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A INTERNALIZAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS

DE DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA DO SUL


Conselho Editorial
André Luís Callegari
Carlos Alberto Molinaro
César Landa Arroyo
Daniel Francisco Mitidiero
Darci Guimarães Ribeiro
Draiton Gonzaga de Souza
Elaine Harzheim Macedo
Eugênio Facchini Neto
Giovani Agostini Saavedra
Ingo Wolfgang Sarlet
José Antonio Montilla Martos
Jose Luiz Bolzan de Morais
José Maria Porras Ramirez
José Maria Rosa Tesheiner
Leandro Paulsen
Lenio Luiz Streck
Miguel Àngel Presno Linera
Paulo Antônio Caliendo Velloso da Silveira
Paulo Mota Pinto

__________________________________________________________________________

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

I61 A internalização de tratados internacionais de direitos humanos na América do


Sul / Ana Maria D’Ávila Lopes, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (orga-
nizadores). – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2017.
267 p. ; 25 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-69538-95-0

1. Direitos humanos - América Latina. 2. Tratados internacionais - Internaliza-


ção. I. Lopes, Ana Maria D’Ávila. II. Lima, Martonio Mont’Alverne Barreto.

CDU 342.7(7/8=6)
CDD 341.48098

Índice para catálogo sistemático:


1. Direitos humanos : América Latina 342.7(7/8=6)

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)


Ana Maria D’Ávila Lopes
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
(Organizadores)

A INTERNALIZAÇÃO
Ana Maria D’Ávila Lopes
Andréia da Silva Costa
Antonio Moreira Maués
Breno Baía Magalhães

DE TRATADOS
Cristóbal Manuel Herrera Morales
Daniel Rivas Ramírez
Denise Almeida de Andrade
Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho
Eduardo Almendra Martins

INTERNACIONAIS Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


João Daniel Daibes Resque
João Luis Nogueira Matias
Lívia Maria de Sousa

DEDIREITOS Magdalena Correa Henao


Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
Pablo Perel

HUMANOS NA
Rafaela Gomes Viana
Rafaela Teixeira Sena Neves
Renata Bregaglio Lazarte
Ricardo Martins Spindola Diniz
Saulo de Oliveira Pinto Coelho

AMÉRICA DO SUL Susana Mosquera


Victor Machado Viana Gomes

livraria
DO ADVOGADO
editora
Porto Alegre, 2017
© dos autores, 2017

Capa, projeto gráfico e diagramação


Livraria do Advogado Editora

Revisão
Rosane Marques Borba

Direitos desta edição reservados por


Livraria do Advogado Editora Ltda.
Rua Riachuelo, 1300
90010-273 Porto Alegre RS
Fone: 0800-51-7522
editora@livrariadoadvogado.com.br
www.doadvogado.com.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


— Apresentação —
A presente obra reúne os trabalhos de conclusão do projeto de pesquisa inti-
tulado “A incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos no âmbito
doméstico. Os casos de Argentina e Brasil em perspectiva comparada”, que foi con-
templado pelo Edital de Cooperação Internacional CAPES/MINCYT 2014.
O projeto foi desenvolvido no marco das atividades do Consórcio Latino-Ame-
ricano de Pós-Graduação em Direitos Humanos, rede internacional de pesquisa cria-
da em 2008 e atualmente composta por 16 universidades de 7 países da América
Latina. Nesse sentido, além dos trabalhos dos membros da equipe da Universidade
de Fortaleza, coordenados pelos professores Ana Maria D’Ávila Lopes e Martonio
Mont’Alverne Barreto Lima, a obra conta com a participação de autores convidados
de outras universidades do Brasil e da América Latina.
Assim, da Universidade de Fortaleza (Brasil), participam os professores Ana
Maria D’Ávila Lopes, com um trabalho sobre a internalização da Convenção Ame-
ricana de Direitos Humanos no Brasil; e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, com
um trabalho escrito em coautoria com o doutorando Eduardo Almendra Martins, so-
bre decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos relativas à proteção de
povos originais e tribais. Da mesma Instituição participam as ex-alunas do doutorado
Denise Almeida de Andrade, com um trabalho sobre a proteção internacional dos
direitos reprodutivos; e Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab, que analisa o
julgamento do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil pela Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos. Além delas, há também o trabalho da doutoranda Andreia da Silva
Costa, sobre a aplicação da teoria da margem de apreciação no Sistema Interameri-
cano de Direitos Humanos; e da mestranda Rafaela Gomes Viana, que analisa a Opi-
nião Consultiva no 21/2004 e seus reflexos na proteção das crianças migrantes.
Como autores brasileiros convidados, participam o professor Antonio Moreira
Maués e o doutorando Breno Baía Magalhães, da Universidade Federal do Pará (Bra-
sil), com um estudo comparado sobre a recepção de tratados de direitos humanos pe-
los tribunais de Argentina, Colômbia e Brasil. Da mesma Instituição, os doutorandos
Rafaela Teixeira Sena Neves e João Daniel Daibes Resque apresentam um trabalho
sobre a recepção de tratados pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de territórios
indígenas. Da Universidade Federal da Paraíba (Brasil), participa a professora Maria
Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa, com um trabalho escrito em coautoria com
o ex-aluno da graduação Victor Machado Viana Gomes, sobre as perspectivas de pro-
teção dos direitos sociolaborais a partir do Sistema Interamericano de Direitos Hu-
manos. Já da Universidade Federal de Goiás (Brasil), o professor Saulo de Oliveira
Pinto Coelho, junto à professora Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho, da FASAM,
e o mestrando Ricardo Martins Spindola Diniz, da Universidade de Brasília, analisam
os direitos humanos presentes nas Declarações Conjuntas dos BRICS. Finalmente,
da Universidade Federal do Ceará (Brasil), o professor João Luis Nogueira Matias e
a doutoranda Lívia Maria de Sousa fazem um estudo sobre o princípio in dubio pro
refúgio.
Como autores estrangeiros convidados, participam a professora Magdalena
Correa Henao e o pesquisador Daniel Rivas Ramírez, do Departamento de Direito
Constitucional, da Universidad Externado da Colômbia (Colômbia), com um tra-
balho sobre a internalização dos tratados de direitos humanos nesse país. Da Uni-
versidad Austral do Chile (Chile), o professor Cristóbal Manuel Herrera Morales
apresenta um trabalho sobre a aplicação no Estado chileno do Convênio 169 da Or-
ganização Internacional do Trabalho. Já da Pontificia Universidad Católica do Perú
(Peru), participa a professora Renata Bregaglio Lazarte com um estudo sobre o con-
trole de convencionalidade e o valor da soberania dos Estados no âmbito do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos. Finalmente, da Universidad de Piura (Peru), a
professora Susana Mosquera apresenta um estudo sobre a internalização dos tratados
de direitos humanos no ordenamento jurídico peruano.
A diversidade das instituições participantes e a riqueza das temáticas abordadas
são apenas indícios da qualidade da obra e da preocupação dos autores em contribuir
com o aperfeiçoamento da proteção dos direitos humanos na América do Sul, respon-
sabilidade que cabe a todos nós e, especialmente, aos que estamos na academia, uma
vez que a responsabilidade de aprender e ensinar não se restringe às quatro paredes
das salas de aula, mas se vivencia no mundo, da mesma maneira que os próprios di-
reitos humanos, para os quais também não há nem paredes nem fronteiras.

Ana Maria D’Ávila Lopes


Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade de Fortaleza
Coordenadora-Geral do Projeto
— Sumário —
1. La internalización de la Convención Americana sobre Derechos Humanos en Brasil
Ana Maria D’Ávila Lopes 9
2 A recepção dos Tratados de Direitos Humanos pelos Tribunais nacionais:
sentenças paradigmáticas de Colômbia, Argentina e Brasil
Antonio Moreira Maués e Breno Baía Magalhães 21
3. A harmonização entre Direito Interno e Internacional de Proteção dos Direitos Humanos no
Sistema Interamericano: margem de apreciação, aderência nacional ou convergências
paralelas?
Andréia da Silva Costa 47
4. El Convenio 169 de la OIT y su aplicación en Chile. Tres hipótesis explicativas a
su domesticación
Cristóbal Manuel Herrera Morales 61
5. Direitos reprodutivos das mulheres: uma reflexão sobre a proteção internacional dos
Direitos Humanos
Denise Almeida de Andrade 73
6. Proteção dos povos originais e tribais como reforço da pluralidade no Estado: incentivo na
formação de uma cidadania plural por meio das decisões da Corte Interamericana
de Direitos Humanos
Eduardo Almendra Martins e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima 91
7. O julgamento do caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e os seus principais legados legislativos
para o Estado brasileiro
Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab 107
8. A caracterização do refúgio no Brasil e o princípio do in dubio pro refugio
João Luis Nogueira Matias e Lívia Maria de Sousa 119
9. Los Tratados de Derechos Humanos para el Derecho interno colombiano.
Poder normativo transformador
Magdalena Correa Henao e Daniel Rivas Ramírez 141
10. Novos horizontes para a proteção dos direitos sociolaborais a partir do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa e Victor Machado Viana Gomes 161
11. Bienestar y desigualdad. Re-caracterizar la democracia en un nuevo orden legal democrático
Pablo Perel 179
12. Proteção Internacional de Crianças Migrantes e a Opinião Consultiva nº 21/2014:
perspectivas de Argentina e Brasil
Rafaela Gomes Viana 187
13. Diálogo judicial transnacional: a recepção dos Tratados Internacionais na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal sobre territórios indígenas
Rafaela Teixeira Sena Neves e João Daniel Daibes Resque 205
14. El control de convencionalidad y el valor de la soberanía del Estado a la luz de los
Tratados de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano
Renata Bregaglio Lazarte 223
15. A abordagem dos Direitos Humanos nas Declarações Conjuntas dos BRICS:
um caminho contra-hegemônico?
Saulo de Oliveira Pinto Coelho, Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho e
Ricardo Martins Spindola Diniz 233
16. La internalización de los Tratados de Derechos Humanos en el ordenamiento
jurídico peruano
Susana Mosquera 253
—1—

La internalización de la Convención Americana


sobre Derechos Humanos en Brasil

Sumario: Introducción; 1. A internalización de tratados de derechos humanos en Brasil y su je-


rarquía; 2. La Convención Americana sobre Derechos Humanos y su incidencia en el derecho
brasileño; Conclusión; Referencias.

ANA MARIA D’ÁVILA LOPES1

Introducción

La internacionalización de la protección de los derechos humanos, iniciada con


la creación de la Organización de las Naciones Unidas en 1945, llevó a un nuevo
plano la discusión sobre la relación entre el derecho internacional y el nacional, en la
medida en que el carácter universal del principio de la dignidad humana, fundamento
de los derechos humanos, evidenció las limitaciones de las tradicionales posiciones
monistas y dualistas. A pesar de ello, las discusiones en torno a la existencia de un
o de dos sistemas jurídicos paralelos (el internacional y el nacional) y sobre cuál de
ellos debe prevalecer, en lugar de haber quedado zanjadas, continúan aún hoy dificul-
tando la plena garantía de esos derechos.
Actualmente, la relación entre los ordenamientos jurídicos nacionales y el in-
ternacional continua siendo conflictiva, lo que se ha ido agravando conforme el pro-
tagonismo de las cortes internacionales de derechos humanos ha ido aumentando,
confrontando el principio de soberanía de los Estados con la obligación de garantizar
los derechos humanos conforme los dictámenes internacionales.
En ese contexto, el presente trabajo objetiva, a partir de una investigación bi-
bliográfica y jurisprudencial, analizar el proceso brasileño de internalización de la
Convención Americana sobre Derechos Humanos y su influencia en el derecho na-
cional.
Con esa finalidad, el trabajo es dividido en dos partes. En la primera, se desarro-
lla inicialmente una breve contextualización de la promulgación de la Constitución
1
Doctora en Derecho por la Universidade Federal de Minas Gerais. Profesora Titular del Programa de Posgrado en
Derecho de la Universidade de Fortaleza. Becaria de Productividad en Investigación del CNPq (PQ2).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 9
Federal de 1988 y los cambios introducidos en materia de derechos humanos.
Seguidamente, y aún en la primera parte, son expuestas las controversias y los re-
cientes cambios constitucionales y jurisprudenciales relativos a la jerarquía de los
tratados de derechos humanos, cuyas repercusiones han fortalecido positivamente la
relación del Estado brasileño con el Sistema Interamericano de Derechos Humanos.
Con esa temática, se inicia la segunda parte, donde se busca demostrar que la inter-
nalización de la Convención Americana sobre Derechos Humanos no se restringe
a la ejecución de las sentencias condenatorias emitidas por la Corte Interamericana
sobre Derechos Humanos contra el Estado brasileño, sino que, por medio del control
de convencionalidad, viene, aunque aún de forma tímida, permeando todo el ordena-
miento jurídico nacional.

1. A internalización de tratados de derechos humanos


en Brasil y su jerarquía

La actual Constitución Federal brasileña, promulgada el 5 de octubre de 1988,


representa el punto culminante del proceso de redemocratización del país, después
de años bajo una dictadura civil-militar iniciada en 1964. Es una constitución que se
destaca por el grande número de derechos y garantías fundamentales previstos en su
texto, evidenciando la preocupación del constituyente de proteger principalmente al
ser humano, sobretodo después de todos esos años de dictadura.
Sin embargo, esa novedad en la Constitución brasileña de 1988 no sólo es pro-
ducto del contexto político interno, sino también de las discusiones teóricas empren-
didas por la doctrina constitucional internacional en torno de una nueva manera de
entender lo que vendría a ser una constitución, en el marco del movimiento que hoy
llamamos Neoconstitucionalismo, cuyas principales características son señaladas por
Canotilho:
En primer lugar, el neoconstitucionalismo se adhiere a una concepción de constitución “juridificadora”
de la política (tal como el “moderno derecho constitucional”), insistiendo en esquemas metodológicos de
interpretación y aplicación que optimicen las normas – sobre todo de los principios constitucionales– con
la consecuente presión de juridificación de la política. En segundo lugar, el neoconstitucionalismo pre-
tende mostrar la importancia de los principios fundantes y estructurantes del orden constitucional abierto.
En otras palabras: los principios se perfilan como vehículos de una estatalidad abierta, sea en el sentido
de su importancia para la constitucionalización del orden jurídico, sea en el sentido de instrumentos de
integración de constelaciones políticas posnacionales (Unión Europea). En tercer lugar, el neoconstitu-
cionalismo busca recuperar dimensiones cosmopolitas particularmente importantes en el ámbito de la
garantía de los derechos fundamentales bajo el prisma de su universalización y de su radicación como
núcleo duro de las culturas jurídico-constitucionales democráticas. En cuarto lugar podremos señalar las
insuficiencias de un abordaje positivista, formalista y exegético de los textos constitucionales. Bajo distin-
tas perspectivas, los juristas pretenden tomar en serio el impulso dialógico que hoy es fortalecido por las
teorías políticas de la justicia, por las teorías del republicanismo y por las teorías críticas de la sociedad
(CANOTILHO, 2010).
De ese modo, influenciada por el pensamiento neoconstitucionalista, la
Constitución brasileña de 1988, al igual que muchas de las que fueron aprobadas en
otros países a finales del siglo XX, introdujo una serie de normas que demuestran
un importante cambio conceptual sobre lo que una constitución realmente debe ser.
Así, se abandona la concepción de un documento netamente político de organización
del Estado y de proclamación de derechos sin imperatividad, para pasar a ser un

10 Ana Maria D’Ávila Lopes


documento esencialmente jurídico que, aparte de organizar el Estado, establece me-
tas como la concretización de la justicia y la eficacia de los derechos humanos.
Adotando uma concepção preceptivo-substantiva, a constituição não é só a norma de grau jurídico-hierár-
quico mais elevado, mas constitui a norma axiologicamente suprema. A constituição então não exige só
respeito, não é só vínculo negativo para o legislador, ela impõe o próprio progresso e a própria declinação
positiva. A constituição representa o ponto de conexão entre a esfera jurídica e a esfera moral veicu-
lando uma concepção da justiça que avança pretensões universais. Nesse sentido o direito do estado
constitucional não deve ser só legal, mas também justo: avança pretensões de justiça (POZZOLO, 2006,
p. 235).
La adopción de esa nueva concepción puede ser observada ya en el Preámbulo,
donde se proclama la creación de un Estado democrático destinado a asegurar el
ejercicio de los derechos sociales e individuales, la libertad, la seguridad, el bienes-
tar, el desarrollo, la igualdad y la justicia como “valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometi-
da, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias […]”
(BRASIL, 1988). Sin embargo, es en el Título I (“De los Principios Fundamentales”)
donde claramente se puede apreciar ese cambio conceptual, especialmente a partir de
las siguientes normas:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana;
[…]
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[…]
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes prin-
cípios:
[…]
II – prevalência dos direitos humanos;
[…]
(BRASIL, 1988) (énfasis añadido).
De la lectura de esas normas es posible observar que el cambio más crucial
introducido por la Constitución de 1988 es, sin duda, el lugar de destaque dado a los
derechos humanos.2 Es tal la importancia dada a esos derechos, que el constituyen-
te no se limitó a enumerarlos extensivamente, sino que previó una cláusula abierta
de modo a incluir aquellos que, por ventura, hubiesen sido omitidos. Así, en el art.
5°, § 2°, se establece que los derechos y garantías fundamentales previstos en la
Constitución no excluyen otros derivados de los principios o del régimen por ella
adoptados, o los que se encuentren en los tratados internacionales de los cuales Brasil
haga parte (BRASIL, 1988). Esa norma refleja la intención del constituyente de con-
siderar la existencia de derechos y garantías fundamentales fuera del texto constitu-
cional, o sea, de normas materialmente constitucionales, en razón de su cualidad de
parámetros axiológicos del orden constitucional.
2
Para evitar la dispersión del tema abordado, la diferencia entre derechos humanos y derechos fundamentales no será
desarrollada en el presente trabajo. Resumidamente, se puede afirmar que los derechos humanos corresponden a los
principios de protección de la dignidad humana presentes en los documentos internacionales, mientras que los dere-
chos fundamentales corresponden a las normas de protección de la dignidad humana previstos en los ordenamientos
jurídicos nacionales. No todo derecho humano es un derecho fundamental y viceversa.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 11
[...] advém de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva
dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar
a compreensão do fenômeno constitucional. A esse raciocínio se acrescentam o princípio da máxima
efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza mate-
rialmente constitucional dos direitos fundamentais (PIOVESAN, 1995, p. 160).
Aparte de reconocer la existencia de normas materialmente constitucionales
de derechos y garantías fundamentales, el art. 5°, § 2°, se destaca también por haber
incluido los tratados internacionales como fuentes de esos derechos y garantías, de-
mostrando claramente la importancia dada al derecho internacional de protección de
derechos humanos.
Conforme lo establecido en la Constitución Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
la celebración de tratados, convenciones y actos internacionales en Brasil es de com-
petencia exclusiva el Presidente de la República (art. 84, VIII). En los casos en que
esos documentos internacionales impliquen encargos o compromisos gravosos al
patrimonio nacional (lo que incluye tratados de derechos de derechos), la decisión
definitiva será del Congreso Nacional, por medio de un decreto legislativo (art. 49, I),
que para producir efectos internos, deberá ser publicado en el Diario Oficial a través
de un decreto presidencial.
El establecimiento constitucional de los tratados internacionales como fuentes
de derechos y garantías fundamentales provocó calurosas discusiones acerca de la
jerarquía de esos documentos. Para juristas, como Flávia Piovesan (1995) y Antonio
Augusto Cançado Trindade (1993), esos tratados, en función de la materia tratada, sólo
podían tener jerarquía constitucional, lo que fue rechazado por el Supremo Tribunal
Federal (STF), órgano superior del Poder Judicial brasileño, con funciones también
de tribunal constitucional. El STF, en la Acción Directa de Inconstitucionalidad
ADI-MC no 1.480 juzgada el 4 de setiembre de 1997 (STF, 1997), declaró que los
tratados internacionales tenían, en Brasil, apenas rango de ley, provocando fuertes
críticas de grande parte de la doctrina.
Esa controversia fue relativamente superada con la promulgación de la Enmienda
Constitucional – EC no 45/2004, que incorporó el § 3° al art. 5° de la Constitución,
estableciendo que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitu-
cionais” (BRASIL, 1988). Con esa nueva norma, los tratados de derechos humanos
aprobados siguiendo el mismo procedimiento adoptado para la aprobación de en-
miendas constitucionales, pasaron a tener jerarquía constitucional.
Hasta el presente momento, apenas la Convención sobre los Derechos de las
Personas con Discapacidad (ONU, 2006) ha sido aprobada siguiendo ese procedi-
miento, cuyo trámite de internalización se inició en 2007 y culminó con la publica-
ción del Decreto no 6.949, el 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009), pasando, así, a
integrar el bloque de constitucionalidad.
[…] a adoção do procedimento previsto no art. 5o, § 3°, da CF, os tratados em matéria de direitos huma-
nos passariam a integrar o bloco de constitucionalidade, que representa a reunião de diferentes diplo-
mas normativos de cunho constitucional, que atuam, em seu conjunto, como parâmetro do controle de
constitucionalidade, o que configura um avanço em relação à posição mais restritiva do nosso Supremo
Tribunal Federal na matéria, que, por exemplo, não outorga força normativa superior ao Preâmbulo da
Constituição (SARLET, 2005, p. 17).

12 Ana Maria D’Ávila Lopes


Con la incorporación de ese art. 5°, § 3°, se esperaba que las controversias en
torno a la jerarquía de los tratados quedasen zanjadas, pero no fue así, pues faltaba
aún decidir el rango de los tratados aprobados antes de la promulgación de la EC no
45/2004. Esa discusión sólo fue enfrentada por el STF el 3 de diciembre de 2008, con
el juzgamiento del Recurso Extraordinario RE no 466.343/SP sobre la legalidad de la
prisión del depositario infiel. Así, con base en el art. 7.7. de la Convención Americana
sobre Derechos Humanos, de 1969, donde se establece que “Nadie será detenido por
deudas. Este principio no limita los mandatos de autoridad judicial competente dic-
tados por incumplimientos de deberes alimentarios.” (OEA, 1969), el STF decidió
“paralizar” los efectos de las normas infraconstitucionales brasileñas que regulaban
la prisión del depositario infiel (STF, 2008).
En ese mismo Recurso, el STF, consolidando su jurisprudencia, declaró el sta-
tus supralegal de los tratados de derechos humanos aprobados sin seguir el procedi-
miento fijado en el art. 5°, § 3° (STF, 2008).
Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade
aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados
sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação
aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralega-
lidade.
Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da
Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação
ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da
pessoa humana.
La relevancia de esa decisión es indiscutible, no apenas porque elevó de jerar-
quía todos los tratados de derechos humanos (no aprobados como enmiendas), sino
porque reafirmó, una vez más, la posición de acompañar la tendencia mundial de dar
cumplimiento a los documentos internacionales de derechos humanos:
[...] a tendência contemporânea do constitucionalismo mundial de prestigiar as normas internacionais
destinadas à proteção dos direitos humanos, a evolução do sistema interamericano de proteção dos
direitos humanos, os princípios do direito internacional sobre o cumprimento de obrigações internacionais
não permitem mais a manutenção da tese da legalidade, servindo a supralegalidade como uma solução
que compatibilizaria a jurisprudência do STF com essas mudanças, sem os problemas que seriam de-
correntes da tese da constitucionalidade. Assim, os tratados de direitos humanos passam a paralisar a
eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com eles conflitante (MAUÉS,
2013, p. 32-33).
Como forma de consolidar esa posición, el Estado brasileño, por medio del
Decreto no 7.030, de 14 de diciembre de 2009 (BRASIL, 2009), ratificó la Convención
de Viena sobre el Derecho de los Tratados, de 1969 (ONU, 1969), donde en el art. 27
se establece que: “Una parte no podrá invocar las disposiciones de su derecho interno
como justificación del incumplimiento de un tratado”, salvo para proteger una “nor-
ma de importancia fundamental de su derecho interno” (art. 46).
Ese cambio paradigmático de posición en relación al derecho internacional de
los derechos humanos, ha repercutido significativamente en la relación entre Brasil
y el Sistema Interamericano de Derechos Humanos, intensificando el diálogo entre
ambos y fortaleciendo la protección de esos derechos, conforme expuesto en el si-
guiente tópico.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 13
2. La Convención Americana sobre Derechos Humanos
y su incidencia en el derecho brasileño

El Sistema Interamericano de Derechos Humanos (SIDH) fue creado en 1948


por medio de la Carta de la Organización de los Estados Americanos (OEA). Algunos
de sus principales documentos son la Declaración Americana de Derechos y Deberes
del Hombre, de 1948 (DADH); la Convención Americana sobre Derechos Humanos
o Pacto de San José de Costa Rica, de 1969 (CADH) y el Protocolo Adicional de
la Convención Americana sobre Derechos Económicos, Sociales y Culturales o
Protocolo de San Salvador, de 1988 (PSS).
El SIDH cuenta con dos órganos principales: la Comisión Interamericana
de Derechos Humanos (CIDH) y la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(CorteIDH). La CIDH fue creada en 1959 con la finalidad de garantizar la observan-
cia y el respeto de los derechos humanos previstos en la DADH. Esas las competen-
cias de la CIDH fueron ampliadas en 1969, con la aprobación de la CADH, donde
también se instituyó la CorteIDH. Los dos órganos actúan hoy conjuntamente en la
defensa y promoción de los derechos humanos en el continente americano.
La CIDH tiene su sede en la ciudad de Washington D.C. (Estados Unidos) y
está compuesta por siete miembros, escogidos por la Asamblea General de la OEA.
Esos miembros actúan de forma personal, es decir, a pesar de nacionales de algunos
de los Estados integrantes de la OEA, no los representan. El mandato es de 4 años,
con la posibilidad de renovación por una vez. Entre las competencias de la CIDH
están las de recibir, analizar e investigar, inclusive in locu, peticiones individuales
de violaciones de derechos humanos. Es competencia también de la CIDH, someter
a la jurisdicción de la CorteIDH los casos de violaciones de derechos humanos no
resueltos por ella, emitir informes sobre el cumplimento de los derechos humanos en
la región y recomendar a los Estados miembros la adopción de medidas para mejorar
la protección eses derechos.
La CorteIDH, formada por siete jueces de los Estados-miembros de la OEA,
con mandato de 7 años, renovable una vez, tiene su sede en la ciudad de San José
de Costa Rica. La Corte IDH tiene competencia para juzgar a los Estados, que re-
conozcan su jurisdicción, por la violación de los derechos humanos previstos en la
CADH, emitiendo sentencia judicial fundamentada, definitiva e inapelable. Aparte
de esa competencia contenciosa, la CorteIDH también competencia consultiva, ejer-
cida cuando algún Estado miembro, u órgano enumerado en el Capítulo X de la Carta
de la OEA (OEA, 1948), realiza consulta acerca de la interpretación de la CADH o
de cualquier otro tratado de derechos humanos aplicable en alguno de los Estados-
miembros de la OEA.
LA CADH, o Pacto de San José de Costa Rica, fue aprobada el 22 de noviembre
de 1969 en la ciudad de San José de Costa Rica, entrando en vigor el 18 de julio de
1978. De los 35 Estados miembros de la OEA, apenas 25 la han ratificado. El docu-
mento está dividido en tres partes (“Deberes de los Estados y Derechos Protegidos”;
“Medios de la Protección”; “Disposiciones Generales y Transitorias”), comprendien-
do 82 artículos. En el Preámbulo, se deja claro el carácter subsidiario de la actua-
ción del SIDH, en la medida en que se entiende que los principales responsables de
proteger los derechos humanos son los propios Estados. El catálogo de los derechos

14 Ana Maria D’Ávila Lopes


contemplados es muy semejante al del Pacto de Derechos Civiles y Políticos de la
Organización de las Naciones Unidas (ONU, 1966), habiendo sido dejados de lado
los derechos económicos, sociales y culturales, previstos sólo años más tarde en el
Protocolo de San Salvador, de 1988 (OEA, 1988).
El Estado brasileño internalizó la CADH el 6 de noviembre de 1992, por medio
del Decreto nº 678 y reconoció la competencia contenciosa de la Corte Interamericana
de Derechos Humanos (CorteIDH), para el juzgamiento de hechos posteriores al 10
de diciembre de 1998, mediante el Decreto no 4.463, del 08 de noviembre de 2002.
Desde esa fecha, el Estado brasileño ha sido denunciado frente a la CorteIDH
en nueve oportunidades: Ximenes Lopes vs. Brasil, sentencia del 4 de julio de 2006;
Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil, sentencia del 28 de noviembre de 2006;3
Escher e outros vs. Brasil, sentencia del 6 de julio de 2009; Garibaldi vs. Brasil,
sentencia del 23 de septiembre de 2009; Gomes Lund e outros vs. Brasil, sentencia
del 24 de noviembre de 2010; Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil,
sentencia del 20 de octubre de 2016; Cosme Rosa Genoveva, Evandro de Oliveira
(Favela Nova Brasília) e outros vs. Brasil (denuncia del 19 de mayo de 2015, aún
sin sentencia de fondo); Povo Indígena Xukuru e outros vs. Brasil (denuncia del 16
de marzo de 2016, aún sin sentencia de fondo); Vladimir Herzog e outros vs. Brasil
(denuncia del 22 de abril de 2016, aún sin sentencia de fondo) (CIDH, 2016).
De esas nueve denuncias, una fue archivada por falta de pruebas, cuatro aún
no fueron juzgadas y en cuatro el Estado brasileño fue condenado, siendo que el
cumplimiento de las medidas impuestas en esas cuatro sentencias aún no fueron to-
talmente implementadas (Cf. VIEIRA, 2013), lo que demuestra que, si bien se ha
avanzado mucho, aún falta para afirmar que la relación entre Brasil y la CorteIDH
es fluida y armónica. Ello, sin embargo, no es un problema que sólo afecta a Brasil.
Los últimos años, con el crecimiento del derecho internacional de protección de los
derechos humanos, las relaciones entre los ordenamientos jurídicos nacionales y los
internacionales vienen siendo mucho más intensas y, consecuentemente, fuentes de
desavenencias cuando las posiciones sobre un determinado derecho no coinciden.
Nogueira Alcalá (2013, p. 531), en texto sobre la relación entre la CorteIDH y
la Corte Constitucional chilena, identifica seis modalidades de la actuación interpre-
tativa de un juez frente a las decisiones de la CorteIDH: a) interpretación extensiva,
en la cual el juez nacional va más allá de la interpretación realizada por la CorteIDH;
b) interpretación innovadora, cuando el juez interno utiliza la CADH de una forma
interpretativa nueva en un tipo de caso aún no resuelto por la CorteIDH; c) inter-
pretación correctiva, ocurre cuando el juez nacional modifica su jurisprudencia en
virtud de una decisión de la CorteIDH, con el fin de evitar la condenación del Estado;
d) interpretación receptiva, se da cuando se internaliza la ractio decidendi de una
sentencia de la CorteIDH que condenó otro Estado; e) interpretación neutralizante,
cuando se utilizan técnicas de distinguishing con el objetivo de no aplicar el prece-
dente de la CorteIDH, manteniendo la validad de la norma nacional; f) interpretación
abiertamente discordante, acontece cuando la corte nacional adopta una interpreta-
ción claramente contraria a la dada por la CorteIDH.
3
El Caso Nogueira de Carvalho fue el primer caso en que Brasil fue denunciado frente a la CorteIDH y el único en el
cual no fue condenado. El caso fue archivado por ausencia de pruebas que demostrasen la responsabilidad del Estado
brasileño por la violación de derechos humanos.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 15
Esa diversidad y complejidad de posibilidades demuestra la necesidad de un
diálogo fluido entre la CorteID y las diversas cortes nacionales, especialmente con-
siderando que, según el art. 1 de la CADH, los Estados están obligados a respetar los
derechos en ella previstos.
Artículo 1. Obligación de Respetar los Derechos
1. Los Estados Partes en esta Convención se comprometen a respetar los derechos y libertades recono-
cidos en ella y a garantizar su libre y pleno ejercicio a toda persona que esté sujeta a su jurisdicción, sin
discriminación alguna por motivos de raza, color, sexo, idioma, religión, opiniones políticas o de cualquier
otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición social.
2. Para los efectos de esta Convención, persona es todo ser humano (OEA, 1969).
Para Neves (2009), el manejo de ese tipo de conflicto, originado como conse-
cuencia de la internacionalización de la protección de los derechos humanos, exige
un aprendizaje recíproco.
Os problemas dos direitos fundamentais ou dos direitos humanos ultrapassaram fronteiras, de tal maneira
que o direito constitucional estatal passou a ser uma instituição limitada para enfrentar esses problemas.
[...]
Assim, um mesmo problema de direitos fundamentais pode apresentar-se perante uma ordem estatal,
local, internacional, supranacional e transnacional (no sentido estrito) ou, com frequência, perante mais
de uma dessas ordens, o que implica cooperações e conflitos, exigindo aprendizado recíproco (NEVES,
2009, p. 120-121).
Esa reciprocidad entre los ordenamientos jurídicos nacionales e internacionales
configura lo que la doctrina viene denominando diálogo de fuentes, considerada una
de las manifestaciones del Neoconstitucionalismo:
A interlocução do Direito Constitucional interno e estrangeiro, e destes com o Direito internacional, traduz
um “diálogo de fontes” que, em termos de Direito Constitucional, é referido como “interconstitucionalismo”
(CANOTILHO, 2006, p. 266), “transconstitucionalismo” (NEVES, 2009, p. 242 e s.) ou “cross constitucio-
nalismo” (TAVARES, 2009), e é apontado como uma das características do constitucionalismo contem-
porâneo (neoconstitucionalismo): a “tendência ‘expansiva’” do constitucionalismo, um “constitucionalismo
transnacional” (ARAGON REYES, 2007, p. 38-39), “constitucionalismo supranacional” (PAGLIARINI,
2009, p. 126, com enfoque na experiência da União Europeia) ou – como tenho preferido dizer – um
“constitucionalismo internacional”. Forma-se uma plataforma partilhada, com o “estabelecimento de uma
espécie de ‘gramática’ jurídico-constitucional comum”, a partir da “aproximação cada vez maior entre as
diversas ordens constitucionais nacionais”, como anota, com propriedade, Sarlet (2009, p. 167 e 168).
(ROTHENBURG, 2013, p. 685).
El diálogo de fuentes viene desarrollándose en Brasil de diversas formas. Una
de ellas es el control de convencionalidad, definido como la obligación que los jueces
y otras autoridades de los países miembros del Sistema Interamericano de Derechos
Humanos (SIDH) tienen de dejar de aplicar una norma nacional contraria a la CADH
o a la interpretación que la CorteIDH haga de ella (CONTESSE, 2016). Algunos
autores, como Mazzuoli (2013), amplían ese concepto, de forma a incluir cualquier
tratado internacional ratificado por Brasil. Es una posición con la cual no se con-
cuerda, en la medida en que el control de convencionalidad implica la posibilidad
de sancionar al Estado que incumple un documento internacional o que no respeta
la interpretación que la corte internacional competente para aplicarlo haga de él, lo
que presupone no apenas la existencia de esa corte, sino también que ese Estado haya
reconocido su competencia contenciosa. De ese modo, no seria apropiado hablar de
control de convencionalidad en relación, por ejemplo, a los pactos o convenciones de
la Organización Internacional del Trabajo (OIT), que ni corte posee.

16 Ana Maria D’Ávila Lopes


Esas divergencias doctrinarias sobre el propio concepto de control de conven-
cionalidad son un reflejo de su incipiente creación. Así, a pesar de ser posible en-
contrar sus antecedentes en los años noventa, como en las Opiniones Consultivas
no 13/93 y no 14/94, emitidas por la CorteIDH en relación a la compatibilidad de los
ordenamientos jurídicos internos de algunos países y la CADH, o en la sentencia
del caso Las Palmeras vs. Colombia, pronunciada el 4 de febrero de 2000 (REY
CASTOR, 2011), lo cierto es que fue sólo años más tarde, en la sentencia del caso
Almonacid Arellano y otros vs. Chile, del 26 de septiembre de 2006 (CORTEIDH,
2006), que la CorteIDH usó por primera vez la expresión control de convencionali-
dad4 (SAGÜES, 2011). En ese caso, el Estado chileno fue condenado por no haber
investigado y sancionado a los responsables del asesinato cometido por carabineros
contra Luis Alfredo Almonacid Arellano, el día 16 de septiembre de 1973. La vícti-
ma, de 42 anos, era profesor de enseñanza básica y militante del Partido Comunista
de Chile. El crimen no fue investigado porque los autores fueron beneficiados por el
Decreto Ley no 2.191, del 11 de abril de 1978 (CHILE, 1978), que amnistió todas las
personas envueltas en crímenes de esa naturaleza cometidos entre el 11 de septiem-
bre de 1973 y el 10 de marzo de 1978. En la sentencia, la CorteIDH entendió que, a
pesar de que existía una ley interna que amnistiaba a los autores del crimen, el Estado
chileno tenía antes la obligación de respetar las normas de la CADH:
124. La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por
ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un
Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del
aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las
disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y
fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer
una especie de “control de convencionalidad” entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos
concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder Judicial debe
tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte
Interamericana, intérprete última de la Convención Americana (CORTEIDH, 2006).
El control de convencionalidad no está previsto expresamente en la CADH,
pero se entiende que su fundamento se encuentra en el art. 2:
Artículo 2. Deber de Adoptar Disposiciones de Derecho Interno
Si el ejercicio de los derechos y libertades mencionados en el artículo 1 no estuviere ya garantizado por
disposiciones legislativas o de otro carácter, los Estados Partes se comprometen a adoptar, con arreglo a
sus procedimientos constitucionales y a las disposiciones de esta Convención, las medidas legislativas o
de otro carácter que fueren necesarias para hacer efectivos tales derechos y libertades (OEA, 1969).
Actualmente, el control de convencionalidad viene ganando cada vez más es-
pacio en el Derecho brasileño, aunque hay que reconocer que, hace algunos años,
su aceptación no era pacífica. Caso emblemático que ejemplifica esa situación es
la Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF no 153, juzgada
el 29 de abril de 2010 (STF, 2010), en la cual el STF decidió no anular la Ley de
Amnistía – Ley no 6683/79, contrariando el posicionamiento firme de la CorteIDH
4
Según Valerio Mazzuoli (2013) fue el Consejo Constitucional francés que, en la Decisión nº 74-54 DC de 1975,
creó el control de convencionalidad. En esa Decisión, el Consejo Constitucional se declaró incompetente para ana-
lizar la convencionalidad preventiva de las leyes, o sea, la incompatibilidad de las normas internas en relación a los
tratados internacionales ratificados por Francia, como, por ejemplo, la Convención Europea de Derechos Humanos,
de 1950. Si bien esa fue la primera vez en que una corte nacional se pronunciaba de esa manera en relación a do-
cumentos internacionales, fue ese un caso totalmente aislado, ya que el Consejo francés no volvió a pronunciarse
sobre el asunto sino hasta muchos años más tarde, no debiendo, por lo tanto, ser considerado el origen del control de
convencionalidad, cuya práctica se concretizó y ganó fuerza en el SIDH (MAUÉS, 2013).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 17
en el caso Barrios Altos vs. Perú (CORTEIDH, 2001) y en el propio Almonacid
Arellano y otros vs. Chile (CORTEIDH, 2006).
Superados eses tropiezos iniciales, el control de convencionalidad viene siendo
utilizado no sólo por el STF, sino también por otras instancias del Poder Judicial e
inclusive por otros órganos, como el Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, por
ejemplo, en febrero de 2015, determinó la implementación de las audiencia de cus-
todias (CNJ, 2015), con base en lo dispuesto en el art. 7.7 de la CADH donde se
determina que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os
mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimple-
mento de obrigação alimentar” (CADH, 1969).
Ese cambio de posición en relación al control de convencionalidad permite vis-
lumbrar que, aunque con algunos tropiezos iniciales, la efectiva internalización de la
CADH por parte del Estado brasileño viene venciendo las iniciales resistencias y se
consolidando como una valiosa alternativa de protección de los derechos humanos.

Conclusión

El creciente proceso de internacionalización de la protección de los derechos


humanos de los últimos años ha potencializado los conflictos entre los ordenamien-
tos jurídicos nacionales y el internacional, en función de las discrepancias sobre el
ordenamiento llamado a prevalecer. Son conflictos que deberían haber quedado se-
llados con la aceptación del carácter universal del principio de la dignidad humana
– en cuanto fundamento de los derechos humanos – y, con base en el cual, debería
prevalecer el ordenamiento que mejor protegiese al ser humano. Sin embargo, no es
eso lo que sucede en la práctica actual. La relación entre esos ordenamientos está aún
lejos de ser armónica, demostrando la necesidad de mayores estudios direccionados
a superar esas divergencias.
En el caso brasileño, a pesar de los avances en materia de protección de los de-
rechos humanos iniciado con la promulgación de la Constitucional Federal de 1988,
se verificó que aún existe cierta resistencia en dar la importancia debida a los trata-
dos internacionales, provocando serias incoherencias, como la existencia de tratados
con jerarquía constitucional (los aprobados según lo establecido en el art. 5°, § 3°)
y jerarquía supralegal (los restantes), lo que, por lo menos formalmente, implica la
existencia de derechos humanos con status constitucional y status supralegal.
Esa resistencia puede también ser constatada al observarse que aún no se han
cumplido todas las medidas fijadas en las único cuatro sentencias condenatorias emi-
tidas por la Corte Interamericana de Derechos Humanos contra el Estado brasileño,
siendo la más antigua de 2006 (Ximenes Lopes vs. Brasil).
Esas resistencias vienen siendo recientemente contornadas por medio del control
de convencionalidad que, si bien inicialmente no tuvo un recepción positiva, como
lo demuestra la sentencia emitida por el Supremo Tribunal Federal en la Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental no 153, del 29 de abril de 2010, en la
cual decidió no anular la Ley de Amnistía contrariando el posicionamiento firme de
la Corte Interamericana de Derechos Humanos sobre las leyes de autoamnistía, viene
comenzando a ser utilizado no apenas por el propio Supremo Tribunal Federal, sino

18 Ana Maria D’Ávila Lopes


por otras instancias judiciales y autoridades públicas, lo que permite vislumbrar un
futuro de mayor respeto a la dignidad de todos los seres humanos.

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20 Ana Maria D’Ávila Lopes


—2—

A recepção dos Tratados de Direitos Humanos pelos


Tribunais nacionais: sentenças paradigmáticas
de Colômbia, Argentina e Brasil 1

ANTONIO MOREIRA MAUÉS2


BRENO BAÍA MAGALHÃES3

Sumário: Introdução; 1. Independência judicial e incorporação dos Tratados de Direitos Humanos;


2. Efeito direto e interpretação conforme os Tratados de Direitos Humanos; 3. Colômbia: bloco de
constitucionalidade e Tratados de Direitos Humanos; 4. Argentina: constitucionalidade dos Tratados
de Direitos Humanos; 5. Brasil: supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos; Conclusões;
Referências.

Introdução

A expansão dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos possui,


como uma de suas características principais, a criação de órgãos de caráter jurisdicio-
nal dotados de competência para processar e julgar as alegações de descumprimento
de obrigações internacionais pelos Estados. No continente americano, a Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é a responsável por decidir os casos con-
tenciosos que envolvam possíveis violações da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH, art. 62. 3). No exercício dessa competência, a Corte IDH emitiu,
até maio de 2016, 310 sentenças impondo aos Estados um conjunto muito variado de
reparações.4
A atividade jurisdicional da Corte IDH, além de solucionar demandas especí-
ficas, produz uma ampla jurisprudência sobre direitos humanos, a qual, no enten-
1
Trabalho originalmente publicado em “Direito, Estado e Sociedade”, nº 48, p. 76-112, jan-jun/2016.
2
Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil.
3
Universidade da Amazônia e Faculdades Integradas Brasil Amazônia. Belém, Pará, Brasil.
4
A Corte IDH determina as seguintes medidas de reparação: restituição; reabilitação; satisfação; garantias de não re-
petição; obrigação de investigar, processar e punir; compensação por danos materiais e imateriais. (PASQUALUCCI,
2013, p. 196). Burgorgue-Larsen e Úbeda de Torres (2011, p. 224) caracterizam a jurisprudência da Corte IDH acerca
das reparações como inovadora e progressista, especialmente porque atende à necessidade de medidas condizentes
com as violações estruturais dos direitos humanos ocorridas no continente americano.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 21
dimento da Corte, deve ser utilizada como base para o exercício do “controle de
convencionalidade” do direito interno pelas autoridades estatais e, especialmente,
pelo Poder Judiciário dos Estados-Parte.5 Embora haja várias críticas a esse entendi-
mento da Corte,6 a exigência de que os juízes nacionais exerçam o controle de con-
vencionalidade implica reconhecer que eles cumprem um papel relevante na garantia
da eficácia da CADH.
Com efeito, uma demanda somente pode ser apresentada à Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos (CIDH), possibilitando seu conhecimento pela Corte
IDH, após o esgotamento dos recursos jurisdicionais internos (CADH, art. 46.1.a), o
que coloca os tribunais nacionais em uma posição primária de proteção dos direitos
reconhecidos pela CADH.7 De modo geral, mesmo quando existem tribunais interna-
cionais responsáveis pela aplicação de um tratado, os remédios oferecidos pela juris-
dição interna são fundamentais para concretizar os direitos nele previstos.8
Outra importante área em que os tribunais nacionais atuam para garantir o
cumprimento de obrigações internacionais diz respeito ao uso de sua jurisdição para
adaptar o direito interno aos tratados, prevenindo a responsabilização do Estado por
seu descumprimento. Essa atividade realça a importância do conhecimento da juris-
prudência sobre direitos humanos pelos juízes nacionais, a fim de que eles possam
desenvolver os parâmetros de proteção dos direitos em consonância com os tribunais
internacionais,9 o que amplia a comunicação entre os vários sistemas judiciais.10
5
O conceito de controle de convencionalidade foi desenvolvido pela Corte IDH a partir do caso Almonacid Arellano
y otros Vs. Chile (2006, nº 154), ocasião em que a Corte afirmou que os juízes, enquanto órgãos do Estado, estão
submetidos à CADH e, portanto, devem zelar para que o cumprimento de suas disposições não seja obstaculizado
pela aplicação de leis contrárias aos seus objetivos. Além disso, ao realizar o juízo de compatibilidade entre as leis
nacionais e a CADH, o Poder Judiciário deve levar em consideração a jurisprudência da Corte IDH, intérprete fi-
nal da CADH. Pouco tempo depois de seu pronunciamento inicial sobre o tema, a Corte definiu que o controle de
convencionalidade deve ser realizado ex officio por todos os órgãos do Poder Judiciário, desde que dentro de suas
competências e normas processuais respectivas (Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros)
Vs. Perú, 2006, nº 158, § 128). Anos mais tarde, acrescentou que todos os órgãos estatais devem realizar esse con-
trole, e não apenas o Poder Judiciário, à medida que seu exercício requer a adequação das interpretações judiciais,
administrativas e das garantias judiciais aos princípios estabelecidos na jurisprudência da Corte IDH (Caso Gelman
Vs. Uruguay, 2011, nº 211, § 193).
6
Alguns autores questionam a ausência de previsão do controle de convencionalidade na CADH (KASTILLA, 2011,
p. 596), enquanto outros criticam que ele coloca a Corte IDH em uma posição hierarquicamente superior em relação
aos tribunais nacionais (CONTESSE, 2012; BREGAGLIO, 2014). Para uma réplica a essas críticas, ver DULITZKY
(2015).
7
Para Nollkaemper (2012, p. 25-26), os tribunais nacionais exercem um papel central na ordem jurídica internacional
mesmo na ausência de tribunais internacionais, uma vez que eles julgam demandas baseadas em normas internacio-
nais. A subsidiariedade dos sistemas regionais de proteção de direitos humanos realça a importância das soluções
nacionais a essas demandas, que podem ser viabilizadas pelas cortes internas, pois oportuniza ao país que resolva a
possível violação de direitos humanos por seus próprios meios. Sobre subsidiariedade, cf. Carrozza (2003) e o caso
Tarazona Arrieta y Otros Vs. Perú. Serie C No. 286, § 137 (2014).
8
Sloss (2009, p. 01-48) distingue, no âmbito do direito internacional, três tipos de disposições normativas presentes
nos tratados internacionais: “horizontais”, que regulamentam as relações entre Estados, portanto não submetidas
aos tribunais nacionais, e disposições “verticais” e “transnacionais”, cuja eficácia depende da atuação dos tribunais
nacionais, porquanto regulamentam relações jurídicas que envolvem particulares, como, por exemplo, os tratados in-
ternacionais de direitos humanos. Em pesquisa realizada em 11 países, o trabalho do autor concluiu que, em 8 deles,
os tribunais nacionais oferecem remédios (em sentido amplo) aos particulares que têm violados seus direitos presen-
tes em disposições verticais e transnacionais oriundos de tratados. No mesmo sentido, Alstine (2009, p. 555-557)
observa que o estabelecimento de sistemas normativos internacionais autônomos (como os de direitos humanos e de
integração econômica) cria fricções com o direito nacional e, enquanto os tribunais internacionais não dispuserem
de poderes executivos para concretizar suas decisões, o cumprimento efetivo dos tratados permanecerá uma questão
de direito interno.
9
KELLER; STONE SWEET, 2008, p. 687-688.

Antonio Moreira Maués


22 Breno Baía Magalhães
10

O conjunto de elementos citados demonstra que a eficácia dos tratados de di-


reitos humanos como a CADH encontra-se estreitamente associada às funções de-
sempenhadas pelo Poder Judiciário nacional. Embora a internalização de um tratado
internacional, nos países analisados, corresponda a competências exclusivas dos Po-
deres Executivo (assinatura e ratificação) e Legislativo (aprovação), sua plena in-
corporação à ordem jurídica interna depende do modo como ele será interpretado e
aplicado pelos tribunais.
Disso decorre a importância de estudar como os tribunais de máxima hierar-
quia em um dado ordenamento recepcionam os tratados de direitos humanos, tendo
em vista que eles se encontram em posição privilegiada para influenciar o conjunto
do Poder Judiciário. Neste trabalho, pretendemos analisar decisões paradigmáticas
tomadas pela Corte Constitucional da Colômbia, pela Corte Suprema de Justiça da
Nação (Argentina) e pelo Supremo Tribunal Federal que, no entender dos próprios
tribunais, representaram uma nova maneira de compreender as relações entre direito
interno e direito internacional, particularmente no campo dos direitos humanos. Essa
análise partirá dos elementos que condicionam o exercício da jurisdição sobre trata-
dos de direitos humanos pelos tribunais nacionais (independência judicial e incorpo-
ração dos tratados) e incidirá sobre os instrumentos hermenêuticos utilizados para
promover sua recepção (efeito direto e interpretação conforme), buscando, especial-
mente, compreender de que maneira os tratados internacionais são compatibilizados
com o princípio da supremacia constitucional.
Os três países escolhidos são os mais importantes em termos econômicos e po-
pulacionais na América do Sul, o que permite inferir que sua experiência é bastante
relevante no âmbito do sistema interamericano.

1. Independência judicial e incorporação dos


Tratados de Direitos Humanos

A independência do Poder Judiciário é uma condição indispensável para que ele


exerça as funções de fiscalização sobre os poderes executivo e legislativo que lhe são
atribuídas no Estado de Direito. Muitos países, porém, reservam ao Poder Executivo
a condução da política externa e até mesmo lhe atribuem competência para interpretar
os tratados internacionais. Além disso, normas de direito interno podem impedir os
tribunais de aplicar um tratado internacional já incorporado, por exemplo, garantindo
imunidade a determinados atos do Estado; vinculando os tribunais à interpretação do
tratado feita por outros poderes ou inabilitando os indivíduos a invocarem, judicial-
mente, regras de direito internacional.11 No entanto, a independência judicial deve
ser garantida nos casos em que o próprio Estado é parte, como ocorre nas violações
10
O desenvolvimento da “comunicação transjudicial”, acentuado após o final da Guerra Fria, está associado ao forta-
lecimento da jurisdição internacional dos direitos humanos, juntamente com o processo de globalização e a expansão
de regimes democráticos. Essa comunicação pode se desenvolver de diferentes formas, de acordo com o grau de
engajamento recíproco dos tribunais envolvidos, podendo variar desde o diálogo direto, em que ocorre uma troca na
qual as posições de um tribunal são respondidas por outro; monólogo, em que as ideias ou conclusões de um tribunal
são utilizadas por outros tribunais; e diálogo intermediado, em que um tribunal difunde de maneira consciente as
ideias de um tribunal para outros, fazendo com que eles reajam a elas (SLAUGHTER, 1994). Além disso, o uso da
jurisprudência internacional pode servir para ampliar a independência do poder judiciário perante o governo, o que
representa um incentivo para que os tribunais nacionais se envolvam nesse diálogo.
11
NOLLKAEMPER, 2012, p. 49-53.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 23
de direitos humanos, a fim de que o judiciário possa decidir sobre a aplicação do di-
reito internacional sem estar sujeito a pressões e manobras políticas do Executivo e
do Legislativo.12
Por sua importância, o tema da independência judicial, abordado sob o ponto
de vista do acesso à justiça e da garantia do devido processo legal, ocupou a jurispru-
dência da Corte IDH desde suas primeiras decisões. O referido princípio é protegido
pelo direito internacional dos direitos humanos (PIDCP, art. 14, e CEDH, art. 6.1),
onde encontra seu mais forte apoio, e na CADH, sua mais detalhada e abrangente
prescrição normativa.13
De acordo com o art. 8.1 da CADH, todos têm direito a julgamentos proferidos
por um tribunal competente, independente e imparcial e ao longo de seus julgamen-
tos, a Corte IDH teve a oportunidade de caracterizar, especificamente, o significado
de independência com relação à noção de devido processo legal.14 Em Apitz Barbera
y otros vs Ecuador, a Corte estabeleceu que uma das principais funções da separação
de Poderes seria a de proteger os órgãos judiciais dos demais Poderes estatais,15 a fim
de evitar que o Poder Judiciário e seus integrantes fossem submetidos a pressões e
restrições de sua atuação por instituições alheias à estrutura do próprio poder,16 mes-
mo em períodos de emergência.17
A independência do Poder Judiciário, portanto, é um corolário do devido pro-
cesso legal, porque tem o condão de protegê-lo de ingerências e pressões indevidas
dos demais Poderes estatais na concretização de obrigações oriundas de tratados in-
ternacionais de direitos humanos. As ingerências políticas podem ser de diversas
ordens, incluindo as que atinjam a capacidade do Judiciário de fiscalizar a compati-
bilidade dos atos políticos estatais com as normas da CADH (ex.: denúncia unilateral
do tratado pelo Executivo, protelação do Legislativo em criar leis implementadoras
da obrigação estatal, etc.). Por outro lado, os estados estão obrigados a garantir recur-
sos internos para fazer cessar violações de direitos humanos previstos na convenção
internacional, e a efetividade dos recursos depende, também, da independência do
órgão julgador.18
Por fim, vale lembrar que pode haver uma interdependência entre o desenvolvi-
mento da jurisdição internacional e a independência dos tribunais nacionais. Quando
os tribunais internacionais podem supervisionar decisões dos tribunais nacionais isso
12
Como, por exemplo, nas hipóteses em que o Executivo denuncia, unilateralmente, um tratado internacional que
cria direitos fundamentais capazes de serem aplicados pelo judiciário. Cf. os debates na ADI 1625, na qual se ques-
tiona decreto presidencial que denunciou, unilateralmente, a Convenção 158 da OIT.
13
Art, 8.1 da CADH..
14
BURGORGUE-LARSEN; ÚBEDA DE TORRES, 2011, p. 653.
15
Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) Vs. Venezuela. Excepción Pre-
liminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de agosto de 2008. Serie C No. 182, Párrafo 55 e Caso del
Tribunal Constitucional (Camba Campos y otros) Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia de 28 de agosto de 2013. Serie C No. 268, Párrafo 188.
16
Corte IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia del 24 de febrero de
2012. Serie C No. 239, Párrafo 186
17
Cf. Opinión Consultiva OC-9/87 del 6 de octubre de 1987. Serie A No. 9, §§ 30 e 38-39.
18
Caso Mejía Idrovo Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de julio
de 2011. Serie C No. 228, § 94.
Caso Castañeda Gutman Vs. Estados Unidos Mexicanos. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 6 de agosto de 2008. Serie C No. 184, § 103

Antonio Moreira Maués


24 Breno Baía Magalhães
os incentiva a atuar de maneira independente, a fim de sobreviver ao exame interna-
cional.19
Ao lado da independência judicial, o cumprimento dos tratados internacionais
pelos tribunais nacionais também depende de sua incorporação ao direito interno.
Tornando-se válidas no ordenamento jurídico nacional, as normas internacionais pas-
sam a ser garantidas pelo Poder Judiciário (seja diretamente, seja por intermédio de
uma lei transformadora), diante do qual o Estado pode ser demandado pelo descum-
primento de suas obrigações internacionais.
Tradicionalmente,20 o direito internacional não obriga os Estados a incorpo-
rarem os tratados internacionais, o que faz depender de decisões tomadas em cada
ordenamento jurídico a possibilidade de sua aplicação direta pelo Poder Judiciário.21
No entanto, no campo dos tratados de direitos humanos, as características de suas
normas podem obrigar os Estados a tornarem seu direito interno compatível com elas,
a fim de garantir determinados direitos.22 A CADH, em seu art. 2º, estabelece que os
Estados devem adotar as medidas legislativas ou de outro caráter necessárias para
tornar efetivos os direitos e liberdades nela previstos, ainda que não exija, ao menos
explicitamente, a necessidade de transformar a convenção em direito diretamente
aplicável pelo Judiciário.23
A importância da incorporação dos tratados internacionais não significa, contu-
do, que o modo pelo qual essa incorporação é feita seja determinante para seu cumpri-
mento efetivo. Os estudos comparados demonstram que o caráter monista (aplicação
direta do tratado) ou dualista (transformação do tratado em lei ordinária nacional)24
dos ordenamentos jurídicos não é um fator relevante para explicar a forma de apli-
cação dos tratados de direitos humanos pelos tribunais nacionais.25 Apesar disso, a
19
SLAUGHTER, 1994, p. 65.
20
Exchange of Greek and Turkish Populations Case (1925) P.C.I.J., Ser. B, No. 10, p 19-21
21
Seguindo a prática do direito internacional, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), por exemplo, não
exige que os Estados que ratificaram a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) incorporem-na ao direito
interno (As regards the specific matters pleaded, the Court has held on several occasions that there is no obligation
to incorporate the Convention into domestic law. 13585/88, [1991] 14 EHRR 153, [1991] ECHR 49, [1991] ECHR
1385 Observer and Guardian v. UK, § 76), desde que cumpram as obrigações presentes em seu art. 1º (As Altas Partes
Contratantes reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título
I da presente Convenção). Ver HARRIS et al., 2009, p. 23. Apesar disso, quase todos os países signatários da CEDH
promoveram sua incorporação (KELLER; STONE SWEET, 2008).
22
NOLLKAEMPER, 2012, p. 72 e 83.
23
Em razão do teste da convencionalidade da produção normativa interna, Dulitzky (2015) e Toda Castan (2013),
defendem que, implicitamente, existe essa obrigatoriedade na CADH.
24
Neste trabalho, nos referimos ao debate entre monistas e dualistas levando em conta o aspecto descritivo da dicoto-
mia, ou seja, sobre as escolhas políticas que uma Constituição pode tomar acerca dos procedimentos de incorporação
dos tratados internacionais no plano interno. Portanto, monismo, como a escolha de aplicação direta dos tratados e
dualismo, como a escolha de transformar o tratado ratificado em lei interna para aplicabilidade interna. Não discuti-
remos, por essa razão, a dicotomia no âmbito teórico, ocupada em analisar a existência, ou não, de um ordenamento
jurídico único na relação entre direito internacional e direito interno. Cf. MAGALHÃES, 2015.
25
Para Sloss, em países que adotam um “monismo híbrido” (apenas alguns tratados possuem aplicação direta na
ordem interna, a depender da interpretação dos tribunais acerca da sua auto-executoriedade) não se verifica um papel
mais ativo dos tribunais na concretização dos tratados, como no caso dos EUA, sendo possível que cortes de países
“dualistas” sejam mais ativas, mesmo aplicando o tratado indiretamente, como demonstrado pelo exemplo austra-
liano. Há mais resistência das cortes, em ambos os casos, em aplicar diretamente disposições normativas verticais
(SLOSS, 2009, p. 08-24). Na Índia e na África do Sul (dualistas) os tribunais fazem extenso uso do Direito Interna-
cional dos Direitos Humanos como ferramenta para interpretar normas de direitos individuais de suas constituições.
Nollkaemper (2012, p. 74-77) aponta muitas variações nos países que admitem a “incorporação automática” dos

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 25
incorporação do tratado sem demora, sem modificações e garantindo sua aplicação
direta, como costuma ocorrer em países de tradição monista, contribui para que seu
cumprimento seja mais efetivo.
Nos três países analisados, há necessidade de atos internos para dar vigência aos
tratados, porém, nenhum deles adota “leis transformadoras” e se enquadra como um
país dualista clássico.
O ciclo de incorporação dos tratados internacionais no Brasil se inicia após a
assinatura de competência do Poder Executivo (art. 84, VIII, da CF/88), passa pela
ratificação congressual (49, I, da CF/88) e se encerra com a expedição, pelo Presiden-
te da República, de Decreto Executivo, para fins de aplicação (promulgação, publica-
ção e executoriedade) do tratado. Não por acaso, a ratificação dos mais importantes
tratados internacionais de direitos humanos ocorreu após a redemocratização do país,
simbolizada pela promulgação da Constituição de 1988.26
De acordo com o art. 189.2 da Constituição colombiana, compete ao Presi-
dente da República celebrar tratados e, ao Congresso, aprová-los ou não (art. 150,
14). A manifestação congressual é realizada por meio de lei aprobatória.27 Uma das
principais novidades da Constituição de 1991 foi a criação de um controle prévio de
constitucionalidade dos tratados internacionais (art. 241, 10), que visa a alcançar uma
posição intermediária entre os extremos opostos da supremacia do direito internacio-
nal e do constitucional.28
A Constituição argentina não detalha a forma de incorporação dos tratados in-
ternacionais, destinando seu procedimento aos arts. 31 e 27. No entanto, em função

tratados internacionais. Assim, tratados que não sejam “self-executing” podem não ser considerados parte do direito
interno e as decisões das organizações e dos tribunais internacionais nem sempre serão consideradas vinculantes,
mesmo que os tratados em que elas se baseiam estejam incorporados.
26
Tratados da ONU: 1) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (Decreto Presi-
dencial nº 65.810/69); 2) Pacto Internacional de Direitos civis e políticos (Decreto Presidencial nº 592/92); 3) Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto Presidencial nº 591/92); 4) Convenção sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (Decreto Presidencial nº 4.377/02); 5) Convenção
contra a tortura e outros tratamentos cruéis (Decreto Presidencial nº 40/91); 6) Convenção dos direitos da Criança
(Decreto Presidencial nº 99.710/90); 7) Convenção sobre direitos das pessoas com deficiência (Decreto 6.949/09
– de status constitucional); Tratados da OEA: 1) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Decreto
Presidencial nº 98.386/89); 2) Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto Presidencial nº 3.321/99); 3) Protocolo à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos referente à Abolição da Pena de Morte (Decreto Presidencial nº 2.754/98); 4) Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Decreto Presidencial nº 1.973/96); 5)
Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência (Decreto Presidencial nº 3.956/01).
27
ARTEAGA, 2007, p. 27.
28
MONROY CABRA, 2002, p. 128. Principais tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico
colombiano: Tratados da ONU: 1) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (Ley
22/81); 2) Pacto Internacional de Direitos civis e políticos (Ley 74/68); 3) Pacto Internacional de Direitos Econômi-
cos, Sociais e Culturais (Ley 74/68); 4) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra
a mulher (Ley 51/81); 5) Convenção contra a tortura e outros tratamentos cruéis (Ley 70/86); 6) Convenção dos
direitos da Criança (Ley 12/91); 7) Convenção sobre direitos das pessoas com deficiência (Ley 1346 de 2009);8)
Convecção Internacional para a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Famílias (Ley 146 de 1994); 9)
Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas Contra Desaparecimentos Forçados (Ley 1418 de 2010). Tratados
da OEA:1) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Ley 409/98); 2) Protocolo Adicional à Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Ley 319/96); 3)
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Ley 248/95); 4) Convenção
Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência
(Ley 762/02) e 5) Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (Ley 707/01).

Antonio Moreira Maués


26 Breno Baía Magalhães
da influência da constituição norte-americana, considera-se que o tratado vige como
direito interno,29 com aplicabilidade direta.30 Dessa forma, os tratados são assinados
pelo Executivo, posteriormente são enviados para aprovação do legislativo, que edita
uma lei e, por fim, o Presidente ratifica o tratado.31
Em contextos caracterizados pelo fim de regimes autoritários e o impacto de
novas Constituições, o amplo rol de tratados de direitos humanos incorporados nos
três países contribui para reforçar a independência judicial, uma vez que esses instru-
mentos devem ser aplicados pelo judiciário em casos nos quais o Estado é parte, pos-
sibilitando a fiscalização dos poderes políticos. Além disso, tratados como a CADH
reconhecem o direito a garantias judiciais e à proteção judicial, os quais demandam o
exercício independente da jurisdição.

2. Efeito direto e interpretação conforme os


Tratados de Direitos Humanos

A incorporação dos tratados de direitos humanos em um ordenamento jurídico


que assegura a independência judicial oferece o ponto de partida para sua aplicação
pelos tribunais nacionais. Porém, o uso desses tratados requer que os juízes desen-
volvam técnicas para torná-los efetivos e proteger adequadamente os direitos nele
reconhecidos, o que confere relevância à análise dos princípios e práticas interpreta-
tivas dos tribunais nacionais, para além dos procedimentos de incorporação previstos
constitucionalmente.32
Dentre as técnicas de que dispõem os tribunais nacionais para aplicar o direito
internacional, destacam-se a atribuição de efeito direto às suas disposições normati-
vas e a interpretação do direito interno conforme os tratados internacionais.
A incorporação de um tratado internacional não significa que as obrigações
por ele impostas possam ser garantidas pelos tribunais nacionais, uma vez que é
necessário que elas gerem efeitos no ordenamento jurídico interno. O efeito direto
(direct effect) de um tratado significa que sua aplicação independe da interveniência
subsequente do legislador, isto é, suas normas são autoexecutáveis (self-executing).33
Como consequência, o direito interno autoriza os tribunais internos a aplicar as nor-
mas do tratado internacional, diretamente, como uma regra decisória em um caso
concreto trazido pelas partes como causa de pedir.
29
CONSTENLA, 2003, p. 113.
30
PAGLIARI, 2011, p. 19.
31
CARLOS COLAUTTI, 1998, p. 183-185. Principais tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento
jurídico argentino: 1) Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; 2) Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos; 3) Convenção Americana sobre Direitos Humanos ; 4) Pacto Internacional sobre os Direitos Eco-
nómicos, Sociais e Culturais; 5) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo; 6)
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio; 7) Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial; 8) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-
ção contra a Mulher; 9) Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e 10)
Convenção sobre os Direitos da Criança.
32
NOLLKAEMPER, 2012, p. 15 e KELLER; STONE SWEET, 2008.
33
Nollkaemper (2012, p. 120) observa que o efeito direto não deve ser confundido com supremacia do direito inter-
nacional sobre o direito interno, embora situações em que se afirme a supremacia do direito interno possam limitar
as consequências práticas do efeito direto.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 27
Em contraposição, o efeito indireto significa que a aplicação de um tratado in-
ternacional é obtida por meio do direito interno, isto é, os tribunais garantem o cum-
primento das obrigações internacionais do Estado utilizando normas de seu próprio
ordenamento que abrangem ou incorporam de maneira substancial essas obrigações.
Tal ocorre, por exemplo, quando os juízes aplicam direitos previstos em suas Cons-
tituições que correspondem aos direitos previstos nos tratados, ou quando o tratado
é “transformado” em lei nacional, o que pode ocorrer mesmo em países de tradição
monista, com o objetivo de tornar as obrigações internacionais mais coerentes com o
direito interno, completá-las ou garantir sua certeza.34
Como se nota, conferir efeito direto às disposições do tratado possui a vanta-
gem de atribuir competência ao Poder Judiciário para aplicá-los mesmo quando os
Poderes Legislativo e executivo permanecem inertes em relação a sua garantia, re-
forçando internamente o cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado. Além
disso, à medida que os tribunais nacionais exercem essa competência, eles passam a
interpretar os tratados internacionais, o que contribui para aproximá-los dos critérios
hermenêuticos oferecidos pelo direito internacional.
Não se trata de casualidade, portanto, que os tratados de direitos humanos em
geral exijam sua proteção pelos tribunais nacionais, nem que, em várias Constitui-
ções, as normas de direitos humanos sejam consideradas diretamente aplicáveis.35 O
próprio reconhecimento pelo Estado do monitoramento internacional do cumprimen-
to de suas obrigações internacionais contribui para que elas venham a ser garantidas
pelo Poder Judiciário. O controle de convencionalidade evidencia o ponto, na medida
em que a Corte IDH obriga juízes e órgãos vinculados à administração da justiça a
exercerem, ex officio, a compatibilidade das normas nacionais com a CADH.
Paralelamente à atribuição de efeito direto aos tratados internacionais, sua apli-
cação pelos tribunais nacionais também se desenvolveu a partir da técnica da “inter-
pretação conforme”, por meio da qual se busca interpretar o direito interno de maneira
compatível com as obrigações internacionais, garantindo seu cumprimento pelo Es-
tado. Assim, a interpretação conforme requer que os juízes evitem aplicar o direito
interno de maneira que ele venha a colidir com o direito internacional, mas não limita
a aplicação das normas nacionais caso elas estabeleçam patamares de proteção dos
direitos humanos superiores àqueles presentes nos tratados internacionais.36
O peso da interpretação conforme nem sempre é identificado facilmente. Muitas
vezes, a referência dos tribunais nacionais ao direito internacional serve apenas para
enfatizar a importância ou o caráter fundamental de uma norma interna, para ratificar
a correção de um argumento fundado na análise do direito interno ou para manifestar
a disposição do tribunal em participar de um diálogo com tribunais internacionais ou
estrangeiros. Em outros casos, porém, a decisão judicial não pode ser explicada sem
o papel exercido pelas normas internacionais no processo de fundamentação.
34
NOLLKAEMPER, 2012, p. 117-118.
35
Em geral, o direito internacional admite que os Estados decidam se atribuem ou não aos tribunais nacionais com-
petência para reconhecer o efeito direto a uma obrigação internacional (NOLLKAEMPER, 2012, p. 124-126), caso
tal efeito não esteja previsto constitucionalmente.
36
NOLLKAEMPER, 2012, p. 139. No mesmo sentido, defendendo a interpretação conforme como compatibilidade
ou ausência de contradição e não como plena identidade ou conformidade stricto sensu, ver Saiz Arnaiz, 2013.

Antonio Moreira Maués


28 Breno Baía Magalhães
Como não é fácil distinguir essas várias categorias, Nollkaemper37 propõe que
a interpretação conforme ocorre quando o tribunal utiliza uma norma de direito in-
ternacional na aplicação do direito interno e sua decisão é consistente tanto com o
direito interno quanto com o direito internacional, independentemente do peso exato
que aquela norma possui na fundamentação da decisão.
A partir dessa definição, o autor identifica três situações em que a interpretação
conforme pode ser aplicada: a) quando uma disposição de direito interno é ambígua,
a fim de definir seu conteúdo; b) quando o direito interno prevê que o sentido de uma
disposição no direito internacional deve prevalecer diante do seu sentido no direito
interno; e c) no controle da discricionariedade executiva.38
A prática da interpretação conforme está prevista expressamente no ordena-
mento de poucos países.39 Assim, outros fundamentos são utilizados pelos tribunais
nacionais para seu exercício: a) embora não haja uma obrigação internacional,40 a
interpretação conforme, combinada com o princípio da interpretação efetiva dos tra-
tados,41 se fundamenta em um princípio geral de interpretação pelo qual os tribunais
nacionais devem interpretar o direito interno em conformidade com as obrigações in-
ternacionais do Estado; b) a interpretação conforme pode se basear no reconhecimen-
to do status hierarquicamente superior do direito internacional e no dever do Estado
em cumprir com suas obrigações internacionais. Assim, em caso de conflito entre
parâmetros internacionais e nacionais, os últimos devem se tornar coerentes com os
primeiros, e não o contrário; e c) uma base mais limitada ao princípio é interpretar o
direito de acordo com a intenção do legislador, presumindo que este não pretendeu
violar as obrigações internacionais do Estado ao referendar um tratado.42
Um ordenamento constitucional que garante a independência judicial, que pre-
vê a aplicabilidade direta de um tratado internacional de direitos humanos e autoriza
a interpretação conforme de sua produção normativa com as normas internacionais
combina os elementos que favorecem a recepção do direito internacional, além de
37
NOELKAEMPER, 2012, p. 142.
38
A ratificação de um tratado internacional condiciona a atuação do Poder Executivo, que deve cumprir com as ex-
pectativas legítimas do comprometimento nacional com obrigações internacionais.
39
Por exemplo, Constituição da Espanha, art. 10.2; Constituição da África do Sul, art. 233; Constituição da Colôm-
bia, art. 93.
40
No caso do sistema interamericano, no entanto, podemos argumentar que existe a obrigação de interpretação con-
forme, pois, no exercício do controle de convencionalidade, as cortes internas deverão fiscalizar a compatibilidade
do direito interno com a CADH, de acordo com a jurisprudência da Corte IDH. Ver. Caso Almonacid Arellano y
otros Vs. Chile. nº 154, § 124.
41
A Corte IDH postula que o princípio do efeito útil (effet utile) significa que o Estado tem a obrigação de adoptar e
consagrar em sua ordem jurídica interna as medidas necessárias para que as disposições da CADH sejam efetivamen-
te respeitadas e implementadas. Caso de personas dominicanas y haitianas expulsadas Vs. República Dominicana.
Serie C No. 282, § 271 (2014).
42
Existem dois riscos que podem decorrer da última categorização de interpretação conforme. Primeiramente, o
foco na natureza persuasiva da norma internacional realça sua substância, e não sua origem, abrindo margem para a
utilização de normas internacionais não incorporadas e, portanto, não vinculantes sobre o Estado (tratados em fase
de incorporação, instrumentos de soft law e decisões de tribunais internacionais de direitos humanos de sistemas de
proteção de região diversa). Em segundo lugar, conferir uma maior latitude à interpretação conforme aos tribunais
nacionais pode ter por consequência a seleção arbitrária das normas internacionais a serem compatibilizadas ou
a interpretação do direito internacional de acordo, tão somente, com o direito nacional. Em função de tais riscos,
alguns recursos interpretativos podem ser sugeridos: a) técnica a ser utilizada, somente, nos casos de ambiguidade
constitucional; b) regras do direito interno poderiam limitar a interpretação conforme e c) a separação de poderes
constitui um limite, quando o parlamento não incorporou as disposições no direito interno (NOELKAEMPER, 2012,
p. 147-164).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 29
permitir que as cortes internas ajam de forma mais enérgica para evitar, reparar e so-
lucionar violações de direitos humanos decorrentes da ação ou omissão dos demais
Poderes.43
Assim, podemos observar que o impacto dos tratados internacionais sobre o
direito interno não decorre unicamente de sua posição hierárquica, nem dos procedi-
mentos adotados para sua incorporação, pois outros fatores sugerem uma confluência
nos procedimentos interpretativos das cortes, tanto em países de tradição monista
quanto em países de tradição dualista.44
Com base nessa premissa, analisaremos experiências latino-americanas sobre a
forma de recepção e o impacto da CADH na Colômbia, Argentina e Brasil, a fim de
identificarmos como essas técnicas são utilizadas.

3. Colômbia: bloco de constitucionalidade e


Tratados de Direitos Humanos

Após uma década de grande violência, resultante das ações do Cartel de Me-
dellín e dos enfrentamentos entre o Estado e movimentos guerrilheiros, e do fracas-
so da reforma constitucional proposta pelo Governo Virgilio Barco (1986-1990), a
convocação de uma Assembleia Constituinte na Colômbia passou a ser defendida
por diferentes setores políticos do país. Juntamente com as eleições presidenciais de
maio de 1990, realizou-se uma consulta em que 88% dos votantes se manifestaram
a favor da Constituinte, cujos 70 membros foram eleitos em dezembro de 1990, com
baixa participação eleitoral.45
Marcada por uma composição plural, a Constituinte trabalhou rapidamente e
buscou orientar-se pelo consenso (94% dos artigos aprovados receberam mais de
80% dos votos), promulgando a Constituição em 4 de julho de 1991. Dentre as várias
inovações, destacam-se o reconhecimento de novos direitos e garantias, a criação
da Corte Constitucional e da Defensoria do Povo, a eliminação do estado de sítio,
a maior transparência dos processos eleitorais e a atribuição de mais autonomia aos
43
No entanto, estudos comparados demonstram que mesmo tratados que não possuem aprovação legislativa formal
em países dualistas tradicionais exercem alguma força jurídica no ordenamento interno, especialmente por meio de
princípios interpretativos. Apesar das diferenças formais entre países monistas e dualistas, a prática interpretativa dos
tribunais de ambas as tradições é semelhante (Sloss, 2009; Alstine, 2009). Mesmo em países dualistas, os tribunais
reconhecem a origem internacional das normas devidamente incorporadas oriundas dos tratados. Alguns princípios
interpretativos comuns são utilizados tanto por monistas quanto dualistas para soluções de impasses normativos: a)
uso das regras da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT) (especialmente as regras que determinam
a interpretação do tratado de acordo com seu objetivo e propósito); b) os países costumam consultar as práticas in-
terpretativas de outros estados-partes do tratado, ainda que a força persuasiva da consulta e sua frequência oscilem
bastante; c) embora os países monistas e dualistas atribuam, exclusivamente, ao Executivo a competência para assu-
mir compromissos internacionais, suas cortes resistem em deferir às interpretações do executivo acerca desses com-
promissos (Alstine, 2009, p. 588-593); e d) cortes de ambas as tradições estipulam algum princípio de interpretação
conforme ao direito internacional. No entanto, podemos destacar algumas particularidades: no monismo, o desafio
das cortes é aplicar os tratados sem que comprometam as relações internacionais do Estado; no dualismo, a busca por
direitos individuais inicia-se na lei transformadora e não no tratado, porém, os tribunais buscam auxílios interpreta-
tivos no fundamento internacional da lei implementadora, especialmente se for ambígua. Apesar disso, tratados não
incorporados exercem grande influência (presunção de conformidade), até mesmo para limitar a discricionariedade
de órgãos administrativos.
44
Para um argumento semelhante, cf. MAUÉS 2013, p. 226.
45
HENAOHIDRÓN, 2013, p. 115-119; LEMAITRERIPOLL, 2016, p. 5-17. O Decreto nº 1926/90, que convocou a
Assembleia, foi validado por decisão da Corte Suprema de Justiça.

