa
do se a IPe estã fazendo aqui alusões a acusações “com as quais, na
forma de difamações e denúncias caluniosas, se tornava difícil a vida
dos cristãos”.'^®“ Permanece obscuro qual poderia ser o sentido do
hapax legomenon à/\,A.oTpLeiTÍoKoiToç.
Como já mostrado por diversas vezes, é um a característica da IP e que essa carta liga
intimamente o conceito da ôó^a com o sofrimento: como no caso do Cristo sofredor
(cf. 1.11; 2.21), tam bém nos seus discípu los a glória vem depois do sofrim ento
(1.6s; 4.13; 5.1, 10).
’ 3» BROX, 1993, p. 217.
’■3' Cf. BEYER, H. W. Verbete èiuoKéirroiiai kzX. In: T h W N T . Stuttgart, 1935. v. II, p. 595
619, esp. 617-619.
197
nha IP e 4.4 indiretamente e como o conhecemos da polêmica
anticristã. Contra essa explicação fala, porém, por um lado, o fato de
que com isso a IPe estaria colocando a critica por ela própria defen
dida contra a sociedade pagã numa mesma sequência de claros deli
tos criminosos; por outro, não fica transparente até que ponto essa
critica apresenta a existência de uma situação de incriminação que
seja análoga à existente em relação aos primeiros membros da
sequência. Mas, considerando-se que a última possibilidade levan
tada é provável com base no todo da série, foi aventada a tradução no
sentido de “denunciante” ou “ocultador”, sem que se conseguisse
fundamentã-la de maneira realmente convincente. De qualquer for
ma, a sequência, iniciando com o assassino, passando pelo ladrão e
malfeitor e terminando com o enigmático àÀloTpLeiTLOKOTTOç, parece mos
trar uma “descending order of gravity and specificity” [ordem decres
cente de gravidade e especificidade].'^®^
198
V. 17 Como fundamentação adicional vale a referência ao juizo. O
absoluto TÒ Kpí|j,a só pode referir-se ao juízo final, para o qual a carta já
apontou diversas vezes (1.17; 2.23; 4.5). Enquanto nas passagens até
aqui a perspectiva desse juízo era sempre a de um evento futuro, ago
ra é acentuado que ele já iniciou (ò Kaipòç xoG apÇaoêai), a saber, na casa
de Deus. Como essa afirmação se relaciona com os enunciados sobre
o sofrimento pelo ou causativo, esse juízo que inicia na casa de Deus
só pode significar o sofrimento que assola os cristãos no presente. A
concepção de que o juízo principia no próprio povo de Deus já se en
contra em Ez 9.6 e Jr 25[32]. 29. Reiser^®'^ aponta com razão para o
fato de que nas passagens proféticas se trata de um juízo de destrui
ção, enquanto que na IPe, de purificação. Não se pode descartar, con
tudo, a possibilidade de que a IPe tenha assumido este pensamento
de que o juízo inicia no santuário de Deus dos textos bíblicos. Isso se
torna tanto mais provável, quanto tais pensamentos podem ser
enfatizados escatologicamente no judaísmo antigo, de tal forma que
as catástrofes históricas sejam interpretadas como antecipação da
quele juízo que ainda está á frente dos outros: “e o Senhor julgará
como primeiro a Israel por causa da injustiça que há nele [...] e então
julgará ele todas as nações” (TestBen 10.8s)^®®. Que esse juízo permi
te, a minore ad maius, depreender o que aguarda aqueles que, como
descrentes, até agora ainda foram preservados desse “fogo ardente”,
encontra-se implícito, embora não se entre em maiores explicações a
esse respeito. Mais importante, provavelmente, é que se possa deter
minar o lugar histórico-salvífico daquilo que causa “estranheza” em
relação ao sofrimento.
199
V. 19 O trecho é concluído com a exortação de que, aqueles que
sofrem segundo a vontade de Deus, encomendem sua alma a Deus.
Essa é a promessa do amparo divino, como é formulado mais uma vez
explicitamente no v. 5, embora aqui no v. 19 esteja formulado numa
forma que lembra a paixão de Cristo (Lc 23.46; cf. IPe 2.23). Deus é
definido como “criador fiel”. Essa referência ã criação surpreende, e
isso tanto mais que o termo “criador” (ktîottiç), tão comum a nós, que
remonta á linguagem do judaísmo helenista incipiente'^^®, se encon
tra no Novo Testamento só nessa passagem. Se, pois, aqui - em cone
xão com o juízo - novamente^'*“ se recorre à criação, então isso subli
nha a superioridade de Deus sobre o mundo, sua salutar transcen
dência. Não é por acaso que também aqui mais uma vez se encontra o
termo “alma”, que, como já foi mostrado^'^^ designa na IPe o outro
diante de Deus e o destinatário do seu plano salvífico.
O trecho mostra mais uma vez o que ê importante para esse escrito;
diante dos sofrimentos abordados sem maquiagem e as provações cau
sadas por eles, a IPe interpreta o presente totalmente a partir do juturo
de Deus - de um futuro que, tanto em relação á salvação como ao juízo
finais, já iniciou. É precisamente na negatividade dos sofrimentos ex
perimentados que a IPe quer abrir para seus destinatários uma di
mensão positiva, revelando-lhes como que uma experiência com a
experiência, a saber, a alegria nos sofrimentos. Dessa forma, os “es
tranhos”, como aqueles que foram regenerados por Deus, são confir
mados como “renascidos”. Se, porém, também esse consolo ao final
mais uma vez é formulado com a especificação adicional “pela práti
ca do bem” (cf. 2.20; 3.13; 4.15), então esse condicionamento da pro
messa documenta (praticamente como ato reflexo) de forma renovada
o outro propósito desta carta, a saber, o de unir intimamente promes
sa de salvação com parênese.
™ Cf. Sir 24.8; A rist 16; 2M ac 1.24; 7.23; 4M ac 5.25; 11.5; Filo, S pecLeg 1,30 e
outros.
™ Sobre a criação já havia sido falado em 1.20, no contexto da prom essa de que o
plano salvífico de Deus já havia sido estabelecido por ele “antes da fundação do
mundo”, razão pela qual também aponta para além da sua nulidade e transitoriedade.
V. acima o excurso 4: Alm a e salvação das almas na IPe, p. 84ss.
200
como corresponde a Deus, não por sórdida ganância,
mas de boa vontade,
V. 3; não como opressores daqueles que vos foram confia
dos, antes, tornando-vos modelos do rebanho.
V. 4; Assim, quando aparecer o protótipo de todo oficio de
pastor^'^^, recebereis a imarcescível coroa da glória.
V. 5: Do mesmo modo, vós mais moços, sede submissos aos
que são mais velhos. Todos juntos, cingi-vos em vossas
relações mútuas com a humildade, porque Deus “re
siste aos soberbos, mas aos humildes concede graça”.
201
se diretrizes para o uso correto do poder. Isso deve ser considerado
tanto mais já que, justamente no tempo da segunda e terceira gera
ções das Cartas Pastorais até as de Santo Inácio, se percebe a tendên
cia a compensar, por meio de fortalecimento decidido da hierarquia,
o vácuo de poder e as diferentes turbulências daí resultantes'^"*"* de
pois do desaparecimento (natural ou violento) das personalidades lí
deres da primeira geração, assegurando dessa maneira a unidade da
igreja contra as forças centrifugais atuantes. Tendo em vista uma dis
puta declarada por poder dentro da comunidade de Corinto, p. ex., a
Primeira Carta de Clemente, só um pouco mais recente que a IPe, faz
remontar a hierarquia eclesial diretamente a Deus, passando por cima
do apóstolo e de Cristo (IClem 42.1-5). Além disso, os detentores de
cargos são legitimados adicionalmente por meio da concepção de uma
sucessão apostólica (44.Is). De maneira análoga, a carta pede:
“Subordinai-vos aos mais idosos/presbíteros” (57.1), e acrescenta ao
mesmo tempo a exigência; iiáGere ÚTroTáoaeoBKi, “aprendei a vos subme
ter!” (57.2). É provável que esse desenvolvimento tenha sido inevitá
vel, e a IPe também participa dele, embora - em relação a outros es
critos do cristianismo primitivo - com uma sensibilidade notória para
os perigos do poder'’"*® e para a necessidade de uma orientação teológi
ca para as lideranças.
202
sua empatia com os mais idosos no que concerne à sua tarefa.
Isso também pode ser lido como exemplo para a “humildade”, que
vem a ser a meta de toda a exortação (5.5b; cf. 5.6). Ao mesmo tempo,
o autor dá a entender que também ele é detentor de um ministério
eclesiástico de l i d e r a n ç a . S u a segunda reivindicação é a de ser
testemunha dos sofrimentos de Cristo. Caso se queira compreender
essa referência no sentido de um testemunho ocular da paixão, ha
vería não só a dificuldade histórica de que Pedro, segundo as narra
tivas de todos os evangelhos, justamente não esteve presente na pai
xão, mas também o problema argumentativo ainda maior, ou seja, que
os motivos para a ausência do testemunho ocular - a negação e a
fuga do discípulo - pouco contribuiríam para reforçar sua autorida
de. Nesse sentido, muitos aspectos defendem que p,ápxuç não deva ser
entendido aqui como testemunho ocular da paixão, mas como um
testemunho de ação^®° daquele que “tem comunhão com os sofrimen
tos de Cristo” (4.13). Como tal, Pedro tem autoridade - especialmente
caso a carta, o que ê provável, esteja relembrando o martírio do após
tolo na qualidade de escrito pseudepigrafo. Essa interpretação de papiuç
também combinaria melhor com a explicação introduzida com ò kocí,
segundo a qual a testemunha dos sofrimentos de Cristo é, simulta
neamente, “participante” de sua glória futura, pois o nexo entre os
próprios sofrimentos pelos quais se tem que passar e a glória que em
função deles é concedida, resp. prometida, é explicitamente apresen
tado diversas vezes na carta, seja em relação ao próprio Cristo (1.11,
21), seja também em relação aos seus seguidores (4.14s; cf. 2.19). Os
irpeolliJTepoL interpelados devem “pastorear” o rebanho de Deus; trata-
se, pois, de pessoas em posições de liderança. Como tais, elas são men
cionadas com especial frequência nos Atos dos Apóst olo s.D ife re n
temente das Cartas Pastorais^®^, na IPe os presbíteros são os únicos
“detentores de cargos” citados explicitamente.’’®® Sua atuação em 5.2,
203
porém, também é designada de èiuaKOTreuv, o que indica que a diferen
ciação dos cargos está recém começando nessa épocaJ®“*
Na Carta de Tito, bispos e presbíteros ainda parecem significar a mesma coisa (cf. Tt
I . 5 com 1.7); em Atos o quadro é semelhante (cf. At 20.17 com 20.28).
No A n tigo Testam en to, cf. J r 23.1ss; Ez 34.2ss; Zc l l . l õ s s ; SI 7 9 [7 8 ].1 3 ; em
Qumrã, CD XIII.7-12 e IQ S VI. 12, 20; o paralelo mais claro no Novo Testam ento é
o pedido três vezes feito pelo Jesus ressuscitado a Pedro em Jo 21.15-17: ßooKt,
resp. noí|oai.ve xà tTpópaTct pou; cf. ainda At 20.28 ou a aplicação da parábola da ovelha
perdida em Mt 18.12-14 à situação da com unidade. No Antigo Testam ento, essa
imagem pertence ao pensamento do povo de Deus (cf. WOLFF, 1975, p. 336).
De um a época mais tardia, poder-se-ia citar como exemplo Agostinho, que iniciou
muito a contragosto seu cargo de bispo em Hippo Regius.
Cf. H EC KEL, U. H irte n a m t u n d H e rrs ch a fts k ritik .. Die u rch ristlich en Ä m ter aus
johan neischer Sicht. Neukirchen, 2004. p. 53: “ O genitivo toö 0eoO destaca Deus
como proprietário, perante o qual os presbíteros devem responsabilizar-se e em cuja
vontade necessitam se orientar” .
Já Paulo pressupõe o fato com o n atural (IC o 9.9ss; cf. tam bém M t lO .lO p a r.),
m esm o que ele próprio ten ha desistido desse direito por diversas vezes (cf. 2Co
I I . 8; Fp 4.10),
204
des^5®, um problema também conhecido das Cartas Pastorais (ITm 3.3,
8; Tt 1.7) e da Didaqué (15.1), contra o qual elas procuram prevenir. A
IPe contrasta a “sórdida ganância” antiteticamente com o pedido de
que a motivação para a aceitação de tal ofício deveria originar-se a
partir do interior das pessoas.
205
acentua por demais unilateralmente, nesse eontexto da IPe, o cará
ter de poder, não esclarecendo que no termo àp^ií (latim: prinãpium)
não se encontra só o pensamento do dominio, mas também e até em
primeiro lugar o da origem determinante, ou seja, um momento
normativo. Cristo como àpxLTToípT|y é mais do que unicamente o “che
fe” de todos os pastores; como o “bom pastor” que se sacrifica a si
próprio pelas suas ovelhas (2.21-25; Jo 10.1 Iss; cf. 21.16; Hb 13.20),
ele é protótipo, “arquétipo” de todo o ministério pastoral, qualificado
como convívio alternativo, “de serviço”, com o poder dado em confian
ça sobre outras pessoas.^®®
206
entre 5.1 e 5.5 o assunto girou em torno do referido cargo, uma mu
dança abrupta de significado no sentido único de “mais idosos” bio
logicamente não seria convincente nesse momento. Se os “mais ido
sos” são dirigentes comunitários, quem então são os “mais jovens”?