Antonio Moreira Maués


30 Breno Baía Magalhães
departamentos e municípios. Paralelamente, também se adotaram medidas favoráveis
à liberalização da economia, como a criação de um banco central independente do
governo.
Embora a Constituição de 1991 tenha introduzido mudanças no Poder Judiciá-
rio, sua principal inovação no âmbito jurisdicional foi a criação da Corte Constitu-
cional. A forma de composição dessa Corte, por sua vez, reforça a independência do
Poder Judiciário, uma vez que seus membros são eleitos pelo Senado a partir de listas
tríplices elaboradas pela Corte Suprema de Justiça, pelo Conselho de Estado e pelo
Presidente da República. Cabe ressaltar que o controle de constitucionalidade tam-
bém pode ser exercido por todos os juízes.
Ao contrário de sua antecessora (1886), a Constituição Colombiana de 1991
contém várias referências ao direito internacional e aos direitos humanos, o que con-
tribuiu para que a Corte Constitucional colombiana cumprisse um papel decisivo na
incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, interpretando as dispo-
sições constitucionais para estabelecer três formas de integração das normas de direi-
to internacional ao ordenamento jurídico colombiano e seus correspondentes níveis
hierárquicos: constitucional, supralegal e legal.
O marco normativo capaz de explicar as diferentes posições hierárquicas dos
tratados internacionais na Colômbia pode ser extraído de, pelo menos, cinco artigos:
9º (as relações exteriores serão regidas de acordo com a soberania e com os princípios
de direito internacional reconhecidos pelo país), 93 (os tratados internacionais de di-
reitos humanos prevalecem no direito interno e os direitos constitucionais serão inter-
pretados conforme os tratados ratificados), 94 (os direitos previstos na constituição e
nos tratados ratificados não excluem outros direitos que, decorrentes da dignidade da
pessoa humana, não figuram neles expressamente), 214.2 (os direitos humanos não
serão suspensos, e, em todo caso, serão respeitadas as regras do direito humanitário)
e 53 (convênios sobre trabalho fazem parte da legislação interna).46
A partir dessas disposições, a Corte Constitucional elaborou o conceito de blo-
co de constitucionalidade como um conceito chave para a incorporação dos tratados
de direitos humanos. Desde suas primeiras sentenças e em clara diferenciação com a
jurisprudência anterior,47 a Corte Constitucional mostrou-se disposta a utilizar trata-
dos de direitos humanos para fundamentar suas decisões, mesmo quando as normas
desses tratados não encontravam correspondentes no texto constitucional. Por exem-
plo, ao analisar a obediência devida dos militares (art. 91), a Corte Constitucional
utilizou as Convenções de Genebra para estabelecer seus limites (T-409/92), e utili-
zou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais para reconhe-
cer o mínimo vital, ampliando o disposto no art. 13.3 da Constituição colombiana48
(T-426/92).
A utilização desses tratados internacionais impulsiona a redefinição, por parte
da Corte Constitucional, da relação entre os tratados de direitos humanos e a Consti-
tuição, inclusive no que se refere a sua relação hierárquica. Na sentença C-225/95, a
46
ARANGO OLAYA, 2004, p. 80.
47
UPRIMNY, 2001, p. 13; PRADA, 2013.
48
El Estado protegerá especialmente a aquellas personas que por su condición económica, física o mental, se encuen-
tren en circunstancia de debilidad manifiesta y sancionará los abusos o maltratos que contra ellas se cometan.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 31
expressão “bloco de constitucionalidade” aparece na jurisprudência da Corte e passa
a orientar essa redefinição.
A sentença C-225/95 resultou de exercício do controle prévio de constituciona-
lidade dos tratados internacionais (art. 241.10), em que a Corte Constitucional apre-
ciou a constitucionalidade do Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12
de agosto de 1949, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados sem caráter
internacional (Protocolo II), firmado em Genebra em 8 de junho de 1977 e aprovado
pela Lei nº 171, de 16 de dezembro de 1994. Após julgar constitucional a assinatura
do tratado pelo Estado Colombiano e o trâmite da lei aprobatória, a Corte passa a
analisar seu conteúdo, com base nos seguintes argumentos.
As normas de direito internacional humanitário são partes integrantes do jus
cogens. Em seguida, a Corte constitucional cita decisão C-574/92, reforçando que há
uma incorporação “automática” dessas normas ao ordenamento jurídico interno.49
Após analisar a imperatividade do direito internacional humanitário, a Corte
afirma que o “bloco de constitucionalidade” do direito colombiano está composto por
aquelas normas e princípios que, sem aparecer formalmente no texto constitucional,
são utilizados como “parâmetros do controle de constitucionalidade das leis”, uma
vez que foram integrados normativamente à Constituição, por diversas vias e por
ordem da própria Constituição.50 Dessa forma, as disposições constitucionais sobre
prevalência dos tratados de direitos humanos e de direito internacional humanitá-
rio impõem considerar que eles integram o “bloco de constitucionalidade”, o que
permite harmonizar o princípio da supremacia constitucional com a prevalência dos
tratados.
A imperatividade das normas humanitárias e sua integração no bloco de cons-
titucionalidade implicam o dever de o Estado colombiano adaptar as normas de hie-
rarquia inferior aos conteúdos daquelas normas.51 Essa harmonização é feita pela
Corte ao analisar vários dispositivos do tratado que tiveram sua constitucionalidade
questionada no curso do processo.
A partir dessa sentença, o conceito de bloco de constitucionalidade passou a ser
utilizado pela Corte Constitucional, embora com algumas ambiguidades em sua defi-
nição. Posteriormente, a Corte buscará sistematizar quais são as normas que integram
esse bloco, fazendo uma distinção entre bloco de constitucionalidade em sentido es-
trito, no qual se encontram os tratados que possuem hierarquia constitucional, como
os tratados de direitos humanos que não podem ser suspensos em estados de exce-
ção,52 e bloco de constitucionalidade em sentido lato, no qual se encontram normas
que, embora não tenham nível constitucional, operam como parâmetro do controle de
constitucionalidade das leis, onde se incluem os demais tratados de direitos humanos,
mas não os tratados sobre outras matérias ratificados pelo país.53 Tal como se nota,
em ambos os casos, os tratados de direitos humanos podem ser utilizados para o con-
trole de constitucionalidade e de convencionalidade das leis.
49
C-225/95, § 7.
50
C-225/95, § 12, 4.
51
C-225/95, § 12, 6.
52
C-191-98 e C-582/99.
53
C-358/97 e C-774-01.

Antonio Moreira Maués


32 Breno Baía Magalhães
No que se refere ao nosso tema, a sentença mais importante nesse segundo mo-
mento é a C-400/98, em que a Corte exerceu o controle de constitucionalidade da Lei
nº 406/97, que aprovou a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT).
Nessa sentença, foram estabelecidos os seguintes parâmetros.
A Constituição prevalece sobre os tratados internacionais, com duas exceções:
os tratados que reconhecem direitos humanos e proíbem sua limitação nos estados de
exceção, os quais integram o bloco de constitucionalidade; e os tratados de limites
(art. 102), que são normas que representam elementos constitutivos do território na-
cional e, portanto, do próprio Estado Colombiano.54 E, por fim, apesar da supremacia
constitucional sobre os demais tratados, o princípio do pacta sunt servanda, também
acolhido pela Constituição, no caso de tratados inconstitucionais, impõe às autori-
dades políticas o dever de modificar o compromisso internacional a fim de ajustá-lo
à Constituição ou reformar a Constituição para adequá-la às obrigações internacio-
nais.55
Assim, após ter admitido que mesmo os tratados de direitos humanos que não
possuem hierarquia constitucional podem servir de parâmetro para o controle de cons-
titucionalidade das leis, a Corte Constitucional oferece uma solução para os eventuais
conflitos entre normas constitucional e tratados supralegais.
Além disso, a Corte Constitucional colombiana também utiliza a previsão do
art. 93.2 para realizar a interpretação conforme os tratados internacionais dos direitos
e deveres estabelecidos na Constituição, o que também implicou uma abertura para a
jurisprudência internacional.56 Um exemplo pode ser colhido na sentença T-1319/01,
que envolveu o direito à liberdade de expressão e o direito à honra (“buen nombre”),
na qual foram estabelecidos os seguintes pontos.
Diante da ausência de critérios previstos expressamente na Constituição para
harmonizar a liberdade de expressão com outros direitos fundamentais, os tratados
internacionais contêm as bases que podem legitimar restrições a esse direito. A Corte
concluiu que o artigo 93.2 constitucionaliza todos os tratados de direitos humanos
ratificados e os referidos a direitos presentes na declaração constitucional, e, em vir-
tude da regra hermenêutica, o intérprete deve escolher a regulação mais favorável à
vigência dos direitos humanos.57
Sem embargo do dever de harmonização interpretativa, a Corte Constitucional
acrescenta que tal regra hermenêutica não se restringe à inclusão de normas interna-
cionais positivas de textura aberta, característica compartilhada com os direitos cons-
titucionais, sendo necessária a fusão de ambas as normas e, principalmente, acolher
a interpretação que as autoridades competentes fazem desses padrões internacionais
e integrar essa interpretação ao exercício hermenêutico da Corte Constitucional. Por
essa razão, a Corte colombiana considera que a jurisprudência das instâncias interna-
54
C-191-98.
55
C-400/98, §§ 31-33.
56
Uprimny (2001, p. 26) afirma que a interpretação conforme vem ganhando uma influência crescente na jurispru-
dência da Corte Constitucional, frente ao art. 93.1, a partir do qual se originou o conceito de bloco de constitucio-
nalidade.
57
T-1319/01, § 12, 3.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 33
cionais de direitos humanos constitui uma pauta relevante para interpretar o alcance
desses tratados e, por conseguinte, dos direitos constitucionais.58
Concluiu a Corte que o bloco de constitucionalidade relativo à liberdade de
expressão deve ser composto de normas internacionais, em particular a CADH e o
PIDCP, juntamente com as interpretações de tais textos formuladas, respectivamente,
pela CIDH, Corte IDH e pelo Comitê de Direitos Humanos.59
Na sentença C-09/2000, a Corte Constitucional inseriu a Convenção nº 169 da
OIT no bloco de constitucionalidade colombiano, porquanto prevê Direitos Humanos
de comunidades indígenas, cuja limitação está impedida mesmo em casos de Estados
de exceção.60 Anos depois, na sentença C-030/2008, a Corte colombiana declarou a
inconstitucionalidade de lei ambiental, por afetar o aproveitamento florestal das co-
munidades indígenas sem que houvessem sido adequadamente consultadas, de acor-
do com a Convenção nº 169.61

4. Argentina: constitucionalidade dos


Tratados de Direitos Humanos

Criada para pôr fim ao ciclo de guerras civis decorrentes da declaração de inde-
pendência, a Constituição da Nação Argentina foi promulgada em 1853 e reformada
sete vezes. Sua mais recente e importante alteração ocorreu no ano de 1994, impul-
sionada pelo Pacto de Olivos de 1993. Formulado pelo então Presidente Carlos Me-
nem e o líder da oposição, Raúl Alfonsín, o pacto fundava-se no consenso político,
formado após a ditadura argentina, sobre a fragilidade da Constituição para evitar
governos autocráticos, bem como sobre a necessidade de atenuar-se o presidencia-
lismo, de estipular maiores garantias aos Direitos Humanos e de penalizar tentativas
de golpes de Estado.
Na ocasião da reforma de 94, a parte denominada orgânica62 da Constituição foi
alterada para, dentre outras mudanças estruturais, atribuir hierarquia constitucional
a 10 instrumentos internacionais63 de proteção dos direitos humanos64 e permitir que
outros pudessem ser constitucionalizados por intermédio do Congresso Nacional.65
58
T-1319/01, § 12, 3.
59
T-1319/01, § 13, 3.
60
FAJARDO ARTURO, 2007, p. 20.
61
COURTIS, 2009, p. 66.
62
De acordo com Carlos Colautti (1998, p. 33-34), a Constituição argentina se compõe de duas partes: 1) dogmática:
refere-se aos princípios doutrinários da Constituição (Declaraciones, Derechos y Garantías, arts. 1-43) e 2) orgânica:
dispõe sobre a estruturação orgânica do Estado (Autoridades de la Nación, arts. 44-129).
63
Preferimos a expressão “instrumentos internacionais” a “tratados internacionais”, porque a Constituição argentina
conferiu hierarquia constitucional a duas Declarações (Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e
a Declaração Universal dos Direitos Humanos) e protocolos facultativos. Dalla Via (2010, p. 568), analisando os
debates constituintes, afirma que os constituintes divergiram quanto à forma da cláusula de atribuição de hierarquia
constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Alguns sugeriram, como Bidart Campos, que a Cons-
tituição previsse uma cláusula aberta, alcançando todos os tratados de Direitos Humanos de forma genérica, mesmo
porque o país já havia ratificado inúmeros tratados sobre a temática. Contudo, optou-se pelo formato de lista para que
houvesse mais controle quanto aos tratados, evitando discussões a respeito de prescrições normativas de conteúdo de
direitos humanos em tratados que não tivessem, diretamente, tal objeto. (DALLA VIA, 2010, p. 568)
64
Cf. nota 32.
65
Serão considerados de hierarquia constitucional os tratados que passarem por maioria especial de 2/3 dos membros
totais de cada uma das câmaras legislativas. Atualmente, são considerados constitucionais por atribuição constitucio-

Antonio Moreira Maués


34 Breno Baía Magalhães
Além da inclusão de novos direitos na Constituição, o art. 75, 22 trouxe consigo in-
centivos para que a Suprema Corte de Justiça da Nação Argentina (SCJN) pudesse
reforçar e consolidar a interpretação feita anteriormente à reforma de 1994 acerca da
relação entre o direito interno e os tratados internacionais de direitos humanos.
De acordo com o texto original da constituição de 1853/60, os arts. 31 e 27, a
exemplo da Constituição dos EUA, estipulavam que os tratados deveriam ser consi-
derados leis supremas da nação, mas ressalvava sua aplicação nas hipóteses em que
violassem princípios de direito público estabelecidos na Constituição. Os referidos
artigos serviram de base para que a SCJN interpretasse as relações entre direito inter-
no e internacional com base em uma conjunção entre regras de preferência e conteú-
do.66 Com relação às primeiras, uma vez que os tratados eram internalizados mediante
leis,67 eles foram equiparados às leis nacionais, e os conflitos entre tratado e lei eram
solucionados pelo critério da aplicação de lei mais recente e, quanto às segundas, os
tratados deveriam respeitar princípios constitucionais.
A referida compreensão dualista da Constituição68 foi exposta no caso Martin
y Cia (1963).69 A SCJN julgou improcedente a alegação de inconstitucionalidade do
decreto impugnado, porquanto considerou que não havia base legal (fundamento nor-
mativo) para conceder prioridade aos tratados internacionais em relação às leis edi-
tadas pelo Congresso Nacional argentino. Por conseguinte, os conflitos entre normas
de igual hierarquia deveriam solucionar-se pelo critério da aplicação da norma mais
moderna.70 A Corte argentina sustentou a diferença entre os tratados como convênios
entre nações soberanas e tratados enquanto normas internas, os primeiros seriam de
assunto exclusivamente das relações internacionais da Nação, matéria alheia à juris-
dição das cortes internas.71
A doutrina Martin perdurou até 1992, quando a SCJN analisa as relações entre
o direito interno e o direito internacional com o acréscimo de dois novos fatores: a
ratificação da CVDT e a aplicação direta da CADH.72
A superação do precedente da década de 60 ocorre no paradigmático caso Ek-
mekdjian c/ Sofovich (1992),73 em que Miguel Ekmekdjian recorre à Suprema Corte
em face da denegação de Amparo das instâncias inferiores para que obrigassem Ge-
rardo Sofovich, apresentador televisivo, a ler carta do autor em resposta às supostas
blasfêmias sobre Jesus Cristo e a Virgem Maria proferidas por Dalmiro Saenz no pro-

nal os seguintes tratados: 1) Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (hierarquizada
em 1997), 2) Convenção sobre os crimes de guerra e crimes contra a humanidade (hierarquizada em 2003), 3) Con-
venção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (hierarquizada em 2014).
66
SAGUES, 2013, p. 342.
67
Cf. seção X acima.
68
BAZAN, 2010, p. 366 e TORRES LÉPORI, 1997, p. 289.
69
CSJN, 6 de noviembre de 1963, “Martín y Cía. Ltda.. S.A. c/Gobierno Nacional, Administración General de Puer-
tos”, Fallos : 275:99. Questionava-se, na hipótese, a validade do Decreto-Lei 6.575/58, que alterava o Tratado de
Comércio e Navegação celebrado com o Brasil, em 1940, e aprovado pela lei 12.688. O tratado previa isenções de
impostos, taxas e encargos, ignorados pelo decreto-lei.
70
Idem, considerando nº 06 e 08.
71
Idem, considerando nº 09.
72
SAGUES, 2013, p. 343.
73
CSJN, 07 de julio de 1992, “Ekmekdjian, Miguel Ángel c/Sofovich, Gerardo y otros”, Fallos: 315:1492, LL,
1992-C.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 35
grama de Sofovich. O autor baseava sua queixa no art. 33 da Constituição argentina
e no art. 14 da CADH.
A SCJN começa sua análise reconhecendo o caráter fundamental do direito de
resposta. Ao mesmo tempo, a Corte problematiza se tal direito integraria o ordena-
mento jurídico argentino como um recurso jurídico imediato à disposição dos parti-
culares.74 A previsão do direito de resposta no ordenamento argentino, por sua vez,
foi estabelecida pelo art. 14 da CADH (aprovada pela Lei 23.054) que, ao ser ratifica-
da, tornou-se “lei suprema da Nação” (art. 31 – CA). Sobre essa base, a questão que o
Tribunal passa a examinar diz respeito ao efeito direto (operatividade) dessa disposi-
ção ou se ela requeria complementação legislativa.75 Para responder a essa pergunta,
a SCJN desenvolve os fundamentos a seguir.
Para a Corte, a violação de um tratado internacional pode decorrer tanto do
estabelecimento de normas internas que prescrevam uma conduta manifestamente
contrária quanto da “omissão” em estabelecer disposições que tornem possível seu
cumprimento.76 Ademais, a revogação de um tratado internacional por uma lei do
Congresso viola a repartição constitucional de competências, uma vez que represen-
taria uma invasão, pelo Poder Legislativo, das atribuições do Poder Executivo, que,
de acordo com a Constituição, conduz de maneira exclusiva as relações exteriores da
Nação.77
Em seguida, a Corte afirma que a Convenção de Viena sobre Direito dos Trata-
dos (em vigor desde 27/01/1980) conferiria “primazia” ao direito internacional con-
vencional sobre o direito interno (art. 27), que se integra ao ordenamento jurídico
argentino. A Convenção de Viena insere, consequentemente, o elemento ausente na
doutrina Martin – base legal para garantir a primazia do direito internacional. Por-
tanto, a CSJN revogou expressamente aquele precedente78 e asseverou que a CVDT
impõe aos órgãos do Estado argentino assegurar primazia ao tratado ante um eventual
conflito com qualquer norma interna contrária ou com a omissão de editar disposi-
ções que, por seus efeitos, sejam equivalentes ao descumprimento do tratado inter-
nacional.79
A interpretação do parágrafo anterior, segundo a Corte, estaria de acordo com
as exigências de “cooperação, harmonização e integração internacionais” que a Re-
pública Argentina obrigara-se, além de prevenir a eventual responsabilização do Es-
tado, que deveria ser evitada também pela CSJN no exercício de sua jurisdição.80
Assim, uma disposição convencional “é operativa quando está dirigida a uma situa-
ção da realidade na qual pode operar imediatamente, sem necessidade de instituições
que o Congresso deva estabelecer”. Dessa forma, o art. 14.1 da CADH possui uma
redação clara em relação ao direito de retificação e resposta, ainda que remeta à lei as
particularidades de sua regulamentação.81
74
Considerando nº 07.
75
Considerando nº 15.
76
Considerando nº 16
77
Considerando nº 17.
78
2º parágrafo do Considerando nº 18.
79
Considerando nº 19.
80
2º parágrafo do Considerando nº 19.
81
Considerando nº 20.

Antonio Moreira Maués


36 Breno Baía Magalhães
Além do mais, argumentou a Corte, a interpretação do texto da CADH também
deve guiar-se pela jurisprudência da Corte IDH, a qual já havia declarado que o art.
14.1 reconhece um direito internacionalmente exigível, cabendo aos Estados apenas
regulamentar as condições do exercício do direito de resposta (espaço a ele destinado,
prazos, termos aceitáveis), das quais não depende sua exigibilidade (OC nº 7/86).82
Baseando-se nesse entendimento, a CSJN considera que tais medidas incluem as de-
cisões judiciais, o que autoriza o judiciário a determinar as características com que
esse direito, já conferido pelo tratado, será exercido no caso concreto.83
A decisão da SCJN de 1992 antecipa, em poucos anos, o redimensionamento
constitucional do direito internacional dos direitos humanos na reforma constitucio-
nal de 1994. Como afirmado anteriormente, o art. 75, 22 da parte orgânica da Cons-
tituição argentina elevou instrumentos internacionais à categoria constitucional. No
entanto, aquela disposição normativa impunha certas condições para a aplicação da
hierarquia constitucional dos tratados: 1) nas condições de sua vigência; 2) não der-
rogam nenhum artigo da primeira parte (dogmática) da constituição e 3) são comple-
mentares das declarações de direitos.
Tais condicionantes causaram impasses na doutrina argentina. Pairavam dúvidas
acerca da natureza da previsão constitucional: seria uma incorporação dos tratados ao
texto constitucional ou apenas a atribuição da qualidade de hierarquia constitucio-
nal (inclusão no bloco de constitucionalidade)?84 As condições de vigência seriam
aquelas referentes às determinadas pelo direito interno (reservas e denúncia) ou às
estipuladas pelos órgãos de monitoramento dos tratados?85 E, por fim, a complemen-
tariedade e inderrogabilidade da parte dogmática significariam que as normas inter-
nacionais estariam submetidas às normas constitucionais originárias (que poderiam
derrogá-las) ou uma doutrina interpretativa harmonizadora deveria ser criada para
compatibilizá-las?86
A SCJN respondeu algumas dessas perguntas refinando o que Sagues87 denomi-
nou de “doutrina do seguimento” desenvolvida em Ekmekdjian. No julgado Giroldi
(1995),88 a Corte considerou que as “condições da sua validade” estipuladas na Cons-
tituição (art. 75,22), dizem respeito à forma como a CADH aplica-se na arena inter-
nacional e levando em conta sua interpretação jurisprudencial feita pela Corte IDH.
Assim, a jurisprudência internacional deve servir como um guia para a interpretação
dos preceitos constitucionais.89
82
Considerando nº 21.
83
3º parágrafo do Considerando nº 22.
84
DALLA VÍA, 2010, p. 569.
85
DIEGO DOLABJIAN, 2013, p. 97-99.
86
Torres Lépori (1997, p. 292) interpreta o art. 75,22 em conjunto com o art. 27 (tratados devem seguir os princípios
do direito público constitucional argentino) para concluir que os tratados internacionais de direitos humanos estão
situados acima das leis, mas abaixo da Constituição.
87
Para NéstorSagués (2013, p. 346-347), após Ekmekdjian c/ Sofovich os juízes argentinos devem seguir as dire-
trizes fixadas pela Corte IDH, ainda que não de forma automática. Nesse sentido, os juízes não podem ignorar a
jurisprudência da CtIDH, devem projetá-la e para afastá-la, terão que expor fortes argumentos justificadores para o
não seguimento.
88
SCJN, “Giroldi, Horacio D. y otro s/ Recurso de casación” 40 (7 de abril de 1995). Fallos, 318:514.
89
Considerando nº 11. Em sentido contrário, Malarino (2011, p. 450) considera que “as condições da vigência” se
referem àquelas ao tempo da constitucionalização do tratado pela Constituição argentina.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 37
Um ano depois de Giroldi, a SCJN, no caso Chocobar (1996),90 interpretou a
cláusula da complementariedade constitucional no sentido de necessária harmoniza-
ção entre direitos humanos e fundamentais, e afastou a ideia de que a aplicação dos
direitos presentes na primeira parte da Constituição pudesse derrogar ou entrar em
colisão com os previstos nos tratados dotados de hierarquia constitucionais.91 Por
fim, a inderrogabilidade deve ser interpretada como um juízo de compatibilidade e
harmonização já exercido pelos constituintes, cabendo ao Judiciário respeitá-lo, e
não alterá-lo.92
Após acolher a “doutrina do seguimento”, pós-reforma de 1994, em Giroldie
ter interpretado o art. 75,22 no sentido de exigir que os direitos constitucionais sejam
interpretados de forma harmoniosa com os direitos humanos previstos nos tratados
internacionais dotados de hierarquia constitucional em Chocobar, a SCJN dá um pas-
so em direção ao acolhimento do controle de convencionalidade no direito argentino
em Simón.93
Em Simón (2005), a SCJN declarou a inconstitucionalidade das Leis 23.492 e
23.521, conhecidas, respectivamente, como leis de “Ponto Final” (1986) e “Obediên-
cia Devida” (1987). Ambos os atos normativos, durante sua vigência, impediram o
julgamento e punição dos responsáveis pela prática de crimes hediondos na última
ditadura militar ocorrida na Argentina (1976-1983).
A Corte argentina observa, como ponto de partida, que houve mudanças no
direito argentino desde que essas leis foram promulgadas e declaradas constitucio-
nais anteriormente.94 Assim, o nível constitucional conferido em 1994 aos tratados
internacionais de direitos humanos significou que o Estado assumiu uma série de
obrigações perante o direito internacional e, especialmente, à ordem jurídica intera-
mericana, que, entre outros, limitam a possibilidade de omitir a persecução de crimes
contra a humanidade.95
Argumentou a Corte que, embora importantes mecanismos constitucionais de
pacificação social (art. 75,20 da CN), o poder conferido ao Legislativo de promulgar
anistias encontrava-se limitado em relação às graves violações de direitos humanos,
tal como estipulado pela CADH,96 e, especialmente, por seus órgãos de monitoramen-
to, que desenvolvem jurisprudências que constituem imprescindíveis pautas inter-
pretativas.97 A Corte argentina ressaltou que a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos considerou que as leis argentinas violavam os arts. 1º, 8º e 25 da CADH, re-
comendando que o Estado Argentino adotasse medidas necessárias para esclarecer os
fatos e individualizar os responsáveis pelas violações de direitos humanos ocorridas
90
SCJN, ‘Chocobar, Sixto c/Caja Nacional de Previsión para el Personal del Estado y Servicios Públicos’. Sentencia
del 27 de diciembre de 1996.
91
Considerando nº 11.
92
Considerandos nos 12 e 13.
93
SCJN. Simón, Julio Héctor y otross/ privación ilegítima de la libertad, etc.. Fallos 326:2056.
94
SCJN. Ramón Juan Alberto Camps y otros. Fallos 310:1162, 1987.
95
Considerandos nos 14 e 15.
96
Considerando nº 16.
97
Considerando nº 17.

Antonio Moreira Maués


38 Breno Baía Magalhães
durante a ditadura militar.98 No entanto, restavam dúvidas acerca de quais medidas
necessárias deveriam ser tomadas para cumprir a CADH.99
O esclarecimento dessas dúvidas ocorreu com o julgamento da Corte IDH, no
caso “Barrios Altos”, ocasião em que ficou decidida a inadmissibilidade das disposi-
ções das leis de anistia que excluíam a responsabilidade e impediam a investigação de
violações de direitos humanos,100 portanto, tais leis careceriam de validade jurídica.
A SCJN concluiu que a “traslación” dessas conclusões para o caso argentino era “im-
perativa”, pois, apesar de leis editadas em um contexto e por justificações diversas
daquelas encontradas no caso peruano, materialmente, compartilhavam do mesmo
vício material, que seria o de garantir a impunidade de graves violações de direitos
humanos.
Por fim, no caso Mazzeo (2007),101 a SCJN acolheu a obrigação de cumprimen-
to do controle de convencionalidade das leis argentinas, tal como determinada pela
Corte IDH.102 O caso em análise foi trazido à Suprema Corte para que confirmasse a
declaração de inconstitucionalidade do Decreto de indulto 1002/89, conferido pelo
Poder Executivo Nacional (PEN) em favor de Santiago Omar Riveros e outros, por
atos considerados como crimes de lesa humanidade.
Após ressaltar a natureza tipicamente internacional da definição dos crimes cate-
gorizados como de lesa-humanidade,103 a Corte ocupou-se de demonstrar que tais defi-
nições deveriam ser acolhidas no plano interno em função da mudança de paradigmas
do direito internacional, que não seria apenas marcado pela relação entre Estados so-
beranos, mas assumia, após 1945, uma feição humanitária com os direitos humanos.104
Os instrumentos internacionais, por sua vez, preveem direitos inerentes à dignidade
que preexistem ao ordenamento estatal (parâmetros universalmente válidos), e não
podem ser violados pelo Estado.105 Ainda que tenham sido previstas na Constituição e
atribuída sua devida importância, algumas disposições do direito internacional inde-
pendem do consentimento expresso das nações, o chamado jus cogens. Tais normas
impõem a vedação do cometimento de crimes de lesa-humanidade, inclusive em épo-
cas de guerras106 e existiam na época do cometimento dos crimes analisados.107 Ade-
mais, por sua força, demandariam que tais crimes sejam investigados.
98
Considerandos nos 19 e 20 e Informe 18/92 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
99
Considerando nº 22.
100
Considerando nº 23.
101
Mazzeo, Julio Lilo y otros s/ rec. De casación e inconstitucionalidad. Fallos 330:3248 (2007)
102
A conclusão da SCJN no caso Mazzeo não é unanimidade entre os autores argentinos. Malarino (2011, p. 440-
442), por exemplo, considera que a doutrina do controle de convencionalidade, tal como desenvolvida pela Corte
IDH, está fundada em premissas ilógicas: afirmar o monopólio da palavra final no âmbito internacional não é uma
premissa capaz de tornar a jurisprudência da corte interamericana vinculante no direito interno dos países que ratifi-
caram a CADH. Ademais, ainda com Malarino, o que faz parte do direito argentino é a CADH, e não a jurisprudência
da Corte IDH. O autor argumenta, por conseguinte, que a frase “servir de guia” não é capaz de demonstrar uma dire-
triz mais clara sobre a força vinculante da jurisprudência interamericana, pois ela pode ensejar tanto uma obrigação
de seguir (sentido rejeitado pelo autor), quanto uma obrigação de consideração (interpretação sufraga pelo autor, que
defende a possibilidade de rejeição e distinção dos precedentes da Corte IDH).
103
Considerandos nos 09 e 10.
104
Considerando nº 11.
105
Considerandos nos 12 e 13.
106
Considerando nº 15
107
Considerando nº 16.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 39
Tais princípios foram reforçados pela CADH e pelo PIDCP e incorporados ao
direito argentino, em contínua interação, ao ordenamento constitucional pós-reforma
de 1994.108 A atribuição de hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos
significou o reconhecimento da importância das obrigações internacionais relativas à
proteção humana e, jurisprudencialmente, o caso Ekmekdjian impôs que as decisões
da Corte IDH servissem de pauta interpretativa para que tais obrigações fossem con-
cretizadas no âmbito judicial.109 Por fim, a Corte lembrou o caso Almonacid Arellano
(2006) para sugerir que “a doutrina do seguimento” se qualifica como uma obrigação
internacional por conta do controle de convencionalidade.110

5. Brasil: supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos111

Fruto do longo processo de transição democrática, a Constituição de 1988 am-


pliou de maneira significativa os direitos da pessoa humana e devolveu a independên-
cia ao Poder Judiciário, não apenas por meio de suas tradicionais garantias (art. 95
da CF/88), mas também assegurando-lhe autonomia financeira (art. 99 da CF/88) e
ampliando as competências do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, a, b, q e § 1º).
Embora contenha um artigo sobre os princípios das relações internacionais do
país (art. 4º da CF/88), a Constituição, tal como as anteriores, não dispôs, detalhada-
mente, sobre a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento interno.112
Sem embargo, dois artigos constitucionais orientaram o debate acerca da posição
hierárquica dos tratados sobre direitos humanos no STF a partir de 1988: o art. 102,
III, b, que manteve a tradicional referência ao controle de constitucionalidade dos
tratados internacionais via Recurso Extraordinário e o art. 5º, § 2º, que inovou ao
qualificar como fundamentais os direitos previstos nos tratados internacionais.
Nesse sentido, podemos identificar, pelo menos, quatro teses sobre o tema da
hierarquia dos tratados de direitos humanos em nosso país, quais sejam: 1) supra-
constitucionais; 2) constitucionais; 3) supralegais ou 4) lei ordinária.
A supraconstitucionalidade dos tratados de direitos humanos foi tese adotada
por Celso de Albuquerque Mello,113 que defendeu a supremacia das normas interna-
cionais sobre as nacionais, que preponderam mesmo em face do texto constitucional,
portanto, nem mesmo emenda constitucional poderia suprimir a norma internacional
subscrita pelo Estado. Isto porque, para o referido autor, o Estado não existe fora do
contexto internacional, o que faz com que a Constituição dependa da sociedade inter-
nacional, da qual recolhe a noção de soberania.
108
Considerandos nos 17-19.
109
Considerando nº 20.
110
Considerando nº 21.
111
Os acórdãos do STF selecionados para análise são os mais representativos sobre o tema em sua jurisprudência,
pois, apesar de o tribunal citar várias normas internacionais em julgados sobre direitos humanos, apenas nos casos
coletados o tribunal teve a oportunidade de enfrentar, abertamente, tópicos relevantes para a pesquisa, tais como: a in-
corporação dos tratados de direitos humanos, seu nível hierárquico e, principalmente, sua relação com normas cons-
titucionais conflitantes. Ademais, tendo em vista o limite de páginas do artigo, preferimos analisar um número maior
de acórdãos das cortes de Colômbia e Argentina, uma vez que a jurisprudência do STF é conhecida pelos leitores.
112
Pedro Dallari (2003) considera a Constituição brasileira omissa no que tange a incorporação de tratados inter-
nacionais e sugere alterações constitucionais para explicitar a autoaplicabilidade dos tratados internacionais e sua
superioridade em face da legislação ordinária.
113
MELLO, 1999.

Antonio Moreira Maués


40 Breno Baía Magalhães
A constitucionalidade dos tratados foi sugerida, inicialmente, por Antônio Au-
gusto Cançado Trindade na Assembleia Constituinte114 e academicamente logo após
a promulgação da Constituição,115 e foi endossada, posteriormente, por Flávia Pio-
vesan.116 O principal argumento da tese é a prescrição normativa do art. 5º, § 2º. da
Constituição, que disciplinaria a incorporação dos tratados de direitos humanos como
direitos fundamentais, portanto com hierarquia constitucional.
A tese da legalidade dos tratados foi proposta pelo STF no julgamento do RE
80.004/SE na década de 70, portanto, anteriormente à Constituição de 1988 e da in-
clusão do art. 5º, § 2º. Segundo a referida concepção, os conflitos entre tratados e lei
se resolveriam pelo critério da revogação do ato anterior pela lei mais moderna (uma
lei interna posterior ao tratado teria poder para revogá-lo). Mesmo depois de 1988, o
STF manteve seu posicionamento no HC 72.131/RJ (1995). A principal justificativa
suscitada à época foi a de que os tratados não poderiam restringir a eficácia da norma
constitucional.
A supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos foi, ini-
cialmente, aventada em obter dictum no voto do Min. Sepúlveda Pertence no RHC
79.785/RJ (2000). Segundo o ministro, a Constituição sempre prevaleceria sobre o
direito internacional, uma vez que o juiz nacional está a ela subordinado, portanto,
a solução para conflitos deve ser buscada na própria Constituição. No entanto, os
direitos fundamentais serviriam de medida limitadora da atividade estatal, portanto,
equiparar os tratados de direitos humanos à lei ordinária, seria restringir e esvaziar
de eficácia a própria noção ínsita de sua existência, qual seja, conter abusos estatais,
inclusive, legislativos.
Nas duas décadas após a promulgação da Constituição, o STF manteve-se firme
na intepretação do nível legal de todos os tratados internacionais, inclusive os de di-
reitos humanos. Além disso, também manteve a necessidade do decreto presidencial
para a vigência do tratado na ordem interna.117
A tese da supralegalidade foi reforçada em 2008, em julgado sobre a prisão
do depositário infiel nos contratos de alienação fiduciária, com base no Decreto-Lei
911/69 (RE 464.343/SP). De acordo com o Ministro Relator, Gilmar Mendes, as
normas supralegais detêm o poder de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer
disciplina infraconstitucional conflitante. Por consequência, o art. 7.7 da CADH, que
limita a prisão civil à hipótese de dívidas alimentares, diretamente, limitou a eficácia
do Decreto-Lei e do art. 652 do Código Civil de 2002.
Sob o impacto das mudanças trazidas pela EC nº 45, a defesa da tese da su-
pralegalidade dos tratados de direitos humanos118 pode ser sintetizada com base nos
114
CANÇADO TRINDADE, 2000
115
CANÇADO TRINDADE, 1991.
116
Flávia Piovesan (1997). Muitos autores seguiram o defendido por Piovesan, exemplificativamente, cf. GUERRA
(2008). No âmbito do STF, o Min. Carlos Velloso foi o primeiro a aventar a possível constitucionalidade dos direitos
humanos oriundos dos tratados internacionais no HC 72.131.
117
Cf. ADI 1480.
118
Assim, o Min. Gilmar Mendes afirma, em seu voto no RE nº 466.343, que a inclusão do § 3º do art. 5º “acabou por
ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre
os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico” (BRASIL. SUPREMO TRIBU-
NAL FEDERAL, 2008b, p. 1.144), o que indicava a insuficiência da tese da legalidade ordinária desses tratados e
a defasagem da jurisprudência do STF. Em sentido concorrente, o Min. Celso de Mello destacava que a EC nº 45

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 41
seguintes argumentos: a) a supremacia formal e material da Constituição sobre todo
o ordenamento jurídico, consubstanciado na possibilidade de controle de constitu-
cionalidade inclusive dos diplomas internacionais; b) o risco de uma ampliação ina-
dequada da expressão “direitos humanos”, que permitiria uma produção normativa
alheia ao controle de sua compatibilidade com a ordem constitucional interna e c) o
entendimento de que a inclusão do § 3º do art. 5º implicou reconhecer que os tratados
ratificados pelo Brasil antes da EC nº 45 não podem ser comparados às normas cons-
titucionais, gozando de lugar privilegiado no ordenamento jurídico.119 O próprio caso
do depositário infiel demonstra que, incorporado o tratado ao direito interno, o STF
reconhece seu efeito direto, tal como se pode verificar também em outros exemplos
de sua jurisprudência.120
Não obstante o importante passo no reconhecimento da supralegalidade dos
tratados internacionais de direitos humanos e da força paralisante que exercem sobre
a legislação infraconstitucional (consequência do efeito direto), o STF não desenvol-
veu princípios interpretativos harmonizadores (interpretação conforme) das normas
constitucionais com os padrões jurisprudenciais internacionais, tal como veremos
nos exemplos abaixo.
No caso da ADPF 153 (2010), a questão residia em saber se os agentes públicos
que cometeram violações de direitos humanos na época da ditadura militar estariam
anistiados pela Lei 6.683/79 (lei de anistia). O caso foi originado por ADPF ajuizada
pelo Conselho Federal da OAB, em que se pretendia a não recepção da Lei 6.683/79
ou que fosse conferida ao § 1º do art. 1º interpretação conforme a Constituição para
excluir da anistia os crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opo-
sitores políticos, durante o regime militar (1964/1985).
Para o relator, Ministro Eros Grau, a anistia não se caracterizaria como uma lei-
-norma, mas uma lei-medida, que esgota seus efeitos no momento específico de sua
edição e, por essa razão, a intepretação a ser feita da lei deve levar em consideração o
contexto fático e político de sua criação. Para o relator, a lei serviria como a expres-
são de um acordo político formalizado para que o país transitasse da ditadura para a
democracia de maneira mais expedita e segura. Acordo que teria sido reafirmado no
momento constituinte de 87/88. Dessa forma, o conceito de conexão presente na lei
não seria o, tradicionalmente, desenvolvido pela literatura criminal, mas um conceito
específico do momento histórico vivido pelo país.
Os argumentos baseados em instrumentos internacionais, sustentou o relator,
não seriam suficientes para afastar a lei de anistia brasileira, porque a República teria
ratificado tratados da ONU que vedam a tortura posteriormente à lei objeto da ADPF,

“introduziu um dado juridicamente relevante, apto a viabilizar a reelaboração, por esta Suprema Corte, de sua visão
em torno da posição jurídica que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos assumem no plano
do ordenamento positivo doméstico do Brasil.” (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 1.262).
119
MAUÉS, 2013, p. 218-219.
120
No RE 440.028/SP (DJe 29/10/13), a 1ª Turma do STF considerou que decisão judicial obrigando o poder pú-
blico a construir rampa ou elevador para acesso de pessoas portadoras de necessidades especiais na ausência de lei
específica, não se caracterizaria como intervenção indevida do judiciário em políticas públicas, porquanto seria de-
terminação de norma internacional de status constitucional, a Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (único tratado internacional que atendeu aos requisitos de incorporação do art. 5º, § 3º). De acordo
com o Ministro Relator, Marco Aurélio, a referida norma constitucional teria eficácia imediata, portanto, aplicável
independentemente de leis.

Antonio Moreira Maués


42 Breno Baía Magalhães
e que o instrumento internacional não poderia exercer efeitos retroativos.121 Ainda
que tenha feito de forma indireta (pela citação de trecho de trabalho acadêmico), o
relator afastou os precedentes da Corte IDH (sem ao menos discutir os fundamentos
das decisões interamericanas) com base no limite temporal estabelecido pelo Estado
brasileiro quando do reconhecimento da competência contenciosa da corte de direitos
humanos (ou seja, apenas para fatos ocorridos após 10 de dezembro de 1998).
No julgamento da ADI 5240, o STF decidiu que o art. 7º, 5, da CADH, em fun-
ção do seu caráter supralegal, emana eficácia geral e erga omnes, operando a garantia
de direitos que podem ser cumpridos mediante normas infraconstitucionais, como
provimentos de tribunais que regulamentam a audiência de custódia criada pela con-
venção. Não obstante a Corte IDH ter jurisprudência que poderia corroborar a inter-
pretação do STF,122 nenhuma menção foi feita às decisões interamericanas.
Dessa forma, a jurisprudência do STF – e nisso ela se diferencia dos demais
tribunais analisados – não desenvolve argumentos sobre os problemas derivados do
descumprimento de uma obrigação internacional em razão de seu possível conflito
com a Constituição. Ao contrário, embora tenha interpretado à luz da CADH o dis-
positivo constitucional sobre a prisão civil do depositário infiel, nessa mesma deci-
são o STF reafirmou a supremacia formal e material da Constituição sobre todo o
ordenamento jurídico, sugerindo que a solução para o caso se baseou em um aspecto
hierárquico (tratados supralegais paralisam a legislação infraconstitucional), e não
em uma harmonização entre as normas constitucionais e internacionais. Portanto,
nas hipóteses em que o STF identifique um conflito inconciliável entre um tratado
internacional e a Constituição, a última prevalecerá, pois ausentes os argumentos de
garantia do cumprimento de obrigações internacionais.
No caso da lei de anistia, por exemplo, o risco de condenações internacionais do
país por violações de direitos humanos foi desconsiderado, ou ao menos subestima-
do, quando os Ministros consideraram irreformável a decisão política de editar a lei
de anistia brasileira. A configuração do acordo político da anistia como uma norma
de natureza constituinte inviabilizou a utilização de padrões internacionais suprale-
gais para a fiscalização da lei brasileira, demonstrando que o principal argumento
fora a proteção da supremacia constitucional, ainda que ao custo de obrigação inter-
nacional assumida pelo país.

Conclusões

Os estudos comparados utilizados como referência neste trabalho indicam que


as diferentes formas utilizadas para a incorporação dos tratados de direitos humanos
previstas constitucionalmente não influenciam, necessariamente, sua aplicação no di-
reito interno. Aos procedimentos constitucionais de incorporação devem ser somados
outros fatores, tais como: a independência do Poder Judiciário (capacidade de fisca-
lização dos demais Poderes com base em padrões normativos internacionais), atri-
121
Vasconcelos (2012) considera que esses argumentos do STF podem representar uma interpretação mais favorável
aos direitos e liberdade fundamentais, atendendo ao princípio pro homine.
122
Caso García Asto y Ramírez Rojas Vs. Perú. 2005. Serie C No. 137, § 109 (O controle judicial imediato é uma
medida destinada a evitar a detenção arbitrária ou ilegal, como garantia da presunção de inocência) e Caso López Ál-
varez Vs. Honduras. 2006. Serie C No. 141, § 88 (a revisão judicial imediata da detenção é particularmente relevante
quando se aplica em situações de flagrância).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 43
buição de efeito direto aos tratados internacionais (aplicação dos direitos situados em
tratados independente de atuação legislativa posterior) e utilização da interpretação
conforme (emprego de critérios hermenêuticos capazes de compatibilizar o conteúdo
das normas constitucionais com as internacionais).
Podemos constatara a presença desses três elementos nos casos da Colômbia
e da Argentina, a partir de mudanças jurisprudenciais sobre os tratados de direitos
humanos que decorreram de mudanças constitucionais ou da ratificação de determi-
nados tratados internacionais. No caso colombiano, a criação do bloco de constitucio-
nalidade deveu-se à previsão normativa trazida pela Constituição de 1991 (art. 93).
Não obstante o caso Ekmekdjian tenha sido julgado antes da reforma constitucional
argentina de 1994, a incorporação da CVDT forneceu incentivos para alterações nas
relações entre o direito interno e internacional. Por outro lado, a edição da EC nº
45/04 foi o incentivo normativo para que o STF alterasse jurisprudência acerca do
status dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil.
A posição hierárquica dos tratados em face da Constituição não é o único fator
determinante para seu impacto no ordenamento jurídico interno. Em nenhum dos paí-
ses analisados, os tratados possuem superioridade hierárquica sobre a Constituição e,
mesmo naqueles que atribuem primazia ou prevalência aos tratados de direitos huma-
nos (Colômbia e Argentina), há debates acerca de sua exata posição hierárquica. No
caso brasileiro, uma decisão controversa como a da supralegalidade possibilita que
normas infraconstitucionais sejam objetos de fiscalização por parte do Judiciário. Ou
seja, a consequência das diferentes posições hierárquicas dos tratados é semelhante.
Tal como vimos, as Cortes de Colômbia e Argentina baseiam-se em normas
constitucionais para reconhecer hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos
humanos, normas essas que não aparecem da mesma forma expressa na Constitui-
ção de 1988. No entanto, esse nível hierárquico não elimina a possibilidade de haver
conflitos entre os tratados de direitos humanos e a Constituição. Nessas situações, a
Corte Constitucional colombiana reafirma a supremacia constitucional, porém, busca
resolver eventuais conflitos por meio da interpretação conforme ou mesmo indican-
do a necessidade de reforma constitucional. Por sua vez, a Corte Suprema argentina,
mesmo antes da reforma constitucional de 1994, já havia reconhecido o efeito direto
da CVDT, sem necessitar envolver-se com o debate sobre seu nível hierárquico no
ordenamento interno e recusando utilizar a supremacia constitucional como justifica-
tiva para o descumprimento de obrigações internacionais.
Portanto, o reconhecimento da primazia ou prevalência dos tratados internacio-
nais é um elemento mais importante para sua recepção do que o nível hierárquico a
eles conferido pelo ordenamento jurídico interno. Esse princípio, além de reforçar o
efeito direto dos tratados internacionais, contribui para o uso da interpretação confor-
me, pois, tal como vimos, possibilita buscar soluções harmonizadoras entre o direito
interno e o direito internacional sem recorrer a argumentos de cunho hierárquico.
A ausência do critério da interpretação conforme no STF também pode explicar
porque a Suprema Corte não recorre à jurisprudência da Corte IDH de maneira sis-
temática, mesmo em casos de convergência jurisprudencial. Conforme o coletado da
experiência comparada, a utilização da jurisprudência interamericana na Colômbia e
na Argentina justificou-se pela via da intepretação conforme, de acordo com os se-
guintes argumentos: a) o referido critério hermenêutico reflete a preocupação judicial
Antonio Moreira Maués
44 Breno Baía Magalhães
de atribuir efeito útil ao tratado, garantindo o cumprimento das obrigações interna-
cionais e b) pelo fato de que o cumprimento daquelas obrigações não se esgota na
mera incorporação de normas internacionais de conteúdo abstrato, sendo necessário
o recurso à interpretação realizada pelos órgãos encarregados de monitorar o trata-
do internacional para a realização da hermenêutica compatibilizadora. Dessa forma,
podemos concluir que, enquanto o STF não lançar mão do princípio da interpretação
conforme, a utilização da jurisprudência da Corte IDH continuará a ser esparsa e es-
tratégica, limitando a recepção da CADH em nosso ordenamento.123

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123
A ratificação da CVDT pelo Brasil em 2009 pode, no entanto, oferecer uma nova fundamentação para o cumpri-
mento das obrigações internacionais assumidas pelo país. Além de impedir a invocação de normas internas como es-
cusa para o inadimplemento de tratados (art. 27), a Convenção de Viena prevê regras específicas para a interpretação
dos tratados internacionais (arts. 31-33), que podem favorecer a construção da interpretação conforme, porquanto os
tratados internacionais devem ser interpretados à luz de seus objetivos e finalidades.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 45
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Antonio Moreira Maués


46 Breno Baía Magalhães
—3—

A harmonização entre Direito Interno e Internacional


de Proteção dos Direitos Humanos no Sistema
Interamericano: margem de apreciação, aderência
nacional ou convergências paralelas?

ANDRÉIA DA SILVA COSTA1

Sumário: Introdução; 1. A pluralidade de ordens jurídicas: uma análise da relação entre o Direito In-
terno e o Direito Internacional; 2. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos frente à pluralida-
de de ordens jurídicas; 3. Mecanismos de harmonização do Direito Interno e do Direito Internacional
de Proteção dos Direitos Humanos no Sistema Interamericano: margem de apreciação, aderência
nacional e convergências paralelas; Conclusão; Referências.

Introdução

As relações humanas têm-se apresentado no cenário global cada vez mais in-
ternacionalizadas. É comum fatos e aspectos da vida em sociedade serem levados a
discussões internacionais, implicando o surgimento de normas, relatórios e decisões
que ultrapassam as fronteiras de um Estado. O direito interno não mais se mostra su-
ficiente para regular as dinâmicas da vida em sociedade, fazendo surgir novos níveis
de disciplinamento e de proteção da dignidade humana.
Quando os direitos humanos deixaram de ser considerados assunto de natureza
doméstica e passaram a ser preocupação de legitimidade internacional, acarretando
um desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o direito cons-
titucional sofreu uma transformação significativa, na medida em que se deparou com
dois processos importantes: a constitucionalização do Direito Internacional e a inter-
nacionalização do Direito constitucional dos Estados.
Essa abertura recíproca entre direito interno e direito internacional deu ensejo a
uma multiplicidade de sistemas jurídicos, os quais, via de regra, interagem entre si e
regulam, no mesmo grau de importância, aspectos coincidentes da vida em socieda-
de. Essa pluralidade de níveis normativos – local, nacional, regional e internacional
– consiste em um dos principais desafios do Direito constitucional contemporâneo,
1
Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 47
na medida em que apresenta possibilidades de convergências e de atritos entre os di-
ferentes sistemas jurídicos.
O presente artigo se propõe a estudar possíveis mecanismos de harmonização
entre o direito interno e o direito interamericano, especialmente com relação a pro-
váveis atritos que surjam entre as cortes constitucionais nacionais e a Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos ao interpretarem os instrumentos interamericanos de
caráter humanitário. Analisa-se ao longo do texto qual o melhor modelo de relacio-
namento entre essas cortes, ou seja, se deve-se dar prevalência à corte nacional (mar-
gem de apreciação), à Corte Interamericana (aderência nacional aos padrões judiciais
internacionais) ou se deve ser instaurada uma relação de respeito mútuo baseada na
interdependência e na reciprocidade entre as cortes (convergências paralelas).

1. A pluralidade de ordens jurídicas: uma análise da relação entre o


Direito Interno e o Direito Internacional

O Direito Internacional, em meio ao século XXI, desponta no cenário global


como uma ordem jurídica que vem ganhando força e visibilidade.
Do ponto de vista do alcance, a influência do direito internacional atinge todos os temas da conduta social
nacional, mostrando uma impressionante força expansiva de suas normas.
Esse inesgotável fôlego normativo associado à sua força expansiva insere o direito internacional no epi-
centro da temática da pluralidade de ordens jurídicas que disputam a regência da vida social no século
XXI. (RAMOS, 2006, p. 99-100)
Ante o recrudescimento do Direito Internacional, ante os processos internos
de (re)democratização dos Estados contemporâneos, que primam pelo fortalecimen-
to das cartas constitucionais democráticas, e ante o desenvolvimento de um novo
constitucionalismo (neoconstitucionalismo), é urgente e necessário se pensar como
se deve dar a relação entre esses sistemas jurídicos – o nacional e o internacional –,
refletir sobre de que modo eles podem conviver harmonicamente, a fim de que ambos
sejam observados de forma adequada.
Vários estados americanos, como o Brasil, vêm abrindo espaço em sua ordem
jurídica para o Direito Internacional, ratificando e internalizando tratados internacio-
nais de temas diversos e de sistemas distintos (global e regional), vem reconhecendo
a jurisdição das cortes internacionais e aderido a muitas das tratativas que despontam
internacionalmente. A título de exemplo:
[...] o Brasil – por sua livre vontade – possui agora textos normativos de ordens diversas (de matriz
constitucional e de matriz internacional) que podem colidir e, para piorar, pode existir interpretação
diversa sobre o mesmo diploma (o Supremo Tribunal Federal interpretando as normas internacionais
incorporadas internamente de modo dissonante dos órgãos criados pelos próprios tratados). (RAMOS,
2006, p. 101)
Importa, antes de adentrar nessa questão, ponderar o que vem a ser essa plura-
lidade de ordens jurídicas. André de Carvalho Ramos diz que “consiste na coexistên-
cia de normas e decisões de diferentes matrizes com ambição de regência do mesmo
espaço social, gerando uma série de consequências relacionadas à convergência e di-
vergência de sentido entre as normas e as decisões de origem distintas”. E prossegue
afirmando que “as normas jurídicas plurais são aquelas que convergem e concorrem
na regência jurídica de um mesmo espaço (a sociedade nacional)” (RAMOS, 2006,
p. 202-203).

48 Andréia da Silva Costa


Marcelo Neves, por sua vez, conceitua referido pluralismo como sendo:
[...] uma pluralidade de ordens cujos tipos estruturais, formas de diferenciação, modelos de autocompre-
ensão e modos de concretização são fortemente diversos e peculiares, uma multiplicidade da qual resul-
tam entrelaçamentos nos quais nenhuma das ordens pode apresentar-se legitimamente como detentora
da ultima ratio discursiva. Isso nos põe perante um sistema multicêntrico, no qual, embora haja hierarquia
no interior das ordens, prevalecem entre elas as relações heterárquicas. O nexo circular entre as ordens
admite apenas uma noção de “hierarquia entrelaçada”, que é incompatível com uma “conexão escalona-
da” entre elas. (NEVES, 2009, p. 236-237)
A pluralidade de ordens jurídicas, ensejada em parte pelo fortalecimento e cres-
cimento quantitativo e qualitativo do Direito Internacional, vem acompanhada do fe-
nômeno conhecido como constitucionalização do Direito Internacional, do aumento
exponencial do número de tribunais internacionais criados nos últimos anos, do sur-
gimento no cenário internacional de órgãos quase judiciais que atuam de forma con-
tundente, analisando a postura dos Estados frente a seus compromissos internacionais.
Essas mudanças sinalizam, portanto, que os Estados, ante as crises globais que assolam
a humanidade, não estão aptos a sozinhos enfrentarem desafios que transpõem suas
fronteiras territoriais (RAMOS, 2006). É necessário pensar, atuar, normatizar e decidir
globalmente, sem, contudo, desconsiderar a autonomia e a soberania dos Estados.
Desse modo, em um momento em que temas como globalização, universali-
zação de direitos, construção da cidadania universal, interculturalidade, transcons-
titucionalismo ou constitucionalismo global, pluralismo, supremacia constitucional,
priorização da dignidade humana e efetivação da proteção internacional dos direitos
humanos estão em evidência, faz-se necessário analisar o direito interno dos Estados
e sua relação com as premissas internacionais que despontam no cenário global.
Conforme prelecionam Jânia Saldanha e Márcio Brum:
A internacionalização das relações humanas trouxe como consequência o contato entre diferentes siste-
mas jurídicos, e os códigos culturais, embora se mantenham, já não podem renunciar, tampouco ignorar,
a permeabilidade exterior. O direito interno sofre o influxo do direito internacional. Como essa é uma via
de mão dupla, o internacional também recebe a influência do nacional. [...]. Assim, no campo do direito
constitucional um duplo processo emerge, o da constitucionalização do direito internacional e o da inter-
nacionalização do direito constitucional ou o da desnacionalização. (2015, p. 197)
Desse modo, deve-se analisar a relação entre esses diplomas, cuidando para
compô-los, especialmente quando as normas versarem sobre direitos que primam
pelo respeito, proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, ou seja, os direi-
tos humanos. Isso porque essa pluralidade normativa não pode representar um risco
para esses direitos.
Observa-se um interessante processo de ajustamento e de abertura mútua en-
tre a legislação dos Estados e os documentos internacionais, sendo mister que as
constituições, em se tratando de respeito à dignidade humana, absorvam, na medida
do possível, o rol de direitos humanos que desponta internacionalmente. Da mesma
forma, faz-se necessário que os juízes nacionais e internacionais estejam atentos às
diretrizes traçadas nos mais diversos níveis de justiça, sejam eles locais, regionais ou
internacionais.
No Brasil, levando em consideração a hierarquia constitucional dos tratados
sobre direitos humanos2 e o impacto jurídico que os mesmos ensejam no direito
2
O Brasil, após anos de discussão sobre a hierarquia normativa dos tratados sobre direitos humanos, estabeleceu a
teoria do duplo estatuto (RAMOS, 2006) que prevê natureza jurídica de norma constitucional aos tratados internacio-

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 49
brasileiro, podem-se ter três situações – 1. coincidência entre o direito enunciado no
tratado internacional e o previsto no direito constitucional brasileiro; 2. integração,
complementação e ampliação do universo de direitos constitucionalmente previstos
a partir dos direitos humanos assegurados nos tratados internacionais; e, por fim, 3.
contrariedade entre preceitos do direito constitucional brasileiro e do direito interna-
cional dos direitos humanos. A última situação enseja uma solução mais complexa,
contudo já pacificamente aceita tanto a nível nacional como internacional – para
solucionar referido dissenso adota-se o critério que se orienta pela escolha da norma
mais favorável à vítima de violação de direitos humanos. (PIOVESAN, 2006)
Nesse mesmo sentido, Antônio Augusto Cançado Trindade sustenta a tese de
que o mais importante é a proteção ao ser humano, não importando o diploma – in-
terno ou internacional –, que realize essa proteção. O diploma que “vai valer” será
sempre aquele que realize essa proteção de forma máxima. Justifica o autor:
[...] o ser humano é sujeito tanto do direito interno quanto do direito internacional, dotado em ambos de
personalidade e capacidade jurídicas próprias. No presente domínio de proteção, o direito internacional
e o direito interno, longe de operarem de modo estanque ou compartimentalizado, se mostram em cons-
tante interação, de modo a assegurar a proteção eficaz do ser humano. Como decorre de disposições ex-
pressas dos próprios tratados de direitos humanos, e da abertura do direito constitucional contemporâneo
aos direitos internacionalmente consagrados, não mais cabe insistir na primazia das normas de direito
internacional ou do direito interno, porquanto o primado é sempre da norma – de origem internacional ou
interna – que melhor proteja os direitos humanos. O Direito dos Direitos Humanos efetivamente consagra
o critério da primazia da norma mais favorável às vítimas. (TRINDADE, 2006, p. XXXI) (grifou-se)
Portanto, desse processo de interação entre direito interno e direito internacio-
nal podem surgir harmonia ou dissenso, devendo a doutrina buscar saídas para am-
bas as situações. O choque pode ser normativo – regras de direito interno colidindo
com normas de direito internacional; interpretativo – interpretações discordantes dos
dispositivos nacionais ou internacionais de proteção dos direitos humanos; e ainda
jurisprudencial – decisões dissonantes exaradas pela corte constitucional de um país
e pela Corte Internacional.
André de Carvalho Ramos, ao vislumbrar a possibilidade de, no Brasil, ocorrer
choque entre uma sentença do Supremo Tribunal Federal e uma decisão da Corte In-
teramericana de Direitos Humanos, como ocorreu no Caso da Guerrilha do Araguaia,
aduziu o seguinte:
[...] não há conflito insolúvel entre as decisões do STF e da Corte IDH, uma vez que ambos os tribunais
têm a grave incumbência de proteger os direitos humanos. Para resolver esses conflitos aparentes, há
dois instrumentos. O primeiro deles é preventivo e consiste no apelo ao “Diálogo das Cortes” e à fertili-
zação cruzada entre os tribunais. [...] no caso de o diálogo inexistir ou ser insuficiente, adoto a teoria do
duplo controle ou crivo de direitos humanos que reconhece a atuação em separado do controle de cons-
titucionalidade (STF e juízes nacionais) e do controle de convencionalidade (Corte de San José e outros
órgãos de direitos humanos do plano internacional). (RAMOS, 2006, p. 128)
Assim, segundo o autor, diante de uma discordância entre cortes (nacional e
internacional) deve-se tentar harmonizá-las, primeiro, por meio do diálogo, e, não
sendo esse possível, por meio da adoção de dois controles em separado, o controle
de constitucionalidade, feito pelo STF, e o controle de convencionalidade, realizado
pela Corte Interamericana.

nais sobre direitos humanos aprovados pelo rito especial do artigo 5o, § 3º, e natureza supralegal a todos os demais
(sejam os anteriores à Emenda Constitucional n. 45 ou os que tenham sido aprovados pelo rito comum).

50 Andréia da Silva Costa


No Brasil, atualmente, um direito para ser respeitado deve passar por esse duplo
controle, ou seja, “todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediên-
cia aos dois crivos. Caso não supere um deles (por violar direitos humanos), deve
o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos
causados”. (RAMOS, 2006, p 129) Ou seja, um ato ou uma norma praticada no Bra-
sil deve atender às premissas constitucionais e, ao mesmo tempo, aos instrumentos
internacionais.
O presente estudo pretende analisar de que maneira a teoria da margem nacional
de apreciação pode contribuir na interação direito interno e direito internacional de
proteção dos direitos humanos dentro do Sistema Interamericano, contudo, antes se
faz necessário verificar como vem ocorrendo a relação entre os sistemas nacionais de
proteção de direitos humanos e o Sistema Interamericano. Para tanto, utilizar-se-á a
experiência brasileira.

2. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos


frente à pluralidade de ordens jurídicas

A interação entre direito interno e internacional é um acontecimento comum


nas sociedades modernas, e essa relação se faz ainda mais significativa quando se
tem como tema central a proteção do ser humano. A preocupação com a dignidade
humana vem, então, servindo como verdadeiro catalisador desse intercâmbio entre
direito interno e internacional, na medida em que se estabelece o entendimento glo-
bal de que a observância dos direitos humanos não é somente de interesse doméstico,
mas também internacional.
Ao constituir tema de legítimo interesse internacional, os direitos humanos transcendem e extrapolam o
domínio reservado do Estado ou a competência nacional exclusiva. São criados parâmetros globais de
ação estatal, que compõem um código comum de ação, ao qual os Estados devem se conformar, no que
diz respeito à promoção e proteção dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2006, p. 5)
Assim, a proteção e concretização dos direitos humanos e o respeito à dignidade
humana deixaram de ser preocupação apenas dos Estados e assumiram uma legitimi-
dade global, impactando na vida de diversas sociedades de diferentes países. Ou seja,
o tema “direitos humanos” deixou de ser considerado apenas uma questão doméstica
e passou a ser enfrentado como uma demanda internacional.
Importa considerar que, no âmbito internacional de resguardo do ser humano,
tem-se, atualmente, uma multiplicidade de sistemas protetivos – sistema global e os
sistemas regionais, bem como vê-se surgir novos tribunais internacionais e organis-
mos internacionais atuantes e com competências variadas.
A proteção global dos direitos humanos restou inaugurada na época que ficou
conhecida como pós-Guerra (Primeira e Segunda Guerras Mundiais), em que se viu
um maior cuidado por parte dos Estados com o ser humano, com sua preservação e
com a proteção de sua dignidade. O surgimento da Organização das Nações Unidas
e da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, despontam como marcos
históricos dessa proteção global, que segue sendo incrementada, ainda nos dias atuais,
por novas medidas e novos instrumentos internacionais.
Contudo, vem-se projetando no contexto da assistência humanitária um novo
modelo de sistema: o sistema regional de proteção dos direitos humanos. Essa ten-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 51
dência de regionalização se dá em razão de, em algumas situações, as características e
alguns elementos regionais serem cruciais na análise da proteção da dignidade huma-
na. É uma forma de proteger melhor, de resguardar a dignidade humana de maneira
mais adequada, levando em consideração fatores regionais facilmente identificados
em razão da proximidade entre os países, ensejando comportamento padrão comum
de proteção dos direitos humanos. A regionalização também se mostra favorável à
criação de standard mínimo de aplicação/interpretação dos tratados internacionais
sobre direitos humanos, oportunizada pela comunhão de valores e de condições so-
cioeconômicas dos Estados da região. (FIORATI, 1995)
Em se tratando de sistemas regionais, o presente estudo dá destaque especial
ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o qual consiste em um sistema que
visa a proteger e promover tais direitos nos Estados americanos. Referido sistema é
integrado por dois órgãos de importância significativa – a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos – CIDH – e a Corte Interamericana de Direito Humanos – Corte
IDH, os quais monitoram o cumprimento (ou não) dos compromissos que os Estados
da Organização dos Estados Americanos assumem internacionalmente. Contudo, to-
dos os demais pactos, tratados e convenções, firmados em âmbito regional, também
integram referido sistema.
Comissão e Corte desempenham papéis distintos, porém complementares. Cada
um dos órgãos possui regras, estruturação e objetivos que lhes são próprios, contudo,
ambos trabalham na promoção dos direitos humanos no continente americano.
A CIDH, além de se preocupar em promover os direitos humanos entre os Esta-
do americanos, cuida ainda de receber e examinar as petições e demais informações
que lhe são dirigidas. Sua função resta ampliada quando lhe é dada a prerrogativa de
se dirigir aos Estados-Partes e solicitar os subsídios necessários para a elaboração de
seus pareceres técnicos, de suas opiniões consultivas e dos demais relatórios que lhe
são demandados.
Pelo Protocolo de Buenos Aires de 1967, que emendou a Carta da OEA, a CIDH foi elevada à categoria
de órgão principal da OEA (artigo 51), com a incumbência de promover o respeito e a defesa dos direitos
humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria (artigo 150). Passou, ainda, a
partir de 1978, com a entrada em vigor da Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em
São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969 [...] a funcionar cumulativamente como órgão de
supervisão de cumprimento da Convenção, sem prejuízo de sua competência anterior sobre os países
que não são partes desse instrumento. Graças a essa duplicidade de funções, com atribuições decorren-
tes tanto de documento convencional sobre direitos humanos de caráter obrigatório, quanto de Protocolo
reformador da Carta constitutiva da OEA, a CIDH tem interpretado seu mandato com grande liberalidade,
logrando ampliar significativamente suas formas de atuação. (ALVES, 2011, p. 78)
A Corte IDH, do mesmo modo, foi criada e teve suas funções, contenciosa e
consultiva, estabelecidas pelo Pacto São José, precisamente nos seus artigos 61 a 69.
Em síntese, referidos dispositivos aduzem que somente os Estados-Partes e a Comis-
são Interamericana de Direitos Humanos podem apresentar casos à Corte; salientam
ainda que os interessados em peticionar à Corte só o podem fazê-lo depois de esgota-
dos todos os procedimentos iniciais a serem executados em sede de Comissão; afir-
mam que os Estados-Partes devem confirmar que reconhecem como obrigatória, de
pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte nos casos relativos à
interpretação/aplicação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. (CIDH,
on line)

52 Andréia da Silva Costa


Pela Convenção, cabe à Corte IDH velar por todos os direitos humanos previs-
tos nas diretrizes regionais já produzidas e que integram o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, mas, de modo especial, deve cuidar dos direitos que estão sendo
violados, garantindo sua fruição aos seus titulares, os quais deverão ser reparados
quando constatada real violação. (CIDH, on line)
Sobre a função consultiva da Corte, a Convenção prossegue declarando, que:
Artigo 64
1. Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Con-
venção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos.
Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da
Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires.
2. A Corte, a pedido de um Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibili-
dade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais. (CIDH, on line)
Analisando as atividades que vem sendo empreendidas pela Corte IDH, perce-
be-se que a função consultiva é a mais empregada, sendo poucos os casos levados
ao contencioso. A consulta, como visto acima, consiste em saber sobre a interpre-
tação que a Corte Interamericana faz do texto da Convenção e dos demais tratados
interamericanos de caráter humanitário, sendo a ela possível, inclusive, elaborar um
parecer sobre a compatibilidade (ou não) entre os textos normativos domésticos dos
Estados e os textos dos instrumentos internacionais. Essa análise de compatibilidade,
por óbvio, tem como parâmetro a interpretação que a Corte IDH faz de tais instru-
mentos.
Outro aspecto que deve ser considerado repousa no fato de que, antes de o caso
contencioso ser encaminhado para a Corte, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos realiza um trabalho autocompositivo prévio entre o Estado e o titular do
direito violado, fase que, geralmente, se mostra exitosa.
As decisões da Corte, referentes aos casos declarados como contenciosos, são
definitivas e inapeláveis, devendo estar fundamentadas pelos juízes e, inclusive,
acompanhadas dos votos dos juízes dissidentes. Se houver alguma divergência quan-
to ao alcance e o sentido da decisão, a Corte, atendendo a pedido do Estado, deve
interpretar sua própria decisão. Sanadas as dúvidas, os Estados-Partes devem cumprir
as decisões exaradas pela Corte em caráter obrigatório. (CIDH, on line)
[...] desde finales de los años noventa, la Corte ha venido instaurando un modelo de relacionamiento
directo con órganos estatales, incluyendo el poder legislativos y los jueces nacionales. A modo de ilustra-
ción, ante una condena al Estado, la Corte Interamericana ha ordenado al legislador nacional que reforme
una ley, la anule o la modifique, ha solicitado a jueces nacionales que no apliquen una ley e que concedan
prevalencia a la Convención Americana sobre el derecho nacional, e incluso ha exigido un cambio en la
línea jurisprudencial de la corte constitucional nacional cuando una interpretación local crea una práctica
que vulnera la Convención Americana. (GÓNGORA-MERA, 2013, p. 314)
É nesse ponto que desponta no cenário internacional de proteção dos direitos
humanos um possível impasse com relação à aplicação do direito interno e do direito
internacional pelas cortes constitucionais dos Estados e pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, fazendo surgir a discussão sobre a adequação ou não do controle
de convencionalidade.3 É de se reconhecer que a postura da Corte IDH, em muitos
3
O controle de convencionalidade consiste na análise de compatibilidade de normas e atos internos em face das nor-
mas internacionais. Ou, nas palavras de Mazzuoli (2013, p. 744-745), é a “compatibilização vertical das leis (ou dos
atos normativos do Poder público) não só tendo como parâmetro de controle a Constituição, mas também os tratados
internacionais (notadamente os de direitos humanos, mas não só eles) ratificados pelo governo e em vigor no país”.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 53
casos, adentra por demais na esfera de autonomia política e jurídica dos Estados, es-
pecialmente quando ordena que concedam primazia às normas internacionais, como
a Convenção, em detrimento de seus textos constitucionais. Ao mesmo tempo, admi-
te-se que os melhores intérpretes dos instrumentos interamericanos de proteção dos
direitos humanos são a Comissão e a Corte.
En efecto, la manera en que los jueces interamericanos e y las cortes constitucionales abordan la relación
entre la Constitución nacional y el derecho internacional puede diferir. Mientras que los jueces interame-
ricanos conciben (en clara perspectiva monista) un orden normativo integrado verticalmente en el que
prevalecen las normas interamericanas (aunque se reconoce la aplicación del principio pro homine y por
ello esta prevalencia no es automática), la doctrina del bloque de constitucionalidad4 representa una con-
cepción más pluralista, basada en el trato igualitario de ambas fuentes normativas en el nivel nacional,
independientemente de su origen nacional o internacional. (GÓNGORA-MERA, 2013, p. 316)
O problema consiste em saber qual das decisões – a da corte constitucional ou
a da corte interamericana – deve prevalecer em caso de divergência na interpretação
de uma mesma norma, ou seja, qual delas deve ser considerada como instância final,
cuja decisão não mais está sujeita a revisão por instância superior.
[…] la constitucionalización de los instrumentos interamericanos (que supone una armonización de nor-
mas) no conduce inexorablemente a su aplicación uniforme en ambos niveles, debido a la multiplicidad
de interpretes. La competencia de la Corte Interamericana de interpretar la Convención Americana y otros
instrumentos interamericanos que tienen jerarquía constitucional en el nivel nacional le concede una au-
toridad con una relevancia diferenciada que debería ser reconocida a nivel nacional al menos como un
precedente persuasivo que no puede ser desconocido sin adecuada justificación. Pero igualmente, la Cor-
te Interamericana debe demonstrar cierta deferencia a los estándares nacionales de derechos humanos
que sean congruentes con los instrumentos interamericanos si no quiere arriesgar su propia legitimidad
y la cohesión del sistema. En la medida en que la interpretación de normas interamericanas ocurre en su
aplicación a un caso concreto que en ocasiones es conocido por ambos los niveles, la convergencia, la
divergencia e incluso el rechazo sistemático son resultados posibles. (GÓNGORA-MERA, 2013, p. 317)
Resta saber se, de fato, o entendimento de que a decisão da Corte Interamerica-
na de Direitos Humanos tem mais força do que o direito interno previsto nas decisões
das cortes nacionais se mostra razoável frente às discussões doutrinárias contempo-
râneas sobre esse sistema judicial multinível.

3. Mecanismos de harmonização do Direito Interno e do


Direito Internacional de Proteção dos Direitos Humanos no
Sistema Interamericano: margem de apreciação, aderência
nacional e convergências paralelas

Esses processos de mútua abertura entre direito interno e direito internacional


trazem como consequência a necessária e urgente harmonização desses sistemas de
justiça. Contudo, a divergência de interpretações dos instrumentos internacionais de
proteção dos direitos humanos feitas nos planos interno e internacional não podem se
resolver exclusivamente sobre os parâmetros dos juízes dos Estados ou dos da Corte
IDH. Convém ainda ponderar que:
[...] a situação se agrava se considerarmos que as diversas ordens normativas do sistema jurídico mun-
dial de níveis múltiplos têm compreensões sensivelmente diversas das questões dos direitos humanos,
muitas delas sendo, inclusive, avessa à ideia de direitos humanos como direitos que pretendem valer para
toda e qualquer pessoa. É nesse contexto que toma significado especial o transconstitucionalismo pluri-

4
A doutrina do bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normati-
vos de hierarquia constitucional, além da própria Constituição (RAMOS, 2006).

54 Andréia da Silva Costa


dimensional dos direitos humanos, que corta transversalmente ordens jurídicas dos mais diversos tipos,
instigando, ao mesmo tempo, cooperação e colisões. (NEVES, 2009, p. 256)
Assim, faz-se necessário que as ordens jurídicas se comuniquem de modo trans-
versal, se relacionem e interajam de modo cooperativo, não sendo interessante aos
direitos humanos uma postura de competição entre os sistemas jurídicos colidentes,
de prevalência de um em detrimento do outro, mas sim de entrelaçamento em busca
de soluções interdisciplinares.
Manuel Eduardo Góngora-Mera (2013) apresenta três mecanismos de compati-
bilização entre os níveis interno e regional – 1. restrição da margem de apreciação dos
Estados; 2. aderência nacional aos padrões internacionais regionais; e 3. convergên-
cias paralelas. Tais mecanismos se contrapõem a três modelos possíveis de relacio-
namento entre as cortes nacionais e a interamericana – 1. o que outorga prevalência
à corte nacional; 2. o que outorga prevalência à corte regional; e 3. o que estabelece
uma relação de respeito mútuo baseada na interdependência e na reciprocidade entre
as cortes nacionais e a corte regional, em que esta última assuma o papel de primus
inter pares.
Em se tratando da margem de apreciação, urge pontuar que a doutrina da mar-
gem de apreciação tem sua origem na Europa e sua lógica se baseia na natureza
subsidiária do sistema regional europeu de proteção dos direitos humanos. Os Esta-
dos-Partes da Convenção Europeia tem a faculdade de cumprir suas obrigações inter-
nacionais de acordo com seus próprios padrões normativos e de resolver internamente
os conflitos que surjam de sua (Convenção Europeia) implementação. (GÓNGORA-
-MERA, 2013, p. 318-319)
A tentativa de harmonização por meio da concessão de oportunidade aos Esta-
dos de decidirem afastar a aplicação de determinada premissa internacional de pro-
teção de direitos humanos dando preferência à sua normativa interna pode pôr em
risco todo o progresso de proteção da dignidade humana fortemente consolidado em
âmbito internacional, mas também, por outro lado, pode ser considerada, se restarem
demarcados de modo claro seus limites e seus critérios, uma boa saída para compo-
sição desses conflitos pontuais.
Considera-se a margem nacional de apreciação como um “[...] critério herme-
nêutico ou espaço de deferência conferido aos órgãos nacionais para que, dentro de
certos limites, interpretem e apliquem disposições dos instrumentos internacionais
de proteção dos direitos humanos”. (SALDANHA; BRUM, 2015, p. 222) Ou seja,
a margem de apreciação consiste em uma “margen de maniobra relativamente am-
plio a los Estados en relación con la interpretación de la normativa regional y en
los mecanismos de implementación legal y administrativa de las obligaciones que se
deriven de aquella”. (GÓNGORA-MERA, 2013, p. 318-319)
O uso da margem de apreciação pelas Cortes Internacionais, além de tentar uma
harmonização entre o direito interno e o internacional, promove uma análise das res-
trições de direitos realizadas pelos países e confere às autoridades locais uma oportu-
nidade de trazer à evidência suas peculiaridades culturais e os valores que albergam
em sua sociedade.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 55
A utilização da teoria da margem nacional de apreciação apresenta aspectos
positivos e negativos, de acordo com a doutrina especializada.5 Os que a defendem
alegam ser ela uma oportunidade que é conferida aos Estados para que cumpram os
instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos sem comprometer a
segurança dos Estados e sua soberania e os valores internos, na medida em que enten-
dem que as autoridades nacionais estão mais capacitadas para melhor analisar o caso
concreto e decidir sobre o mesmo do que os juízes internacionais, que se encontram
mais distantes.
Como corolario, la jurisprudencia europea ha considerado que las autoridades nacionales se encuentran
en mejor posición para establecer las medidas más apropiadas y eficaces; en diversos casos, la Corte de
Estrasburgo se ha abstenido de dar definiciones muy precisas sobre ciertos derechos y le ha reconocido
un importante margen de discreción a los Estados, especialmente en relación con restricciones, suspen-
sión y implementación de esos derechos. (GÓNGORA-MERA, 2013, p. 319)
Em contrapartida, há aqueles que entendem que a referida teoria não pode ser
usada indiscriminadamente, sem limites precisos e sem critérios claros, sob pena de
representar um verdadeiro retrocesso do Direito Internacional dos Direitos Huma-
nos, podendo significar um rompimento com a mundialização dos direitos humanos
e refletir a falta de compromisso dos Estados com os marcos protetivos mínimos de
proteção da dignidade humana em âmbito internacional.
[…] el margen de apreciación ha sido duramente criticado por muchos juristas que argumentan, de un
lado, que el margen es un obstáculo para el desarrollo de estándares unificados de derechos humanos
a nivel regional; y por otro lado, destacan los problemas de inconsistencia frente a casos similares y el
riesgo de resistencia que puede generarse a nivel nacional. (GÓNGORA-MERA, 2013, p. 319)
No Sistema Interamericano, a adoção da margem de apreciação tem sido feita
de forma mais comedida. E isso se deve, em grande medida, ao temor dos abusos
estatais e devido aos tipos de casos que chegam à Corte IDH. Diferentemente do que
acontece na Corte Europeia de Direitos humanos, que recebia primordialmente casos
de violações comuns de direitos humanos, à Corte IDH chegam tradicionalmente
violações graves e sistemáticas a direitos fundamentais sobre os quais há consensos
sólidos a nível de sistema universal de direitos humanos. Ademais, a Corte IDH tem
tratado de desenvolver uma jurisprudência regional coerente capaz de superar certas
particularidades locais.
De este modo, la Corte Interamericana ha tendido por la promoción de interpretaciones homogéneas
del derecho interamericano de los derechos humanos, en línea con sus estándares judiciales. En otras
palabras, la Corte admite la descentralización del control de convencionalidad en forma de un modelo de
control difuso, pero guiado a partir de la interpretación que ella efectúe de las normas interamericanas, lo
que en últimas es una expresión visible de la aplicación vigorosa del principio de autonomía. (GÓNGORA-
-MERA, 2013, p. 321)

5
Cf. ARAI-TAKAHASHI,Yutaka. The margin of appreciation doctrine and the principle of proporcionality in the
jurisprudence of the ECHR, Intersentia, Antwerpen, Oxford, 2002; BAKIRCIOGLU, Onder. The Application of
the Margin of Appreciation Doctrine in Freedom of Expression and Public Morality Cases, German Law Journal, v.
8, n. 7, p. 711-733, 2007; BENVENISTI, Eyal. Margin of apreciation, consensus, and universal standards, Interna-
tional Law and Politics, v. 31:843, p. 843-854, 1999; FERREIRA, Siddharta Legale, Internacionalização do direito:
reflexões críticas sobre os seus fundamentos teóricos, Revista SJRJ, Rio de Janeiro, ago. 2013, v. 20, n. 37; GAR-
CÍA ROCA, Javier, La muy discrecional doctrina del margen de apreciación nacional según el Tribunal Europeo de
Derechos Humanos: soberanía e integración, UNED. Teoría y Realidad Constitucional, n. 20, 2007; ITZCOVITCH,
Giulio. One, None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations: The Lautsi Case, Human Rights Law Re-
view, Oxford Journals, 2013; KRATOCHVÍL, Jan. The inflation of the margin of appreciation by european court of
human rights, Netherlands Quarterly of Human Rights, v. 29/3, p. 324-357, 2011.

56 Andréia da Silva Costa


Assim, mais preocupada em firmar uma jurisprudência homogênea regional, a
Corte IDH pouco vem adotando a teoria da margem de apreciação, que confere aos
países a possibilidade de decidirem no caso concreto pela melhor solução levando
em consideração suas normas internas. Em contrapartida, cabe aos Estados, de forma
autônoma, decidirem se querem ou não adotar a jurisprudência interamericana e em
que medida.
Jimena Cabañas (2012, p. 282), ao analisar a aplicação da margem de aprecia-
ção nos casos de Honduras levados à Corte IDH, salienta que:
El 85% de los casos sometidos ante la Corte IDH se refieren a violaciones al derecho a la vida e integridad
de las personas, de los cuales el 50% fueron cometidos en el contexto de prácticas de desapariciones
forzadas (década de los ochenta), torturas, detenciones y ejecuciones ilegales, y el 15% restante del 80%
de los casos se refieren a violaciones a la libertad personal y el derecho a las garantías judiciales. Por
otro lado, Honduras es un país que ha estado marcado a través de los años por la inestabilidad política
(dictaduras, poderío militar, débil institucionalidad, golpes de Estado) y la desestabilización económica y
social, factores que de una u otra forma repercuten en el contexto del respeto a los derechos humanos.
Por lo tanto, podemos concluir que en un contexto como el que predomina en los casos hondureños
sometidos ante la Corte IDH, la alegación del margen de apreciación no ha tenido lugar, siendo otro
factor incidente el carácter supra nacional y supra legal que tiene el derecho internacional sobre nuestro
derecho interno. (grifou-se)
Em 1999, precisamente no caso n. 11.656, em seu Informe 71/99, o Estado
colombiano tentou, timidamente, alegar a primazia de seu direito interno frente às
normas da Convenção Interamericana.6 No caso, a peticionante Marta Lucía Álvarez
Giraldo alegou violações a sua integridade pessoal, honra e igualdade ao lhe ser ne-
gado, pelas autoridades carcerárias, o direito de visita conjugal com sua parceira do
mesmo sexo. Em contrapartida, o Estado colombiano justificou sua postura salien-
tando que:
Permitir visitas íntimas a homosexuales afectaría el régimen de disciplina in- terna de los establecimientos
carcelarios dado que, en su opinión, la cultura latinoamericana es poco tolerante de las prácticas homo-
sexuales en general... el Estado justifica su negativa a permitir la visita íntima por razones de seguridad,
disciplina y moralidad en las instituciones penitenciaria... reiteró sus alegatos iniciales en cuanto a que la
prohibición atiende a razones arraigadas en la cultura latinoamericana la cual, sostiene, sería poco tole-
rante respecto de las prácticas homosexuales. (CIDH, on line)
Esse movimento, pode ser considerado por parte da Colômbia como uma tentati-
va de conduzir a Corte à aplicação da doutrina da margem de apreciação, possibilitan-
do que, enfim, aspectos internos sejam priorizados em detrimento das interpretações
que a Corte faz dos instrumentos interamericanos de proteção dos direitos humanos.
Paola Andrea Acosta Alvarado (2012, p. 202) afirma que, no caso do Estado
colombiano, do mesmo modo que ocorre em Honduras, a margem de apreciação não
é aplicada com a mesma frequência da Corte europeia. Como se observa,
el margen de apreciación no es una herramienta de uso frecuente en el marco de los casos colombianos
tramitados ante el sistema interamericano. En nuestro entender, ello es así debido a que las graves viola-
ciones puestas en conocimiento del sistema no permiten alegato alguno sobre la existencia de un margen
de maniobra por parte del Estado y, además, porque la especial forma de tejer las relaciones entre el
derecho internacional y el derecho constitucional colombiano reduce considerablemente la posibilidad de
encontrar visiones disímiles a la hora de interpretar el alcance de los derechos humanos.
Sobre esta última
cuestión vale la pena resaltar que no se trata de una rendición por parte del ordenamiento nacional al
incandescente brillo del derecho internacional, sino de una lectura armónica de las particularidades na-

6
CIDH, informe 71/99, caso n. 11565, Marta Lucía Álvarez Giraldo, 4 de mayo de 1999.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 57
cionales previstas en el derecho constitucional, con la interpretación internacional, una interpretación
que se hace necesaria en el marco de escenarios que, como el colombiano en varias oportunidades, se
caracterizan por el abuso del poder y la manipulación del derecho.
Percebe-se que a natureza das violações impactam sobremaneira na adoção ou
não da margem de apreciação pela Corte IDH, isso porque, quando uma violação de
direitos humanos se mostra grave, não cabe aos Estados justificar sua postura frente
à violação com base em determinado dispositivo de lei interna, desconhecendo a pro-
teção internacional. De todo modo, a teoria da margem de apreciação não vem sendo
muito adotada na Corte IDH também em razão de seu enfoque unidirecional, ou seja,
o entendimento de que as cortes constitucionais nacionais decidem se adotam (ou
não) um standard interamericano ou se impõem um padrão interpretativo próprio, se
mostra dissonante do sentimento de proteção global do ser humano.
La doctrina del margen de apreciación en el derecho internacional ha sido concebida como una herra-
mienta judicial que pretende imponer límites al alcance de la actividad de los tribunales internacionales
con base en el reconocimiento del poder estatal en torno a la determinación (contenido y alcance) de los
derechos humanos. Si bien el origen de esta doctrina se encuentra en el trabajo adelantado en el seno
del sistema europeo de protección de los derechos humanos, nuestro sistema regional de protección, el
interamericano, no es ajeno a ella. (ACOSTA ALVARADO, 2012, p. 183)
Outro mecanismo usado pelos Estados para promover a convergência entre o
direito interno e o direito internacional, consiste na aderência nacional voluntária aos
padrões interpretativos judiciais da Corte IDH. Esse, de regra, tem sido o mecanismo
predominante no âmbito regional, ou seja, é o mecanismo mais adotado pelos Esta-
dos.
En la practica, la compatibilización a través de la adherencia de las cortes nacionales ha sido la forma
predominante de convergencia en el sistema interamericano. Especialmente en el caso de cortes cons-
titucionales que han adoptado la doctrina del bloque de constitucionalidad, se observa una cierta inclina-
ción a reconocer mayor autoridad (persuasiva o vinculante) a los estándares judiciales interamericanos.
(GÓNGORA-MERA, 2013, p. 321)
Contudo, as cortes constitucionais podem oscilar entre dois extremos – da ade-
rência voluntária acrítica ao rechaço sistemático, ambos extremamente perigosos tan-
to para a legitimidade das cortes constitucionais como da Corte IDH. Atualmente,
tem-se dois exemplos claros dessas posições: a Corte Suprema da Argentina, que
considera os padrões interpretativos interamericanos como critérios jurídicos de or-
dem valorativa para seu sistema interno, e a Venezuela, que rechaça com veemência
a jurisdição da Corte Interamericana e conclui que somente sua corte constitucional
tem competência para interpretar os tratados de direitos humanos.
[…] ambos extremos (“adherencia acrítica” y “rechazo sistemático”) son problemáticos. La jurisprudencia
de la Sala Constitucional venezolana concibe a la Corte Interamericana como un “tribunal extranjero”
cuyas decisiones deben quedar sometidas a su control de constitucionalidad; ello desconoce las obliga-
ciones de Venezuela como Estado Parte de la Convención Americana (como lo ha declarado la Comisión
Interamericana) y compromete en consecuencia su responsabilidad internacional. Por su parte, en la
jurisprudencia de la Corte Suprema de Argentina, la Corte Interamericana adoptaba las características
de una corte “supranacional” prácticamente infalible, cuyas decisiones debían ser acatadas incondicio-
nalmente, so pena de comprometer la responsabilidad internacional del Estado; esta postura generaba
problemas de ejecución de sentencias interamericanas cuando las órdenes presentaban inconsistencias.
(GÓNGORA-MERA, 2013, p. 321)
O terceiro mecanismo de convergência entre as cortes constitucionais nacionais
e a Corte Interamericana prevê a necessidade de uma convergência paralela, ou seja,
prevê a recepção de idênticos padrões normativos extrarregionais de maneira inde-
pendente e mais ou menos simultânea nas decisões das distintas cortes do sistema.

58 Andréia da Silva Costa


Isso é possível em razão da natureza multinível do sistema interamericano, que aco-
lhe em seu bojo tanto os padrões nacionais de proteção dos direitos humanos como
os do sistema global das Nações Unidas, que possui aplicação universal. (GONGO-
RA-MERA, 2013)
De acordo com esse mecanismo, que se mostra mais afinado à dinâmica inter-
nacional de primazia do princípio pro homine, as cortes e os sistemas devem dialo-
gar livremente e de forma interdependente, de maneira respeitosa e recíproca, o que
significa que, do mesmo modo que as cortes constitucionais nacionais devem atentar
para as interpretações que a Corte Interamericana faz dos instrumentos humanitários
e considerá-las em sua ordem interna, a Corte IDH também precisa ser mais aberta
aos padrões normativos e aos avanços interpretativos desenvolvidos a nível nacio-
nal.

Conclusão

Existe atualmente um sistema jurídico global multinível que conta com o incre-
mento de diferentes ordens jurídicas (local, nacional, regional e internacional) que
se relacionam entre si e que abordam uma mesma realidade da vida social. Dessa in-
teração dinâmica surgem convergências e descordos que vêm sendo analisados pela
doutrina na tentativa de elaborar parâmetros de harmonização entre o direito interno
e o direito internacional.
Referida problemática ganhou maior evidência com o incremento do Direito
Internacional dos Direitos Humanos que ensejou o surgimento de uma gama de ins-
trumentos normativos de caráter humanitário, bem como de cortes internacionais de
justiça e de órgãos internacionais encarregados de fazer cumprir os direitos humanos
previstos nos instrumentos, responsabilizando os estados que não estiverem obser-
vando os compromissos assumidos internacionalmente.
Na medida em que os direitos humanos deixam de ser uma questão de interesse
somente interno dos Estados (interesse doméstico) e passam a ter espaço nas discus-
sões internacionais, passando a ser dever de todos os países a preservação da digni-
dade do ser humano em toda e qualquer circunstância, surgem problemas pontuais
em razão das visões e posturas diversas que os Estados assumem frente ao tema dos
direitos humanos.
Um dos principais impasses consiste em saber qual dos sistemas tem primazia
em meio a essa pluralidade de ordens jurídicas: o nacional ou o internacional? O pre-
sente artigo abordou especialmente esse problema dentro do Sistema Interamericano
de Direitos Humanos e ponderou que se faz necessária a adoção de mecanismos de
harmonização que atuem não de modo unidirecional, mas sim, multidimensional.
Isso porque, no caso da Corte Interamericana que tem natureza multinível, se faz
mais adequado promover a interação paralela das interpretações plurais que podem
ser feitas tanto do direito nacional como do direito interamericano pelas cortes de
justiça – constitucionais nacionais e interamericana.
A adoção de mecanismos que ordenam a primazia ou só da corte nacional (mar-
gem de apreciação) ou só da corte interamericana (aderência nacional aos padrões
judiciais interamericanos) acirram ainda mais as divergências, deslegitimam a plura-
lidade do sistema jurídico multinível, traz maior risco de rechaço das jurisprudências
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 59
internacionais ou de recepção acrítica dos padrões interamericanos em nível nacio-
nal.
Assim, seguindo a dinâmica internacional, a melhor saída para a harmonização
dos sistemas interno e interamericano consiste na adoção de um enfoque multidi-
recional que estabeleça uma relação de reciprocidade e de respeito entre as cortes
nacionais constitucionais e a Corte Interamericana, ambas capazes de juntas constru-
írem um vasto e rico arcabouço normativo e jurisprudencial de proteção, respeito e
promoção dos direitos humanos.

Referências
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——. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. CIDH. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/Basicos/Portu-
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p. 195-238.
TRINDADE, Antônio Cançado. Apresentação. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional.
São Paulo: Saraiva, 2006.

60 Andréia da Silva Costa


—4—

El Convenio 169 de la OIT y su aplicación en Chile.


Tres hipótesis explicativas a su domesticación

CRISTÓBAL MANUEL HERRERA MORALES1

Sumario: Introducción; 1. La dogmática constitucional dominante en Chile es escasamente recepti-


va al derecho internacional de derechos humanos; 1.1. Dogmática constitucional de profesores de
Derecho; 1.2. Jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia y el Convenio 169; 1.3. El Tribunal
Constitucional chileno y el Convenio 169 de la OIT; 2. La configuración de la estructura constitucio-
nal normativa chilena protege elites minoritarias y excluye a grupos desaventajados, entre los que
se puede incluir a los pueblos indígenas; 2.1. La Constitución de la Desigualdad; 2.2. La exclusión
de grupos desaventajados: el caso de los pueblos indígenas de Chile; Conclusiones; Referencias.

Introducción

La situación de los pueblos indígenas en Chile es preocupante. Una nítida ma-


nera inicial para comprender la deficitaria situación cultural, política y jurídica de los
pueblos originarios residentes en Chile es constatar su ausencia de reconocimiento
constitucional. Lo constitucional aquí debe ser entendido como una total ausencia de
reconocimiento de los indígenas en tanto sujetos y comunidades diferentes de la na-
ción chilena – asumiendo que ésta última exista de alguna manera2 – y no sólo como
una carencia de reconocimiento en el texto constitucional vigente en Chile. Me re-
sulta pedagógico arrancar de este enfoque que da cuenta de la indiferencia hacia los
indígenas, ya que así resulta más fácil ejemplificar la exclusión histórica que aquellos
han sufrido desde los albores del Estado chileno. No es el objetivo del presente do-
1
Abogado, Universidad Austral de Chile. Profesor Ayudante Instituto de Derecho Público, Facultad de Ciencias Jurí-
dicas y Sociales de la Universidad Austral de Chile. Tesista en el Máster en Cultura Jurídica, Universitat de Girona.
2
Utilizo das formas que me parecen útiles para fijar contornos a qué pueden ser entendidas como comunidades
o grupos humanos, llámense “naciones”, “pueblos” u otros. Éstas son las nociones de “Cultura Societal” de Will
Kymlicka (2015) y de “Comunidad Imaginada” de Benedict Anderson (2006). En términos generales, la primera
categoriza a los grupos humanos según elementos culturales compartidos entre los sujetos y que dotan de sentido
a éstos últimos, convirtiéndolos al mismo tiempo en miembros de una comunidad. La segunda, pivotando sobre el
concepto de nación, define a esta noción según caracteres históricos y psicológicos de distintos grupos humanos. En
función de estas categorías, creo plausible afirmar la distinción de grupos entre los pueblos indígenas y el resto de
la población chilena.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 61
cumento precisar los alcances y los distintos modos de subalternidad de los pueblos
indígenas de Chile. Existe una extensa bibliografía sobre el particular.
Siguiendo las directrices de este libro, me referiré críticamente a la aplicación
en Chile del Convenio 169 de la OIT. Sobre esta norma internacional, la tesis es
sencilla: los objetivos del Convenio, en tanto protectora de derechos fundamentales
de pueblos indígenas, han sido ignorados por el Estado de Chile. Las reivindicacio-
nes de los pueblos indígenas han sido desoídas para dar cabida a otro tipo de intere-
ses. En otras palabras, los derechos fundamentales de los indígenas contenidos en el
Convenio han sido “domesticados”. No pretendo ahondar más que en la afirmación
de esta tesis. Aquí simplemente me limitaré a enunciar tres explicaciones contem-
poráneas que pueden dar sentido a dicha situación. Reconociendo que son hipótesis
preliminares y que pueden ser problematizadas, las presentaré condensadamente a
continuación.

1. La dogmática constitucional dominante en Chile es


escasamente receptiva al derecho internacional de derechos humanos

Para los fines de este trabajo, por dogmática constitucional entenderé la labor
deontológica de Teoría Constitucional – de parte orgánica, filosófico/política y de
derechos fundamentales – que es producida en Chile por la academia jurídica, por la
Corte Suprema de Justicia y por el Tribunal Constitucional chileno. Sobre la primera,
realizaré un breve muestreo general de trabajos influyentes de distintos autores en
torno a la relación de jerarquía entre el derecho interno chileno y el derecho interna-
cional de derechos humanos. Respecto de los dos últimos, la metodología a utilizar
será diferente. Aquí me limitaré comentar la jurisprudencia y/o las directrices emana-
das por la Corte y el Tribunal Constitucional sólo sobre el Convenio 169 de la OIT.
Precisaré en el detalle de análisis en el orden aquí presentado.

1.1. Dogmática constitucional de profesores de Derecho


Resumiré en esta primera parte lo nuclear de las tesis de algunos profesores
chilenos sobre la relación Derecho Interno/Derecho Internacional de los Derechos
Humanos. Comenzaré con Lautaro Ríos. Sostiene que artículo 5° inciso 2° de Cons-
titución política chilena consagra sólo el deber de promoción de los derechos funda-
mentales y no se pronuncia sobre su jerarquía normativa, aunque, de cualquier modo,
asegura se trata de un precepto que limita el poder estatal (RÍOS, 1997, p.105). En
un sentido muy diferente, Humberto Nogueira (2003) sostiene una tesis opuesta. Los
derechos humanos poseen rasgos de supra y transnacionalidad, entre otros rasgos que
sitúan a las normas de derechos humanos por sobre cualquier otra regulación norma-
tiva. Misma tesis sostiene Pfeffer, al decir que:
[…] Debe concluirse que los derechos esenciales asegurados por el orden internacional, contenidos en
las fuentes formales aludidas, representan un límite objetivo a la soberanía estatal y representan la norma
de superior jerarquía dentro del ordenamiento jurídico. Ello no debe extrañar, si se considera además que
es congruente con la concepción iusnaturalista a la que en materia de derechos fundamentales adscribe
nuestro constituyente (PFEFFER, 2003).
Eduardo Aldunate ha afirmado que cuanto a la jerarquía normativa, tratados
internacionales y leyes internas se encuentran en el mismo nivel, careciendo por
tanto los tratados sobre derechos humanos de alguna cualidad jerárquica particular

62 Cristóbal Manuel Herrera Morales


(ALDUNATE, 2010, p. 208). Finalmente, en un trabajo dirigido por Claudio Nash,
se ha presentado que los derechos humanos contenidos en tratados internacionales
poseen en el sistema jurídico chileno el rango de normas constitucionales, lo que im-
porta, en lo principal, que el Estado de Chile se compromete internacionalmente a la
protección de derechos humanos (NASH, et al., 2012, p. 21-25).
De los trabajos aquí citados, que en mi opinión resumen bien el estado del
debate chileno sobre tratados internacionales de derechos humanos y su recepción
en Chile, pueden colegirse tres conclusiones: 1) el debate sigue abierto en cuanto
al valor jerárquico que poseen los tratados internacionales en relación a las normas
internas del Estado de Chile. Las posturas académicas van desde entender que los tra-
tados poseen el mismo rango que una ley del Estado hasta argumentos que sostienen
la supra constitucionalidad de ciertos tratados, en especial, los que regulan derechos
fundamentales; 2) de la disputa anterior, se desprende otro problema: tampoco exis-
te una opinión dominante sobre si los tratados internacionales que prevén derechos
fundamentales deben poseer un estatus normativo sobre otro tipo de normas, ya sean
internas o internacionales. Con esta constatación se pretende afirmar que la impor-
tancia de los derechos fundamentales comprendidos en instrumentos internacionales
no es una idea consolidada ni mucho menos hegemónica en la doctrina académica
chilena; 3) siguiendo una línea lógica en la problematización aquí bosquejada, existe
incluso menos claridad aún en la academia sobre la importancia del Convenio 169 de
la OIT como norma de derecho internacional que contempla derechos fundamentales
de pueblos indígenas. Un motivo adicional a esta nebulosa, la presentaré en el apar-
tado segundo de este trabajo, y hace alusión al descuido jurídico-político que existe
en el sistema normativo chileno para el desarrollo de derechos fundamentales que
escape a lógicas individualistas (o iusnaturalistas-individualistas).

1.2. Jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia y el Convenio 169


Desde la primera década del siglo XXI, la Corte Suprema chilena ha sosteni-
do en algunas sentencias – no en todas – una jurisprudencia favorable a las normas
internacionales que consagran derechos fundamentales (NASH et. Al, 2012, p.20).
Sobre derechos fundamentales de pueblos indígenas, la situación es algo distinta. En
particular, sobre el Convenio 169 de la OIT puede clasificarse la línea jurisprudencial
de la Corte Suprema en dos grandes etapas. Aquí rescato como referencia de análisis
el derecho fundamental medular del Convenio 169, cuyo correlato es una exigencia
para el Estado que ratifica esta norma internacional. Me refiero a la obligación de
consulta a los pueblos indígenas, recogida en el artículo 6° del Convenio 169.
Desde la entrada en vigencia del Convenio 169 en Chile, durante el año 2009,
la Corte Suprema del país transitó por dos corrientes jurisprudenciales diferentes. La
primera de ellas, manifestada en las sentencias rol 4078-2010, rol 9889-2010 y rol
4289-2011 no reconocían los objetivos que perseguía el Convenio 169 de la OIT. En
la primera de las sentencias aquí citadas, la Corte Suprema interpretaba laxamente
las obligaciones del Estado de Chile en materia de derechos fundamentales de pue-
blos indígenas a través de lo que la Corte denominó “principio de flexibilidad”; y,
adicionalmente, sostuvo la innecesaridad del Convenio 169 debido a que la ley n°
19.300, de bases generales del medioambiente, ya regulaba un procedimiento de par-
ticipación ciudadana, el que entendió plenamente aplicable a los pueblos indígenas.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 63
Esta primera línea de argumentación de la Corte Suprema denota su inobservancia
absoluta al contenido de derechos fundamentales del Convenio 169.
Un giro copernicano se produjo en el razonamiento de la Corte a partir de la
sentencia rol 11040-2011. En términos generales, es el criterio que se mantiene vi-
gente hasta la actualidad – ver, por ej., la sentencia rol 6628-2015, la más nueva
sobre la materia –. Desde allí, se comienza a reconocer jurisprudencialmente la obli-
gatoriedad de la consulta indígena, junto con la exigencia de que se realice según las
pautas establecidas por el Convenio 169 – de buena fe y con el fin de obtener el con-
sentimiento de las comunidades –, argumentándose adicionalmente que la consulta
es un mecanismo para alcanzar la igualdad de trato por diferenciación, reivindicación
tradicionalmente abrazada por las comunidades indígenas.
Existe, sin embargo, un inconveniente en esta nueva tendencia jurispruden-
cial de la Corte. Existen algunos fallos, como el rol 817-2016, que han interpretado
restrictivamente la oración “susceptibles de afectarles directamente” que exige la re-
dacción de la consulta indígena contenida en el artículo 6° del Convenio. Esto explica
que en ocasiones, la Corte haya interpretado de manera muy exigente la afectación
directa a una determinada comunidad indígena; y en otras, como en la sentencia acá
citada, haya entendido que una comunidad indígena sí se encontraba afectada direc-
tamente por cierta resolución administrativa, y no así comunidades aledañas a la que
sí se estimó vulnerada. Con esta inquietud pretendo manifestar que los antecedentes
de facto de los casos de los que conoce la Corte Suprema chilena pueden llevarla a
limitar, vía apreciación de estos hechos, el sentido político de defensa de derechos
fundamentales indígenas que el Convenio 169 pretende alcanzar.

1.3. El Tribunal Constitucional chileno y el Convenio 169 de la OIT


En términos generales, el Tribunal Constitucional ha sostenido que los trata-
dos internacionales son sólo leyes en el rango de la pirámide normativa (Nash et al.,
2012, p.20). Sobre el Convenio 169, el Tribunal ha sostenido una tesis incluso más
radical. En la sentencia rol 309, del 4 de Agosto de 2000, el Tribunal Constitucional
se hace cargo de una solicitud de inconstitucionalidad del Convenio 169, la que re-
chaza en la forma y en el fondo. Su razonamiento se funda en que la mayoría de las
disposiciones del Convenio no son autoejecutables, sino más bien tienen un carácter
programático, y las que sí son autoejecutables no son contrarias a la Constitución Po-
lítica (DE LA PIEDRA; FERNÁNDEZ, 2003, p. 87). Esta distinción se extrae de la
doctrina estadounidense que diferencia cláusulas de tratados self-executing o autoe-
jecutables o non-self-executing o no autoejecutables. Los primeros son los que tienen
“el contenido y precisión necesarios que los habilita para ser aplicadas sin otro trá-
mite por el derecho interno. En otros términos, son autosuficientes, y entran en legis-
lación nacional cuando el tratado que las contiene se incorpora al derecho vigente”.
Para el mismo Tribunal, las segundas “son aquellas que requieren para su entrada en
vigencia de la dictación de leyes, reglamentos o decretos que las implementen y, en
tal evento, las hagan aplicables como fuente del derecho interno” (parte considerati-
va de sentencia rol 309, de 4 de Agosto de 200).
A modo de conclusión de este primer apartado y en función de lo expuesto,
puede aseverarse que la dogmática constitucional chilena sobre derechos fundamen-
tales y el Convenio 169 elaborada por la academia, por la Corte Suprema y por el

64 Cristóbal Manuel Herrera Morales


Tribunal Constitucional, es escasamente receptiva a un enfoque de derechos funda-
mentales de pueblos indígenas. Debido, como vimos, a la ausencia de un discurso
predominante y favorable en el caso de la academia; y una actividad jurisprudencial
conservadora en el caso de la Corte Suprema y del Tribunal Constitucional, actitud
mucho más marcada en este último organismo. El Tribunal constitucional chileno,
con la conformación actual de los miembros que lo componen, se ha transformado
no sólo en un órgano contra mayoritario de lo constitucional – típica nota de cual-
quier Tribunal Constitucional –, sino que se ha transformado en el polo de resisten-
cia de la minoritaria élite de la derecha chilena. Sobre este tema versará el apartado
siguiente.

2. La configuración de la estructura constitucional normativa


chilena protege elites minoritarias y excluye a grupos desaventajados,
entre los que se puede incluir a los pueblos indígenas.

El móvil de esta sección es desarrollar con cierto detalle algunas características


de la estructura constitucional chilena que no siempre son reconocidas en su debida
importancia, pero que sin lugar dudas son cimientos del vigente entramado constitu-
cional. Aquí se hablará con un lenguaje crítico que es de reciente circulación y que,
como veremos, ha tenido cierta recepción en el último gobierno de Michelle Bache-
let, donde se empezó a transparentar la necesidad de una nueva Constitución Política,
distinta a la heredada de la dictadura de Pinochet. Estas características de la arquitec-
tura constitucional chilena empezaron a denunciarse con firmeza con la emergencia
de nuevos movimientos sociales, en particular, con el inicio del movimiento estu-
diantil secundario de 2006.
Este apartado se dividirá en dos partes. En el primero de ellos, se presentarán
algunas notas y argumentos de esta mirada crítica al sistema constitucional chileno, el
que puede ser concebido como un sistema político-jurídico elitista. A continuación,
veremos cómo esta fisonomía permea y condiciona el tratamiento del Estado de Chile
hacia los pueblos indígenas.

2.1. La Constitución de la Desigualdad


Rescato este término utilizado por Fernando Muñoz, así como la aguda revisión
que realiza sobre la Constitución chilena de 1980. En lo que sigue, haré referencia a
su trabajo (MUÑOZ, 2013).
La Constitución chilena promueve distintos tipos de desigualdades, que acen-
túan las desigualdades de facto que existen y que afianzan la existencia de grupos
con distintos tipos de privilegios – o con ausencia de éstos –; encontramos, por un
lado, las élites, y por otro lado, grupos desaventajados o subalternos. Dentro de las
desigualdades que consolida la Constitución chilena de 1980, encontramos aquella
que deriva de su regulación de la propiedad y su distribución. La consagración nor-
mativa de la propiedad en la Constitución es fruto de la voluntad de políticas neoli-
berales que rechazaron el proceso de reforma agraria ocurrido entre 1965 y 1973. Se
evidencia aquí un re direccionamiento de la actividad estatal de la redistribución de la
propiedad a la protección sin cuestionamientos de la distribución existente de bienes
y oportunidades de carácter económico – distribución factualmente desigual –.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 65
Sin embargo, el reforzamiento constitucional chileno de un orden social econó-
mico desigual no se detiene ahí. La Constitución regula el proceso de formación de la
voluntad colectiva – el proceso legislativo – de forma tal de favorecer la preservación
del programa político, social y económico del régimen militar, y establece además
una institución encargada de custodiar la conformidad sustantiva de los productos
de la legislación con el texto constitucional: el Tribunal Constitucional (MUÑOZ,
2013, p. 103). Profundicemos algo más la crítica que se esbozó en la parte final del
primer apartado. Según la Constitución chilena de 1980, todas aquellas materias que
según la Constitución deben ser abordadas mediante ley orgánica constitucional han
de ser aprobadas por cuatro séptimos del total de diputados y senadores en ejercicio,
y han de ser revisadas imperativamente por el Tribunal Constitucional antes de ser
promulgadas. Respecto de todo otro proyecto de ley, una cuarta parte de cualquiera
de las cámaras pueden requerir la intervención el Tribunal Constitucional. Teniendo
presente estas formalidades legislativas, el lector entenderá que con estas “reglas del
juego” se vuelve difícil cambiar la distribución de bienes establecida en el sistema
jurídico implementado en la dictadura.
Otro tipo de desigualdad que fomenta la Constitución chilena de 1980, y que
también se traduce factualmente en la división y exclusión de grupos, es la desigual-
dad política. Esta desigualdad es concebida de distintas maneras por la Constitución
de 1980, entre ellas los mecanismos de distorsiones electorales, sistema binominal
y supermayoritarismo (MUÑOZ, 2013, p.107). El sistema político chileno se aparta
del paradigma democrático y opta por fórmulas diseñadas para restringir, encau-
zar y limitar la expresión electoral de la voluntad popular. Estos constreñimientos
están inspirados en el diagnóstico de los partidarios del régimen militar según el
cual, en palabras de Jaime Guzmán, uno de los principales ideólogos de la dictadura
chilena:
[…] El sistema democrático basado en la generación de las autoridades por un sufragio popular realmente
libre, constituye un ideal que sólo funciona adecuadamente en países de alto desarrollo económico, social
y cultural. […] En otras condiciones, su estabilidad será siempre precaria, y su ejercicio puede entrañar
un grave peligro para la subsistencia de la libertad y la seguridad, como asimismo para el avance hacia
el progreso (GUZMÁN, 1979, p. 43).
Del diagnóstico reseñado por Guzmán surge un diseño institucional y consti-
tucional orientado a transformar a Chile en una democracia protegida (MUÑOZ,
2013, p. 108). Si bien ya fueron eliminados algunos de los enclaves autoritarios que
hacían realidad este concepto, tales como la existencia de senadores designados,
aún subsisten en el ámbito electoral y legislativo mecanismos que se apartan del
paradigma democrático: véase, por ejemplo, un diseño de distritos electorales tram-
poso, orientado a sobre representar geográficamente a los lugares donde la junta
militar obtuvo un mejor resultado en el plebiscito de 1988; unido a un sistema elec-
toral orientado a asegurarle a la derecha la mitad de la representación parlamentaria
– sistema recientemente modificado, cuya primera elección será celebrada a fines
de 2017 –; y un diseño del proceso legislativo que entrega un veto a los mismos
sectores para detener cualquier modificación al legado económico, social y político
instaurado por la dictadura chilena. Puede apreciarse así que este legado está prote-
gido mediante una serie de candados que operan distorsionando la expresión política
de las mayorías.

66 Cristóbal Manuel Herrera Morales


2.2. La exclusión de grupos desaventajados:
el caso de los pueblos indígenas de Chile
Estos dos tipos de desigualdades, arriba desarrolladas, impactan en todos aque-
llos grupos de personas no que forman parte de la élite. Los desfavorecidos son la
mayoría de la población del país. Pero existen algunos grupos en que estas desigual-
dades normativas de la Constitución de 1980 afectan con aún mayor fuerza que a la
generalidad de los habitantes de Chile. Uno de estos grupos son los pueblos indíge-
nas. Veamos brevemente a continuación cómo es que el sistema político neoliberal
consagrado en la Constitución chilena lesiona derechos fundamentales de pueblos
indígenas.
Siguiendo la línea expositiva del sub apartado anterior, puede argumentarse que
la desigualdad económica, en la forma de concepción de distribución de la propiedad
en clave neoliberal, es excluyente de una apreciación indígena de la economía y la
propiedad. Esta aseveración no debe sorprender. Es sabido que en toda Latinoamé-
rica, la extensión del derecho de propiedad europeo liberal sepultó la forma en que
los pueblos originarios utilizaban los territorios que habitaban. La nota distintiva de
la Constitución chilena de 1980 es que ella vino a acentuar de manera extrema aquel
modelo propietario, esta vez impregnado por la radicalidad del neoliberalismo eco-
nómico. Y junto con ello, dejó en nada el avance que en materia de tierras indígenas
había conseguido el gobierno de Salvador Allende, que había intentado morigerar
las políticas estatales de radicación de comunidades indígenas que provenían de a
mediados del siglo XIX. En lugar de aquello, y junto con otros instrumentos norma-
tivos, se potenció la inversión privada en temas energéticos, forestales y mineros en
tierras indígenas, en desmedro de la cosmovisión cultural que de la tierra poseen los
pueblos indígenas. Esta situación de invasión económica sobre territorios ancestrales
se mantiene vigente hasta el día de hoy, tal como desarrollaremos con más detalle la
sección que sigue.
La desigualdad política de la Constitución chilena de 1980 también es particu-
larmente lesiva en el caso de los pueblos indígenas. Esta continuación ha perpetuado,
en primer lugar, la ausencia de reconocimiento de los pueblos indígenas. El modelo
mono nacionalista de la Constitución de 1980, al reconocer como existente sólo a
la “nación chilena”, no sólo sigue consolidando un modelo cultural asimilacionista,
sino que excluye de cualquier instancia de participación política a todo modelo dis-
tinto al chileno-liberal. Esta inobservancia hacia los indígenas toma distintas formas:
dificultad de aplicación de la consulta indígena, como veíamos en la primera parte de
este trabajo; ausencia de escaños parlamentarios reservados a pueblos indígenas; cen-
tralismo en la capital en la toma de decisiones sobre y para los territorios indígenas;
y finalmente, la construcción de una agenda gubernamental y legislativa que ignora
totalmente las pretensiones de pueblos indígenas.
Finalizado este segundo nivel de análisis, veamos a continuación con mayor
abundamiento la tercera pieza que conforma este documento, y que dice relación con
la última de las ideas arriba introducidas.
a) La historia de las políticas gubernamentales desde el retorno a la democra-
cia es deficiente hacia las reivindicaciones de los pueblos indígenas.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 67
En este último apartado, quisiera referirme brevemente a un panorama general
sobre las políticas públicas impulsadas por los gobiernos chilenos a partir de la dé-
cada de 1990. Seguiré para estos efectos el esquemático trabajo confeccionado por
José Aylwin (2013).
Podemos diferenciar las políticas públicas impulsadas por los gobiernos chile-
nos en las últimas 3 décadas en dos vertientes. La primera de ellas, es la política pú-
blica hacia los indígenas. Este tipo de política se ha centrado en las tierras indígenas.
Desde 1994 en adelante, la política pública sectorial referida a los pueblos indígenas
ha estado orientada prioritariamente – en función de la conflictividad en torno a ella
– a la problemática de la tierra (AYLWIN, 2013, p. 135).3 Demostrativo de esto es
que entre ese año y 2009, CONADI – la institución estatal chilena encargada de
asuntos indígenas – destinó más del 50% de sus recursos al Fondo de Tierras y Aguas
Indígenas – contemplada en la ley 19.253, que establece normas sobre protección,
fomento y desarrollo de los indígenas – llegando a asignar más del 70% de su pre-
supuesto entre el año 2000 y el 2003 a dicho fondo. Se ha sostenido que el total de
tierras ampliadas a indígenas alcanza a 657 mil hectáreas.
Sin embargo, estas cifras deben estudiarse cuidadosamente. Las tierras que
constituyen una ampliación real de la superficie de tierras de propiedad indígena al-
canzan sólo a 28.491 hectáreas, las que corresponden a tierras adquiridas mediante
compras hechas por CONADI a los propietarios legales de las mismas a través de
subsidios del artículo 20° A de la ley 19.253. Las 97.811 hectáreas adquiridas a través
del mecanismo previsto en el artículo 20° B de la misma ley corresponden a resti-
tución de tierras previamente reconocidas a indígenas por el Estado. De las 537.218
hectáreas restantes, 254.134 corresponden a lo que la ley 19.253 considera traspaso
de tierras fiscales, las que de acuerdo al Convenio 169 constituyen lo que para la OIT
son tierras de ocupación ancestral de propiedad indígena; y 286.084 hectáreas corres-
ponden a tierras cuya propiedad había sido reconocida anteriormente por el Estado
a indígenas pero que han sido saneadas o regularizadas por el Fondo de Tierras y
Aguas Indígenas a favor de sus actuales ocupantes.
Los problemas de esta política pública orbitan torno a cómo ésta se ha im-
plementado. Dado que ellas han operado vía mercado, su efectividad ha dependido
de los recursos financieros destinados a ella, frecuentemente insuficientes. Una di-
ficultad derivada de esta vía podemos ejemplificarla como sigue. Los cerca de USD
20 millones anuales destinados al Fondo de Tierras y Aguas Indígenas equivalen a
aproximadamente el 0,31% del presupuesto anual del Estado de Chile en 2007. Con-
trastemos esta cifra, por ejemplo, con el presupuesto asignado por el Estado al Minis-
terio de Defensa ese mismo año, el que ascendió al 8,49% del presupuesto nacional.
Esta disparidad presupuestaria contraviene el artículo 2° del Convenio 169, que dis-
3
Algunos datos de relevancia. El pueblo mapuche en el sur de Chile fue despojado del 95% de sus tierras ancestra-
les mediante la ocupación militar de su territorio a finales del siglo XIX, siéndoles reconocidas en títulos de merced
comunitarios 500.000 hectáreas, muchas de las cuales fueron apropiadas por no indígenas a lo largo del siglo XX. En
el caso de los pueblos andinos del norte de Chile, la propiedad sobre sus tierras y territorios ancestrales no fue reco-
nocida por el Estado chileno luego de su anexión a finales del siglo XIX, siendo en su mayor parte consideradas hasta
la fecha como tierras fiscales. En el caso del pueblos rapa nui, las tierras de la Isla de Pascua fueron inscritas por el
Estado de Chile sin su conocimiento en 1933, permaneciendo a la fecha en su propiedad más del 80 % de ellas a tra-
vés de un parque nacional y una empresa de propiedad pública (CORFO). Todo esto en Aylwin (2013, p. 135-136).

68 Cristóbal Manuel Herrera Morales


pone que los gobiernos deberán desarrollar una acción coordinada y sistemática con
miras a proteger los derechos de los pueblos indígenas (AYLWIN, 2013, p. 137).
Los efectos perniciosos de la lógica mercantil tras el Fondo de Tierras y Aguas
Indígenas no se detienen allí. El valor pagado por las tierras adquiridas para indíge-
nas por el Estado subió de manera sustancial en el período que va de 1994 a 2009,
estimándose que en las zonas de conflicto que involucran al pueblo mapuche este in-
cremento alcanzó el 826%. En lugar de aplicar el mecanismo de la expropiación por
causa de utilidad pública o interés nacional contemplado en la Constitución de 1980
en su artículo 19 n° 24 – que fuera reclamado por los pueblos indígenas y propuesto
el 2003 por la Comisión de Verdad Histórica y Nuevo Trato – CONADI ha preferi-
do pagar altos valores especulativos a los propietarios legales de tierras en conflicto,
muchas veces usurpadas a las mismas comunidades. Tal opción estatal, lejos de fa-
vorecerlos, termina por subsidiar con recursos públicos a los usurpadores de tierras
que el Estado previamente reconoció a los indígenas. Lo paradójico, es que el Estado
chileno utilizó en este mismo período la expropiación en perjuicio de comunidades
indígenas para asegurar la materialización de proyectos de inversión de infraestructu-
ra que fueron rechazados por los pueblos indígenas, como el proyecto hidroeléctrico
Ralco en Alto Bío-Bío y el By-pass de Temuco en la región de la Araucanía.
A esta política pública desarrollada recientemente por los gobiernos del Esta-
do de Chile, podemos agregar un segundo tipo de política pública: “la otra política”
(AYLWIN, 2013, p. 138). En forma paralela al desarrollo de la política sectorial que
en materia de tierras ha sido impulsada por la CONADI, en armonía con los objetivos
de su enfoque económico de apertura a los mercados externos, el énfasis de esta polí-
tica pública ha estado puesto en la promoción de inversiones extractivas, productivas
y de infraestructura hacia los territorios indígenas, ricos en recursos naturales. Así,
contradiciendo las disposiciones de la ley n° 19.253 que obligan al Estado chileno
a dar protección a las tierras indígenas, éste ha dado el respaldo por el contrario a
grandes proyectos de inversión en territorios ancestrales de pueblos originarios, oca-
sionando graves conflictos en diversas comunidades indígenas.
Veamos sucintamente esto con algo más de detalle. Respecto de los pueblos
andinos en el norte del país –aymara, lickanantai, quechua, coya y diaguita– esta
política ha manifestado una intensificación de la actividad minera en tierras de estas
comunidades, produciendo un fuerte impacto en sus hábitats como en sus economías
tradicionales. En efecto, la minería ha devenido en la apropiación de parte importante
de las aguas ancestrales de estos pueblos, influyendo en el secamiento de caudales,
lagunas, humedales y salares. Esto ha destruido la economía agrícola y pastoril de
las mismas comunidades, las que han debido migrar a las ciudades. Aunque sobre
estas aguas la Corte Suprema ha sostenido que estos derechos ancestrales deben ser
reconocidos – en las sentencias rol 986-2004 y 2480-2008 – ordenando la restitución
a las comunidades de derechos de aguas constituidos por terceros al amparo del Có-
digo de Aguas chileno, los procesos de apropiación indebidos de aguas indígenas han
seguido adelante.
En el caso de pueblos indígenas de más al sur del país, esta política pública se
ha manifestado en la construcción de la emblemática central Ralco, en la región del
Bío-Bío, que ha sido resistida por comunidades pewenches allí asentadas; en la ex-
pansión de las plantaciones forestales exóticas de propiedad de grandes conglomera-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 69
dos sobre tierras ancestrales y/o tierras reconocidas por el Estado a los mapuche, con
graves impactos ambientales y sociales; en la construcción de plantas de tratamiento
de aguas servidas, localizadas en tierras de comunidades mapuche o zonas aledañas,
y en la instalación de salmonicultura en ríos y canales de los mapuche williche.
Quizás los casos más preocupantes son las expansiones de los monocultivos
forestales en territorio mapuche. Esta expansión, financiada de manera importante
con recursos públicos – a través del subsidio del Decreto Ley 701 de 1974 – se ha
desarrollado fundamentalmente en tierras que el Estado les había reconocido a los
mapuche en el pasado y que posteriormente les fueron sustraídas a través de distintos
procesos – como la usurpación de privados y la ya mencionada contrarreforma agra-
ria – amparados por el Estado de Chile (AYLWIN, 2013, p. 140).
Las plantaciones forestales, así como otros proyectos de inversión realizados
en tierras indígenas, no han contado hasta ahora con procesos de consulta ni menos
con el consentimiento libre, previo e informado de las comunidades indígenas direc-
tamente afectadas. En el caso de proyectos forestales, debido a que las plantaciones
generalmente se han realizado en zonas fraccionadas de pequeña superficie, tam-
poco han sido sometidos al procedimiento de la legislación chilena de evaluación
ambiental. La normativa ambiental vigente en Chile, la ley de Bases Generales del
Medio Ambiente n° 19.300, no considera mecanismos de participación ciudadana
vinculantes frente a proyectos sometidos a evaluación ambiental. Distinto es, como
se enunciaba más arriba, la regulación contenida en el Convenio 169 de la OIT, que
establece el deber de consulta a los pueblos indígenas frente a proyectos susceptibles
de afectarles directamente.

Conclusiones

La intención del presente capítulo fue ofrecer un marco explicativo básico para
sostener la afirmación que el Convenio 169 de la OIT, como única norma vinculante
de derechos fundamentales de pueblos indígenas, ha visto domesticada su aplicación
en Chile. He identificado las razones de este problema a través de tres etiquetas dife-
rentes, pero que se encuentran íntimamente relacionadas entre sí.
La primera de estas explicaciones enlaza a quienes se encargan de crear teoría
constitucional de derechos fundamentales con la falta de aceptación del discurso de
derechos fundamentales en el lenguaje jurídico chileno. No predomina en la aca-
demia jurídica una tesis sobre el valor de los tratados internacionales de derechos
humanos en el sistema jurídico interno de Chile, incluyendo dentro de este debate al
Convenio 169; la Corte Suprema se muestra errática y dubitativa sobre la importancia
de los derechos fundamentales, su contenido y sus titulares; y el Tribunal Constitu-
cional funciona como una tercera cámara contra mayoritaria, que se encarga de pro-
teger los intereses de grupos minoritarios privilegiados, grupos donde evidentemente
no se encuentran los pueblos indígenas.
La segunda perspectiva clarificaba los clivajes políticos e ideológicos que dan
sustento a la actual Constitución Política de Chile, vigente desde 1980. Este texto
constitucional, cuya vigencia se remonta a un pleno momento de apogeo de la dic-
tadura chilena, es un retrato fidedigno de las pretensiones de quienes se encargaron
de dar a luz a dicha Constitución. Pretensiones aún muy contemporáneas, que se

70 Cristóbal Manuel Herrera Morales


traducen en una regulación constitucional protectora de élites y que fomenta las des-
igualdades económicas y de estatus de quienes se encuentran bajo su alcance. Entre
los grupos desfavorecidos por este binomio privilegio/subalternidad se encuentran
los pueblos indígenas.
La tercera explicación descansa sobre un análisis de políticas públicas de los
recientes gobiernos en la agenda que atañe a los pueblos indígenas de Chile. Primero
por una política insuficiente en palear los dañinos efectos de la histórica actuación
estatal sobre los pueblos indígenas, y luego por una política pública totalmente con-
traria a las reivindicaciones indígenas, es que la utilización del Convenio 169 se ve
totalmente cooptada por ambiciones económicas de grandes empresas. Afanes que
los últimos gobiernos sólo se han empeñado en proteger e impulsar.
Cómo invertir esta situación de largos ribetes históricos, es una respuesta dema-
siado compleja como para ser sugerida desde una instancia como esta. Sin perjuicio
de aquello, si se pudiera sugerir una respuesta desde la teoría, me atrevería a pos-
tular como chispa de cambio al segundo de los ejes aquí presentados. Modificando
los enclaves neoliberales de la Constitución de 1980, puede transformarse lo demás.
Esto si atribuimos una importancia schmittiana a una concepto como la Constitución.
Pero para que aquella inversión sea fructífera, se requiere operadores de la dogmática
constitucional comprometidos con aquella empresa, y un Estado – con sus respecti-
vos gobiernos – que utilicen criterios de conducción de país que no sólo estén movi-
dos por atractivos económicos.

Referencias
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chileno a la luz del Derecho Positivo”. En: Ius et praxis, 2010, vol. 16, n°2, pp. 185 – 210.
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A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 71
—5—

Direitos reprodutivos das mulheres:


uma reflexão sobre a proteção internacional
dos Direitos Humanos

DENISE ALMEIDA DE ANDRADE1

Sumário: Introdução; 1. Os Direitos Humanos reprodutivos das mulheres: breves considerações so-
bre o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e a Convenção para a Eliminação
de Todas as Formas de DIscriminação Contra as Mulheres – CEDAW ; 2. Panorama de proteção
internacional dos Direitos Humanos reprodutivos das mulheres: olhares cruzados; 2.1. Caso Alyne
da Silva Pimentel Teixeira versus Brasil: uma reflexão sobre a mortalidade materna ; 2.2. Caso Gel-
man versus Uruguai: a maternidade transformada em instrumento de tortura; 2.3. Caso Mamérita
Mestanza versus Peru e as esterilizações femininas sob coação; Conclusão; Referências.

Introdução

Os direitos humanos têm albergado uma miríade de debates e iniciativas ao


longo das últimas seis décadas, e um dos desafios que permanece atual é a criação e
a consolidação de instrumentos e instituições que contribuam para o respeito e a pro-
moção dos direitos humanos nos ordenamentos jurídicos nacionais.
Neste sentido, objetiva-se verificar em que medida a proteção internacional dos
direitos humanos tem contribuído para a incorporação destes direitos no plano inter-
no dos Estados, e os direitos reprodutivos das mulheres consistirão o ponto de infle-
xão do estudo.
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e a Convenção
para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW –
serão brevemente apresentados para que se compreenda como atuam e quais as re-
percussões oriundas de suas decisões (contenciosas ou não). No caso da CEDAW,
dar-se-á ênfase às significativas contribuições concernentes à proteção e à promoção
dos direitos reprodutivos das mulheres.
Em seguida, 3 casos paradigmáticos, os quais foram submetidos à apreciação
do Comitê da CEDAW, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e da Comis-
1
Pós-doutoranda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, PNPD-CAPES. Mestre e Doutora em Di-
reito Constitucional pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 73
são Interamericana de Direitos Humanos, servirão como pano de fundo para aferir
a contribuição da proteção internacional dos direitos humanos na conformação das
práticas estatais.
O primeiro se refere à Comunicação 17/2008 da CEDAW (Alyne da Silva vs.
Brasil), que versa sobre o equivocado atendimento prestado durante e após o parto,
que ocasionou a morte da paciente. Justifica-se a escolha, tendo em vista a relevância
da CEDAW, no marco da proteção dos direitos humanos reprodutivos das mulheres,
bem como sua força vinculante para os Estados signatários.
O caso Gelman versus Uruguai, analisado na sequência, ensejou a decisão da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2011, que condenou o Estado uru-
guaio pelo desaparecimento de María Gelman e pela subtração e ocultação da identi-
dade de sua filha, María Macarena Gelman.
O terceiro e último case alude à Solução Amistosa 71/03, no caso 12.191, pro-
ferida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como resposta à demanda
apresentada pela família de Mamérita Mestanze contra o Peru, pela esterilização não
autorizada dessa camponesa peruana, que culminou em sua morte.
Reconhece-se que os casos trazem situações fáticas diversas, todavia, se ali-
nham nos aspectos dos direitos reprodutivos, da maternidade e da proteção interna-
cional dos direitos humanos, o que justifica a reflexão conjunta aqui proposta.
Analisar a paridade dessas decisões, bem como possíveis influências, avanços
e retrocessos contribuirão para se compreender o papel da proteção internacional dos
direitos humanos na busca pelo respeito e proteção desses no âmbito interno dos Es-
tados americanos.

1. Os Direitos Humanos reprodutivos das mulheres:


breves considerações sobre o Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos e a Convenção para a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres – CEDAW

As contribuições internacionais – de encontros, tratados e instituições – têm


sido essenciais para que os direitos reprodutivos sejam considerados como um direito
de todos e necessários à construção da identidade das pessoas.
Foi em encontros internacionais, como a IV Conferência Mundial da Mulher,
realizada em Pequim, em 1995, que o conceito e os contornos jurídicos desses direi-
tos se forjaram e consolidaram.2 Inúmeras conquistas foram alcançadas, mas muito
há que ser feito, especialmente, no que tange à proteção e promoção destes direitos já
consagrados internacionalmente, no plano interno dos Estados.
Desta forma, os instrumentos que se prestem a salvaguardar referidos direitos
precisam ser conhecidos e divulgados; a difusão de decisões e medidas de proteção
dos direitos humanos fortalece as instituições, incentiva as pessoas a buscarem este
2
À guisa de exemplificação, destacam-se as três primeiras Conferências Mundiais da Mulher ocorridas no México,
1975, em Copenhague, 1980, e em Nairobi, 1985, as quais centradas nas demandas em favor dos direitos das mulhe-
res permitiram o aprofundamento e avanço das discussões sobre sexualidade, reprodução humana, saúde e controle
de natalidade. Destaque-se ainda a IV Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim, em 1995, por ter sido
espaço de consolidação de esforços anteriores encerrou um ciclo de lutas e conquistas de vários segmentos da socie-
dade em prol do empoderamento das mulheres.

74 Denise Almeida de Andrade


caminho, e consolida um arcabouço de respeito e promoção dos direitos humanos,
essencial para que se siga avançando.
Diante disto, a estrutura e a atuação do Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos e a CEDAW relevam-se por serem instrumentos úteis no enfren-
tamento às violações de direitos humanos perpetradas no âmbito interno dos Estados
americanos.
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos3 desempenha des-
tacado papel em prol da incorporação dos Direitos Humanos nos Estados americanos
e tem como principal diretriz a Convenção Americana de Direitos Humanos.4
A Convenção Americana, também conhecida como Pacto de San José da Costa
Rica, foi assinada em 1969 e entrou em vigor em 1978, tendo como objetivo precípuo
reconhecer e assegurar um catálogo de direitos: “A Convenção Americana não enun-
cia de forma específica qualquer direito social, cultural ou econômico, limitando-se
a determinar aos Estados que alcancem, progressivamente, a plena realização desses
direitos[...]” (PIOVESAN, 2011, p. 126).
É importante reconhecer que o Sistema Interamericano se insere em uma região
em que a maior parte dos países passou por recente período de redemocratização,
havendo uma recrudescente necessidade de se consolidar instituições não autoritá-
rias, plurais e comprometidas com a proteção e promoção dos Direitos Humanos:
“a região ainda convive com as reminiscências do legados dos regimes autoritários
ditatoriais, com uma cultura de violência e de impunidade, com baixa densidade de
Estados de Direito e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos no âm-
bito doméstico.” (PIOVESAN, 2011, p. 123).
É neste sentido que o Sistema Interamericano, composto pela Comissão Intera-
mericana e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, presta-se a acompanhar
a implementação dos direitos humanos nos Estados-Parte, a partir do pactuado pela
Convenção Americana.
A Comissão Interamericana tem por função primordial promover a proteção e a
observância dos direitos humanos na América, valendo-se, para tanto, da prerrogati-
va de que todos os Estados que aderem à Convenção Americana anuem, obrigatoria-
mente, à sua competência para examinar “comunicações que denunciem violações de
direitos humanos perpetradas por um Estado-parte” (PIOVESAN, 2011, p. 131).
A Corte Interamericana, por sua vez, é o órgão jurisdicional do Sistema Intera-
mericano e possui competência consultiva e contenciosa.
No que se refere à primeira, competência consultiva, todos os estados-membros
da OEA podem demandar a Corte, sejam ou não signatários da Convenção America-
na. Destaca-se que a Corte tem contribuído sobremaneira para esclarecer e consolidar
o conceito e o alcance dos direitos humanos, bem como tem sido instrumento auxiliar
na adequação dos ordenamentos jurídicos nacionais às premissas de direitos huma-
nos previstas em tratados internacionais, especialmente, na Convenção Americana.
3
Neste texto, a partir deste ponto, o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos será denominado
apenas de Sistema Interamericano.
4
Neste texto, a partir deste ponto, a Convenção Americana de Direitos Humanos será denominada apenas de Con-
venção Americana.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 75
A competência contenciosa, por outro lado, está limitada aos estados parte da
Convenção Americana e que tenham expressamente reconhecido a jurisdição da Cor-
te,5 uma vez que sua decisão possui força vinculante e obrigatória. Nestes casos, cabe
ao Estado o cumprimento imediato da decisão.
Desta forma, as decisões prolatadas pela Corte possuem significativo impacto
no ajustamento da conduta dos Estados e na promoção dos direitos humanos, uma
vez que, apesar de não significarem uma “esfera recursal”, se consolidam como ins-
tância de verificação da conformidade das ações estatais com as obrigações assumi-
das internacionalmente em matéria de direitos humanos (PIOVESAN, 2011).
A CEDAW, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1979, por sua vez, tem
o intuito de enfrentar as diversas formas de discriminação perpetradas contra as mu-
lheres, em prol do respeito, da proteção e da promoção de seus direitos humanos.
A CEDAW se propõe a superar não apenas as ações discriminatórias, os abusos
e os preconceitos declarados, mas também os silêncios que alijam e preterem, que
maculam de maneira velada, e que, por não serem expressos, são mais difíceis de
serem enfrentados.
Entende-se que a discriminação é uma das formas de violência mais aterrorizantes em decorrência do
silêncio normalmente prescrito, fomentando, duramente, a inibição das potencialidades de cada indivíduo,
rechaçando, assim, os ideais calcados em projetos de vida, em evidente negação da própria identidade e
dignidade em suas acepções mestras (CAMPOS, 2013, p. 442).
Entende-se que a CEDAW pode ser indicada como o mais consistente esforço
da ONU para codificar a proteção da mulher, ao mesmo tempo em que explicita que
os Estados devem elaborar e implementar medidas que, de fato, eliminem toda e
qualquer espécie de discriminação contra a mulher, tanto na esfera pública quanto na
privada (CAMPOS, 2013, p. 442).
Article 1: For the purposes of the present Convention, the term “discrimination against women” shall mean
any distinction, exclusion or restriction made on the basis of sex which has the effect or purpose of impai-
ring or nullifying the recognition, enjoyment or exercise by women, irrespective of their marital status, on a
basis of equality of men and women, of human rights and fundamental freedoms in the political, economic,
social, cultural, civil or any other field (ONU, CEDAW, on line).
É necessário que se compreenda que a discriminação “caminha” por todos os
locus da vida da mulher, não sendo possível que se estabeleça um “perímetro de com-
bate”, havendo a urgência de que se atue em todos os espectros em que se verifique a
presença de práticas ou costumes discriminatórios. Enfatiza-se, neste texto, todavia,
as contribuições da CEDAW para a defesa dos direitos humanos reprodutivos das
mulheres, em especial, na incorporação desses direitos no âmbito interno dos Esta-
dos-Parte.
Neste sentido, o artigo 12 destaca-se por explicitar a obrigatoriedade do acesso
a um sistema de saúde de qualidade que garanta igual tratamento a homens e mulhe-
res, contemplando os relacionados ao planejamento familiar e ao período gravídico
puerperal (antes, durante e após o parto), aí incluídas a nutrição e a amamentação.
5
“Artigo 62: 1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção
ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e
sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Con-
venção[...]” (CIDH, 1969, on line).

76 Denise Almeida de Andrade


Article12:
1. States Parties shall take all appropriate measures to eliminate discrimination against women in the field
of health care in order to ensure, on a basis of equality of men and women, access to health care services,
including those related to family planning.
2. Notwithstanding the provisions of paragraph I of this article, States Parties shall ensure to women
appropriate services in connection with pregnancy, confinement and the post-natal period, granting free
services where necessary, as well as adequate nutrition during pregnancy and lactation (ONU, CEDAW,
on line).
O artigo 16, por seu turno, ocupa-se da necessidade de se superar a discrimina-
ção sofrida pelas mulheres na vivência de suas relações conjugais e familiares, pug-
nando por uma atuação estatal comprometida em garantir, mais uma vez, igualdade
entre homens e mulheres.
Article 16:
1. States Parties shall take all appropriate measures to eliminate discrimination against women in all mat-
ters relating to marriage and family relations and in particular shall ensure, on a basis of equality of men
and women:
[…]
(d) The same rights and responsibilities as parents, irrespective of their marital status, in matters relating
to their children; in all cases the interests of the children shall be paramount;
(e) The same rights to decide freely and responsibly on the number and spacing of their children and to
have access to the information, education and means to enable them to exercise these rights; (ONU,
CEDAW, on line).
[…]
Ao se analisar como os direitos reprodutivos, mais especificamente, a materni-
dade é vivenciada pelas mulheres, o artigo 16 releva-se, uma vez que explicita que
são os pais e mães os detentores do direito de decidir sobre seu planejamento fami-
liar, por meio do acesso a informação, educação e meios adequados, não cabendo aos
Estados intervenção compulsória ou não autorizada, no sentido de limitar o exercício
deste direito, a exemplo de esterilizações cirúrgicas forçadas, não raras em países da
América Latina até o século passado.
Inequívoco, pois, que além de garantir o reconhecimento internacional dos con-
tornos jurídicos e conceituais dos direitos humanos deve-se assegurar que isto se tra-
duza em sua incorporação no plano interno dos Estados.
A incorporação da normativa internacional de proteção no direito interno dos Estados constitui alta prio-
ridade em nossos dias: pensamos que, da adoção e aperfeiçoamento de medidas nacionais de imple-
mentação depende em grande parte o futuro da própria proteção internacional dos direitos humanos. Na
verdade, como se pode depreender de um exame cuidadoso da matéria, no presente domínio de proteção
o direito internacional e o direito interno conformam um todo indivisível: apontam na mesma direção, des-
vendando o propósito comum de proteção da pessoa humana. (TRINDADE, 1996, on line).
Reconhecem-se as limitações que as instituições de proteção dos direitos huma-
nos possuem em razão da soberania dos Estados, todavia, pugna-se pela compreensão
de que cada vez mais as searas do direito internacional e do direito interno estão co-
nectadas e devem fortalecer seus elos e interações em benefício de todos.

2. Panorama de proteção internacional dos Direitos Humanos


reprodutivos das mulheres: olhares cruzados

A proteção dos direitos humanos ainda é um desafio para os Estados, que se


torna ainda mais complexo quando se trata dos direitos reprodutivos das mulheres,
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 77
por combinar fatores que constroem compreensões permeadas de desigualdades e
preconceitos, historicamente estabelecidos.
Desta forma, exige-se um contínuo esforço, tanto do poder público quanto da
esfera privada, para se desconstruir paradigmas que mantêm a mulher em uma con-
dição de subordinação, o que legitima práticas excludentes e violentas por parte dos
serviços públicos, com destaque para os serviços de saúde.
Busca-se esclarecer que os direitos reprodutivos não estão cingidos, exclusiva-
mente, à esfera privada do indivíduo, cabendo aos Estados uma série de obrigações
no que se refere ao respeito, proteção e promoção desses direitos.
A proteção internacional dos direitos humanos – com destaque neste texto para
o Sistema Interamericano e a CEDAW – tem sido de extrema relevância para que o
Brasil e outros Estados americanos avancem no sentido de reconhecer debilidades,
alinhar condutas e reparar danos, por ventura, causados.
Neste sentido, os casos abaixo foram destacados com o fito de demonstrar que
a incorporação do direito internacional dos direitos humanos no âmbito doméstico
tem garantido avanços na proteção e promoção dos direitos humanos reprodutivos
das mulheres.

2.1. Caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira versus Brasil:


uma reflexão sobre a mortalidade materna
Nascida em 1974, Alyne da Silva Pimentel Teixeira faleceu em 13 de novembro
de 2002, como resultado da negligência e imperícia do atendimento médico prestado
em duas unidades de saúde do Rio de Janeiro: a Casa de Saúde Nossa Senhora da
Glória, em Belford Roxo, e a Maternidade de Nova Iguaçu.
O contexto da morte de Alyne foi submetido ao Comitê da CEDAW, em no-
vembro de 2007, cinco anos após a interposição de ação judicial pela família da
vítima (em 30.11.2002), em razão da demonstração da incapacidade do Estado brasi-
leiro, por meio do Poder Judiciário, de dar o devido andamento ao caso.
Em regra, o Comitê da CEDAW admite somente casos já encerrados no sistema
de justiça nacional. Todavia, entendeu ser admissível a denúncia, apesar de remanes-
cer processo judicial pendente, tendo em vista a demora desarrazoada e injustificada
no trâmite no processo, especialmente, a postergação em indicar perito médico e em
realizar expedientes judiciais, os quais impediram o avanço do procedimento.
Tanto a ação judicial quanto a petição submetida ao Comitê da CEDAW ob-
jetivaram reparar os danos (materiais e morais) causados à família de Alyne (es-
pecialmente, sua filha), ao mesmo tempo em que intentaram dar publicidade ao
recrudescente desrespeito aos direitos reprodutivos das mulheres.
A mulher gestante tem garantido o direito a um atendimento de saúde prioritário
e de qualidade, por estar mais vulnerável a alterações no seu quadro de saúde.
O enfrentamento à mortalidade materna insere-se neste contexto, uma vez que
resta pacificado que os cuidados antes, durante e após o parto são essenciais para que
se supere o cenário de mortes maternas por causa evitáveis.

78 Denise Almeida de Andrade


No caso de Alyne, ao ser atendida na Casa da Saúde de Belford Roxo, em
11.11.2002, houve desídia dos médicos acerca dos sintomas que a paciente relatou
sentir – fortes náuseas e dores abdominais (CEDAW, 2008, p. 2, on line).
Foram prescritos alguns medicamentos – antinauseante, vitamina B12 etc. – e
agendados exames de sangue e urina para dois dias depois. No dia 13.11.2002, o
estado de saúde de Alyne deteriorou (apesar de ter seguido todas as recomendações
médicas), e a paciente se dirigiu à unidade de saúde, tanto para atendimento médico
quanto para a realização dos exames agendados (CEDAW, 2008, p. 3, on line).
Ao ser internada, os médicos não conseguiram aferir batimento cardíaco do
feto, o que foi confirmado pelo ultrassom. O trabalho de parto foi induzido. Por volta
das 20h do dia 13.11.2002, imediatamente após o parto, Alyne apresentou sinais cla-
ros de desorientação (CEDAW, 2008, p. 3, on line).
Uma sucessão de procedimentos equivocados e extemporâneos continuaram
a marcar o atendimento prestado à Alyne, os quais culminaram em sua morte, em
16.11.2002, e que serão resumidamente compilados no quadro abaixo.
Data Estado de Alyne Atendimento-Procedimento Médico

Prescrição de medicamentos básicos e gendamento


11.11.2002 Fortes náuseas e dores abdominais.
de exames de urina e sangue para 48h

Internação. Feto sem batimentos cardíacos


13.11.2002 Piora nos sintomas.
detectáveis. Indução do parto.

13.11.2002 Desorientação pós-parto. Parto

Piora no quadro (hemorragia severa, vômitos


14.11.2002 de sangue, baixa pressão arterial, inapetência, Curetagem após 14h do parto.
fraqueza, desorientação).

Punção abdominal, oxigênio complementar e


prescrição de medicamentos. Necessidade de
transferência de Alyne para uma unidade de saúde
15.11.2002 A todos os sintomas do dia 14.11.2002 associou-se
melhor aparelhada. Sem ambulância disponível.
(DIA) uma dificuldade respiratória.
Alyne aguardou por 8h horas uma ambulância e
começou a apresentar sinais compatíveis com o
coma.

Quadro agravou-se. Hipotermia, sofrimento Alyne chegou à Maternidade de Nova Iguaçu


15.11.2002
respiratório e quadro compatível com coagulação por volta das 22h, em estado grave, sua pressão
(NOITE)
intravascular disseminada. arterial chegou a zero e precisou ser ressuscitada.

Alyne faleceu por volta das 19h. A autopsia acusou O hospital se recusou a entregar seu histórico
16.11.2002
como causa mortis uma hemorragia digestiva. médico para a mãe de Alyne.

Tabela da autora. Fonte (CEDAW, 2008, p. 3 e 4, on line).

Trata-se de mais um caso de mortalidade materna por causa evitável, o que


confirma que o debate sobre os direitos reprodutivos das mulheres remanesce atual
e relevante.
O Brasil, apesar de ter reconhecido em sua resposta ao Comitê da CEDAW que
o Estado falhou ao não garantir um atendimento de emergência eficiente, afirmou
não ser um caso de mortalidade materna, tendo em vista se tratar de uma hemorragia
abdominal geral.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 79
Esclareça-se que o Brasil adota, sem restrição, a definição da Organização Mun-
dial da Saúde – OMS (1998) – de mortalidade materna, na qual resta explicitado que
se considera morte materna o óbito de mulher grávida ou até 42 dias após o parto, em
razão de qualquer causa oriunda da gravidez ou por ela agravada.6
Destarte, não resta dúvida de que a morte de Alyne deve ser compreendida
como um caso de mortalidade materna. Ressalte-se que não apenas pelo critério for-
mal – de estar inserida no interregno de 42 dias – uma vez que a autopsia é explícita
ao indicar como causa mortis uma hemorragia digestiva, desencadeada por desídia e
imperícia no atendimento obstétrico prestado à Alyne.
Esta afirmação é corroborada pelo próprio relatório médico da paciente, uma vez
que foi apontado, antes mesmo do seu óbito, um quadro de coagulação intravascular
disseminada, que é compreendida como uma hemorragia obstétrica: “A hemorragia
obstétrica também aumenta a morbidade da síndrome de angústia respiratória do
adulto, coagulação intravascular disseminada, síndrome da sela túrcica e infertili-
dade” (RAMIRES; SAMPAIO, on line) (grifou-se).
A morte de Alyne enquadra-se, pois, como morte materna oriunda de com-
plicações obstétricas pós-parto, e não de uma hemorragia digestiva totalmente desco-
nectada do quadro gravídico da paciente.
Neste contexto ressaltem-se, ainda, duas questões:1) as causas de mortalida-
de materna são, em sua maioria, evitáveis, caso sejam assegurados atendimentos
pré-natal, de parto e pós-parto de qualidade: “The leading causes of maternal mor-
tality in developing regions are haemorrhage and hypertension, which together ac-
count for half of all deaths in expectant or new mothers” (ONU, 2010, on line, p. 31);
e 2) são as mulheres em condições socioeconômicas mais deficitárias as acometidas
pela mortalidade materna.
The causes of maternal mortality vary by region but are generally due to a lack of emergency obstetric
care services, low levels of skilled assistance at delivery, particularly for poor women, and the continued
denial of sexual and reproductive health and rights for women and girls in many countries (ONU, 2015a,
on line).
As causas evitáveis de mortalidade materna, passam, necessariamente, pela di-
ligência e pelo acuro do atendimento médico-hospitalar. Uma paciente, no sexto mês
de gestação, com fortes dores abdominais, não pode ter exames básicos (como exame
de sangue e urina) postergados por 48h, o que ocorreu neste caso. Em seguida, a cure-
tagem ter-se dado apenas 14 horas após o parto, sem qualquer justificativa médica,
contribuiu para a magnitude da hemorragia que levou à morte da paciente, e ratifica a
desídia com a qualidade do serviço de saúde prestado à mulher gestante.
Nesse ponto, destaca-se a importância de se reconhecer a relação entre o ocorri-
do e as dificuldades em se garantir os direitos reprodutivos das mulheres. O presente
caso ressalta a morosidade e a indiferença das instituições brasileiras (instituições
de saúde e também do sistema de Justiça), especialmente, quando há intersecção de
vulnerabilidades (ser mulher, pobre, negra, etc.). Alyne era mulher, pobre e afrodes-
cendente.
6
“A morte de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término da gestação, independentemente da
duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por
medidas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais” (OMS, 1998, p. 143).

80 Denise Almeida de Andrade


A garantia de que todas as mulheres sejam beneficiadas pela ampliação da proteção dos direitos huma-
nos baseados no gênero exige que se dê atenção às árias formas pelas quais o gênero intersecta-se com
uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas interseções contribuem para a vulnerabilida-
de particular de diferentes grupos de mulheres (CRENSHAW, 2002, p. 174).
Assim, compreendeu o Comitê da CEDAW, por meio da Comunicação 17/2008,
que houve desrespeito aos artigos 1, 27 e 12 da Convenção ao afirmar que o Estado-
-Parte não conseguiu prevenir, por meio de um atendimento de saúde de qualidade e
não discriminatório, um caso de mortalidade materna por causa evitável.
E ainda, que a ausência de um serviço de saúde de qualidade voltado para a ges-
tante levou a um não atendimento especializado, comprometido com as necessidades
e os interesses da mulher, o que viola o artigo 12, parágrafos 1 e 2, e se constitui, tam-
bém, em uma afronta ao artigo 2 da CEDAW, os quais rechaçam quaisquer espécies
de discriminação contra a mulher (CEDAW, 2011, p. 20, on line).
[...] the Committee notes that the sequence of events described by the author and not contested by the
State party, as well as expert opinion provided by the author, indicate that her death was indeed linked
to obstetric complications related to pregnancy. Her complaints of severe nausea and abdominal pain
during her sixth month of pregnancy were ignored by the health centre, which failed to perform an urgent
blood and urine test to ascertain whether the foetus had died. The tests were done two days later, which
led to a deterioration of Ms. da Silva Pimentel Teixeira’s condition. The Committee recalls its general re-
commendation n. 24, in which it states that it is the duty of States parties to ensure women’s right to
safe motherhood and emergency obstetric services, and to allocate to these services the maximum
extent of available resources. It also states that measures to eliminate discrimination against women are
considered to be inappropriate in a health-care system which lacks services to prevent, detect and treat
illnesses specific to women. [...]The Committee therefore is of the view that the death of Ms. da Silva
Pimentel Teixeira must be regarded as maternal” (CEDAW, 2011, p. 19, on line) (grifou-se).
O Comitê, por fim, recomendou ao Brasil que reparasse os danos (patrimoniais
e morais) causados à família de Alyne, bem como estabeleceu seis recomendações
gerais,8 que transcenderam o caso concreto, dentre as quais destaca-se a implemen-
tação do Pacto Nacional para a redução da mortalidade materna, demonstrando que
7
“States Parties condemn discrimination against women in all its forms, agree to pursue by all appropriate means and
without delay a policy of eliminating discrimination against women and, to this end, undertake:
(
a) To embody the principle of the equality of men and women in their national constitutions or other appropriate le-
gislation if not yet incorporated therein and to ensure, through law and other appropriate means, the practical realiza-
tion of this principle; (b) To adopt appropriate legislative and other measures, including sanctions where appropriate,
prohibiting all discrimination against women; (c) To establish legal protection of the rights of women on an equal
basis with men and to ensure through competent national tribunals and other public institutions the effective protec-
tion of women against any act of discrimination; (d) To refrain from engaging in any act or practice of discrimination
against women and to ensure that public authorities and institutions shall act in conformity with this obligation; (e) To
take all appropriate measures to eliminate discrimination against women by any person, organization or enterprise; (f)
To take all appropriate measures, including legislation, to modify or abolish existing laws, regulations, customs and
practices which constitute discrimination against women; (g) To repeal all national penal provisions which constitute
discrimination against women” (ONU, CEDAW, on line).
8
“[...] (a) Ensure women’s right to safe motherhood and affordable access for all women to adequate emergency obs-
tetric care, in line with general recommendation No. 24 (1999) on women and health; (b) Provide adequate professio-
nal training for health workers, especially on women’s reproductive health rights, including quality medical treatment
during pregnancy and delivery, as well as timely emergency obstetric care; (c) Ensure access to effective remedies in
cases where women’s reproductive health rights have been violated and provide training for the judiciary and for law
enforcement personnel; (d) Ensure that private health-care facilities comply with relevant national and international
standards on reproductive health care; (e) Ensure that adequate sanctions are imposed on health professionals who
violate women’s reproductive health rights; (f) Reduce preventable maternal deaths through the implementation of
the National Pact for the Reduction of Maternal Mortality at state and municipal levels, including by establishing
maternal mortality committees where they still do not exist, in line with the recommendations in its concluding ob-
servations for Brazil, adopted on 15 August 2007” (CEDAW, 2011, p. 21-22, on line).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 81
as políticas públicas podem ser impactadas por decisões internacionais que versem
sobre a proteção dos direitos humanos.
Em resposta à Comunicação 17/2008 do Comitê, o governo federal brasileiro
publicou relatório em agosto de 2014, por meio do qual assumiu toda a responsabi-
lidade pela morte de Alyne e pelos danos causados à sua família (BRASIL, 2014, on
line).
Por meio desse documento, o Estado brasileiro demonstrou ter pago à genitora
de Alyne a quantia acordada extrajudicialmente, ao mesmo tempo em que listou di-
versas ações preventivas e de reparação simbólica, a exemplo, respectivamente, do
Seminário Caso Alyne Pimentel – Direito à saúde sexual e reprodutiva: enfrentamen-
to da mortalidade materna no Brasil (realizado em abril de 2014), e da inauguração
de uma UTI neonatal denominada Alyne Pimentel, na maternidade Mariana Bulhões,
em Nova Iguaçu – RJ (BRASIL, 2014, on line).
Percebe-se, pois, que a Comunicação 17/2008 do Comitê garantiu que o Brasil
assumisse a responsabilidade pelo falecimento de Alyne, assegurou à família uma
reparação financeira e simbólica por sua morte, ao mesmo tempo em que compeliu o
Estado brasileiro a fortalecer as políticas públicas de combate à mortalidade materna,
medidas as quais, ainda que não tenham superado o problema da mortalidade mater-
na, contribuíram para a proteção e a defesa dos direitos reprodutivos das mulheres.