Possivelmente o termo se refira a um grupo especial e, nesse caso,
dever-se-ia pensar preferencialmente nos novos b a t i z a d o s . M a s tal
interpretação parece forçada. Se até agora o assunto girava em torno
da relação dos irpeopúiepoL com todo o “rebanho de Deus”, por que, no
caso da subordinação, haveriam de ser interpelados unicamente os
novos batizados? Contudo, se a exortação diz respeito a todos os que
não são dirigentes comunitáirios - por que então a designação de “mais
moços”? Uma explicação possível poderia ser que aqui na IPe foi in
corporada uma peça da tradição que solicitava a subordinação dos
mais moços aos mais idosos e que a isso acabou se dando uma impor
tância especial em razão do relacionamento contextuai com os pres
bíteros, sem que se pudesse identificar os “moços” com um determi
nado g r u p o . É provável que tal processo possa ter sido favorecido
pelo fato de constituir o termo “ancião” uma titulação de honra na
antiguidade, designando uma posição de destaque, relativamente
independente de idade biológica.^^^ Assim, a recomendação aos mais
novos deveria ser relacionada complementarmente com os cristãos
restantes’’^^, aos quais cabe obedecer e prestar especial consideração
aos que são os seus detentores de ofícios; coisa semelhante já se pode
ler também em Paulo (cf. ITs 5.12s; ICo 16.16).
207
para a IPe, numa ética que se diferencia decididamente do relacio
namento em geral tido como normal com o poder; o exercício de po
der precisa permitir que possa ser medido pelos critérios que, de modo
geral, valem para o convívio mútuo dos cristãos. Em 4.8-11, essa ati
tude havia sido caracterizada como amor e serviço, agora ela é - como
já em 3.8 - esboçada como xaireLvoctjpooúyri.
V. 5b Por duas vezes IPe 5.5b fala de TaneLvoetipooúvri, resp. t (xïï6lvôç, a fim
de caracterizar agora na exortação a todos a “humüdade” como o com
portamento que corresponde à vontade de Deus na relação com o po
der. Tal TaireLvoct)poaúi/r|> literalmente, “a mente direcionada para coisas
pequenas”, “automoderação”, “autorrebaixamento”, é um termo rele
vante numa época para a qual o ideal é a autonomia do indivíduo. A
partir dessa perspectiva, axareivocljpoaúi^T) é rapidamente identificada com
autorreducionismo desprezível, seja por coação religiosa, seja por hi
pocrisia, que, em verdade quer o contrário, como, p. ex., Nietzsche insi
nua em relação ao etos cristão: “quem se humilha a si próprio quer ser
exaltado”. T a l entendimento, contudo, não faz jus à concepção bí-
bliea do ser humano, que o compreende de forma consequente a partir
da sua ligação com Deus^^®, e que entende a aceitação existencial dessa
ligação como vocação humana, que não diminui seu valor, mas antes
de mais nada o fundamenta pela relação com Deus.
“como copresbítero e testem unha dos sofrimentos de Cristo”, ou seja, como corres-
ponsável e cossofredor.
Assim, num a correção debochada de um dito de Jesus (NIETZSCHE, 1980, p. 87:
“Lucas 18,14 verbessert” [Lucas 18.14 melhorado]).
Cf. ZIMMERLI, W. D a s M e n sch en b ild des A lte n Testam ents. München, 1949. p. 16;
“O Antigo Testamento conhece o ser humano em seu ser proto-original só como ser
chamado à existência pelo Deus único. Ele desconhece um ser humano que pudesse
ser também entendido à parte desse Deus” . De maneira análoga, “felicidade [...] é a
p a rtic ip a ç ã o do ser h u m a n o no lo u v o r de D e u s ” (S P IE C K E R M A N N , H. D er
theologische Kosmos des Psalters. B T h Z 21, p. 73, 2004).
Epict, Diss 111,24,56.
Plut, Superst Í65B.
208
rosto, trajado de vestimenta miserável e espalhando cinzas sobre si próprio”/™
Pressuposto para essa critica é um a concepção do ser humano cujo ideal vem a
ser a autoelevação por meio de superação dos outros, formulado de forma clãs-
sica na palavra de Homero: “ser sempre o melhor, superando todos os demais”/®“
É bem verdade que também o ensoberbecimento inapropriado, a arrogância de
pessoas, p. ex., em relação aos deuses (lippii;; latim: superbia) são criticados,
m as o extremo oposto da autodepreciação era considerado de igual m aneira
indigno de um ser hum ano livre, sendo desprezado como servilismo.
A imagem bíblica teônima do ser humano, ao contrário, não vê no curvar-
se ao poder de Deus a sua autodegradação; esse é, antes, o lugar destinado aos
crentes em relação àquele Deus que é contrário aos soberbos, mas dá graça aos
humildes e os eleva por meio de su a “mão poderosa”, como a sequência em
5.5b-6 sublinha explicitamente. De forma semelhante, no Magrúficat de Maria,
Deus é enaltecido como aquele que dispersou os de coração orgulhoso, mas exal
tou os humildes (Taireivoúç) (Lc 1.52) - sendo que com “alto” e “baixo” sempre se
tem ambas as coisas em mente, a condição, mas também o comportamento, como
mostra o contraste dos humildes tanto com os poderosos quanto com os “orgu
lhosos de coração”. Nesse contexto, o destaque especial do Novo Testamento é
que o pedido para a humildade fundamenta-se n a aproximação am orosa e no
autorrebaixamento de Cristo, que a si próprio designou de itpaijç xal xairíLvòç xf|
Kttpôíç:, de “manso e humilde de coração” (Mt 11.29). De maneira análoga, o hino
de FUipenses (Fp 2.6ss) expressa toda a vinda de Jesus Cristo com as palavras-
chave èxavsLycooev éauxóv, ou seja, como autorrebaixamento (Fp 2.8). Segundo o
texto, a existência cristã concretiza-se, para Paulo, no fato de que todo o compor
tamento dos crentes se adapta a essa nova realidade (Fp 2.5), o que se mostra
justamente pelo fato de a gente não mais se preocupar com o que é seu, mas com
aquilo que serve ao outro (Fp 2.4). Um pouco mais tarde (96 d.C.), a Primeira Carta
de Clemente, nesse mesmo sentido, irá destacar da seguinte forma a imagem
ideal da vida da comunidade cristã por meio de renúncia prograimática ao poder: “É
preferível estar disposto a submeter-se do que a submeter outros”.’^®'
Tendo em vista precisamente a pergunta pelo poder, a carta designa a
humildade como a síntese do comportamento orientado no próprio Cristo: “Pois
Cristo pertence aos hum ildes [xaTreLvocjipoyoíjyxeç], não aos que se elevam acima
do seu rebanho. O cetro da majestade de Deus, o Senhor Jesus Cristo, não veio
com pompa, com arrogância e orgulho, em bora pudesse tê-lo feito, m as com
humildade [xaTrei.yo(|jpoycõy] [...]” (IClem 16.Is; tradução de J. A. Fischer). A partir
daí o caminho até o ideal da humildade não é mais longo - humildade, não como
sujeição servil, mas como resposta dos crentes á própria aproximação amorosa de
Deus no Filho, que passa então, por sua vez, a constituir-se no conteúdo da ação
mútua entre as pessoas”J^^ De maneira análoga, também se encontra nos evan
gelhos o princípio: “Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se hum i
lha será exaltado” (Lc 14.11; 18.14; Mt 23.12), um princípio que, em Lucas, real
ça a dedicação amorosa àqueles que nada possuem para retribuir (Lc 14.13s), e
em Mateus, no serviço mútuo inaugurado por Cristo (Mt 23.11; cf. 20.25-28).
Orig, Cels V I,15. Segundo Celso, trata-se nesse caso de um mal entendim ento de
Platão por parte dos cristãos.
Horn, II VI,208; XI,784; sobre a importância desse “ideal de vida agonístico” (MARROU,
H.-I. G eschichte d er E rzieh u n g im K la ssischen A ltertu m Herausgegeben von R. Harder,
übersetzt von Ch. Beumann. Freiburg; München, 1957. p. 26) para a imagem do ser
humano e a educação no mundo helenístico, cf. ibidem, p. 26s.
IC le m 2.1: úiroxaooóptyoi. pâtlov f| ímoTáoooyTeç.
' GRUNDMANN, W. Verbete taxeLyóç kxA.. In: ThW N T. Stuttgart, 1969. v. VIII, p . 23.
209
Diante desse pano de fundo devem ser interpretadas as recomenda
ções da IPe para a humildade. No v. 5ba, a atual regulamentação das
relações de poder é mais uma vez excedida pelo pedido a todos para,
em seu relacionamento mútuo, cingir-se de humildade como o es
cravo se cinge com seu pano^®^, portanto, para preparar-se no sentido
de poder prestar aos “irmãos e irmãs” um serviço orientado em Cristo,
tomando a cl)LAaôeÀ(t)La uma realidade (1.22; cf. 2.17; 4.8ss) e renuncian
do a tentativas de impressionar e de intimidar a outros. A expressão
ilustrativa usada na IPe, “colocai um nó ao redor de vós” (assim o
imperativo €YKO|iPa5oao0e, literalmente) sublinha que tal alternativa,
quando vivenciada, requer esforço para sua efetivação, trabalho em si
próprio. A ascese cristã (sobretudo no monasticismo) assumiu esse
aspecto da humilitas como postura de vida, criando com isso uma con
cepção alternativa diante das estmturas de poder sociais, que ques
tionou o pensamento hierátrquico de forma bem mais fundamental do
que poderia tê-lo feito qualquer rebelião (até mesmo aquela contida
no paradigma do poder).
210
a IPe renovadamente resume e destaca o mais importante."^®® Mas
também esse trecho encontra-se diretamente unido ao anterior por
meio da recepção da palavra-chave “humildade”.
2 11
se do poder humano arbitrário pelo fato de vir em favor dos impoten
tes Ela o faz à medida que, como acentuado no versículo anterior,
resiste ao poder humano arbitrário, destrutivo e arrasador; ao mesmo
tempo, para os que no presente são humilhados, ela é motivo de espe
rança, porque Deus os irá exaltar em “tempo oportuno” - uma prová
vel referência á parúsia.
212
uma postura que não se deixa iludir em vista da aparente evidência
daquüo que se encontra diante dos olhos, mas persiste em ver o pre
sente à luz do futuro de Deus e em viver de forma correspondente.
213
responsável pelos lados obscuros da realidade, em razão de suas perguntas
tentadoras e do seu poder sobre morte e doença. Isso favorece então su a
gradativa exclusão da esfera da ação de Deus. Elucidativo nesse sentido é o
primeiro texto, em que “Satanás” aparece claramente como figura que age de
forma má e autônoma. Trata-se da história do censo ordenado por Davi, da qual
nos foram transmitidas duas versões distintas; um a mais antiga em 2Sm 24.1,
e outra mais recente em IC r 21.1
2Sm24.1: IC r 21.1;
E a ira do Senhor acendeu-se novamente E Satanás se levantou contra
contra Israel, e ele incitou a Davi contra o Israel e incitou a Davi a
povo e falou: vai, levanta o censo de Israel levantar um censo de Israel.
e de Judá. (Tradução: Lutero) (Tradução; Lutero)
Já isso representa uma diferenciação que não identifica por completo essa ação com
Deus.
214
consoladora ao final da carta; “E o Deus da paz em breve esm agará a Satanás
debaixo dos vossos pés” (Rm 16.20; cf. Hb 2.14).
Num exame cuidadoso, mais um a coisa cham a a atenção no diabo/Sata
nás: ele não possui - ao contrário de Deus - um nome pessoal. Os nomes que
conhecemos identificam, antes, seu detentor como personificação de u m a de
terminada atividade: Satanás significa “acusador”; diabo (ÔLaPoloç), “difamador”;
Befial, “m aldade” ou “perversidade”; e o Sammael rabínico deve ser traduzido
provavelmente por “princípio de veneno”. A s s i m como falta ao diabo o nome
pessoal^®“', faltam-lhe também história e individualidade. Foi somente a especu
lação que tramou um a história pessoal para o diabo a partir de Ez 28.11-19, a
palavra de juízo sobre o rei de Tiro.’'®^ N a Biblia não se encontram tais pressu
posições de um a pessoalidade em relação ao diabo. À semelhança da falta dos
nomes nos demônios, a nomeação do oponente de D eus com u m a designação
de função é indicação de que esse não tem personalidade em seu sentido real,
sendo somente “funcionário”, personificação de um modo de agir do mal”.
Esse modo de agir tem como propósito a destruição da relação do ser huma
no com o Deus único. Ele pode residir, p. ex., no fato de confundir os planos de
Paulo ou de afligi-lo com doença.’'®® O diabo mesmo, em contraste com os demô
nios, dificilmente aparece como espirito destruidor, que aniquila a relação que
alguém tem consigo próprio; pelo contrário, ele intensifica a relação da pessoa
consigo m esm a (por intimidação, tanto quanto por sedução). Mesmo que nem
sempre se consiga distinguir bem claraimente a ação do diabo e dos demônios’’®’ ,
poder-se-ia, não obstante, empregando um a tipificação idealizada, determinar a
diferença entre am bas no sentido de que os demônios procuram destruir a relação
das pessoas consigo mesmas e com o mundo, enquanto o diabo busca destruir a
relação com Deus. Dito de outra forma: o possesso não é mais senhor de si, já o
que está seduzido pelo diabo não consegue mais sair de si. O relacionamento
da pessoa consigo mesma, essencial para a vida e de forma algum a censurável,
torna-se assim absolutizado e reprime a relação com D eus. Sim, parece até
que, quanto mais o relacionamento com o D eus uno se transforma na base da
orientação existencial, tanto mais claramente passa-se a experimentar a ação
de u m a força contrária. Isso pode ser observado muito bem n a história da ten
tação, no início da atividade de Jesus (Mt 4.1-11/Lc 4.1-13), a única narrativa
neotestamentária na qual o diabo entra em cena como um a pessoa e passa a
falar (até ao ponto de reivindicar adoração). Toda a su a ação tem como propósito
único fazer Jesus desprender-se da su a ligação com D eus e levá-lo a fixar-se
em si próprio. O diabo quer um semideus, que se baste a si mesmo em sua
793
O nome é uma combinação do aramaico “samma” (veneno) com o elemento teóforo -el.
794
Somente Beelzebul é algo assim como um nome verdadeiro, a saber, a forma aramaica
da divindade originalm ente filistéia Baal Zebul = “Senhor das m oradias celestes” .
O nome é transcrito de 4Reg 1.2, 6 o (cf. 2Rs 1.2, 6) como BeeXCePoúp = “Senhor das
m oscas” - se isso aconteceu por descuido ou intencionalmente é difícil de afirmar;
esse, no Novo Testamento, por vezes aparece como “Senhor dos demônios”, idêntico
ao diabo (Mc 3.22; Mt 12.24; Lc 11.15).
Cf. Tert, Marc 11,10
2Co 12.7; não obstante, nesse caso se trata, surpreendentemente, só de um anjo de
satanás.
Um tipo de “possessão” pelo demônio parece ser sugerido por Lc 22.3 na explicação
da traição de Judas; cf. também a história de Gn 3, recontada no ApkM os 15-30,
onde a pessoa que se deixa “in sp irar” pelo diabo acaba perdendo não só o seu
relacionamento com Deus, mas também a si própria. Também esse tipo de possessão,
no entanto, deve ser clciramente distinguido da destruição doentia do relacionamento
consigo e com o mtmdo causada por demônios.
215
abundância de poder (e o sirva exatamente dessa maneira); ele quer um filho
sem pai, um filho de deus sem deus.
216
lidade da ameaça. Ao mesmo tempo, esse conhecimento (elõóteç) tam
bém é responsável pelo eonsolo de que nesses sofrimentos “estra
nhos”, em verdade, não ocorre “nada de estranho” (4.12), mas algo
que é ceiracterístico para a vida dos cristãos na sociedade - e isso,
além do círculo dos destinatários, para todos os irmãos “em [todo o]
mundo”. A expressão àõeX(j)órr|ç (uma palavra que em todo o Novo Tes
tamento encontra-se só na IPe; cf. 2.17), empregada para a totalida
de dos cristãos, acentua precisamente a união existente entre todos
os crentes atingidos pelos sofrimentos. Para o pano de fundo históri
co da IPe, a referência generalizante a uma cristandade espalhada
pelo mundo outrora conhecido (f) kv xw KÓojico àôeÀ(|3ÓTTiç) comprova que
a exclusão social e opressão dos cristãos já se havia tornado caso nor
mal no império. Esse é um dos argumentos mais importantes para a
admissão de uma autoria tardia, pseudepigráfica.
A figura de Satanás como o leão que ruge e procura quem possa devo
rar é contrastada de forma impressionante, através de um “porém”
adversativo, com a promessa que se fundamenta no “Deus de toda a
graça”. Mesmo que graça e Deus apareçam constantemente unidos,
sobretudo nos escritos paulinos e lucanos, a IPe aparentemente de
finiu com a expressão “Deus de toda a graça”, singular no Novo Tes
tamento, Deus como a origem de toda a graça, graça como a resposta
experimentada de Deus ã opressão precisamente em meio a sofrimen
tos (5.5, 12; cf. 2.19s). Isso é especificado inicialmente por meio da
locução participial “que em Cristo vos chamou ã sua eterna glória”,
que resume de forma bem comprimida afirmações teológicas funda
mentais da carta: os crentes foram vocacionados em Cristo, i. e., per
tencem ao povo de Deus, nasceram de novo, tendo assim também
participação na “eterna glória” de Deus. A conexão entre sofrimento e
glória determinou toda a carta (cf. esp. 1.6s; 4.13s). No nosso versículo,
o peso recai sobre o contraste consolador entre sofrimento por pouco
tempo e glória eterna. Tudo isso fundamenta a afirmação da frase prin
cipal, cujos quatro verbos se focam na transferência de força e firmeza
por Deus: o próprio (aüxóç) Deus haverá de conservar os seus no cami
nho correto, amparando-os e fortificando-os. No último verbo 6etieA.LÓco
(“prover com um fundamento”) é provável que se esteja fazendo refe-
217
rência à metáfora da “casa espiritual” (IPe 2.5), resp. da “casa de Deus”
(4.17). A promessa de proteção divina diante do sofrimento, com a qual
iniciou a carta em 1.5s, é também a que a encerra.®““^
DELLING, 1973, p. 105: “Deus é o que atua nos cristãos, desde o inicio até o fim,
aquele que, por causa do evento de Cristo em cruz e ressurreição, cria e conserva
vida nova por meio da sua palavra".
218
tiva de Jerusalém para Antioquia e o qual Paulo depois levou junto
como acompanhante em sua viagem missionária (At 15.40; cf. 17.10).
A última informação é confirmada pelo próprio Paulo: em ITs 1.1, ele
é citado pelo apóstolo como coautor da ITessalonicenses e, segundo
2Co 1.19, ele inclusive foi cofundador da comunidade de Corinto.
Depois disso, não se tem mais informações a seu respeito. Uma apro
ximação do cooperador de Paulo a Pedro não deixa de ser possível®“®,
ainda mais que ambos provavelmente já se eonheciam de Jerusalém
e missionavam como judeus-cristãos palestinos na diáspora.
Apesar das tensões entre Paulo e Pedro em virtude do incidente de Antioquia (G1
2.1 Is s ), nada sugere um rom pim ento definitivo entre am bos; as referências do
apóstolo dos gentios a Pedro são - com exceção de G1 2 - sempre respeitosas. Se
hoje a possibilidade de tal aproximação sempre ainda é considerada com ceticismo,
isso provavelm ente se deve à reconstrução histórica de F. C. Bauer, que entendia
ser Pedro o antagonista da missão paulina.
Cf. LOHSE, E. Pa u lu s. Eine Biographie. München, 1996. p. 254s.
807 b ÖTTRICH, 2001, p. 211-220.
Cf. a expressão semelhante em Hb 13.22, um a carta comparativamente mais longa,
e também as asseverações em 2Jo 12; 3Jo 13 e Jo 21.25, segundo as quais poder-
se-ia ter escrito muito mais.
219
que o autor expressa aqui em retrospectiva, quando afirma ter escrito
esta carta “para exortar e testificar que justamente esta^°^ é a verda
deira graça de Deus: nela permanecei!”
Cf. BROX, 1993, p. 245s: “O dem onstrativo [sc. em x“ Plç] aponta para aquilo que
h avia sido ex p lica d o em tod a a carta. Os le ito re s n ecess ita m ca p ta r a gra ça
precisam ente como essa ‘lógica’ de fé, existência de ‘sofrim ento’ e soteriologia [...]
Graça é a possibilidade libertadora sobre a qual a carta queria falar e na qual pretendia
exercitar permanentemente: de poder ter esperança sob as condições precárias do
p resen te” .
Sobre a preferência da IPe por palavras compostas formadas com -aúv, v. acima em
3.7 e 5.1.
Sobre isso, v. acima na Introdução, ã p. 47s.
Cf. GOPPELT, 1978, p. 353: “Pela saudação em 5.13, n ossa carta transform a-se
explicitamente no primeiro escrito cristão que conhecemos a trilhar o arco do contato
eclesial de Roma até a Ásia Menor, que se tom ou, no século II, a base para a Igreja
C atólica” .
At 15.37-39; João Marcos seguiu Bam abé em sua viagem missionária para Chipre.
220
mas que mais tarde novamente reaparece no referido círculo (Fm 24;
cf. Cl 4.10), agora possivelmente em seu cativeiro em Roma (cf. 2Tm
4.11). João Marcos tem em comum com Pedro que taimbém ele pro
vém da comunidade primitiva de Jerusalém (At 12.25) e que pelo
menos sua mãe parece ter sido bem conhecida dele (At 12.12ss). Por
isso é bem possível que esse Marcos - como Silas/Silvano, depois da
morte de Paulo em Roma? - ainda tenha colaborado com Pedro por
algum tempo. Em favor disso também podería falar a tradição que re
monta a Papias (por volta de 120 d.C.), que vê em Marcos o discípulo e
intérprete de Pedro®^“*; Papias o considera também autor do Evange
lho de Marcos que, segundo os seus dados, baseia-se em tradição
petrína. A designação “meu filho” podería referir-se - a exemplo da
designação anãloga xéKvoy (parcialmente com pronome possessivo) em
ICo 4.17; Fm 10; ITm 1.2, 18; 2Tm 1.2; 2.1 e Tt 1.4 - a uma relação
professor-aluno.
221
especificação desse sinal como “beijo do amor”, a IPe sublinha mais
uma vez a importância central do amor mútuo para a comunidade
cristã®^®, considerando precisamente a opressão externa vigente.
O término é formado pela saudação da paz, que vale para todos “em
Cristo”. A expressão paulina èv XpioTcô, que fora do Corpus Paulinum se
encontra somente ainda três vezes na IPe, sublinha aqui que os cren
tes são “cristãos”®^® precisamente pelo fato de terem, como renasci
dos, participação em Cristo e no seu destino, o que significa, segun
do o que foi apresentado pela carta, que são agora participantes de
um comportamento correspondente a Cristo e, com isso, também dos
seus sofrimentos (cf. 3.16) e, no futuro, da sua glória (cf. 5.10).
outras coisas, que o esposo pagão dificilm ente p erm itirá a ela “ a licu i fr a tr u m ad
os cu lu m c o n v e n ire ” (Tert, Ux 11,4).
O pedido para o amor fraterno é o único que é repetido em cada capítulo dessa carta
(1.22; 2.17; 3.8; 4.8s); sobre o deslocamento de acento em relação ao “beijo santo”
em Paulo, cf. GOPPELT, 1978, p. 354s: “Mais uma vez nossa carta destaca o aspecto
horizontal onde em Paulo encontramos o aspecto vertical, i. e., ela acentua a forma
terrena concreta da realização da salvação” .
Como mostra 4.16, essa designação já era conhecida da IPe.
222
LITERATURA
1. Fontes
1.1 Bíblia
ALAND, B. et al. (Eds.). Nestle-Aland. Novum Testamentum Graece. 11. ed. Stuttgeirt,
1993.
ALAND, B. et al. Novum Testamentum Graecum. Editio Critica Maior, herausgegeben
vom Institut für neutestamentliche Textforschung: Die Petrusbriefe. Stuttgart,
2000. V . IV/2.
RAHLFS, A. (Ed.). Septuaginta. Id est Vêtus Testam entum graece iuxta LXX
interpres, duo Volumina in uno. Stuttgart, 1979.
W EBER, R. (Ed.). Biblia Sacra. Iuxta vulgatam versionem. 4. ed. Stuttgart, 1994.
ZIEGLER, J. (Ed.). Jeremias, Baruch, Threni, Epistula Jeremiae. 2. ed. Göttingen,
1976. (Göttinger Septuaginta 15).
ADLER, M. Ü ber die Trunkenheit. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria.
Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1929).
p. 1-76.
BECKER, J. Die Testamente der znjvölfPatriarchen. Gütersloh, 1974. (JSHRZ III/l).
BERGER, K. Das Buch der Jubiläen. Gütersloh, 1981. (JSHRZ II/3).
BETTIOLO, P. (Ed.). Ascensio Isaiae. Textus. Turnhout, 1995. (C Chr.SA 7).
BLACK, M. (Ed.). Apocalypsis Henochi Graece. Leiden, 1970. p. 1-44. (PVTG 3).
BÖTTRICH, C. Das slavische Henochbuch. Gütersloh, 1995. (JSHRZ V/7).
BORMANN, K. Über das betrachtende Leben. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. Berlin, 1964. v. 7, p. 44-70.
BORM ANN, K. Ü ber die Freiheit des Tüchtigen. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo
von Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. Berlin, 1964. v. 7, p. 1-43.
BROCK, S. P. (Ed.). Testamentum lobi. Leiden, 1967. (PVTG 2).
BURCHARD, Ch. Joseph und Aseneth. Gütersloh, 1983. (JSHRZ II/4).
B U R C H A R D , Ch. (Ed.). Joseph und Aseneth. K ritiseh h e ra u sg e ge b e n mit
Unterstützung von C. Burfeind und U. B. Fink. Leiden; Boston, 2003. (PVTG 5).
CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). The Odes o f Solomon. The Syriac Texts. Missoula,
1977.
COHN, J. Über Abraham . In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria. Die
Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1909). v.
1, p. 91-152.
COHN, J. Über die Frage: W er ist der Erbe der göttlichen Dinge? u n d über die
Teilung in Gleiches u nd Gegensätzliches. In COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
223
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1929). v. 5, p. 214-294.
COHN, L. Ü ber die Weltschöpfung, ln; COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria.
Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1909).
V . 1, p . 23-89.
COHN, L. Ü ber die Cherubim. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria. Die
Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1919). v.
3, p. 167-205.
COH N, L. Ü ber Joseph. In: CO H N, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria. Die
Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1909). v.
1, p. 153-213.
COHN, L.; W END LAND , P. (Eds.). Philonis Alexandrini Opera Quae Supersunt. edidit
L. Cohn. Berlin, 1962 (= 1896). v. 1.
COHN, L.; WEND LAND , P. (Eds.). Philonis Alexandrini Opera Quae Supersunt. edidit
P. Wendland. Berlin, 1962 (= 1897). v. 2.
COHN, L.; W END LAND , P. (Eds.). Philonis Alexandrini Opera Quae Supersunt. edidit
P. Wendland. Berlin, 1962 (= 1898). v. 3.
COHN, L.; W END LAND , P. (Eds.). Philonis Alexandrini Opera Quae Supersunt. edidit
L. Cohn. Berlin, 1962 (= 1902). v. 4.
COHN, L.; W END LAND , P. (Eds.). Philonis Alexandrini Opera Quae Supersunt. edidit
L. Cohn. Berlin, 1962 (= 1906). v. 5.
COHN, L.; W E N D LA N D , P. (Eds.). Philonis Alexandrini Opera Quae Supersunt.
ediderunt L. Cohn et S. Reiter. Berlin, 1962 (= 1915). v. 6.
DIEZ MACHO, A. Neophyti 1, Targum Palestinense. M s de la Biblioteca Vaticana.
Madrid; Barcelona, 1968. v. 1: Génesis.
D O C H H O R N , J. Die Apokalypse des Mose. Text, Übersetzung, Kommentar.
Tübingen, 2005. (TSAJ 106).
GARCÍA MARTÍNEZ, F. (Ed.). The Dead Sea Scrolls. Study Edition. Leiden, 2000.
V.1-2.