2.2. Caso Gelman versus Uruguai: a maternidade transformada


em instrumento de tortura
O caso conhecido como Gelman x Uruguai se refere ao desaparecimento for-
çado de María Claudia García Iruretagoyena de Gelman, em estágio avançado de
gravidez, ocorrido em Buenos Aires – Argentina, no fim do ano de 1976, no marco
da Operação Condor,9 junto com Marcelo Gelman, seu marido e pai de sua filha, que
foi torturado e assassinado em Buenos Aires.
Supõe-se que María Gelman foi deslocada para o Uruguai, a fim de facilitar
sua ocultação, motivo pelo qual a demanda se instaurou contra o Estado do Uruguai,
em que pese María Gelman ser argentina, bem como sua prisão ter-se iniciado em
Buenos Aires, por militares argentinos (CORTE INTERAMERICANA [...], 2011,
on line).
O Uruguai nunca envidou os esforços mínimos necessários para esclarecer o
desaparecimento de María Gelman, tampouco a subtração e ocultação da identidade e
nacionalidade de sua filha, María Macarena Gelman García, nascida durante sua pri-
são. Diante disto, o caso foi submetido ao Sistema Interamericano, por Juan Gelman,
avô paterno de María Macarena e sogro de María Gelman.
9
Somente na década de 1990 tomou-se conhecimento de documentos que comprovam a existência de uma rede
de cooperação, entre vários países da América do Sul, constituída na década de 1970 sob o argumento de que uma
ameaça subversiva instalara-se nos Estados. Não se pode afirmar que o nome “Operação Condor” foi utilizado uni-
formemente por todos os países, uma vez que em vários documentos essa expressão não aparece, como no caso do
Brasil: “A Operação Condor, aparentemente, foi idealizada pelo Coronel Contreras [...] sob a alegação que estava em
curso um processo de união das esquerdas dos países do Cone Sul e de outros países através da Junta Coordinadora
Revolucionária (JCR)” (QUADRAT, 2002, p. 168).

82 Denise Almeida de Andrade


Após apreciação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos10 encami-
nhou pedido à Corte Interamericana de Direitos Humanos11 no qual requereu que o
Uruguai fosse declarado responsável pelo desaparecimento de María Gelman, bem
como pela subtração e ocultação da identidade de sua filha, nascida durante o período
em que estava detida sob a responsabilidade estatal, a fim de que reparasse os danos
causados.
Em 24 de fevereiro de 2011, a Corte decidiu12 pela condenação do Uruguai tan-
to pelo desaparecimento de María Gelman quanto pela supressão e substituição de
identidade de María Macarena Gelman García, ao mesmo tempo em que impôs uma
série de medidas de reparação, em especial a busca e a localização dos restos mortais
de María Gelman (CORTE INTERAMERICANA [...], 2011, on line).
In casu, houve a perversão dos direitos reprodutivos das mulheres pelos agentes
estatais. A condição de gestante em estado avançado impingiu à María Gelman um
recrudescimento das torturas sofridas, uma vez que se agregou às “práticas comuns”
a tortura psicológica sobre a vida e o destino de sua filha. Houve, nesta situação, o
agravamento dos males causados por prisões arbitrárias, comuns nas décadas de 1960
e 1970 na América Latina durante os governos ditatoriais, configurando a prática de
violência em razão do gênero.
Neste caso, a capacidade reprodutiva da mulher foi usada contra ela, maximi-
zando os efeitos perversos da tortura. O corpo “grávido” foi instrumentalizado para
potencializar o poder destrutivo da violência.
Na sentença da Corte que condenou o Uruguai explicitou-se as diversas viola-
ções a documentos internacionais de direitos humanos sofridas por María Gelman,
sua filha e família:
[...] violação ao artigo 5 da Convenção, e em atenção à definição do crime de tortura, estabelecida no
artigo 2 da Convenção Interamericana contra a Tortura, assim como em atenção à definição de violência
contra a mulher contida nos artigos 1 e 2 da Convenção de Belém do Pará, as condições de detenção
ilegal em regime incomunicável, os sofrimentos ocasionados a María Claudia García se revestem de
especial gravidade por sua situação de especial vulnerabilidade em avançado estado de gravidez, o que
permite “inferir que María Claudia [García] foi vítima de tortura psicológica durante o tempo em que per-
maneceu em detenção”. Tais fatos constituíram uma violação “imediata” à sua integridade pessoal, o que
configurou o delito de tortura” (CORTE INTERAMERICANA [...], 2011, p. 14, on line).
Não se nega que a tortura causa horror e sofrimento em quaisquer circunstân-
cias nas quais é perpetrada, entretanto, na situação em comento, houve um inconteste
escalonamento da violência em razão de María Gelman estar no sétimo mês de ges-
tação quando foi detida (CLADEM, 2015).
O estágio de gravidez de María Claudia García quando foi detida constituía uma condição de particular
vulnerabilidade, que implicou numa violação diferenciada em seu caso. [...]a instrumentalização de seu

10
Neste texto, a partir deste ponto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos será denominada apenas Co-
missão.
11
Neste texto, a partir deste ponto, Corte Interamericana de Direitos Humanos será denominada apenas Corte.
12
Os artigos 62.3 e 63.1 explicitamente legitimam a decisão da Corte: “62.3 A Corte tem competência para conhecer
de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde
que os Estados Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração es-
pecial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial. [...] Artigo 63.1 Quando decidir que houve
violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado
o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as
conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de
indenização justa à parte lesada” (CIDH, 1969, on line).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 83
corpo em função do nascimento e o período de amamentação de sua filha, que foi entregue a outra família
após ser subtraída e ter sua identidade substituída [...] Os fatos do caso revelam uma particular concep-
ção do corpo da mulher que atenta contra sua livre maternidade, o que forma parte essencial do livre
desenvolvimento da personalidade das mulheres (CORTE INTERAMERICANA [...], 2011, p. 29, on line).
O Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
– CLADEM – manifesta-se neste mesmo sentido, corroborando a afirmação de que a
maternidade, como expressão de sua capacidade reprodutiva, foi utilizada pelo Esta-
do uruguaio para impingir maior sofrimento e crueldade à prisão de María Gelman:
“A violência contra as mulheres que ocorre durante o estado de gravidez viola grave-
mente a sua integridade física e está baseada em uma discriminação por gênero, por-
que seus corpos são instrumentalizados em função de sua capacidade reprodutiva”
(CLADEM, 2015, p. 47).
Saliente-se, também, que o que ocorreu com María Gelman é ainda mais grave
quando se considera que não se tratou de caso isolado ou excepcional. Segundo o
apurado ao longo do processo que tramitou na Corte, afirmou-se se tratar de mais epi-
sódio de um “contexto de desaparecimentos de mulheres grávidas e de apropriações
ilícitas de crianças ocorridas no marco da Operação Condor” (CORTE INTERAME-
RICANA [...], 2011, p. 29, on line).
Os atos cometidos contra María Claudia García [...] podem ser qualificados como uma das mais graves e
reprováveis formas de violência contra a mulher, que teriam sido perpetrados por agentes estatais argen-
tinos e uruguaios e que afetaram gravemente sua integridade pessoal e foram evidentemente baseados
em seu gênero. Os fatos lhe causaram danos e sofrimentos físicos e psicológicos e constituem uma vio-
lação de tal magnitude que deve ser qualificada como a mais grave forma de violação de sua integridade
psíquica em função dos sentimentos de grave angústia, desespero e medo que pôde experimentar ao
permanecer com sua filha em um centro clandestino de detenção, onde usualmente se escutavam as
torturas causadas a outros detidos (SID), somado ao fato de não saber qual seria o seu destino quando
fossem separadas, assim como de poder ter previsto seu destino fatal (CORTE INTERAMERICANA [...],
2011, p. 29-30, on line) (grifou-se).
Percebe-se o estabelecimento de “conduta padrão” do Estado que optou por
transformar a maternidade em um instrumento de tortura contra as mulheres.
Ademais, o caso Gelman x Uruguai demonstrou que o Estado uruguaio trans-
grediu incontáveis dispositivos e documentos internacionais, como a Convenção In-
teramericana sobre Desaparecimento Forçado, o Estatuto de Roma (que incluiu o
desaparecimento forçado como um crime contra a humanidade), a Convenção Intera-
mericana contra a Tortura o que, per si, autorizaria a atuação da Corte.
Todavia, a Corte não se cingiu a discutir referidos aviltamentos, tendo expres-
samente declarado que, ao assumir compromissos internacionais que comprometem
o Estado a apurar e penalizar os atos de desaparecimento forçado, o Uruguai não po-
deria ter quedado silente no caso de María Gelman, sob a justificativa de aplicação
da Lei de Caducidade13 uruguaia, que confere “competência jurisdicional ao Poder
Executivo para resolver se os casos estão incluídos na mesma e, em consequência,
‘decidir pelo encerramento e o arquivamento dos inquéritos, tornando impossível o
13
Aprovada em 1986, no governo de Júlio María Sanguinett, primeiro pós ditadura militar uruguaia, a Lei de Ca-
ducidade da Pretensão Punitiva do Estado “impede que sejam investigados desaparecimentos, torturas, homicídios,
execuções extrajudiciais e outros crimes cometidos entre 1973 e 1985, impossibilitando assim que os responsáveis
sejam julgados e condenados. A lei proíbe também que membros da polícia e das Forças Armadas sejam investigados
ou processados” (IBCCRIM, 2011, on line).

84 Denise Almeida de Andrade


julgamento dos culpados por delitos de lesa humanidade’” (CORTE INTERAMERI-
CANA [...], 2011, p. 42, on line).
A obstrução por anos do acesso à justiça em função da vigência da Lei de Caducidade diante do cometi-
mento de graves crimes de lesa humanidade, a aceitação até o ano de 2008 da outorga de proteção para
aqueles que tinham informação direta sobre os fatos, sob o manto do “segredo militar”, e a negligência na
investigação judicial dos fatos, implicam uma violação dos artigos 8 e 25 da Convenção (CORTE INTE-
RAMERICANA [...], 2011, p. 42, on line).
Desta forma, a Corte demonstrou que uma decisão internacional, proferida por
órgão competente e supedaneada no poder concedido previamente pelo próprio Es-
tado, pode ser determinante para alterar e alinhar a conduta estatal. Neste caso, além
de ter rechaçado a aplicação da Lei de Caducidade em sua decisão, por meio desta
escolha, por certo, contribuiu para a revogação desta lei, em outubro 2011, nos meses
seguintes à prolatação da sentença.
É neste sentido que se afirma que a proteção internacional dos direitos humanos
auxilia na incorporação desses direitos no âmbito interno dos Estados, uma vez que
confere transparência aos processos, ampara as vítimas, encoraja pessoas e instituições
a seguirem denunciando abusos contra os direitos humanos, alinha ações políticas e
estimula, inclusive, movimentos nacionais de alteração de legislação, como ocorreu
com a revogação da Lei de Caducidade do Uruguai, pela Lei n. 18.831/2011.
Ainda sobre a Lei de Caducidade, em 2013, a Suprema Corte de Justiça uru-
guaia restringiu os feitos benéficos da revogação da Lei de Caducidade ao declarar
que “os crimes de direito internacional cometidos durante o regime civil e militar da
época sejam crimes contra a humanidade e, portanto, estão sujeitos à prescrição”,
reinserindo no ordenamento jurídico interno boa parte dos efeitos daquela lei, des-
cumprindo, em última análise, parte da decisão da Corte.
Reconhece-se a limitação desses mecanismos, uma vez que há interesses anta-
gônicos que por vezes priorizam a impunidade e a leniência do Estado em detrimento
do respeito aos direitos humanos e aos compromissos internacionais assumidos. To-
davia, referidas decisões representam para muitas famílias a ruptura do silêncio e a
transposição da impunidade, o que se pode considerar como um avanço na proteção
dos direitos humanos.

2.3. Caso Mamérita Mestanza versus Peru e as


esterilizações femininas sob coação
O caso de Mamérita Mestanze reporta-se à esterilização forçada de mulheres,
prática repudiada por instituições e documentos internacionais de defesa dos direitos
humanos.
Neste caso, apresentou-se petição à Comissão Interamericana, a fim de que fos-
sem apuradas as circunstâncias em que Mamérita Mestanze foi submetida a uma es-
terilização cirúrgica, em 27 de março de 1988, que culminou em sua morte, no dia 5
de abril do mesmo ano.
Jacinto Salazar, marido de Mamérita, denunciou o chefe da unidade de saúde
por homicídio culposo, em 15 de abril de 1998. Em 15 de maio do mesmo ano, o pro-
motor formalizou a denúncia penal, a qual foi indeferida pela juíza responsável, em
4 de junho de 1998, decisão confirmada em 1º de julho do mesmo ano, pela instância
superior, o que culminou com o pedido de arquivamento do caso pelo promotor.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 85
Diante disto, o viúvo buscou auxílio de organizações não governamentais a fim
de interpelar, no âmbito do Sistema Interamericano, o Estado peruano pelas circuns-
tâncias da morte de sua esposa.
As peticionárias14 assinalaram que Mamérita Mestanze e seu esposo foram as-
sediados diversas vezes na unidade de saúde pública Centro de Saúde do Distrito da
Encañada para que ela se esterilizasse, e informaram que diversas ameaças foram
perpetradas contra o casal, a exemplo de “denunciá-los perante à polícia, alegando
que o governo tinha decretado uma lei que determinava que a pessoa que tivesse
mais de cinco filhos deveria pagar uma multa e seria levada à prisão” (CIDH, 2003,
on line).
Atribui-se a insistência desarrazoada na realização de esterilização cirúrgica ao
fato de Mamérita Mestanze ter 7 filhos, ser camponesa e pobre. Pode-se afirmar que
houve um posicionamento estatal de compreender a pobreza como incapacitante, o
que autorizaria a imposição de um controle de natalidade às pessoas “categorizadas”
como inaptas a terem vários filhos, ainda que nada de concreto possa lhes ser impu-
tado que os descredencie para exercer o poder familiar, no sentido de serem conside-
rados pais/mães desidiosos ou negligentes.
[...] representa um a mais entre um número significativo de casos de mulheres afetadas pela aplicação de
uma política governamental de carácter massivo, compulsivo e sistemático que enfatizou a esterilização
como método para modificar rapidamente o comportamento reprodutivo da população, especialmente de
mulheres pobres, indígenas e de zonas rurais (CIDH, 2003, on line).
O falecimento de Mamérita Mestanze, no nono dia após a laqueadura tubária,
teve como causa uma infecção generalizada ocasionada por um bloqueio tubário bi-
lateral, restando inegável a relação direta entre o procedimento cirúrgico de esterili-
zação e a morte da paciente (CIDH, 2003, on line).
Destaque-se que a intervenção foi realizada sem nenhum exame prévio que as-
segurasse um estado de saúde minimamente saudável, a fim de que os perigos de uma
cirurgia eletiva fossem minimizados (CIDH, 2003, on line).
Não se trata, pois, de coincidência, mas de uma prática reiterada na América
Latina, especialmente, até a década de 1980, quando se estabeleceu um “processo”
de esterilização em massa de mulheres em países em desenvolvimento, sob a justifi-
cativa de conter a pobreza e auxiliar na melhoria da condição de vida da população:
“bloquear o aumento da população de mais baixa renda. Impedir o crescimento do
número dos pobres para que não existam mais pobres” (BERQUÓ, 1982, p. 47).
Apenas no final dos anos de 1990, o número excessivo de esterilizações fe-
mininas passou a ser questionado, por feministas, pela sociedade civil organizada e
também por alguns profissionais da saúde; em razão da oferta de novas opções con-
traceptivas, como os implantes hormonais subcutâneos, lançar mão, em larga escala,
de um mecanismo irreversível mostrou-se inadequado.
Mamérita Mestanza é uma representante dos desrespeitos e abusos perpetra-
dos por particulares e Estados contra os direitos reprodutivos das mulheres, em uma
14
O caso da senhora Mamérita Mestanze foi levado à Comissão pelas organizações não governamentais: Estudo para
a Defesa da Mulher (DEMUS), o Comitê da América Latina e o Caribe para a Defesa dos Direitos Humanos da Mu-
lher (CLADEM) e a Associação Pró-Direitos Humanos (APRODEH), as quais se agregaram posteriormente como
co-peticionárias o Centro Legal para Direitos Reprodutivos e Políticas Públicas (CRLP) e o Centro para a Justiça e o
Direito Internacional (CEJIL). (CIDH, 2003, on line).

86 Denise Almeida de Andrade


afronta não apenas a premissas básicas de direitos humanos, mas a dispositivos ex-
plícitos em documentos internacionais, já mencionados, como os artigos 12 e 14.215
da CEDAW, bem como os artigos 3 e 8 da Convenção de Belém do Pará, abaixo
transcritos:
Artigo 3. Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.
[...]
Artigo 8. Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas específicas, inclusive pro-
gramas destinados a:
[...]
modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formulação de pro-
gramas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater
preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superiori-
dade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou
exacerbem a violência contra a mulher; [...] (CIDH, 1994, on line).
Percebe-se do excerto acima que há o compromisso oficial e internacional de
superar práticas que reproduzam comportamentos e costumes discriminatórios e ex-
cludentes. A capacidade reprodutiva da mulher não pode ser mantida como objeto de
controle do Estado, tampouco como um perigo à sua saúde e vida, como no caso em
análise.
Entende-se que a Comissão desempenhou papel relevante in casu, tanto pela
publicização deste episódio, que redundou no reconhecimento do Peru de sua respon-
sabilidade, quanto por conferir algum reparo à família e compelir o Estado a reafir-
mar seus compromissos com a proteção e promoção dos direitos humanos.
O relatório 71/03, resultado da petição n. 12.191, albergou o denominado Acor-
do de Solução Amistosa,16 por meio do qual o Peru admitiu a violação de direitos hu-
manos de Mamérita Mestanza e de sua família e se comprometeu a reparar os danos
causados por meio do cumprimento dos termos do acordo pactuado junto à Comissão
Interamericana, em 10 de outubro de 2003.
[...] proteger e promover os direitos da mulher é uma prioridade para nosso hemisfério, com o fim de al-
cançar o goze pleno e eficaz de seus direitos fundamentais, em especial a igualdade, a não discriminação
e a viver livre da violência baseada no gênero (CIDH, 2003, on line).
A possibilidade de se alçar a um organismo internacional uma demanda de
afronta aos direitos humanos que no plano interno ou foi rechaçada ou ignorada (e. g.
pelos longos anos de duração de um processo judicial), por vezes, é o único caminho
que resta para as vítimas e suas famílias.
No caso em análise, não se chegou sequer a uma decisão unilateral, tendo sido
pactuado um acordo. Ressalte-se a relevância deste instrumento à disposição da Co-
missão, uma vez que viabiliza a construção colaborativa para a demanda, o que, em
15
“14.2. States Parties shall take all appropriate measures to eliminate discrimination against women in rural areas in
order to ensure, on a basis of equality of men and women, that they participate in and benefit from rural development
and, in particular, shall ensure to such women the right: [...] (b) To have access to adequate health care facilities, in-
cluding information, counselling and services in family planning; [...]” (ONU, CEDAW, on line).
16
O Acordo de Solução Amistosa conta com 6 partes (I. Resumo; II. Trâmite perante a Comissão; III. Os fatos; IV.
Solução Amistosa. V. Determinação de compatibilidade e cumprimento; e VI. Conclusões), estando o acordo porme-
norizado no tópico IV. Solução Amistosa, subdividido em 15 cláusulas, dentre as quais se preveem a investigação e
sanção dos responsáveis, indenização da família da vítima, compromisso do Estado peruano com a implementação
de ações educativas e de modificações legislativas e de políticas públicas sobre saúde reprodutiva e planejamento
familiar, dentre outras (CIDH, 2003, on line).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 87
regra, é mais célere, menos oneroso e com maior índice de cumprimento dos termos
pactuados, o que se traduz em respeito e promoção dos direitos humanos.

Conclusão

Os 3 casos apresentados convergem na reflexão sobre as dificuldades enfrenta-


das para se garantir o respeito aos direitos humanos reprodutivos das mulheres.
A multiplicidade dos Estados envolvidos (Brasil, Uruguai e Peru, respectiva-
mente) demonstra ser um problema disseminado na América Latina, não se restrin-
gindo a um País ou região menos favorecida.
Ademais, a diversidade dos fatos 1) falecimento em razão de um atendimento
de baixa qualidade e desidioso, no caso de Alyne Pimentel; 2) tortura, potencializada
pela instrumentalização do “corpo grávido”, e morte de María Gelman e subtração e
ocultação da identidade de sua filha nascida na prisão; e 3) esterilização sob coação
e falecimento de Mamértia Mestanza evidencia que muito há que ser feito no âmbito
da proteção dos direitos reprodutivos das mulheres, especialmente, no plano interno
dos Estados.
A falta de atendimento médico obstétrico apropriado, que infringiu a premissa
de prestação de atenção médica livre de qualquer espécie de discriminação (baseada
no gênero, raça ou condição socioeconômica), resultou, no caso de Alyne Pimentel,
em mais uma experiência de morte materna por causa evitável, tendo sido, inclusive,
declarado pelo Comitê da CEDAW se tratar de um problema sistêmico no Brasil.
Ademais, concluiu-se pela incapacidade do Estado brasileiro em assegurar proteção
judicial efetiva.
No marco da busca pela apuração de prisões, assassinatos e desaparecimentos
durante os períodos de ditadura militar na América do Sul, durante a segunda metade
do século passado, as instituições internacionais de proteção dos direitos humanos
têm sido de extrema relevância para que se questione e, por vezes, supere os efeitos
nefastos das autoanistias decretadas por aqueles governos. É neste contexto que se
insere a prisão ilegal, tortura e desaparecimento forçado de María Gelman, que levou
a condenação do Uruguai na Corte Interamericana pela violação, dentre outros, do di-
reito à vida, à integridade pessoal e à liberdade, bem como pela subtração, ocultação
e substituição da identidade de sua filha, nascida durante seu encarceramento.
Por fim, Mamérita Mestanza representa a necessidade de se seguir reafirmando
os conceitos e contornos jurídicos dos direitos reprodutivos, especialmente das mu-
lheres, com o objetivo de obstaculizar os excessos estatais no que se refere ao contro-
le de natalidade, que podem culminar, como neste caso, na esterilização sob coação
de uma mulher de 33 anos, levando à sua morte. À camponesa peruana foi negado,
dentre outros, o direito à integridade física, à saúde e à vida, ratificando que o desres-
peito aos direitos humanos reprodutivos podem levar a resultados extremos.
O caminho percorrido, pois, pelo Comitê da CEDAW, pela Corte Interameri-
cana e pela Comissão Interamericana, respectivamente, confirmam que a proteção
internacional dos direitos humanos é um instrumento hábil a ensejar mudanças no
comportamento dos Estados, ora com o pagamento de indenizações ou reparações
simbólicas, ora com o ajustamento de práticas e condutas por meio de elaboração e

88 Denise Almeida de Andrade


implementação de ações educativas, alterações de legislação e adequação de políticas
públicas.

Referências
ALYNE V. BRASIL. Caso de Alyne Silva Pimentel Teixeira (“Alyne”) v. Brasil. Center for Reproductive Rights. Disponível em:
https://www.reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/documents/LAC_Alyne_Factsheet_Portuguese_10%
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BERQUÓ, Elza. Corpos silenciados. Novos Estudos. n. 3, jul.,1982.
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sileiro/Agosto 2014. 2014. Disponível em: www.spm.gov.br/assuntos/acoes.../onu-1/Relatorio2014CasoAlyne22agosto1v.
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CAMPOS, Amini Haddad. A Convenção da ONU sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e sua
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2017.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 89
—6—

Proteção dos povos originais e tribais como reforço


da pluralidade no Estado: incentivo na formação
de uma cidadania plural por meio das decisões
da Corte Interamericana de Direitos Humanos

EDUARDO ALMENDRA MARTINS1

MARTONIO MONT’ALVERNE BARRETO LIMA2

Sumário: Introdução; 1. Colonialismo jurídico e miscelânea social; 2. Abertura normativa no cons-


titucionalismo latino-americano; 3. Decisões da Corte Interamericana sobre os povos originais e
tribais; Conclusão; Referências.

Introdução

O Estado é visto há muito tempo como o único meio de criação de normas ju-
rídicas, essa atribuição lhe garante o monopólio sobre o Direito, ou seja, somente as
regras advindas do Estado podem ser consideradas como estruturantes do Direito.
Aqui se tratou sobre a função monista do Estado em regulamentar as situações sociais
em seu território.
O monismo está atrelado a conceitos sobre elementos do estado que são abor-
dados nesse artigo. Comumente os doutrinadores asseveram que os elementos do
Estado são três: povo, território e soberania.3 Para o artigo, interessam dois desses
elementos: a soberania e o povo. O foco primordial é sobre como a soberania do
Estado representado no direito pela regulamentação das práticas sociais se adequa à
1
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Função Social do Direito: pro-
cesso, constituição e novos direitos pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Defensor Público do Estado do
Ceará.
2
Professor Titular da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município de Fortaleza.
3
Não se olvida que existem doutrinas sobre os elementos constitutivos do estado que incluem outros elementos
como a finalidade, nesse sentido Bastos ao dizer o que “[Na] realidade o Estado nada mais é que um meio para o
homem, alcançar os seus interesses e desenvolver-se. Porém, nunca deve ficar acima dos valores da pessoa humana,
que devem ser preservados” (1999,p. 46). Todavia, o objeto do artigo não é trabalhar as teorias sobre os elementos
constitutivos do Estado, mas apenas abordar como o Estado se relaciona com o elemento povo e qual a característica
desse dentro do Estado.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 91
existência multifacetada do povo presente em um território; especificamente diante
dos povos originais e tribais existentes tanto no Brasil quanto na América Latina.
A tutela sobre visões distintas de mundo atualmente está sob contestação, ou
seja, a unifocalidade sobre como devem surgir às regras jurídicas e como essas po-
dem ser aplicadas sobre situações dispares de entendimento cultural está cambiando
para se tornar mais aberta. O que se discute é se o colonialismo jurídico ainda é a
melhor forma de acomodar as desigualdades sociais, ou se há necessidade de o Esta-
do passar a ser genuinamente aqui para o qual foi concebido, isto é, ente protetor do
exercício igual de uma vida livre.
A discussão proposta busca demonstrar como não há antítese entre uma abertu-
ra normativa à cultura dos povos originais e os não originais. O pluralismo jurídico
não é e não deve ser visto como teoria de oposição ao Estado, pelo contrário, aquele
traz a essas valiosas ferramentas de ação para a defesa da igualdade e da liberdade. O
pluralismo jurídico reconhecido pelo Estado fortalece aqui sua qualidade de garantia
e reconhecimento da heterogeneidade de sua formação e da necessidade da convivên-
cia multicultural em seu interior. Até bem pouco tempo, o Estado do chamado Novo
Mundo era determinado por setores a não reconhecerem a formação plural de seus
povos, o que conduzia a enormes dificuldades de integração. A moderna capacida-
de de reformulação constitucional destes Estados tem mostrado outras vertentes, no
sentido de tornar concreta uma ação do próprio Estado inclusiva dos anteriormente
setores ignorados em todas suas formas de manifestação: cultural, étnica e religiosa.
Tal tempo parece começar a encerrar-se.
Para compreender como o pluralismo pode contribuir com o Estado se desenvol-
verá a ideia de cultura e como pode ser utilizada como peça de hegemonia colonial,
bem como pode ser tratada como instrumento de oxigenação política da sociedade,
na medida em que proporciona visões distintas da realidade.

1. Colonialismo jurídico e miscelânea social

O Estado é o resultado de forças sociais que buscam traçar a melhor e mais ade-
quada forma de convivência social. Essa afirmação pode ser aperfeiçoada com outras
teorias que veem o Estado também como representante de uma dominação, portanto,
como subjugador da sociedade para o deleite da classe de turno que o está controlan-
do. Não se olvida que o Estado ao ser controlado por um setor social que despreza as
opiniões diversas se torne um instrumento opressor e cruel.
Contudo, se se compartilha da visão da legitimidade do poder, da soberania,
ocorrendo na medida em que essa atende a necessidade e a finalidade de sua exis-
tência, principalmente, através de uma obediência voluntária (BONAVIDES, 2012,
p. 129), nesse sentido Fleiner-Gerster afirma que “(...) enquanto possibilidade de
exercer uma influência, o poder depende, antes de tudo, da força de persuasão, da
confiança, bem como da disposição do indivíduo de ser convencido” (2006, p. 244),
e Heller afirma que a estabilidade estatal se atribui muito mais ao sacrifício espontâ-
neo de cada indivíduo na sua condição pessoal e patrimonial, do que propriamente na
coação (1968, p. 261).
Nesse contexto, a soberania estatal serve como filtro racional a fim de identifi-
car qual o poder incumbido de criar e aplicar o direito dentro da limitação territorial
Eduardo Almendra Martins
92 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
estatal, ou seja, “[É] da soberania que o Estado deduz, dentre outros, o direito de se
organizar e estabelecer o direito aplicável à ‘sua’ população.” (FLEINER-GERS-
TER, 2006, p. 218).
Na América Latina, esta legitimidade da soberania está intimamente ligada ao
seu passado colonial; isto é, as relações de poder internas na sociedade são marcadas
pelas estratificações feitas pelo colonizador, a essa estrutura diferenciada de poder é
denominada de colonialismo, uma vez que esse “indica a doutrina e a prática insti-
tucional e política da colonização, (...), define mais propriamente a organização de
sistemas de dominação.” (BOBBIO, METTEUCCI, PASQUINO, 2007, p. 181). A
colonização, portanto, introduziu um sistema político-econômico-social através da
força sob os territórios ocupados com vista a parasitá-los, ou seja, “[A] conquista das
Américas produzirá nas sociedades colonizadas, sujeitas a uma intensa exploração,
primeiro nas minas e depois nas plantações, efeitos devastadores. Houve sociedades
inteiramente destruídas, não só política como também biologicamente.” (BOBBIO,
METTEUCCI, PASQUINO, 2007, p. 183).
Para Bobbio, Metteucci, Pasquino (2007, p. 181). o colonialismo possui três
significados possíveis: a) como uma forma assumida pelo imperialismo no decorrer
do espaço-tempo; b) institucionalização de segregação e desigualdade; c) autocolo-
nialismo, forma de assimilação da cultura ocidental por parte da classe média das
ex-colônias. As três formas de concepção estão representadas dentro da América La-
tina, pois não se pode deixar de reconhecer que o produto colonial latino-americano
é decorrência da transformação que perpetrou nas estruturas colonizadas pela metró-
pole europeia, principalmente, pela disseminação de seu modelo social como objeto
de cobiça pelos subjugados.
O primeiro conceito é a base histórica que introduz o modelo de assimilação
como elemento de dominação colonial. Bobbio, Metteucci, Pasquino (2007, p. 64)
afirmam que a assimilação foi uma política colonial que visava a realizar uma iden-
tificação entre a colônia e a metrópole, ou seja, buscava demonstrar que aquela era
uma extensão dessa, cujas regras morais e jurídicas eram aplicadas em ambos os
territórios sem discriminação. Todavia, existiam duas bases de assimilação: a) uma
defendia a igualdade entre todos os povos, acreditando que a educação seria um meio
de equalização social para a introdução da cultura e religião superior europeia; b) a
outra defendia ser impossível uma assimilação geral, pregando, portanto que hou-
ve uma seletividade na assimilação, cujo cerne era a imposição de requisitos para a
igualdade.
Os autores citam como exemplo a assimilação feita pela França sobre suas colô-
nias: “(...) para se gozar do privilégio da cidadania francesa era necessário demonstrar
possuir qualidades: conhecimento profundo da língua francesa, religião cristã, bom
nível de instrução e boa conduta” (BOBBIO, METTEUCCI, PASQUINO, 2007, p.
65). Esse modelo foi o mesmo utilizado na colonização portuguesa, segundo os au-
tores, bem como na espanhola, pois esses buscavam uma limpeza de sangue em que
se proibia a mestiçagem, principalmente para criar um elemento distintivo claro en-
tre as raças existentes no continente latino-americano; essa posição é defendida por
Filippi.
[No] debe asombrar el hecho – hábilmente soslayado por la historiografia tradicional, y no solo por la
española – de que, junto a otros hábitos o instituciones, los españoles habían llevado a América y esta-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 93
blecido en las províncias imperiales la obsesión y la práctica (religiosa y burocrática) de la “limpeza de
sangre”; [...]. (FILIPPI, 2015, p. 78).
A limpeza de sangue era a base para a implementação de castas que a Coroa
espanhola buscou implementar em suas colônias; no mesmo sentido, pode-se afirmar
que o modelo era compartilhado pela Coroa portuguesa. Arana explica mais detida-
mente como esse modelo funcionava na colonização espanhola, muatis mutantis a
colonização portuguesa.
Instituiu-se um sistema de dominância racial que se fazia cumprir de maneira implacável. (...) A cada nas-
cimento um cartório eclesial registrava meticulosamente a raça, pois havia consequências concretas para
a cor de pele de uma criança. Se ela fosse indígena, seria sujeita a um tributo imposto pela Coroa; se não
pudesse pagá-lo, era obrigado a quitar sua dívida com trabalho pesado. Os indígenas também eram sujei-
tos à mita, um período de trabalho compulsório nas minas ou nas lavouras. Muitos não sobreviviam a ela.
Acorrentados, conduzidos em bandos, se para dos de suas famílias, eram frequentemente transportados
de navios até grandes distâncias para atender as demandas do vice-rei. (ARANA , 2016, p. 24).
Os modelos de assimilação implantados pelos colonizadores repercutem nas
duas outras concepções de colonialismo apontadas acima por Bobbio, Metteucci,
Pasquino. A institucionalização da discriminação foi realizada logo após as lutas de
independência da América espanhola, pois os criollos, como descendentes de euro-
peus, ainda estavam contaminados com a hierarquização feita pelo colonialismo.
El etnocentrismo peninsular y criollo hicieron del ejercicio de la limpieza de sangre, primero, y de la
blanqueación, después, la causa y el efecto de las prácticas jurídico-institucionales de segregación que
debían limitar y controlar las múltiples formas del mestizaje originado por el proceso de la conquista, para
contener el abrumador derrumbe demográfico por ella ocasionado (BOBBIO; METTEUCCI; PASQUINO
2015, p. 79).
Já o autocolonialismo pode ser observado na influência silenciosa que a cultura
estadunidense possui sobre vários países latino-americanos, como no consumo de
refrigerantes, comida rápida, vestuários e música. Essa hegemonia silenciosa, esse
poder soft, demonstra como ainda se está às voltas com um modelo de desnível de
apresentação cultural, ou seja, não se olha para as culturas como modelos concor-
rentes merecedores de respeito e consideração entre si, pelo contrário, existe uma
tendência à construção de modelos hierarquizados, onde se coloca como meta a assi-
milação dos padrões culturais superiores. Nesse cenário de influência do colonialis-
mo são pertinentes as perguntas que faz Vasconcelos (2004, p. 02): “[Como] se dá a
narrativa da construção da nação quando se sabe hoje que a maioria delas consiste de
culturas separadas e que foram unificadas por um longo processo de conquista vio-
lenta, ou seja pela supressão das diferenças culturais?”.
A identidade cultural deve ser reagrupada como elemento de coesão social e
não pode ser realocada por influência de pressões externas como a mídia de massi-
ficação ou uma educação compressora das identidades. Dentro desse contexto, re-
levante a distinção proposta por Solomon entre identidade vertical e horizontal. A
primeira está relacionada com o compartilhamento de valores dentro de uma família,
isto é, “[Atributos] e valores são transmitidos de pai para filhos através das gerações,
não somente através de cadeias de DNA, mas também de normas culturais” (2012, p.
09). A identidade horizontal, para Solomon (2012, p. 10), está relacionada com crité-
rios biológicos decorrentes de genes recessivos ou alterações genéticas espontâneas
ou mesmo provocadas, aqui, pode não haver um compartilhamento identitário com o
grupo original; essa ausência, ao se revelar estranha aos pais, leva o filho a buscar um
grupo de compartilhamento de identidade horizontal.
Eduardo Almendra Martins
94 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
Muitos pais sentem a identidade horizontal de seu filho como uma afronta. A diferença marcante de uma
criança em relação ao resto da família exige conhecimento, competência e ações que uma mãe um pai
típicos estão desqualificados para oferecer, ao menos no início. A criança também é diferente da maioria
de seus colegas e, portanto, menos compreendida ou aceita por um amplo círculo. (SOLOMON, 2012,
p. 15).
Observa-se, portanto, que se deve possibilitar que os povos originais e as tribos
possam adequadamente transmitir suas identidades verticais para seus filhos, não
deixando que essas sejam vistas como característica de desconforto e de marginaliza-
ção social, assim como ocorre com muitas identidades horizontais a semelhança dos
surdos e mudos, autistas e outros. Inclusive a incorporação e aceitabilidade dessas
identidades nas comunidades originais também é um elemento de discussão rele-
vante, uma vez que as práticas de infanticídio de crianças com deficiência física são
comuns nessas comunidades.4
Com esse olhar, de abertura para novas culturas e consequente quebra de uma
institucionalidade de via única, as Constituições da América Latina preveem meios
de proteção da expressão cultural e política dos povos originais e tribos, quer através
de uma previsão específica, quer por meio da recepção de tratados sobre direitos hu-
manos que disciplinam essa temática.

2. Abertura normativa no constitucionalismo latino-americano

O Estado como único ente produtor de normatividade legal para a regulamenta-


ção das condutas humanas, pois de lado práticas normativas anteriores ao surgimento
daquele exemplo de modelo regulatório não legalizado, se encontra com o costume.
O costume não está totalmente fora do contexto estatal, contudo, para possuir juridi-
cidade necessitária de requisitos, principalmente tendo a lei como regulador desses.
Marques e Albernaz (2010, p. 7038) afirmam que o colonialismo foi a influência para
que o Estado monopolisticamente se revestisse da produção legal, excluindo do cos-
tume qualquer juridicidade autônoma.
Para Marques e Albanez (2010, p, 7039), na América Latina, a participação,
mesmo que frágil, se limitaria até a sua promulgação, após isso as autoras acreditam
que os atos de interpretação e administração da lei são espaços estranhos às pessoas,
portanto, há uma dificuldade de que se façam construções interpretativas que possam
proteger as diferenças sociais e culturais dos sujeitos partícipes de uma sociedade.
Nesse contexto as autoras fazem uma dura crítica à ideia de nação, uma vez que essa
cria uma falsa impressão e homogeneização cultural e social:
A questão nacionalista também é problemática nos países “descolonizados”, envolvidos em um com-
plexo e difícil processo de “descorporificar” o colonizador e de atualizar nações nativas violentamente
dispersas, desintegradas, dizimadas ou mantidas à marginalidade. As pressões dos grupos minoritários
ou marginalizados e dos movimentos sociais contemporâneos, do mesmo modo, têm aberto verdadeiras
valas na solidez do sentido de nação, questionando a sua insuficiência em termos de legitimidade e de
representatividade de seus sistemas políticos e jurídicos. (MARQUES; ALBANEZ 2010, p. 7040).

4
Em uma aldeia indígena de Caracaraí, pequena cidade de Roraima, a jovem de 21 anos dava à luz o seu quarto filho,
e desesperou-se ao notar que o recém-nascido tinha uma má-formação na perna. Mesmo já sabendo o que ia aconte-
cer, consultou os líderes da sua tribo ianomâmi. O bebê não chegou a ser amamentado. Passou por um ritual, em que
foi queimado vivo. As cinzas foram usadas para preparar um mingau, oferecido a todos da tribo. A índia contou a
parentes que ficou triste, pois queria cuidar da criança. Mas entendeu que era a tradição. (TOLEDO, 2015).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 95
Não se olvida que as críticas proferidas por Marques e Albanez são pertinentes
no contexto de uma participação limitada na formação da lei, bem como na existên-
cia de uma interpretação monolítica. Todavia, na América Latina, se tem começado
a produzir fontes normativas de organização estatal que preveem uma maior abertura
à proteção da identidade, proscrevendo um papel de homogeneização pelo Estado.
Pertinente para esse fim a afirmação de Wolkmer de que a Constituição de um país,
“[Enquanto] pacto político que expressa a pluralidade, ela materializa uma forma de
poder que se legitima pela convivência e coexistência de concepções divergentes,
diversas e participativas” (2013, p. 19). A Constituição deve tornar-se um amálgama
de muitas mentes e saberes para a sua confecção, logo não representa um só modo
de enxergar o mundo. A Constituição é o exemplo maior de pluralidade organizada.
Nesse contexto é que se deve observar que a produção do direito dada ao Estado não
pode ser observada como inconciliável com outras formas de juridicidade, cabendo
ao texto constitucional a disciplina dessa adequação. Portanto, quando se fala em
pluralidade no direito, não se está obrigatoriamente quebrando a força da constitui-
ção dos direitos emanados dela, pelo contrário, a pluralidade é inerente ao direito, e
sua contestação por grupos não hegemônicos não pode ser visto como um atentado
à ordem, mas como mecanismo de uma ordem de desacordos regulamentada pela
Constituição.
Ora, o pluralismo no direito tende a demonstrar que o poder estatal não é a fonte única e exclusiva de todo
o direito, abrindo escopo para uma produção e aplicação normativa centrada na força e na legitimidade
de um complexo e difuso sistema de poderes, emanados dialeticamente da sociedade, de seus diversos
sujeitos, grupos sociais, coletividades ou corpos intermediários. (WOLKMER, 2013, p. 21).
Será sempre, pois, neste sentido que haverá de se compreender a ação do Esta-
do. Deve ser registrado que a recente onda de populismos5 na América do Sul favore-
ceu a estes Estados o desenvolvimento deste tipo de compreensão que está longe de
traduzir-se em enfraquecimento do Estado: fortalece-o como novo elemento media-
dor de seculares tensões existentes entre culturas e povos distintos, como a europeia
e a ameríndia.
Atualmente, verifica-se que há uma onda de modificação no direito que passa
a romper, ou a tentar dar mostras de rompimento, com sua herança colonialista e
as funções atuais que esse passou a ter nas sociedades, como exposto acima. Nesse
sentido floresce um constitucionalismo plural, pois o “[El] pluralismo jurídico, como
forma de coexistência de vários sistemas normativos dentro de un mismo espacio
geopolítico, aun en su forma colonial subordinada, no era admisible para la ideologia
Estado-nación.” (FAJARDO, 2011, p. 139).
Importante destacar que Fajardo afirma que se podem identificar três momentos
constitucionais que a envolver a proteção dos povos originais e tribais. O primeiro
é denominado, por ela, de constitucionalismo multicultural e vai de 1982 até 1988,
esse é caracterizado pelo “concepto de diversidade cultural, el reconocimiento de la
configuración multicultural y multilingue de sociedade, el derecho – individual y co-
lectivo – a la identidade cultural y algunos derechos indígenas específicos” (FAJAR-
DO, 2011, p. 141). Tanto Wolkmer quanto Fajardo incluem a Constituição do Brasil
5
A terminologia de populismo aqui utilizada baseia-se naquela de Ernesto Laclau, onde o populismo não é concebi-
do como fenômeno necessariamente negativo na politica, mas como uma forma de manifestação comum a diversas
épocas e lugares (Cf.: La razón populista, pp. 31s).

Eduardo Almendra Martins


96 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
dentro desse ciclo, que tem como fragilidade o não reconhecimento do pluralismo
jurídico, segundo Fajardo (2011, p. 142), mas Wolkmer vê nesse ciclo e especialmen-
te na Constituição da República Federativa do Brasil um caminho de ruptura com o
colonialismo.
Em suma, ainda que de forma limitada e pouco satisfatória, a Carta Política Brasileira de 1988 contribui
para superar uma tradição publicista liberal-individualista e social-intervencionista, transformando-se num
importante instrumento diretivo propulsor para um novo constitucionalismo, de tipo pluralista e multicul-
tural, com grandes avanços por contemplar e destacar questões como a os povos originários (população
indígena), e dos direitos aos bens comuns naturais, sociais e culturais (WOLKMER, 2013, p. 29).
O segundo ciclo compreende o período entre 1989 e 2005. Aqui já se observa
com mais destaque um reforço na autodeterminação dos povos originais e tribais,
pois o pluralismo e a diversidade cultural ingressam na normatividade constitucio-
nal. Ocorre, assim, o reconhecimento de que há outras formas de produção jurídica
além do Estado, há, portanto, uma atenuação do monismo estatal, ou seja, as funções
típicas do Estado de produção normativa, controle, administração e julgamento pas-
sam a ter uma atuação concorrente entre aquele e a comunidade original e tribal, em
qualquer dos casos há um controle de constitucionalidade sobre os atos praticados
(FAJARDO, 2011, p. 143). A crítica que Fajardo faz é a de que, apesar da abertura
constitucional, houve a manutenção da estrutura orgânica neoliberal, deixando dor-
midos muitos direitos reconhecidos aos povos originais e tribais. Aqui ocorre o que
Gargarella chama de influência cruzada entre a parte orgânica e a dogmática, isto
é, “la influencia que las reformas operadas em la sección de los derechos ejercen o
pueden ejercer sobre la sección dedicada a la organización del poder (2014, p. 250)”
e vice-versa.
O último momento constitucional ocorreu de 2006 a 2009. As Constituições da
Bolívia 2009 e Equador 2008 são o produto e exemplos desse ciclo. Estas constitui-
ções dão um passo à frente de todas as outras da região e declaram-se plurinacionais,
aqui a um marco distintivo, pois os povos originais são os partícipes diretos da vida
Estatal e não, simplesmente, agraciados com mudanças de cima. O estado plurinacio-
nal está marcado por uma participação dos povos originais e tribais no poder consti-
tuinte que funda o Estado.
Al definirse como um Estado plurinacional, resultado de um pacto entre pueblos, np es um Estado ajeno
el que ‘reconoce’ derechos a los indígenas, sino que los colectivos indígenas mismos se yerguen como
sujetos constituyentes y, como tales y junto com otros publos, tienen poder de definir el nuevo modelo de
Estado y las relaciones entre los pueblos que lo conforman. (FAJARDO, 2011, p. 149).
Como já detalhado acima, a Constituição de 1988, apesar de estar dentro do
primeiro ciclo, não se pode negar que a abertura constitucional existente em seu texto
tanto pela presença dos direitos e garantias fundamentais, como pela chave de inte-
gração pelos tratados de direitos humanos dos §§ 2º e 3º do art. 5º, empurram o país
para o segundo ciclo de desenvolvimento de proteção dos direitos dos povos originais
e tribais.
Essa abertura gera no sistema jurídico um fundamento de validade que não
pode ser olvidado, ou seja, subordina toda a produção do direito, por meio dos po-
deres constituídos; daí por que afirma Ferrajoli que os direitos fundamentais quando
“estabelecidos em constituições rígidas, operam como limites e vínculos à produção
normativa de nível subordinado” (FERRAJOLI, 2011, p. 109). Isto é, a produção de
normas jurídicas não pode atender apenas ao processo de produção formal, já que
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 97
esse se refere apenas ao âmbito de validade procedimental, logo para que haja a com-
pletude de sua formação faz-se mister a sua adequação conteudística.
Como se dá a incorporação de novos direitos? Como eles são vistos? Quais os
instrumentos de incorporação? A República Federativa do Brasil como instrumento
de autogoverno do povo criou mecanismos de oxigenação do sistema constitucional
a fim de proteger a liberdade e a igualdade daqueles, para tanto fincou as balizas, ou
seja, impôs aos poderes constituídos que dentro de certos fundamentos (art. 1º da
CRFB) possibilitasse um desenvolvimento para certos objetivos (art. 3º da CRFB),
tendo, inclusive, deixado instruções no caminho a fim de que os poderes constituídos
não se perdessem. Que caminhos seriam esses?
O caminho a ser trilhado pelos poderes constituídos está na harmonização entre
eles para a execução dos direitos e garantis fundamentais constitucionalmente previs-
tos, bem como pela prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais em
que a República tome parte (art. 4º, II,6 da CRFB).
Sublinhe-se que Schärf utiliza uma distinção entre direitos fundamentais em
sentido formal e material, afirmando que os primeiros são decorrentes do juízo de
ponderação constituinte que os previu expressamente na CRFB, já os segundos se-
riam decorrentes não de previsibilidade na CRFB, mas sim da altivez que possuem
na proteção da dignidade da pessoa (2005, p. 36). Aqui entra a importância dos direi-
tos humanos incorporados ao bloco de constitucionalidade na medida em que esse é
“una herramienta que amplia el contenido material de la Constitución” (FAJARDO,
2013, p. 260).
A dificuldade pátria está na recepção das decisões da Corte IDH ao interpretar
as normas da CADH, cuja incorporação se deu antes do § 3º do art.5º da CRFB. O
cenário sobre a recepção das normas da CADH está temporariamente resolvido na
medida em que o Supremo Tribunal Federal, em decisão conjunta do HC 87585/TO
e HC 92566/SP, ambos de rel. Min. Marco Aurélio; RE 466343, rel. Min. Cezar Pe-
luso, e RE 349703, rel. Min. Carlos Britto, decidiu acatar a tese do Min. Gilmar Men-
des da recepção anterior dos tratados de direitos humanos como normas supralegais,
sobre a posição da corte constitucional, cite-se Gomes e Mazzuoli:
[...] depois de décadas de atraso jurássico, finalmente a Corte Suprema brasileira reconheceu (em
03.12.2008) o valor (no mínimo) supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos (RE 466.343-
1-SP e HC 87.585-TO); foi vencedora (por ora) a tese do Min. Gilmar Mendes (por cinco votos a quatro),
não a tese do valor constitucional (defendida no STF pelo Min. Celso de Melo); (GOMES; MAZZUOLI,
2010, p. 80 e 81).
Com essa decisão, estabilizou-se, temporariamente, em solo pátrio a discussão
sobre qual o status normativo da Convenção Interamericana de Direito Humanos que
ingressou no sistema jurídico brasileiro através do Decreto nº 678, de 06 de novem-
bro de 1992, ficando a República brasileira obrigada a cumprir integralmente seu
texto, como se depreende do art. 1º do decreto.7
6
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...); II
– prevalência dos direitos humanos.
7
Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José
da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteira-
mente como nela se contém.

Eduardo Almendra Martins


98 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
A CADH em seus primeiros artigos impõe ao Estado signatário a obrigação de
adequar seu ordenamento jurídico ao texto normativo daquela, esse ajustamento está
previsto no art. 1.1 e no art. 2, logo se pode afirmar que “[La] Convención Americana
tiene aplicación directa em todos sus preceptos cuando un Estado americano la ha fir-
mado, ratificado o se ha adherido” (FERRER MAC-GREGOR; PELAYO MOLLER,
2014, p. 46).
No art. 1.1 observam-se dois deveres: respeito e garantia dos direitos huma-
nos previstos na CADH. Esses deveres passam necessariamente pela necessidade de
compatibilizar a ordem interna com a internacional, através de alteração “legislativa
ou de outro caráter”; ponto de incerteza para alguns seria que medidas de outro cará-
ter seriam essas exigidas pelo art. 2 da CADH para adequação da ordem interna.
En esta tarea de control de convencionalidad, los jueces no solo deben tener em consideración la norma
jurídica positiva que se encontra em el tratado, sino también la interpretación auténtica que há estabele-
cido la CIDH, em el âmbito de su competência de interpretación y aplicación de la convención, en cuanto
interprete último de los derechos asegurados y garantizados em la Convenciónm según lo dispuesto em
ella misma, como lo determina la CIDH desde el caso Almonacid Arellano vs. Chile. (NOGUEIRA ALCA-
LÁ, 2012, p. 70).
Logo o diálogo “induce tanto a la oposición y contradiccioón, como al acuerdo
y la concórdia” (NOGUEIRA ALCALÁ, 2012, p. 58), favorecendo, assim, a um au-
mento de eficiência dos direitos humanos-fundamentais, na medida em que há uma
partilha de problemas comuns entre as várias ordens jurídicas, e a correspondência
jurídica travada entre as cortes aumenta a identificação e troca de experiência na solu-
ção dos casos comuns, proporcionado, quase sempre, uma solução criativa ainda não
gestada dentro do ordenamento jurídico doméstico (NEVES, 2009, XXI).

3. Decisões da Corte Interamericana sobre os povos originais e tribais

Passar-se-ia a explorar as decisões da Corte Interamericana de Direito Humanos


(doravante Corte IDH) sobre os povos originais e tribais, com o fito de demonstrar
que através dos direitos humanos é possível propiciar mais autonomia a esses povos,
bem como mantê-los dentro de suas culturas, mesmo com o acesso a direitos sociais.
Inicialmente, a corte deixa claro no caso Comunidade Indígena Yakye contra Para-
guai que os Estados signatários da Convenção Interamericana de Direitos Humanos
(doravante CADH) devem proteger os povos originais e tribais não só em sua condi-
ção individual, mas também coletiva e social; para tanto, deixa claro que essa é uma
decisão reiterada da Corte IDH.
En lo que respecta a pueblos indígenas, es indispensable que los Estados otorguen una protección efecti-
va que tome en cuenta sus particularidades propias, sus características económicas y sociales, así como
su situación de especial vulnerabilidad, su derecho consuetudinario, valores, usos y costumbres [...]. En
el mismo sentido: Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo,Reparaciones y Cos-
tas. Sentencia de 29 de marzo de 2006 , párr. 83; Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Excepciones
Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007, 178; Caso Tiu Tojín
Vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de noviembre de 2008, párr. 96; Caso
Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Ecuador. Fondo y reparaciones. Sentencia de 27 de junio de
2012, párr. 264; Caso de losPueblos Indígenas Kuna de Madungandí y Emberá de Bayano y sus Miem-
bros Vs. Panamá. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 14 de octubre
de 2014, párr. 167. (CORTEIDH, 2015, p. 05)
Vários temas têm chegado à Corte IDH: delimitação de terras, acesso a direitos
sociais, como saúde, educação, saneamento, direito à vida, uso dos bens ambientais.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 99
Todos os problemas se inter-relacionam com sobrevivência dos povos originais e sua
autodeterminação; além disso, todos esses problemas são compartilhados entre os
Estados Latino-Americanos.8 Portanto, mesmo que o Estado não reconheça em sua
normatividade interna autonomia e proteção aos povos originais e tribais, a CADH o
faz, e essa, ao ser subscrita e aceita pelos Estados, torna-se instrumento interno que
esses países devem considerar, além do que a submissão à jurisdição da Corte IDH os
obriga a observar suas decisões. Abre-se um novo caminho normativo, influenciado
pela Constituição dos países-parte da CADH.
Passar-se-ia a descrever as decisões da Corte IDH sobre os mais variados aspec-
tos da vida dos povos originais, sublinhado desde já que todas as decisões devem ser
observadas pelo Brasil na construção e aplicação de seus atos normativos em relação
àqueles. A Corte IDH já teve oportunidade de se manifestar sobre a necessidade de
se reconhecer que uma nação não é um corpo homogêneo em que os interesses são
iguais, ao decidir o caso do Povo Saramak contra Suriname, deixou claro que aqueles
se diferem de outras formas da comunidade nacional e logo devem ter suas particu-
laridades observadas.
Por ello, de acuerdo con lo expuesto, la Corte considera que los miembros del pueblo Saramaka con-
forman una comunidad tribal cuyas características sociales, culturales y económicas son diferentes de
otras secciones de la comunidad nacional, particularmente gracias a la relación especial existente con
sus territorios ancestrales, y porque se regulan ellos mismos, al menos en forma parcial, a través de sus
propias normas, costumbres y tradiciones. Consecuentemente, la Corte procederá a analizar si, y en qué
medida, los integrantes de pueblos tribales requieren de ciertas medidas especiales que garanticen el
pleno ejercicio de sus derechos. (CORTEIDH, 2015, p. 07)
Nesse trecho da decisão se percebe que não se está rompendo com ideia de
que haja uma nação, mas deixa claro que essa nação não é formada por uma pasta
incolor, pelo contrário, ela é a elaboração de várias cores devendo permitir que todas
tenham possibilidade de ter suas vozes ouvidas, pois como deixou claro a Corte IDH
no caso Povo Indígena Ichwa de Sarayaku contra Equador (2015, p. 07): “(...) el re-
conocimiento del derecho a la identidad cultural es ingrediente y vía de interpretación
transversal para concebir, respetar y garantizar el goce y ejercicio de los derechos hu-
manos de los pueblos y comunidades indígenas protegidos por la Convención (...)”.
A proteção à autodeterminação, como sublinhado, não deixou de ser abordada
em vários casos na Corte IDH. A linha de comunicabilidade entre eles está na orien-
tação da Corte IDH de que os atos praticados pelos povos originais sejam compre-
endidos dentro de sua construção cultural, exige assim que o Estado não olvide o
costume desses povos como modelo de normatização de condutas internas da tribo,
ou seja, “El derecho consuetudinario de los pueblos indígenas debe ser tenido es-
pecialmente en cuenta, para los efectos de que se trata (CORTEIDH, 2016, p. 08)”,
como decidiu no caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni contra Nicaragua
– aqui se verifica o reconhecimento de que houve, na atual quadra, uma ruptura do
monismo estreito do Estado, para que esse leve a sério os costumes culturais dos po-
vos originais e tribais.
8
O Ministério da Justiça tem pronto um decreto que, se colocado em prática, representará a mais completa mudança
no sistema de demarcação de terras indígenas no país desde, pelo menos, a Constituição de 1988. O texto coloca
em xeque terras já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores, ao permitir que sejam contestadas por “inte-
ressados”. Uma exposição de motivos e uma minuta de decreto, aos quais a Folha teve acesso, incorporam teses de
interesse de fazendeiros e exigências contidas na PEC 215, apoiada pela bancada ruralista e combatida por índios.
(VALENTE, 2016).

Eduardo Almendra Martins


100 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
Os casos em que essa temática esteve presente foram os seguintes: a) caso Bá-
maca Velásquez contra Guatemala, em que “(...) Ya la Corte ha reconocido la im-
portancia de tener en cuenta determinados aspectos de las costumbres de los pueblos
indígenas en América para los efectos de la aplicación de la Convención Americana
sobre Derechos Humanos (...) (CORTEIDH, 2015, p. 08)”; b) caso comunidade In-
dígena Yake Axa contra para Paraguai: “(...) al interpretar y aplicar su normativa
interna, los Estados deben tomar en consideración las características propias que di-
ferencian a los miembros de los pueblos indígenas de la población en general y que
conforman su identidad cultural (...) (CORTEIDH, 2015, p. 09).”
Os direitos civis e políticos dos povos originais e tribais estão contidos nesta
verificação que a Corte IDH faz sobre a legislação e práticas nacionais. A falta de
identificação e registro civil é uma demonstração de negativa de existência para os
integrantes daqueles povos, pois os “(...) miembros de la Comunidad mencionados
anteriormente han permanecido en un limbo legal en que, si bien nacieron y murieron
en el Paraguay, su existencia misma e identidad nunca estuvo jurídicamente recono-
cida, es decir, no tenían personalidad jurídica (...) (CORTEIDH, 2015, p. 09)”, como
decidiu a Corte IDH no caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa contra Paraguai.
O registro civil propicia que várias comunidades originais e tribais sejam aten-
didas pelo acesso à saúde e à educação, além de propiciar que esses povos possam lu-
tar individualmente no judiciário, por desrespeitos que tenham sofrido por terceiros,
inclusive contestando práticas de sua própria comunidade. Não basta que o Estado
se esforce para superar a falta de identificação, ele deve criar mecanismos de acesso
fácil para que os integrantes da comunidade tenham acesso ao registro civil, como
decidido no caso Comunidade Indígena Xákmok Kasék contra Paraguai:
En el presente caso se presentan las mismas falencias que la Corte determinó en el caso Sawhoyamaxa.
Varias de las personas que fallecieron no tenían actas de nacimiento, o al menos no fueron aportadas, ni
tampoco se levantaron las respectivas actas de defunción, careciéndose de los documentos de identidad
esenciales para la determinación de derechos civiles.
En consecuencia, la Corte concluye que si bien el Estado ha realizado esfuerzos para superar la situa-
ción de sub-registro de los miembros de la Comunidad, del acervo probatorio se desprende que no ha
garantizado el acceso adecuado a los procedimientos de registro civil, atendiendo a la particular situación
de vida que enfrentan los miembros de la Comunidad, a fin de lograr la expedición de documentos de
identificación idónea a su favor. (CORTEIDH, 2015, p. 10)
Importante destacar, sobre a existência de personalidade jurídica, a decisão pro-
ferida no caso do Povo Saramaka contra o Suriname. Nesse caso, discutia-se se o Es-
tado é obrigado a reconhecer a personalidade jurídica da comunidade original e tribal
como um todo, independente da identificação civil que seja feita aos seus integrantes
individualmente. O grupo coletivamente pode ser sujeito de direitos e obrigações?
A Corte IDH entendeu que o reconhecimento é necessário, pois há direitos,
como a demarcação de terras, onde o grupo é afetado, necessitando de uma defesa
coletiva, bem como é inerente aos povos originais e tribais o sentimento de união,
onde, geralmente, o todo é visto como forma de expressão da parte e maior que essa.
Bem como contribuiria para que os representantes escolhidos pela comunidade tives-
sem maior autonomia na defesa dos interesses coletivos da comunidade, inclusive
contra um comportamento individual de um de seus membros, isto é, “(...) los repre-
sentantes verdaderos de la personalidad jurídica serían elegidos conforme a sus pro-
pias tradiciones y autoridades locales, y las decisiones que afecten la propiedad sería
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 101
la responsabilidad de aquellas autoridades y no la de los miembros individuales.”
(CORTEIDH, 2015, p. 12). Aduziu que caso não se possibilite o reconhecimento da
personalidade coletiva da comunidade haveria um bloqueio de acesso à justiça sem
justificação racional e razoável.
En conclusión, el pueblo Saramaka es una entidad tribal distintiva que se encuentra en una situación de
vulnerabilidad, tanto respecto del Estado así como de terceras partes privadas, en tanto que carecen de
capacidad jurídica para gozar, colectivamente, del derecho a la propiedad y para reclamar la presunta
violación de dicho derecho ante los tribunales internos. La Corte considera que el Estado debe recono-
cer a los integrantes del pueblo Saramaka dicha capacidad para ejercer plenamente estos derechos de
manera colectiva. Esto puede lograrse mediante la adopción de medidas legislativas o de otra índole que
reconozcan y tomen en cuenta el modo particular en que el pueblo Saramaka se percibe como colecti-
vamente capaz de ejercer y gozar del derecho a la propiedad. Por tanto, el Estado debe establecer las
condiciones judiciales y administrativas necesarias para garantizar la posibilidad de reconocimiento de su
personalidad jurídica, a través de la realización de consultas con el pueblo Saramaka, con pleno respeto
a sus costumbres y tradiciones, y con el objeto de asegurarle el uso y goce de su territorio de conformidad
con su sistema de propiedad comunal, así como del derecho de acceso a la justicia e igualdad ante la ley.
(CORTEIDH, 2015, p. 11)
A Corte IDH, além de reconhecer o direito a terras tradicionalmente ocupadas
a uma comunidade indígena, afirmou que o Estado deve garantir a esses um mínimo
de condições de uso dessa terra, através do fornecimento de água, comida, assistência
médica, isto é, no caso Comunidade Indígena Yakye Axa contra Paraguai ficou de-
terminado que é função do Estado “es la de generar las condiciones de vida mínimas
compatibles con la dignidad de la persona humana y a no producir condiciones que la
difculten o impidan (CORTEIDH, 2015, p. 14)”.
Ademais, os povos originais e tribais não podem ser vistos somente como agen-
tes passivos das terras, mas se impõe que o Estado dê condições para que esses pos-
sam dispor de suas capacidades, respeitando sua identidade cultural, que não significa
mantê-los em condições degradantes, nem mesmo deixar de manter um diálogo con-
tínuo para a troca de conhecimentos e experiências.
Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde
etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor. Essas facilidades são
importantes não só para a condução da vida privada (como por exemplo levar uma vida saudável, livran-
do-se de morbidez evitável e da morte prematura), mas também para uma participação mais efetiva em
atividades econômicas e políticas (SEN, 2010, p. 59)
Nem se diga que a inércia estatal dentro das comunidades indígenas é condi-
ção para sua preservação, pois não se vê como a manutenção de condições de vida
de subnutrição, doenças endêmicas, analfabetismo pode manter a sobrevivência de
uma população com a preservação de sua identidade, como foi verificado no caso
Comunidade Sawhoyamaxa contra Paraguai, em que se constatou que os membros
dessa comunidade vivam marginalizados, além da condição cultural, em decorrência
do “desempleo, el analfabetismo, las tasas de morbilidad por enfermedades evitables,
la desnutrición, las precarias condiciones de su vivienda y entorno, las limitaciones
de acceso y uso de los servicios de salud y agua potable,(...)”. (CORTE IDH, 2015,
p. 14). Não se pode confundir que a identidade indígena está ligada a um modo de
vida precário mantida isolada para um esvaziamento populacional. A Corte IDH, ao
decidir pela prestação de oportunidades sociais, considerou que a intervenção estatal
é condição para a manutenção da população.
195. A Corte observa que a água fornecida pelo Estado durante os meses de maio a agosto de 2009 não
supera 2,17 litros por pessoa ao dia. A esse respeito, de acordo com os padrões internacionais, a maioria
Eduardo Almendra Martins
102 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
das pessoas requer no mínimo 7,5 litros por dia para satisfazer o conjunto das necessidades básicas,
que inclui alimentação e higiene. Ademais, segundo os padrões internacionais, a água deve ser de uma
qualidade que represente um nível tolerável de risco. Com base nos padrões indicados, o Estado não
demonstrou que estivesse fornecendo água em quantidade suficiente para garantir um abastecimento
para os mínimos requerimentos. (...).
197. Quanto ao acesso a alimentos, os membros da Comunidade sofreram “graves restrições [...] por
parte dos titulares [das] terras [reclamadas]. Uma delas foi a de não poder contar com fazenda própria
(gado bovino ou de outra índole) por proibição do patrão, [e] lhes foi proibido cultivar [e caçar]” (pars. 74
e 75 supra). Por isso, as fontes de alimento disponíveis eram limitadas. Por sua vez, a dieta alimentar era
limitada e pobre. Por outro lado, se os membros da Comunidade tinham dinheiro, podiam comprar alguns
alimentos na Fazenda ou dos caminhões de alimentos na rota Transchaco. Entretanto, estas opções de-
pendiam de sua restringida capacidade aquisitiva.
198. (...). Entretanto, a Corte deve avaliar a acessibilidade, disponibilidade e sustentabilidade da alimen-
tação concedida aos membros da Comunidade e determinar se a assistência oferecida satisfaz os reque-
rimentos básicos de uma alimentação adequada.
199. A esse respeito, o Estado indicou que “foi previsto que o kit de alimentos de 47 quilos duraria um
mês, entregando-se um kit por família”. Entretanto, a entrega dos alimentos é inconsistente, as rações ali-
mentares fornecidas têm deficiências nutricionais a maioria dos membros da Comunidade consomem um
só alimento por dia, basicamente arroz ou macarrão, e somente raras vezes isso é complementado “com
frutas, batata, peixe ou carne produto da caça”. Neste aspecto é conclusivo o relatório sobre a salubridade
na Comunidade que, em 2007, revelou que “17,9% da amostra (idades entre 2 a 10 anos) apresentaram
certo grau de severidade de baixo peso”, e o declarado pelo perito Pablo Balmaceda de que a má nutrição
é evidente “pela baixa estatura”. Nesse mesmo sentido, as supostas vítimas declararam que ainda que
seja certo que o Estado ofereceu alguns alimentos, “não recebem os alimentos frequentemente “ e indi-
caram que “a alimentação não é adequada” e que “há pouca alimentação”.
201. A inadequada nutrição dos membros da Comunidade repercutiu no crescimento das crianças, pois
“a prevalência mínima de atrofia de crescimento foi de 32,2% [...], mais que o dobro do esperado para
a população de referência (15,9%)”. Igualmente, o promotor de saúde da Comunidade indicou que pelo
menos “90% das crianças têm desnutrição”. (Corte IDH, caso Comunidade Indígena Xákmok Kasek vs.
Paraguay, p. 42 à 44)
Os povos originais e tribais também têm assegurado o direito à vida humana
digna, entendida essa através de condições para se manter vivo, sem denegrir-se para
tanto. O art. 231, cabeça da CRFB/88, não pode ser visto como uma exceção isola-
dora da comunidade indígena, sem que essa pudesse obter a igual liberdade compar-
tilhada pelos não indígenas; pelo contrário, o índio não está excluído da proteção
da cidadania (art. 1º, II da CRFB/88), já que essa deve ser vista como o ponto de
aglutinação do exercício dos direitos fundamentais, não podendo essa se manter unir-
representativa de direitos, isto é, seu conteúdo não está contido apenas no exercício
ao voto e seus condicionantes, ele vai além e açambarca todo o arcabouço normativo
de direitos fundamentais que continuamente entram pela porta da plasticidade cons-
titucional dada aos direitos fundamentais, principalmente o acesso à saúde; deve o
Estado criar políticas públicas que evidenciem o acesso.
Ademais, o Estado não garantiu a acessibilidade física nem geográfica a estabelecimentos de saúde para
os membros da Comunidade e, da prova aportada, não são evidenciadas ações positivas para garantir
a aceitação dos referidos bens e serviços, nem que tenham sido desenvolvidas medidas educativas em
matéria de saúde que sejam respeitosas dos usos e costumes tradicionais. (Corte IDH, caso Comunidade
Indígena Xákmok Kasek vs. Paraguay, p. 42 a 44)
A leitura do art. 231, cabeça da CRFB/88, sem as razões argumentativas da Cor-
te IDH, esvaziam a força normativa do texto, pois acabam por permitir que a identi-
dade indígena esteja ligada a uma forma primitiva de habitat.
211. De acordo com os padrões internacionais, os Estados têm o dever de garantir a acessibilidade à
educação básica gratuita e à sustentabilidade da mesma. Em particular, quando se trata de satisfazer o
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 103
direito à educação básica no seio de comunidades indígenas, o Estado deve propiciar o referido direito
com uma perspectiva etnoeducativa. O anterior implica adotar medidas positivas para que a educação
seja culturalmente aceitável sob uma perspectiva étnica diferenciada. (Corte IDH, caso Comunidade Indí-
gena Xákmok Kasek vs. Paraguay, p. 46)
Logo não se pode olvidar que a educação indígena, o que a Corte IDH chama
de etnoeducação deve ser estimulada pelo fornecimento de material escolar pelo Es-
tado, garantindo um ambiente adequado para que as crianças apreendam e se tornem
adultos capazes de exigir um ambiente adequado para a manutenção de sua identida-
de indígena.
A manutenção do índio afastado da participação do debate público afasta a sua
visão do que é “necessário” e de que forma deve ocorrer a intervenção estatal, não se
podendo aceitar que o exercício de direitos políticos e civis permanece sobre as mãos
de pessoas que se consideram melhores para decidir a intervenção estatal, afastando
assim o ingresso de outros no debate e mantendo esse fechado, com o intuito “exa-
tamente, de neutralizar politicamente estas massas em condições de indigência ou
literalmente famintas” (LOSSURDO, 2004, p. 17).
A vulnerabilidade do indígena deve ser enfrentada através de sua igual liberda-
de no seio da sociedade, devendo-se criar condições para tanto, afastando-se condi-
cionantes injustos como a fome e o analfabetismo. As decisões acima demonstram
como o diálogo com a Corte IDH pode ser profícuo para o país, isto é, a abertura
dessa conversa entre cortes enriquece a construção sobre o conteúdo e a extensão dos
direitos humanos-fundamentais, bem como a democracia, na medida em que essa e
aqueles se retroalimentam para o avanço civilizatório da sociedade e na construção
de barreiras para a retomada do discurso opressor, como saída para um aumento da
criminalidade, quer doméstica, quer internacional.

Conclusão

Não se olvida que os colonialismos português e espanhol nunca viram os povos


originais e quilombolas como iguais, mas sim como atrasos e violentos, por não te-
rem o status cultural e social do europeu colonizador. Em decorrência disso, aqueles
povos sempre foram subjugados, e suas compreensões de mundo, desprezadas, pois
decorrentes de experimentalismos e divinizações, portanto, o oposto da racionalidade
europeia que via naquele standard uma infantilização que necessitava ser tutelada.
Todavia, observou-se o papel dos direitos humanos como chave de abertura
do Estado ao respeito à normatização moral e jurídica dos povos originais e tribais.
Exemplos dessas iniciativas se espalham na América Latina. Por fim, não se deixará
de demonstrou que o acesso à saúde, à educação e à habitação não são divergentes à
preservação dos povos originais, mas condições de existência desses dentro do Es-
tado.

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A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 105
—7—

O julgamento do caso Gomes Lund e outros (Guerrilha


do Araguaia) vs. Brasil pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH) e os seus principais
legados legislativos para o Estado brasileiro

ISABELLE MARIA CAMPOS VASCONCELOS CHEHAB1

Sumário: Introdução; 1. Notas sobre o caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil;
2. Principais legados legislativos decorrentes do julgamento do caso Gomes Lund e outros (Guerri-
lha do Araguaia) vs. Brasil pela Corte IDH; Conclusão; Referências.

Introdução

A Guerrilha do Araguaia foi um combate promovido pelas Forças Armadas em


face de resistentes à ditadura civil-militar brasileira,2 majoritariamente jovens egres-
sos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB),3 mas que vitimou também camponeses
e indígenas, primordialmente, durante os meses de abril de 1972 e dezembro de 1974,
na região de interseção entre os estados de Pará, Maranhão e então Goiás, hoje cor-
respondente ao atual Tocantins.
Oficialmente, já foram reconhecidas como vítimas da Guerrilha do Araguaia,
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), 62 pessoas desapareci-
1
Doutora e Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Ceará). Analista de pesquisa contra-
tada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-Brasil) na Comissão Nacional da Verdade.
Professora da Escola Superior Associada de Goiânia (ESUP) (Goiás).
2
Em verdade, intitula-se regime civil-militar, porque parte significativa dos civis, se não apoiaram a deflagração do
golpe, legitimaram-no, quando de sua ocorrência, por meio de marchas políticas; da contínua omissão em relação à
tortura, às execuções e aos desaparecimentos forçados; ou, simplesmente, por medo dos militares. (PRESOT, 2010,
p. 89).
3
“O PC do B surgiu em fevereiro de 1962, uma tendência que rompeu com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), em
uma ‘Conferência Nacional Extraordinária’ liderada por João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, entre ou-
tros membros do Comitê Central. Ao assumir o nome original – Partido Comunista do Brasil –, passou a disputar com
o PCB a chancela de verdadeiro continuador histórico da agremiação fundada em 1922, ao tempo em que criticava a
chamada ‘linha pacífica’ adotada por ele. Em 1969, lançou o documento Guerra popular: caminho da luta armada no
Brasil (influenciado pelo processo revolucionário chinês e pelo pensamento de Mao Tsé-tung). Foi responsável pela
Guerrilha Araguaia, sobreviveu à ditadura e atua legalmente no país.” (MIRANDA; TIBÚRCIO, 2008, p. 230).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 107
das e 1 pessoa alvo de execução sumária, qual seja, Maria Lúcia Petit (CNV, 2014,
p. 715). Se considerarmos, entretanto, os camponeses e indígenas, que juntamente
com os resistentes, combateram, de modo direto ou indireto, as manobras militares
patrocinadas pelas Forças Armadas brasileiras, por intermédio de suboficiais e ofi-
ciais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, alcançaremos o número de cerca
de 1.000 pessoas submetidas às mais diversas violações de direitos humanos, como
prisões ilegais, torturas, desaparecimentos forçados, execuções sumárias e ocultações
de cadáveres.
Tal combate, além de duradouro, foi inexoravelmente desproporcional. Em nú-
meros, estima-se, por intermédio dos próprios relatórios militares produzidos à época,
que, somente do Exército Brasileiro, foram encaminhados para a região do Araguaia
cerca de 10.000 homens (BRASIL, 2014, p. 717), os quais enfrentaram, apenas, 69
resistentes, somados a cerca de poucas dezenas de camponeses, que, direta ou indi-
retamente, apoiavam o movimento de resistência à ditadura civil-militar, razão pela
qual quase todos foram mortos e/ou desaparecidos pelas Forças Armadas.
A partir de 1979, os familiares de mortos e desaparecidos durante a Guerrilha
do Araguaia mobilizaram-se para promover expedições e buscas de corpos naquela
região, cujos resultados foram seguidamente inexitosos, sobretudo pelo parco apoio
dos poderes públicos locais e federais. Por via consequente, no ano de 1982, tais fami-
liares ajuizaram uma ação reparatória, protocolada sob o n. 82.0024. 682-5, em face
da União Federal, requerendo, em linhas gerais: “(...) que a União fosse condenada a
fornecer a indicação das sepulturas de seus parentes, para consequente expedição de
atestados de óbito, bem como a entregar o ‘relatório oficial do Ministério da Guerra
datado de 5 de janeiro de 1975’” (BRASIL, 2014, p. 951) Tal processo foi submeti-
do, seguidas vezes, ao abuso do direito de defesa por parte da União Federal, que se
valeu, dentre outros, de pleitos inócuos, de recursos inadmissíveis e de uma progres-
siva obstaculização no acesso às provas solicitadas pela parte autora, expedientes que
quase renderam a extinção definitiva do feito, ainda que, atualmente tramitando, em
caráter executório, junto à 1ª Vara Federal do Distrito Federal.
Destarte, firmados no objetivo de romper com lógica omissiva da União Federal
em relação aos mortos e desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia, notadamen-
te no que concerne à procrastinação do feito pela União Federal no âmbito do Poder
Judiciário, assim como pela desídia do Poder Executivo quanto à implementação de
medidas e políticas efetivas pertinentes ao direito à verdade e à memória das vítimas
do Araguaia e dos seus respectivos familiares, esses últimos decidiram, em agosto
de 1995, protocolar, por intermédio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional
(CEJIL) e da Human Rights Watch/Americas, uma petição na Comissão Interameri-
cana de Direitos Humanos (CIDH), em desfavor do Estado brasileiro. Na sequência,
tal pleito foi encaminhado para apreciação e julgamento pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos (CorteIDH), assim conhecido como caso Gomes Lund4 e outros
vs. Brasil, no curso do qual foi exarada sentença condenatória em face do Estado
brasileiro, no sentido de responsabilizá-lo pela omissão qualificada pertinente aos de-
saparecimentos, mortes, torturas, prisões ilegais e ocultação de cadáveres de vítimas
durante a Guerrilha do Araguaia.
4
Assim nominada, porque proposta, entre outros familiares, por Júlia Gomes Lund, mãe de Guilherme Gomes Lund,
morto na Guerrilha do Araguaia, em dezembro de 1973.

108 Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


O objeto central do presente trabalho é, pois, investigar os legados legislativos
estabelecidos para o Estado brasileiro, a partir do julgamento do caso Gomes Lund e
outros vs. Brasil pela Corte IDH.
Em seu primeiro tópico, discorreu sobre o caso Gomes Lund, enfatizando-se
seu objeto, trâmite e sentença condenatória em desfavor do Estado brasileiro. Já no
segundo tópico, comentou-se sobre os principais legados legislativos decorrentes do
caso Gomes Lund para o Estado brasileiro. Ao final, concluiu-se que a decisão da
Corte IDH no caso Gomes Lund garantiu a primeira condenação internacional do
Estado brasileiro pelas graves violações de direitos humanos cometidas no curso da
Guerrilha do Araguaia. Por semelhante modo, verificou-se que tal decisão colaborou
diretamente para o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico interno, no que con-
cerne à justiça de transição, sobretudo pela edição da Lei n. 11.527/2011 e da Lei n.
11.528/2011. Por derradeiro, observou-se que, atualmente, o maior desafio decorren-
te da sentença da CorteIDH no caso Gomes Lund reside na priorização devida e ne-
cessária por parte (principalmente) do Poder Executivo federal brasileiro, no sentido
de promover mecanismos legais e políticas públicas para o seu efetivo cumprimento
e sua não repetição, conforme adiante será explicitado.