GEFFCKEN, J. (Ed.). Die Oracula Sibyllina. Leipzig, 1902. (GCS 8).
G INSBUR G ER , M. (Ed.). Das Fragmententhargum (Thargum Jeruschalm i zum
Pentateuch). Berlin, 1899.
GINSBURGER, M. (Ed.). Targum Jonatan Ben Uzziel. Berlin, 1903.
GOLDSCHMIDT, L. Der Babylonische Talmud. Berlin, 1929. v. 1: Berakhoth, M isna
Zeraim, Sabbath.
GOLDSCHMIDT, L. Der Babylonische Talmud. Berlin, 1933. v. 8: B a b a Bathra,
Synhedrin, 1. Hälfte.
GOLDSCHMIDT, L. Der Babylonische Talmud. Berlin, 1934. v. 9: Synhedrin, 2.
Hälfte, Makkoth, Sebuoth, Edijoth, Aboda Zara, Aboth; Horajoth.
HAYWARD, R. The Targum o f Jeremiah. Translated, with a Critical Introduction,
Apparatus, and Notes. Edinburgh, 1987. (The Aramaic Bible 12).
HEINEM ANN, I. Ü ber die Einzelgesetze Bu ch I-IV. In: COHN, L. et al. (Eds.).
Philo von Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (=
1. ed. Breslau, 1910). v. 2, p. 1-312.
HEINEM ANN, I. Über die Landwirtschaft. In; COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1923). v. 4, p. 111-147.
224
HEINEMANN, I. Über die Pflanzung Noahs. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1923). v. 4, p. 147-187.
HOFFMANN, H. Das sogenannte hebräische Henochbuch. 2. ed. Bonn, 1985. (BBB 58).
HOLM -NIELSEN, S, Die Psalmen Salomos. Gütersloh, 1977. (JSHRZ IV/2).
JONGE, M. de (Ed.). The Testaments o f the Twelve Patriarchs. Leiden, 1978. (PVTG
1, 2).
KLAUCK, H.-J. 4. Makkabäerbuch. Gütersloh, 1989. (JSHRZ III/6).
KLIJN, A. F. J. Die syrische Baruch-Apokalypse. Gütersloh, 1976. (JSHRZ V/2).
KOHNKE, F. W. Gesandtschaft an Caligula. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. Berlin, 1964. v. 7, p. 166-266.
KRAFT, R. A.; PURINTUN, A.-E. (Eds.). Paraleipomena Jeremiou. Missoula, 1972.
(SBL.PS 1).
LEISEGANG, H. Allegorische Erklärung des heiligen Gesetzbuches, Buch I-III.
In: C O H N , L. et al. (E d s.). Philo von Alexandria. Die W erke in deu tsch er
Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1919). v. 3, p. 1-165.
LEISEGANG, H. Über die Nachkommen Kains. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo
von Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1923). v. 4, p. 1-53.
LEISEGANG , H. Ü ber die Nachstellungen, die das Schlechtere dem Besseren
bereitet. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria. Die Werke in deutscher
Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1919). v. 3, p. 265-331.
LEISEGANG, H. Ü ber die Opfer Abels und Kains. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo
von Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1919). v. 3, p. 207-264.
LEISEGANG, H. Über die Riesen. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria.
Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1923).
V . 4, p. 53-71.
225
POSNER, R. Ü ber Abraham s Wanderung. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 {= 1. ed.
Breslau, 1929). v. 5, p. 152-213.
SALOMONSEN, B. Seder Nezikin. Sanhedrin, Makkot, übersetzt und erklärt, mit
Beiträgen von K. H. Rengstorf. Stuttgart, 1976. (RT I/lV/3).
SAUER, G. Jesus Sirach (Ben Sira). Gütersloh, 1981. (JSHRZ 1II/5).
SCHALLER, B. Das Testament Hiobs. Gütersloh, 1979. (JSHRZ III/3).
SCHALLER, B. Paralipomena Jeremiou. Gütersloh, 1998. (JSHRZ 1/8).
SCHREINER, J. Das 4. Buch Esra. Gütersloh, 1981. (JSHRZ V/4).
SPERBER, A. The Bible in Aramaic. Based on Old Manuscripts and Printed Texts.
Leiden, 1962. v. 3: The Latter Prophets According to Targum Jonathan.
STAERK, W. (Ed.). Altjüdische liturgische Gebete, ausgew ählt u n d mit einer
Einleitung herausgegeben. 2. ed. Berlin, 1930. (KIT 58).
STEIN, E. Über die Verwirrung der Sprachen. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1929). v. 5, p. 99-151.
THEILER, W. Über die Nam ensänderung. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von
Alexandria. Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed.
Breslau, 1938). v. 6, p. 104-162.
TREITEL, L. Über den Dekalog. In: COHN, L. et al. (Eds.). Philo von Alexandria.
Die Werke in deutscher Übersetzung. 2. ed. Berlin, 1962 (= 1. ed. Breslau, 1909).
V . 1, p. 367-409.
226
GÖRGEM ANNS, H. (Ed.). Plutarch, Drei religionsphilosophische Schriften, Überden
Aberglauben, Über die späte Strafe der Gottheit, Über Isis und Osiris. Griechisch
deutsch, übersetzt und herausgegeben, unter Mitarbeit von R. Feldmeier und J.
Assmann. Düsseldorf; Zürich, 2003. (Sammlung Tusculum).
GÖRGEMANNS, H. (Ed.j. Plutarch, Dialog über die Liebe. Amatorius. Eingeleitet,
übersetzt und mit interpretierenden Essays versehen von H. Görgemanns, B.
Feichtinger, F. Graf, W. Jeanrond und J. Opsomer. Tübingen, 2006. (SAPERE 10).
HAINES, Ch. R. (Ed.). The Communings with Himself o f Marcus Aurelius Antoninus,
Emperor o f Rome, Together with His Speeches and Sayings. London, 1961. (LCL58).
HARMON, A. M. (Ed.). Lucian. With an English Translation. Cambridge, 1999. v.
4. (LCL 162).
HARNACK, A. v. (Ed.). Porphyrus „Gegen die Christen“. 15 Bücher, Zeugnisse,
Fragmente und Referate. Berlin, 1916. (APAW 1916, 1).
HELLER, E. (Ed.). P. Cornelius Tacitus, Annalen. Lateinisch-deutsch, mit einer
Einführung von M. Fuhrm ann. 3. ed. Düsseldorf; Zürich, 1997. (Sam m lung
Tusculum).
HILLEN, H. J. (Ed.). Titus Livius, Römische Geschichte. Lateinisch und deutsch.
Düsseldorf; Zürich, 1974ss. (Sammlung Tusculum).
HOLZHAUSEN, J. Das Corpus Hermeticum Deutsch. Übersetzung, Darstellung und
Kommentierung in drei Teilen, Teil 1: Die griechischen Traktate und der lateinische
„Asclepius“. Stuttgart; Bad Cannstatt, 1997. (Clavis Pansophiae VII/1).
HUBERTUS, C. Plutarchus, Moralia. Leipzig, 1960. v. 5/3. (BSGRT).
HÜLSER, K. (Ed.). Platon. Sämtliche Werke, in zehn Bänden, Griechisch und Deutsch,
nach der Übersetzung F. Schleiermachers, ergänzt durch Übersetzungen von F.
Suse/nihZ und anderen. Frankfurt, 1991. v. 1-10.
JAERISCH, P. (Ed.). Xenophon, Erinnerungen an Sokrates. Griechisch-deutsch. 4.
ed. München, 1987. (Sammlung Tusculum).
KASTEN, H. (Ed.). Gaius Plinius Caeciüus Secundus, Briefe, Epistularum libri decem.
Lateinisch-deutsch. 7. ed. Düsseldorf; Zürich, 1995. (Sammlung Tusculum).
KRAUTZ, H.-W. (Ed.). Epikur, Briefe, Sprüche, Werkfragmente. Griechisch-deutsch.
Stuttgart, 2000.
LORETTO, F. (Ed.). L. Annaeus Seneca, Epistulae Morales ad Lucilium, Briefe an
Lucilius über Ethik, 5. Buch Lateinisch-deutsch. Stuttgart, 2001.
MARTINET, H. (Ed.). C. Suetonius Tranquillus, Die Kaiserviten, De Vita Caesarum,
Berühmte Männer, De Viris Rlustribus. Lateinisch-deutsch. 2. ed. Düsseldorf; Zürich,
2000. (Sammlung Tusculum).
NACHSTÄDT, W. et al. (Eds.). Plutarchus, Moralia. Leipzig, 1971 (=1935). v. 2.
(BSGRT).
NAUCK, A. (Ed.). PorphyriiphilosophiPlatoniciopusculaselecta. 2. ed. Leipzig, 1886.
(BSGRT).
NOCK, A. D. Sallustius, Concerning the Gods and the Universe. Edited with
Prolegomena and Translation. Hildesheim, 1966 (= Cambridge, 1926).
OLDFATHER, C. H. (Ed.). Diodorus o f Sicily, In Twelve Volumes. Bd. 4: Books Di-
XII, 40. Cambridge; London, 1961. (LCL 375).
OLDFATHER, W. A. (Ed.). Epictetus, The Discourses as Reported by Arrian, The
Manual, And Fragments. Cambridge; London, 1959-1961 (= 1925-1928). v. 1-2.
(LCL).
PATON, W. R. et al. (Eds.). Plutarchus, Moralia. 3. ed. Leipzig, 1993. v. 1 (BSGRT).
227
PATON, W. R. et al. (Eds.). Plutarchus, Moralia. Leipzig, 2001 (= 1929). v. 3 (BSGRT).
PEARSON, A. C. (Ed.). Sophoclis fabulae. Recognovit brevique adnotatione critica
instruxit. Oxford, 1961. (SCBO).
PILHOFER, P. et al. (Eds.). Lukian. Der Tod des Peregrinos. Ein Scharlatan a u f
dem Scheiterhaufen. Darmstadt, 2005. (SAPERE IX).
RUPÉ, H. (Ed.). Homer, Rias. Griechisch und deutsch, übertragen von H. Rupé,
mit Urtext, Anhang und Registern. 11. ed. Düsseldorf; Zürich, 2001. (Sammlung
Tusculum).
SCHIRNDING, A. v. Hesiod, Theogonie, Werke und Tage. Griechisch-deutsch, mit
einer Einführung u n d einem Register von E. G. Schmidt. 2. ed. Düsseldorf;
Zürich, 1997. (Sammlung Tusculum ).
S C H W E IG H A E U S E R , J. (Ed.). Epicteti dissertationes... Accedunt fragm enta,
enchiridion... Leipzig, 1898. (BSGRT).
SIEVEKING, W.; GARTNER, H. (Eds.). Plutarchus, Pythici dialogi. 2. ed. Leipzig, 1997.
(BSGRT).
THIERFELDER, A. (Ed.). Menandri opera quae supersunt. Leipzig, 1953. v. 2.
(BSGRT).
V IC T O R , U . (Aristoteles), O ik on om ik os. D a s erste B u c h der Ö k o n o m ik
Handschriften, Text, Übersetzung und Kommentar, und seine Beziehungen zur
Ökonomikliteratur. Königstein, 1983. (BKP 147).
WIELAND, C. M. Lukian. Der Kyniker. In: Werke in drei Bänden. 2. ed. Berlin;
Weimar, 1981. Band 2, p. 65-75.
WOERNER, R. Sophokles, Tragödien. Aus dem Griechischen übersetzt u nd mit
einem Nachwort. Darmstadt, 1960.
YOUNG, D. Theognis. Post E. Diehl, Indicibus ad Theognidem adiectis. Leipzig,
1961. (BSGRT).
ZIEGLER, K. (Ed.). Plutarchus, Vitaeparallelae. 2. ed. Leipzig, 2002. v. 3/2. (BSGRT).
228
DEKKERS, E. (Ed.). Tertullianus, Ad Scapulam . In; Tertulliani opera 2: opera
montarüstica. Tumhout, 1954. p. 1125-1132. (CChr.SL2).
FISC H ER , J. A. (Ed.). Die Apostolischen Väter. Eingeleitet, herausgegeben,
übertragen und erläutert. 10. ed. Darmstadt, 1998 (= 1993). (SUC 1).
GO O DSPEED , E. J. (Ed.). Die ältesten Apologeten. Texte mit kurzen Einleitungen.
Göttingen, 1984 (= 1914).
KLOSTER M ANN, E. (Ed.). Origenes Matthäuserklärung, Teil 1: Die griechisch
erhaltenen Tomoi. Leipzig, 1935. (GCS 40).
K LOSTERM ANN, E. (Ed.). Origenes Matthäuserklärung, Teil 2: Die lateinische
Übersetzung der Commentariorum series. Leipzig, 1933. (GCS 38).
KNOPF, R. (Ed.). Ausgewählte Märtyrerakten. Neubearbeitung der Knopfschen
Ausgabe von G. Krüger, mit einem Nachtrag von G. Ruhbach. 4. ed. Tübingen,
1965. (SQS NF 3).
KOETSCHAU, P. (Ed.). Buch 5-8 gegen Celsus, Die Schrift vom Gebet. Leipzig, 1899.
(GCS 3).
KOETSCHAU, P. (Ed.). Die Schrifl vom Martyrium, Buch 1-4 gegen Celsus. Leipzig,
1899. (GCS 2).
KROYMANN, E. (Ed.). Tertullianus, Ad Uxorem. In: Tertulliani opera 1: opera
catholica. Turnhout, 1954. p. 371-394. (CChr.SL 1).
KROYMANN, E. (Ed.). TertuUianus, Adversus Marcionem. In: Tertulliani opera 1:
opera catholica. Tumhout, 1954. p. 437-726. (CChr.SL 1).
KYTZLER, B. (Ed.). Minucius Felix, Octavius. Lateinisch-Deutsch. 3. ed. Stuttgart,
1993.
LE U T Z S C H , M. Hirt des H erm as. In: K ÖRTNER, U. H. J.; L E U T Z S C H , M.
Papiasfragmente, Bürt des Hermas. Eingeleitet, herausgegeben, übertragen und
erläutert. Darmstadt, 1998. p. 105-510. (SUC 3).
MRAS, K. (Ed.). Eusebius. Die Praeparatio evangelica. 2. ed. Berlin, 1982/83. (GCS
8 , 1- 2).
OTTO, J. C. Th. Theophili episcopi Antiocheni ad Autolycum, libri très. Ad optimos
libros mss. nunc primum aut denuo collatos recensuit prolegomenis adnotatione
critica et exegetica atque versione latina instruxit, indices adiecit. Jena, 1861.
(CorpAp 8).
RAHNER, H. Die Märtyrerakten des zweiten Jahrhunderts. 2. ed. Freiburg, 1954
(=1. ed. 1941). (Zeugen des Wortes 32).
ROUSSEAU, A. (Ed.). Irênée de Lyon, Contre les hérésies, Livre 1, Bd. 1,2. Paris,
1979. (SC 264).
R OUSSEAU, A. (Ed.). Irénée de Lyon, Contre les hérésies, Livre 2, Bd. 2,2. Paris,
1982. (SC 294).
ROUSSEAU, A. (Ed.). Irénée de Lyon, Contre les hérésies, Livre 3, Bd. 3,2. 2. ed.
Paris, 2002. (SC 211).
ROUSSEAU, A. (Ed.). Irénée de Lyon, Contre les hérésies, Livre 4, Bd. 4,2. Paris,
1965. (SC 100,2).
ROUSSEAU, A. (Ed.). Irénée de Lyon, Contre les hérésies, Livre 5, Bd. 5,2. Paris,
1969. (SC 153).
ROUSSEAU, A. (Ed.). Irénée de Lyon, Démonstration de la prédication apostolique.
Paris, 1995. (SC 406).
SCHWARTZ, E.; M OM M SEN, Th. (Eds.). Eusebius. Die Kirchengeschichte, Teil 1-3.
2. ed. Berlin, 1999. (GCS N.F. 6,1-3).
229
STÄHLIN, O. (Ed.). Clemens Alexandrinus. Stromata BuchI-VI. Berlin, 1985. (GCS 52).
URBA, K. F.; ZYCHA, J. (Eds.). Sancti Augustini opera. Wien, 1913. Bd. 8/1: De
peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvulorum ad Marcellinum
libri 3... (CSEL 60).
W ENG ST, K. (Ed.). Didache (Apostellehre), Bamabasbrief, Zweiter Klemensbrief,
Schrift an Diognet. Eingeleitet, h e rau sgegeb en , ü b ertra g e n u n d erläutert.
Darmstadt, 1998 (= 1984). (SUC 2).
2. Literatura auxiliar
ADRADOS, F. R. (Ed.). Diccionario Griego-Espanol III. Madrid, 1991.
BAUER, W. Griechisch-deutsches Wörterbuchzu den Schriflen des Neuen Testaments
und der frühchristlichen Literatur. 6. völlig neu beairbeitete Auflage, herausgegeben
von K. Aland und B. Aland. Berlin; New York, 1988.
BLASS F.; DEBRUNNER, A. Grammatik des neutestamentlichen Griechisch. Bearbeitet
von F. Rehkopf. 18. ed. Göttingen, 2001.
JASTROW, M. A Dictionary o f the Targumim, the Talmud Babli and Yerushalmi, and
the Midrashic Literature. New York, 1992 (= 1903).
LIDDELL, H. G.; SCOTT, R. A Greek-Bnglish Lexicon. Revised and Augmented
Throughout by H. S. Jones, with the Assistance of R. McKenzie, and with the
Cooperation of Many Scholars, with a Revised Supplement. Oxford, 1996.
SCHW YZER, E. Griechische Grammatik. A u f der Grundlage von K. Brugm anns
Griechischer Grammatik. Vervollständigt und herausgegeben von A. Debrunner.
München, 1950. v. 2: Syntax und syntaktische Stilistik.
STEPHANUS, H. Thesaurus Graecae Linguae IX. Nachdruck Graz, 1954.
230
GOPPELT, L. Der erste Petrusbrief. 8. ed. Göttingen, 1978. (KEK 12/1).
HUTHER, J. E. Kritisch exegetisches Handbuch über den 1. Brief des Petrus, den
Brief des Judas und den 2. Brief des Petrus. 4. ed. Göttingen, 1877. (KEK 12).
KELLY, J. N. D. A Commentary on the Epistles o f Peter and o f Jude. New York;
Evanston, 1969. (Harper’s New Testament Commentaries).
KNOPF, R. Die Briefe Petri und Judä. Göttingen, 1912. (KEK 12).
MICHL, J. Die katholischen Briefe. 2. ed. Regensburg, 1968. (RNT 8/2).
SCHELKLE, K. H. Die Petrusbriefe, der Judasbrief. 5. ed. Freiburg, 1980. (HThK
13/2).
SELWYN, E. G. The First Epistle o f St. Peter. The Greek Text with Introduction,
Notes and Essays. London, 1949.
SPICQ, C. Les Epitres de Saint Pierre. Paris, 1966. (Sources Bibliques).
W INDISCH, H. Die Katholischen Briefe. Dritte, stark umgearbeitete Auflage von
H. Preisker. 3. ed. Tübingen, 1951. (HNT 15).
W O H LEN BER G , G. Der erste und zweite Petrusbrief und der Judasbrief. 3. ed.
Leipzig, 1923. (KNT 15).
231
BAUER, W. Rechtgläubigkeit und Ketzerei im ältesten Christentum. 2. durchgesehene
Auflage mit einem Nachtrag herausgegeben von G. Strecker. 2. ed. Tübingen,
1964. (BHTh 10).
BEHM, J. Verbete Trpovoéco ktX. In: ThWNT. Stuttgart, 1942. v. IV, p. 1004-1011.
BENGEL, J. A. Gnomon Novi Testamenti, In quo ex nativa verborum vi simplicitas,
profunditas, concinuitas, salubritas sensuum coelestium indicatur. Berlin, 1860
(= 3. ed. 1773).
BERGER, K. Formgeschichte des Neuen Testaments. Heidelberg, 1984.
BERGER, K. Hellenistische Gattungen im Neuen Testament. ANRW. Berlin; New
York, 1984. v. II/25/2, p. 1031-1432.
BEYER, H. W. Verbete CTiaKenroirai. KrX. In: ThW NT. Stuttgart, 1935. v. II, p. 595-
6 1 9 ,esp. 617-619.
BEZA, Th. lesu Christi Domini Nostri Noirum Testamentum, sive Novum Foedus. Cuius
Graeco Contextui Respondent Interpretationes Duae, U n a Vetus, Altera Theodor!
Bezae. Eiusdem Th. Bezae Annotationes [...]. 4. ed. Genf, 1598.
B IE D E R , W . Die Vorstellung von der Höllenfahrt Jesu Christi. B eitrag zu r
Entstehungsgeschichte der Vorstellung vom sog. Descensus ad inferos. Zürich,
1949. (AThANT 19).
BLACK, M. The Christological Use of the Old Testament in the New Testament.
NTS 1 8 ,p. 1-14, 1971/72.
BLOCH, E. Das Prinzip Hoffnung. In fünf Teilen. Frankfurt, 1959. Bd. 1, Kapitel 1-37.
BÖCHER, O. Jüdische u n d christliche Diaspora im neutestamentlichen Zeitalter.
EvDia38,p. 147-176, 1967.
BOISMARD, M.-E. Quatre hymnes baptismales dans la première Epitre de Pierre.
Paris, 1961. (LeDiv 30).
BÖM ER, F. Untersuchungen über die Religion der Sklaven in Griechenland und Rom.
Vierter Teil: Epilegomena. Mainz, 1963. (Akademie der Wissenschaften und der
Literatur. Abhandlungen der geistes- u n d sozialwissenschaftlichen Klasse 10).
BÖTTRICH, Ch. Petrus. Fischer, Fels und Funktionär. Leipzig, 2001. (Biblische
Gestalten 2).
BONHOEFFER, D. Nachfolge. München, 1937. (versão portuguesa: Discipulado.
4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1995).
BORCHERT, G. L.The Conduct of Christians in the Face of the “Fiery Ordeal”.
Review and Expositor 79, p. 451-462, 1982.
BRANDT, W. W andel als Zeugnis nach dem 1. Petrusbrief. In: FOERSTER, W.
(Ed.). Verbum Dei Manet in aetemum. (FS O. Schmitz). Witten, 1953. p 10-25.
BREYTENBACH, C. „Cristus litt euretwegen“. Zu r Rezeption von Jes 53 im 1.
Petrusbrief. In: FREY, J.; SCHRÖTER, J. Deutungen des Todes Jesu im Neuen
Testament. Tübingen, 2005. p. 437-454. (W UNT 181).
BROX, N. Der erste Petrusbrief in der literarischen Tradition des Urchristentums.
Kairos NF 20, p. 182-192, 1978.
BR O X , N. Falsche Verfasserangaben. Z u r E rk lä ru n g der frü h ch ristlich en
Pseudepigraphie. Stuttgart, 1975. (SBS 79).
BROX, N. Tendenz und Pseudepigraphie im ersten Petrusbrief. Kairos NF 20, p.
110-120, 1978.
BRUNNER, H. Grundzüge der Altägyptischen Religion. Darmstadt, 1983. (Grundzüge
50).
232
BÜCH SEL, F. „In Christus“ bei Paulus. ZNW 42, p. 141-158, 1949.
BÜCHSEL, F. Verbete Ãúo k tX. In: ThWNT. Stuttgart, 1966 (=1942). v. IV, p. 337-359.
BULTMANN, R. Verbete àyvoéco ktI.. In: ThWNT. Stuttgart, 1957 (= 1933). v. I, p.
116-122.
BULTMANN, R. Verbete ylyvcÓokco ktX. In: ThWNT. Stuttgart, 1957 (= 1933). v. I, p.
688-719.
BULTMANN, R. Verbete èX-rríç kxX. In: ThWNT. Stuttgart, 1935. v. II, p. 515-520,
525-531.
BULTMANN, R. Verbete noTeijco ktà. In: ThWNT. Stuttgart, 1965 (= 1959). v. VI, p.
197-230.
B U L T M A N N , R. B ek en n tn is- u n d Liedfragm ente im ersten Petrusbrief. In:
DINKLER, E. (Ed.). Rudolf Bultmann, Exegetica. Aufsätze zur Erforschung des
Neuen Testaments. Tübingen, 1967. p. 285-297.
BULTMANN, R. Theologie des Neuen Testaments. 9. ed. Tübingen, 1984. (versão
portuguesa: Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004).
BUNYAN, J. The Pilgrim’s Progress. London, 1678.
BURCHARD, Ch. Der Jdkobusbrief. Tübingen, 2000. (HNT 15/1).
BURKERT, W. Antike Mysterien. Funktionen und Gebalt. 3. ed. München, 1994.
CAMPBELL, R. A. The Eiders. Seniority Within Earliest Christianity. Edinburgh,
1994.
CAMPENHAUSEN, H. v. Die Idee des Martyriums in der alten Kirche. 2. ed. Göttingen,
1964.
CHEVALLIER, M. A. 1 Pierre 1/1 à 2/10. Structure littéradre et conséquences
exégétiques. RHPhR 51, p. 129-142, 1971.
CHEVALLIER, M. A. Condition et voeation des chrétiens en diaspora. Remar
ques exégétiques sur la l ’^® épître de Pierre. RevSR 48, p. 387-398, 1974.
CIPRIANI, S. Lo “spirito di Cristo” come “spirito di profezia” in 1 Pt. 1,10-12. In:
LORIZIO, G.; SCIPPA, V. (Eds.). Ecdesiae Sacramentum. (FS A. Marranzini). Neapel,
1986. p. 157-167.
CLÉVENOT, M. Versuch einer Lektüre des 1. Petrusbriefes. In: POLEDNITSCHEK,
T. (Ed.). Zur Rettung des Feuers. Münster, 1980. p. 48-53.
COLWELL, E. C. Popular Reactions against Christianity in the Roman Empire.
In: McNEILL, J. T. (Ed.). Environmental Factors in Christian History. (FS S. J. Case).
Washington, 1970 (= 1939). p. 53-71.
COMBRINK, H. J. B. The Structure o f 1 Peter. Stellenbosch, 1975. (Neotestamentica
9. Essays on the General Epistles of the New Testament).
COUTTS, J. Ephesians 1.3-14 and I Peter 1.3-12. NTS 3, p. 115-127, 1956-1957.
COWLEY, A. (Ed.). Aramaic Papyri o f the Fiflh Century B. C. Edited with Translations
and Notes. Oxford, 1923.
DALTON, W. The Church in 1Peter. Tantur Yearbook. Jerusalem, p. 79-91, 1981/82.
DALTON W. J. Christ’s Proclamation to the Spirits. A Study of 1 Peter 3:18-4:6. 2.
ed. Rom, 1989. (AnBib 23).
DANIEL, J. L. Anti-Semitism in the Hellenistic-Roman Period. JBL 98, p. 45-65,
1979.
DANIELOU, J. Sacramentum Futuri. Études sur les origines de la typologie biblique.
Paris, 1950. (ETH).
233
DAUTZENBERG, G. Swiripia ijiuxüv (IPetr 1,9). B Z NF 8, p. 262-276, 1964.
D AUTZENB ER G , G. Verbete Seele IV. Neues Testament. In: TRE. Berlin; New
York, 1999. v. XXX, p. 744-748.
DEICH GRÄBER, R. Benediktionen II. Neues Testament. In: TRE. Berlin; New
York, 1980. v. V, p. 562-564.
DEICHGRÄBER, R. Gotteshymnus und Christushymnus in der frühen Christenheit.
U n tersu ch un gen zu Form, Sprache u n d Stil der frühchristlichen Hymnen.
Göttingen, 1967. p. 140-143. (SUNT 5).
DEISSM ANN, A. Die neutestamentliche Formel „in Christo Jesu“. Marburg, 1892.
DEISSM ANN, A. Licht vom Osten. D as Neue Testament und die neuentdeckten
Texte der hellenistisch-römischen Welt. 4. ed. Tübingen, 1923.