1. Notas sobre o caso Gomes Lund e outros


(Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil

No dia 7 de agosto de 1995, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CE-


JIL) e a Human Rights Watch/Americas interpôs petição, como representante de pes-
soas desaparecidas e/ou mortas durante a Guerrilha do Araguaia, perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no intuito de determinar a “responsabi-
lidade [do Estado] pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70
pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil […] e camponeses da região,
[…] resultado de operações do Exército brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975
com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar
do Brasil (1964–1985)”. (CORTEIDH, 2010, p. 4).
Na sequência, a CIDH buscou estabelecer, por reiteradas vezes, um acordo en-
tre os familiares das vítimas da Guerrilha do Araguaia e o Estado brasileiro, não lo-
grando êxito em seu mister, o que determinou o encaminhamento do caso, em 26 de
março de 2009, à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). Tal Corte
acolheu o relatório da CIDH, solicitou informações ao Estado brasileiro e, posterior-
mente, fixou duas datas para a oitiva das partes, também, para fins de oportunização
de um acordo, o que novamente não prosperou.
Assim, em 24 de novembro de 2010, a Corte IDH decidiu por declarar que:
As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações
de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não
podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a
identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito
de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocor-
ridos no Brasil.
Em seguida, estabeleceu que:
O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhe-
cimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 109
artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1desse
instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformida-
de com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.
Por semelhante modo, fixou que:
O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como
consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações
de direitos humanos (...)
Nessa esteira, condenou o Estado brasileiro a determinar o paradeiro das vítimas
desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familia-
res”. Também, determinou a continuidade das “ações desenvolvidas em matéria de
capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanen-
te e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das
Forças Armadas”. Igualmente, estabeleceu que o “Estado deve adotar, em um prazo
razoável, as medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento
forçado de pessoas em conformidade com os parâmetros interamericanos”. Por der-
radeiro, fixou o prazo de um ano para fins de monitoramento e controle do Tribunal
acerca do efetivo cumprimento das medidas determinadas ao Estado brasileiro, o que
deveria ser noticiado por meio de um relatório.
A decisão exarada pela CorteIDH foi emblemática para a implementação da
justiça transicional no Brasil. Seu objeto, embora delineado para salvaguardar, ini-
cialmente, os direitos à verdade, memória e justiça inerentes aos mortos e aos desapa-
recidos pelas Forças Armadas brasileiras durante a Guerrilha do Araguaia, alcançou
avanços significativos no campo da teoria e da práxis transicional.
Destarte, se não resolveu definitivamente os problemas da impunidade dos
agentes da repressão, a decisão exarada pela CorteIDH se prestou a enfrentar a sua
razoabilidade jurídica, ao repelir, por exemplo, a decisão firmada, em sede de acór-
dão, na data de 29 de abril de 2010, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro,
quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental5
n. 153, ou simplesmente ADPF 153,6 sob a relatoria do então Ministro Eros Roberto
Grau, que entendeu por manter a interpretação extensiva da Lei n. 6.683, de 28 de
agosto de 1979, Lei de Anistia, garantindo, por ordem consequente, a impossibilida-
de de julgamento dos crimes ali inclusos. Trilhando outra via, a decisão da CorteI-
DH foi paradigmática, porque trouxe consigo, pela primeira vez, a oportunidade de
processar e condenar criminalmente aqueles que, como agentes da repressão, efetua-
ram – ou planejaram – graves violações de direitos humanos contra os opositores do
regime de exceção instaurado no Brasil, a partir de 31 de março de 1964. Devendo
ser esclarecido, ainda, que o STF não goza de alternativas sobre a aplicação – ou não
5
Prevista na Constituição Federal de 1988, nos termos do § 1º do art. 102, e regulamentada Lei nº 9.882/99, a Argüi-
ção de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) tem por hipóteses de cabimento as seguintes: “Art. 1o A
argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá
por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá
também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I – quando for relevante o fundamento da controvér-
sia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.
6
Proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2008, com a finalidade de propi-
ciar uma nova interpretação à Lei de Anistia, consentânea com os princípios e as finalidades da atual Carta Magna
de 1988.

110 Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


– do decisório da CorteIDH, uma vez que o Brasil, como signatário da Convenção
Americana, encontra-se deliberadamente vinculado aos seus julgados.
Por outra banda, cumpre salientar da relevância da decisão da CorteIDH para
a responsabilização específica do Estado brasileiro perante à temática transicional,
notadamente no que se refere aos direitos à verdade, memória e justiça. Assim afir-
ma-se, porque, malgrado a CorteIDH já tivesse decidido, seguidas vezes, de modo
transversal e em demandas apresentadas em desfavor de outros Estados sobre a jus-
tiça de transição, inclusive no concernente à responsabilização de agentes da repres-
são, em detrimento de leis de anistia, ou simplesmente autoanistias,7 até então, não
havia se manifestado sobre o caso brasileiro e o seu suposto óbice à responsabiliza-
ção, em vigência formal desde a publicação da Lei n. 6.683/79. Assim, no contexto
da CorteIDH, a Lei de Anistia, malgrado tenha sido vista como um obstáculo forjado
pela ditadura civil-militar brasileira, não foi suficiente para impedir o processamento
e a condenação do Estado brasileiro pelas graves violações de direitos humanos então
perpetrados. Destarte, sem ressalvas, a CorteIDH decidiu pela não aplicação da lei de
anistia, especialmente por sua natureza de autoanistia, ou seja, oriunda e benéfica ao
regime de exceção, que seguidamente já foi apontada como eivada de vícios – tanto
na sua origem, como no seu procedimento – e, por isto, nula de pleno direito.
Ainda, serviu para tornar público e condenar o modus operandi equivocada-
mente utilizado pela União Federal,8 por intermédio de sua Advocacia-Geral, qual
seja, a AGU (Advocacia-Geral da União), para negar, durante décadas, em sede de
ação penal, pela interposição de, pelo menos, seis espécies de recursos diferentes, a
existência de qualquer operação militar com o propósito de extirpar o grupo guerri-
lheiro do Araguaia, inviabilizando, por consequência, os direitos e as garantias que
lhe eram devidos, o que somente foi declarado em sentido contrário, pela mesma
AGU, quando da intervenção da CorteIDH na matéria.

2. Principais legados legislativos decorrentes do julgamento do caso


Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil
pela Corte IDH

Dentre os principais legados legislativos do caso Gomes Lund, podem ser des-
tacadas as edições, e ulteriores vigências, das Leis n. 12.527 e n. 12.528, ambas de
18 de novembro de 2011.
A primeira, qual seja, a Lei n. 12.527/2011, tornou-se conhecida como Lei de
Acesso a Informações, ou simplesmente LAI, que teve por objeto regular o acesso
a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e
no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Igualmente, alterou a Lei nº 8.112, de 11
de dezembro de 1990, bem como revogou a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e
dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
7
A exemplo das decisões exaradas pela mesma Corte IDH, no caso Barrios Altos vs. Peru, em 14 de março de 2001,
assim como no caso Almonacid Areliano e outros vs. Chile, datado de 26 de setembro de 2006.
8
Comumente, a União Federal se valeu do mesmo modus operandi, seja no âmbito judicial, seja na seara extrajudi-
cial, consoante também foi dissertado no artigo Considerations About the (Abuse) Right to Defense of AGU in La-
wsuits Proposed by Former Political Prisioners and/or by Relatives of Dead and Disappeared During Civil-Military
Dictatorship: Is There Effectiveness in its Dimension of Justice?

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 111
É importante sublinhar que o direito à memória não se concretiza, apenas, por
meio do acesso a informações, entretanto, não há dúvida de que o acesso, a difusão
e o resguardo das informações implementam a defesa e a promoção de direitos no
campo transicional, com especial destaque para a memória.
Nesses termos, conforme os seus artigos 1º e 2º, a Lei nº 12.527/2011 subor-
dinou ao seu regime à administração direta e indireta, além das entidades sem fins
lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públi-
cos diretamente do orçamento ou oriundos de outros ajustes/acordos.
Já no seu art. 4º, a Lei trouxe um apanhado conceitual dos seus principais ter-
mos, dentre os quais, destacam-se: informação, informação sigilosa, informação pes-
soal, autenticidade e integridade. Igualmente, em seu art. 5º, fez questão de expor
que a informação franqueada deve ser transparente, clara e em linguagem acessível,
permitindo-se, assim, que o direito em epígrafe seja exercido de maneira adequada.
Por semelhante modo, estabeleceu em seu § 2º, art. 7º, que mesmo quando não for
autorizado acesso integral à informação – por ser parcialmente sigilosa, é assegurado
o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação
da parte sob sigilo, tudo no intuito de dirimir todo e qualquer prejuízo ao gozo do
direito à informação e, consequentemente, à memória. Nessa mesma esteira, o § 4º
do mencionado art. 7º, determinou que a negativa de acesso às informações objeto
de pedido formulado aos órgãos e entidades referidas no art. 1º, quando não funda-
mentada, sujeitará o responsável a medidas disciplinares, o que demonstra o acesso
como regra, sendo a sua exceção, portanto, a negativa de acesso, sujeita à efetiva
fundamentação.
Também merecedor de destaque é o art. 11, cuja redação prevê que o órgão
ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação.
Quando não for possível, deverá ser fixado um prazo máximo de 20 dias para o seu
cumprimento. A Lei em comento não se limitou a disciplinar genericamente o acesso
a informações, sendo enfática na obrigatoriedade de acesso, especialmente quando
pertinente aos dados e documentos que versarem sobre condutas que impliquem vio-
lação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades
públicas – expedientes típicos do período ditatorial, agora plenamente defesos em lei,
conforme o disposto no parágrafo único do art. 21.
Outro dispositivo inovador é o seu art. 24, que revisou os prazos de restrição de
acesso à informação, para 25 anos, se ultrassecreta; 15 anos, quando secreta; e 5 anos,
sendo informação de caráter reservado. Salienta-se que, conforme o § 4º do mesmo
art. 24, ultrapassado o prazo de classificação ou consumado o evento que defina o
seu termo final de restrição, a informação tornar-se-á automaticamente de acesso pú-
blico. Sendo-lhe possível uma única renovação do prazo de restrição, notadamente
para os casos de informação ultrassecreta, conforme o preconizado pelos § 1º, inciso
III, e § 2º do art. 35.
No que concerne às informações pessoais, o art. 31 dispõe que o seu tratamento
deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, hon-
ra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. Por outra
banda, clarifica, em seu § 4º do mesmo art. 31, que a restrição de acesso à informa-
ção relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com
o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular de

112 Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de
fatos históricos de maior relevância.
Percebe-se, por inequívoca, a cautela do legislador ao estabelecer que a vida, a
honra e a imagem não podem ser utilizadas como escudos para promover a impuni-
dade, ou pior: para obstaculizar o acesso à memória e à verdade. Em última instância,
observa-se que este dispositivo obedece ao princípio matriz da administração pública
que preconiza o interesse público sobre o privado. Neste caso, em específico, res-
saltam-se a promoção e a defesa da verdade e da memória, em detrimento de todo e
qualquer ensejo de favorecimento pessoal, sobretudo, para com aqueles que – direta
ou indiretamente – participaram do cometimento de graves violações de direitos hu-
manos.
O segundo principal legado legislativo decorrente da sentença condenatória
exarada no caso Gomes Lund, refere-se à Lei n. 12.528/2011, que criou a Comissão
Nacional da Verdade (CNV), no âmbito da Casa Civil da Presidência da República,
com a finalidade de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a
reconciliação nacional.
Nos termos do art. 2º da Lei nº 12.528/2011, a CNV foi composta por 7 (sete)
membros, designados pela Presidenta da República, dentre brasileiros, de reconhe-
cida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da ins-
titucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos. Em
seguida, o seu art. 3º aduziu que, entre outros, seriam objetivos da CNV: esclarecer
os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos; iden-
tificar e tornar públicas as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias rela-
cionadas à prática de violações de direitos humanos; encaminhar aos órgãos públicos
competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e
identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art.
1º da Lei nº 9.140/95; recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para pre-
venir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva
reconciliação nacional; e promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução
da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar
para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.
Convém aclarar que este rol não pretendeu exaurir todas as atividades que de-
veriam ser desempenhadas pela CNV, mas tão somente norteá-las ou, no mínimo,
indicar suas atribuições principais. Em diferentes termos, pode-se dizer que o art. 3º
estava firmado em quatro grandes pilares: apuração/investigação dos crimes cometi-
dos durante a ditadura, publicização das violações de direitos humanos no curso do
regime de exceção, criação de mecanismos para a sua não repetição e assistência às
vítimas.
Posteriormente, o art. 4º destacou as medidas/estratégias que a CNV poderia se
valer para atingir seus objetivos, a saber: receber testemunhos, informações, dados
e documentos que lhe forem encaminhados voluntariamente, assegurada a não iden-
tificação do detentor ou depoente, quando solicitada; requisitar informações, dados
e documentos de órgãos e entidades do poder público, ainda que classificados em
qualquer grau de sigilo; convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que pu-
dessem guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados; determi-
nar a realização de perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações,
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 113
documentos e dados; promover audiências públicas; requisitar proteção aos órgãos
públicos para qualquer pessoa que se encontrasse em situação de ameaça em razão de
sua colaboração com a CNV.
Igualmente, a Lei nº 12.528/2011, em seu § 3º, art. 4º, fez questão de sublinhar
sobre o dever dos servidores públicos e dos militares de colaborar com a CNV, o que
não significa dizer que o seu chamamento pudesse ser confundido com uma intima-
ção judicial. Como já dito, a CNV não era dotada de natureza judicial, mas adminis-
trativa, e de cunho conciliatório.
Assim, esclarece-se que o servidor, seja civil, seja militar, na ativa ou na inativi-
dade, deveria colaborar com a Comissão, não havendo, entretanto, qualquer previsão
sancionadora específica na Lei nº 12.528/2011, se agisse em sentido contrário.9
Coadunando-se com o formulado nas linhas anteriores, o § 4º do artigo supra-
mencionado, esclareceu que as atividades da CNV não teriam caráter jurisdicional
ou persecutório, tentando dissipar, assim, um dos maiores temores dos agentes da re-
pressão, que discorreram sobre o possível caráter revanchista.10 Efetivamente, a CNV
estava pautada em um objetivo maior, qual seja: trazer a lume a verdade e a memória
do Brasil, o que perpassa, também, mas não somente, pela exposição dos agentes da
repressão e das graves violações de direitos humanos por eles cometidas, tudo, para
que, ao seu termo, fosse possível ressignificar o passado e buscar meios de construir
uma democracia genuína.
Já o § 5º estabeleceu que a CNV poderia requerer ao Poder Judiciário acesso a
informações, dados e documentos – públicos ou privados – necessários ao desempe-
nho de suas atividades. Destarte, malgrado a CNV não tivesse um caráter jurisdicio-
nal, poderia fazer uso do acumulado de processos, documentos e registros constantes
no Poder Judiciário, o que certamente colaborou com a eficiência e a agilidade das
suas demandas.
Por seu turno, o § 6º do mesmo artigo mencionou que qualquer cidadão que de-
monstrasse interesse em esclarecer situação de fato revelada ou declarada pela CNV
teria a prerrogativa de solicitar ou prestar informações para fins de estabelecimento
da verdade, o que demonstra o firme intento de oportunizar a todos o acesso à verda-
de dos fatos e/ou atos ditatoriais, seja por razões diretas ou indiretas.
Ademais, o cumprimento do § 6º poderia providenciar, também, a promoção
e a defesa da memória individual e/ou coletiva, especialmente quando ensejasse o
esclarecimento ou retificação de situações antes registradas de maneira dúbia ou in-
verídica.
Também alvo de polêmicas, o art. 5º determinou a publicidade das atividades
desenvolvidas pela CNV, exceto os casos que, a seu critério, a manutenção de sigilo
fosse relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, a
vida privada, a honra ou a imagem de pessoas. Deve-se sublinhar que o debate maior
– trazido pelo art. 5º – residia na exceção à publicidade, que, para alguns, seria uma
9
O Estatuto dos Militares, entretanto, prevê do acatamento às autoridades civis, além de estipular sanções para os
casos de descumprimento, conforme o disposto no art. 28, inciso XI, e art. 42 da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de
1980.
10
A exemplo do Terrorismo Nunca Mais, ou simplesmente TERNUMA. Sítio eletrônico: <http://www.ternuma.com.
br/index.php/art/2113-em-havendo-guerra-gen-bda-paulo-chagas>.

114 Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


espécie de manobra política para não expor “personalidades” e/ou “autoridades”, que
construíram sua vida pública pautada no discurso democrático, contudo, participaram
ou colaboraram ativamente para as graves violações de direitos humanos cometidas
durante a ditadura civil-militar.
O dispositivo subsequente, portanto o art. 6º estabeleceu que a CNV poderia
atuar de forma articulada e integrada com os demais órgãos públicos, especialmen-
te com o Arquivo Nacional (AN), a Comissão de Anistia (CA), criada pela Lei nº
10.559, de 13 de novembro de 2002, e a Comissão Especial sobre Mortos e Desapa-
recidos Políticos (CEMDP), instituída pela Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995.
Nesses termos, o art. 6º tentou trazer alguma solução para um problema constante-
mente pautado e que, posteriormente, será apresentado, qual seja, a diminuta duração
da CNV. Destarte, a ideia de fazer uso dos documentos e relatórios já elaborados pela
Comissão da Anistia e pela CEMDP foi, pois, uma maneira de não apenas considerar
a trajetória transicional brasileira, bem como de, por meio dela, trazer eficiência e
agilidade aos trabalhos da CNV. Em adição, colheu 1.116 depoimentos de vítimas e
agentes da repressão, sendo 483 em audiências públicas e 633 em caráter reservado
(BRASIL, 2014, p. 55), conjugados aos relatórios e às informações amealhados pe-
las Comissões estaduais e setoriais. (BRASIL,2014, p. 55). Ademais, a CNV contou
com as atividades desenvolvidas pelos seus grupos de trabalho especializados,11 em
caráter conjugado às suas equipes internas de comunicação; ouvidoria, diligências e
perícias.12
Já o art. 9º criou, a partir de 1º de janeiro de 2011, no âmbito da administração
pública federal, para exercício na CNV, 14 (catorze) cargos em comissão do Grupo
– Direção e Assessoramento Superiores, auxiliados por um número superior a 200
pessoas, entre servidores provenientes dos mais diversos ministérios e órgãos, alia-
dos a pesquisadores oriundos de acordo técnico firmado com o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Como adiantado alhures, e de acordo com o art. 10, a CNV gozou de um breve
prazo de funcionamento, inicialmente, previsto em 2 (dois) anos, mas que alcançou,
nos termos da Medida Provisória nº 632/2013, convertida na Lei nº 12.998/2014, 2
(dois) anos e 7 (sete) meses, contados da data de sua instalação, até a conclusão dos
seus trabalhos, quando foi apresentado, em 10 de dezembro de 2014, um relatório
final circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as con-
clusões e recomendações.
11
Para fins de esclarecimentos, “A partir de dezembro de 2012, as atividades de pesquisa da CNV passaram a ser
desenvolvidas basicamente por meio de grupos de trabalho coordenados pelos membros do Colegiado, contando,
cada um deles, com assessores, consultores ou pesquisadores. Tal forma de organização teve por intuito permitir a
descentralização das investigações e a autonomia das equipes de pesquisa. Pautada nessas diretrizes iniciais, a CNV
estabeleceu 13 grupos de trabalho, segmentados pelos seguintes campos temáticos: 1) ditadura e gênero; 2) Araguaia;
3) contextualização, fundamentos e razões do golpe civil-militar de 1964; 4) ditadura e sistema de Justiça; 5) ditadura
e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical; 6) estrutura de repressão; 7) mortos e desaparecidos políticos;
8) graves violações de direitos humanos no campo ou contra indígenas; 9) Operação Condor; 10) papel das igrejas
durante a ditadura; 11) perseguições a militares; 12) violações de direitos humanos de brasileiros no exterior e de
estrangeiros no Brasil; e 13) o Estado ditatorial-militar.” (BRASIL, 2014, p. 51).
12
No que tange ao núcleo pericial, o Relatório final da CNV (BRASIL, 2014, p. 53) destaca que: “[...] expediu 21
laudos periciais, levantou informações e produziu croquis relativos a quinze unidades militares e outros locais utiliza-
dos para cometimento de graves violações de direitos humanos, realizou 98 visitas a arquivos públicos e instituições
congêneres para busca e pesquisa de documentos, acompanhou quatro procedimentos de exumação, participou de
onze procedimentos destinados à coleta de depoimentos e efetuou 24 entrevistas”.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 115
Por fim, relevante é expor que, conforme o parágrafo único do art. 10, todo o
acervo documental e de multimídia resultante da conclusão dos trabalhos da CNV
deveria ser encaminhado ao Arquivo Nacional para integrar o Projeto Memórias Re-
veladas (ver tópico 2.3.3), o que se efetivou por meio de solenidade realizada em 24
de julho de 2015. Entende-se que tal expediente traz consigo um valor inestimável, na
medida em que não apenas reconheceu o trabalho da Comissão, como também lhe as-
cendeu ao patamar de política de Estado, que deve deixar registros de sua perenidade,
como legado às gerações vindouras, corroborando, assim, com a implementação do
direito à memória, e, sobretudo, com a não repetição das atrocidades de outrora.

Conclusão

Malgrado a sentença condenatória exarada pela CorteIDH no caso Gomes Lund


e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil, ainda prescinda de plena efetivação em
solos pátrios, entende-se por imperioso destacar os seus legados para a justiça tran-
sicional brasileira.
Nesses termos, merece ressalte que, com o advento da sentença condenatória
pela Corte IDH em face do Estado brasileiro, tornou-se possível estabelecer uma teo-
ria normativa acerca de uma potencial responsabilização – de ordem direta e/ou indi-
reta – pertinente aos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar, instaurada
a partir de 31 de março de 1964, com destaque para os que participaram do combate
na Guerrilha do Araguaia.
Por semelhante modo, viabilizou-se a exposição e a responsabilização do Esta-
do brasileiro pela utilização de expedientes procrastinatórios, por intermédio de sua
AGU, no curso do pleito judicial intentado por familiares de mortos e desaparecidos
durante a Guerrilha do Araguaia, que perdura por quase quatro décadas e, indubita-
velmente, engendrou a requisição e condenação junto à CorteIDH.
Ademais, não devem ser olvidados os principais legados legislativos decorren-
tes da sentença condenatória da CorteIDH, quais sejam, a Lei n. 12.527/2011 (Lei de
Acesso à Informação) e a Lei n. 12.528/2011 (Lei que instituiu a Comissão Nacional
da Verdade – CNV), uma vez que garantiram novos pontos de inflexão para a traje-
tória transicional brasileira, principalmente no que concerne à promoção e defesa do
direito à informação, memória e verdade, respectivamente.
Por derradeiro, frisa-se que o principal desafio decorrente da sentença da Cor-
teIDH no caso Gomes Lund reside na priorização devida e necessária por parte
(principalmente) do Poder Executivo federal brasileiro, no sentido de promover me-
canismos legais e políticas públicas para o seu cumprimento efetivo e para a sua não
repetição, fazendo-se imprescindíveis, nesse contexto, a agilização da tipificação do
delito de desaparecimento forçado; da determinação do paradeiro dos mortos e desa-
parecidos na Guerrilha do Araguaia; e da entrega dos restos mortais desses resistentes
aos seus familiares.

Referências
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——. Justicia de Transición: Con informes de América Latina, Alemania, Italia y España. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung,
2009.

116 Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório final da CNV. Brasília: CNV, 2014.
——. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, Senado, 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm.>. Acesso em: 15 fev. 2017.
——. Lei n. 6.683, 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/L6683.htm.>. Acesso em: 15 jan. 2017.
——. Lei n. 9.140, de 4 de dezembro de 1995.Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou
acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9140compilada.htm>. Acesso em: 15 jan. 2017.
——. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5ª, no inciso II
do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga
a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 15 jan. 2017.
——. Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência
da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em: 15
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A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 117
—8—

A caracterização do refúgio no Brasil e o


princípio do in dubio pro refugio

JOÃO LUIS NOGUEIRA MATIAS1


LÍVIA MARIA DE SOUSA2

Sumário: Introdução; 1. Pelo esclarecimento dos conceitos: a diferença entre asilo e refúgio; 2 Ele-
mentos da caracterização da situação de refúgio na Lei nº 9.474/97; 2.1. Motivos clássicos para re-
conhecimento da situação de refúgio e elemento perseguição; 2.2. Para além dos motivos clássicos
previstos na Convenção para Refugiados; 2.3. Cláusulas de exclusão da situação de refúgio; 3. O
processo de reconhecimento do status de refugiados e seus desafios; Conclusão; Referências.

Introdução

Diante da grave crise internacional, as hipóteses de refúgio e asilo têm impacta-


do fortemente as relações sociais e, especialmente, o direito. O forte incremento dos
pedidos de refúgio e asilo no Brasil são flagrante demonstração dessa realidade.
O objetivo do presente trabalho é demonstrar se no Brasil prevalece o princípio
in dubio pro refugio no processo de reconhecimento do status de refugiado, o que
pressupõe a perfeita caracterização dos institutos do refúgio e do asilo, à luz do direi-
to internacional e do sistema nacional de refúgio e asilo.
A pesquisa será bibliográfica e documental.
É certo que, no âmbito internacional, os termos convergem, de tal forma que
para muitos se estabelece a sinonímia. Não é a realidade brasileira, em que os institu-
tos permanecem diferenciados.
Como se verá, a permanência dos dois sistemas atende a peculiaridades da reali-
dade brasileira e, na verdade, da América Latina, onde vigoram. O asilo político pode
ser justificado pela sua flexibilidade, consequência da inexistência de regulação, que
enseja a sua concessão de forma assistemática e não fundamentada. Já o instituto
de refúgio é pautado por regras bem definidas, sendo a sua aplicação auxiliada por
1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará e do Programa de Pós-
-Graduação em Direito da UNI7.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 119
órgãos especializados que, de forma técnica, fundamentada, reconhecem a situação
de perseguição política.
Ao longo do primeiro capítulo, os conceitos serão devidamente esclarecidos.
Na sequência, será abordada a situação de refúgio definida pela Lei nº 9.474/97.
Serão discutidos os motivos clássicos para reconhecimento da situação de refúgio e
do elemento perseguição, assim como a superação dos motivos previstos na Con-
venção para Refugiados e as cláusulas de exclusão de refúgios. No terceiro e último
capítulo, o enfoque será sobre o processo de obtenção de refúgio. Ao final serão apre-
sentadas as conclusões.

1. Pelo esclarecimento dos conceitos: a diferença entre asilo e refúgio

Remonta a tempos históricos na Grécia, Egito, Roma, entre outros, a possi-


bilidade de utilização do instituto de asilo, entendido, a princípio, como a proteção
concedida a criminosos comuns contra violências e perseguições, em locais conside-
rados sagrados, portanto, assumindo a feição de instituto de caráter essencialmente
religioso. Posteriormente, admitia-se a concessão de asilos em embaixadas, baseado
na teoria da extraterritorialidade.
Essa proteção evoluiu com o desenvolvimento dos ideais de liberdade que cul-
minaram com a Revolução Francesa, em que o instituto passou a ser usado para
proteger as pessoas vítimas de perseguição em decorrência de crimes políticos e de
opinião, notadamente, os dissidentes políticos dos antigos regimes imperialistas. O
asilo não mais se destinava a proteger pessoas acusadas da prática de crimes comuns,
mas as que eram perseguidas por seu próprio Estado em razão de haverem praticado
atos contrários aos regimes políticos e seus respectivos soberanos. Além de discricio-
nariedade do Estado receptor, vislumbrava-se forte carga de valor político-ideológico
no conteúdo da decisão de concessão do asilo.
A permanência do caráter discricionário da concessão do Asilo pelo Estado re-
ceptor, considerado como um direito do Estado, e o fato da concessão desta proteção
implicar, em alguns casos, um ato de animosidade ao Estado perseguidor, evidencia
a forte influência da política externa e interesses internacionais na decisão, razão pela
qual o poder de decidir sobre a concessão do asilo centrava-se, em regra, na figura do
Chefe de Estado, auxiliado pelo destacado papel exercido pelo Ministério das Rela-
ções Exteriores.
Na atualidade, os termos asilo e refúgio têm sido utilizados pela comunidade
internacional sem maiores preocupações terminológicas, em geral, traduzindo-se no
direito do indivíduo de buscar proteção além das fronteiras de seu país de origem ou
de residência habitual. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reco-
nhece o direito de buscar e receber asilo. Igualmente, a Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem, de 1948, em seu artigo XXVII, dispõe que toda a
pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de
perseguição não motivada por crimes comuns. E no mesmo sentido, prevê o Pacto de
San José da Costa Rica:
Art.22.2. Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio país.
[...]
João Luis Nogueira Matias
120 Lívia Maria de Sousa
7. Toda pessoa tem o direito de buscar asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos
políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e com as
Convenções internacionais.
No âmbito da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1951), o refúgio
passou a ser o termo, preferencialmente, utilizado para definir o status jurídico reco-
nhecido à pessoa que busca proteção além das fronteiras do Estado de sua naciona-
lidade, em razão de temor de perseguição por motivos raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões políticas. Todavia, é comum a utilização da expressão “país
de asilo” para identificar o local onde o buscador de proteção permanece sob a prote-
ção conferida com fundamento na Convenção para Refugiado, bem como a palavra
“asilo” para identificar o instituto pelo qual se acolhe o refugiado, portanto, como um
termo com conceito equivalente ao refúgio.
Essa imprecisão terminológica dos termos asilo e refúgio, no âmbito do direi-
to internacional dos direitos humanos e do direito internacional dos refugiados, tem
acarretado prejuízo para a compreensão e aplicação dos citados institutos no Brasil, já
que, ao contrário do plano universal, nos países da América Latina, inclusive no Bra-
sil, Asilo e Refúgio são institutos distintos, com requisitos e fundamentos próprios.
Mesmo após a ratificação da convenção sobre refugiados (1951), que pretendeu dar
um tratamento universal à proteção fora das fronteiras do país de origem daquele
que busca proteção, os dois regimes permaneceram vigentes no nosso ordenamento
jurídico interno, sendo o Refúgio regulado pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997,
enquanto o Asilo está regido pelo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/90).
No contexto latino-americano, o desenvolvimento do sistema de proteção por
meio da concessão de “asilo” ocorreu a partir do início do século XIX, com o Tratado
de Direito Internacional de Montevidéu (1889) que reconhecia o asilo como ato de-
corrente da soberania de um Estado. Em 1954, foi celebrada a Convenção de Caracas,
sobre o Asilo Territorial, que também a Convenção de Asilo de Montevidéu, de 1933,
prevê a obrigação dos Estados respeitarem o Asilo concedido, com fundamento em
tratados regionais e características diversas do refúgio instituído universalmente pela
Convenção de 1951.
A despeito de promover o acolhimento de estrangeiro que sofrem perseguição
injusta, o asilo se diferencia do refúgio em diversos pontos, servindo como salvaguar-
da de proteção para situações diversas. A Convenção de Caracas de 1954 normatizou
o asilo territorial e, considerando a reconhecida possibilidade de um País conceder
asilo fora do seu território, o Tratado de Direito Internacional de Montevidéu impri-
miu-lhe a característica de direito do Estado de proteger vítimas de perseguição, cor-
respondente ao dever de todos os Estados de respeitar essa decisão.
O refúgio nasceu com fundamento no direito de proteção da pessoa humana
frente à comunidade internacional, tendo, portanto, uma intrínseca relação entre o
direito internacional dos refugiados e os direitos humanos. Já o Asilo Territorial é
mencionado expressamente na convenção de Caracas, de 1954, como um direito do
Estado de proteger pessoa vítima de perseguição por crenças, opiniões e filiações
políticas ou por outros atos considerados crimes políticos. Outras diferenças podem
ser apontadas entre os dois institutos como é possível a concessão do Asilo mesmo
que o solicitante de proteção não tenha ainda adentrado no país receptor e a decisão
que concede o asilo tem natureza constitutiva. Enquanto a decisão que reconhece o
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 121
status de refugiado tem natureza declaratória e depende da presença do indivíduo no
território de refúgio.
A partir de estudos realizados em instrumentos de proteção firmados no âmbito
do sistema latino-americano, como o Tratado de Direito Internacional de Montevidéu
de 1889 e Convenção de Caracas, de 1954, sobre Asilo Territorial, Convenção sobre
Asilo e Refúgio Político de Montevidéu (1939) constata-se que o asilo é, regional-
mente, conhecido como um instrumento de concessão de proteção a um indivíduo
vítima de perseguição política, podendo ser concedido para estrangeiros que requeira
proteção fora do país de asilo.
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos o asilo “é um instituto
em virtude do qual se protege indivíduos, cuja liberdade se encontra ameaçada ou em
perigo, por atos de perseguição ou violência derivados de ações ou omissões esta-
tais”.3 Portanto, o termo “Asilo” é considerado gênero dos instrumentos de proteção
“asilo” e “refúgio” para fins de interpretação dos instrumentos internacionais de di-
reitos humanos.
Dessarte, diante do contexto latino-americano, o termo “Asilo”, em sentido
amplo, abrange situações de Asilo Territorial, Asilo Diplomático e o Refúgio pro-
priamente dito. Nas duas primeiras hipóteses, o asilo é concedido pelo Chefe do
Executivo com fundamento em perseguição política que deve ser atual. Os tratados
regionais que tratam da matéria permitem a concessão do Asilo mesmo quando o
solicitante não se encontre no território do país de receptor, correspondendo a figura
do asilo diplomático. Neste caso, a proteção seria realizada na embaixada ou em área
militar do Estado acolhedor.
No tratamento jurídico dado à matéria, observa-se que na concessão do instituto
de asilo há grande discricionariedade, apresentando maior força os argumentos políti-
co-ideológicos e interesses de política externa do que os fundamentos humanitários.
Carvalho Ramos (2011, p. 42) apresentou uma análise profunda e crítica sobre
as razões para a convivência dos dois institutos no Brasil:
Assim, a manutenção da separação entre os dois institutos no Brasil tem explicação pragmática, que
vai além do tradicional apelo a ser o asilo um costume latino-americano: na realidade, o asilo político é
uma “carta na manga” da diplomacia brasileira, que pode ser usada com flexibilidade ímpar inclusive nas
Missões Diplomáticas fora do território nacional. Com efeito, a flexibilidade do asilo, fruto da ausência
– proposital – de regulamentação mais precisa (quer interna quer internacionalmente), permite sua con-
cessão de modo rápido e sem maior fundamentação (bastaria a nebulosa afirmação da Chefia do Estado
de possível “perseguição política”). Por outro lado, o instituto de refúgio no qual atuam órgãos especializa-
dos (CONARE e ACNUR) é também útil para a diplomacia brasileira, quando esta não quer usar a “carta”
do asilo para não gerar nenhum constrangimento com o Estado pretensamente perseguidor, preferindo
transferir o ônus do reconhecimento da perseguição política a um órgão técnico, de procedimento regrado
e com dever de fundamentação.
De fato, as palavras do autor podem ser comprovadas a partir da análise do caso
de concessão de asilo ao senador boliviano Roger Pinto Molina. Alegando ser vítima
de perseguição por razões políticas, o senador boliviano apresentou pedido de asilo
na embaixada brasileira em La Paz, o que foi deferido pelo governo brasileiro.
3
Tradução livre do trecho “es una institución en virtud de la cual se protege a individuos cuya vida o libertad se
encuentran amenazadas o en peligro, por actos de persecución o violencia derivados de acciones u omisiones de un
Estado”, extraído do Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, DIEH, “El Asilo y su relaci-
ón com crímenes internacionales (20 de outubro de 200o), OEA/SER./LQVII.111, doc.20.

João Luis Nogueira Matias


122 Lívia Maria de Sousa
Por se tratar de pedido de asilo diplomático, o asilado deveria permanecer na
embaixada brasileira (considerada extensão do território nacional brasileiro na Bolí-
via) até a expedição de um salvo-conduto pelo governo boliviano, para que o asila-
do pudesse viajar para o Brasil, em segurança, e então requerer o asilo territorial no
Brasil. Contudo, a despeito do Tratado sobre Asilo e Refúgio Político de Montevidéu
(1939), que reconhece o direito dos Estados em conceder o Asilo, a Bolívia não auto-
rizou a saída do senador do país, sob o fundamento de que, mesmo diante da conces-
são de asilo diplomático pela autoridade brasileira, não seria dada autorização para
que o cidadão boliviano saísse do país em virtude de que o mesmo objetiva se furtar
de ações judiciais que tramitavam normalmente.
Diante do impasse diplomático e político, o fato é que o senador Molina conse-
guiu fugir de seu país de origem e adentrou no Brasil, formulou pedido de refúgio, e
não de asilo territorial, como era esperado.
No caso em análise, sem adentrar no mérito da decisão do governo brasileiro
que, fundamentada no art. 4º da Constituição Federal e nas normas do direito inter-
nacional latino-americano, decidiu conceder o asilo, o que se observa é o forte en-
volvimento de questões político-ideológicas na decisão, ao contrário do refúgio, cujo
reconhecimento é fundado em razões eminentemente técnicas, por um órgão com
composição democrática e tripartite, conforme veremos no próximo tópico.
A coexistência dos institutos Asilo e Refúgio foi bastante importante para pro-
teção da pessoa humana entre as décadas de 70 e 80 no sistema regional e apresenta-
-se ainda útil atualmente.
De fato, quando o Brasil ratificou a Convenção para Refugiados (1951), man-
teve a reserva geográfica, assim apenas as pessoas oriundas do continente europeu
poderiam ser consideradas refugiadas no país. O levantamento da reserva geográfica
só ocorreu em 1989, por meio do Decreto nº 98.602. Assim nas décadas de 70 e 80,
observou-se aumento do número de pessoas que migravam para o Brasil em busca
de proteção em razão de perseguição política, decorrente de regimes ditatoriais e gol-
pes de Estado na América Latina e na América Central. Portanto, diante da reserva
geográfica, o acolhimento dessas pessoas no Brasil somente era possível por meio
da concessão de “instituto de asilo” com fundamento nos costumes internacionais e
tratados regionais sobre o tema.
É certo que a ampliação da definição de refugiado com a abertura das reservas
temporal e geográfica é um dos fatores que tem impulsionado as pessoas vítimas de
perseguição a requererem o reconhecimento da situação de refúgio, e não a concessão
do tradicional asilo, uma vez que o primeiro é considerado direito da vítima, cujo re-
conhecimento depende de decisão de caráter eminentemente técnico; enquanto que a
concessão do tradicional asilo na América Latina é ato discricionário do Estado.
Contudo, a Convenção para Refugiados não abarca todas as pessoas que ne-
cessitam de proteção em razão de perseguição em seu país de origem ou residência
habitual, uma vez que no conceito de refugiado exige-se que o solicitante esteja fora
do seu Estado. Assim a vigência em paralelo dos dois regimes no Brasil ainda se
mostra de grande utilidade para a proteção, todavia se reconhece a necessidade de de-
senvolver instrumentos capazes de reduzir a influência política ao mínimo possível,
uma vez que tanto o Asilo como o Refugio devem ser reconhecidos como direito do
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 123
indivíduo à proteção e, em qualquer caso, deve ser observado o princípio non-refou-
lement.
Nesse sentido, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos emitiu parecer
consultivo nº 21/2014, de 19 de agosto de 2014, solicitado por Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai, no qual reconhece a existência dos dois regimes de proteção e
esclarece que o termo “asilo”, constante na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (1969),4 é utilizado na acepção geral do termo, constituindo o direito de
indivíduos de receber proteção em um Estado diverso de sua origem.5
Passa-se à análise da caracterização da situação de refúgio pela Lei nº
9.474/97.

2 Elementos da caracterização da situação de


refúgio na Lei nº 9.474/97

A influência das regras do sistema internacional no conteúdo da Lei nº 9.474/97


é flagrante, mas não se pode deixar de reconhecer a importância das pressões internas
que permitiram a formatação de regras que atendem à realidade nacional e vão além
das regras internacionais, como se verá.

2.1. Motivos clássicos para reconhecimento da situação de


refúgio e elemento perseguição
A Lei nº 9.474/976 foi resultado da evolução do sistema de refúgio no plano in-
ternacional e, no âmbito interno, decorreu diretamente do Plano Nacional de Direitos
Humanos de 1996, que previa a necessidade de implantação de políticas públicas de
direitos humanos no país, inserindo o tema dos refugiados como parte mais amplo
dos direitos humanos na agenda política brasileira.
Como já mencionado anteriormente, segundo o texto da Convenção de Genebra
sobre Estatuto dos Refugiados de 1951, consideram-se refugiados as pessoas que
[...] temendo ser perseguida por motivos de raça, religião nacionalidade, grupo social ou opiniões polí-
ticas, se encontra fora do país da sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não
quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade7 e se encontra fora do país no
qual tinha residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido
temor, não quer voltar a ele.
O texto convencional foi ratificado pelo Brasil em 15 de julho de 1952, porém
somente em 15 de novembro de 1960, o instrumento de ratificação foi depositado
4
“Art. 22. Direito de circulação e de residências [...]. 7. toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em terri-
tório estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo
com a legislação de cada Estado e com os convênios internacionais”.
5
Disponível em: <http:/www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_21_por.pdf>. Acesso em: 15 out. 2016.
6
O texto legal foi organizado da seguinte maneira: o primeiro título trata dos aspectos que caracterizam o sistema de
refugiado e seu estatuto (conceito, extensão, exclusão e condição de refugiado); o segundo título trata do ingresso no
território nacional e do pedido de refúgio; o terceiro título trata do Comitê Nacional para os Refugiados (composição
e funções); o quarto título trata do procedimento de refúgio (e suas fases); o quinto título trata dos efeitos do reconhe-
cimento do estatuto de refugiado sobre a extradição e a expulsão; o sexto titulo trata da cessação e perda da condição
de refugiado; o sétimo título trata das soluções duráveis cessão e perda da condição de (repatriamento, integração
local e reassentamento); e o oitavo título traz disposições finais (BRASIL, 2010).
7
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951. Disponível em: <http://www.acnur.org>.
Acesso em: 15 fev. 2016.

João Luis Nogueira Matias


124 Lívia Maria de Sousa
junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas. E, por meio do Decreto nº 50.215, de 28
de janeiro de 1961, passou a integrar formalmente o ordenamento jurídico brasileiro.
Apesar de haver ratificado a Convenção de Genebra (1951), o Brasil não tinha
um sistema jurídico interno que regulasse a situação de refúgio, contando apenas com
a tradicional possibilidade e concessão de asilo baseada em costumes na América
Latina e em tratados específicos. Ainda a condição jurídica do asilado era regulada
pelo anacrônico estatuto do estrangeiro, evidenciando a necessidade de se criar um
sistema de proteção adequado para proteção dos refugiados.8
Somente a partir da instauração de uma nova ordem constitucional, pautada na
prevalência dos direitos humanos e no asilo político como princípios das relações in-
ternacionais, é que o Brasil apresentou um ambiente propício para elaboração de uma
lei nacional sobre refúgio e, diante das tratativas do ACNUR e pressão da sociedade
civil, aprovou-se o texto da Lei nº 9.474/97.
No mencionado dispositivo legal, o legislador ordinário formulou o conceito de
refúgio com o fim de abarcar nos seus incisos I e II do artigo 1º, as pessoas que “de-
vido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora do seu país de nacionalidade e não
possa ou não queira acolher-se à proteção de seus pais”, bem como as pessoas que
“não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habi-
tual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas
no inciso anterior”, portanto, estabelecendo como elementos da definição de refúgio
os motivos clássicos adotados pela Convenção de 1951 e Protocolo de 67.
Ademais, inspirado na definição ampliada de refugiado constante na Declara-
ção de Cartagena, no inciso III, incluiu a grave e generalizada violação de direitos
humanos como fundamento para reconhecimento da situação de refúgio.
Dessarte, o conceito de refúgio envolve uma complexa relação entre Estados
soberanos (notadamente Estado de origem, de destino e de passagem) e o indivíduo
que é forçado a abandonar o país de sua nacionalidade em busca de proteção interna-
cional, por isso a caracterização da situação de refúgio depende da comprovação da
situação de vulnerabilidade do migrante. É o reconhecimento da situação de refúgio
que vincula o Estado receptor a garantir proteção à pessoa que não possui vínculo de
nacionalidade.
É nesse sentido que se pode afirmar que a definição de refugiados decorre da
relação com o próprio Estado e com os conceitos relacionados à soberania, cidadania
e território. A própria existência de sistema estatal, fundado na soberania, é o que
torna inteligível a categoria de refugiados e solicitantes de refúgio. Por outro lado, a
atuação estatal vinculada à atividade de proteger, incluir e excluir essas pessoas é o
que faz reafirmar a própria soberania e seu sistema estatal que reproduz essa relação
(HADDAD, 2008).
Examinado o texto legal, observa-se que o fundado temor de perseguição é es-
sencial para caracterizar a situação de refúgio, envolvendo, portanto, elementos de
ordem objetiva e subjetiva na definição. Explico melhor. A palavra temor expressa
sentimento do indivíduo correspondente ao medo, receio, que, por depender da per-
cepção individual da situação de fato por cada pessoa, representa um elemento sub-
8
Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 dez. 2016.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 125
jetivo da definição, variável segundo a personalidade, idade, condição psicológica,
crença e história de vida da pessoa.
Porém, exige-se que o receio ou temor seja fundado, ou seja, que decorra de
circunstâncias verificáveis, na esfera objetiva do fundado temor. Assim o critério
objetivo é verificável na medida em que se compara a situação objetiva do país de
origem daquele que pede proteção com a situação relatada por esse como base de sua
solicitação de refúgio.
Outra circunstância que deve ser analisada no conceito de refúgio é que o temor
de perseguição pode atingir um determinado grupo de pessoas ou atingir pessoas iso-
ladamente. A expressão temor de perseguição abarca situações em que há possibili-
dade da ocorrência de circunstâncias prévias que não chegaram a atingir o solicitante
de refúgio, mas que apresenta sérios riscos de que esta ocorrerá (ACNUR, 2013).
Porém, não se aplica o instituto do refúgio para aqueles indivíduos cujo temor de re-
torno ao país envolva apenas situação de mera conveniência.
Com efeito, extrai-se do conceito clássico de refúgio que o objetivo da Conven-
ção de Genebra de 1951 e, em igual sentido a lei nacional, foi de proteger as pessoas
vítimas de atos de discriminação materializados em perseguição. O ato de persegui-
ção pode-se materializar das mais diversas formas, podendo ser praticado diretamente
pelo Estado, através de seus agentes públicos, ou por particular, quando restar evi-
denciado que o Estado falhou em garantir proteção ao seu nacional (LEITE, 2014).
Como já mencionado, os refugiados integram a categoria de migrantes força-
dos, de forma que transpor as fronteiras de seu país não é uma questão de conveni-
ência por motivos pessoais, mais sim, uma condição necessária à sobrevivência do
migrante, é o que se extrai da expressão “fundado temor de perseguição” expressa na
Lei nº 9.474/97.
Além da adequada aplicação da expressão fundado temor de perseguição, para
obter o reconhecimento do status de refugiado é necessário que a perseguição decorra
de um dos cinco motivos previstos internacionalmente, quais sejam: raça, religião,
nacionalidade, opinião política e pertencimento a um grupo social.
Como anota Jubilut (2007), os cinco motivos previstos universalmente na de-
finição de refugiados decorrem do direito à liberdade. A garantia de proteção pela
comunidade contra atos de perseguição ou discriminação com fundamento em um
desses motivos, assegura a todas as pessoas a liberdade de expressão política, liber-
dade de associação e o livre pertencimento a grupo social, raça ou nacionalidade.
De fato, a análise do contexto histórico que antecedeu a celebração da Con-
venção de Genebra para Refugiado (1951) demonstra que a busca de homogeneida-
de foi um grande propulsor do deslocamento forçado de milhares de refugiados no
continente europeu, resultado dos mais diversos atos discriminatórios praticados por
Estados em detrimento de uma minoria.
No período após a Segunda Guerra, a comunidade internacional observou que
os principais motivos utilizados para justificar discriminações decorriam da origem,
ou seja, a nacionalidade e a raça; também resultou em perseguição o fato de as pes-
soas expressarem sua opinião e crença religiosa. Mesmo sendo os motivos predo-
minantes que resultaram em perseguições, outros já podiam ser percebidos, como o
gênero e a opção sexual.
João Luis Nogueira Matias
126 Lívia Maria de Sousa
Para evitar exceções anômalas em detrimento da proteção, nossa legislação
adotou o critério de pertencimento a determinado grupo social, abarcando assim si-
tuações como as vítimas de perseguição em razão do gênero ou opção sexual, que de
outro modo estariam excluídas da proteção.
[...] a definição de grupo social não é precisa, e sua inclusão no elenco dos motivos de concessão de refú-
gios visou exatamente a essa imprecisão; percebeu-se que nenhuma definição taxativa, de que é, ou não,
refugiado abarcaria todos os indivíduos, em todas as épocas, que necessitassem dessa proteção, mas,
ao mesmo tempo, verificou-se a indispensabilidade de uma positivação internacional que objetivasse a
aplicação homogênea do instituto, sendo, portanto, necessário o estabelecimento de critérios. (JUBILUT,
2007, p. 132)
Desse modo, justificativas discriminatórias que resultem em perseguição de
indivíduos com violação do direito à vida e à liberdade devem ser abarcadas pela
situação de refúgio. Assim os cinco motivos clássicos da perseguição expressos na
convenção e na Lei nº 9.474/97 não são taxativos. O fundado temor de perseguição
decorrente de outros motivos que não estejam expressamente previstos no conceito
de refugiado devem ser considerados, sempre que esteja demonstrada violação da
liberdade ou da vida decorrente de ato discriminatório.
Além da existência de temor de perseguição decorrente dos motivos acima as-
sinalados, para que reste caracterizada a situação de refúgio é necessário que o in-
divíduo tenha ultrapassado a fronteira de seu país e esteja sob jurisdição do Estado
brasileiro. A exigência de que o refugiado esteja no território brasileiro como critério
para reconhecer decorre do exercício da soberania dos Estados sobre seus territórios,
uma vez que estando o refugiado em outro país, o Brasil não dispõe de instrumentos
jurídicos para garantir proteção.
Dessarte, mesmo que sejam vítimas de perseguição pelos motivos clássicos da
Convenção de 1951 ou mesmo quando são obrigados a migrar em decorrência de gra-
ves e generalizadas violações de direitos humanos decorrentes de conflitos religiosos,
raciais, étnicos, para que o indivíduo obtenha o status de refugiado, que é o vínculo
jurídico-político que garante proteção a esses migrantes no âmbito internacional e
interno, é necessário que esteja sob a jurisdição do seu Estado receptor.
Ocorre que os deslocados internos também são obrigados a abandonar seus la-
res por razões de perseguição, e, neste caso, o que os diferencia dos refugiados é que
nem todos têm a possibilidade de deixar o seu país, o que se demonstra a grande vul-
nerabilidade deste grupo, especialmente, quando o agente perseguidor é o seu próprio
Estado, o que demonstra a insuficiência da proteção para este grupo de migrantes.
Pensamos que ainda que o país acolhedor não possa executar atos materiais des-
tinados a garantir proteção do solicitante de refúgio já que o indivíduo não conseguiu
transpor as fronteiras de seu país, é possível o reconhecimento da situação de perse-
guição e desenvolver instrumentos jurídicos que permita a concessão de refúgio em
embaixadas, a exemplo do que ocorre no sistema do asilo na América Latina.

2.2. Para além dos motivos clássicos previstos na


Convenção para Refugiados
Aos motivos clássicos previstos na Convenção para Refugiados de 1951, a nos-
sa legislação acrescentou a razão de grave e generalizada violação de direitos huma-
nos, como motivo que autoriza o reconhecimento da situação de refúgio para a pessoa
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 127
vítima de deslocamento forçado, assim o Brasil avançou, em termos de proteção,
adotando um conceito aplicado de refúgio inspirada na Declaração de Cartagena de
1984.
A existência de conflitos armados que culminam no deslocamento massivo de
pessoas no continente americano, consta como o fundamento dos trabalhos prepara-
tórios da Declaração de Cartagena, que inspirada em instrumentos regionais de pro-
teção dos direitos humanos da União Africana,9 recomendou aos países a adoção do
conceito ampliado de refugiado.
[...] se torna necessário encarar a extensão do conceito de refúgio tendo em conta, no que é pertinente, e
de acordo com as características da situação existente na região, o previsto na Convenção da OUA (art.
1º, parágrafo 2º) e a doutrina utilizada nos relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.
Deste modo, a definição ou conceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é o que,
além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como
refugiados as pessoas que tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira,
os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham per-
turbado gravemente a ordem pública.10
O Brasil teve reconhecido seu pioneirismo no âmbito internacional por ser o
primeiro país da América do Sul a construir um sistema de refúgio inspirado na De-
claração de Cartagena, adotando a definição ampliada de refugiados para incluir as
vítimas de grave e generalizada violação de direitos humanos, influenciando, inclusi-
ve, legislações internas de outros países do MERCOSUL, como Paraguai e Argenti-
na, a adoção de conceito equivalente.
O conceito de grave e generalizada violação de direitos humanos não foi pensa-
do para abarcar migrantes econômicos no conceito de refugiados, ainda que a extrema
pobreza represente uma situação de grave violação de direitos humanos, a finalidade
do mencionado dispositivo legal era identificar situações em que o conflito genera-
lizado expressa uma dinâmica de violência em que a proteção do Estado desaparece,
dispensado, para o reconhecimento da situação de refúgio, o vínculo individual e
específico de perseguição.
Em estudo sobre o reconhecimento do refúgio no Brasil, Leão (2010, p. 89)
anota que vários são os casos em que o CONARE tem declarado a situação de refúgio
com fundamento no inciso 3º do art. 1º da Lei nº 9.474/97, reconhecendo a existência
de grave e generalizada violação de direitos humanos quando vislumbra a presença
das seguintes condições:
1) a total incapacidade de ação ou mesmo a inexistência de entes conformadores de um Estado Demo-
crático de Direito, como podem ser as instituições representativas dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário de um Estado qualquer. Ou seja, a dificuldade mesmo em se identificar a existência de um Es-
tado, tal qual conceituado pelo direito internacional público, em um território específico. 2) a observação
naquele território da falta de uma paz estável e durável. 3) o reconhecimento, por parte da comunidade
internacional, de que o Estado ou território em questão se encontra em uma situação de grave e genera-
lizada violação de direitos humanos.
Contudo a aplicação da grave e generalizada violação dos direitos humanos
como critério para reconhecimento da situação de refúgio não tem aplicação univer-
sal, já que está prevista apenas em instrumentos regionais. Outrossim, considerando
a ausência de caráter vinculante para os Estados, já que não se trata de instrumento
9
Convenção Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos.
10
Cláusula terceira da Declaração de Cartagena.

João Luis Nogueira Matias


128 Lívia Maria de Sousa
convencional, tem atuado como um instrumento inspirador dos países na elaboração
da legislação interna.

2.3. Cláusulas de exclusão da situação de refúgio


Há condições que descaracterizam a situação de refúgio, mesmo diante de um
fundado temor de perseguição vivenciado pelo solicitante, é que a Convenção de Ge-
nebra para Refugiados de 1951 prevê que o status de refúgio não contempla pessoas
que já desfrute de proteção dentro de um sistema de proteção específico ou porque o
indivíduo praticou atos contrários aos fins de princípios das Nações Unidas.
Às hipóteses previstas no texto da Convenção de 1951, o legislador brasileiro
acrescentou a impossibilidade de concessão de refúgio quando o solicitante tenha o
cometido crimes expressamente previstos no texto da lei. Dessa forma, o artigo 3º do
Estatuto do Refugiado prevê:
Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiados os indivíduos que:
I – já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que
não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR;
II – sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição
de nacional brasileiro;
III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo,
participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
As hipóteses previstas nos incisos I, II e III foram extraídas do texto da Conven-
ção de 9151. No primeiro, o objetivo da convenção foi excluir do âmbito de atuação
as pessoas que já vinham sendo assistidas por outros órgãos da ONU, como é o caso
dos refugiados no oriente médio que se encontram sob a proteção da UNRWA (Uni-
ted Nations Refugee Works Agency for Palestinian Refugees).
Dessarte, no âmbito internacional, há fundamento para a exclusão da situação
de refúgio para estas pessoas, uma vez que já estando sendo assistidas por um orga-
nismo que tem atuação semelhante no âmbito da Organização das Nações Unidas,
não faria sentido incluí-las na proteção do ACNUR.
Contudo, no âmbito interno, a exclusão se mostra desarrazoável, já que o Brasil
deve receber e conceder status de refugiado a todas as pessoas que se enquadrem na
definição legal, sem que haja justificativa razoável para restringir o conceito apenas
para as pessoas que estão sendo protegidas pelo ACNUR.
Na prática, o CONARE não tem reconhecido eficácia ao mencionado dispositi-
vo legal, como se observa do recebimento de grupo de palestinos que se encontravam
no campo de refugiados da Jordânia, fronteira com o Iraque, portanto, que estavam
sob a proteção da UNRWA. Dessarte, mesmo tratando-se de um grupo de pessoas
que estavam sob proteção de uma instituição das ONU que não o Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados, o Brasil recebeu o grupo de palestino, aplican-
do-lhe a proteção prevista na Lei nº 9.474/97.
Em relação ao inciso II, ficam excluídas da proteção as pessoas que sejam re-
sidentes no território nacional e “tenham direitos e obrigações relacionados com a
condição de nacional brasileiro”, portanto, se refere aos próprios nacionais do Brasil,
o que é uma decorrência lógica do próprio sistema de refúgio, que reconhece como
fundamento da situação de refúgio a vulnerabilidade do indivíduo por não poder
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 129
contar com a proteção do seu Estado, decorrente do vínculo jurídico-político da na-
cionalidade.
Dessarte, o mencionado dispositivo legal é dispensável, já que está contido no
próprio conceito de refugiado previsto no artigo 1º da Lei nº 9.474/97.
Contudo, apesar de não constar no texto legal, deveriam ter sido excluídos do
conceito de refugiados aqueles indivíduos que recebem tratamento idêntico ao dis-
pensado aos nacionais no país acolhedor. Por isso não reconhecemos situação de
vulnerabilidade, de forma que não deveria se caracterizar situação de refúgio o fato
de indivíduos originários de países de língua portuguesa e que residam no Brasil por,
pelo menos, um ano, sofrerem perseguição no país de sua nacionalidade originária, já
que dispõe da possibilidade de adquirir nacionalidade brasileira.
Partindo ainda da possibilidade de proteção avançada através da naturalização,
a cláusula de exclusão deveria ser aplicada aos estrangeiros de outras nacionalidades
que preencham condições para requerer naturalização, já que o texto constitucional
prevê a possibilidade das pessoas nessas condições requererem a naturalização bra-
sileira,11 contudo, diante da ausência de previsão legal, deve ser aplicado o sistema
de refúgio aos estrangeiros residentes no Brasil, que sejam vítimas de perseguição no
seu país de origem, ainda que preencham os requisitos legais para naturalização, já
que apenas os nacionais foram abarcados nas cláusulas de exclusão.
Também estão incluídos na cláusula de exclusão de refúgio os indivíduos que “te-
nham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime
hediondo, participado de atos de terrorismo ou tráfico de drogas” (art. 3º, III, da Lei
nº 9.474/97), ou que tenham praticado atos contrários a paz, integração internacional e
proteção de população vulnerável, que constituem fins e princípios da ONU.
No mais, o refúgio é um instituto que garante o direito à vida e à liberdade de-
corrente de compromissos internacionais e da própria Constituição Federal. Diversos
são os motivos que podem ensejar em fundado temor de perseguição e as cláusulas de
exclusão da situação de refúgio devem ser interpretadas restritivamente.
A análise individual à luz de todas as circunstâncias do caso concreto é impres-
cindível para que se possa conceder proteção àquele que preenche os requisitos e
excluir as pessoas que não se enquadram na definição.
Por tal razão, cremos que, na hipótese de haver dúvida sobre o preenchimento
dos requisitos para o reconhecimento da situação de refúgio, deve o Comitê não relu-
tar e aplicar o princípio do in dubio pro refugiado.

3. O processo de reconhecimento do status de


refugiados e seus desafios

É importante ter em mente que o que leva uma pessoa a estar no estado de refu-
giado é o temor de perseguição em decorrência de razões políticas, religiosas, nacio-
nalidade, raça, ou pertencimento a um grupo social. A situação de refúgio vem e afeta
11
“Art. 14. São brasileiros: [...] II. Naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira,
exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade mo-
ral; b) os estrangeiros, de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze nos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”. (BRASIL, 1988, on line)

João Luis Nogueira Matias


130 Lívia Maria de Sousa
qualquer pessoa, independente da classe econômica, política ou social do indivíduo,
o qual busca proteção em Estado que não o seu e origem ou residência habitual.
É bastante desafiadora, num contexto de fluxos mistos de migrações, a tarefa
de descortinar as reais causas que levaram uma pessoa a migrar, porque o refugiado
não tem cara, origem, nacionalidade, profissão, estado social, não é, necessariamen-
te, uma pessoa que travessou oceanos em boatpeole, nem indivíduos provenientes de
Estados em guerra, antes de tudo, é uma pessoa, com uma história específica de per-
seguição, na qual não cabe generalizações, preconceitos ou estereótipos, que busca
proteção além das fronteiras internacionais.
O Brasil possui apenas 8.863 refugiados reconhecidos, de 79 nacionalidades
distintas, todavia o número total de solicitações de refúgio aumentou mais de 2.868%,
no período de 2010 a 2015, o que vem a demonstrar a importância e atualidade da
temática dos refugiados (CONARE, 2016).
A avaliação, instrução, colheita de informações sobre os casos individuais é,
portanto, o meio adequado para se identificar os casos em que se deve aplicar o ins-
tituto de refúgio, sob pena de ser negada proteção àqueles que, a despeito de serem
oriundos de Países considerados como livres de conflitos políticos e guerras internas,
sofrem problemas políticos ou religiosos severos, ou até mesmo, problemas graves
de liberdade, como a identidade de gênero.
A proteção dessas pessoas somente é possível através da atribuição de um status
jurídico de refugiado que declara uma realidade, a qual precisa ser apurada indivi-
dualmente. Cada pessoa que é obrigada a fugir de seu país tem sua própria história,
na qual apresenta as causas que a levaram a migrar, cabendo aos países-membros da
Convenção para Refugiados estabelecer procedimento específico para acesso ao re-
fúgio, nesse sentido o papel do processo é fundamental para conceder a proteção do
status de refúgio àquele que precisa e para afastar do conceito o indivíduo que não
preenche os requisitos, o qual continuar a contar com a proteção complementar con-
tidas em diversos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
A partir da Lei nº 9.474/97, a decisão sobre o processo de reconhecimento, da
cessação e da perda da condição de refugiado passou a ser atribuição do CONARE,
desenvolvida a partir de critérios eminentemente técnicos.
Apesar do CONARE estar vinculado ao Ministério da Justiça e, por conseguin-
te, ser órgão integrante do Poder Executivo, foi concebido como órgão colegiado,
com estrutura tripartite e democrática, na medida em que está integrado por um repre-
sentante do Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do
Trabalho, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, do Departamento da Polícia
Federal e de um representante da sociedade civil a partir da indicação de entidades
não governamental dedicada a atividades de assistência e proteção aos refugiados no
país.12 O Alto Comissariado das Nações Unidas, por ser um organismo internacional,
participa do Comitê apenas como membro convidado, sem direito a voto.
12
“Art. 14. O CONARE será constituído por: I - um representante do Ministério da Justiça, que o presidirá; II - um
representante do Ministério das Relações Exteriores; III - um representante do Ministério do Trabalho; IV - um repre-
sentante do Ministério da Saúde; V - um representante do Ministério da Educação e do Desporto; VI - um representante
do Departamento da Polícia Federal; VII - um representante de Organização não-governamental, que se dedique a ati-
vidades de assistência e proteção de refugiados no País. § 1º O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
– ACNUR será sempre membro convidado para as reuniões do CONARE, com direito a voz, mas sem voto.”

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 131
O acesso ao sistema de refúgio é regulado no âmbito interno pela Lei nº 9.474/97,
pelo regimento interno do CONARE e instruções normativas editadas pelo referido
órgão, notadamente a Resolução Normativa nº 18/2014-CONARE. O processo de
refúgio tem início a partir da colheita das declarações do estrangeiro que busca pro-
teção pela autoridade competente, contudo a externalização da vontade de solicitar o
reconhecimento da condição de refugiado, seja escrita ou oral, é condição suficiente
para garantir ao indivíduo o direito de não ser devolvido para o local em que sua vida
ou liberdade possa estar em risco por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opinião política. A autoridade migratória deve oportunizar, ao estrangeiro
que ingressar no Brasil, a possibilidade de solicitar refúgio, é o que se observa da
leitura desses dispositivos:
Art. 7º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhe-
cimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe propor-
cionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabíveis.
[...].
Art. 17. O estrangeiro deverá apresenta-se à autoridade competente e externar vontade de solicitar o
reconhecimento da condição de refugiado.
§ 1º Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou
liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.
Art. 18. A autoridade competente notificará o solicitante para prestar declarações, ato que marcará a data
de abertura dos procedimentos.
Parágrafo único. A autoridade competente informará o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refu-
giados- ACNUR sobre a existência do processo de solicitação de refúgio e facultará a esse organismo a
possibilidade de oferecer sugestões que facilitem seu andamento.
O acesso ao procedimento de refúgio é universal e independe da prévia demons-
tração dos requisitos contidos no artigo 1º da Lei nº 9.474/97. Configura-se, portanto,
no direito de provocar o CONARE e obter um pronunciamento sobre o caso concreto
posto a sua apreciação. Sobre esse aspecto, Leite (2014) destacou que a lei brasileira
garante o direito de não devolução ao estrangeiro buscador de refúgio, mesmo antes
da instauração do processo destinado ao reconhecimento da situação de refugiado e
independente da regularidade de sua situação migratória e do momento em que in-
gressou no Brasil. O único requisito estabelecido pela legislação para o exercício des-
te direito subjetivo é uma manifestação oral ou escrita sobre sua vontade de solicitar
o reconhecimento como refugiado.
Embora nossa legislação não especifique qual a autoridade competente para
quem o estrangeiro deve apresentar, pessoalmente ou por meio de procurador, a sua
solicitação de refúgio, a Resolução Normativa do CONARE nº 18/2014 definiu ser
esta uma atribuição da Polícia Federal, a quem caberia inclusive proceder a oitiva do
solicitante com o fim de colher informações complementares.13
Já na deflagração do processo de solicitação de refúgio, alguns problemas são
observados que dificultam ou impedem o acesso.
Inicialmente, a Lei nº 9.474/97 previu o desempenho de funções por alguns ato-
res, como os interpretes, que são essenciais para facilitar a comunicação e tradutores
13
RN-CONARE 18/2014, art. 1º “O estrangeiro que se encontre em território nacional e que desejar pedir refúgio ao
Governo brasileiro deverá dirigir-se, pessoalmente ou por meio de seu procurador ou representante legal, a qualquer
Unidade da Polícia Federal, onde receberá e/ou entregará preenchido o Termo de Solicitação de Refúgio.”

João Luis Nogueira Matias


132 Lívia Maria de Sousa
para auxiliar no preenchimento de documentos pelos solicitantes de refúgio.14 Con-
tudo, nem a Polícia Federal nem o CONARE possuem em seus quadros tradutores
com a atribuição de auxiliar na compreensão dos relatos e da necessidade de proteção
buscada pelo estrangeiro, sendo esse fato um grande limitador do processo.
O formulário de solicitação de refúgio está disponível no website do Ministério
da Justiça em apenas quatro idiomas: português, inglês, francês e espanhol,15 contudo
o CONARE tem recebido solicitações de refúgios de pessoas oriundas de mais de 79
nacionalidades, com predominância atual de pessoas que tem como língua materna
o árabe, como nos casos dos sírios, libaneses e palestinos, o que demonstra a dificul-
dade de acesso ao refúgio para essas pessoas, notadamente diante da ausência de um
tradutor.
Destaca-se ainda que o estrangeiro, em geral, não conhece a legislação domés-
tica do Brasil, ao externalizar a situação que o impede de retornar ao seu país em
virtude de perseguição odiosa, deve o agente de imigração fornecer informação sobre
a possibilidade de solicitar refúgio, porém a ausência de intérprete em região de fron-
teira (aeroportos internacionais, portos e divisas) dificultam ou impedem a comuni-
cação do estrangeiro e do agente de imigração, resultado na deportação do indivíduo
para a fronteira do território em que sua vida ou liberdade está ameaçada.
A proteção às pessoas que sofrem perseguição e por isso necessitam do reco-
nhecimento do status de refugiado, o qual reconhece e declara essa realidade, precisa
ser apurada individualmente, não sendo possível a realização de uma análise prima
facie pelos agentes responsáveis por colher as declarações.
Não há dispositivo legal que autorize a Polícia Federal decidir sobre pedidos de
refúgios nem a atuar de forma seletiva nas fronteiras, contudo os agentes de migração
têm-se utilizado do disposto no artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.474/97,16 para impedir o
acesso de indivíduos ao sistema de refúgio.
A excessiva abertura do citado dispositivo, que enseja grande discricionarie-
dade do conceito “perigoso para o Brasil” e diante das graves consequências de sua
aplicação, por negar o próprio acesso ao procedimento, tem sido bastante criticado
por doutrinadores, apontando inclusive sua inconstitucionalidade (LEITE, 2014).
É vago esse dispositivo, já que é difícil uma precisa identificação do que seja um refugiado considerado
perigoso para a segurança do Brasil. Podemos avaliar que se trataria de uma peculiar situação onde uma
pessoa já reconhecida como refugiada por outro país, em decisão polêmica, seja considerada perigosa
ou poderia colocar o Brasil em risco com sua presença ou atuação. Pela peculiaridade da situação, não
é aconselhável que a aplicação dessa exceção ao princípio do non-refoulement seja feita pela polícia fe-
deral na fronteira, nesses casos, o policial deve dar imediato conhecimento da situação ao CONARE, que
deverá decidir, de imediato – ainda que sob referendo de seus membros – quanto à admissão da pessoa

14
“Art. 19. Além das declarações, prestadas se necessário com ajuda de intérprete, deverá o estrangeiro preencher a
solicitação de reconhecimento como refugiado, a qual deverá conter identificação completa, qualificação profissio-
nal, grau de escolaridade do solicitante e membros do seu grupo familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos
que fundamentem o pedido de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes. Art. 20. O registro de declara-
ção e supervisão do preenchimento da solicitação do refúgio devem ser efetuados por funcionários qualificados e em
condições que garantam o sigilo das informações.”
15
Disponível em: <http://www.justica.gov.br/central-de-atendimento/estrangeiros/refugio>. Acesso em: 17 jan.
2016.
16
“Art. 7º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento
como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informa-
ções necessárias quanto ao procedimento cabível. [...] § 2º O benefício previsto neste artigo não poderá ser invocado
por refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil.” (BRASIL, 1997, on line).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 133
no território nacional. Tudo isso com conhecimento pleno do ACNUR, que poderá auxiliar o governo bra-
sileiro nesta avaliação. (LEITE, 2014, p. 145)
Não há qualquer regulamentação sobre o conteúdo deste artigo, o certo é que o
único órgão com poderes para deferir ou indeferir o pedido de refúgio, seja por não
preenchimento dos requisitos legais por ausência do elemento perseguição ou por se
encontrarem presentes causas de exclusão, é o CONARE, razão pela qual qualquer
situação que enseje a inadmissão do processo de refúgio deve ser realizada pelo CO-
NARE.
O Ministério da Justiça somente tem poder de decisão em sede de recurso,
no caso de indeferimento do pedido de refúgio pelo CONARE. De acordo a Lei nº
9.474/97, à Polícia Federal foram atribuídas apenas funções relativas à instrução do
procedimento, não lhe sendo outorgado poder de decisão.
Assiste razão a Carvalho Ramos (2010) quando afirma o solicitante de refúgio
tem um direito de acolhimento para apreciação do seu pedido de refúgio que não
pode sofrer triagens pela Polícia Federal quando atua como encarregada do contro-
le das fronteiras, tal atuação além de representar uma usurpação da competência do
CONARE, pode ensejar responsabilidade do Brasil perante a comunidade internacio-
nal, já que, em situações que a prima facie não se vislumbrariam os requisitos para o
refúgio, poder-se-ia tratar de um caso de fundado temor de o estrangeiro ser alvo de
perseguição odiosa no seu país de origem, sendo vedada sua devolução.
Ao longo de pesquisa realizada especificamente sobre o processo de refúgio,
Leite (2014) apontou diversos casos de exemplos concretos de violação do direito
de acesso ao processo de refúgio, o que demonstra a incompatibilidade das funções
exercidas pela Polícia Federal, relativas ao controle migratório e autoridade respon-
sável pela instauração do procedimento de refúgio, onde sob o argumento de estar
realizando o controle migratório nas nossas fronteiras, extrapola os limites de suas
atribuições e passa a inadmitir o acesso de inúmeros estrangeiros ao sistema de re-
fúgio.
a) a decisão de agentes de fronteira no Acre em negar o acesso ao processo de DSR a dezenas de cida-
dãos haitianos, que foram rejeitados e mantidos em área de fronteiras;
b) a decisão de agentes da PF no aeroporto de Guarulhos em não dar acesso a diversos estrangeiro
inadmitidos no setor de imigração (e por isso retidos no “Conector”) a despeito da manifestação de que
tais pessoas de que não poderiam voltar ou seriam mortas em seus países, aos argumentos de que estas
pessoas não haviam solicitado expressamente o refúgio;
c) a decisão de agentes da PF de Santos e Campinas e Sorocaba em condicionar a instauração de pro-
cessos de DSR à comprovação documental de que os solicitantes tinham residência formal na circuns-
crição daquelas delegacias;
d) a decisão de agentes da PF de São Paulo e Manaus em condicionar a instauração do processo de DSR
por menores de 18 anos à prévia definição judicial de guardião para o menor;
e) a imposição de espera de semanas e meses em diversas cidades (como São Paulo, Rio de Janeiro e
Brasília) para a instauração do processo de DSR; [...].
A consequência de não se dar acesso ao sistema de refúgio, além de representar
violação da Convenção para Refugiados de 1951, também pode significar grave dano
à vida e à liberdade do buscador de proteção.
Tem sido comum a negativa de acesso ao sistema de refúgio para os menores de
18 anos desacompanhados, exigindo-se a formalização da guarda para que o menor
João Luis Nogueira Matias
134 Lívia Maria de Sousa
possa ter acesso ao processo de refúgio, conforme se observa da justificativa apresen-
tadas pelo Departamento da Polícia Federal:
O caso dos menores envolve várias situações: quando está totalmente desacompanhado, quando está
acompanhado de um dos pais. Isso foi objeto de discussão das crianças do Mercosul desacompanhadas.
Num primeiro momento, as pessoas estavam solicitando guarda provisória na justiça, mas a demanda
ficou muito grande espacialmente em São Paulo e a DPU consultou a possibilidade de fazer independente
de guarda. A preocupação da polícia é sobre a possibilidade de sequestro internacional, porque já auto-
rização de um dos pais, se é que tem os dois pais. Estado caso é mais tranquilo do que quando o menor
não está acompanhado de nenhum dos genitores. Algumas vezes eles vêm num grupo de refugiados.
Há notícias até de que viajam com menores porque acham que vão ter um tratamento mais rápido, mas
vieram que não dá muito certo. A outra questão é o do Código Civil: se a pessoa é totalmente incapaz
ela depende dos pais. É um impeditivo legal. Receber o pedido e enviar para o CONARE, é ele que tem
que decidir, mas quem está pedindo por este menor, quem é esse alguém? É mais uma questão de saber
quem pode representá-lo, além daquela outra sobre saber se o pai dele sabe que ele saiu. Tem também
o problema de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos; é até uma segurança para a criança ter uma
guarda, dá trabalho para o Poder Judiciário e para a defensoria, mas estes órgãos existem para isso mes-
mo. Isso é para dar o máximo de segurança para a criança. (Não há pedido antes de ter o representante
legal?) Sim, porque a pessoa não tem capacidade de acordo com a lei brasileira. (LEITE, 2014)
Destarte, a resistência encontrada dar acesso ao processo de refúgio a todo es-
trangeiro que o solicitar mostra-se ilegal já que não prevista na Convenção para Re-
fugiados de 1951, nem na Lei nº 9.474/97, uma vez que a única condição necessária
para o acesso ao processo de refúgio é a externalização de vontade do solicitante.
Causa perplexidade a decisão que impede o acesso ao pedido de refúgio aos menores
desacompanhados, notadamente porque a falta de capacidade jurídica não pode im-
pedir o exercício do direito à proteção.
Como decorrência de guerras e conflitos interno, várias crianças são privadas
do convívio de sua família, razão pela qual muitas atravessam as fronteiras de seus
países desacompanhadas de seus pais ou responsáveis. Segundo dados do ACNUR,
o que causa grave preocupação esta prática brasileira de negar ao menor acesso ao
procedimento de refúgio e representa violação do Estatuto para Refugiados de 1951
e da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989,17 ambos instrumentos interna-
cionais ratificados pelo Brasil.
Após iniciado o procedimento de refúgio, tem-se a fase de instrução com a co-
lheita de informações sobre os casos individuais. A instrução do processo de refúgio
é disciplinada no Capítulo III da Lei nº 9.474/97, em um único artigo, que dispõe que
“autoridade competente procederá a eventuais diligências requeridas pelo CONARE,
devendo averiguar todos os fatos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa
e rápida decisão”.18
17
“Art. 22. 1. Os Estados-partes adotarão medidas pertinentes para assegurar que a criança que tente obter a condição
de refugiada, ou que seja considerada como refugiada de acordo com o direito e os procedimentos internacionais ou
internos aplicáveis, receba, tanto no caso de estar sozinha como acompanhada por seus pais ou por qualquer outra
pessoa, a proteção e assistência humanitária adequada a fim de que possa usufruir dos direitos enunciados na presen-
te Convenção e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos ou de caráter humanitário nos quais os
citados Estados sejam partes [...].”
18
“Capítulo III – da Instrução e do Relatório. Art.23. A autoridade competente procederá a eventuais diligências
requeridas pelo CONARE, devendo averiguar todos os fatos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa e
rápida decisão, respeitando sempre o princípio da confidencialidade. Art.24. Finda a instrução, a autoridade compe-
tente elaborará, de imediato, relatório, que erá enviado ao Secretário do CONARE, para inclusão na pauta da próxi-
ma reunião daquele Colegiado. Art. 25. Os intervenientes nos processos relativos às solicitações de refúgio deverão
guardar segredo profissional quanto às informações a que terão acesso no exercício de suas funções.”