DELLING, G. Der Bezug der christlichen Existenz a u f das Heilshandeln Gottes
nach dem ersten Petrusbrief. In: BETZ, H. D.; SCHOTTROFF, L. (Eds.). Neues
Testament und christliche Existenz. (FS H. Braun). Tübingen, 1973. p. 95-113.
DELLING, G. Die Taufe im Neuen Testament. Berlin, 1963. p. 82-89.
DENIS, A.-M .; HAELEWYCK, J.-C. Introduction á la littérature religieuse judéo-
hellénistique I. Tum hout, 2000.
DITTENBERGER, W. Sylloge Inscriptionum Graecarum. 2. ed. Hildesheim, 1960 (=
3. ed. Leipzig, 1917). v. 2.
DÖRRIE, H.; BALTES, M. Die philosophische Lehre des Platonismus. Von der „Seele“
als der Ursache aller sinnvollen Abläufe. Stuttgart-Bad Cannstatt, 2002. (Der
Platonismus in der Antike. Grundlagen, System, Entwicklung 6/1).
DÖRRIE, H.; BALTES, M. Die philosophische Lehre des Platonismus. Von der „Seele“
als der Ursache aller sinnvollen Abläufe. Stuttgairt-Bad Cannstatt, 2002. (Der
Platonismus in der Antike. Grundlagen, System, Entwicklung 6/2).
EBEL, E. Die Attraktivität früher christlicher Gemeinden. Die Gemeinde von Korinth
im Spiegel griechisch-römischer Vereine. Tübingen, 2004. (W UNT 11/178).
ECKSTEIN, H.-J. Der B egriff Syneidesis bei Paulus. Eine neutestam entlich-
exegetische Untersuchung zum „Gewissensbegrifif*. Tübingen, 1983. (WUNT II/10).
ECKSTEIN, H.-J. Glaube, der erwachsen wird. 6. ed. Holzgerlingen, 2002.
ECKSTEIN, H.-J. Zur Wiederentdeckung der Hoffnung. Grundlagen des Glaubens.
Holzgerlingen, 2002.
EISEN, U. E. Amtsträgerinnen im frühen Christentum. Epigraphische und literarische
Studien. Göttingen, 1996. (FKDG 61).
ELERT, W. Der Ausgang der altkirchlichen Christologie. Eine Untersuchung über
Theodor von Pharan im d seine Zeit als Einführung in die alte Dogmengeschichte,
aus dem Nachlaß herausgegeben von W. Maurer und E. Bergsträßer. Berlin, 1957.
ELLIOTT, J. H. A Home fo r the Homeless. A Sociological Exegesis of 1 Peter, Its
Situation and Strategy. London, 1981. p. 39ss. [versão portuguesa: Um lar para
quem não tem casa. Interpretação sociológica da Primeira Carta de Pedro. São
Paulo: Paulinas, 1985].
ELLIOTT, J. H. Ministry and Church Order in the NT. A Traditio-Historical Analysis,
1 Pt 5,1-5 & plls. CBQ 32, p. 367-391, 1970.
ERLER, M. Sokrates’ Rolle im Hellenismus. In: KESSLER, H. (Ed.). Sokrates.
Nachfolge u n d Eigenwege. Kusterdingen, 2001. p. 201-232. (Sokrates-Studien 5,
Die Graue Reihe 31).
EVANG, M. ’E k Kapôíaç àÀXfiXouç ayanfiaaTE èKxevcôç. Zum Verständnis der Aufforderung
und ihrer Begründungen in IPetr 1,22 f. ZNW 80, p. 111-123, 1989.
234
FASCHER, E. Verbete Fremder. In: RAC. Stuttgart, 1972. v. VIII, p. 306 -347.
FELDMEIER, R. ©cog Cuoirotuv. Die paulinische Rede von der Unvergänglichkeit
in ihrem religionsgeschichtlichen Kontext. In: D ALFER TH , I. et al. (Eds.).
Denkwürdiges Geheimnis. Beiträge zur Gotteslehre. (FS E. Jüngel). Tübingen,
2004. p. 77-91.
FELDMEIER, R. Die Außenseiter als Avantgarde. Gesellschaftliche Ausgrenzung
als missionarische Chance nach dem 1. Petrusbrief. In: HORST, P. W. van den
et al. (Eds.). Persuasion and Dissuasion in Early Christianity, Ancient Judaism, and
Hellenism. Leuven, 2003. p. 161-178. (Contributions to Biblical Exegesis and
Theology 33).
FELDMEIER, R. Die Christen als Fremde. Die Metapher der Fremde in der antiken
Welt, im Urchristentum und im 1. Petrusbrief. Tübingen, 1992. (W UNT 64).
FELDM EIER, R. Die Darstellung des Petrus in den synoptischen Evangelien.
In: STUHLMACHER, P. (Ed.). Das Evangelium und die Evangelien. Vorträge vom
Tübinger S3miposium 1982. Tübingen, 1983. p. 267-271. (W UNT 28).
F E L D M E IE R , R. D a s Lam m u n d die R a u b tie re . T ie rm e ta p h o rik u n d
Machtkonzeptionen im Neuen Testament. In: GEBAUER, R.; MEISER, M. (Eds.).
Die bleibende Gegenwart des Evangeliums. (FS O. Merk.) Marburg, 2003. p. 205
211. (MThSt 76).
FELDMEIER, R. Paulus. In: AXT-PISCALAR, Ch.; RINGLEBEN, J. (Eds.). Denker
des Christentums. Tübingen, 2004. p. 1-22.
FELDM EIER, R. Seelenheil. Überlegungen zur Soteriologie u n d Anthropologie
des 1. Petrusbriefes. In: SCH LO SSER , J. (Ed.). The Catholic Epistles and the
Tradition. Leuven, 2004. p. 291-306. (BEThL 176).
FELDMEIER, R. De Sera Numinis Vindicta. In: GÖRGEM ANNS, H. et al. (Eds.).
Plutarch, Drei Religionsphilosophische Schriften. Über den Aberglauben, Ü ber die
späte Strafe der Gottheit, Über Isis u n d Osiris, Griechisch-deutsch, übersetzt
und herausgegeben von H. Görgemanns unter Mitarbeit von R. Feldmeier und J.
Assmann. Düsseldorf; Zürich, 2003. p. 318-339. (Sammlung Tusculum).
FELDMEIER, R. Nicht Übermacht noch Impotenz. Zum biblischen Ursprung des
Allm achtsbekenntnisses. In: RITTERN, W. H. et al. (Eds.). Der Allmächtige.
Annäherungen an ein umstrittenes Gottesprädikat. Göttingen, 1997. p. 13-42.
(BTSP 13).
F E L D M E IE R , R. W e ise h in te r „e ise rn e n M a u e r n “. T o ra u n d jü d is c h e s
Selbstverständnis zwischen Akkulturation und Absonderung im Aristeasbrief.
In: HENGEL, M.; SCHW EM ER, A. M. (Eds.). Die Septuaginta. Zwischen Judentum
und Christentum. Tübingen, 1994. p. 20-37. (W UNT 72).
FELDM EIER, R. Euer Widersacher, der Teufel. Frühchristliche Konzeptionali-
sierungen des B ösen am Beispiel des 1. Petrusbriefes. In: RITTER, W. H.;
SCHLUM BERGER, J. A. Das Böse in der Geschichte. Dettelbach, 2003. p. 61-76.
(Bayreuther historische Kolloquien 16).
FELDMEIER, R. Wiedergeburt im 1. Petrusbrief. In: IDEM. (Ed.). Wiedergeburt.
Göttingen, 2005. p. 75-100. (BThS 25).
FINK, P. R. The Use and Significance of En Hoi in I Peter. Grace Journal 8, p. 33
39, 1967.
FOERSTER, W. Verbete Socoroi; ktI. In: ThWNT. Stuttgart, 1933. v. I, p. 504s.
FOERSTER, W. Verbete ktlCco ktA,. In: ThWNT. Stuttgart, 1957 (= 1938). v. III, p.
999-1034.
FREY, J. Die paulinische Antithese von „Fleisch“ und „Geist“ und die palästinisch
jüdische Weisheitstradition. ZNW 90, p. 45-77, 1999.
235
FRIEDRICH, G. Verbete K f|p u Ç k tà . In; ThWNT. Stuttgart, 1957 (= 1938). v. III, p.
682-717.
FURNISH, V. P. Elect Sojourners in Christ: An Approach to the Theology of I
Peter. Perkins Journal 28, p. 1-11, 1975.
GASTER, Th. W. The Dead Sea Scriptures. 3. ed. Garden City, 1976.
GAUTHIER, R. Meteques, Perieques et Paroücoi: Bilan et points d ’interrogation.
In: LONIS, R. (Ed.). l’Etranger dans le monde grec. Nancy, 1988. p. 23-46. (Travaiix
et mémoires: Études anciennes 4).
G E SE , H. Die Sühne. In: IDEM . Zur biblischen Theologie. AIttestamentliche
Vorträge. 2. ed. Tübingen, 1983. p. 85-106.
GIELEN, M. Tradition u n d Theologie neutestamentlicher Haustafelethik. Ein
Beitrag zur Frage einer christlichen Auseinandersetzung mit gesellschaftlichen
Normen. Frankfurt, 1990. (BBB 75).
GIELEN, M. „Und führe u ns nicht in Versuchung“. Die 6. Vater-Unser Bitte,
eine Anfechtung für das biblische Gottesbüd? ZNW 89, p. 201-216, 1998.
GOLDSTEIN, H. Die politischen Paränesen in IPetr 2 und Rom 13. BiLe 14, p.
88-104,1973.
GOPPELT, L. Prinzipien neutestamentlicher Sozialethik nach dem I. Petrusbrief.
In: BALTENSWEILER, H.; REIKE, B. Neues Testament und Geschichte. Historisches
G eschehen u n d D eu tu n g im Neu en Testam ent. (FS O. Cullm ann.) Zürich;
Tübingen, 1972. p. 285-296.
GOPPELT, L. Theologie des Neuen Testaments. Bd. 2: Vielfalt und Einheit des
apostolischen Christuszeugnisses, herausgegeben von J. Roloff. Göttingen, 1976.
GORCE, D. Verbete Gastfreundschaft C. Christlich. In; RAC. Stuttgart, 1972. v.
VIII, p. 1103-1123.
GRIESH AM M ER, R. Das Jenseitsgericht in den Sargtexten. W iesbaden, 1970.
(Ägyptologische Abhandlungen 20).
GRUNDMANN, W. Verbete mirgLvoç ktI,. In: ThWNT. Stuttgart, 1969. v. VIII, p. 1-27.
GSCHW IND, K. Die Niederfahrt Christi in die Unterwelt. Ein Beitrag zur Exegese
des Neuen Testaments u nd zur Geschichte des Taufsymbols. Münster, 1911.
(NTA 2/3-5).
GÜLZOW , H. Christentum und Sklaverei in den ersten drei Jahrhunderten. Nachwort
G. Theißen. Münster, 1999 (= 1969). (Hamburger Theologische Studien 16).
GUNKEL, H. Der erste Brief des Petrus. 3. ed. Gottingen, 1917. p. 248-292. (SNT 3).
HARLAND, Ph. A. Associations, Synagoges, and Congregations. Claiming a Place
in Ancient Mediterranean Society. Minneapolis, 2003.
HARNACK, A. v. Die Chronologie der altkirchlichen Literatur bis Eusebius, Bd. 1:
Die Chronologie der Literatur bis Irenaus. Nebst einleitenden Untersuchungen. 2.
ed. Leipzig, 1897. (Geschichte der altchristlichen Literatur bis Eusebius 2,1).
HARNACK, A. v. Marcion, Das Evangelium vom fremden Gott. Eine Monographie zur
Geschichte der Grundlagen der katholischen Kirche. 2. ed. Leipzig, 1924. (TU 45).
HARNACK, A. v. Der Vorwurf des Atheismus in den ersten drei Jahrhunderten.
Leipzig, 1905. (TU 28/4).
H EC K EL, U. Hirtenamt und Herrschaflskritik. Die urchristlichen Äm ter aus
johanneischer Sicht. Neukirchen, 2004. (BTS 65).
HECKEL, U. Der Segen im Neuen Testament, Begriff, Formeln, Gesten. Mit einem
praktisch-theologischen Ausblick. Tübingen, 2002. (W UNT 150).
236
H EN G EL, M. Judentum und Hellenismus. Studien zu ihrer Begegnung unter
besonderer Berücksichtigung Palästinas bis zur Mitte des 2. Jh.s v. Chr. 3. ed.
Tübingen, 1988. (W UNT 10).
HENGEL, M. The “Hellenization” o f Judaea in the First Century after Christ. In
Collaboration with Ch. Markschies. London; Philadelphia, 1989.
H EN G EL, M. „Setze dich zu meiner Rechten!“ Die Inthronisation Christi zur
Rechten Gottes und Psalm 110,1. In: PHILONENKO, M. (Ed.). Le Trône de Dieu.
Tübingen, 1993. p. 108-194. (W UNT 69).
HENGEL, M. Die Zeloten. Untersuchungen zur jüdischen Freiheitsbewegung in
der Zeit von Herodes I. bis 70 n. Chr. 2. ed. Leiden; Köln, 1976. (AGJU 1).
HENTEN, J. W. van; AVEMARIE, F. Martyrdom and Noble Death. Selected Texts
from Graeco-Roman, Jewish and Christian Antiquity. London; New York, 2002.
HERTER, H. Die Soziologie der antiken Prostitution im Lichte des heidnischen und
christlichen Schrifttums. Münster, 1960. p. 70-111. (JAC 3).
HERZER, J. AlttestamentUche Prophetie und die Verkündigung des Evangeliums.
Beobachtungen zur Stellung und zur hermeneutischen Funktion von IPetr 1,10
12. BThZ 14, p. 14-22, 1997.
H ER ZER , J. Petrus oder Paulus? Studien ü b e r das V erhältn is des Ersten
Petrusbriefes zur paulinischen Tradition. Tübingen, 1998. (W UNT 103).
HILL, D. On Suffering and Baptism in I Peter. NT 18, p. 181-189, 1976.
HOR NUNG , E. Das Totenbuch der Ägypter. Eingeleitet, übersetzt und erläutert
von E. Hornung. Zürieh; München, 1990 (= 1979).
HORST, P. W. van der. Pseudo-Phocylides sind the New Testament. ZNW 69, p.
187-202, 1978.
HUNZINGER, C.-H. Babylon als Deckname für Rom und die Datierung des 1.
Petrusbriefes. In: GRAF REVENTLOW, H. (Ed.). Gottes Wort und Gottes Land. (FS
H.-W . Hertzberg). Göttingen, 1965. p. 67-75.
JA CO B, E. Verbote vl/uxi) ktA,. B. Die Anthropologie des Alten Testaments. In:
ThWNT. Stuttgart, 1973. v. IX, p. 614-629.
JANOWSKI, B. Sühne als Heilsgeschehen. Traditions- und religionsgeschichtliche
Studien zur Sühnetheologie der Priesterschrift. 2. ed. Neukirchen-Vlu 3m, 2000.
(WMANT 55).
JEPSEN, A. Verbete ntä3. In: ThWAT. Stuttgart, 1973. v. I, p. 608-615.
JEREMIAS, J. Verbete XiGoç kt X. In: ThWNT. Stuttgart, 1966 (= 1942). v. IV, p.
272-283.
JEREMIAS, J. Die Abendmahlsworte Jesu. 4. ed. Göttingen, 1967.
JEREM IAS, J. Zwischen Karfreitag u n d Ostern, D escensus u n d Ascensus in
der Karfreitagstheologie des Neuen Testamentes. ZNW 42, p. 194-201, 1949.
JONGE, M. de. Vreemdelingen en bijwoners. Enige opmerkingen naar aanleiding
van IPetr 2:11 en verwante teksten. In: NedThT 11, p. 18-36, 1956/57.
JÜNG EL, E. Metaphorische Wahrheit. Erwägungen zur theologischen Relevanz
der M etaph er als Beitrag zur Herm eneutik einer narrativen Theologie. In:
RICOEUR, P.; JÜNGEL, E. Metapher. Zu r Hermeneutik religiöser Sprache, mit
einer Einführung von P. Gisel. München, 1974. p. 71-122. (EvTh.S 1974).
KASER, M. Das römische Privatrecht II. Die nachklassischen Entwicklungen.
München, 1959. (HAW III/3/2).
KLAUCK, H.-J. „Pantheisten, Polytheisten, Monotheisten“ - eine Reflexion zur
g rie c h isc h -rö m isc h en u n d b ib lisc h e n Theologie. In: ID E M . R eligion u n d
237
Gesellschaft im frühen Christentum . Neutestam entliche Studien. Tübingen,
2003. p. 3-53. (W UNT 152).
KNOX, J. Pliny and 1 Peter. A Note on 1 Pet 4,14-16 and 3,15. JBL 72, p. 187-189,
1953.
KORNFELD, W. Verbete ®np. ln: ThWAT. Stuttgart, 1989. v. VI, p, 1179-1188.
K Ü C H LE R , M. Schweigen, Schmuck und Schleier. D rei n eutestam entliche
V o rs c h rifte n z u r V e r d r ä n g u n g der F ra u e n a u f dem H in te rg ru n d ein er
frauenfeindlichen Exegese des Alten Testaments im antiken Judentum. Freiburg;
Göttingen, 1986. (NTOA 1).
KÜGLER, U.-R. Die Paränese an die Sklaven als Modell urchristlicher Sozialethik.
Diss. theol. Erlangen, 1977.
KÜMMEL, W. G. Einleitung in das Neue Testament. 21. ed. Heidelberg, 1983.
K U H N , K. G. ireipaanog, äpapTLa, odp5 im N eu en T estam ent u n d die dam it
zusammenhängenden Vorstellungen. ZThK 49, p. 200-222, 1952.
KUSS, O. Der Begriff des Gehorsams im Neuen Testament. ThGl 11, p. 695-702,
1935.
KUSS, O. Zu r paulinischen und nachpaulinischen Tauflehre im Neuen Testament
(1952). ln: IDEM. Auslegung und Verkündigung. Regensburg, 1963. v. 1, p. 121
150.
LAAKSONEN, J. Jesus und das Land. D as Gelobte Land in der Verkündigung
Jesu. Abo, 2002.
LAMPE, P. „Fremdsein“ als urchristlicher Lebensaspekt. Ref. 34, p. 58-62, 1985.
LANGKAMMER, H. Jes 53 u n d IPetr 2,21-25. Zur christologischen Interpretation
der Leidenstheologie von Jes 53. BiLi 60, p. 90-98, 1987.
La VERDIERE, E. A. A Grammatical Ambiguity in 1 Pet 1:23. CBQ 36, p. 89-94,
1974.
LEIPOLD, J.; GRUNDM ANN, W. Umwelt des Urchristentums II. Texte zum neu-
testamentlichen Zeitalter. Berlin, 1972.
LIETZMANN, H. Petrus römischer Märtyrer, ln: IDEM. Kleine Schriften I. Studien
zur spätantiken Religionsgeschichte. Berlin, 1958. p. 100-123. (TU 67).
LINDEMANN, A. Der erste Korintherbrief. Tübingen, 2000. (HNT 9/1).
LOHSE, E. Paränese und Kerygma im 1. Petrusbrief. ZNW 45, p. 68-89, 1954.
LOHSE, E. Paulus. Eine Biographie. München, 1996.
LONA, H. E. Der erste Clemensbrief. Göttingen, 1998. (KAV 2).
LUTHER, M. Werke. Kritische Gesamtausgabe. Weimar, 1883ss.
M Ä N N L E IN -R O B E R T , 1. Verbete Peroratio. ln: Historisches Wörterbuch der
Rhetorik. Darmstadt, 2003. v. VI, p. 778-788.
MAIER, J. Die Texte vom Toten Meer. Anmerkungen. München; Basel, 1960. v. 2.
MALY, K. Christ und Staat im Neuen Testament, ln: DEGENHARDT, J. J. (Ed.).
Die Freude an Gott, unsere Kraft. (FS O. B. Knoch). Stuttgart, 1991. p. 111-111.
M A N K E , H. Leiden und Herrlichkeit. Eine S tu die zu r C hristologie des 1.
Petrusbriefs. Diss. Münster, 1975.
MANTEY, J. R. The Causal Use of Eis in the New Testament. JBL 70, p. 45-48,
1951.
MANTEY, J. R. On Causal Eis Again. JBL 70, p. 309-311, 1951.
MANTEY, J. R. Un usual Meanings for Prepositions in the Greek New Testament.
Exp. 25, p. 453-460, 1923.
238
MARCUS, R. On Causal Eis. JBL 70, p. 129s, 1951.
MARCUS, R. The Elusive Causal Eis. JBL 71, p. 43s, 1952.
MARROU, H.-I. Geschichte der Erziehung im Klassischen Altertum. Herausgegeben
von R. Harder, übersetzt von Cb. Beumann. Freiburg; München, 1957.
MARTIN, T. The Present Indicative in the Eschatological Statements of 1 Peter
1:6,8. JBL 111, p. 307-312, 1992.
MAYER, G. Dießidische Frau in der hellenistisch-römischen Antike. Stuttgart, 1987.
M cC a r t h y , D. J. Further Notes on the Symbolism of Blood and Sacrifice. JBL
92, p. 205-210, 1973.
M c C a r t h y , D. J.The Symbolism of Blood and Sacrifice. JBL 88, p. 166-176,
1969.
McCAUGHEY, J. D. Three “Persecution Documents” of the New Testament. ABR
17, p. 27-40, 1969.
METZNER, R. Die Rezeption des Matthäusevangeliums im 1. Petrusbrief. Studien
zum traditionsgeschichtlichen u n d theologischen Einfluß des 1. Evangeliums
a u f den 1. Petrusbrief. Tübingen, 1995. (W UNT 11/74).
MICHAELIS, W. Verbete irdoxco kzX. In: ThWNT. Stuttgart, 1966 (= 1954). v. V, p.
903-939.
MILLAUER, H. Leiden als Gnade. Eine traditionsgeschichtliche Untersuchung zur
Leidenstheologie des ersten Petrusbriefes. Bern; Frankfurt, 1976. (EHS.T 56).
M O L T H A G E N , J. „C ogn itionibu s de C h ristia n is interfu i n u m q u a m “. D a s
Nichtwissen des Plinius u n d die Anfänge der Christenprozesse. ZThG 9, p. 112
140, 2004.
M O L T H A G E N , J. Die Lage der Christen im röm ischen Reich n ach dem 1.
Petrusbrief. Zum Problem einer domitianisehen Verfolgung. Historia 44, p. 422
458, 1995.
MÜLLER, H.-P. Verbete lühp. In: THAT. 3. ed. Stuttgart, 1984. v. II, p. 589-609.
N A U C K , W . F re u d e im L eid en . Z u m P ro b le m e in e r u rc h ris t lic h e n
Verfolgungstradition. ZNW 46, p. 68-80, 1955.
NAUCK, W. Probleme des frühchristlichen Amtsverständnisses. I Ptr 5,2f. ZNW
48, p. 200-220, 1957.
NEUG EBAU ER , F. Zu r Deutung und Bedeutung des 1. Petrusbriefes. NTS 26, p.
61-86, 1980.
NEWTON, C. T. The Collection o f Ancient Greek Inscriptions in the British Museum
TV, 1. London, 1893.
NIEDERWIMMER, K. Kirche als Diaspora. In: PRATSCHER, W.; ÖHLER, M. (Eds).
Kurt Niederwimmer, Quaestiones theologicae. Gesammelte Aufsätze. Berlin; New
York, 1998. p. 102-112. (BZNW 90).
NIEHR, H. Verbete tsstü. In: ThWAT. Stuttgart, 1995. v. VIII, p. 408-428.
N IE T ZS C H E , F. M enschliches, A llzum enschliches I u n d II. In: COLLI, G.;
M O N T IN A R I, M. (E d s .). Friedrich Nietzsche, Sämtliche Werke. K ritisch e
Studienausgabe. München, 1980. v. 2.
NIXON, R. E. The Meaning of “Baptism” in 1 Peter 3,21. StEv 4 (= TU 102). Berlin,
1968. p. 437-441.
OEPKE, A. Verbete KaXuirrcd kxA.. In: ThWNT. Stuttgart, 1957 (= 1938). v. III, p.
558-597.
OSBOR NE, Th. P. Guide Lines for Christian Suffering. A Source-Critical and
Theological Study of 1 Peter 2,21-25. Bib. 64, p. 381-408, 1983.
239
PATSCH, H. Zum alttestamentlichen Hintergrund von Römer 4,25 und I. Petrus
2,24. ZNW60, p. 273-279, 1969.
PERDELWITZ, R. Die Mysterienreligion und das Problem des 1. Petrusbriefes. Ein
literarischer u n d religionsgeschichtlicher Versuch. Gießen, 1911.
P E S C H , W . Z u Texten des N eu en Testam entes ü b e r das Priestertum der
Getauften. In: BÖ C H ER , O.; HAACKER, K. (Eds.). Verborum Veritas. (FS G.
Stählin). Wuppertal, 1970. p. 303-315.
PETERSON, E. Christianus. In: IDEM. Frühkirche, Judentum und Gnosis. Studien
und Untersuchungen. Rom, 1959. p. 64-87.
PILHOFER, P. Presbyteron Kreitton. Der Altersbeweis der jüdischen und christlichen
Apologeten und seine Vorgeschichte. Tübingen, 1990. (WUNT 11/39).
POKORNY, P. Der Brief des Paulus an die Epheser. Leipzig, 1992. (ThHK 10/2).
POPKES, W. Der Brief des Jakobus. Leipzig, 2001. (ThHK 14).
PORTEN, B.; YARDENI, A. (Eds.). Textbook o f Aramaic Documents from Ancient
Egypt. Edited and translated into Hebrew and English, Bd. 1: Letters, Appendix;
Aramaic Letters from the Bible (Texts and Studies for Students). W inona Lake,
1986.
PRICE, S. R. F. Rituals and Power. The Rom an Imperial Cult in A sia Minor.
Cambridge, 2002 (= 1986).
PRIGENT, P. I Pierre 2,4-10. RHPhR 72, p. 53-60, 1992.
PROKSCH, O. Verbete ayi-oe ktX. In; ThWNT. Stuttgart, 1957 (=1933). v. I, p. 87-97.
PROSTMEIER, F.-R. Handlungsmodelle im ersten Petrusbrief. W ürzburg, 1990.
(FzB 63).
RADERMACHER, L. Der erste Petrusbrief und Silvanus. Mit einem Nachwort in
eigener Sache. ZNW 25, p. 287-299, 1926.
REBRIK, B. M. Geologie und Bergbau in der Antike. Leipzig, 1987.
REICHERT, A. Eine urchristliche Praeparatio ad Martyrium. Studien zur Komposition,
Traditionsgeschichte und Theologie des 1. Petrusbriefes. Frankfurt, 1989. (BET 22).
REICHE, B. The Disobedient Spirits and Christian Baptism. A Study of 1 Pet. III. 19
and Its Context. Kopenhagen, 1946. (ASNU 13).
REISER, M. Die Eschatologie des 1. Petrusbriefs. In; KLAUCK, H .-J. (Ed.).
Weltgericht und Weltvollendung. Zukunftsbilder im Neuen Testament. Freiburg,
1994. p. 164-181. (QD 150).
RENGSTORF, K. H. Verbete avoaxkXXu kt X. In: ThWNT. Stuttgart, 1957 (=1933). v.
I, p. 397-448.
RENGSTORF, K. H. Verbete öoüXog ktI. In: ThWNT. Stuttgart, 1935. v. II, p. 264
283.
R E U M A N N , J. “S te w a rd s o f G o d ”. P re -C h ristia n R eligious A p plication of
OIKONOM OS in Greek. JBL 77, p. 339-349, 1958.
SÄNGER, D. Überlegungen zum Stichwort „Diaspora“ im Neuen Testament. EvDia
52, p. 76-88, 1982.
SANDER, E. T. IIYPÜSIE and the First Epistle o f Peter 4:12. Ph. D. Diss. Harvard
University, 1967.