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 135
É durante a instrução que a declaração apresentada pelo solicitante de refúgio
sofre um escrutínio de credibilidade, a partir das informações que se conseguem obter
do país de origem e, especialmente, da coerência encontrada na própria declaração do
solicitante. A prova que se pretende produzir durante a instrução significa a colhei-
ta do maior número de informações disponíveis sobre a alegada perseguição e seus
fundamentos. Explico melhor, tratando-se de prova de fatos que ocorreram além das
fronteiras do Brasil, cuja cooperação internacional com o país na maioria dos casos
não é possível, pois o Estado representa o agente perseguidor, a declaração apresen-
tada pelo buscador de refúgio sofrerá uma avaliação de credibilidade diante de con-
tradições nas informações trazidas ao procedimento pelo interessado ou quando suas
declarações não corresponderem ao que conseguimos conhecer do país de origem.
O agente de elegibilidade deve confrontar as informações acessíveis sobre o país de
origem com as declarações prestadas pelo solicitante de refúgio.
A decisão de reconhecimento da situação de refúgio depende da comprovação
de alguns fatos ou da obtenção de um convencimento em nível de verossimilhança
sobre eles. É justificada a conclusão pelo indeferimento sempre que constatada a pre-
sença de cláusulas de exclusão da situação de refúgio ou quando não forem encontra-
dos elementos sobre a elegibilidade.
Após a instrução, o procedimento de refúgio segue para decisão na Plenária
pelos membros do CONARE, juntamente com a entrevista e parecer elaborado por
advogado de organização da sociedade civil. A função exercida por membros do CO-
NARE é reconhecida como relevante, todavia não há previsão de remuneração para
seus integrantes, e o aumento excessivo do número de solicitações de refúgio não
tem permitido uma análise individualizada dos casos. De fato, o nosso procedimento
de refúgio foi pensado para uma situação em que recebíamos em média cem pedidos
por ano, todavia nos últimos anos houve um elevado aumento nos pedidos de refúgio,
decorrente da crise humanitária vivenciada na atualidade.
Para gestão do grande número de pedidos e como método de aceleração de
julgamento, o CONARE tem-se utilizado de supressão de fases ou do próprio pro-
cedimento, sob fundamento de se tratar de hipóteses manifestadamente fundadas ou
infundadas de refúgio. O primeiro caso foi observado no segundo semestre de 2012,
diante do agravamento dos conflitos na Síria e, por consequência, do aumento do nú-
mero de solicitações, o CONARE suprimiu a fase de entrevista e passou a julgar os
pedidos formulados pelas pessoas de nacionalidade síria tão logo recebesse os docu-
mentos de instauração do pedido de refúgio.
Na hipótese dos Sírios, a concessão de refúgio foi realizada a partir do reconhe-
cimento de grave e generalizada violação de direitos humanos na Síria decorrente de
conflitos, nos termos do inciso III, art. 1º, da Lei nº 9.474/97, já que, em conformida-
de com o espírito da Declaração de Cartagena, o Brasil adotou o conceito ampliado
de refúgio, o que dispensa a realização de entrevista para comprovar o vínculo indivi-
dual de perseguição. A supressão da fase de entrevista teve com intuito garantir uma
proteção célere para os nacionais da Síria.
De outro lado, a supressão de fases do procedimento de refúgio, diante da in-
capacidade do CONARE de analisar todos os pedidos de refúgio, acabou resultando
na negativa de proteção. Isso ocorreu em relação aos solicitantes de refúgio prove-
nientes de países com baixa elegibilidade e sempre que tivessem recebido um pare-
João Luis Nogueira Matias
136 Lívia Maria de Sousa
cer contrário ao deferimento do pedido apresentado por advogado de organização
da sociedade civil, conforme resultado apresentado na pesquisa realizada por Leite
(2014, p. 458):
Segundo, o que foi informado pelos funcionários do CONARE entrevistados ao longo da pesquisa, esta
hipótese foi bastante utilizada da gestão da atual Coordenação-Geral do CONARE, como método de
aceleração dos julgamentos, já que havia um grande passivo de processos aguardando julgamento. A
dispensa da entrevista pelos agentes o CONARE em casos de opinião negativa originária de organização
da sociedade civil, entretanto, seguia sendo utilizada até fins de 2014, quando se encerrou a pesquisa. A
decisão sobre a dispensa da entrevista, nesses casos, é tomada pela Coordenação do CONARE
A baixa taxa de elegibilidade e a existência de parecer negativo de advogado de organização da socie-
dade civil também teria sido um dos critérios para elaboração da lista dos 4482 processos encaminhados
ao CNIG, ao final do ano de 2013.
Em relação aos haitianos, verificou-se não apenas a supressão de fases, mas do
próprio procedimento de refúgio, já que, uma vez instaurado, seguia, de imediato, ao
CNIG:
Uma vez cadastrados os dados do solicitante haitiano e recebidas as informações da PF sobre a inexis-
tência de “óbices” criminais, os dados do processo (e não os autos, fisicamente) são enviados ao CNIG,
em grupos de cerca de duas centenas de casos. Em cumprimento da prévia concordância estabelecida
sobre a matéria, em análise própria, o CNIg pronuncia-se pela concessão de autorização de residência
permanente, fundada em razões humanitárias, e determina a publicação daquele grupo de nomes no Diá-
rio Oficial da União. Com isso, o Ministério da Justiça recebe a autorização para conceder definitivamente
a autorização àquele grupo de pessoas, e providencia a publicação da concessão propriamente dita, tam-
bém no DOU. A partir de então, as pessoas que tenham tido seus nomes publicados têm o prazo de 90
dias, “sob pena de caducidade”, para providenciar o seu registro junto à Polícia Federal (Lei 7189/1983,
art.7º). Quando a pessoa não tenha conhecido a publicação a tempo de providenciar a apresentação dos
documentos para registro no prazo de 90 (noventa) dias, a Portaria n.03/2009, da Secretaria Nacional de
Justiça autoriza que faça mais uma única vez um pedido de republicação da decisão dentro de 90 (noven-
ta) dias, contados do encerramento do prazo anterior, Neste caso, terá novamente 90 (noventa) dias a
partir da nova publicação para apresentar o pedido de registro devidamente instruído com os documentos
necessários, que são: passaporte original e cópia autenticada das folhas utilizadas, a cópia da publicação
da autorização de residência feita pelo Ministério da Justiça, fotografia 3X4, bem como certidão de ins-
trução consular ou certidão de nascimento autenticada pela representação consular do Brasil no país de
origem e traduzida por tradutor juramentado. (LEITE, 2014, p. 306)
Assim, os pedidos de solicitantes de refúgios de pessoas provenientes do Haiti
não chegam nem mesmo a instrução. A Resolução Normativa nº 13/2007 o CONA-
RE, sem fundamento legal, firmou entendimento que, em razão de catástrofe ambien-
tal que trouxe graves problemas econômicos para o país, não caracterizam nenhuma
das causas de elegibilidade para o refúgio, de modo que apenas será concedido ao
mesmo visto humanitário.
Ocorre que, além dos problemas ambientais e da grave crise econômica viven-
ciada pelos haitianos, agravada com o terremoto em 2010, o Haiti é um país com
histórico de conflitos internos e instabilidade política. Dessa forma, ainda que seja
evidenciada a baixa elegibilidade de pessoas de uma determinada nacionalidade, o
nosso ordenamento jurídico não autoriza generalizações que resultem no indeferi-
mento do pedido de refúgio, sem que seja dado o acesso ao procedimento, oportuni-
dade para o buscador de proteção expor sua versão que deve ser confrontada com o
que temos de conhecimento sobre o país.
O tratamento dado à situação dos haitianos pelo CONARE representa grave vio-
lação ao compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ratificar a Convenção
para Refugiados de 1951 por retirar a salva guarda de proteção a todos os nacionais do
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 137
Haiti, sem lhes dar a oportunidade de ver processado e julgado seu pedido. O status de
residente permanente, concedido aos haitianos por meio de visto humanitário, não tem
a salva guarda de proteção, na qual é reconhecido o direito de jamais ser deportado ou
expulso para seu país de origem por ser considerado vítima de perseguição. Ainda não
terão acesso às políticas públicas específicas para refugiados no Brasil.
Por fim, registro que a concessão de permanência definitiva aos reconhecidos
como refugiados não acarreta perda ou cessação desta condição, já que as hipóteses
de perda e cessação da situação de refúgio são previstas taxativamente na Lei nº
9.474/97 e é de atribuição do CONARE a realização do respectivo conhecimento.19
Para garantia de acesso ao sistema de refúgio e um julgamento com base em
critérios eminentemente técnicos, é importante garantir a possibilidade de acesso ao
Poder Judiciário e instrumentos processuais que possam corrigir de plano a ameaça
ou violação ao direito de refúgio, como se extrai da decisão abaixo:
Processo civil – agravo de instrumento – pedido de refúgio negado- concessão dos efeitos da antecipa-
ção da tutela – saída do país – ato suspenso. 1- A agravante negou pedido realizado pelo agravado de
permanência no país face ao perigo de vida que corre em seu país de origem (Congo) tendo em vista
perseguição política. 2 – O juízo a quo concedeu os efeitos da antecipação da tutela para suspender o ato
que determinou a saída do agravado do país. 3 – O solicitante que teve negado o reconhecimento da sua
condição de refugiado estará sujeito à legislação de estrangeiro. No entanto, ele não será transferido para
seu país de nacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanecerem as circunstâncias que põe
em risco sua vida, integridade física e liberdade (artigo 32). 4 – Discute-se matéria atinente à integridade
física e o perigo de vida do agravado, bens jurídicos tutelados pelo nosso ordenamento jurídico, decor-
rentes do princípio da dignidade da pessoa humana, portanto prudente e razoável a concessão da tutela
antecipada pelo juízo de 1º grau até que se possa exercer uma cognição exauriente sobre os fatos que
compõe os autos. 5- Agravo de instrumento improvido. (TRF-2 – AG 176314 RJ 2009.02.01.007065-4,
Relator: Des. Federal Frederico Gueiros, j. 20/07/2009, Sexta Turma Especializada, DJU 31/07/2009)
Nada mais lógico para dar efetividade ao sistema.
A previsão legislativa de padrão para a concessão e, mais do que isso, das cláu-
sulas de exclusão da condição de refugiado, permite a verificação pelo Poder Judi-
ciário da sua ocorrência no caso concreto, o que contribui para a maior amplitude e
efetividade da proteção.
De uma forma geral, pode-se perceber que o processo de reconhecimento do
status de refugiado, em tese, privilegia a proteção dos que dele necessitam, sendo
expressão do princípio do in dubio pro refugio, contudo, a prática tem sido diferente,
não raro surgindo elementos que dificultam a efetiva proteção aos refugiados.

Conclusão

Por conclusão, aponta-se:


1. A permanência dos institutos do refúgio e do asilo atende a peculiaridades da
realidade brasileira. O asilo político é mais flexível, sendo concedido de forma assis-
temática e não fundamentada, diante da ausência de regulação. O refúgio é pautado
por regras bem definidas, sendo a sua aplicação auxiliada por órgãos especializados
que, de forma técnica, reconhecem a situação de perseguição política;
2. O processo de reconhecimento da situação de refúgio, em tese, tende a prote-
ger os necessitados, em sintonia com o princípio do in dubio pro refugio;
19
Ver Resolução Normativa nº 10 CONARE, de setembro/2013.

João Luis Nogueira Matias


138 Lívia Maria de Sousa
3. A prática do processo de reconhecimento da situação de refúgio acarreta di-
ficuldades, algumas anteriores ao próprio procedimento, como a triagem realizada
pela Polícia Federal nas fronteiras ou a dificuldade de acesso a informações pelos
interessados;
4. Também ao longo do procedimento há dificuldades que levam à supressão
de fases ou do próprio procedimento, em flagrante afastamento do princípio in dubio
pro refugio;
5. O procedimento de refúgio no Brasil foi pensado para uma situação em que
eram recebidos, em média, cem pedidos por ano; todavia, nos últimos anos, houve
um elevado aumento nos pedidos de refúgio, decorrente da crise humanitária viven-
ciada na atualidade, o que tem acarretado situações em que a proteção aos refugiados
é relegada a segundo plano.

Referências
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condição de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugia-
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2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_refugiado.pdf>. Acesso em: 12 jan.
2017.
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——. Decreto nº 98.602, de 19 de dezembro de 1989. Dá nova redação ao Decreto nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961
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——. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e
determina outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 jul. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
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——. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. AG 176314 RJ 2009.02.01.007065-4, Relator: Des. Federal Frederico Guei-
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CARVALHO RAMOS, Andre de Carvalho. Asilo e refúgio: semelhanças, diferenças e perspectivas. In: CARVALHO RAMOS,
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A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 139
—9—

Los Tratados de Derechos Humanos para el Derecho


interno colombiano. Poder normativo transformador 1

MAGDALENA CORREA HENAO2

DANIEL RIVAS RAMÍREZ3

Sumario: 1. Régimen constitucional de la aprobación formal de los Tratados de Derechos Humanos


en Colombia; 1.1. Función presidencial; 1.2. Función del legislador; 1.3. La función de control del
Juez constitucional; 1.4. La adopción de los tratados de derechos humanos en el Derecho colombiano
como proceso formal y complejo; 2. La afectación material de los tratados de derechos humanos al
Derecho interno; 2.1. El bloque de constitucionalidad como un catalizador del cambio; 2.1.1. Integra-
ción de “nuevos” derechos al ordenamiento jurídico nacional; 2.1.2. Interpretación amplia de derechos
reconocidos en la Constitución; 2.2. Delimitación del amplio poder de configuración legislativa; 2.2.1.
Institucionalidad y legislación para – proteger – a la mujer; 2.2.2. El derecho a la consulta previa como
requisito procedimental para el legislativo; 3. Desafíos y tareas pendientes para la integración plena de
los Tratados de Derechos Humanos en el Derecho y la vida del Estado; Referencias.

Hace muchos años que el derecho internacional se asoma en el sistema de fuen-


tes del Derecho de los Estados. También del colombiano.4 Sin embargo, en los últimos
25, su significado para el Derecho interno, y para el ejercicio de las competencias de
las autoridades y de las libertades y derechos de los particulares, se ha incrementado
poderosamente, por la fuerza normativa de sus “mandatos” con capacidad transfor-
1
Los autores agradecen el trabajo de documentación preparado por David Felipe Solano López, Monitor del Depar-
tamento de Derecho Constitucional de la Universidad Externado de Colombia.
2
Abogada egresada de la Universidad Externado de Colombia. Doctora en Derecho Constitucional, Universidad Car-
los III de Madrid. Especialista en Derecho Administrativo. Master en Administración y Gestión Pública, Universidad
de Amberes, Bélgica. Investigadora registrada en Colciencias y en el Instituto de Estudios Constitucionales Carlos
Restrepo Piedrahita. Ex magistrada auxiliar de la Corte Constitucional de Colombia, profesora del Departamento de
Derecho Constitucional de la Universidad Externado de Colombia. Se desempeña como Directora del Departamento
de Derecho Constitucional de la Universidad Externado de Colombia desde el año 2014.
3
Investigador del Departamento de Derecho Constitucional, en el área del Derecho internacional..
4
Con relación a la histórica incidencia que ha tenido el derecho internacional (y sus primeros vestigios) en el orde-
namiento jurídico colombiano, se puede consultar: OTERO SUÁREZ, Iván Daniel. La aplicación del Derecho de
gentes en la Constitución de 1863. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2014; o BARBOSA DELGADO,
Francisco. Del derecho de gentes al derecho humanitario en Colombia, 1821-1995: debate sobre una idea constitu-
cional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2013.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 141
madora del orden jurídico y desde allí del orden social y económico del Estado. Den-
tro de sus fuentes, se habla del derecho de los tratados y del Derecho internacional de
Derechos Humanos y del Derecho de los tratados y del Derecho internacional econó-
mico (libre comercio e inversiones).
Este documento se concentra en los tratados de derechos humanos y en su afec-
tación al Derecho colombiano.5 Una valoración que se concreta a través de dos pro-
cesos, uno formal y otro material.
Así, en la primera parte se expondrá el procedimiento constitucional interno
que antecede al surgimiento de la obligación internacional bajo un sistema de pode-
res-controles atribuidos a los tres poderes públicos clásicos para la aprobación de los
tratados suscritos.
En la segunda parte se presentarán ejemplos para ilustrar la incidencia que en
particular los tratados de derechos humanos poseen sobre el sistema de fuentes o so-
bre el ámbito normativo de las competencias de las autoridades del Estado, bajo la
figura constitucional del bloque de constitucionalidad (art. 93, C.P.) y la revisión de
la agenda legislativa de los últimos años. (PRADA, 2013)
En otras palabras, se refiere a los resultados surgidos a partir de la adopción de
esas normas internacionales y por tanto, a lo que verdaderamente interesa a los Esta-
dos al ratificar los tratados, sus efectos materiales.
Este breve análisis concluye, en fin, con la enunciación de los desafíos que la in-
tegración plena (eficacia) del Derecho Internacional de los Derechos Humanos plan-
tea para el Estado colombiano, con referencia especial, a su capacidad de competir y
prevalecer frente a la fuerza vinculante de los tratados del Derecho internacional eco-
nómico no estudiados, dadas las obligaciones que este impone y que disminuyen la
autonomía del poder público para definir políticas y disponer de recursos públicos.

1. Régimen constitucional de la aprobación formal de los


Tratados de Derechos Humanos en Colombia

La Constitución colombiana vigente previó un régimen de aprobación de los


tratados internacionales de Derecho público, que con una sola excepción, consagra el
mismo procedimiento para todos ellos, sin distinguir en el contenido de los mismos.
Así, la firma, y ratificación de los tratados de Derechos Humanos surten formalmente
el mismo trámite y los mismos controles internos, que operan para cualquier otro tipo
de tratados. La excepción, el trámite prioritario que se debe dar a los proyectos de ley
que buscan incorporar tratados de Derechos Humanos.6
5
Si bien es cierto que la doctrina mayoritaria nacional habla de un proceso de incorporación de las normas del Dere-
cho internacional al Derecho interno, las ideas que se plasman a continuación parten del sentido opuesto. El Derecho
internacional – y en particular el DIDH – no requiere de ningún proceso de incorporación o de un acto de transfor-
mación para que tenga efectos jurídicos dentro del ordenamiento nacional, por el contrario, el Derecho internacional
surte efectos inmediatos a nivel nacional, desde el momento de la ratificación de los tratados internacionales, es decir,
desde que surge a la vida la obligación internacional. Con relación a esta posición minoritaria – en Latinoamérica – se
puede consultar el trabajo de ACOSTA ALVARADO, Paola Andrea. Zombis vs. Frankenstein: “Sobre las relaciones
entre el Derecho Internacional y el Derecho Interno” Estudios Constitucionales, Año 14, N. 1, 2016, pp. 15-60.
6
Esta característica del proceso de aprobación formal de los tratados de Derechos Humanos se encuentra reconocida
en el artículo 164 de la Constitución política, sin embargo, sobre esto se volverá más adelante (Infra 1.2). En cual-
quier caso, conviene señalar en este momento que dentro del régimen sobre la incorporación de tratados internaciona-
les en general, se encuentran dos excepciones que permiten omitir el procedimiento legislativo requerido. En primer

Magdalena Correa Henao


142 Daniel Rivas Ramírez
Dicho procedimiento comúnmente reconocido bajo la noción de “incorpora-
ción” de los tratados públicos en el Derecho interno, no es tan importante en cuanto
a presupuesto para determinar el lugar que ocupará dentro del orden jurídico del Es-
tado, la naturaleza jurídica de sus normas y el lugar que ocupan dentro del sistema
normativo (Acosta Alvarado, 2016), sino como forma de asegurar que la obligación
internacional por contraer es constitucionalmente admisible, por conveniente, equi-
tativa y oportuna, o por representar los valores, principios y normas que sustentan la
Constitución.
Así, pasan a analizarse las funciones del Presidente a la hora de la negociación,
firma y ratificación, del poder legislativo al discutir la la aprobación o no del tratado
y finalmente, de la Corte Constitucional al hacer el control automático de constitu-
cionalidad.
1.1. Función presidencial
Corresponde al Jefe de Estado dirigir las relaciones internacionales, dentro de lo
cual se encuentra la negociación y firma de los tratados, además de su ratificación una
vez adelantado el procedimiento interno de aprobación (arts. 224, 189, núm. 2, C.P.).
Estas competencias se han entendido como de carácter político, arropadas de
con un grado elevado de discrecionalidad (Sentencias C-269 del 2014 y C-184 del
2016 de la Corte Constitucional), de modo que son las valoraciones del Gobierno so-
bre la conveniencia y oportunidad de la suscripción y ratificación de los mismos, en
cuanto estén dentro del marco trazado por la Constitución y se ajusten a los intereses
y objetivos trazados por el proyecto político o a las exigencias y oportunidades que le
imponga u ofrezca el entorno internacional.
Esta discrecionalidad política no se reduce desde el punto de vista formal cuan-
do se trata de la suscripción y ratificación de tratados de derechos humanos. Sin em-
bargo, desde el valor interpretativo del principio del Estado social de derecho fundado
en la dignidad humana (art. 1º, C.P.), es admisible entender que el Jefe de Estado se
encuentra sujeto a condicionamientos teleológicos que reducen su poder para definir
la visión propia de su gobierno al momento de trabar relaciones internacionales por
vía de tratados públicos. Ello en cuanto los tratados de derechos humanos contienen
de suyo, compromisos multilaterales de los Estados del mundo o de la región que
buscan afianzar lo que las democracias constitucionales en términos de pluralidad
y respeto al otro, participación, trasparencia Estado de derecho y cumplimiento de
libertades, derechos y deberes.7

lugar, se encuentran los casos de los tratados comerciales que pueden ser aplicados provisionalmente aún cuando no
se haya surtido el procedimiento legislativo de aprobación. (Art. 224 de la Constitución nacional). Adicionalmente
encontramos que en los casos de acuerdos os tratados simplificados que versen sobre otro tratado previamente apro-
bado – e incorporado –, siempre que no generen nuevas obligaciones, podrán entenderse incorporados de manera
automática. (Sentencia C-303 del 2001).
7
Sobre la reducción de la discrecionalidad del Gobierno y la administración, vid. de BACA, Víctor. Los actos de
gobierno: un estudio sobre su naturaleza y régimen jurídico aplicado en el caso peruano. Piura: Universidad de Piura,
2003; LEÓN MANCO, Hugo Andrés. Discresionalidad y buena administración: prouesta de una regulación a paritr
de los principios de la buena administración. En: XX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado
y de la Administración Pública, Lima, Perú, 10-13 nov., 2015; o ALONSO REGUEIRA, Enrique. Los límites consti-
tucionales y convencionales de la discrsionalidad administrativa y de su control (A propósito de los casos “Rodríguez
Pereyra” y “Asociación de magistrados y funcionarios”). En: TOBÍAS ACUÑA, Edgardo et al. Estudios de Derecho
Público. Buenos Aires: Asociación de Docentes – Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de la Universidad de
Buenos Aires, 2013.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 143
Con todo, esta apreciación debe matizarse a la luz de los principios del Derecho
internacional aplicables en el Derecho interno reconocidos como parte de los funda-
mentos de las relaciones exteriores del Estado (art. 9º, C.P.). Pues más allá del valor
y la aceptación generalizada que per se poseen los tratados de de derechos humanos,
al imponer obligaciones ciertas ante la comunidad internacional, su creación debe
estar soportada en el compromiso del Gobierno por propiciar las actuaciones internas
necesarias para hacer posible su ratificación pero ante todo, por desarrollar de manera
seria, coherente y persistente, las actuaciones que den cumplimiento de buena fe8 del
tratado.
Este último aspecto es especialmente relevante en cuanto no tiene sentido, no
mejora las relaciones internacionales ni la imagen del Estado en el escenario mundial,
ni robustece la legitimidad de las autoridades públicas el suscribir tratados que no se
pueden cumplir, por ser inconvenientes para las políticas gubernamentales o por no
existir condiciones fácticas que lo hagan posible.
Por ello, tiene sentido estimar como constitucionalmente admisible, que el ejer-
cicio de la función presidencial de firma o posterior ratificación de un tratado de dere-
chos humanos, constituye al mismo tiempo un poder, una competencia dirigida y un
mecanismo de control, por el cual se determina asumir obligaciones internacionales
que sean compatibles con la Constitución, la interpretación de los intereses generales
por parte del Gobierno y con la capacidad efectiva del Estado.

1.2. Función del legislador


Una vez suscrito, el tratado debe ser presentado mediante proyecto de ley para
los efectos de su aprobación por el Congreso de la República, autoridad democrático
representativa que cumple en el Derecho colombiano las funciones exclusivas de Le-
gislador, así como de constituyente derivado y de órgano de control político sobre el
Gobierno y demás autoridades nacionales (arts. 114 y 238, C.P.).
Esta función empero se encuentra limitada desde diversos ámbitos. El primero,
por la naturaleza multilateral que poseen los tratados de derechos humanos, donde es
común – además de necesario – que se establezca la imposibilidad por parte de los
Estados de formular reservas. El segundo la previsión ya señalada de que el proyec-
to de ley que lo contiene deberá, una vez presentado, tener un trámite prioritario, lo
que significa que su discusión y votación primará en el orden del día de la actividad
parlamentaria (arts. 192 y 216 de la Ley 5 de 1992, Reglamento del Congreso). El
tercero, porque como ocurre para todo tipo de tratados, el ámbito de actuación de su
poder deliberativo y normativo del Legislador se reduce a aprobarlo o desaprobarlo
(art. 150, núm. 16, C.P).
Tal restricción común en el Derecho constitucional comparado y consistente
con el carácter bilateral o multilateral de los tratados, producto de las concesiones,
acuerdos y compromisos mutuos asumidos por distintos Estados, ha dado lugar a
estimar la función del legislador como meramente refrendataria. (TREMOLADA,
8
El principio de la bona fines del Derecho internacional configura en efecto obligaciones incluso antecedentes al
ratificación y entrada en vigor de los tratados en términos de n no atentar contra el tratado o eventual tratado y los
acuerdos llegados en el escenario de negociación. Al respecto consultar KOTZUR, Markus. Good faith (bona fide).
En: Max Planck Encyclopedia of Public International Law. Oxford Public Internaternational Law, January 2009.

Magdalena Correa Henao


144 Daniel Rivas Ramírez
2017).9 Una función que simboliza la inclusión del principio democrático dentro del
proceso de aprobación, pero que no le permite ni le debe permitir introducir modifi-
caciones, así sean estas producto de una correcta valoración política o económica o
de inconveniencia.
Es cierto empero que dentro de la estrechez que la competencia del legislador
posee, está facultado constitucionalmente para no aprobar el tratado y lo está legal-
mente para formular reservas. Con todo, además de que por la preeminencia del poder
presidencial esta última opción no suele considerarse dentro de la práctica política del
Congreso de la República, tampoco resulta, de nuevo en el plano material, razonable
con el papel que se espera de los parlamentos de cara al Derecho Internacional de los
Derechos Humanos por la Constitución, en términos de servir de foro de legitimación
de sus mandatos normativos. Aun así, por las mismas razones aducidas frente a la
función del Gobierno, la participación del Legislador debería considerarse como po-
der pero a la vez como control que garantice una deliberación en la que se reconozca
el significado del tratado para el ejercicio de la política, para la Administración, las
finanzas públicas, el poder de intervención del Estado en la economía. A efectos de
que con tal reconocimiento se controle políticamente si no el valor axiológico del tra-
tado que por la materia de que se ocupa está fuera de discusión, sino su oportunidad
o no o al menos el sentido específico de lo que representa como refuerzo jurídico y
para la concreción de los derechos constitucionalmente protegidos.

1.3. La función de control del Juez constitucional


Un ingrediente especialmente valioso del proceso de adopción interna de trata-
dos públicos en el Derecho constitucional colombiano se encuentra en la función de
control de constitucionalidad automático, previo e integral que corresponde efectuar
a la Corte constitucional,10 una vez el tratado ha sido aprobado por ley del Congreso
(art. 241, núm. 10, C.P.).
De lo que se trata es de asegurar que los tratados firmados y aprobados y las
obligaciones que para el Estado comportan, sean compatibles con la Constitución.
Tanto por haber cumplido todos los requisitos formales y procedimentales dispuestos
para el ejercicio de las competencias del Presidente de la República y del Congreso,
como porque sus contenidos resulten consistentes con sus disposiciones, sean estas
principios, derechos, libertades, deberes, o reglas de competencia o de fijación de
instituciones y garantías.
Aun así, sin diferenciar en los contenidos de los tratados, la jurisprudencia cons-
titucional ha trazado a lo largo de sus años de existencia, un sólido precedente según
el cual, en términos generales, el control que ejerce como juez es de carácter jurídi-
9
Respecto a ese carácter limitado de la función del legislador, puede consultarse el trabajo de TREMOLADA ÁL-
VAREZ, Eric. Internacionalización del Derecho constitucional y los procesos de integración: Una visión desde el ius
internacionalismo. En: CORREA HENAO, Magdalena, OSUNA PATIÑO, Néstor y RAMÍREZ CLEVES, Gonzalo
(Eds). Lecciones de Derecho Constitucional Tomo II. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2017; GONZA-
LEZ, Diego Alejandro. Límites del Congreso de Colombia en la aprobación de tratados internacionales; o CAVE-
LIER, Gemán. El régimen jurídico de los Tratados Internacionales en Colombia. Bogotá: Editorial Kelly, 1985.
10
Así se ha descrito por la Corte Constitucional a partir de dispuesto por la Constitución (art. y en desarrollo suyo
por la Ley Estatutaria de la Administración de Justicia (art. 48 de la Ley Estatutaria 270 de 1996). Al respecto, con-
sultar sentencias de la Corte Constitucional, C-578 del 2002, C-027 del 2011, C-199 del 2012 y C-163 del 2015,
entre otras..

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 145
co, interesado tan sólo en la validez de sus normas frente a la Constitución.11 Esta
interpretación perfectamente compatible con la función del juez constitucional, se
completa empero con la aplicación de un self-restraint propio de estos tribunales,12
por cuya virtud (o defecto) se auto impone un control de constitucional generalmente
“leve”, de modo que la inconstitucionalidad del tratado sólo la declarará cuando sus
contenidos resulten injustificados, claramente arbitrarios e irrazonables o cuando re-
presenten una violación de derechos fundamentales.13
Esta doctrina constitucional llevada al terreno del control sobre las leyes aproba-
torias de tratados de derechos humanos permite inferir que el papel de la Corte no pue-
de ser otro que el de respaldar su constitucionalidad, pues las normas que introduce en
el Derecho interno no sólo resultan compatibles con la Constitución, sino que además
pueden convertirse en parte de ella o de los desarrollos normativos que reclama el Esta-
do social de Derecho (art. 1º, C.P.) y la finalidad del Estado de garantizar la realización
efectiva de los derechos y libertades de todas las personas (art. 2º, C.P.).14
Es decir que en esta materia, lo que vendría a aplicarse, es un juicio ya no leve
sino ligero o levíssimo,15 pues su justificación y falta de arbitrariedad se dan por des-
contadas, en cuanto como tratados de derechos humanos para lo que sirven es para
concretar posiciones jurídicas de libertad, de derecho, de garantía que ya se encuen-
tran prima facie previstas en la Constitución.16
Paradójicamente, aunque la función de control constitucional no se encuentra
formalmente limitada, es frente a la que cumplen los demás poderes públicos la más
limitada, pues en su caso el razonamiento analítico no puede superar la subsunción,
pues otras razones de inconveniencia, carácter irrealizable o excesivamente costoso
para el Estado, o la inoportunidad que represente en términos de coyuntura económi-
ca, se encuentran, se deben encontrar, totalmente excluidas de su esfera decisoria.
11
Al respecto se pueden ver las sentencias C-231 de 1997, C-400 de 1997, C-256 de 1998, C-582 de 1998, C-124 del
2004 y C-269 del 2014 entre otras. A su vez, sobre este respecto pueden consultarse los trabajos de CORREA HE-
NAO, Magdalena. El orden económico constituional y ACOSTA ALVARADO, Paola Andrea. Relaciones entre el
Derecho Internacional y el Derecho interno en el escenario Colombiano. Ambos en: CORREA HENAO, Magdalena,
OSUNA PATIÑO, Néstor y RAMÍREZ CLEVES, Gonzalo. Lecciones de Derecho Constitucional Tomo II. Bogotá:
Universidad Externad de Colombia, 2017.
12
Sobre la natualeza self-restraint de este tipo de tribunales se puede consultar la Aclaración de Voto del magistrado
Luis Guillermo Guerrero Pérez a la sentencia C-261 del 2016. También puede consultarse al clásico de la doctrina,
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La posición jurídica del Tribunal Constitucional en el sistema Español: Posibi-
lidades y perspectivas. En: Revista Española de Derecho Constitucional, Vol. 1, Núm 1, 1981. 35 – 181
13
Sobre este particular se pueden revisar las sentencias C-616 del 2001, C-578 del 2002, C-228 del 2010 entre otras.
Igualmente, se puede consultar sobre este particular, nuevamente los trabajos de Op. cít. CORREA HENAO y Op.
cit. ACOSTA ALVARADO
14
Tal es el caso de lo ocurrido con el derecho a la educación en donde la Corte, en sentencia C-376 del 2010 declaró
una constitucionalidad condicionada el artículo 83 de la Ley 115 de 1994 con fundamento en el Pacto Internacional
de Derechos Económicos, Sociales y Culturales.
15
Esto contrasta con la observación de la doctrina según la cual la intensidad del control de constitucional de los tra-
tados debería en cambio variar según la materia y los intereses que están en juego. Así, para RAMELLI los tratados
que tienen que ver con los derechos humanos, el régimen de propiedad y la inversión extranjera, deberían someterse
a un examen más estricto. Ver: RAMELLI ARTEAGA, Alejandro. El control de constitucionalidad de los tratados
internacionales en Colombia. Revista Derecho del Estado, No. 20 , diciembre 2007. 20 – 31; vid también GARCÍA
DE CARVAJALINO, Yolanda. Control de constitucionalidad de los tratados internacionales y sus leyes aprobatorias
en Colombia. Revista de Derecho, Universidad del Norte, No. 7, 1997, 102 – 106
16
Sobre este punto, sirven como ejemplo la sentencia C-251 de 1997 por la que se declaró la exequibilidad del Pro-
tocolo de San Salvador, o la sentencia C- 620 del 2011 por la que se hizo lo propio con la Convención Internacional
para la Protección de todas las personas conta las desapariciones forzadas.

Magdalena Correa Henao


146 Daniel Rivas Ramírez
1.4. La adopción de los tratados de derechos humanos en el
Derecho colombiano como proceso formal y complejo
El diseño constitucional previsto para la aprobación de tratados de derechos hu-
manos en el Derecho interno, le otorga a la decisión del Estado como proceso interno
una legitimidad completa, tanto en términos democrático-representativos frente a su
firma y aprobación, como por la legitimidad constitucional que la declaratoria de
exequibilidad le otorga.
Una vez surtidas y validadas las etapas de tal procedimiento, la ratificación que
corresponde al Presidente de la República no hace otra cosa que confirmar la volun-
tad estatal manifiesta al momento de suscribir el tratado de derechos humanos y de
activar la fuerza vinculante de las obligaciones que comporta.

2. La afectación material de los tratados de


derechos humanos al Derecho interno
Ahora bien, más allá del cumplimiento del proceso por el cual se concluye con
el acto creador de las obligaciones internacionales contempladas en los tratados de
derechos humanos ratificados por Colombia, la afectación material que produce en
el orden jurídico interno debe analizarse además, a la luz de las transformaciones que
sus contenidos pueden significar en el sistema de fuentes y en el ejercicio de las com-
petencias atribuidas a los poderes públicos.
Un resultado que es producto sólo para este tipo de tratados,17 por virtud de la
figura del “bloque de constitucionalidad” y del significado que esta noción comporta
sobre el quehacer de los operadores jurídicos.

2.1. El bloque de constitucionalidad como un catalizador del cambio


La Constitución colombiana desde su versión original de 1991 (art. 93, incisos
1º y 2º, C.P)18 previó que los tratados de derechos humanos ratificados por Colombia,
configuran lo que la doctrina19 y la jurisprudencia20 han llamado el bloque de consti-
tucionalidad.
Así se habla, por una parte, del bloque stricto sensu constituido por los tratados
que “reconocen los derechos humanos y que prohíben su limitación en los estados de
excepción”, los cuales “prevalecen en el orden interno” (art. 93, inc 1º, CP). De acuer-
17
En sentido estricto, de las normas de derechos humanos contenidas en los tratados públicos, según se precisó en la
sentencia C-988 del 2004. En ella se incluyeron dentro del bloque por su naturaleza iusfundamental los derechos de
autor y derechos conexos con relación a una decisión adoptada por la Comunidad Andina.
18
El art. 93 fue posteriormente adicionado con dos incisos introducidos por el artículo 1 del Acto Legislativo N. 2 de
2001, con los cuales se autorizó al Estado a reconocer “la jurisdicción de la Corte Penal Internacional en los términos
previstos en el Estatuto de Roma” y por tanto a ratificar el tratado respectivo, aunque con restricción de sus malas ga-
rantías contenidas en la Constitución tendrá efectos exclusivamente dentro del ámbito de la materia regulada en él.
19
El origen de la figura se remonta al Derecho francés, en donde se reconoció por primera vez a través de la sen-
tencia del Consejo Constitucional del 16 de julio de 1971. En aquella ocasión se le otorgó valor constitucional a las
normas y principios que se encontraban contenidas en la Declaración de Derechos del Hombre y del Ciudadano, con
fundamento en el preámbulo del texto constitucional. A partir de ese momento, la doctrina del bloque ha ido evo-
lucionando, en particular, con las improntas de los diferentes regímenes constitucionales. Al respecto se puede ver
GUTIÉRREZ BELTRÁN, Andrés Mauricio. El bloque de constitucionalidad: conceptos y fundamentos. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2007
20
Sobre la figura del bloque de constitucionalidad se pueden revisar las sentencias C-067/2003 M.P. Marco Gerardo
Monroy Cabra y C-582/1999 M.P. Alejandro Martínez Caballero

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 147
do con la jurisprudencia constitucional, representa la unidad normativa compuesta de
normas y principios externos a la Carta fundamental, pero que están al mismo nivel
que ella.21 En consecuencia, su reconocimiento no solo permite la el refuerzo de los
contenidos de ciertos derechos, sino además el convertirse en un parámetro adicional
de constitucionalidad de las leyes.22
Por otra, se hace referencia al bloque de constitucionalidad lato sensu integrado
entre otras23 por los demás “tratados internacionales sobre derechos humanos también
ratificados, los cuales constituyen pauta de interpretación de los derechos constitu-
cionales (art. 93, inc 2º, C.P.).
Esta distinción constitucional no ha sido óbice para que la Corte constitucional
haya ido ampliando el alcance de la figura,24 para así incluir como parte del bloque de
constitucionalidad en sentido estricto otros tratados de derechos humanos que pueden
ser limitados durante los estados de excepción y como pauta de interpretación de los de-
rechos constitucionales no sólo los tratados ratificados por Colombia, sino otras fuentes
del Derecho internacional de los Derechos Humanos25 (GUTIÉRREZ, 2007).
De tal suerte, desde la noción de bloque de constitucionalidad, la Constitución
otorga a los tratados de derechos humanos vinculantes para el Estado colombiano, una
posición específica dentro del sistema de fuentes y un valor normativo directo, como
dispositivos amplificadores del impacto que representan para la vida integral del Es-
tado, su población y sus instituciones. Efectos que se manifiestan en i) la ampliación
del catálogo de derechos que se entienden protegidos aún sin hallarse explícitamente
dispuestos por la Constitución, y ii) la maximización de las libertades, igualdades, de-
rechos a algo y garantías atribuidas a la persona humana previstos por ella.26

2.1.1. Integración de “nuevos” derechos al


ordenamiento jurídico nacional
Como ejemplo de la expansión del sistema de derechos llamados a ser prote-
gidos por el Estado que producen los tratados de derechos humanos ratificados, se
21
Sentencia C-358 del 2007. M.P. Eduardo Cifuentes Muñoz
22
Sentencia C-191 de 1998. M.P. Eduardo Cifuentes Muñoz
23
También se ha estimado que hacen parte del bloque de constitucionalidad en sentido amplio, las leyes sobre límites
territoriales, orgánicas y estatutarias. Al respecto se pueden ver por ejemplo, las sentencias C-225 de 1995, C-135 de
1996, C-582 de 1999, C-401 del 2005 o C-327 del 2016.
24
Entre otras razones por cuanto como lo ha observado la doctrina, la jurisprudencia constitucional no ha trazado
parámetros claros para identificar cuándo un tratado de DDHH hace parte del bloque de constitucionalidad en sentido
estricto o sentido lato. Al respecto, ver: ACOSTA LÓPEZ, Juana y ACOSTA ALVARADO, Paola Andrea. Con-
clusiones generales del proyecto de investigación. En: ACOSTA LÓPEZ, Juana, ACOSTA ALVARADO, Paola y
RIVAS RAMÍREZ, Daniel (Eds.). De anacronismos y vaticinios: Diagnóstico sobre las relaciones entre el Derecho
internacional y el Derecho Interno en Latinoamérica. Bogotá. Universidad Externado de Colombia, 2017.
25
Sobre este asunto se pueden ver las sentencias C-04 del 2003, C-551 del 2003, C-184 del 2005 y C-XXX entre otras.
Adicionalmente del trabajo de GUTIÉRREZ BELTRÁN, Andrés Mauricio. El bloque de constitucionalidad: conceptos
y fundamentos. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007, también se puede consultar: JULIO ESTRADA,
Alexei. Las funciones de los tratados internacionales de derechos humanos en el ordenamiento jurídico colombiano, a
la luz de la jurisprudencia constitucional. Ponencia presentada durante el Seminario “La armonización de los tratados
internacionales de derechos humanos” en México, celebrado en Guadalajara, Jalisco, 14 y 15 de abril de 2005.
26
Estas construcciones empero contrastan con la posición que la Corte constitucional ha sostenido con relación al
control de convencionalidad y el papel que juega en el ordenamiento nacional para el cumplimiento de los estánda-
res interamericanos. Sobre el particular ver: RIVAS RAMÍREZ, Daniel. El (des)control de convencionalidad en las
sentencias de la Corte Constitucional colombiana. En: Op. cit. ACOSTA LÓPEZ, Juana, ACOSTA ALVARADO,
Paola Andrea y RIVAS RAMÍREZ, Daniel (Eds.)

Magdalena Correa Henao


148 Daniel Rivas Ramírez
puede encontrar, entre otros muchos,27 el derecho fundamental a la estabilidad labo-
ral reforzada para los sujetos de especial protección constitucional o en situación de
debilidad manifiesta.
Así, en los primeros años de regencia de la Constitución de 1991, el reconocimien-
to y protección de una serie de derechos no era visible, al menos, desde una perspectiva
positivista. Pues si bien la Constitución contemplaba como ingrediente normativo del
derecho al trabajo la proscripción de cualquier trato discriminatorio basado en criterios
sospechosos (art. 53, en concordancia con el art 13, C.P.), esto no bastaba inicialmente
para que configurar como posición jurídica una garantía adicional que le permitiera a
determinados trabajadores caracterizados por sus condiciones físicas, sociales o econó-
micas, mantener sus puestos de trabajo por encima de la voluntad del empleador y el
cubrimiento de las indemnizaciones a lugar, a pesar de que la pérdida del empleo pu-
diera significar una afectación grave de sus condiciones de existencia.
A pesar de lo dicho, desde sus primeras decisiones, la Corte constitucional en
ejercicio del control de constitucionalidad concreto en donde se reclamaba este tipo
de protección por una persona en situación de discapacidad, acudió al Convenio 159
de la Organización Internacional del Trabajo sobre readaptación profesional y el em-
pleo de personas inválidas28 para tutelar sus derechos laborales (T-427 de 1992). En
este caso en particular, el razonamiento del juez constitucional para invocar esa nor-
ma como fundamento para la decisión, se configuró a partir de la naturaleza de lex
specialis de la cual estaba revestido el Convenio, la cual prevalecía sobre la norma
legal que servía de sustento a la decisión de separar al empleado inválido del cargo
público que ocupaba.29
Adicionalmente, el juez constitucional estableció una regla hermenéutica que
desde entonces ha sido la base para la aplicación de la protección analizada. Se hace
referencia a la la inversión de la carga de la prueba para justificar la validez del des-
pido, de modo que corresponde al Estado (o en general al empleador) demostrar que
el mismo no desconoce la condición de vulnerabilidad o desventaja del trabajador
afectado.
Otro tanto se determinó luego, acudiendo también a la Declaración Universal de
Derechos Humanos, para reconocer a las personas afectadas por el VIH, el derecho
a una protección que se otorgue garantías de igualdad material en el acceso y perma-
nencia en los cargos públicos (SU-256 de 1996).
Estas y otras decisiones permitieron que luego, al momento de evaluar la cons-
titucionalidad de la llamada “ley de mecanismos de integración social” (Ley 361 de
1997), la Corte acuñara finalmente el derecho a la estabilidad reforzada, cuyo fun-
damento además encontró tanto en el Convenio 159 de la OIT, como en el Convenio
111 sobre la discriminación (empleo y ocupación), así como en la Convención Ame-
ricana de Derechos Humanos y la Carta de las Naciones Unidas (C-531 del 2000).
27
Así también podría formularse respecto del derecho al mínimo vital, el derecho al saneamiento básico y el derecho
al olvido entre otros. Al respecto se pueden ver las sentencias T-100 del 2015 y T-199 del 2016, T-028 del 2014 y
T-790 del 2014, y T-164 del 2010 respectivamente.
28
Este convenio de la OIT fue aprobado en Colombia mediante la Ley 82 de 1988.
29
La sentencia T-427 de 1992 se trata de una acción de tutela interpuesta en contra de una providencia que reconoci-
da la legalidad de la declaratoria de insubsistencia del nombramiento de una persona inválida para un cargo público
de carrera administrativa.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 149
Dicha argumentación se ha venido consolidando con el tiempo, tanto por la
aprobación de nuestros tratados de derechos humanos, como por el realce otorgado
al DIDH, como medidas normativas y hermenéuticas que han servido de base para
decantar la existencia y deber de protección del derecho en mención, en especial
frente a personas en situación de discapacidad o mujeres en estado de gravidez o en
período de lactancia. Esto, en atención a lo previsto en tratados de derechos humanos
específicos como la Convención Interamericana para la Eliminación de Todas las
Formas de Discriminación (numeral 1° del artículo 3º) , así como la Convención de la
Naciones Unidas Sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad (literal a) del
numeral 1º del artículo 27) (T-521 de 2016), o a los mandatos que establece el Pacto
Internacional de Derechos Civiles y Políticos, el Pacto Internacional de Derechos
Económicos, Sociales y Culturales y la Convención sobre la eliminación de todas las
formas de discriminación contra la mujer (T-1097 del 2012 y la T-092 del 2016).

2.1.2. Interpretación amplia de derechos reconocidos en la Constitución


Otra forma de entender el significado de los tratados de derechos humanos vin-
culantes para el Estado colombiano desde su condición de ser parte del bloque de
constitucionalidad en sentido estricto pero también amplio, es como mandato am-
plificador del ámbito normativo de garantía atribuible a los derechos constitucional-
mente protegidos.
Este efecto se puede ilustrar con el derecho al agua potable.30 Bajo el enfoque
señalado, tal reconocimiento opera desde la interpretación amplia y garantista que se
otorga al carácter de servicio público esencial y de derecho colectivo constitucional-
mente (art. 366 y 88 C.P.). Así pues, por vía de la aplicación directa del DIDH, esas
categorías permiten transmutar a la existencia de un derecho fundamental autónomo
de acceso al agua potable (SUTORIUS & RODRÍGUEZ, 2015), exigible las autori-
dades o para los proveedores de su suministro, al menos en las cantidades mínimas
que requiere el consumo humano para la subsistencia en condiciones dignas (T-740
del 2011).
Tal ejercicio interpretativo además, no sólo ha traído como fuentes los tratados
de derechos humanos, como es el caso del Pacto de Derechos Económicos, Sociales
y Culturales y del Protocolo correspondiente a la Convención Americana de Dere-
chos humanos, sino que también los conceptos ofrecidos por el intérprete de tales
instrumentos como las observaciones el Comité de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales (T-243 del 2013), De ello ha resultado la declaración de la existencia del
derecho en cuestión y la definición de ciertas posiciones jurídicas esenciales que lo
identifican, como su disponibilidad, calidad y accesibilidad (T-641 del 2015).31
La asunción de las obligaciones internacionales contenidas en los tratados de
derechos humanos que el Estado firma, aprueba, convalida y ratifica, alteran pues el
30
Como en el caso anterior, también sería muestra de este efecto normativo, lo ocurrido con los derechos de los
niños, niñas y adolescentes y los derechos de las personas víctimas del desplazamiento forzado. Para el primer caso,
se pueden ver las sentencias T-557 del 2011, t-955 del 2013, T-044 del 2014 y T-200 del 2014. Para el segundo, están
las sentencias C-317 del 2002, C-143 del 2015 y T-048 del 2016.
31
Otras decisiones relevantes desde las cuales se ha formulado y consolidado esta doctrina se encuentran, entre otras,
en las sentencias: T-578 de 1992, T-232 de 1993, T-523 de 1994, T-279 del 2002, C-150 de 2003, T-749 del 2012,
T-242 del 2013, T-348 del 2013, T-424 del 2013 y T-641 del 2015.

Magdalena Correa Henao


150 Daniel Rivas Ramírez
sistema de fuentes y los criterios de interpretación jurídica, habilitando e imponiendo
a las autoridades administrativas y a los jueces, mandatos de optimización adiciona-
les para que en el marco de sus competencias, aseguren con mayor eficacia, los ámbi-
tos de libertad, igualdad, derecho a algo y garantía constitucionalmente protegidos.

2.2. Delimitación del amplio poder de configuración legislativa


El efecto de los tratados de derechos humanos en el Derecho colombiano tam-
bién se manifiesta en la afectación o delimitación del amplio poder de configuración
normativa reconocido al Legislador. Pues por mayores esfuerzos de interpretación
del juez constitucional o de los jueces comunes en la solución de los casos concretos,
la creación de las condiciones institucionales y de gestión y asignación de recursos
y responsabilidades que los derechos humanos implican, sólo se verifica como regla
para todos sus titulares, desde las normas de carácter general dispuestas por la ley,
con las que se concretan bien las posiciones jurídicas definitivas de los derechos, bien
las políticas públicas, programas, proyectos y medidas de intervención pública indis-
pensables para su cumplimiento.
La adopción de los tratados en mención produce en consecuenciaun efecto so-
bre el propio funcionamiento del principio democrático representativo manifiesto en
los poderes normativos del Legislador, para obligarlo a proponer, votar y discutir las
leyes que resulten necesarias para cumplir con las obligaciones que imponen, sea a
través de la réplica de los estándares interamericanos e internacionales o del condi-
cionamiento de las medidas adoptadas a su cumplimiento.32
Dos ejemplos sirven esta vez para evidenciar dicho efecto: la Convención sobre
la eliminación de todas las formas de discriminación contra la mujer y los estándares
internacionales sobre consulta previa.

2.2.1. Institucionalidad y legislación para –proteger – a la mujer


Un primer caso que ejemplifica el efecto de la ratificación de la Convención
sobre la eliminación todas las formas de discriminación contra la mujer33 y su proto-
colo facultativo aprobados mediante las Leyes 51 de 1981 y 984 del 2005 respecti-
vamente. Como quiera que la protección de los derechos de la mujer prevista en tales
tratados es mayor que la prevista en la legislación interna, resultaba necesario adoptar
las medidas legislativas complementarias o sustitutivas que las hicieran efectivas. El
cumplimiento de esta obligación aunque tomó su tiempo y se manifestó primero a
32
Con relación a esa replicación de los estándares interamericanos, encontramos que hay una obligación que por
virtud de lo previsto en el artículo 2 de la Convención Americana de los Derechos Humanos se impone de modo tal
que habilita incluso a la Corte IDH para recomendar la modificación de normas legales que resulten contrarias a lo
dispuesto por ella. Tal y como ocurrió en los casos de La última tentación de cristo v. Chile y Kimmel v. Argentina.
A su vez de allí surge la necesidad de adoptar medidas de todo tipo encaminadas a cumplir con tales estándares como
se ha podido inferir de las condenas al Estado colombiano, derivadas del funcionamiento de la justicia penal militar, o
del ejercicio de las facultades excepcionales conferidas al Ejecutivo durante los estados de excepción. Al respecto ver
las sentencias en los casos Rodríguez Vera v. Colombia, Vélez Restrepo v. Colombia, Masacre de Santo Domingo v.
Colombia, Masacre La Rochela v. Colombia, Caso las Palmeras v. Colombia y Caso Yarce v. Colombia.
33
Este instrumento tiene que tuvo como objetivo principal asegurar y garantizar el pleno desarrollo, ejercicio y goce
de los derechos humanos y libertades fundamentales de la mujer en igualdad de condiciones con el hombre; situación
que conmino a los Estados Parte a tomar todas las medidas necesarias apropiadas en las esferas política, social, eco-
nómica y cultural, incluyendo las de carácter legislativo

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 151
través de políticas públicas implementadas por el Gobierno,34 finalmente vino a im-
ponerse en la agenda del legislador.
Esto se aprecia al revisar la legislación vigente en la cual se han consagrado
cuando menos diez leyes con sus respectivos decretos reglamentarios cuyo funda-
mento directo se encuentra en tal Convención.
Dentro de ellas se destacan la Ley de Cuotas o Ley 581 del 2000 en la que se
reglamentó la participación de las mujeres en los en los niveles decisorios del poder
público; las leyes 861 de 2003 y 1232 de 2008 en favor de la mujer cabeza de familia;
la ley 1257 de 2008 “Por la cual se dictan normas de sensibilización, prevención y
sanción de formas de violencia y discriminación contra las mujeres (…)”,35 y la Ley
Natalia Ponce de León o Ley 1773 del 2016 en donde se tipifican conductas específi-
cas asociadas con la violencia de género, como es el caso de las lesiones con agentes
químicos, ácidos o sustancias análogas.
Este dinamismo legislativo en favor de los derechos de la mujer no advertido en
otras épocas, es pues clara huella del impacto y poder de afectación del DIDH sobre
esa competencia amplia para desarrollar según lo determinen las valoraciones y ne-
cesidades políticas la Constitución.

2.2.2. El derecho a la consulta previa como requisito


procedimental para el legislativo
Otra forma en que se manifiesta la delimitación del poder de configuración le-
gislativa se aprecia normativa desde la jurisprudencia constitucional que en diversas
ocasiones ha venido a declarar la inconstitucionalidad de leyes de distinta naturaleza,
en cuanto las mismas se han producido sin adelantar la consulta previa de las comu-
nidades indígenas y afrocolombianas que directamente afectan.
El derecho a la consulta previa, aun cuando encuentra un sustento constitu-
cional con relación a la explotación de recursos naturales (art. 330 pár. 1, C.P), se
consolidado como derecho colectivo fundamental desde a lo previsto en el Convenio
169 de la Organización Internacional del Trabajo (arts. 6 y 7), del cual se derivan
obligaciones para el Estado a la hora de tomar decisiones e implementar una serie de
medidas (CHARRIS BENEDETTI, 2014).
Por ello, vincula a todos los poderes públicos,36 incluido y legislador, en cuan-
to las medidas adopte “tengan incidencia particular y directa en los intereses de las
comunidades diferenciadas.” (C-175 del 2009). Y por ello también, la falta de rea-
lización de la consulta previa sujeta a las condiciones sustanciales de ser esta sufi-
34
Se alude a la campaña por crear una institucionalidad que se encargase de la protección de los derechos de la mujer
y puntualmente, llevara al cumplimiento nacional de los compromisos internacionales asumidos en la CEDAW, la
cual se tradujo desde 1990 en la conformación de la Consejería Presidencial para la juventud, la mujer y la familia y
que hoy se ha transformado – con varias evoluciones – en la Alta Consejería Presidencial para la Equidad de la Mu-
jer. Finalmente, podemos destacar también, a un nivel incluso infralegal, otro significativo avance con ocasión de la
Convención. Se trata de la resolución 459 del 2012 del Ministrio de Salud y Protección Social en donde se adopta un
protocolo y modelo de atención integral en salud a las víctimas de violencia sexual.
35
Norma que ha servido de base para la expedición de la Resolución 459 del 2012 del Ministerio de Salud y Pro-
tección Social en donde se adopta un protocolo y modelo de atención integral en salud a las víctimas de violencia
sexual.
36
Sobre la invalidación de medidas administrativas por falta de consulta previa, vid. entre otras, sentencias C-702
del 2010 y T-693 del 1022.

Magdalena Correa Henao


152 Daniel Rivas Ramírez
cientemente libre e informada, viene a producir como efecto la inexequibilidad de
la ley respectiva, al constituir un vicio al trámite legislativo.37 Este ha sido el caso
verbigracia, de leyes de tanta trascendencia como el Código Nacional de Minas (Ley
1382 del 2010), el Estatuto de Desarrollo Rural (Ley 1152 del 2007) o de la reforma
constitucional al artículo 108 de la Constitución sobre el reconocimiento de persone-
ría jurídica a partidos políticos (Acto Legislativo 01 del 2009).38
Fruto pues de la obligación asumida por el Estado desde el DIDH, el legislador
encuentra restringido su poder normativo al sumar a las reglas del procedimiento le-
gislativo, las que se imponen como resultado del valor prevalente otorgado al derecho
de la consulta previa.

3. Desafíos y tareas pendientes para la integración plena de los


Tratados de Derechos Humanos en el Derecho y la vida del Estado

La revisión meramente indicativa del impacto positivo que el DIDH ha tenido


sobre el sistema de fuentes y de competencias, no puede en todo caso desconocer
los obstáculos que aún se observan en su concreción efectiva ni los retos que dicha
situación plantean.
Pues ni la aprobación formal por las autoridades en el orden interno, ni su adop-
ción como norma jurídica vinculante y prevalente para los jueces y para el legislador
son suficientes como forma de asegurar la eficacia de los mandatos que contemplan
los tratados de derechos humanos y demás fuentes que integran el DIDH.39
En este orden, sobre las deficiencias en la eficacia de los tratados de derechos
humanos, basta con revisar las cifras oficiales de juzgamiento y punición de los de-
litos de desaparición forzada o desplazamiento forzado. La persecución y sanción
de tales conductas si bien constituyen obligaciones internacionales asumidas por el
Estado colombiano (Convención Interamericana sobre desaparición forzada con su
ley aprobatoria 707 del 2001; Convención Internacional para la protección de todas
las personas contra las desapariciones forzadas, Ley aprobatoria 1418 del 2010) y se
han dictado leyes para su cumplimiento (Leyes 589 del 2000, 599 del 2000, 600 del
2000, 906 del 2004 y 975 del 2005), son exiguos los resultados que ofrecen las cifras
de investigación y juzgamiento de tales conductas.
Según las cifras oficiales sólo un 25% y un 43% de los delitos de desaparición
forzada o de desplazamiento forzado cometidos se investigan y juzgan. (CONSE-
JERÍA PRESIDENCIAL PARA LOS DERECHOS HUMANOS, 2016). Pero tam-
bién son evidencia del incumplimiento material de los tratados de derechos humanos
vinculantes para Colombia que garantizan libertades fundamentales y el derecho de
acceso a la administración de justicia y el debido proceso, las 295 amenazas, 885
37
Al respecto se pueden consultar la sentencia C-490 del 2011.
38
Otros casos relevantes en los que se encuentran en las sentencias C-740 del 2008, C-175 del 2009, T-745 del 2010,
C-702 del 2010, C-915 del 2010, C-187 del 2011, C-366 del 2011, C-490 del 2011 y T-693 del 2011 en las que o
bien se han declarado contrarias a la Constitución o se ha condicionado la constitucionalidad, de normas legales y
reglamentarias, al no estar precedidas de la consulta previa.
39
En este sentido, vid. “Ley 1257 de 2008 sobre no violencias contra las mujeres.1 Herramientas para su apli-
cación e implementación”, Bogotá, Sisma Mujer, 2010, p. 1. En http://www.arcoiris.com.co/wp-content/
uploads/2016/06/Ley-1257-de-2008-sobre-no-violencias-contra-las-mujeres-Herramientas-para-su-aplicaci%
C3%B3n-e-implementaci%C3%B3n.pdf.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 153
afectaciones y 63 asesinatos a líderes sociales y defensores de derechos humanos re-
gistrados en 2015, de los cuales, solamente se logró una condena penal por parte de
la justicia colombiana (ACNUDH, 2016).
Otro tanto se aprecia con relación a la ley de cuotas como desarrollo de la CE-
DAW, en tanto casi 20 años después de su sanción, los techos de cristal siguen siendo
la regla, como lo muestran datos según los cuales solo el 21% de los miembros del
Congreso sean mujeres, sólo una tercera parte del gabinete presidencial son minis-
tras, y en el nivel de los gobiernos locales la representación femenina ni siquiera al-
canza el 15%. (ACNUDH, 2016).40
Y desde una perspectiva más amplia, el Comité para la Eliminación de la Dis-
criminación Contra la Mujer ha señalado que sigue existiendo una grave discrimina-
ción que se ve en la dificultad de acceso al empleo, la gran brecha salarial, los casos
de violencia sexual, la falta de atención en salud y en particular con relación a la
práctica del aborto legal (CEDAW, 2013), aunque como se ha visto, existe además
de la Convención una robusta legislación destinada a atender tales materias. (supra
2.2.1.).
En cuanto a los derechos para las personas en situación de discapacidad, es di-
ciente el informe efectuado frente al caso de Colombia por el Comité convenciónal
correspondiente. Encargado del seguimiento de la Convención respectiva, al obser-
var el nivel de incumplimiento no solo de las normas internacionales sino también na-
cionales sobre la materia (Ley 1618 del 2013) (CRDP, 2016). En igual sentido se han
formulados observaciones del Comité convencional contra la tortura, al encontrar
el desconocimiento de las prohibiciones asociadas con las detenciones ilegales, los
aislamientos, la detención de refugiados, el uso excesivo de la fuerza y ejecuciones
extrajudiciales entre otros, a pesar ser obligaciones internacionales e internas que el
Estado colombiano debe acatar (Convención contra la Tortura, Ley 70 de 1986, Ley
409 de 1997 y Ley 599 del 2000) (CAT, 2015).
Por su parte el Comité de los trabajadores migrantes ha destacado la falta de
medidas tendientes a la protección de sus derechos, esto es, la falta de esfuerzos cier-
tos por parte del Estado colombiano por desarrollar la Convención (CMW, 2013),
no obstante su adopción como norma vinculante (Ley aprobatoria 146 de 1994) y las
reglamentaciones legales que la han acompañado (Decreto 2084 de 1995, Ley 1465
del 2011, Decreto 0834 del 2013, entre otros).
Otros ejemplos dramáticos del valor meramente simbólico o semántico de la
afectación que producen los tratados de derechos humanos en el orden jurídico y
social interno, se encuentra los derechos de los niños fundamentales por excelencia
(art. 44 C.P.), reforzados por las normas internacionales (Convención sobre los dere-
chos de los niños). Así lo aprecia el comité convencional competente al manifestar su
preocupación por la falta de su protección material en temas como el abuso sexual, la
vida y el trabajo infantil, pero también por las deficiencias en la regulación legal de
40
Sobre los problemas a los que se enfrenta la Ley de Cuotas, se puede revisar el Balance de Aplicación general de
la Ley 581 del 2000, realizado por la mesa de género de la cooperación internacional en Colombia, basado en el in-
forme técnico inicial presentado por Paula Robledo Silva con el apoyo de Alba Lucía García. MESA DE GÉNERO,
AECID, Bogotá, 2011. Disponible en: http://www.mesadegenerocolombia.org/sites/default/files/pdf/cartillacuotas-
balanceley581.pdf

Magdalena Correa Henao


154 Daniel Rivas Ramírez
los derechos y los procedimientos que los afectan(Código de infancia y adolescencia,
Ley 1802 de 2016) (CCR, 2015).
Y qué decir respecto de la eficacia de los derechos económicos, sociales y cul-
turales. Estos derechos en su condición de ser manifestaciones concretas del Estado
social de derecho como fórmula que procura la igualdad o la libertad fáctica entre los
titulares de derechos, con particular incidencia sobre los sujetos que se encuentran
en condición de debilidad manifiesta. Se trata de derechos humanos recogidos en
tratados vinculantes (Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Cul-
turales, Ley 74 de 1968, Protocolo de San Salvador, Ley aprobatoria 319 de 1996),
consagrados constitucionalmente (arts. 42-82) y desarrollados por las leyes (Código
Sustantivo del Trabajo, ley de la salud 100 de 1993 y 1751 de 2015, ley de los servi-
cios públicos 142 de 1994, ley de la educación 115 de 1994, ‎entre otras). Son además
ingrediente común de los planes de desarrollo de los gobiernos nacionales y locales
y finalmente, constituyen derechos que de más en más, se reconocen en sus facetas
iusfundamentales subjetivas u objetivas por los jueces de tutela y por la Corte consti-
tucional en sede de revisión de la misma.
Esta riqueza normativa contrasta con la situación que muestran los departamentos
del Chocó y de la Guajira, donde los niveles históricos de pobreza de sus poblaciones
no se ha alterado durante los años de vigencia y eficacia jurídica formal de todas esas
normas y subreglas. Por esto en 2015 se registró la muerte de más de treinta niños en
el primer caso por falencias en el acceso a los servicios de salud, y de alrededor de 500
niños, niñas y adolescentes, a causa de malnutrición (ACNUDH, 2016).41
Es igualmente evidencia del pobre efecto transformador de los tratados de de-
rechos humanos que hacen parte del sistema de fuentes del Derecho colombiano, se
halla en las sentencias de Corte Interamericana de Derechos humanos en las que se
ha condenado al Estado. Pues en su mayoría42 la responsabilidad atribuida ha tenido
fundamento en la verificación de masacres, ejecuciones extrajudiciales, detención ar-
bitraria y desaparición forzada, bien por haberse cometido por la fuerza pública, bien
por no haber omitido deberes de prevención o protección.43
A todos estos ejemplos se debe sumar en fin, la incoherencia que puede repre-
sentar que el hecho de que el Estado colombiano haya venido también suscribiendo,
a la par con los tratados de derechos humanos, acuerdos o convenios internacionales
de carácter multilateral y bilateral de de libre comercio y de protección y promo-
ción de la inversión extranjera, cuyas obligaciones comprometen poderosamente la
41
Es menester señalar que en muchas ocasiones, la grave situación en materia de derechos humanos se debe a la au-
sencia estatal en los territorios locales, sin embargo, esto no es excusa para que el Estado no ponga todos los medios
de su parte, para proteger y garantizarlos.
42
salvo en el caso Ángel Duque v. Colombia que versaba sobre derechos patrimoniales de las parejas del mismo
sexo
43
Casos Caballero Delgado y Santana – Sentencia del 29 de enero de 1997; Las Palmeras – Sentencia del 26 de no-
viembre de 2002; 19 Comerciantes – Sentencia del 5 de julio de 2004; Gutiérrez Soler – Sentencia del 12 de septiembre
de 2005; Masacre de Mapiripán – Sentencia del 15 de septiembre de 2005; Masacre de Pueblo Bello – Sentencia del 31
de enero de 2006; Masacres de Ituango – Sentencia del 1 de julio de 2006; Masacre de La Rochela – Sentencia del 11
de mayo de 2007; Escué Zapata – Sentencia del 4 de julio de 2007; Valle Jaramillo y otros – Sentencia del 27 de no-
viembre de 2008; Manuel Cepeda Vargas – Sentencia del 26 de mayo de 2010; Vélez Restrepo y Familiares – Senten-
cia del 3 de septiembre de 2012; Masacre de Santo Domingo – Sentencia del 30 de noviembre de 2012; Comunidades
Afrodescendientes Desplazadas de la Cuenca del Río Cacarica (Operación Génesis) – Sentencia del 20 de noviembre
de 2013; Rodríguez Vera y otros (Desaparecidos del Palacio de Justicia) – Sentencia del 14 de noviembre de 2014;
Duque Vs. Colombia- Sentencia de 26 de febrero de 2016; Yarce y otras – Sentencia de 22 de noviembre de 2016.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 155
autonomía de los poderes públicos, en cuanto se comprometan los intereses económi-
cos que aquellos protegen.44
Porque si bien es cierto las obligaciones internacionales asumidas para favo-
recer el comercio o para incentivar el arribo de la inversión extranjera en el país no
desdicen la eficacia de los mandatos normativos sobre derechos humanos (C-750 de
2008, C-620 de 2015), en términos de aplicación concreta tienden a prevalecer sobre
estos. Lo anterior, dado el carácter cierto de los derechos económicos que consagran
y los eficaces mecanismos de solución de conflictos que disponen para asegurar su
cumplimiento, con independencia de los efectos que ello suponga sobre otros dere-
chos y bienes jurídicos.
De allí que, por ofrecer un simple ejemplo, no obstante se haya reconocido
como arriba se dijo el derecho humano fundamental al agua potable y que, en ese or-
den, la Corte constitucional haya declarado inexequibles normas que habían autoriza-
do la minería en zona de páramos45 (C-035 de 2016), poco después de la publicación
de la sentencia la multinacional Eco Oro Minerals Corporation haya anunciado la in-
terposición una demanda ante el CIADI contra el Estado colombiano. La pretensión,
basada en las normas del tratado de libre comercio en que se ampara, no solo procura
recuperar las inversiones efectuadas con ocasión de las licencias que se habían otor-
gado, sino además la expectativa de utilidad proyectada para los años de explotación
del oro que se habían autorizado.
Ahora bien, la reflexión no puede quedar en este lugar en cuanto a confirmar,
como tantas veces ocurre con el Derecho, el largo trecho entre el dicho y el hecho
de los derechos humanos. Pues desde allí corresponde asumir los desafíos que dicha
ineficacia plantea en cuanto negación o traición de lo que se podría considerar sin
reservas, la mejor construcción normativa edificada por la humanidad.
Desafíos para el Estado en cuanto a revisar la seriedad, compromiso y coheren-
cia con que se asumen obligaciones internacionales de diversa índole, así como el
ejercicio de los poderes y controles político y constitucional aplicados antes de que
estas nazcan a la vida jurídica o con posterioridad a ella. Desafíos para la comunidad
internacional en cuanto a robustecer los mecanismos de verificación, de cooperación
y adaptación a las condiciones específicas de los Estados o en cuanto a la adecuada
articulación entre los tratados de derechos humanos y los tratados de carácter econó-
mico.
Pero además, el mucho recorrido que aún queda por andar para que los dere-
chos humanos sean parte de las capacidades efectivas con que cuentan las personas
y comunidades para su desarrollo libre, autónomo y solidario, también constituye un
reto para los especialistas en derechos humanos, para las organizaciones sociales y
los empresas y demás poderes económicos del mercado, sea para reorientar las inves-
tigaciones hacia las causas de los incumplimientos y las medidas concretas que los
44
Con relación a este fuerte impacto que representan los tratados de contenido económico, pueden consultarse PRIE-
TO RÍOS, Enrique y BARKLAM, Courteney. Revista Civlizar Ciencias Sociales y Humanas – Unievrsidad Sergio
Arboleda Volumen 11 No. 21. pp. 001 – 154; GÓMEZ-SUAREZ, Andrei, PERRONE, Nicolás y PRIETO RÍOS,
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Internacional de Derechos Humanos, Vol. 11, Edición 21, Agosto de 2015.
45
Que en la geografía colombiana constituyen la principal reserva del recurso y la única fuente con que se abastecen
muchas poblaciones (C-035 de 2016).

Magdalena Correa Henao


156 Daniel Rivas Ramírez
pueden evitar, sea para incrementar el control participativo y los sistemas de coope-
ración, o la debida diligencias y los estándares de responsabilidad.

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Normativa nacional
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CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 51 de 1981.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 5 de 1992.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 361 de 1997.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 581 del 2000.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 984 del 2005.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 1346 del 2009.

Magdalena Correa Henao


158 Daniel Rivas Ramírez
MINISTERIO DE SALUD Y PROTECCIÓN SOCIAL, Resolución 459 del 2012.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley Estatutaria 1618 del 2013.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, Ley 1773 del 2016.

Jurisprudencia nacional
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-427 de 1992.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia C-531 del 2000.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia C-750 del 2008.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia C-175 del 2009.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-740 del 2011.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-1097 del 2012.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-243 del 2013.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia C-620 del 2015.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-641 del 2015.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia C-035 del 2016.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-092 del 2016.
CORTE CONSTITUCIONAL, Sentencia T-521 del 2016.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 159
— 10 —

Novos horizontes para a proteção dos


direitos sociolaborais a partir do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos

MARIA LUIZA PEREIRA ALENCAR DE MAYER FEITOSA1

VICTOR MACHADO VIANA GOMES2

Sumário: Introdução; 1. O Sistema Interamericano e a tutela dos direitos sociolaborais; 2.1. Mar-
co normativo do Sistema Interamericano em matéria sociolaboral; 2.2. Precedentes regionais em
matéria trabalhista; 2.2.1. Principais decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos;
2.2.2. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos; 3 Exigibilidade direta dos di-
reitos sociolaborais no âmbito do Sistema Interamericano; 4. Análise de casos; 5. Considerações
finais; Referências.

Introdução

De um modo geral, os países do continente americano, com maior destaque


para a América-Latina, desrespeitam e consequentemente desprestigiam normas tra-
balhistas. Esse fato se converte em reiteradas violações aos direitos fundamentais dos
trabalhadores, que vão de pequenas irregularidades na execução do contrato de traba-
lho à submissão do indivíduo a condições laborais desumanas e degradantes. Nesse
cenário, conquistas históricas, em termos de qualidade laboral e de inclusão social,
encontram-se permanentemente ameaçadas e expostas, circunstância exponenciada
pelas investidas legislativas de desregulamentação e de flexibilização de direitos, que
ensejam, em última instância, a precarização das relações de trabalho.
Atenta-se, no presente ensaio, para uma abordagem diferenciada dos direitos
trabalhistas, como direitos humanos de conteúdo civil e político e, ao mesmo tempo,
econômico, social e cultural, em consonância com suas particularidades. É por inter-
médio desse duplo prisma dos chamados direitos de primeira e de segunda dimen-
1
Doutora em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade de Coimbra; pós-doutora em Direito pela Universi-
dade Federal de Santa Catarina.
2
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba; estagiário na Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (2014).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 161
sões, que se procura realizar breve reflexão a respeito do desempenho do mecanismo
de petições e de casos do sistema interamericano, na tutela internacional de direitos
e garantias sociolaborais. A proposta abrange a averiguação da potencialidade dessa
ferramenta regional, como possível reforço e complemento das estruturas domésticas
de proteção, no oferecimento de respostas mais adequadas às violações aos direitos
fundamentais dos trabalhadores.
O campo teórico deste capítulo de livro compreende a temática da indissolubi-
lidade das dimensões – para alguns, gerações – de direitos, com ênfase na justiciabi-
lidade dos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC). Não se abdica da tese de
que os direitos civis e políticos gozam, no contexto das relações econômicas, sociais
e políticas da atualidade, status jurídico mais claramente perceptível, posto melhor
positivados e de maior alcance em termos eficácia imediata, considerando-se que de-
mandam atitude negativa do Estado. Entretanto, os DESC não podem ser vistos ape-
nas como aspirações ideais ou exigências morais, desprovidos de qualquer conteúdo
jurídico executório. Afirma-se, neste ensaio, que é possível encontrar, na ferramenta
de peticionamento dos órgãos interamericanos, uma linha de interpretação capaz de
garantir potência e força judicante aos direitos sociolaborais, reduzindo a condição de
insuficiência teórica ou de excessiva amplitude, historicamente atribuída aos DESC.
Pretende-se, de início, traçar um panorama do marco normativo interamericano
acerca da temática abordada. Em seguida, serão feitas algumas ponderações sobre o
atual estado da arte no tratamento de demandas de índole laboral pelos órgãos do me-
canismo em questão, a partir da descrição de aspectos importantes do seu arcabouço
de precedentes. Por fim, pugna-se pela adoção de nova dogmática decisória, de modo
a conferir maior grau de resolução e eficácia às obrigações estatais em matéria traba-
lhista. Na visão dos autores, essa mudança poderia ensejar, por meio da construção de
um conjunto de standards jurídicos de alta relevância para os Estados americanos, o
aprofundamento do diálogo regional quanto à proteção dos direitos sociolaborais.

1. O Sistema Interamericano e a tutela dos direitos sociolaborais

A Organização dos Estados Americanos (OEA), fundada com a assinatura de


seu tratado constitutivo em 1948, é um organismo regional que congrega 35 Estados
do continente americano. Tendo como pilares a democracia, os direitos humanos,
a segurança e o desenvolvimento, a OEA se constitui como importante espaço de
discussões entre os Estados-Membros, nos termos do art. 1º de sua Carta, “para con-
seguir uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar
sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua indepen-
dência”.
Em 1959, foi criada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
que passou a ter, a partir de 1979, com a entrada em vigor do Protocolo de Buenos
Aires, status de órgão principal na organização. A CIDH, instalada junto à sede da
OEA, em Washington D.C., nos Estados Unidos, possui natureza dúplice: a) político-
-diplomática, de um lado, atuando, entre outras esferas, no monitoramento da situa-
ção dos direitos humanos nos Estados-Membros e na promoção de temas definidos
como estratégicos ou prioritários em sua agenda; e b) quase-judicial, de outro, ao re-
ceber e processar demandas individuais em matéria de direitos humanos.
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
162 Victor Machado Viana Gomes
Todos os 35 Estados que integram a OEA se submetem à atuação da CIDH,
órgão instituído pela Carta da organização, em seu art. 53. Um Estado só pode se
desvincular das atividades CIDH se abandonar a própria organização regional, já
que o referido documento obriga todos os Estados-Membros, que reconhecem, desse
modo, a competência da CIDH, como órgão autônomo e principal, para “promover o
respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organiza-
ção em tal matéria” (art. 106 da Carta da OEA).
Posteriormente, em 1969, o Pacto de San José criou a Corte Interamericana
de Direitos Humanos (Corte IDH), que iniciou suas tarefas em 1979. Com sede na
capital costa-riquenha, o tribunal é o órgão judicial da OEA, compondo o sistema
interamericano de direitos humanos, do qual também faz parte a CIDH (de natureza
diversa, conforme dito acima). Sua competência pode ser dividida em: a) conten-
ciosa, para tratar de casos relativos a supostas violações às normas de instrumentos
compreendidos no âmbito de sua competência ratione materiae (art. 62.3 do Pacto
de San José); b) consultiva, para elaborar pareceres interpretando as obrigações de-
rivadas dos tratados de direitos humanos aplicáveis aos Estados americanos (art. 64
do instrumento).
Portanto, os órgãos que integram o sistema interamericano são a CIDH e a
Corte IDH, cujas atividades se complementam. Em relação à ferramenta de petições
e casos, objeto de análise deste ensaio, cumpre salientar que apenas os Estados que
ratificaram o Pacto de San José e aceitaram a cláusula facultativa de submissão à ju-
risdição da Corte (art. 62 do tratado) estão sujeitos às suas sentenças. Quanto a esses
Estados, a CIDH decide, após exame inicial de admissibilidade e de mérito, sobre o
envio ou não das demandas ao órgão judicial. O trâmite de queixa apresentada em
face de algum dos Estados que não tenha pactuado a referida cláusula se esgota na
própria CIDH, que emite, quando cabível, relatório final sobre a denúncia.

2.1. Marco normativo do Sistema Interamericano


em matéria sociolaboral
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, adotada em 1948,
é o primeiro instrumento da OEA a tratar especificamente da proteção dos direitos
humanos. O documento foi celebrado não como um tratado internacional propria-
mente dito, mas na forma de resolução, razão pela qual não precisou ser objeto de
ratificação pelos Estados. Porém, no decorrer dos anos, com base no princípio da
boa-fé, passou a expressar o reconhecimento pelos Estados americanos da existência
de certas obrigações jurídicas no que tange à temática. Nesse sentido, a Corte IDH
(1989, parágrafo 47, tradução nossa) expressou que: “[a] circunstância de que a De-
claração não seja um tratado não leva [...] à conclusão de que careça de efeitos jurídi-
cos, nem à de que a Corte esteja impossibilitada de interpretá-la [...]”.
Aplicável em relação a todos os Estados-Membros da OEA, a Declaração Ame-
ricana apresenta rol importante de direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo
a matéria trabalhista. Cabe fazer menção especial: ao direito ao trabalho, com justa
retribuição (art. XIV); ao direito ao descanso e ao seu aproveitamento (art. XV); ao
direito à previdência social (art. XVI); e ao direito de associação (art. XVII). O do-
cumento também elenca alguns deveres por parte dos indivíduos, como: o dever de
servir à coletividade e à nação (art. XXIV); os deveres de assistência e de previdên-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 163
cia sociais (art. XXXV); e o dever do trabalho (XXXVII) – para destacar aqueles de
maior interesse aos objetivos deste estudo.
É, no entanto, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), tam-
bém conhecida como Pacto de San José, assinada em 1969 (e em vigor desde 1978),
o principal diploma normativo do sistema regional. Embora tenha priorizado a prote-
ção dos direitos civis e políticos – tratando os direitos econômicos, sociais e culturais
somente no seu art. 26 – podem-se identificar, no tratado, alguns dispositivos explici-
tamente dirigidos à questão laboral, como: o art. 6.1, que trata da proibição da escra-
vidão e da servidão; o art. 6.2, que veda o trabalho forçado; e o art. 16, que protege a
liberdade de associação, na qual se insere a liberdade sindical.
Reconhecendo a necessidade de um documento mais específico em matéria de
DESC, adotou-se, em 1988, o Protocolo de San Salvador, em vigor desde 1999.
Destaca-se, no rol de direitos sociolaborais, que o diploma estabelece: o direito ao
trabalho (art. 6.1); o direito a condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho
(art. 7, caput); o direito à remuneração mínima (art. 7.a); a liberdade de trabalho (art.
7.b); o direito à promoção e ao avanço no trabalho (art. 7.c); o direito à estabilidade
(art. 7.d); a segurança e higiene laborais (art. 7.e); a proibição de trabalho noturno,
insalubre ou perigoso para a criança e o adolescente (art. 7.f), a limitação de jornada
(art. 7.g); o direito ao repouso (art. 7.h); o direito de greve (art. 8.1.b); e o direito à
previdência social (art. 9).
O Protocolo reconhece ainda os direitos sindicais, ao exigir que os Estados-Par-
tes garantam o direito dos trabalhadores de organizarem sindicatos e de se filiarem
àquele de sua escolha, na promoção e defesa de seus interesses (art. 8.1.a). Direta-
mente demandável perante o mecanismo de peticionamento do sistema, essa última
norma permite até que entidades sindicais acionem, em nome próprio, os órgãos re-
gionais, na defesa de seu direito à liberdade de funcionamento e de organização, sem
a interferência das autoridades públicas (CORTE IDH, 2016a). Observa-se, assim,
que sua titularidade corresponde não apenas aos indivíduos (pessoas físicas), como
geralmente ocorre no regime dos direitos humanos, mas também aos sindicatos (pes-
soas jurídicas), fato que configura interessante exceção no campo jurídico-normativo
abordado.

2.2. Precedentes regionais em matéria trabalhista


Desde logo, é interessante avultar que são indiferentes, para os organismos in-
ternacionais de proteção aos direitos humanos, distinções realizadas pelos ordena-
mentos jurídicos domésticos entre as variadas modalidade de relação de trabalho.
São considerados sujeitos das normas de direitos fundamentais de cunho sociolaboral
trabalhadores em sentido amplo, empregados ou não, inclusive servidores públicos
civis ou militares. O conceito abrange não apenas os indivíduos que desenvolvem,
no momento em questão, uma atividade remunerada, mas também os trabalhadores
em potencial e aqueles que se encontram na inatividade, a despeito de outras condi-
ções exigidas pelo direito interno. Conforme parecer da Corte IDH (2003a, parágrafo
133):
[o]s direitos trabalhistas surgem necessariamente da condição de trabalhador, entendida em seu sentido
mais amplo. Toda pessoa que irá realizar, realize ou tenha realizado uma atividade remunerada, adquire
imediatamente a condição de trabalhador e, consequentemente, os direitos inerentes a esta condição. O
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
164 Victor Machado Viana Gomes
direito do trabalho, seja regulamentado no âmbito nacional ou internacional, é um ordenamento tutelar
dos trabalhadores, isto é, regulamenta os direitos e obrigações do empregado e do empregador, indepen-
dentemente de qualquer outra consideração de caráter econômico ou social.
No propósito de contextualizar os casos a seguir tratados, importante destacar
que o fato de (via de regra) somente os Estados responderem perante os organismos
internacionais, não permite concluir que as obrigações pactuadas não sejam oponí-
veis, em certa medida, também aos particulares. A esses cabem a observância das
normas que vinculam os Estados aos quais se encontram subordinados, sob pena de
eventual imposição de sanção, em âmbito doméstico, pelas infrações cometidas. Aos
Estados, por sua vez, incumbe fiscalizar a eficácia dos direitos humanos também em
sua dimensão horizontal, para evitar serem responsabilizados, internacionalmente,
por omissão na proteção de seus jurisdicionados.
Aplicando a situações concretas normas dos diplomas regionais indicados, tanto
a CIDH como a Corte IDH emitiram, nos últimos anos, pronunciamentos relevantes
sobre a matéria. Entre outros assuntos tratados, na proteção jurídica aos trabalhado-
res, destacam-se: a) a proteção contra a despedida arbitrária e o direito ao devido pro-
cesso legal; b) o direito à igualdade e à não discriminação; c) o direito ao reajuste de
pensões e de remunerações; d) o direito à integridade pessoal; e) o direito à liberdade
sindical; e f) a vedação ao trabalho escravo. Esses pronunciamentos ratificam a cres-
cente importância que assuntos concernentes às relações de trabalho lato sensu vêm
alcançando no âmbito do mecanismo de petições e casos do sistema interamericano.
Este ensaio toma como base pesquisa desenvolvida pelos autores, cujo objeto
central foi o estudo dos relatórios de mérito publicados pela CIDH e das sentenças
proferidas pela Corte IDH, nas demandas relativas a supostas violações de direitos
humanos, ocorridas no contexto de relações laborais em sentido amplo. O recorte
temporal estipulado vai do início do ano 2000 até dezembro de 2016, tendo sido iden-
tificados, no total, 13 relatórios de mérito entre os pronunciamentos da CIDH e 21
sentenças no conjunto de manifestações da Corte IDH. Os casos expressamente men-
cionados neste trabalho foram metodologicamente escolhidos em razão da relevância
dos parâmetros fixados, refletindo, de modo representativo, importante acúmulo in-
terpretativo dos órgãos regionais no tocante à matéria. Neste contexto, pode-se afian-
çar o viés de originalidade da proposição teórica apresentada.

2.2.1. Principais decisões da Comissão Interamericana


de Direitos Humanos
Como primeiro precedente, tem-se o caso Milton García Fajardo (CIDH, 2001).
A demanda tratou de denúncia relativa aos impactos de um manifesto erro judicial
em decisão proferida pela Suprema Corte de Justiça nicaraguense, que legitimou a
demissão de 142 trabalhadores aduaneiros, ao considerar ilegal uma paralisação de-
flagrada para reivindicar melhorias para a categoria profissional. Embora o pano de
fundo para a compreensão dos fatos relativos ao caso fossem as restrições impostas
ao exercício do direito de greve por servidores públicos, a CIDH fixou standards de
crucial importância sobre o devido processo legal em demandas trabalhistas, ponde-
rando que:
[…] a própria lógica interna de todo recurso judicial, especificamente do artigo 25, indica que o juiz deve
estabelecer concretamente a verdade ou o erro da alegação do reclamante. O reclamante aciona o órgão
judicial alegando a realidade de uma violação de seus direitos, e o órgão em questão, mediante um proce-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 165
dimento de prova e de debate sobre essa alegação, deve obrigatoriamente decidir se o recurso é fundado
ou infundado. Do contrário, o recurso judicial quedaria inconcluso. Decidir sobre os direitos implica efetuar
uma determinação entre os fatos e o direito, com força legal, que recaia sobre um objeto específico. Esse
objeto é a pretensão particular do reclamante.
Especificamente, os trabalhadores aduaneiros solicitaram, mediante mandado de segurança, que a Corte
Suprema determinasse a supremacia da Constituição da Nicarágua, que estabelece em seu artigo 83 o
direito de greve, sobre as leis inferiores como o Código do Trabalho, que determina limites a tal direito,
especialmente em se tratando de servidores públicos, os quais, de acordo com o Código, não podem
recorrer à greve. Não obstante, em sua sentença n. 44, a Corte Suprema se omitiu quanto ao pronuncia-
mento sobre este aspecto e o que fez foi declarar a ilegalidade da greve com base [...] em fatos alheios
à causa, fazendo, em consequência, o recurso ineficaz e desprotegendo as vítimas. (CIDH, 2001, pará-
grafos 87 e 88, tradução nossa)
Nesse precedente, a CIDH tratou ainda da violação aos direitos econômicos e
sociais das supostas vítimas, concluindo, com ineditismo, que o Estado nicaraguense
havia infringido a norma do art. 26 do Pacto de San José, interpretada à luz do con-
teúdo do art. 1º do Protocolo de San Salvador. Consoante destacou o órgão, esses dis-
positivos simbolizam o compromisso dos Estados-Partes com a progressiva adoção
de medidas no objetivo de conferir plena efetividade aos DESC, de modo que lhes
é vedado “criar leis ou interpretá-las de maneira que representem um retrocesso às
conquistas dos trabalhadores” (CIDH, 2001, parágrafo 98, tradução nossa), minando,
assim, a realização de tal fim.
Por sua vez, no relatório de mérito n. 66/06, concernente ao caso Simone André
Diniz (CIDH, 2006), examinou-se denúncia referente à situação de discriminação
na etapa precontratual, decorrente da exclusão de candidata de determinada seleção
de emprego, pelo fato de ser negra. Ao analisar os fatos do cas d’espèce, a CIDH
concluiu que o Estado brasileiro havia violado o direito da suposta vítima às garan-
tias judiciais e à proteção judicial (arts. 8 e 25 da CADH), ao não adotar medidas
adequadas para apurar a denúncia de discriminação racial levada ao conhecimento
das autoridades. Na compreensão da Comissão, as circunstâncias do caso concreto
seriam reveladoras de uma prática generalizada de negligência no exame desse tipo
de denúncia, fato que caracterizaria transgressão ao direito à igualdade e à não discri-
minação (art. 24 da CADH).
Em decisão mais recente, no caso J.S.C.H y M.G.S (CIDH, 2015), o órgão con-
cluiu pela responsabilidade internacional do Estado mexicano pela prática de discri-
minação em virtude do estado de saúde das supostas vítimas. Dois militares haviam
recebido baixa das forças armadas, respectivamente, dos cargos de Subtenente Con-
dutor e de Cabo de Infantaria, em razão de seu diagnóstico como portadores do vírus
HIV. Ao proceder de tal forma, contudo, as autoridades estatais não chegaram a ana-
lisar o comprometimento particular da capacidade de trabalho das supostas vítimas
em consequência do seu estado de saúde. Diante da circunstância, a CIDH entendeu
que a ação adotada não se mostrava razoável na correlação entre meios e fins, resul-
tando na propagação de estereótipos negativos quanto aos portadores de HIV.

2.2.2. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos


De início, cabe fazer menção ao caso Baena Ricardo y otros (CORTE IDH,
2001), no qual foram discutidas alegadas violações decorrentes da demissão de 270
trabalhadores públicos panamenhos que haviam participado, em dezembro de 1990,
de um protesto, seguido de paralisação, convocado no objetivo de dar publicidade a
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
166 Victor Machado Viana Gomes
reivindicações de cunho laboral. Os trabalhadores envolvidos foram identificados a
partir de informações colhidas com os respectivos superiores hierárquicos. Para fun-
damentar as demissões, as autoridades aplicaram dispositivos de uma lei promulgada
somente após a ocorrência dos fatos mencionados, com a finalidade de conter eventos
que, em tese, pudessem atentar contra o regime democrático e a ordem constitucio-
nal.
Entendeu a Corte IDH que a atuação estatal, da qual derivou a demissão mas-
siva dos servidores que promoveram a manifestação, teria transgredido os princípios
da legalidade e da irretroatividade, consagrados no art. 9º da CADH. Foi pontuado que
os princípios da legalidade e da irretroatividade (desfavorável), contidos nesse dispo-
sitivo, não se aplicariam exclusivamente à seara penal, mas às diferentes formas pelas
quais se manifesta o poder punitivo. Tais normas deveriam presidir a atuação das au-
toridades no exercício de suas atribuições sancionatórias. Logo, seria imprescindível
que a qualificação da ilicitude da conduta e a fixação de suas consequências antece-
dessem a ocorrência do ato que se pretendia repreender, permitindo que os indivíduos
orientassem seu comportamento, com previsibilidade, à luz da normativa vigente.
No caso Trabajadores Cesados del Congreso (CORTE IDH, 2006), o tribunal
deliberou acerca da responsabilidade estatal pela alegada violação ao direito às ga-
rantias judiciais e à proteção judicial das supostas vítimas como resultado da ausên-
cia de atenção efetiva pelas autoridades judiciárias no tocante a demissões coletivas
ocorridas no Perú. Em um contexto de ruptura da ordem democrático-institucional,
1.117 trabalhadores do Congresso, entre os quais as 257 vítimas da denúncia apresen-
tada perante o sistema interamericano, haviam sido demitidos por meio de resolução
que apontava a reorganização administrativa e a racionalização de pessoal como mo-
tivos para as exonerações.
A normativa processual vigente, naquele momento, no país, limitava as possi-
bilidades das supostas vítimas de pleitearem a revisão de suas demissões em juízo.
Ademais, os fatos indicados pelos peticionários evidenciavam a existência de um am-
biente de profunda insegurança jurídica, com interferências diretas de outros poderes
sobre o Judiciário, que comprometiam sua independência para decidir demandas des-
sa natureza. Sendo assim, a Corte IDH declarou a responsabilidade do Estado perua-
no pela violação às normas dos arts. 8.1 e 25 da CADH, por não haver assegurado aos
trabalhadores demitidos uma prestação jurisdicional plena e efetiva.
Merecem também relevo, no conjunto de precedentes da Corte IDH, decisões
proferidas em demandas referentes ao direito ao recebimento tanto de pensões como
de remunerações, com seus respectivos reajustes. Em tais casos, discutiram-se os
efeitos danosos da redução substancial do valor percebido pelas supostas vítimas,
em virtude da imposição de mudanças nos critérios de cálculo adotados. Essas situa-
ções foram, via de regra, analisadas à luz do direito à propriedade privada, protegido
normativamente por meio do art. 21 da CADH, cujo significado original vem sendo
redesenhado a partir de uma acepção ampliativa, coerente com a aplicação hermenêu-
tica do princípio interpretativo pro homine ou pro personae (art. 29.b da CADH).
Em entendimento firmado no caso “Cinco Aposentados” (CORTE IDH, 2003b),
o tribunal expressou que, a partir do momento em que um indivíduo cumpre os re-
quisitos para se enquadrar no regime de aposentadoria previsto na legislação interna,
adquire direito de propriedade sobre o montante das pensões correspondentes, con-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 167
forme o critério de cálculo aplicável, incorporado ao seu patrimônio jurídico. No caso
mencionado, a Corte considerou que o Estado peruano teria atuado de modo arbitrá-
rio, ao não realizar procedimento que pudesse oferecer às supostas vítimas as garan-
tias adequadas para se manifestarem a respeito da limitação que se pretendia impor
ao seu direito, pela mudança interpretativa da legislação aplicável.
Já no caso Abrill Alosilla y otros (CORTE IDH, 2011), alegaram-se violações
pela aplicação retroativa de normas de cunho laboral, em desfavor de 233 membros
do sindicato de trabalhadores da Empresa de Serviço de Água Potável e Esgotos de
Lima, eliminando o sistema de reajuste e de escalonamento salarial que regia sua
situação. O próprio Estado reconheceu sua responsabilidade pelos efeitos danosos
produzidos pela incidência de três decretos, de modo que a aplicação das normas im-
plicou não apenas a obstrução de futuros reajustes, mas também a redução imediata e
retroativa do valor dos salários, atingindo parcelas já percebidas, mediante realização
de descontos, nas remunerações seguintes, das diferenças pagas a maior.
Recordando jurisprudência já firmada, a Corte IDH manifestou que as remu-
nerações e os respectivos benefícios e aumentos pagos ao trabalhador se encontram
protegidos pelo direito de propriedade consagrado no Pacto de San José. Dessa ma-
neira, no caso concreto, os incrementos nas remunerações dos trabalhadores – ocorri-
dos antes da entrada em vigor dos decretos supressores do sistema de revisão salarial
– ingressaram no patrimônio jurídico das vítimas, passando à condição de direito
adquirido. A Corte declarou que o Estado peruano havia violado a norma do art. 21
da CADH em prejuízo das vítimas arroladas na demanda, ao impedi-las de gozar in-
tegralmente do direito de propriedade sobre suas remunerações.
No tocante ao direito à liberdade de associação, examinou-se no caso Huilca
Tecse (CORTE IDH, 2005) a execução de um líder sindical, que desempenhava, ao
tempo de sua morte, a função de Secretário da Conferência Geral de Trabalhadores
do Perú. Seu assassinato teria sido perpetrado com motivação política, por causa da
oposição que fazia às reformas na legislação trabalhista impostas pelo Presidente
Alberto Fujimori. Enfatizando as dimensões individual e coletiva do direito à liber-
dade de associação (art. 16 da CADH), a Corte IDH pontuou que a morte de um líder
sindical, nas circunstâncias verificadas no caso, representaria violação não apenas ao
direito de um indivíduo, mas ao direito de todo o grupo por ele representado de se
organizar livremente para a promoção e a realização de um fim lícito.
Por sua vez, no caso Quispialaya Vilcapoma (CORTE IDH, 2015a), aborda-
ram-se violações decorrentes da submissão da suposta vítima a condições desumanas
e degradantes, com a afetação de sua integridade física e psicológica, no período em
que prestou serviço militar. O senhor Quispialaya teria sofrido agressões por parte
de superior hierárquico como medida punitiva pelos erros cometidos durante práticas
militares, com o comprometimento de sua capacidade visual, em virtude de grave
lesão no olho direito. Os eventos produziram também sério abalo psíquico na vítima,
que se viu impedida, em virtude do problema de visão, de realizar suas tarefas coti-
dianas, assim como de alcançar metas e aspirações pessoais.
A Corte IDH estimou que os fatos do caso evidenciavam contexto caracterizado
pela prática de torturas e de maus-tratos nas dependências militares peruanas, prove-
niente de uma cultura arraigada de violência, com sustento em interpretação errônea
e abusiva dos limites do poder disciplinar das Forças Armadas. Concluiu o tribunal
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
168 Victor Machado Viana Gomes
que as agressões representavam violações à norma do art. 5º da CADH, referente ao
direito à integridade pessoal, assim como à norma do art. 6º da Convenção Interame-
ricana para Prevenir e Punir a Tortura, que proíbe tratamentos cruéis, desumanos e
degradantes.
Por derradeiro, na sentença do caso Fazenda Brasil Verde (CORTE IDH, 2016b),
o tribunal se manifestou pela primeira vez sobre a temática do trabalho escravo, proi-
bido pela norma do art. 6º da CADH. Na análise da demanda, constataram-se circuns-
tâncias fáticas extremas de servidão por dívidas e de submissão a trabalhos forçados,
em propriedade rural, na região Norte do Brasil, restando caracterizada situação de
escravidão, com a ocorrência de absoluto e inaceitável controle sobre os trabalhado-
res. Os fatos ensejaram a responsabilização do Estado brasileiro em virtude de sua
omissão, ao não adotar as medidas necessárias para coibir as práticas indicadas, que
eram, conforme comprovado, de conhecimento das autoridades competentes.

3 Exigibilidade direta dos direitos sociolaborais no


âmbito do Sistema Interamericano

Muito se debateu, na doutrina e na jurisprudência, acerca da exigibilidade ou


não da norma contida no art. 26 do Pacto de San José, único dispositivo do instru-
mento, conforme apontado, a aventar expressamente os direitos econômicos, sociais
e culturais. Nesse ponto, para facilitar a compreensão dos comentários a seguir dis-
postos, apresenta-se o texto desse enunciado normativo, cujo título “desenvolvimen-
to progressivo” poderia dar a entender, à primeira vista, a indicação de uma meta
programática comum a ser perseguida pelos Estados-Partes, na forma de compromis-
so político e não de obrigação jurídica propriamente dita, exigível de imediato:
Art. 26, CADH. Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como
mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressi-
vamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre edu-
cação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo
Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios
apropriados.
As discussões costumam focar na (in)viabilidade de se examinar demandas com
fundamento em tal preceito, tendo em vista dificuldades teóricas e práticas geradas
pela redação excessivamente vaga do dispositivo. Com efeito, da mera leitura do art.
26 da CADH, extraem-se pouquíssimos elementos aptos a contribuir para a aferição
de critérios que poderiam concretamente auxiliar na delimitação de seu conteúdo
jurídico. O enunciado do dispositivo não explicita precisamente quais seriam os di-
reitos protegidos, limitando-se a remeter o intérprete às “normas econômicas, sociais
e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados
Americanos”.
Por essa razão, a jurisprudência e a doutrina relutaram no reconhecimento da
justiciabilidade da norma do art. 26 da CADH, mesmo diante de casos envolvendo
nítidas violações a direitos econômicos, sociais e culturais. No conjunto de prece-
dentes do sistema, somente uma vez, no caso Milton García Fajardo (CIDH, 2001,
§§ 94-101), foi declarada, de maneira categórica, a responsabilização de um Estado
com fundamento no art. 26 da CADH. No âmbito acadêmico, reconhecidos estudio-
sos se alternaram na defesa de diferentes estratégias de litigância de questões sociais,
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 169
ora sustentando a plena operabilidade dos DESC, ora enfatizando suas limitações
hermenêutico-interpretativas.
Representando essa última corrente, James L. Cavallaro e Emily J. Schaffer
(2004) advogam, em artigo publicado no Hastings Law Journal, com o sugestivo
título “[m]enos como mais”, a adoção de uma postura mais comedida e cautelosa
quanto ao litígio de casos tratando de direitos econômicos, sociais e culturais perante
os órgãos do sistema interamericano. Para os autores, uma abordagem diretamente
centrada na tutela dos DESC poderia gerar efeitos contraproducentes, trazendo, ao
fim e ao cabo, mais prejuízos do que benefícios, por estar dissociada das peculiarida-
des do mecanismo regional de proteção, cuja estrutura normativa e funcional não se
mostraria propícia ao tratamento desse tipo de demanda.
Em contraste, esta não é, por exemplo, a posição de autores como Víctor Abra-
movich e Christian Courtis (1997) ou Antonio A. Cançado Trindade (1997). Para
eles, a distinção entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e cul-
turais é relativa, havendo níveis de obrigações estatais comuns às duas categorias de
direitos, importando, assim, sustentar a existência de aspectos dos DESC passíveis
de reivindicação judicial e de feições similares entre ambas as dimensões de direitos
humanos. Tais doutrinadores defendem a justiciabilidade dos DESC, por princípios
de interpretação do conteúdo, que emanam do trabalho dos órgãos de aplicação do
Pacto Internacional dos DESC – PIDESC –, que obrigam os Estados-Partes.
Na verdade, para Cavallaro e Schaffer, as polêmicas em torno da exigibilidade
da norma do art. 26 da CADH poderiam prejudicar o resultado prático do caso apre-
sentado, levando os Estados a questionarem a própria legitimidade dos órgãos regio-
nais em sua responsabilização com fundamento numa base jurídica, em certa medida,
ainda nebulosa. Alertam para alguns fatores a serem considerados na definição da
melhor estratégia de litigância, como, por exemplo: a) as limitações do mecanismo
regional, impostas, sobretudo, pela notável escassez de recursos, que comprometem
a capacidade da CIDH e da Corte de processarem um maior número de demandas; e
b) as variações quanto à disponibilidade dos Estados no cumprimento das recomen-
dações e das determinações dos órgãos de proteção.
Recomendam, por essas razões, a adoção de posição pragmática, focada em
interpretações expansivas dos direitos civis e políticos consolidados. Para ambos, a
melhor solução é: a) aceitar a análise das temáticas de ordem econômica e social à
luz do princípio geral da não discriminação; e/ou b) reconhecer a existência de ele-
mentos econômicos e sociais nos direitos civis e políticos clássicos. Sustentam que
a aplicação de uma perspectiva integrada – capaz de articular a litigância estratégica
internacional, nos moldes expostos, com ativismo político e midiático mais intenso
na esfera doméstica – poderia colaborar, na prática, para o alcance de resultados mais
efetivos em demandas de índole social, poupando o emprego de recursos na promo-
ção de debates teóricos, a seu ver, menos produtivos.
Por sua vez, em ensaio elaborado como contraponto direto à tese “[m]enos
como mais”, Tara J. Melish (2007) argumenta que a interdependência entre as cate-
gorias de direitos requereria não apenas a superação da dicotomia conceitual, mas o
reconhecimento, no campo prático, de que se aplicariam exatamente as mesmas obri-
gações jurídicas a todos os direitos humanos, independentemente de sua classificação
in abstracto. De acordo com a autora, a posição defendida por Cavallaro e Schaffer
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
170 Victor Machado Viana Gomes
representaria um retorno a estereótipos do passado, uma vez que se embasaria em
percepção equivocada dos DESC, como normas meramente programáticas, carece-
doras de obrigações jurídicas imediatamente exigíveis dos Estados, em contraste com
os direitos civis e políticos, de execução imediata.
O êxito do litígio supranacional em matéria de direitos sociais dependeria, a
seu ver, não do simples enquadramento terminológico das violações alegadas como
sendo “civis e políticas” ou “econômicas e sociais”, mas da sofisticação das estra-
tégias empregadas pelos peticionários. Enquanto algumas demandas atenderiam aos
critérios necessários para sua submissão ao mecanismo de petições e casos, outras
guardariam maior aptidão para tratamento no sistema geral de monitoramento dos
órgãos de proteção. A escolha da via mais adequada, porém, não se relacionaria com
o caráter dos direitos envolvidos no caso. Subordinar-se-ia, na verdade, ao efetivo
preenchimento, no caso concreto, dos requisitos de admissibilidade da ferramenta de
peticionamento.
Para Melish, é fundamental considerar a distinção da função contenciosa dos
órgãos interamericanos, relativa ao exercício de sua competência para a análise de
petições e casos individuais, de suas demais esferas de ação, como as atribuições de
monitoramento da situação geral dos direitos humanos no continente e de promoção
desses direitos entre os Estados americanos. Os direitos econômicos, sociais e cul-
turais, assim como os direitos civis e políticos, poderiam servir de base legal tanto
para a submissão de um caso à ferramenta de recepção e processamento de queixas
individuais como para o acompanhamento das condições gerais de observância dos
direitos humanos nos países da região. A correta definição da melhor estratégia de
ação dependeria dos contornos da situação concreta apresentada.
Considerando essas duas linhas de pensamento, entende-se assistir maior razão
à última autora, ao reconhecer a justiciabilidade direta dos DESC no âmbito do siste-
ma interamericano. Esse entendimento, inclusive, foi corroborado pela jurisprudên-
cia superveniente dos órgãos regionais, que confirmaram, em pronunciamentos mais
recentes, a exigibilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais, tuteláveis por
meio da ferramenta de demandas individuais. Na sentença do caso Acevedo Buendía
e outros, por exemplo, não obstante não haver declarado o descumprimento da nor-
ma do art. 26 da CADH, a Corte enfatizou sua competência para analisar violações a
todos os direitos reconhecidos no referido diploma, expressando que:
[...] embora o artigo 26 esteja no capítulo III da Convenção, intitulado “Direitos Econômicos, Sociais e Cul-
turais”, também está localizado na Parte I deste instrumento, intitulado “Deveres dos Estados e Direitos
Protegidos” e, portanto, está sujeito às obrigações gerais contidas nos artigos 1.1 e 2 indicados no capítu-
lo I (intitulado “Enumeração de Deveres”), bem como os artigos 3 a 25 indicados no capítulo II (intitulado
“Direitos Civis e Políticos”). (CORTE IDH, 2009, parágrafo 100)
Não se trata, porém, de interpretar o enunciado do art. 26 como cláusula de
conteúdo normativo totalmente aberto, flexível para acomodar a proteção de qual-
quer direito de ordem econômica, social e cultural, amoldando-se às circunstâncias
de cada caso. Os Estados-Partes da CADH acordaram, de boa-fé, por sua submissão
às deliberações dos órgãos regionais de proteção no exame de demandas individuais
relativas a supostas violações de direitos humanos ocorridas em sua jurisdição. A
CIDH e a Corte IDH exercem funções nos limites das atribuições que lhes foram
outorgadas pelos Estados, sem que possam extrapolar suas competências materiais,
tampouco desvirtuar ou desnaturar o significado dos direitos reconhecidos.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 171
Neste aspecto, mesmo acadêmicos e profissionais ainda reticentes quanto à
aplicação direta do art. 26 da CADH na fundamentação das deliberações dos órgãos
interamericanos têm evoluído seu posicionamento para reconhecer, ao menos quan-
to a alguns direitos, como os de cunho sociolaboral, a viabilidade de se utilizar esse
preceito normativo como parâmetro para a inferência, articulando-o com as disposi-
ções da Carta da OEA, das obrigações jurídicas dos Estados. Sublinhe-se a concessão
realizada pelo juiz Sierra Porto em relação aos direitos depreendidos com maior se-
gurança da Carta da OEA, que fornece ao intérprete o conteúdo elementar das obri-
gações pactuadas em matéria de DESC:
[...] o artigo 26 da Convenção Americana não contém um catálogo de direitos subjetivos estabelecido de
maneira clara, precisamente pelos problemas que gera a remissão à Carta da OEA. Portanto, a obriga-
ção em que este artigo implica, e que a Corte pode supervisionar de maneira direta, é o cumprimento da
obrigação de desenvolvimento progressivo e seu consequente dever de não retrocesso dos direitos que
possam derivar da Carta, indo além da simples referência ao nome, como poderia ser o direito ao traba-
lho. (CORTE IDH, 2015b, parágrafo 11, tradução nossa)
Partindo-se da premissa de que os direitos econômicos, sociais e culturais são
tuteláveis pela via do mecanismo interamericano de petições e casos, propõe-se uma
mudança de paradigma no processamento de demandas de índole trabalhista. Essa é
a principal contribuição que aporta o presente texto. Seguindo contornos metodoló-
gicos semelhantes aos já esboçados por Víctor Abramovich e Julieta Rossi (2007) na
leitura do art. 26 do Pacto de San José, a técnica decisória cuja aplicação ora se suge-
re consiste no emprego sistemático desse dispositivo em demandas que versem sobre
direitos sociolaborais. Argumenta-se que, em razão de sua redação pouco precisa, tal
preceito demandaria do intérprete exame complementar das demais disposições do
corpus iuris interamericano, com vistas a preencher adequadamente seu conteúdo
normativo.
O próprio art. 26 da CADH aponta que os direitos protegidos pelo dispositivo
seriam aqueles decorrentes “das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciên-
cia e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reforma-
da pelo Protocolo de Buenos Aires”. Desse modo, o primeiro passo para a correta
interpretação do enunciado seria sua análise conjugada com o conteúdo da Carta da
OEA, a fim de se determinarem exatamente quais direitos estão compreendidos no
escopo protetivo do art. 26 da CADH. Tem-se aqui importante teste para a demarca-
ção do catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais abarcados pelo Pacto de
San José, limitando-o em função daqueles que podem ser inferidos, com precisão, da
Carta da OEA.
No que interessa ao tema do presente estudo, é possível mencionar alguns exem-
plos de direitos sociotrabalhistas extraídos do texto expresso da Carta da OEA. São
eles: a) o direito de acesso ao trabalho, ao labor em condições dignas e à percepção
de uma remuneração justa (art. 45.b); b) o direito de livre associação, de negociação
coletiva e de realização de greve (art. 45.c); e c) o direito à previdência social (art.
45.h). Estes direitos podem ser objeto de tutela direta, por parte dos órgãos regionais,
através da abertura conferida por intermédio da norma do art. 26 da CADH. Eis, pois,
o ponto de partida para a delimitação do espectro de incidência da obrigação jurídica
dos Estados de desenvolvimento progressivo dos direitos sociolaborais.
Ato contínuo, no objetivo de alcançar maior profundidade no procedimento
de determinação normativa, seria pertinente a busca de dispositivos relacionados na
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
172 Victor Machado Viana Gomes
Declaração Americana. Como visto, embora não se tenha concebido o referido do-
cumento, no momento de sua elaboração, como um tratado propriamente dito, seu
valor jurídico como fonte de obrigações internacionais para os Estados-Membros é
reconhecido no âmbito da organização. A Declaração, ao representar o compromis-
so dos Estados com o estabelecimento de um regime inicial de proteção aos direitos
humanos, seria apta a auxiliar na avaliação do sentido e do alcance dos princípios
consagrados na Carta (CORTE IDH, 1989, parágrafo 43).
Como reforço interpretativo, por fim, cabe a consideração das normas correlatas
provenientes de outros instrumentos regionais. Especificamente quanto ao Protocolo
de San Salvador, cumpre rememorar que, por força de expressa autorização, o dispo-
sitivo referente ao direito à liberdade sindical (art. 8.1.a) é apto a ensejar, no âmbito
do sistema de queixas individuais, a responsabilização direta dos Estados-Partes por
seu descumprimento. Aplicam-se os outros preceitos oriundos do Protocolo relativos
à temática laboral, assim como ocorre, em regra, com as disposições dos demais tra-
tados interamericanos, como elementos de interpretação, colaborando para a melhor
análise da base jurídico-normativa que fundamenta a demanda.
Consoante entendimento esposado pela Corte IDH (2008, § 153), deve-
-se interpretar um dado dispositivo da Convenção Americana não de modo isolado,
mas em harmonia com os demais preceitos do diploma normativo, sem que se igno-
rem os princípios básicos que inspiram o documento. Na determinação do alcance
das normas oriundas de um tratado internacional, deve-se levar em consideração,
ademais, não somente os acordos formalmente relacionados com o instrumento (art.
31.2 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969), mas também, de
modo mais abrangente, o sistema jurídico em que se insere, ou seja, o Direito Inter-
nacional dos Direitos Humanos (CORTE IDH, 2012, § 191).
Em resumo, demarca-se, inicialmente, a incidência temática da norma do art.
26 da CADH em função dos direitos econômicos, sociais e culturais previstos na
Carta da OEA, especialmente em seu art. 45, cujos incisos expressam a vontade dos
Estados do continente de envidarem esforços para a realização de princípios comuns,
com destaque para aqueles de ordem sociolaboral. Aplica-se o preceito do art. 26 na
tutela jurídica de determinada situação apenas na hipótese de o tema em exame se
coadunar com os direitos que podem ser extraídos, com claridade, das disposições da
Carta. Superado com êxito o teste, incumbe ao intérprete, considerar ainda dispositi-
vos correlatos de outros instrumentos do sistema, como a Declaração Americana e o
Protocolo de San Salvador.

4. Análise de casos

É preciso reconhecer que a discussão em torno da justiciabilidade direta dos


DESC não corresponde a um debate meramente teórico ou acadêmico. São várias as
implicações no campo prático do reconhecimento de sua exigibilidade autônoma. Em
voto concorrente, subscrito por outros dois magistrados, na sentença do caso Gonza-
les Lluy y otros (CORTE IDH, 2015b, parágrafos 18-23), o juiz Mac-Gregor Poisot
destaca como eventuais vantagens da tutela direta dos direitos econômicos e sociais:
a) a amplificação do efeito útil dessas normas; b) a elucidação das obrigações dos
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 173
Estados quanto à realização dos direitos econômicos e sociais; e c) o melhor alinha-
mento entre as violações e as reparações determinadas pelos órgãos do sistema.
Nenhum preceito oriundo dos tratados regionais pode ser ignorado pelo intér-
prete em situações em que seja relevante sua aplicação. Caso contrário, ter-se-ia a
nulificação da vontade manifesta pelos próprios Estados na celebração dos instru-
mentos. A tutela direta da obrigação de realização dos direitos econômicos, sociais e
culturais é fundamental para assegurar o effet utile das normas concernentes à temá-
tica frente às eventuais vulnerações sofridas pelas supostas vítimas. Adicionalmente,
em abordagem que valorize sua exibilidade, por meio de reparações de caráter trans-
formador, com ênfase em medidas de não repetição, o efeito útil conferido a essas
normas acaba repercutindo sobre porções mais amplas da sociedade.
Por outro lado, levando-se em consideração a noção de restituição plena (resti-
tutio in integrum) empregada pelos órgãos regionais, conclui-se que o tratamento di-
reto dos DESC na análise das demandas de índole trabalhista tornaria mais coerente,
em muitos casos, a relação entre as violações cometidas e as correspondentes medidas
reparatórias. Para ilustrar, na sentença do caso Baena Ricardo y otros (CORTE IDH,
2001, parágrafo 203), o tribunal determinou, entre outras medidas, a reintegração dos
trabalhadores demitidos injustamente pelo Estado. Tal modalidade de reparação pos-
sui conexão muito mais clara e linear com o direito ao trabalho do que com o direito
ao devido processo, principal norma declarada pelo órgão como infringida.
Aplicada com correção a dogmática indicada na seção antecedente, difícil não
visualizar a violação da norma do art. 26 do Pacto de San José em algumas das de-
mandas descritas. Poder-se-ia, por exemplo, haver declarado a vulneração do precei-
to em casos como o dos “Cinco Aposentados” movido em face do Peru, referente aos
efeitos regressivos da restrição indevida ao direito adquirido das vítimas de recebe-
rem uma pensão nivelável. Como visto, o direito à previdência é um direito de ordem
econômica e social que se pode extrair da literalidade do texto da Carta da organi-
zação, encontrando-se igualmente compreendido no espectro protetivo da norma do
art. 26 da CADH.
Lamentavelmente, nesse precedente, a Corte acabou trilhando outro percurso
jurídico. Em detrimento de uma análise verticalizada da norma do art. 26 do Pacto de
San José, preferiu se concentrar nas violações aos arts. 21 (direito à propriedade) e
25 (proteção judicial) da CADH, com reforço ao modelo de tutela reflexa dos DESC.
No caso, restou provado o caráter regressivo das medidas adotadas pelo Estado pe-
ruano no tocante ao regime de pensões em que se inseriam as vítimas, que afetou o
desenvolvimento progressivo de seu direito à previdência social e, dadas as dimen-
sões alarmantes da redução imposta (com a diminuição de quase 80% do montante
original), seu “projeto de vida”, em última análise.
Na sentença, o tribunal considerou que o desenvolvimento progressivo dos di-
reitos econômicos e sociais, entre os quais se insere o direito à previdência social,
deveria ser aferido “em função d[e sua] crescente cobertura [...] sobre o conjunto
da população [...] e não em função das circunstâncias de um grupo muito limitado
de aposentados não necessariamente representativo da situação geral prevalecente”
(CORTE IDH, 2003b, parágrafo 147). A postura evasiva da Corte foi seguida por se-
veras críticas, inclusive de membros do tribunal. Consoante reconheceu o juiz Roux
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
174 Victor Machado Viana Gomes
Rengifo, em voto separado, o raciocínio utilizado pelo órgão se mostra incoerente
com as atribuições que lhe são conferidas pelo Pacto de San José:
[o] fundamento segundo o qual apenas seria procedente submeter ao test do artigo 26 as atuações dos
Estados que afetam o conjunto da população, não parece ter base na Convenção, entre outras razões
porque a Corte Interamericana não pode exercer – à diferença do que ocorre com a Comissão – um tra-
balho de monitoramento geral sobre a situação dos direitos humanos, sejam os civis e políticos, ou os
econômicos, sociais e culturais. O Tribunal apenas pode atuar em casos de violação de direitos humanos
de pessoas determinadas, sem que a Convenção exija que estas tenham de alcançar determinado núme-
ro. (CORTE IDH, 2003b, parágrafo 19)
Ao indicar que a suposta violação à norma do art. 26 da CADH deveria ser ve-
rificada a partir da ocorrência de afetações sobre o conjunto da população, a Corte
pareceu excluir situações referentes ao plano individual da justiciabilidade desse dis-
positivo. Não é essa, porém, a compreensão que se espera do órgão, posto que a fer-
ramenta de petições e casos do sistema se dirige exatamente ao tratamento de queixas
individuais. Quando se apresenta uma demanda, verse sobre quaisquer direitos, cabe
à CIDH ou à Corte IDH determinar se ocorreu ou não a violação alegada em relação
às eventuais vítimas apontadas na denúncia, e não quanto à sociedade em geral ou a
grupos de indivíduos não incluídos na petição (PETIT; OPIE, 2006, p. 280 e 281).
A obrigação de desenvolvimento progressivo implica, por coerência, em dever
correlato de não retroceder nos avanços já alcançados quanto ao tema. Em que pese
eventual finalidade legítima das mudanças no regime de pensões, com vistas ao ree-
quilíbrio do sistema de seguridade social, carga probatória da qual caberia ao Estado
se desincumbir, entende-se que a dimensão das restrições impostas nos casos em tela
se mostra desarrazoada, pelo encolhimento drástico (e sem aviso-prévio) do montan-
te das pensões. Em dissonância com o requisito da proporcionalidade (stricto sensu),
afetou-se, de maneira excessiva, o direito à previdência social das vítimas, privando-
-as do gozo de um nível econômico digno, durante seu período de inatividade.
Teria sido mais adequado, portanto, que a Corte IDH houvesse centrado sua
análise no direito à previdência social – com fundamento no art. 26 da CADH c/c
o art. 45, “b” e “h”, da Carta da OEA – do que no exame da violação aos direitos à
propriedade privada e à proteção judicial. A demanda constituía excelente oportuni-
dade de aclarar o real sentido e alcance da norma do art. 26 da CADH em relação às
obrigações do Estado quanto à progressiva realização do direito à previdência social,
demarcando seu conteúdo mínimo à luz da Carta da OEA, em conexão com dispo-
sições correlatas de outros instrumentos do sistema, como o art. XVI da Declaração
Americana e o art. 9º do Protocolo de San Salvador.
Sem intenção de esgotar as hipóteses de aplicação da técnica decisória aqui
defendida, é ainda oportuno mencionar casos sobre demissões arbitrárias, como Tra-
bajadores Cesados del Congreso e Canales Huapaya y otros. O direito ao trabalho,
que se infere dos arts. 45.b e 50 da Carta, inclui não apenas o direito de acesso ao
trabalho, mas também o direito dos indivíduos de não serem arbitrariamente privados
do exercício regular de suas atividades laborais. Logo, parece viável, prima facie, a
proteção contra os efeitos da despedida arbitrária por meio do art. 26 da CADH, que
se conecta a outros preceitos do corpus iuris regional, como o art. XIV da Declaração
Americana e os arts. 6º e 7º do Protocolo de San Salvador.
A Corte IDH chegou a reconhecer, no caso Trabajadores Cesados del Congre-
so, que seria presumível, em decorrência dos fatos indicados, a ocorrência de resulta-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 175
dos danosos também quanto ao exercício dos direitos inerentes à relação laboral. No
entanto, considerou que esses reflexos, prejudiciais ao gozo dos DESC, deveriam ser
analisados apenas no momento da deliberação sobre as medidas reparatórias. O tri-
bunal desperdiçou a oportunidade de emitir juízo em relação à violação ao art. 26 da
CADH (c/c o art. 45.b da Carta da OEA) pelo fracasso do Estado peruano na proteção
do direito ao trabalho, com consequências de caráter regressivo sobre a realização
dos direitos econômicos e sociais das supostas vítimas.
Posteriormente, em voto separado na decisão do caso Canales Huapaya y otros
(CORTE IDH, 2015c), tratando exatamente do mesmo marco fático do caso em ques-
tão, os juízes Roberto F. Caldas e Mac-Gregor Poisot sustentaram que o tribunal
deveria haver invocado a aplicação do art. 26 da CADH. Para os magistrados, as prin-
cipais afetações teriam resultado da violação ao direito ao trabalho, impedindo que as
vítimas usufruíssem de suas remunerações e prestações sociais. Com fundamento no
art. 26 da CADH, o órgão teria competência para conhecer da violação autônoma ao
direito ao trabalho, considerando, além da Carta da OEA, o Protocolo de San Salva-
dor como norte interpretativo para a determinação de seu alcance.
Quiçá, nos casos Trabajadores Cesados del Congreso e Canales Huapaya y
otros, a aplicação do art. 26 do Pacto de San José (c/c o art. 45.b da Carta da organi-
zação), em sua conotação referente ao direito ao trabalho, tivesse conduzido, a depen-
der do resultado obtido na análise, a uma postura mais firme por parte da Corte IDH
quanto à (ir)regularidade das demissões coletivas empreendidas pelo Estado peruano.
Com efeito, era possível que tribunal tivesse realizado, diretamente, o controle de
convencionalidade dos decretos que ensejaram as demissões, examinado, à luz da
normativa internacional, se seriam ou não válidos.
Eventualmente, caso fossem considerados incompatíveis com a norma do art.
26 da CADH, a Corte estaria autorizada a determinar, de modo peremptório, a reinte-
gração das supostas vítimas aos cargos que antes ocupavam no Congresso. Os demais
trabalhadores demitidos, não incluídos nas respectivas demandas perante o sistema
interamericano, poderiam aproveitar, indiretamente, os parâmetros fixados pelo tri-
bunal, para pleitear, em âmbito doméstico, a revisão de suas exonerações, com funda-
mento nas obrigações estatais de lhes permitir o efetivo acesso à justiça e de realizar
o controle de convencionalidade, implementando os standards normativos e jurispru-
denciais interamericanos.

5. Considerações finais

Constata-se a importância do sistema interamericano como reforço aos regimes


nacionais de proteção aos direitos humanos dos Estados da região. No entanto, o exa-
me do conjunto de decisões proferidas pela CIDH e pela Corte IDH, em relação à te-
mática trabalhista, conduz ao diagnóstico de que os casos e petições de índole laboral
são, em regra, enfrentados exclusivamente pela via dos direitos civis e políticos e não
no seu campo próprio. Paradoxalmente, todavia, os órgãos regionais reconhecem,
em seus pronunciamentos, a exigibilidade dos DESC, com fundamento no art. 26 do
Pacto de San José, dispositivo de interpretação ainda pouco explorado na solução de
demandas concretas.
Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa
176 Victor Machado Viana Gomes
Votos recentes de magistrados da Corte parecem indicar alguma luz nesse ca-
minho, expressando a opinião favorável de membros do tribunal quanto à tutela di-
reta dos DESC, nomeadamente em demandas de cunho laboral – entendimento que
pode, em breve, tornar-se majoritário. A correta aplicação, em casos concretos, da
norma do art. 26 da CADH viabilizaria novos roteiros jurídicos na proteção dos di-
reitos sociolaborais no âmbito o sistema regional, sendo que os direitos tutelados por
intermédio desse dispositivo são extraídos, em razão de determinação convencional,
do conteúdo da Carta da OEA, principalmente dos preceitos dos incisos de seu art.
45, que enumeram alguns direitos de caráter trabalhista.
Observe-se que não se sugere aqui a simples substituição de um modelo de tu-
tela por outro, mas sua complementação, de modo articulado, não deixando desam-
parada a dimensão civil e política, tampouco a econômica, social e cultural. A adoção
de uma metodologia aglutinadora, como a defendida, revela-se indispensável quando
consideradas as particularidades da matéria em questão, que transcende categorias
estanques e limitadas de direitos. As normas sociotrabalhistas caracterizam-se pela
pluridimensionalidade, objetivando proteger a integridade, em seus aspectos físico e
moral, e a dignidade do trabalhador, ao tempo em que buscam promover a melhora de
suas condições de vida, favorecendo, por conseguinte, seu progresso social.
Poder-se-ia imaginar, de maneira apressada, que os órgãos do sistema regional
não se prestariam à abordagem de questões mais específicas na temática sociolabo-
ral. No entanto, cabe ressaltar que quase todos os dispositivos convencionais repre-
sentam, para o universo jurídico, normas bastante abstratas e com expressiva carga
valorativa, abarcando solução para variadas situações, desde que sejam submetidas
ao procedimento hermenêutico adequado. Neste ponto, aliás, saliente-se que as par-
tes desempenham papel ativo no dimensionamento semântico desses enunciados, ao
oferecerem suas teses ao órgão ou juízo em questão, postulando persuadi-lo de modo
racional, em consonância com a perspectiva que sustentam.
Esclareça-se que não está inserido, no escopo da proposta formulada, o au-
mento do número de casos trabalhistas solucionados pelo sistema interamericano. O
objetivo consiste, na verdade, em favorecer o incremento qualitativo do repertório
de precedentes, sabendo-se que a litigância internacional não almeja converter os
órgãos regionais, de caráter subsidiário, em nova instância processual trabalhista. Pri-
ma-se, nesta esfera, pelo denominado litígio de impacto, com o estabelecimento de
critérios jurídicos cuja relevância transcende a solução de demandas individuais, por
entender-se que a emergência de standards mais sofisticados no campo sociolaboral
poderia catalisar o interesse do aparato jurídico interno dos países da região em sua
incorporação doméstica.
Sustenta-se que o manejo estratégico do mecanismo de peticionamento do siste-
ma interamericano apresenta potencialidade para amplificar em âmbito regional, pelo
desenvolvimento de um conjunto de precedentes favoráveis, a proteção do trabalho
humano. A abordagem direta dos direitos sociolaborais, também em seus aspectos
econômico, social e cultural, conferiria maior grau de clareza e de determinação às
obrigações estatais, com a produção de novo arcabouço de parâmetros jurídicos, a
ser recepcionado, pouco a pouco, pelos Estados. Como resultado, promover-se-ia,
de modo dinâmico, a alteração de leis e o aprimoramento de políticas públicas, nos
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 177
Estados-Membros, inspirando-se na evolução dos acúmulos interpretativos dos ór-
gãos interamericanos.

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Maria Luiza Pereira Alencar de Mayer Feitosa


178 Victor Machado Viana Gomes
— 11 —

Bienestar y desigualdad. Re-caracterizar la


democracia en un nuevo orden legal democrático

PABLO PEREL1

Sumario: Primera parte; Segunda parte; Consideraciones finales y provisorias; Referencias.

Primera parte

En primer lugar plantearé como hipótesis que dada la interconexión entre los
Estados y el grado de vínculos estrechos – mundo dependiente en términos de LaFo-
llette (2013) que esta cuestión genera deviene necesario promover – al menos en el
plano de los ideales regulativos – una nueva lógica de relaciones internacionales ba-
sada en el derecho cosmopolita (ciudadano como sujeto central en el combate colec-
tivo contra la desigualdad). Sobre todo teniendo en cuenta que la economía mundial,
en su fase actual, escapa al control de cualquier comunidad política y requiere una
nueva dinámica de pensamiento político respetando los mecanismos de constitucio-
nalidad democrática (protección y seguridad para quienes acepten su regulación). Es
decir, corresponde plantearse al tiempo si el Estado – Nación puede seguir siendo el
elemento central del análisis en un contexto en donde la distancia es cada vez más
creciente entre los decisores y quienes son afectados por las decisiones (análisis de la
autoridad vertical y horizontal).
Por supuesto, este breve aporte se enmarca en los numerosos estudios sobre la
globalización pero añade algunos elementos novedosos como la preocupación por
advertir que ciertas decisiones estatales no son producto de la acción de gobiernos es-
pecíficos – locales sino que obran como respuesta a requerimientos externos. En este
aspecto retoma el clásico problema de la legitimación democrática de los decisores y,
a su turno, el déficit en la relación entre representantes y representados en relaciones
locales, nacionales, regionales y globales. En palabras de David Held (1997, p. 38)
“las comunidades nacionales no son de ninguna manera las únicas fuentes de diseño
1
Doctorando Université Paris X, Ouest Nanterre La Défense, Francia, 2015/16. Master Global Rule of Law and Con-
stitutional Democracy, Università degli Studi di Genova, Italia. Director de Proyecto DECyT, investigador y profesor
adjunto (i), Facultad de Derecho, (UBA). Abogado con diploma de honor, Universidad de Buenos Aires. Subsecreta-
rio de la Suprema Corte de Justicia de Buenos Aires a cargo del Instituto de Estudios Judiciales.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 179
y elaboración de las decisiones políticas que ejercen influencia sobre la vida de sus
miembros y las medidas implementadas por los gobiernos no afectan exclusivamente
a sus propios ciudadanos”.
Con esta perspectiva que apunta a otorgar un plus de ciudadanía – en un con-
texto de auge neo conservador – entendiendo que las cuestiones centrales no son
resueltas en el marco de los poderes locales es que se plantea como utopía de trabajo
la noción de una ciudadanía global (que descarte las teorías acotadas del tipo “bote
salvavidas”) con plena intervención de los actores sociales en el complejo entramado
de relaciones oligopólicas y de rivalidad económica de bloques regionales.
La ciudadanía global, estaría fundada no sólo en la lógica de ampliación de de-
rechos sino, sobre todo, en la consciencia de que los problemas globales requieren
soluciones del mismo tenor (el Estado concebido como un espacio que no cierra el
circuito).
A mediados de los años setenta Garrett Hardin (1974), en línea antagónica con
el enfoque precedente, promovió un enfoque ortodoxo basado en la llamada “ética
del bote salvavidas” dando cuenta de los problema epocales mas acuciantes como el
incremento de la población y la escasez de recursos con una argumentación en torno a
conceptualizar la ayuda y la transferencia de recursos de países centrales a periféricos
(usando términos del momento).
La cuestión estaba planteada alrededor de la figura de un bote como escenario
de salvaguarda de los incluidos (países poderosos) frente al contexto externo de ex-
cluidos con ansias de abordar. En esa disyuntiva el autor se pregunta si los pasajeros
deben auxiliar a los nadadores que pugnan por su vida o darle más énfasis a mejorar
las condiciones de quienes están en condiciones de salvarse (dilema de la supervi-
vencia: los derechos adquiridos luego de haber asumido las responsabilidades. Obli-
gación de no ayudar).
Algunas de las propuestas conservadoras reseñadas en el artículo citado dan
cuenta de las experiencias en torno a los mecanismos para concebir espacios de inter-
cambio de alimentos descartando esta opción como inválida al destacar el incremento
de las necesidades alimenticias (propuesta de reducir la tasa de población – mejorar
la gestión – falta de planificación como actitud inconciente). Como contrapartida
Hardin (1974) señala la necesidad de implementar mecanismos de planificación que
permitan reducir las poblaciones bajo la línea de la pobreza y las epidemias (capaci-
dad limitada de la tierra para alimentar a población creciente y generaciones futuras:
aumento del sufrimiento).
Al parecer la concepción conservadora de Hardin (1974) aspira, en teoría, a
mejorar las relaciones internacionales a partir del intercambio tecnológico y el valor
agregado de los productos. Es decir, basa su aporte no en la ayuda humanitaria – cari-
dad – sino en el desarrollo de esquemas competitivos que garanticen un avance en la
concepción de los países que pase de meros productores de alimentos a exportadores
de tecnología.
Esta visión, precursora en su época pero escueta, se relaciona con la perspectiva
desarrollista de los primeros años sesenta con la Alianza para el Progreso que preten-
dían generar desarrollos locales con técnicas al alcance de la ciudadanía para adquirir

180 Pablo Perel


oficios os elementos aptos para la mejora en las condiciones de vida con fondos de
ayuda internacionales.
Sin embargo, creo que en tiempos de crisis como los actuales el problema no
radica necesariamente en la superpoblación sino en el desigual reparto de la riqueza.
Esto es criticar la noción que el hambre está atado a la escasez de alimento. Es decir,
poner hincapié en el combate a la desigualdad en lugar de la mera reducción de la
pobreza.
Como señala, Hugh LaFollette (2013) – en una crítica al neo conservadurismo
y mas allá del voluntarismo – el asunto puede tornarse menos dramático a partir del
esfuerzo y compromiso colectivo. Por ejemplo la ayuda inmediata de alimentos y
de recursos médicos, acoplada con la ayuda del desarrollo para realzar la seguridad
económica, baja las tasas de mortalidad infantil, y mejoran el logro educativo de sus
ciudadanos. La necesidad exige nuestra ayuda, en palabras de Robert Goodin.
La responsabilidad por la desigualdad intolerable en el punto de partida está
atada al bienestar que usufructuamos.
En el mismo sentido, retomando a David Held (1997), puedo señalar algunas
críticas a las propuestas de Estado mínimo – laissez faire – o las doctrinas del propio
interés que propugnan el dejar hacer como eje central dando cuenta que, en la actua-
lidad, corresponde revisar el rol estatal considerando las notorias influencias de los
ordenamientos jurídicos supranacionales. La actividad humana se organiza a escala
global en un paradigma de incesante movimiento de bienes, flujo comunicacional,
intercambio cultural y tránsito personal. Aquí subyace una crítica a la visión estatis-
ta, que en términos opuestos, pondrá énfasis en la igualdad formal e independencia
entre Estados tomando la definición de Weber que establece que se trata de “una
organización política que posee un monopolio centralizado del empleo legítimo de
fuerza en una sociedad particular y en un territorio particular” que posee soberanía
absoluta y por tanto rechaza cualquier interferencia de otro Estado en sus asuntos
internos (Estado como actor protagónico de la escena internacional). Este esquema
clásico, claramente, genera dependencia entre el Estado y los ciudadanos evitando
empoderarlos como sujetos. Los ciudadanos, en esta lógica, son inducidos a obedecer
mediante mecanismos de coacción en lugar de estrategias cooperativos o de consenso
democrático – deliberativo.
Rescatando las propuestas de teóricos como Samir Amin nuestro autor pro-
pone re-pensar el concepto de capitalismo agregando un abordaje que refiere a la
pluralidad de posiciones que podrían incluirse bajo este concepto – capitalismo(s)
tan dispares como los de Suecia, Japón o Estados Unidos que ponen en crisis aquella
máxima que pregonaba el fin de la historia o la fuerza natural del mercado –. La crí-
tica también aquí es profunda ya que abarca a los portavoces del pensamiento único
en sus distintas facetas generando herramientas para renovarlo en pos de instituciones
dinámicas que, desde el consenso internacional, promuevan un control de los recur-
sos económicos y la reasignación de prioridades en materia distributiva (presupuesto
armamentista en lugar de recursos para combatir la desigualdad).
La concepción del ser humano como un ciudadano con virtud cívica, autóno-
mo (posibilidad de vivir en libertad), participativo (no apático), con cultura política
y, por ende, capaz de decidir su propio destino sin condicionamientos ni interferen-
cias arbitrarias está presente en este abordaje que no se resiste a pensar en términos
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 181
antagónicos a la libertad y a la igualdad sino que, al contrario, los vuelca de modo
interdependiente e indivisible dotando a la teoría de contenido ético. Las relaciones
económicas propias del capitalismo actual desafían, como se sabe, a cualquier pers-
pectiva de autonomía a partir de procesos mecánicos de producción jerárquicamente
implementados que impiden el pleno desarrollo de las experiencias personales como
actores de un proceso político igualitario (con justicia social).
De esta perspectiva de compromiso democrático con las mayorías vale la pena
destacar que los distintos tipos de capitalismo mantienen una deuda concreta en ma-
teria de tutela de los derechos fundamentales otorgando visibilidad a la acción de
elementos u organismos extra estatales que reconfiguran los escenarios de políticas
públicas locales. Con esta propuesta pone en jeque al clásico concepto de soberanía
estatal perpetua y absoluta generando los elementos para advertir el notorio predo-
minio del intercambio financiero y tecnológico que habilita el tránsito incesante de
inmigrantes que requiere un abordaje global dada la dispersión de focos de poder y el
auge de instituciones internacionales (interdependencia compleja).
La propuesta de una ley democrática internacional dotada de legitimidad por
el consenso obtenido mediante la deliberación de ciudadanos adultos, libres y autó-
nomos (oportunidades de participación y pluralismo cultural) permite, según Held
(1997), la posibilidad de plantear un marco institucional que regule a las sociedades
y Estados dando chance de ampliar los beneficios personal en pos del disfrute de
“múltiples ciudadanías”. Esta reubicación de los Estados ahora no como centro sino
como componentes de un derecho democrático global requiere un proceso de re-de-
finición de rol (nuevo modo de organización del Estado en secciones: nivel nacional
o inferior: problemas colectivos que afecten una población concreta dentro de las
fronteras). La soberanía, “estaría organizada en diversas asociaciones autorreguladas
desde los Estados hasta las ciudades y corporaciones”. En suma, democracia amplia-
da desde las asociaciones, las ciudades y las naciones hasta las regiones, continentes
y redes globales.
En ese camino, las cuestiones que trasciendan las fronteras requerirán nuevos
mecanismos legales y una organización capaz de generar la intervención transnacio-
nal en una colaboración interfronteriza de nivel superior (por ejemplo en cuestiones
vinculadas con el medio ambiente, protección de recursos naturales, epidemias, se-
guridad global, tráfico de capitales, combate a la desigualdad – en tanto amenaza a la
autonomía que vulnera la libertad política y, por ende, la vida democrática: ingreso
básico a la propiedad productiva / financiera – y el crimen organizado).
Claro está, desde esta perspectiva las cuestiones de implementación no serán
sencillas lo cual genera un desafío para aportar la mayor cantidad de esfuerzos dispo-
nibles contra el escepticismo.
En la misma línea LaFollette (2013) plantea la obligación positiva de asistir a
quienes son vulnerables de nuestras acciones en tanto responsables del devenir.

Segunda parte

Democracia y capitalismo en el contexto de la globalización. Crujidos, no tan


pequeños. Responsabilidad colectiva frente a la crisis y auge neo conservador.

182 Pablo Perel


La democracia pierde su sentido cuando la vida de un país se ve gobernada por genuinos tiranos priva-
dos, de tal manera que los trabajadores se encuentran subordinados al control empresarial y la política
se convierte en una suerte de sombra que los negocios arrojan sobre la sociedad (John Dewey citado por
Carlos Taibo en “Breve reflexión sobre la globalización”)
Estas páginas tienen entre sus objetivos, intentar esbozar conjeturas comple-
mentarias y críticas a los argumentos vertidos en la primera parte del ensayo, respecto
del papel del Estado-Nación en un contexto globalizado. Como punto de partida, en-
tonces, es preciso establecer el marco teórico de referencia para definir el plurisémico
concepto de globalización. Al respecto, Anthony Giddens define al fenómeno como
“la intensificación de las relaciones sociales a nivel mundial que vincula localidades
distantes de tal manera que los acontecimientos locales son modelados por eventos
que tienen lugar a muchas millas de distancia y viceversa…” (GIDDENS, 1991, p.
64). Sin embargo, este rasgo dista de ser novedoso, ya que la interrelación entre sitios
lejanos y sus consecuencias son más que conocidas en la historia2 (SOUSA SAN-
TOS, 1998, p. 56). La interactividad aludida se presenta, de este modo, asimétrica,
en tanto priman las reglas establecidas por los centros de poder mundial, con especial
recelo por escamotear ciertas informaciones, tecnologías y conocimientos y univer-
salizar otros tantos mucho más banales. Es así pues, como la industria de producción
de contenidos de consciencia adquiere un carácter totalizante de la mano de los gran-
des oligopolios transnacionales propietarios de editoriales, diarios, emisoras de radio
y televisión, productoras cinematográficas y discográficas, satélites y hasta centros
educacionales propio (CAPELLA, 1997, p. 246).
Deja de haber fronteras para los flujos financieros, de bienes y servicios (THU-
RROW, sd. p. 238), a la vez que en una nueva manifestación del apartheid, Occidente
virtualmente se clausura, al imponer restricciones, que rozan con la xenofobia, a las
migraciones internacionales de personas. Si como afirma Luigi Ferrajoli (1998), exis-
te un vínculo entre democracia e igualdad, por un lado y entre desigualdad de dere-
chos y racismo por el otro, esta política internacional restrictiva, propia de los países
hegemónicos, produce en el imaginario social la sensación de que la desigualdad en
la titularidad de derechos es consecuencia de una pretendida inferioridad antropoló-
gica. Con todo lo dicho, la ilusoria homogeneidad globalizadora queda desvirtuada.
Luego de la esquemática descripción teórica precedente, es momento de ingre-
sar en el terreno de los protagonistas de este nuevo capítulo histórico y preguntarnos,
en este instante, cual será el rol del Estado-Nación en contextos como los analizados.
Como se sabe, en este tema, como en tantos otros de similar magnitud, la cuestión
es harto debatida. Desde un enfoque fundamentalista y apologético de la globaliza-
ción, podría sostenerse que el orden mundial sería hoy, básicamente, un sistema de
relaciones entre agentes económicos, en donde los vínculos interestatales carecen de
trascendencia (RAPPORT, 1997). No son pocos los riesgos que trae aparejado ad-
mitir semejante petición de principios. Los países centrales, claramente, optan por el
camino antagónico, fronteras adentro, rechazando el postulado del “Fin del Estado”.
De este modo, y a pesar del poder mutilado que limita la noción de soberanía, el Es-
tado – Nación debe presentarse, cada vez con más urgencia, como el primer obstáculo
contra el desembarco del capital financiero. Otra solución implicaría inclinarse por
admitir y congraciar a las corrientes incesantes de inversión especulativa transnacio-
2
Sobre el punto, los ejemplos de colonialismo son claramente ilustrativos.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 183
nal3 delegando el poder a las compañías transnacionales os meros especuladores, am-
parados por su garante legal del dividendo: el FMI, OMC o el Banco Mundial.4
El esquema de creciente e intolerable desigualdad es claro, según los datos ex-
traídos de Taibo, en torno a la diferencia entre los niveles mas ricos y pobres de la
población: “si el cálculo lo realizamos sobre la base de los niveles de ingresos co-
rrespondientes al 20% más rico y al 20% más pobre, esas diferencias eran de 30 a 1
en 1960, se colocaron en 60 a 1 en 1990 y hoy andan frisando, por lo que parece, el
80 a 1”.
Sería obvio destacar, a esta altura, que aceptar las recetas neo-liberales es caer
en un pozo de difícil salida. Tal como advierte Vitale estaríamos frente al verdugo de
la democracia. Un cauce posible para evitar esta situación es la búsqueda de elemen-
tos concretos para detener el avance de la especulación, imponiendo restricciones al
movimiento de capital financeiro.5 Sin embargo, como se sabe, los capitales en este
contexto globalizado tienen una tremenda y vertiginosa facilidad para ubicarse en las
zonas en donde encuentren las menores regulaciones, y tienden por ello a dominar
la lógica de gobierno de los Estados Nacionales, en muchos casos contrariando la
expresa plataforma política que llevo al poder al partido gobernante (THURROW,
1996, p. 232). Con todo, es preciso intentar reconstruir la soberanía estatal tanto
fronteras adentro, como en relación con los factores externos. Es inadmisible que
especuladores transnacionales y organismos multilaterales como los mencionados,
no sólo impongan sus propias políticas a los estados penetrando la voluntad de las
instituciones de estos, sino que además impidan llevar a la práctica las políticas de-
cidas por las instituciones estatales cuando son contrarias a las suyas (CAPELLA,
1997, p. 261). Esta situación pone, claramente, en riesgo a la democracia formal de
los países pobres, mucho más vulnerables, en términos relativos, a los avatares del
flujo de “capitales del corto plazo”, y habilita en el temario la cuestión referida a la
potestad de regulación regional del capital en el marco de una integración que em-
pieza siendo comercial pero deberá, indefectiblemente, acabar en la conformación de
un gran bloque estratégico en Nuestra América que revalorice las prácticas locales y
los preceptos del decrecimiento y buen vivir o acaso plantee un abrazo paritario entre
capitalismo y democracia.6
3
Según datos publicados en Régimes globalitaries (Le Monde Diplomatique”), las doscientas transnacionales más
importantes tiene un volumen de negocios superior a la cuarta parte de la actividad económica mundial, aunque em-
plean sólo a 18,8 millones de asalariados, o sea, a menos del 0,75 % de la mano de obra del planeta.
4
“… Temo que el salvataje para Brasil del que se habla sólo termine ayudando a los especuladores. Aquí sí creo que
debe haber una corrección de mercado: los banqueros que han otorgado préstamos estúpidos al gobierno y al sector
privado, no deben ser salvados. Vuelvo a mi punto inicial: me preocupa que este proceso de corrección afecte a gente
inocente, pero no quiero que se evite el sufrimiento a los banqueros…”. John Kenneth Galbraith en una entrevista
publicada en el suplemento Cash del Diario Página/12.
5
Como es sabido, la propuesta del economista norteamericano James Tobin, Premio Nobel de economía, consiste en
arbitrar un impuesto a las transacciones especulativas de los mercados de divisas. Especialmente obtenida en los paí-
ses industrializados, en los que se ubican las grandes plazas financieras, esta suma podría utilizarse, en la lucha contra
todas las desigualdades, incluidas las desigualdades por sexo, para el fomento de la educación y de la salud pública
en los países pobres, para la seguridad alimentaria y el desarrollo sustentable. Dicho dispositivo se inscribe en una
perspectiva claramente antiespeculativa. Alimentaría lógicas de resistencia, otorgando márgenes de maniobra a los
ciudadanos y a los Estados. Al respecto, ver la Plataforma del Movimiento Internacional ATTAC (www.attac.org).
6
El objetivo estratégico, deberá ser entonces, conformar una alianza comercial, económica y política con los paí-
ses de la región, especialmente Brasil. En otros tiempos y desde otra óptica, este problema fue planteado por León
Trotsky (1961, p. 30-31) en un manifiesto redactado en 1940 bajo el título “Por los Estados Unidos Socialistas de
América Latina”. Algunos fragmentos del texto: “…Los países de Sud y Centro América no pueden librarse del

184 Pablo Perel


Consideraciones finales y provisorias

El bote salvavidas ampliado (mas allá de la ciudadanía).


Como se señala habitualmente, el concepto de democracia sufre una de sus tan-
tas crisis. A partir del resurgimiento del ideario de seguridad (ideología anti garantis-
mo) se ponen en jaque algunas de las conquistas republicanas. En esa línea coincido
con los aportes de Luigi Ferrajoli y puedo señalar que la noción de democracia global
reviste actualidad y urgencia a partir de concebir a la ciudadanía como una caracte-
rística que transciende las fronteras (versión cosmopolita). Expone Marti que “frente
a problemas globales es preciso pensar soluciones globales”. La propuesta de inte-
gración sobre la base de criterios de democracia global presenta, entonces, una esfera
pública ampliada promoviendo la discusión en los espacios de poder de decisión.
En esa dirección creo necesario re-pensar, también con Ferrajoli, las posibili-
dades de un garantismo global que extienda la esfera protectoria de los ciudadanos
frente a las nuevas amenazas o despotismos de agentes privados transnacionales y or-
ganizaciones internacionales públicas. La libertad como no dominación vuelve a ser
una noción convocante aquí dado que la posibilidad de establecer un Estado global
democrático promueve una práctica de integración global. Así la integración política
global requería debatir sobre la forma de gobierno ideal para un mundo único y com-
plejo a partir de establecer un “derecho común de la humanidad”.
Los poderes salvajes a los que alude Ferrajoli o los nuevos despotismos que
adelanta Philippe Pettit (desde su teoría normativa que menciona al mundo como
profundamente imperfecto) basados en decisiones macro económicas o presión de la
banca internacional requieren, en suma, instituciones globales de participación global
con capacidad y autoridad para tomar decisiones. Es decir, un sistema jurídico global
que pueda responder, de todas formas, a las preguntas originarias acerca de la legiti-
midad de nacimiento y ejercicio (problema de socios y desequilibrio o negociación
asimétrica, en palabras de Pettit). Los criterios propuestos por la democracia delibe-
rativa podrían dar respuesta a estas cuestiones dotando de un procedimiento racional
de decisiones libres de coacción y exentas de interferencias arbitrarias como ideal
regulativo (sumado al control igualitario, público y eficaz).
Creo que corresponde rescatar la propuesta de república global – multilateral –
igualitaria como limite a la dominación global generando una estructura de legalidad
internacional organizada a partir de la clara perspectiva de interdependencia e igual-
dad entre Estados que, otra vez, fuera capaz de garantizar la ausencia de injerencia
arbitraria (dominación del poder arbitrario de un tercero). De esta forma la propuesta
teórico práctica aspira a construir una república global con participación ciudadana
capaz de defender los bienes sociales – globales amenazados (seguridad alimentaria,
medio ambiente, salud pública, sistema financiero, entre muchos otros). Como se
sabe, e incluso se indica en instrumentos internacionales, ningún Estado puede cum-
plir por si sólo con el respeto a los bienes comunitarios, que por su propia estructura,
requieren decisiones comunes de política global.

atraso y del sometimiento si no es uniendo a todos sus Estados en una poderosa Federación…por eso la consigna de
lucha contra las violencias e intrigas del capital financiero internacional y contra la obra nefasta de las camarillas de
agentes locales es: Los Estados Unidos Socialistas de Centro y Sud América…”. Sobre al abrazo paritario tomo la
referencia de Ermanno VITALE en “Democracia y capitalismo”.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 185
En la actualidad es notoria la pérdida de soberanía estatal (por ende la incapa-
cidad local para resolver cuestiones profundas) en diversos aspectos a partir de la ac-
ción de organismos supranacionales explícitos o por presiones indirectas que generan
espacios de interdependencia política y especialmente económica.
Sin duda, la cuestión plantea serios dilemas y desacuerdos sobre la toma de de-
cisión e incluso antes sobre el valor de los bienes jurídicamente tutelados. Los gran-
des Estados son los principales elementos del conflicto en tanto no cumplen con las
pautas convencionalmente aceptadas en materia de sistema internacional de derechos
humanos o cuestiones económicas. Sostengo que el Estado global puede ser un freno
para el poder arbitrario o despótico pero no deja de lado la crítica a la situación real-
mente existente en donde la coacción se escamotea en los organismos internacionales
y el consensualismo democrático deliberativo se torna dificultoso. La democracia
global es un esquema atractivo política y teóricamente aunque aún resta un camino
por andar para saber si se podrá conseguir mediante las estrategias de amenaza de
sanción para los incumplidores o a partir de un idílico consenso de naciones diversas
con desconfianza entre sí.
En otra perspectiva, que también valoro aunque veo de difícil concreción, con-
sidero que la propuesta de democracia transnacional aspira a limitar el concepto esta-
tista de soberanía estatal absoluta. Esta línea de pensamiento no propone instituciones
globales o un régimen unificado sujeto a un soberano global.
El carácter transnacional del enfoque da cuenta de algunas soluciones provi-
sorias para los problemas globales: mediante el protagonismo ciudadano – a partir
de mecanismos deliberativos / horizontales en lugar de concentrar las decisiones en
centros burocráticos / institucionales – probablemente contribuiremos a sociedades
igualitarias.
Como señala LaFollette (2013) los ciudadanos deberíamos contribuir con orga-
nizaciones no gubernamentales aptas para trabajar en la eliminación del hambre, la
promoción del desarrollo, y empoderando a los desposeídos.

Referencias
CAPELLA, Juan Ramón, Poder y Derecho en Babel en su excelente libro Fruta Prohibida, Madrid: Trotta, 1997.
FERRAJOLI, Luigi, Más allá de la soberanía y la ciudadanía: Un constitucionalismo global, Separata de la Revista Contextos,
Buenos Aires, 1998.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. La Globalización del Derecho. Los nuevos caminos de la regulación y la emancipación, Bo-
gotá: ILSA, 1998.
GIDDENS, Anthony. Sociología, Madrid: Alianza, 1991.
HARDIN, Garrett. Lifeboat ethics: The case against helping the poor. Psychology today, set. 1974.
HELD, David. La democracia y el orden global. Del Estado moderno al gobierno cosmopolita. Paidos: Barcelona, 1997.
LAFOLLETTE, Hugh. World Hunger. Oxford: Balckwell, 2003.
RAPOPORT, Mario, Globalización e historia del capitalismo, en El laberinto argentino, Buenos Aires: EUDEBA, 1997.
THUROW, Lester, El Futuro del Capitalismo. Buenos Aires: Editor Javier Vergara, 1996.
TROTSKY. León. Por los Estados Unidos Socialistas de América Latina. Buenos Aires: Coyoacan, 1961.

186 Pablo Perel


— 12 —

Proteção Internacional de Crianças Migrantes e a Opinião


Consultiva nº 21/2014: perspectivas de Argentina e Brasil

RAFAELA GOMES VIANA1

Sumário: Introdução; 1. Política Internacional de Proteção da Criança Migrante; 2. Direitos das


crianças migrantes em face da Opinião Consultiva nº 21/2014; 3. Desafios de Argentina e Brasil
para a internalização da Proteção Jurídica de Crianças Migrantes Conclusão; Referências.