SCHAEFER, H. Verbete Paroikoi. In: PRE. Stuttgart, 1949. v. XVIII/4, p. 1695
1707.
SCHÄFER, P. Verbete Benediktionen I. Judentum. In: TRE. Berlin; New York,
1980. V . V, p. 560-562.
240
SCHÄFER, P. Rivalität zwischen Engeln und Menschen. Untersuchungen zur
rabbinischen Engelvorstellung. Berlin; New York, 1975. (SJ 8).
SCHÄFKE, W. FrühchristUcher Widerstand. In: ANRW. Berlin; New York, 1979.
V.11/23/1, p . 460-723.
SCHENK, W. Der Segen im Neuen Testament. Eine begriffsanalytische Studie.
Berlin, 1967. p. 62-64. (ThA 25).
SCHENKE, H.-M.; FISCHER, K. M. Einleitung in die Schriften des Neuen Testaments
I. Die Briefe des Paulus und Schriften des Paulinismus. Berlin, 1978.
SCHLIER, H. Die Kirche nach dem 1. Petrusbrief. In; FEINER, J.; LÖHRER, M.
Mysterium Salutis. Grundriss heilsgeschichtlicher Dogmatik, das Heilsgeschehen
in der Gemeinde. Einsiedeln, 1972. v. IV / 1, p. 195-200.
SCHLOSSER, J. Animadversiones. 1 Pierre 3,5b-6. Bib. 64, p. 409s, 1983.
SCHMIDT, E. G. Einführung. In: Hesiod, Théogonie, Werke und Tage. Griechisch
deutsch, herausgegeben und übersetzt von A. v. Schirnding, mit einer Einführung
und einem Register von E. G. Schmidt. 2. ed. Düsseldorf; Zürich, 1997. p. 149-211.
SCHMIDT, K. M. Mahnung und Erinnerung im Maskenspiel. Epistolographie, Rhetorik
und Narrativik der pseudepigraphen Petrusbriefe. Freiburg, 2003. (HBS 38).
SCHNELLE, U. Verbete Taufe II. Neues Testament. In: TRE. Berlin; New York,
2001. V . XXXII, p. 663-674.
SCHRÄGE, W. Die Christen und der Staat nach dem Neuen Testament. Gütersloh,
1971.
SCHRENK, G. Verbete èKleyoïraL. In: ThWNT Stuttgart, 1966 (= 1942). v. IV, p.
173-197.
SCHRÖGER, F. Ansätze zu den modernen Menschenrechtsforderungen im 1.
Petrusbrief. In: HÜBNER, R. M. (Ed.). Der Dienst fü r den Menschen in Theologie
und Verkündigung. (FS A. Brems). Regensburg, 1981. p. 179-191.
SCH R Ö G ER , F. Die V erfassu n g der Gem einde des ersten Petrusbriefes. In;
HAINZ, J. (Ed.). Kirche im Werden. Studien zum Thema Amt u n d Gemeinde im
Neuen Testament. München, 1976. p. 239-252.
SC H Ü SS LE R FIORENZA, E. Priester fü r Gott. Studien zum Herrschafts- und
Priestermotiv in der Apokalypse. Münster, 1972. p. 51-59. (NTA 7).
SCHWANK, B. Wie Freie, aber als Sklaven Gottes (IPetr 2,16). Das Verhältnis
der Christen zur Staatsmacht nach dem ersten Petrusbrief. EuA 36, p. 5-12,
1960.
SCHWARZ, E. Identität durch Abgrenzung. Abgrenzungsprozesse in Israel im 2.
vorchristlichen Jahrhundert und ihre traditionsgeschichtlichen Voraussetzun
gen, zugleich ein Beitrag zur EiTorschung des Jubiläenbuches. Frankfurt; Bern,
1982. (EHS.T 162).
SCHWEIZER, R. Verbete rrveuira, trycufratiKOi;. In: ThWNT. Stuttgart, 1965 (= 1959).
V.VI, p . 387-453.
SCHWEIZER, E. Verbete actpi ktX. In: ThWNT. Stuttgart, 1966 (= 1964). v. VII, p.
118-151.
SCHW EIZER, E. Zur Christologie des Ersten Petrusbriefs. In: BREYTENBACH,
C.; PAULSEN, H. (Eds.). Anfänge der Christologie. (FS F. Hahn). Göttingen, 1991.
p. 369-382.
SCH W EIZER , E. Die Weltlichkeit des Neuen Testaments. Die Haustafeln. In:
D O N N E R , H. et al. (Eds.). Beiträge zur alttestamentlichen Theologie. (FS W.
Zimmerli). Göttingen, 1977. p. 397-413.
241
SELWYN, E. G. The Persecutions in I Peter. In: BSNTS 1. Oxford, 1950. p. 39-50.
SENIOR, D. The Conduct of Christians in the World (2:11-3:12). RExp 79, p. 427
4 3 8 ,1982.
SEYBOLD, K. Verbete Gericht Gottes I. Altes Testament. In: TRE. Berlin; New
York, 1984. v. XII, p. 460-466.
SHERWIN-WHITE, A. N. The Letters o f Pliny! A Historical and Social Commentary.
Oxford, 1998 (= 1966).
SIEGERT, F. Drei hellenistisch-jüdische Predigten. Ps.-Philon, „Ober Jona“, „Ober
Sim son“ u n d „Ober die Gottesbezeichnung ,wohltätig verzehrendes F euer’“.
Obersetzung aus dem Armenischen und sprachliche Erläuterungen. Tübingen,
1980. V . 1. (W UNT 20).
SIEGERT, F. Drei hellenistisch-jüdische Predigten. Ps.-Philon, „Ober Jona“, „Ober Jona“
(Fragment) und „Ober Simson“. Kommentar nebst Beobachtungen zur hellenistischen
Vorgeschichte der Bibelhermeneutik. Tübingen, 1992. v. 2. (WUNT 61).
SKEHAN, P. W .; DI LELLA, A. A. The Wisdom o f Ben Sira. A new translation with
notes by P. W. SKEHAN. Introduction and commentary by A. A. DI LELLA. New
York, 1987.
SLY, D. I. 1 Peter 3:6b in the Light of Philo and Josephus. JBL 110, p. 126-129,
1991.
SNYDER, S. 1 Peter 2:17. A Reconsideration. Cordoba, 1991. p. 211-215. (Filologia
Neotestam entaria 4).
SOLTAU, W . Die Einheitlichkeit des 1. Petrusbriefes. ThStKr 78, p. 302-315,
1905.
SPICQ, C. Les Epitres de Saint Pierre. Paris, 1966. (SBi).
SPIECKERMANN, H. Die Liebeserklärung Gottes. Entw urf einer Theologie des
Alten Testaments. In: IDEM. Gottes Liebe zu Israel. Studien zur Theologie des
Alten Testaments. Tübingen, 2004. p. 197-223. (FAT 33).
SPIECKERMANN, H. Der theologische Kosmos des Psalters. BThZ 21, p. 61-74,
2004.
SPITTA, F. Christi Predigt an die Geister, IPetr. 3,19ff. Ein Beitrag zur neutesta-
mentlichen Theologie. Göttingen, 1890.
STÄHLIN, G. Verbete ^evoc, ktX. In: ThWNT. Stuttgart, 1966 (= 1954). v. V, p. 1-36.
STAHLIN, G. Verbete i))a€a) kiI. In: ThWNT. Stuttgart, 1973. v. IX, p. 112-169.
STAUFFER, E. Christus und die Caesaren. Historische Skizzen. 5. ed. Hamburg,
1960.
STEMBERGER, G. Verbete Seele III. Judentum. In: TRE. Berlin; New York, 1999.
V.XXX, p. 740-744.
STRACK, H.-L.; BILLERBECK, P. Kommentar zum Neuen Testament aus Tcdmudund
Midrasch. Bd. 1: Das Evangelium nach Matthäus. 2. ed. München, 1956 (= 1. ed.
1926). V. 1.
STRACK, H.-L.; BILLERBECK, P. Kommentar zum Neuen Testament aus Talmudund
Midrasch. Bd. 2: Das Evangelium nach Markus, Lukas und Johannes und die
Apostelgeschichte. 5. ed. München, 1969 (= 1. ed. 1924). v. 2.
STRACK, H.-L.; BILLERBECK, P. Kommentar zum Neuen Testament aus Talmudund
Midrasch. Bd. 3: Die Briefe des Neuen Testaments und die Offenbarung Johannis. 4.
ed. München, 1965 (= 1. ed. 1926). v. 3.
STRATHMANN, H. Verbete irctprug kx X. In: ThWNT. Stuttgart, 1966 (= 1942). v. IV,
p. 477-520.
242
STROBEL, A. Macht Leiden von Sünde frei? Zu r Problematik von IPetr 4 ,lf. ThZ
19, p. 412-425, 1963.
STROBEL, F. A. Zum Verständnis von Mt XXV 1-13. NT 2, p. 199-227, 1958.
STUHLMACHER, P. Biblische Theologie des Neuen Testaments. Bd. 2; Von der
Paulusschule bis zur Johannesoffenbarung. Göttingen, 1999. v. 2.
TALBERT, C. H. Once again: The Plan of 1 Peter. In: IDEM (Ed.). Perspectives on
First Peter. Macon, 1986. p. 141-151. (NABPR SS 9).
THEISSEN, G.; MERZ, A. Der historische Jesus. Ein Lehrbuch. 2. ed. Göttingen,
1997.
UEDING, G. Einfilhrung in die Rhetorik. Geschichte, Technik, Methode. Stuttgart,
1976.
UNNIK, W. C. van. Christianity According to I Peter. ET 68, p. 79-83, 1956/57.
UNNIK, W. C. van. Das Selbstverständnis derßidischen Diaspora in der hellenistisch
römischen Zeit. Aus dem Nachlass herausgegeben und bearbeitet von P. W. van
der Horst. Leiden, 1993. (AGJU 17).
U N N IK , W . C. v a n . „ D ia s p o r a “ en „K erk“ in de eerste e e u w e n van het
Christendom. In; BEEKENKAMP, W. H. (Ed.). Ecclesia. Een bundel opstellen. (FS
J. N. B. van den Brink). Nijhoff, 1959. p. 33-45.
UNNIK, W C. van. The Critique of Paganism in 1 Peter 1:18. In: ELLIS, E. E.;
WILCOX, M. (Eds.). Neotestamentica et Semitica. (FSM . Black). Edinburgh, 1969. p.
129-142.
UNNIK, W. C. van. The Teaching of Good Works. NTS 1, p. 92-110, 1954/55.
VIELHAUER, Ph. Geschichte der urchristlichen Literatur. Einleitung in das Neue
Testament, die Apokryphen u n d die Apostolischen Väter. 4. ed. Berlin; New
York, 1985.
VIELHAUER, Ph. Oikodome. D as Bild vom Bau in der christlichen Literatur vom
Neuen Testament bis Clemens Alexandrinus. Diss. theol. Heidelberg, 1939.
VITTINGHOFF, F. „Christianus sum “. Das „Verbrechen“ von Außenseitern der
römischen Gesellschaft. Historia 33, p. 331-357, 1984. (Nachdruck in: IDEM.
Civitas Romana. Stadt und politisch-soziale Integration im Imperium Romanum
der Kaiserzeit. Hg. von W. Eck. Stuttgart, 1994. p. 322-347).
VÖGTLE, A. Die Tugend- und Lasterkataloge im Neuen Testament. Exegetisch,
religions- und formgeschichtlich untersucht. Münster, 1936. (NTA 16/4-5).
VOLZ, P. Die Eschatologie derßidischen Gemeinde im neutestamentlichen Zeitalter.
Nach den Quellen der rabbinischen, apokalyptischen und apokryphen Literatur.
Hildesheim, 1966 (= Tübingen, 1934).
W A LS E R , G. Flüchtlinge u n d Exil im k la ssisc h en Altertum , vor allem in
griechischer Zeit. In: MERCIER, A. (Ed.). Der Flüchtling in der Weltgeschichte. Ein
ungelöstes Problem der Menschheit. Bern, 1974. p. 67-93.
W ENGST, K. Christologische Formeln und Lieder des Urchristentums. Gütersloh,
1972. (StNT 7).
WHITE, J. N. D. Love that Covers Sins. Exp., p. 541-547, 1913-A (1913).
WILKEN, R. L. Die frühen Christen. Wie die Römer sie sahen. Graz, 1986.
WINTER, B. W. The Public Honouring of Christiein Benefactors. Romans 13.3-4
and 1 Peter 2.14-15. JSNT34, p. 87-103, 1988.
W LOSOK, A. Die Rechtsgrundlagen der Christenverfolgungen der ersten zwei
Jahrhunderte. In: KLEIN, R. (Ed.). Das frühe Christentum im römischen Staat. 2.
ed. Darmstadt, 1982 (= 1. ed. 1971). p. 275-301. (WdF 267).
243
W L O S O K , A. Rom und die Christen. Z u r A u s e in a n d e r s e tz u n g z w isc h e n
C h risten tu m u n d röm ischem Staat. Stuttgart, 1970. (D e r altsprach lich e
Unterricht, Beiheft 1 zu Reihe XIII).
WOLFF, Ch. Christ und Welt im 1. Petrusbrief. ThLZ 100, p. 333-342, 1975.
WOLFF, Ch. In der Nachfolge des leidenden Christus. Exegetische Überlegungen
zur Sklavenparänese I Petr 2,18-25. In: MAIER, Ch. et al. (Eds.). Exegese vor Ort.
(FS P. Welten). Leipzig, 2001. p. 427-439.
WOYKE, J. Die neutestamentlichen Haustafeln. Ein kritischer und konstruktiver
Forschungsüberblick. Stuttgart, 2000. (SBS 184).
W YSS, K. Die Milch im Kultus der Griechen u n d Römer. Gießen, 1914. ( R W
XV/2).
ZAHN, Th. Einleitung in das Neue Testament. 3. ed. Leipzig, 1924. v. 2. (Sammlung
Theologischer Lehrbücher).
ZIMMERLI, W. Das Menschenbild des Alten Testaments. München, 1949. (TEH NF
14).
244