Introdução

O deslocamento humano é um acontecimento que sempre fez parte da história


da humanidade. Na segunda metade do século XX, todavia, houve uma significativa
mudança na caracterização dos fluxos migratórios, notadamente devido ao intenso
processo de globalização2 desencadeado naquele período, que ocasionou, entre ou-
tros efeitos, o encurtamento das distâncias e a relativização das fronteiras estatais.
Após essas mudanças, os fluxos migratórios tornaram-se mais complexos, uma
vez que não somente aumentaram as razões para migrar, como também os destinos e
as origens das migrações (CASTLES; HAAS; MILLER, 2014, p. 123). Assim, nota-
damente em razão da criação do sistema de proteção da pessoa humana, vislumbrou-
se uma maior necessidade de tutelar os direitos humanos das pessoas que cruzam
fronteiras internacionais. No plano internacional, vários documentos relacionados
à questão da migração internacional foram adotados pela Organização das Nações
Unidas (ONU), como a Convenção Relativa ao Trabalho de Migrantes, de 1939, a
Convenção Sobre Previsões Complementares Relativa a Trabalhadores Migrantes,
1
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Ceará (Brasil). Pesquisadora na
área de Direito Humanos, Direito Internacional e Direito da criança e do adolescente.
2
Para Anthony Giddens (1991, p. 76), a globalização pode ser entendida como “a intesificação das relações sociais
em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são moldelados por
eventos ocorrendo a milhas de distância e vice-versa”. Também pode ser definida como “maior integração dos países
e das pessoas do mundo, causada pela enorme redução dos custos de transporte e comunicação, e pela derrubada das
barreiras artificiais ao fluxo de bens, serviços, capital, conhecimento e – em menor extensão – pessoas através das
fronteiras” (STIGLITZ, 2002, p. 9). Frise-se que o processo de globalização não é um fenômeno recente, uma vez
que teve seu início por volta do século XV – com o surgimento da modernidade –, contudo a intensificação desse
processo se deu na segunda metade do século XX – com a revolução tecnológica iniciada na Guerra Fria –, quando a
globalização teria alcançado uma magnitude jamais vista.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 187
de 1975, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951 (e seu Protocolo
Adicional, de 1967), a Convenção Sobre Asilo Diplomático, de 1954, e a Convenção
para a Redução dos casos de Apatridia, de 1961, dentre outros.
Sem prejuízo dos avanços já alcançados, o direito internacional dos direitos hu-
manos ainda não uniformizou o tratamento jurídico a ser conferido as diferentes espé-
cies de deslocamento humano (JUBILUT; APOLINÁRIO, 2010, p. 277-280). Além
de fragmentada, a proteção das pessoas migrantes se encontra, no plano internacional,
voltada à perspectiva dos adultos. Categorias de indivíduos como crianças3 migrantes
carecem de uma proteção particularizada, uma vez que possuem necessidades próprias
de seu estágio de desenvolvimento humano e estão mais vulneráveis a situações de
risco, tornando aqueles documentos tradicionais sobre migração (supramencionados),
muitas vezes, inadequados ou insuficientes para tutelar seus direitos humanos.
No plano nacional, Argentina e Brasil, depois de vivenciarem um longo perío-
do de ditadura militar, passaram a adotar uma política migratória mais direcionada à
proteção dos direitos humanos das pessoas imigrantes. No entanto, será constatada
a deficiência de ambas as legislações nacionais com relação ao grupo específico das
crianças migrantes, devendo os Estados recorrerem aos padrões internacionais de
proteção desses indivíduos, notadamente àqueles provenientes do Sistema Interame-
ricano de Direitos Humanos.
Diante disso, no presente trabalho, intenta-se demonstrar que a efetividade dos
direitos humanos das crianças migrantes depende necessariamente da ação positi-
va dos Estados, no sentido de adequar seus ordenamentos jurídicos nacionais com
o internacional. Para tanto, inicialmente, far-se-á uma breve abordagem da política
de proteção internacional das crianças migrantes, examinando, principalmente, suas
bases jurídicas do direito internacional dos direitos humanos. Seguidamente, estu-
dar-se-á a Opinião Consultiva nº 21/2014, elaborada pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, apontando os principais direitos e medidas que os Estados devem
assegurar às crianças no contexto da migração. Por fim, analisar-se-ão as legislações
migratórias argentina e brasileira frente à proteção das crianças migrantes, a fim de
identificar os principais desafios a serem enfrentados pelas Nações para a internali-
zação dos direitos humanos estabelecidos na OC nº21/2014.

1. Política Internacional de Proteção da Criança Migrante

Segundo o relatório divulgado em dezembro de 2015 pelas Nações Unidas


– Trends in International Migrant stock: The 2015 Revision –, havia no mundo
243.700.236 pessoas migrantes (UN, 2017b). Essa estatística apresenta um aumen-
to de 41% desde o ano de 2000 (UN, 2017b), fator que tem impulsionado, cada vez
mais, a comunidade internacional a angariar esforços no sentido de promover os di-
reitos humanos das pessoas em movimento.
Particularmente em relação à migração de crianças, o Fundo das Nações Unidas
para a Infância – UNICEF – aponta a existência de 50 milhões pessoas com até 18 anos
3
No presente trabalho, acompanhando a Convenção dos Direitos da Criança de 1989 (ONU, 2017), o termo criança
será utilizado para se referir a todo ser humano menor de 18 anos, apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente,
Lei n° 8.069/90 (BRASIL, 2017a) definir criança como todo ser humano até doze anos incompletos, e adolescente
como todo ser humano entre doze e dezoito anos de idade.

188 Rafaela Gomes Viana


de idade vivendo fora de seu local de nascimento, sendo 31 milhões migrantes in-
ternacionais e 17 milhões deslocados internos (UNICEF, 2017, p. 14), o que tor-
na a temática das migrações ainda mais relevante e delicada, uma vez que envolve
veementemente pessoas em situações de notória vulnerabilidade, como crianças,
principalmente crianças vítimas da migração forçada,4 na qual se verifica uma dupla
vulnerabilidade.
No que tange às pessoas em situação de deslocamento forçado, o Alto Comissa-
riado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR – revelou que 65,3 milhões de
indivíduos são refugiados, deslocados internos e asilados (21,3 milhões de refugia-
dos, 40,8 milhões de deslocados internos e 3,2 milhões de asilados) (UNHCR, 2017b,
p.02). Por sua vez, até meados do ano de 2016, 28 milhões de crianças viviam no
contexto da migração forçada, das quais 17 milhões são deslocadas internas, 1 milhão
são asiladas e 10 milhões são refugiadas5 (UNICEF, 2017, p. 18).
O que se observa é o crescimento demográfico desproporcional de crianças for-
çadas a sair do seu local de origem ou de residência habitual em razão de conflitos
internos ou outras situações que colocam em risco sua vida e segurança. Somente
para ilustrar, ao final do ano de 2015, a Síria já tinha dado origem a 2,4 milhões de
crianças refugiadas, devido aos intensos conflitos internos que ainda hoje perduram
na região (UNICEF, 2017, p. 29).
Outro fator alarmante é o número de crianças desacompanhadas ou separadas
de suas famílias. A título de exemplo, cerca de 12,4 mil crianças desacompanhadas
ingressaram na Itália, em 2015, enquanto no ano de 2016 chegaram à costa italiana
25,8 mil menores desacompanhados, isto é, mais que o dobro do ano anterior. A maio-
ria dessas crianças origina de 4 países: Eritreia, Egito, Gâmbia e Nigéria (UNICEF
BRASIL, 2017). Nos Estados Unidos da América, por sua vez, o número de crian-
ças desacompanhadas vem dobrando a cada ano desde 2011, sendo a maioria oriun-
da de países como El Salvador, Guatemala, Honduras e México (UNHCR, 2017a,
p. 4 -5)
Importante chamar atenção para o fato de que as crianças que cruzam as frontei-
ras de seus países desacompanhadas estão mais expostas a situações de risco da sua
vida, liberdade e/ou integridade física, como abusos sexuais, prostituição infantil, re-
crutamento em forças armadas – em especial o “el sicariato”, forma de recrutamento
dos grupos criminosos na América Central (IMDOSOC, 2017, p. 16) –, exploração
do trabalho infantil (muitas vezes em benefício de suas famílias de adoção) e privação
de liberdade, perigos que, vale ressaltar, podem ser enfrentados por aquelas crianças
tanto nos países de origem, como de trânsito e de destino (UN, 2017a, p. - 5).
Na maioria dos casos, as crianças desacompanhadas que chegam ao país de
destino se deparam com uma realidade de desproteção e discriminação. Muitas ve-
zes esses menores não conseguem obter documentos de identidade, não conseguem
4
Vale ressaltar a distinção entre esses dois tipos de deslocamento. Em uma breve explanação, a migração voluntária
ocorre quando o migrante decide livremente deixar seu local de residência habitual, por motivos basicamente econô-
micos e sociais. Já a migração forçada ou involuntária não decorre da vontade da pessoa, uma vez que determinada
circunstancia fática a obriga a deixar o seu local de residência por questão de sobrevivência (JUBILUT, 2005, p. 127).
Nesse último caso se encontra presente a necessidade de proteção internacional.
5
Segundo o ACNUR, e conforme se observa dos dados acima fornecidos pelos dois órgãos, 51% do contingente de
refugiados do mundo é composto por crianças até 18 anos de idade.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 189
registrar sua própria solicitação de refúgio ou asilo, não têm acesso aos sistemas de
tutela ou assessoramento jurídico ou não podem unir-se a sua família, no caso das
crianças separadas. Muitos países se recusam sistematicamente a permitir a entrada
de crianças desacompanhadas ou separadas de sua família, sendo detidos pelas auto-
ridades migratórias nas fronteiras. Em outros países, embora sejam aceitos, a trami-
tação de seus processos migratórios não leva em consideração sua idade e/ou gênero,
por exemplo. (UN, 2017a, p. 4-5).
O deslocamento de crianças ocorre não apenas em detrimento do reagrupamen-
to familiar, mas também pelas mesmas razões de uma pessoa adulta, como a busca
por melhores oportunidades ou a tentativa de fugir da pobreza extrema, da violência
doméstica, da violência generalizada causada pelos grupos de crime organizado, de
catástrofes naturais que retiram a condição de vida digna, dos conflitos internos que
tenham provocado uma violação massiva de direitos humanos, dentre outros.
Independentemente do tipo de migração que realizam – se voluntária ou forçada
– as crianças migrantes necessitam de proteção especial, tendo em vista a vulnerabi-
lidade própria desse grupo. No entanto, a tutela deve ser dobrada quando se trata de
crianças com necessidade de proteção internacional, principalmente quando estas se
encontram desacompanhadas, isto é, sem a companhia dos pais ou responsáveis.
Em face disso, órgãos internacionais como o ACNUR e o UNICEF vêm pro-
movendo, em conjunto, a proteção de crianças migrantes,6 tanto incentivando os Es-
tados a incorporar em seus ordenamentos nacionais direitos relativos a esse grupo
de indivíduos, como liderando ações que proporcionam a reunificação das crianças
separadas de suas famílias e a prevenção da exploração sexual e do recrutamento por
unidades militares.
Em relação à proteção jurídica internacional, a ONU vem adotando, desde a
sua criação, vários tratados sobre questões migratórias. O primeiro documento do
sistema internacional de proteção da pessoa humana a tratar do assunto foi a Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em razão de seu artigo XIII, no qual
assegura que “todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro
das fronteiras de cada Estado, assim como direito de deixar qualquer país, inclusive o
próprio, e a este regressar”, bem como de seu artigo XIV, ao expressar que “todo ser
humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros
países” (ONU, 2017c).
Ademais, destaca-se, neste trabalho – não por terem os demais documentos so-
bre a temática migratória menor importância, mas em razão da delimitação do tema
–, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (doravante Convenção de 1951),
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 28 de julho de 1951 (ONU,
2017a). Posteriormente, em 1967, a Convenção deu origem a seu Protocolo Adicio-
nal, que também apresentou avanços significativos em matéria de direito dos refugia-
dos. Obviamente, a criação de tais documentos se apoiou nos princípios da DUDH, o
que deu aos direitos das pessoas refugiadas uma conotação universal.
Em que pesem os avanços na legislação internacional migratória, o sistema glo-
bal não dispõe de documento específico sobre a migração de crianças. Essa carência é
6
Importante esclarecer que o ACNUR e o UNICEF são órgãos executivos da ONU, portanto a proteção a que se
refere é aquela conferida por meio de ações, não é a proteção jurídica.

190 Rafaela Gomes Viana


bastante prejudicial, tendo em vista as diversas situações de vulnerabilidade a que so-
mente crianças estão expostas, evidenciando a imprescindibilidade de uma proteção
jurídica adequada que atenda concretamente às necessidades peculiares desse grupo.
Apesar de representarem apenas linhas gerais sobre o assunto, importante frisar
que a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989 (CDC), faz menção expressa
às crianças no contexto da migração, na qual estabelece, em seu artigo 22, as medidas
a serem adotadas pelos Estados-Partes a respeito das crianças solicitantes de refúgio
e/ou refugiadas (ONU, 2017b):
1. Os Estados Partes tomam as medidas necessárias para que a criança que requeira o estatuto de
refugiado ou que seja considerada refugiado, de harmonia com as normas e processos de direito inter-
nacional ou nacional aplicáveis, quer se encontre só, quer acompanhada de seus pais ou de qualquer
outra pessoa, beneficie de adequada protecção e assistência humanitária, de forma a permitir o gozo dos
direitos reconhecidos pela presente Convenção e outros instrumentos internacionais relativos aos direitos
do homem ou de carácter humanitário, de que os referidos Estados sejam Partes.
2. Para esse efeito, os Estados Partes cooperam, nos termos considerados adequados, nos esforços
desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas e por outras organizações intergovernamentais ou
não governamentais competentes que colaborem com a Organização das Nações Unidas na protecção e
assistência de crianças que se encontrem em tal situação, e na procura dos pais ou de outros membros
da família da criança refugiada, de forma a obter as informações necessárias à reunificação familiar. No
caso de não terem sido encontrados os pais ou outros membros da família, a criança deve beneficiar, à
luz dos princípios enunciados na presente Convenção, da proteção assegurada a toda a criança que, por
qualquer motivo, se encontre privada temporária ou definitivamente do seu ambiente familiar.
No âmbito regional, a Organização dos Estados Americanos (OEA) abordou o
tema das migrações em diversas oportunidades por meio de acordos, convenções e/ou
pactos, tendo em vista a intensa mobilidade na região. Destaca-se, no entanto, a Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), principal documento de direitos
humanos da organização, na qual estabelece, em seu artigo 22.6, que “o estrangeiro
que se encontre legalmente no território de um Estado-Parte na presente Convenção
só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com
a lei”. Já o artigo 22.7 trata especificamente da migração forçada ao determinar que
“toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso
de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acor-
do com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais”, assim como
o artigo 22.8 – que reproduz o teor do princípio do non-refoulement, consagrado pela
Convenção de 1951 – ao ressaltar que “em nenhum caso o estrangeiro pode ser expul-
so ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberda-
de pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião,
condição social ou de suas opiniões políticas” (OEA, 2017a)
Em relação à infância migrante, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos
(SIDH) sofre do mesmo problema da ausência de legislação específica do sistema
global. No entanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), uma
vez que é responsável por interpretar as disposições da CADH – através das Opiniões
Consultivas –, e por dar cumprimento a tais disposições – por meio das sentenças em
casos contenciosos –, assume papel fundamental na evolução da proteção e consoli-
dação dos direitos desses migrantes, particularmente em relação ao grupo específico
das crianças.
Isso porque, no ano de 2014, a CorteIDH formulou a Opinião Consultiva (OC
nº 21/2014) (CORTEIDH, 2017) por solicitação de 4 países da América Latina: a
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 191
Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. A Opinião foi elaborada com o objetivo
de fornecer princípios e obrigações que os Estados deveriam adotar em seus ordena-
mentos jurídicos internos, a fim de cumprir o compromisso internacional em matéria
de direitos humanos de crianças migrantes e/ou em situação de necessidade de pro-
teção internacional.
Assim, tendo em conta que o referido documento representa uma importante
fonte de direito das crianças migrantes para os países da OEA (que ratificaram a
Declaração Americana e a CADH, reconhecendo a jurisdição da CorteIDH), faz-se
necessária a análise em particular dos direitos concretos que possuem as crianças
migrantes e das medidas mais relevantes que devem ser adotadas pelos Estados para
assegurar a efetividade desses direitos.

2. Direitos das crianças migrantes em face da


Opinião Consultiva nº 21/2014

É propriamente no capítulo VII da OC nº 21/2014 que a CorteIDH (2017, p. 31-


32) começa a apresentar respostas aos Estados solicitantes sobre as várias questões
suscitadas, cuidando de trazer, primeiramente, um elenco não exaustivo de medidas
para identificar a necessidade de proteção internacional de crianças migrantes. A
Corte considera o estabelecimento de medidas como essas uma obrigação positiva
dos Estados-Partes, tendo em vista a importância de diferenciar as crianças estran-
geiras que necessitam de proteção internacional, daquelas que migram em busca de
oportunidades para elevar sua qualidade de vida.
Logo nos primeiros parágrafos, a Corte (2017, p.31-32) procurou deixar claro
que as crianças são titulares do direito de buscar e receber asilo, podendo solicitar
o reconhecimento da condição de refugiados em seu próprio nome, independente-
mente de estarem acompanhadas. Esse esclarecimento foi importante, porque, tra-
dicionalmente, os elementos da definição de refugiado são interpretados segundo as
experiências das pessoas adultas, as quais não leva em consideração, muitas vezes, a
existência de formas particulares de perseguição às quais as crianças estão expostas,
a exemplo do recrutamento, do tráfico humano e da mutilação genital feminina.
No procedimento de avaliação inicial, as autoridades dos Estados devem levar
em consideração, sobretudo, o princípio do interesse superior da criança, bem como
proporcionar um ambiente amigável para a obtenção das informações, com garantia
de segurança e privacidade. A avaliação deve ser realizada por profissionais com-
petentes e formados em técnicas de entrevista que considerem as peculiaridades da
idade e do gênero. É importante, ainda, que os responsáveis pela avaliação respeitem
a cultura da criança e considerem sua rejeição a se manifestar na presença de adultos
ou familiares, fornecendo-lhe assessoria jurídica, caso seja requerida. A realização de
entrevista em idioma que a criança compreenda (ou o fornecimento de um intérprete,
caso necessário), também é um dos requisitos mínimos desse procedimento inicial de
avaliação, que deve ser sempre centrado na criança e na sua efetiva participação no
procedimento (CORTEIDH, 2017, p. 33-34).
No § 86, a Corte ressaltou alguns objetivos básicos da avaliação, quais sejam: a)
realizar a identificação da condição de criança; b) avaliar se se trata de criança desa-
companhada ou separada; c) determinar a nacionalidade da criança ou sua condição

192 Rafaela Gomes Viana


de apátrida; d) obter informações sobre os motivos de sua saída do país de origem ou
de residência habitual, de sua separação familiar, se for o caso, e de suas vulnerabi-
lidades ou outros elementos que evidenciem ou neguem a necessidade de proteção
internacional; e) adoção de medidas de proteção especial, se necessário (CORTEI-
DH, 2017, p. 34).
Com relação ao item “a”, a Corte afirma que a identificação da idade deve ser
determinada com base não apenas na aparência física, mas também na maturidade
psicológica da pessoa. Se for o caso, a avaliação deverá ser realizada através de crité-
rios científicos, sempre respeitando a cultura e considerando o gênero do estrangeiro.
Quando a determinação precisa da idade não se fizer possível, deve-se conceder ao
indivíduo o benefício da dúvida, isto é, deve-se considerar que se trata de uma criança
e oferecer-lhe tratamento prioritário (CORTEIDH, 2017, p. 34-35).
No que se refere ao item “b”, considera-se que determinação da situação de
criança desacompanhada deve ser realizada preferencialmente, em vista dos grandes
riscos a que estão expostas quando se encontram sob estas circunstâncias. Nos ca-
sos de crianças acompanhadas de adultos, a autoridade fronteiriça deve certificar-se
de que aqueles conhecem estes, para evitar casos de tráfico e exploração, o que não
significa, entretanto, que todo caso de criança acompanhada por um adulto que não
seja seus pais ou responsáveis deva ser considerado tráfico de pessoas (CORTEIDH,
2017, p. 35-37). Ademais, tratando-se de crianças desacompanhadas ou separadas de
sua família, é imprescindível que os Estados busquem a localização dos membros de
sua família e promovam a reunificação o mais rápido possível, não sem antes consta-
tar que esta medida corresponde ao interesse superior da criança (CORTEIDH, 2017,
p. 40).
No item “c”, a Corte expressa o entendimento de que o Estado receptor tem a
obrigação de identificar se a criança é apátrida, sendo ela refugiada ou não, objetivan-
do garantir a proteção adequada de acordo com sua condição.
Já o item “d” esclarece que nem sempre a criança migrante que chega em ter-
ritório estrangeiro está em condição de requerer proteção internacional nos termos
da Convenção de 1951, mas é possível que tenha vivenciado uma situação de viola-
ção dos direitos das crianças (protegidos no plano internacional), a qual ocasionou o
deslocamento do país de origem. Por esse motivo, considera prudente que o Estado
acolhedor colete informações sobre fatores pessoais, tais como sua história pessoal e
familiar, condição de saúde, entre outros, a fim de identificar se a criança necessita
de uma proteção complementar ou assistência humanitária, como acontece nos casos
de tortura, violência doméstica e tráfico humano.
Por fim, o item “e” estabelece que os Estados devem detectar a necessidade
de adotar medidas de proteção integral, incluindo aquelas que facilitem o acesso à
saúde e à educação em condições de igualdade; que ofereçam um nível de vida em
conformidade com seu desenvolvimento físico, mental, espiritual e moral, através da
assistência material e programas de apoio, notadamente com respeito a alimentação,
vestuário e moradia.
Já no capítulo VIII, a CorteIDH (2017, p. 43-44) tratou acerca das garantias
do devido processo previstas na CADH (artigos 1, 2, 7, 8, 19 e 25) e na Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (artigo XXV), que deveriam ser apli-
cadas nos processos que envolvessem crianças migrantes. Assim, as garantias reco-
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 193
nhecidas no artigo 8º da Convenção devem ser respeitadas e asseguradas a qualquer
pessoa, devendo refletir em toda e qualquer controvérsia incidente sobre direito de
uma criança imigrante. Ademais, a proteção especial prevista no artigo 19 da Con-
venção e artigo VII da Declaração deve fazer com que os Estados prestem tratamento
diferenciado no caso de crianças, ou seja, o processo migratório deve ser adaptado à
participação de uma criança e ser acessível a ela.
Dessa forma, a Corte (2017, p. 44) asseverou que os Estados-Partes devem
adotar certas medidas específicas para garantir um efetivo devido processo legal nos
processos que envolvam crianças. Para tanto, a Corte elencou garantias mínimas que
devem reger todo o processo migratório: a) o direito de ser notificado da existência
de um procedimento e da decisão que se adote no âmbito do processo migratório; b)
o direito a que os processos migratórios sejam conduzidos por um funcionário ou juiz
especializado; c) o direito da criança a ser ouvida e a participar nas diferentes etapas
processuais; d) o direito a ser assistido gratuitamente por um tradutor e/ou intérprete;
e) o acesso efetivo à comunicação e assistência consular; f) o direito a ser assistido
por um representante legal e a comunicar-se livremente com este representante; g) o
dever de designar um tutor no caso de criança desacompanhada ou separada; h) o di-
reito a que a decisão adotada avalie o interesse superior da criança e seja devidamente
fundamentada; i) o direito a recorrer da decisão perante um juiz ou tribunal superior
com efeitos suspensivos; e j) o prazo razoável de duração do processo.
O capítulo IX destinou-se a responder o questionamento feito pelos Estados
solicitantes do parecer consultivo sobre a interpretação que deve ser dada ao princí-
pio de ultima ratio da detenção como medida cautelar no âmbito de procedimentos
migratórios que envolvem crianças, bem como sobre a exigência de motivar a neces-
sidade de recorrer a medidas privativas de liberdade de caráter cautelar por infrações
à lei migratória, como medida excepcional (CORTEIDH, 2017, p. 54).
Esclarece, então, que o princípio da ultima ratio da detenção é aplicável para
os casos de privação de liberdade no contexto da justiça penal da infância e juventu-
de, significando que essa medida deve ser além de legal, estritamente excepcional.
Contudo, segundo opinião da Corte, sob nenhuma hipótese as infrações relacionadas
a questões migratórias podem ter consequências iguais àquelas que derivam do co-
metimento de um delito, e firmou o entendimento de que a privação de liberdade de
crianças por razões exclusivamente migratórias é contrária tanto à CADH como à
Declaração Americana, não devendo, assim, ser aplicada em circunstância alguma
(CORTEIDH, 2017, p. 55-56).
A Corte entende também que qualquer restrição de locomoção de crianças que
são submetidas a um procedimento que pode vir a ocasionar a expulsão ou deportação
ao país de origem – como as que se encontram em situação irregular ou solicitantes
de asilo que não obtiveram o reconhecimento dos status de refugiado – é considerada
privação de liberdade, em maior ou menor grau (CORTEIDH, 2017, p. 53-54).
Assim, as crianças não podem ser privadas de sua liberdade quando se encon-
tram desacompanhadas ou separadas de sua família, sob o argumento de assegurar o
comparecimento da criança ao processo migratório. Também na hipótese de crianças
acompanhadas de seus pais ou responsáveis, as autoridades estatais não podem, sob
o pretexto da manutenção da unidade familiar, estender a privação de liberdade para
toda a família ou grupo; ao contrário disso, quando a unidade familiar precisa ser

194 Rafaela Gomes Viana


mantida devido ao interesse superior da criança, o imperativo de não privação de li-
berdade deve ser estendido aos pais ou responsáveis (CORTEIDH, 2017, p. 57-58).
Assim, outras medidas alternativas devem ser adotadas pelos Estados a fim de
evitar qualquer espécie de restrição à liberdade da criança. É sobre essas medidas que
o capítulo X trata especificamente, reafirmando o entendimento de que a liberdade
deve ser a regra enquanto se resolve uma situação migratória ou se procede uma repa-
triação, estando as medidas alternativas voltadas à proteção integral dos direitos das
crianças (CORTEIDH, 2017, p. 60).
Um conjunto de medidas estatais deve ser imposto tanto ao Poder Legislativo
(estabelecer, através da expedição de normas, um leque de medidas que cumpram as
diretrizes descritas) quanto aos juízes e autoridades administrativas (aplicar as medi-
das no âmbito de sua esfera de atuação, de acordo com o interesse superior da crian-
ça). (CORTEIDH, 2017, p. 60).
No que concerne às crianças desacompanhadas ou separadas, o Estado possui as
seguintes obrigações mínimas: a) priorizar a acolhida em famílias ou comunidades an-
tes de uma institucionalização; b) adotar medidas voltadas à identificação familiar da
criança; c) localizar e reunificar a família, tendo em conta a opinião da criança e seu
interesse superior; d) zelar por sua repatriação voluntária e segura ao país de origem ou,
sendo isto impossível, adotar outras soluções duradouras (CORTEIDH, 2017, p. 61).
Entende a CorteIDH (2017, p. 62) que crianças migrantes e, em particular aque-
las em situação migratória irregular, requerem do Estado receptor uma atuação es-
pecificamente orientada à proteção prioritária de seus direitos, que deve ser definida
segundo as circunstâncias particulares de cada caso concreto, isto é, se se encontram
com sua família, separados ou desacompanhados, e atendendo o seu interesse supe-
rior. A Corte também é firme ao entender que a aplicação do sistema de proteção da
infância com seus serviços associados deve prevalecer sobre as instituições que exer-
cem o controle migratório.
No capítulo XI, foram estabelecidas as condições básicas que os espaços de alo-
jamento de crianças migrantes deveriam satisfazer, bem como as principais obriga-
ções estatais em relação às crianças que estão sob sua custódia por razões migratórias
(CORTEIDH, 2017, p. 62).
Quando, em certas circunstâncias, há a uma necessidade indispensável de aco-
lher a criança e sua família em centro para assegurar os fins do processo migratório
é possível que os Estados, excepcionalmente, recorram a medidas tais como o alo-
jamento ou albergamento da criança, seja por um período breve ou durante o tempo
necessário para resolver a situação migratória (CORTEIDH, 2017, p. 64).
Primeiramente, e acima de todos os requisitos, a Corte (2017, P. 64) ressaltou
a necessidade de separar as pessoas migrantes sob custódia das pessoas submetidas
a procedimentos penais, o que significa que os centros de alojamento provisório de
pessoas migrantes devem estar destinados especificamente para esse fim. Assim, sen-
do centros estatais ou privados, o Estado tem a obrigação de fiscalizá-los a fim de
certificar se estes cumprem os critérios técnicos para sua habilitação, em consonância
com as necessidades diferenciadas das crianças migrantes.
A Corte estabelece, portanto, três condições básicas desses alojamentos. A pri-
meira é o desenvolvimento do princípio da separação e do direito à unidade familiar,
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 195
o que significa que as crianças desacompanhadas ou separadas devem alojar-se em
locais distintos aos dos adultos e quando se tratar de crianças acompanhadas, estas
devem ser alojadas com seus familiares, exceto na hipótese de o interesse superior
da criança pressupor a separação. Em acréscimo, o alojamento de crianças desacom-
panhadas ou separada deve ser dividido segundo as necessidades específicas de gru-
pos etários e diferenciados dos centros para famílias. A segunda é que os centros de
alojamento sejam abertos, isto é, deve ser um ambiente não privativo de liberdade. E
a terceira condição é que os centros possuam tanto as condições materiais como um
regime adequado para assegurar a proteção integral das crianças, composto por um
pessoal especializado, com formação em psicologia infantil, proteção da infância e
direitos humanos das crianças (CORTEIDH, 2017, p. 65-67).
No entanto, sem descartar a hipótese de que, em determinadas situações, a res-
trição de liberdade pessoal pode acontecer na prática, a CorteIDH dedicou o capítulo
XII às garantias do devido processo que se tornam imperativa aos Estados diante de
desse tipo de processo migratório.
Assim, entendeu que as crianças migrantes devem, em condição de privação de
liberdade, receber as seguintes garantias:
(i) legalidade da privação da liberdade; (ii) proibição de detenções ou encarceramentos arbitrários; (iii)
direito a ser informado dos motivos da prisão ou detenção em um idioma que compreenda; (iv) direito a
ser levado, sem demora, perante um juiz ou outro funcionário competente; (v) direito a notificar um fa-
miliar, tutor ou representante legal e a comunicar-se com o exterior e, em particular, com os organismos
internacionais especializados; (vi) direito à informação e acesso efetivo à assistência consular; (vii) direito
à assistência jurídica através de um representante legal e, no caso de crianças desacompanhadas ou se-
paradas, a que seja designado um tutor; e (viii) direito a recorrer perante um juiz ou tribunal competente,
a fim de que possa decidir, sem demora, sobre a legalidade da prisão ou detenção (CORTEIDH, 2017,
p. 70).
No capítulo XIII, a Corte dá seu parecer em relação ao alcance e conteúdo do
princípio de não devolução (non-refoulement) quando se trata de crianças migrantes.
A Corte (2017, p. 80-81) afirma que o princípio deve ser entendido como a proibição
de devolver, expulsar, deportar, retornar, rejeitar ou não admitir na fronteira pessoa
reconhecida ou solicitante de asilo ou refúgio para o Estado onde a sua vida ou liber-
dade esteja ameaçada, ou para um terceiro Estado onde sofra risco de retornar para
a situação de perigo. Tendo em vista que esse princípio constitui uma ferramenta
essencial para a proteção de pessoas refugiadas e asiladas, a Corte assevera que as
exceções a esse instituto devem ser interpretadas de forma restritiva e taxativa.
Ademais, a Corte lembra que, no âmbito do SIDH, o princípio proíbe a devo-
lução ou expulsão de uma pessoa que já tenha sido reconhecida como refugiada ou
asilada ou que seu status ainda não tenha sido reconhecido. Também recorda que o
SIDH estende a proteção dada pelo art. 22.8 da CADH (que consagra o princípio da
não devolução) a todos os estrangeiros que tenham sua vida, integridade e/ou liber-
dade ameaçadas, isto é, não está restrita a categoria dos refugiados ou asilados (COR-
TEIDH, 2017, p. 81).
Diante dessas premissas, determina que qualquer decisão sobre a devolução
de uma criança ao país de origem ou a um terceiro país, por presumir ser este um
procedimento seguro, deverá basear-se, ainda assim, nos requerimentos do interesse
superior da criança, tendo em vista que “o risco de violação de seus direitos humanos

196 Rafaela Gomes Viana


pode adquirir manifestações particulares e específicas em razão da idade” (CORTEI-
DH, 2017, p. 90).
O capítulo XIV trata especificamente das situações nas quais as crianças são ví-
timas da migração forçada, isto é, quando necessitam de proteção internacional. Des-
se modo, a CorteIDH foi consultada sobre as características que deveriam incorporar
os procedimentos empregados quando se identifica uma potencial solicitação de asilo
ou de reconhecimento da condição de refugiado de uma criança migrante, tendo em
conta o teor do artigo 22.7 da Convenção e do artigo XXVII da Declaração.
Nesta ocasião, o Tribunal ressaltou a obrigação estatal de estabelecer e seguir
procedimentos justos e eficientes para poder identificar os potenciais solicitantes de
asilo, e determinar a condição de refugiado a quem satisfaça os requisitos para obter
a proteção internacional, devendo incorporar os componentes e as garantias especí-
ficas desenvolvidas à luz da proteção integral devida a todas as crianças. Portanto,
os princípios e diretrizes da Convenção sobre Direitos da Criança devem orientar as
solicitações da condição de refugiado formuladas por crianças (CORTEIDH, 2017,
p. 92).
Neste ponto, a CorteIDH (2017, p. 93) lembrou que o Comitê Executivo do
ACNUR enfatizou as necessidades próprias da infância e o dever estatal de prever
prioridade na tramitação das solicitações de asilo de crianças desacompanhadas ou
separadas, facilitação dos meios de prova, representação por advogado qualificado e
gratuito e a possibilidade de aplicar a Convenção de 1951.
O Tribunal asseverou que, no caso de crianças solicitantes de asilo ou refúgio,
devido a sua situação de dupla vulnerabilidade, os Estados devem cumprir as seguin-
tes determinações:
Não obstaculizar o ingresso ao país; se forem identificados riscos e necessidades, dar à pessoa acesso à
entidade estatal encarregada de conceder o asilo ou o reconhecimento da condição de refugiado ou a ou-
tros procedimentos que sejam idôneos para a proteção e atenção específica conforme as circunstâncias
de cada caso; tramitar de forma prioritária as solicitações de asilo de crianças como solicitante principal;
contar com pessoal de recepção na entidade que possa examinar as crianças para determinar seu estado
de saúde; realizar um registro e entrevista procurando não causar maior trauma ou re-vitimização; dispor
de um lugar para a estadia da pessoa solicitante, se já não o dispuser; emitir um documento de identidade
para evitar a devolução; estudar o caso com consideração de flexibilidade quanto à prova; designar-lhe
um tutor independente e capacitado no caso de crianças desacompanhadas ou separadas; em caso seja
reconhecida a condição de refugiado, proceder aos trâmites de reunificação familiar, se for necessário, de
acordo com o interesse superior e, finalmente, buscar como solução duradoura a repatriação voluntária,
o reasentamento ou a integração social, de acordo com determinação do interesse superior da criança.
(CORTEIDH, 2017, p.96).
Ademais, ressalta que não se pode, todavia, olvidar que em situações de influxo
em massa de pessoas, quando a determinação individual da condição de refugiado
normalmente não se mostra possível, pode-se realizar um reconhecimento grupal,
coletivo ou prima facie. (CORTEIDH, 2017, p. 96-97).
Por fim, no capítulo XV da peça consultiva, aborda-se o alcance que deve ser
conferido ao direito da criança de não ser separada de seus pais na hipótese de lhes ser
aplicada uma medida de deportação, como consequência de sua condição migratória.
A Corte asseverou que qualquer decisão administrativa ou judicial relativa à separa-
ção da criança de sua família deve ser justificada pelo superior interesse, garantida
por uma decisão individualizada. (CORTEIDH, 2017, p. 101)
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 197
Levando em consideração que a separação familiar pode acontecer na prática,
uma vez que constitui uma faculdade do Estado de implementar sua própria política
migratória, os Estados devem realizar uma análise de ponderação diante do conflito
de interesses – direito da criança a vida familiar e autonomia do Estado para expul-
sar/deportar os pais ou responsáveis da criança por razões migratórias –, avaliando,
portanto, as seguintes situações:
(a) a história de imigração, o lapso temporal da estadia e a extensão dos laços do progenitor e/ou de sua
família com o país receptor; (b) a consideração sobre a nacionalidade, guarda e residência dos filhos da
pessoa que se pretende expulsar; (c) o alcance da afetação gerada pela ruptura familiar devido à expul-
são, incluindo as pessoas com quem a criança vive, assim como o tempo que permaneceu nesta unidade
familiar, e (d) o alcance da perturbação na vida diária da criança se mudasse sua situação familiar devido
a uma medida de expulsão de uma pessoa responsável pela criança, de maneira a ponderar estritamente
estas circunstâncias à luz do interesse superior da criança, em relação ao interesse público imperativo
que se busca proteger. (CORTEIDH, 2017, p. 103-104).
Também determinou que a criança tem direito à nacionalidade ou a residir no
país do qual um ou ambos os progenitores podem ser expulsos, os Estados estão proi-
bidos de proceder com a expulsão por infrações migratórias de caráter administrati-
vo, pois isso sacrificaria de maneira desmedida o direito à vida familiar da criança
(CORTEIDH, 2017, p. 104).
Assim, esse conjunto de recomendações da OC nº 21/2014 representa um im-
portante marco para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos em relação à
infância migrante, uma vez que constitui a primeira jurisprudência a tratar única e
especificamente da temática e estabelecer com detalhes os direitos concernentes às
crianças no contexto da migração. Contudo, para que alcancem a sua efetividade,
faz-se imprescindível que esses direitos sejam implementados nos ordenamentos ju-
rídicos internos de cada Estado-Parte.

3. Desafios de Argentina e Brasil para a internalização da


Proteção Jurídica de Crianças Migrantes

Em 17 de dezembro de 2003, o Congresso Nacional da Nação Argentina san-


cionou a Ley de Migraciones (Ley 25.871/04) (ARGENTINA, 2017b), a qual, a partir
de sua promulgação, em 21 de janeiro de 2004, promoveu uma mudança fundamen-
tal na política migratória do país, uma vez que trouxe um robusto suporte de direitos
humanos, rompendo com os paradigmas migratórios da antiga “Ley Videla”7 (Ley
General de Migraciones y de Fomento de la Inmigración, Ley 22.439/81) (ARGEN-
TINA, 2017a) que limitava drasticamente os direitos das pessoas migrantes.
Enquanto os migrantes, sob a perspectiva da antiga lei, eram considerados uma
ameaça à segurança nacional, impondo-lhes severas restrições de direitos e dificul-
tando-lhes a admissão no país – uma vez que conferia às autoridades migratórias uma
grande margem de discricionariedade para realizar a expulsão daqueles – a atual lei
buscou assegurar aos migrantes direitos básicos e essenciais a qualquer pessoa, inde-
pendentemente de sua nacionalidade, considerando, assim, o direito à migração um
direito humano inalienável da pessoa, visto que decorrem diretamente dos princípios
da igualdade e da liberdade.
7
A “ley videla” foi criada em 1981, sendo-lhe atribuído esse nome em referência ao general argentino Jorge Rafael
Videla Redondo que então governava o país pelo regime ditatorial no período de 1976 a 1981.

198 Rafaela Gomes Viana


Por outro lado, a Ley 25.871/04 não contempla medidas especiais a serem ado-
tadas pelo Estado nos procedimentos migratórios que envolvam crianças. Apenas
dois dispositivos possuem relação direta com a infância, na medida em que consagra
a obrigação do Estado de garantir a vida familiar: o artigo 3º, d, estabelece que dentre
os objetivos da lei está o de “garantizar el ejercicio del derecho a la reunificación
familiar”, e o artigo 10 assevera que “el Estado garantizará el derecho de reunifica-
ción familiar de los inmigrantes con sus padres, cónyuges, hijos solteros menores o
hijos mayores con capacidades diferentes” (ARGENTINA, 2017b).
Apesar de ressaltar a importância desse princípio, na prática, existe a previsão
de critérios que restringem a efetivação desse direito à família, como a necessidade
de apresentação e autorização de um dos pais ou responsáveis da criança para que
essa faça um pedido de residência no território (CERNADAS; GARCÍA; SALAS,
2014).
Ainda como decorrência do princípio de reunificação familiar, o artigo 62, ao
regular as causas que podem ocasionar o cancelamento da residência e posterior ex-
pulsão do país, assinala que tal sanção não deve ser aplicada no caso em que o estran-
geiro seja pai/mãe, filho(a) ou cônjuge de uma pessoa de nacionalidade argentina. Da
mesma forma, o artigo 70 dispõe que o mesmo benefício será concedido nos casos
em que se aplicam a privação de liberdade de pessoa estrangeira. Assim, a medida
promove parcialmente o princípio da reunificação familiar, uma vez que apenas se
refere aos familiares de pessoas argentinas (UNLa; UNICEF, 2013, p. 22-23).
Em um estudo sobre a lei de migrações argentina na perspectiva da infância
migrante, realizado pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade de Lanús e
pelo UNICEF, constatou-se que, na prática, muitas crianças migrantes têm acesso
restrito aos seus direitos humanos (principalmente a educação e a saúde), diante da
existência de medidas como a exigência, em muitas instituições educativas, de Docu-
mento Nacional Argentino (DNI) para a emissão de certificados estudantis, ou para
o agendamento em consultas nos estabelecimentos de saúde (UNLa; UNICEF, 2013,
p. 86-90).
No Brasil, a proteção de crianças migrantes conferida pela legislação migratória
brasileira é bastante semelhante ao da Argentina quanto à deficiência de dispositivos
legais relativos ao tema.
O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980) (BRASIL, 2017b) é a lei de mi-
grações vigente no país, ainda que por pouco tempo, em face do Projeto de Lei de
Migração, que se encontra em vias de ser aprovado pelo Senado Federal. Assim como
a antiga Ley Videla, da Argentina, o Estatuto foi criado no contexto da ditatura mili-
tar, adotando uma política de bloqueio da fronteira e restrições dos direitos da pessoa
imigrante. Como é de se esperar, o referido documento legal não faz menção alguma
sobre direitos específicos das crianças.
Em contrapartida, o Projeto de Lei de Migração8 (PL nº 2516/2015) (BRASIL,
2017d) consagra como um dos princípios da política migratória brasileira (art. 3º) a
proteção integral das crianças. Embora não dedique um capítulo ou alguns disposi-
8
O Projeto de Lei de Migração foi apresentado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e está em tramitação
no Congresso Nacional, tendo sido aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e atualmente aguarda aprecia-
ção pelo Senado Federal.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 199
tivos com os direitos concretos de crianças migrantes, para conferir efetividade ao
princípio estabelecido, ressalta-se a importância desse avanço em relação ao diploma
anterior.
Obviamente, as normas migratórias são aplicáveis a todas as pessoas que se
encontram no contexto da migração, indistintamente, o que significa que todos os
direitos e obrigações constantes nos diplomas migratórios supramencionados – tanto
argentino como brasileiro – são destinados também às pessoas migrantes com menos
de 18 anos de idade. Entretanto, normas mais específicas sobre o tratamento a ser dis-
pensado às crianças certamente contribuiriam mais para o exercício de seus direitos
(UNLa, UNICEF, 2014, p. 24).
Ademais, quanto à essa categoria de migrantes com necessidade de proteção
internacional,9 Argentina e Brasil10 deram um importante passo em relação aos re-
fugiados, particularmente, uma vez que editaram, no âmbito de seus ordenamentos
jurídicos internos, lei específica sobre a proteção dos refugiados, adequando suas
normativas internas ao sistema de proteção internacional dos refugiados consagrado
pela Convenção de 1951.
Em que pese a Ley General de Reconocimiento y Protección al Refugiado (Ley
26.165, de 28 de novembro de 2006) (ARGENTINA, 2017d), da República Argen-
tina, e o Estatuto dos Refugiados (Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997) (BRASIL,
2017c), da República brasileira sejam consideradas leis bastante protetivas, chama
atenção o esquecimento legislativo quanto à situação das crianças também nesses di-
plomas, ainda mais pelo fato de que as crianças com necessidade de proteção interna-
cional são duplamente vulneráveis, porque (i) são crianças no contexto da migração
e (ii) porque sofreram ou têm o risco de sofrer algum tipo de violação de sua vida,
liberdade e/ou integridade física.
Vislumbra-se, portanto, a falta de perspectiva da infância nas políticas migrató-
rias de Argentina e Brasil. A doutrina de proteção integral, consagrada pela Conven-
ção sobre os direitos das crianças, de 1989, não foi devidamente internalizada pelos
referidos Estados nas suas legislações sobre migrações (inclusive naquelas especí-
ficas sobre refúgio), tampouco nas suas políticas públicas. Por outro lado, verifica-
-se a falta de perspectiva da migração nas políticas sobre infância, porque nem a lei
argentina nem a brasileira sobre os direitos das crianças – respectivamente, Ley de
Protección Integral de los Derechos de las Niñas, Niños y Adolescentes, Ley 26.061,
de 21 de octubre de 200511 (ARGENTINA, 2017c) e Estatuto da Criança e do Ado-
9
Frise-se que tanto a lei argentina sobre migrações como o projeto de lei brasileiro contemplam os direitos daquelas
pessoas migrantes que não necessitam de proteção internacional, isto é, destinam-se notadamente aos migrantes vo-
luntários, não sendo aplicada nos casos que envolvem migração forçada.
10
Argentina e Brasil são signatários de importantes documentos que conferem proteção internacional às pessoas
vítimas da migração forçada, como a Convenção sobre Estatuto dos Refugiados de 1951 (ONU, 2017a), elaborada
pela Assembleia Geral das Nações Unidas, ratificada pela Argentina em 15 de novembro de 1961 e pelo Brasil em 15
de julho de 1952 e a Convenção sobre asilo diplomático de 1954 (OEA, 2017b), elaborada pela OEA, ratificada pela
Argentina em 15 de fevereiro de 1993 e pelo Brasil em 25 de junho de 1957.
11
Tal lei de proteção à infância foi criada no ano de 2005, com o intuito de internalizar os direitos da Convenção de
1989 (ratificada pela Argentina em 1990), adotando a doutrina internacional de proteção integral das crianças. No
entanto, embora sua proteção seja dirigida a todas as crianças que se encontram em território argentino (artigo 1), a
referida lei não contemplou a proteção integral das crianças no contexto da migração, mesmo tendo sido criada no
ano seguinte ao da promulgação da Lei de Migrações (2004).

200 Rafaela Gomes Viana


lescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 2017a) – contemplaram as
situações de migração.
Infelizmente, essa omissão legislativa é um traço comum em toda a região das
Américas (CERNADAS; GARCÍA; SALAS, 2014), que, provavelmente, representa
um reflexo de uma omissão internacional há muito consolidada. Os avanços em ma-
téria de direitos de crianças migrantes no direito internacional dos direitos humanos
ainda são bastante tímidos. Para que se alcance a proteção adequada desses indiví-
duos, é essencial tanto a elaboração de documentos internacionais (de abrangência
universal) que versem sobre a migração forçada de crianças, quanto à internalização
por parte dos Estados dos standards mínimos até então existentes, estabelecendo uma
relação de mão-dupla, na qual as legislações internacionais influenciam a criação e a
interpretação de legislações internas e vice-versa.
Nesse diapasão, diante da ausência de um tratado internacional que verse espe-
cificamente sobre os direitos das crianças migrantes e da insuficiência da normati-
zação da Convenção sobre o Direito das Crianças nos casos que envolvem crianças
no contexto da migração, Argentina e Brasil devem-se valer da jurisprudência da
CorteIDH – a OC nº 21/2014 – como fonte do direito para criar e interpretar suas
legislações internas e para orientar todas as demais atuações de seus poderes consti-
tucionais. Diante disso, a doutrina do controle de convencionalidade12 mostra-se uma
ferramenta indispensável para que os referidos Estados promovam a proteção efetiva
dos direitos humanos das crianças migrantes.
Frise-se que Argentina e Brasil assumiram um compromisso internacional de
proteção dos direitos humanos no âmbito regional quando assinaram a CADH e reco-
nheceram a jurisdição da CorteIDH, no livre exercício de sua soberania estatal.13 As-
sim, com o intuito de honrar tal compromisso, os Estados devem realizar, sempre que
possível, um exame de compatibilidade das ações dos poderes internos dos Estados
com as disposições e princípios da CADH e da sua interpretação feita pela CorteIDH,
através do controle de convencionalidade.
Importante ressaltar que a Constituição argentina de 1994, em seu art. 75, inc.
22, conferiu hierarquia constitucional à CADH (integrando o bloco de constituciona-
lidade), o que significa que o exame de compatibilidades das leis infraconstitucionais
argentinas com a CADH se viabiliza pelo controle de constitucionalidade. O mesmo
não ocorre no Brasil, uma vez que incorporou a CADH ao seu ordenamento jurídico
com nível de norma supralegal, por força do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal
de 1988, significando que o exame de compatibilidade daquele documento com as
demais leis infraconstitucionais se dá pelo controle de convencionalidade.
12
A doutrina do controle de convencionalidade vem sendo articulada pela Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos (CorteIDH) e consiste na obrigação que as autoridades dos Estados-Membros têm de deixar de aplicar norma
interna contrária à Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) ou à interpretação que a CorteIDH faz dela.
Frise-se que a CorteIDH possui duas jurisdições: uma contenciosa e outra consultiva, por meio das quais emite suas
jurisprudências internacionais. As jurisprudências da jurisdição contenciosa são provenientes das decisões em casos
paradigmáticos, nos quais a Corte é acionada para julgar uma violação concreta de direitos humanos cometida por
algum dos Estados-Membros. As jurisprudências da jurisdição consultiva, por sua vez, são advindas do exercício de
interpretação, em tese, dos dispositivos CADH, podendo, tais opiniões ser elaboradas de ofício ou por solicitação
dos Estados-Membros.
13
A Argentina ratificou a CADH em 14 de agosto de 1984 e reconheceu a jurisdição da CorteIDH em 05 de setembro
do mesmo ano, enquanto o Brasil ratificou a CADH em 09 de julho de 1992 e reconheceu a jurisdição da CorteIDH
em 10 de dezembro de 1998.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 201
No entanto, no caso das jurisprudências da CorteIDH elaboradas no exercício de
sua função consultiva, como a OC nº 21/14, pode (e deve) ser realizado um exame de
adequação das leis infraconstitucionais argentinas e brasileiras por meio do controle
de convencionalidade. Desse modo, os poderes constitucionais argentinos – sobretu-
do o Poder Judiciário –, quando da aplicação da Ley de Migraciones, da Ley General
de Reconocimiento y Protección al Refugiado e da Ley de Protección Integral de los
Derechos de las Niñas, Niños y Adolescentes, devem harmonizar suas disposições
com aquelas constantes na OC nº 21/14, de modo a realizar uma interpretação que
leve a sério o compromisso estatal de promoção dos direitos humanos das crianças
no contexto da migração. Do mesmo modo deve proceder os poderes constitucionais
brasileiros quando da aplicação da futura Lei de Migração (PL nº 2516/2015), do Es-
tatuto dos Refugiados e do Estatuto da criança e do adolescente (ECA).
Sem prejuízo dessa ferramenta, sustenta-se que a postura a ser assumida pelos
Estados deve ser no sentido de criar a própria legislação interna e as políticas públicas
pertinentes, a fim de promover uma proteção mais sistemática dos direitos de crian-
ças migrantes.

Conclusão

Depreende-se, deste trabalho, que o número de crianças que migram pelo mun-
do, notadamente de crianças vítimas da migração forçada, vem aumentando expo-
nencialmente nos últimos anos e com isso vem aumentando também a necessidade
de se instituir uma adequada proteção internacional para aquele grupo específico de
indivíduos.
No entanto, a carência de uma perspectiva da infância nos documentos in-
ternacionais voltados para os direitos humanos no contexto da migração é clara e
preocupante, uma vez que as crianças, por sua vulnerabilidade e peculiar estágio de
desenvolvimento humano, possuem necessidades especiais, que demandam medidas
direcionadas para a sua idade, distintas das medidas consagradas nos documentos
internacionais já existentes, os quais concebem a migração sob a perspectiva dos
adultos.
Assim, no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a OC nº
21/2014 representa uma autêntica fonte de direitos que as crianças migrantes pos-
suem, em decorrência da proteção integral que lhe foi conferida pela Convenção dos
direitos das crianças, de 1989, e da interpretação extensiva da Convenção Americana
de Direitos Humanos. Diante dos standards convencionais, vislumbrou-se uma gama
de situações que demandam medidas específicas para a idade e o gênero das crianças
migrantes, as quais os Estados devem internalizar em seus ordenamentos nacionais
para que ganhem efetividade.
Conclui-se que as legislações migratórias de Argentina e Brasil ainda apresen-
tam graves deficiências em matéria infância migrante que precisam ser supridas. É
imprescindível a atuação prioritária das autoridades nacionais na tutela de crianças
migrantes, principalmente na promoção de medidas como: reunificação da família no
caso da criança desacompanhada ou separada, facilitação do acesso à saúde e à edu-
cação básica e prevenção da exploração sexual e do recrutamento por unidades mi-
litares. Para que isso aconteça, Argentina e Brasil devem angariar esforços máximos

202 Rafaela Gomes Viana


para harmonizar as legislações e atuações dos poderes internos aos dispostos na OC
nº 21/2014, efetuando o controle de convencionalidade sempre que possível.

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204 Rafaela Gomes Viana


— 13 —

Diálogo judicial transnacional: a recepção dos


Tratados Internacionais na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal sobre territórios indígenas 1

RAFAELA TEIXEIRA SENA NEVES2

JOÃO DANIEL DAIBES RESQUE3

Sumário: Introdução; 1. Teorias do Diálogo Judicial; 2. O Diálogo Judicial no STF: análise dos casos
sobre territórios indígenas; 2.1. Análise do caso “Raposa Serra do Sol” ; 2.2. Análise do RMS nº
29.087 e da ADI nº 3239; 3. Resistência à recepção dos Tratados Internacionais; Referências.

Introdução

O estudo da utilização dos precedentes na construção da decisão judicial não é


recente. Em 1997, Maccormick e Summers já dialogavam acerca disso em vários lu-
gares do mundo, tanto que chegaram à conclusão de que entre o common law e o civil
law, independente do grau de vinculatividade, o precedente tem papel significante na
decisão judicial (MACCORMICK; SUMMERS, 1997).
No common law, os precedentes das cortes superiores são formalmente vincu-
lantes em relação às inferiores, não significando estritamente vinculantes, existindo
exceções, pois as cortes superiores podem modificar suas decisões, alterando seu
entendimento (overruling). Já na visão do civil law, por influência do positivismo
exegético, persistiu a ideia de este ser um modelo livre das correntes do precedente
e de que a jurisprudência não criava direito, todavia, os precedentes podiam ser cita-
dos para fortalecer decisões por propiciarem força argumentativa (MACCORMICK;
SUMMERS, 1997).
1
O presente artigo é uma reflexão de diversos textos que se utilizam ora da expressão “direito internacional”, ora “di-
reito supranacional”, cada uma com significados próprios, logo, a expressão “direito transnacional” aqui é utilizada
como gênero, do qual, direito internacional e supranacional são espécies, que serão utilizadas como sinônimos.
2
Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. Mestra em
Direito pela UFPA. Professora e Coordenadora da Clínica de Direitos Humanos do Centro Universitário do Estado
do Pará (CESUPA).
3
Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Mestre em Direito pela UFPA.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 205
Dessa forma, os precedentes têm força normativa em todos os sistemas estuda-
dos, a diferença é o grau ou como eles são utilizados, isto é, a sua força vinculante.
O seu uso se justifica pela própria razão de ser do Poder Judiciário, que assume a
responsabilidade de reparar as atrocidades perpetradas pelo Executivo e/ou, as pro-
venientes da omissão do Legislativo; e pela proteção dos Direitos Humanos, espe-
cialmente em um contexto de cortes interligadas pelo mesmo documento normativo
que propõe a noção de sistema, como as cortes dos países integrantes do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (SIDH).
Analisar precedentes neste contexto revela-se um dos campos mais férteis para
o estudo do caráter evolutivo (e construtivo) do direito transnacional, pois propicia o
desenvolvimento de interpretações judiciais a partir de parâmetros principiológicos
que não se esgotam na mera transcrição literal de tratados, mas a partir da observação
da aplicação dos tratados internacionais de Direitos Humanos pelas cortes nacionais
dos países do SIDH.
A utilização de tratados internacionais aqui será entendida como um diálogo.
Um diálogo entre o direito internacional e o nacional. Isto é possível, graças à iden-
tificação do processo de globalização do Judiciário, que demonstra que tribunais no
mundo inteiro conversam – através da utilização de precedentes e de tratados inter-
nacionais – na construção da decisão judicial (SLAUGHTER, 1994). Esse processo
afasta a ideia de supremacia constitucional sobre o direito internacional e passa a
analisar os impactos da justiça internacional sobre a justiça interna. O que, por si só,
já é factível, tendo em vista que negar a influência do direito internacional no âmbito
interno é omitir a própria história e a situação atual de condenações4 contra o Brasil
no SIDH.
Interessa ao nosso caso analisar a aplicação dos tratados internacionais de Di-
reitos Humanos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em casos que versem sobre
territórios indígenas, pois passados 20 anos da aceitação voluntária do Brasil em
ser signatário do SIDH, é necessário analisar a recepção desse sistema para além da
incorporação formal realizada através do controle feito pelo Legislativo e da partici-
pação do Executivo nas assembleias, isto é, é importante verificar qual a postura do
Judiciário nesse processo de recepção que não se esgota com a mera ratificação dos
tratados internacionais (KELLER; SWEET, 2008).
Requer a recepção uma verdadeira compatibilização de agendas. Uma interação
em nível nacional-internacional no âmbito do Judiciário. E um dos meios para isso
acontecer é através da utilização dos tratados internacionais de Direitos Humanos no
âmbito da construção da decisão judicial, em especial, se essa decisão versar sobre
violação de direitos humanos, pois aqui exige-se muito mais que o uso do direito
constitucional, mas a utilização de tratados internacionais como fonte e instrumento
de debate da construção da decisão e da própria validade do precedente nacional.
A recepção do SIDH pelo STF implica um dever de coerência com esse sistema,
pois a utilização dos tratados internacionais de Direitos Humanos obriga o Judiciá-
rio a conceder um tratamento igualitário a casos semelhantes, além de produzir um
efeito uniformizador, vez que possibilita o mesmo tratamento jurídico a casos com
4
Atualmente, o Brasil conta com cinco condenações na CorteIDH, a saber: caso Damião Ximenes Lopes vs. Brasil,
de 2006; caso Escher e outros vs. Brasil, de 2009 e o caso Garibaldi vs. Brasil, de 2009; caso Gomes Lund e outros
(“Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil, de 2010 e caso Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, de 2016.

Rafaela Teixeira Sena Neves


206 João Daniel Daibes Resque
semelhança relevante, e em casos distintos, o tratamento distinto, sendo uma postura
de integração ao sistema regional. (BANKOWSKI; MACCORMICK; MORAWSKI;
RUIZ MIGUEL, 1997).
Sendo assim, o estudo visado neste trabalho científico possui o fito de analisar
a recepção dos tratados internacionais de Direitos Humanos pelo STF, por meio do
diálogo judicial, a partir da análise crítica dos precedentes sobre territórios indígenas,
a fim de examinar o uso desses tratados e verificar em que medida o STF dialoga com
o direito internacional dos direitos humanos.
A escolha em especificar essa análise em casos envolvendo territórios indígenas
surgiu por se tratar de uma temática que envolve um problema estrutural do conti-
nente americano, advindo desde a colonização das Américas, sendo uma pauta que
constantemente demanda respostas do Judiciário e do Legislativo.
Essa é uma das razões que demonstram a importância de se estudar tal temática
no Brasil e, em especial, no plano internacional. Trata-se de um problema comum,
pois apesar de o Brasil não ter sido responsabilizado internacionalmente por vio-
lações aos direitos territoriais dos Povos Indígenas, o país possui, desde 2005, de-
mandas em curso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
sobre as quais já foram emitidos relatórios de admissibilidade: Membros da Comuni-
dade Indígena de Ananás e outros vs. Brasil (relatório de admissibilidade de 2006);
Comunidades quilombolas de Alcântara vs. Brasil (relatório de admissibilidade de
2006); Povo Indígena Xucuru vs. Brasil (relatório de admissibilidade de 2009) e Po-
vos Indígenas Raposa Serra do Sol vs. Brasil (relatório de admissibilidade de 2010),
além da Medida Cautelar 382/10, referente ao caso Comunidades Indígenas Bacia do
Rio Xingu vs. Brasil, de abril de 2011, caso que foi retomado pela CIDH no início
do ano de 2016.
No plano doméstico, os problemas envolvendo territórios indígenas são um
pleito antigo relacionado com a colonização do Brasil e, em especial, com a coloni-
zação na Amazônia, que se deu de modo muito peculiar, podendo ser explicada de
forma breve, através da seguinte tríade: exclusão – desigualdade social – degradação
ambiental. De um lado, tinha-se um Estado que se fazia presente em terras amazô-
nidas por meio de ações voltadas para a realização de projetos desenvolvimentistas,
mas, de outro, tais ações, além de não constituírem políticas públicas que proporcio-
nassem o real desenvolvimento para a região, os atos vivenciados não respeitavam
o meio ambiente nem a sociodiversidade existente, ensejando conflitos fundiários,
ambientais e sociais que persistem até hoje e que são constantemente pleiteados no
Judiciário brasileiro, em especial, no STF (LOUREIRO, 2004).
Neste sentido, como metodologia, realizamos uma análise qualitativa da ratio
decidendi dos casos sobre territórios indígenas no STF. A escolha dos casos levou
em consideração quatro requisitos: (I) casos sentenciados após a ratificação da Con-
venção Americana de Direitos Humanos (CADH) pelo Brasil; (II) casos em que a
pertinência temática seja a demarcação de territórios indígenas, ou de outros povos
tradicionais, sendo o direito “chave” do qual todos os outros direitos trabalhados no
caso decorrem; (III) casos em que houve a menção expressa a tratados internacionais
de Direitos Humanos e (IV) a complexidade da demanda, tendo em vista que por se
tratar de Povos Indígenas, não pode ser enfrentada como simples casos de um soma-
tório de indivíduos, pois o caráter de Povo que se autodetermina e com identidade
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 207
própria deve ser intrínseco a essa discussão e das peculiaridades do contexto latino-
-americano que tornam casos como esses, uma demanda frequente. A partir disso,
foram selecionados os seguintes casos: Caso “Raposa Serra do Sol” (Petição 3.388-4
STF); RMS nº 29.087 de 2014 e ADI 3239.
O trabalho está dividido em três seções: (1) uma breve dissertação sobre as teo-
rias do diálogo judicial; (2) uma análise pragmática sobre o diálogo no STF a partir
da utilização dos tratados internacionais de Direitos Humanos nos casos seleciona-
dos; e (3) comentários sobre a postura do STF verificada a partir dos achados, a fim
de propiciar o debate acerca da função que esse diálogo pode exercer na recepção dos
tratados internacionais de Direitos Humanos.

1. Teorias do Diálogo Judicial

Diante do contexto de litigância transnacional, alguns estudos propõem cami-


nhos que nos ajudam a refletir sobre a postura mais adequada rumo à recepção de um
tratado internacional. Postura esta que traz o afastamento da ideia de hierarquia entre
o direito internacional e o nacional, justamente por propor uma ideia de diálogo ju-
dicial entre esses direitos. Tais estudos entendem que o Judiciário nacional, na cons-
trução da decisão judicial, deve-se comunicar com as fontes do direito internacional,
especialmente, os tratados internacionais e os precedentes das cortes internacionais.
Neste sentido, para atender aos fins deste artigo, consideraremos precedentes e tra-
tados internacionais como fontes do direito internacional, logo, como paradigmas de
análise desse diálogo.
Entre esses estudos, destacamos o organizado por Torres Pérez, que trata do
conceito de Pluralismo Constitucional, o qual pode ser definido como uma situação
na qual há um pluralismo de instituições que não estão hierarquicamente organiza-
das, mas há um reconhecimento de validade entre elas, em diferentes níveis de reco-
nhecimento, ou seja, interdependência e ausência de hierarquia (PÉREZ, 2009).
O pluralismo aqui identificado por Pérez ratifica a postura de deferência à re-
cepção de um tratado internacional, pois ao trazer a interdependência e a ausência de
hierarquia para o debate, mostra a situação de um Judiciário nacional diante da sua
participação em um sistema internacional – como é o Brasil no SIDH – em que o de-
bate pela supremacia constitucional se torna insuficiente. Pérez, além de identificar
este debate como obsoleto, reconhece o diálogo judicial como um ideal utópico, por
evitar erros, tendo em vista a melhoria da qualidade do entendimento resultante, que
além de exigir um processo argumentativo, no encontro das convergências entre os
sistemas, compatibiliza a agenda do Judiciário ao facilitar a recepção de entendimen-
tos externos (PÉREZ, 2009).
Entretanto, compreender o pluralismo traz a exigência de uma postura ativa
do Judiciário. Desse modo, o pluralismo constitucional somente tem condições de
se concretizar, a partir da mudança de postura do nosso Judiciário, e em especial do
STF, ao assumir o diálogo judicial como sua nova atividade cotidiana. Não à toa,
iniciamos esse trabalho comentando sobre o diálogo judicial como instrumento da
recepção, por justamente requerer do Poder Judiciário que deixe de ter uma visão in-
traocular do ordenamento jurídico, para a partir de uma visão global, observar o que
está sendo discutido “para além do gabinete”. Aliás, a máxima “o que não está nos
Rafaela Teixeira Sena Neves
208 João Daniel Daibes Resque
autos, não está no mundo” reflete essa postura de isolamento e de não comunicação
do Judiciário brasileiro com as fontes do direito internacional.
Dessa forma, possui o STF o dever de comunicar, pois sendo a corte suprema
do nosso país e por ter legitimado a positivação constitucional sobre o papel do direi-
to internacional no âmbito interno (MAÚES, 2013), precisa se enxergar como mais
que o “guardião da Constituição” e se reconhecer como uma corte nacional integrante
de uma comunidade global de sistemas de proteção dos Direitos Humanos.
O STF não possui somente uma obrigação nacional de respeito à Constituição
Federal de 1988, mas também, o dever internacional de interação nível nacional-in-
ternacional através do diálogo com os tratados internacionais de Direitos Humanos.
Sendo isso mais que um compromisso internacional, e sim o cumprimento ao dever
de adotar disposições de direito interno disposto na CADH, obrigação assumida pelo
Brasil quando da sua ratificação.5
Esse é o entendimento proposto por Urueña, que recomenda a necessidade de
um diálogo transnacional entre os países-membros do SIDH. Neste diálogo, os Esta-
dos deixariam de ser meros seguidores de jurisprudência para que houvesse a compa-
tibilização de agendas entre as cortes e os tratados internacionais, ou seja, a partir da
interação nível nacional-internacional que a proteção eficiente dos Direitos Humanos
poderá ser construída (UREÑA, 2012).
Nesse contexto de se debater caminhos rumo à efetivação da recepção dos tra-
tados internacionais pelos juízes através deste diálogo, cabe destacar os modelos nor-
mativos propostos por Vicki Jackson, que funcionam como uma orientação das ações
dos juízes para pensar e praticar a relação do direito interno com o direito internacio-
nal. São elas: a resistência, a convergência e o engajamento/compromisso.
Na postura de resistência, o direito nacional é que vale, há um ceticismo e
desconfiança das fontes internacionais, e aversão às fontes externas, pois o direito
internacional ou estrangeiro não é levado em consideração no âmbito interno. O Ju-
diciário, ao solucionar um caso concreto, tem como base a supremacia das constitui-
ções nacionais sobre os tratados internacionais.
Esse tipo de postura propicia um formalismo na interpretação constitucional,
pois além de representar um limite ao juiz – no âmbito da sua discricionariedade
para decidir –, limita as fontes consideradas e as questões a serem respondidas em
cada caso, podendo levar também, a uma exclusão dessas formas não vinculantes de
direito transnacional – a autora associa essa postura ao modelo hierárquico do dua-
lismo, que traz a necessidade de se utilizar a legislação doméstica para dar efeito à
internacional.
Essa postura pode-se manifestar por meio da resistência ativa e da resistência
passiva. A postura da resistência ativa é manifestada quando um país, ao assumir a
postura de rejeitar uma fonte transnacional, prevê isso expressamente em seu ordena-
mento jurídico, pois a utilização dessa fonte é avaliada negativamente pelo Judiciário
nacional (JACKSON, 2010).
5
Sobre o Brasil, embora tenha o mesmo ratificado a Convenção Americana em 1992, e, portanto, automaticamente
tenha-se sujeitado ao monitoramento pela Comissão Interamericana, o documento relativo à CorteIDH só foi depo-
sitado em dezembro de 1998.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 209
A resistência passiva pode ser manifestada pelo silêncio ou pela indiferença,
correspondendo a um tipo de postura contraditória, pois de um lado, há o conheci-
mento das fontes internacionais pelos juízes, e por outro, há a rejeição de sua relevân-
cia (JACKSON, 2010). A resistência manifestada por meio da indiferença não diz
respeito à falta de conhecimento, mas a falta de interesse e vontade de considerar o
uso de fontes estrangeiras ou transacionais como fontes adequadas para a construção
da decisão judicial (JACKSON, 2010).
Já a postura de convergência propõe uma postura nacional de identificação,
ou melhor, “de se tornar idêntico” às normas transnacionais. Não é uma questão de
se aproximar, mas de se identificar, ou seja, a jurisprudência nacional sempre deve
convergir, caminhar no sentindo de alcançar ao direito internacional, especialmente,
se entre cortes nacionais e internacionais há tratados internacionais que foram incor-
porados pela ordem interna dos Estados. Fato que obriga as cortes nacionais a adotar
a postura da convergência, pois a sua interpretação não pode destoar da interpretação
dada pelas cortes supranacionais e nos tratados internacionais (JACKSON, 2010).
Essa postura tem por base a existência de valores morais universais, comuns
tanto no nível nacional, quanto no internacional. Nisso, as constituições seriam um
lugar de implementação das normas internacionais por refletirem o respeito, no âm-
bito interno, com estes valores (JACKSON, 2010). Através dessa postura, cortes na-
cionais e supranacionais trabalhariam para o desenvolvimento de um sistema jurídico
internacional uno, atuando conjuntamente na proteção a Direitos Humanos e na pre-
venção de guerras (JACKSON, 2010).
A postura de engajamento/compromisso, por sua vez, é caracterizada pela inter-
pretação judicial do direito constitucional que pode ser melhorada com o engajamen-
to com a ordem jurídica transnacional. As fontes transnacionais não são tidas como
obrigatórias, mas como um auxílio interpretativo à corte sobre a melhor decisão a ser
tomada acerca da Constituição.
As fontes do engajamento/compromisso seriam: o texto constitucional, que traz
ou não a exigência de uma interpretação conforme o entendimento internacional;
a complexidade da construção da decisão judicial, que na busca de um consenso
consideraria a experiência estrangeira ou internacional; a noção do direito como um
sistema, que diante das mudanças sociais buscaria em fontes internas e externas, o
fundamento necessário para a sua contínua construção; e a própria era transnacional,
pois as constituições nacionais seriam compreendidas como instrumentos de intera-
ção em nível nacional-internacional e obrigaria as cortes nacionais a considerarem o
direito estrangeiro e o direito internacional (JACKSON, 2010).
Vicki Jackson entende esse último modelo como a melhor postura a ser adota-
da. O engajamento divide-se em deliberativo e relacional. O deliberativo consiste na
construção da decisão judicial a partir da faculdade do juiz em recorrer ou não às fon-
tes externas para melhor fundamentação – não há aqui a necessidade de obrigação da
utilização da fonte. O relacional defende a obrigação da utilização das fontes externas
no debate, proporcionado pela fundamentação da decisão, não há uma obrigação de
deferência pelo entendimento do tratado internacional – é isso que faz a postura de
engajamento/compromisso se distinguir da postura de convergência –, mas a fonte
internacional deve ser levada em consideração no momento da motivação da decisão,
mesmo que seja para mostrar o porquê do seu afastamento, pois não é a divergência
Rafaela Teixeira Sena Neves
210 João Daniel Daibes Resque
com o tratado internacional que é incompatível com a postura de engajamento, mas
sim, a total desconsideração e o silêncio quanto a ele (JACKSON, 2010).
Nesse sentido, o diálogo judicial proporciona uma série de vantagens, como a to-
mada de “decisões menos erradas”, criatividade, inovação argumentativa e autocrítica,
pois como proporciona a troca de experiências e decisões já utilizadas em outros países,
propicia o olhar inovador e criativo do direito nacional, um olhar crítico do seu próprio
sistema – através da percepção de semelhanças e distinções entre os ordenamentos ju-
rídicos –, além de poder evitar a repetição dos erros já cometidos em outros países em
casos semelhantes. (PÉREZ, 2009, pp. 149-150; JACKSON, 2010, p. 77)
Corroboramos o entendimento proporcionado por Vicki Jackson, tendo em vis-
ta que não pode mais o Judiciário brasileiro entender a utilização dos tratados inter-
nacionais de Direitos Humanos na construção da decisão judicial como algo estranho
a sua função e se manter apático diante da litigância transnacional, desconsiderando
o direito transnacional como uma fonte do direito válida, pois passados 20 anos da
aceitação voluntária do Brasil em ser signatário da CADH e da sua participação em
outros organismos internacionais, já está mais do que na hora de os compromissos
com a coerência do entendimento proposto pelos tratados internacionais serem leva-
dos a sério.
Logo, fundamentar o uso ou não do direito internacional nas decisões judiciais,
a partir dos modelos hierárquicos e doutrinários do dualismo e do monismo, é insufi-
ciente para explicar a função que um tribunal nacional tem frente a um sistema global
de proteção dos Direitos Humanos, pois além de serem modelos que não conseguem
atender as indagações surgidas com a positivação constitucional sobre o papel do di-
reito internacional no âmbito interno, como a questão da supralegalidade (MAÚES,
2013, p. 217), são anteriores à criação dos sistemas regionais de proteção de Direitos
Humanos. O papel do Judiciário, em especial do STF, quanto à recepção dos trata-
dos internacionais, é mais complexo que a mera justificação desses modelos binários
quanto à aplicação ou não desses tratados.
Os modelos doutrinários do monismo e do dualismo não conseguem discutir a
função do STF no contexto do SIDH e explicar a sua postura quanto à utilização dos
tratados internacionais ao longo da sua jurisprudência, pois não são capazes de aten-
der as demandas da complexidade da litigância transnacional que tem que ser anali-
sada caso a caso. Tais modelos são considerados como “zumbis intelectuais de outro
tempo” (BOGDANDY, 2008, p. 400), logo, devem ser superados.
Nesse sentido, mais do que a análise a partir desses modelos binários, deve ser
analisada a postura do STF ao longo da sua jurisprudência a fim de verificar como
se dará a utilização dos tratados internacionais de Direitos Humanos nos casos con-
cretos. A postura de engajamento explicada por Vicki Jackson deve ser incentivada.
Incentivo esse que não deve-se esgotar com a pesquisa acadêmica, mas se expandir
para a prática jurídica, em que o Judiciário se coloca à disposição desse diálogo.
O STF possui o dever de vanguarda nesse exercício de recepção dos tratados
internacionais de Direitos Humanos, visto que suas decisões reverberam reflexos so-
bre as demais instâncias do Judiciário nacional, motivo que nos enseja a analisar sua
jurisprudência sobre territórios indígenas com o fito de identificar qual a postura as-
sumida pela corte suprema em relação ao diálogo com os tratados internacionais de
Direitos Humanos.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 211
2. O diálogo judicial no STF:
análise dos casos sobre territórios indígenas

O diálogo judicial é mais que um instrumento de recepção do SIDH, constitui


um dever do STF frente ao pluralismo interamericano, pois apesar de não haver uma
coercibilidade que imponha um dever de coerência e nem um único padrão norma-
tivo interamericano, é característica de ser “sistema” a unidade entre os seus entes
que o integram, logo, o entendimento das cortes nacionais deve estar em consonância
com os tratados internacionais de Direitos Humanos.
Daí por que, só faz sentido falar em interação, se essa estiver pautada em um
processo deliberativo que fomente a construção e a reinterpretação do direito a partir
de uma perspectiva dinâmica multicultural que propicie a interpretação evolutiva, ou
seja, aquela que “permite abordar os tratados de direitos humanos como ‘instrumen-
tos vivos’ cuja interpretação deve acompanhar a evolução dos tempos e as condições
de vida atuais” (MAUÉS, 2007, p.128).
Esse processo deliberativo, metodologicamente falando, pode-se dar por meio
da utilização dos tratados internacionais na jurisprudência do STF, pois é na discus-
são quanto à pertinência ou não da aplicação desses tratados que podemos perceber
as vantagens que o diálogo pode proporcionar e, perante um plano prático, quais os
desafios e as perspectivas que a recepção dos tratados internacionais de Direitos Hu-
manos enfrentará para concretizar os direitos dos Povos Indígenas.
Neste sentido, foram selecionados os seguintes casos para a análise da recepção
dos tratados internacionais de Direitos Humanos em matéria de territórios indígenas:
Caso “Raposa Serra do Sol” (Petição 3.388-4 STF); RMS nº 29.087, de 2014, e ADI
3239. Nesta seção, analisaremos os casos e como se deu a aplicação dos tratados in-
ternacionais. Começaremos pelo paradigmático caso “Raposa Serra do Sol”, por ser
o mais importante precedente do STF sobre o assunto e, por isso, optamos por rea-
lizar uma análise individual e detalhada do caso. Após, analisaremos conjuntamente
o RMS nº 29.087, de 2010 –, julgado pela Segunda Turma do STF, em 2014 –, e a
ADI nº 3239, de 2004 –, que está suspensa em razão de pedido de vista, realizado em
2015.
Esses dois últimos casos serão tratados conjuntamente, por duas razões distin-
tas. O primeiro deles (RMS nº 29.087), em que pese já tenha decisão transitada em
julgado, representou apenas a reverberação dos impactos das condicionantes ado-
tadas no caso “Raposa Serra do Sol”, ao passo que o segundo (ADI nº 3239) ainda
não foi concluído, podendo ter seu resultado alterado a depender dos demais votos
restantes que ainda estão pendentes.

2.1. Análise do caso “Raposa Serra do Sol”


O caso trata de uma Ação Popular (Pet. 3.388/RR) que questionava a constitu-
cionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol de forma contínua
e de vícios no processo administrativo-demarcatório, tendo como Ministro-Relator
Ayres Britto, no qual foi decidido em seu acórdão pela constitucionalidade da demar-
cação contínua da terra indígena, da ação popular e do procedimento administrativo-
-demarcatório, sob dezenove salvaguardas institucionais aprovadas majoritariamente
Rafaela Teixeira Sena Neves
212 João Daniel Daibes Resque
a partir do voto-vista do Ministro Menezes Direito, além disso, foram vencidos os
votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio.
Daí por que, para efeitos de análise de diálogo judicial, se destacaram os votos
dos Ministros Ayres Britto (o relator) e Menezes Direito (voto-vista do qual saíram
as dezenove condicionantes) aos quais será dispensada maior atenção na presente
análise.
O Ministro-Relator começa o seu voto comentando sobre as fases do processo
administrativo de demarcação de terras indígenas, a saber, a identificação e delimi-
tação antropológica da área, declaração de posse permanente, demarcação propria-
mente dita, homologação mediante decreto do Presidente da República e o registro a
ser realizado no Cartório de imóveis e na Secretaria do Patrimônio da União e que tal
procedimento se deu de modo satisfatório. Nisso, após essa exposição, passa o Mi-
nistro a mencionar, “precedentes deste nosso STF em matéria de demarcação de terra
indígena” (PET 3.388/RR, p. 258); menção esta que não passa de uma breve citação
de quatro6 julgados, a fim de contextualização da temática.
A partir daí, o Ministro discorre sobre os “índios como tema de matriz cons-
titucional” (PET 3.388/RR, p. 262), por identificar que tal matéria encontra-se den-
tro do “bloco normativo-constitucional”, motivo que leva o magistrado a fazer uma
“interpretação sistêmica/contextual” da Constituição Federal de 1988 (CRFB) para
chegar às seguintes conclusões encontradas durante todo o voto: (1) que os “índios”
são parte essencial da realidade política e cultural brasileira; (2) que tais dispositivos
permitem adjetivar de brasileiros os “índios”; (3) que todas as terras indígenas nesses
dispositivos fazem parte do território estatal-brasileiro,
sobre o qual incide, com exclusividade, o Direito nacional. Não o Direito emanado de um outro Esta-
do soberano, tampouco o de qualquer organismo internacional, a não ser mediante convenção ou tratado
que tenha por fundamento de validade a Constituição Federal Brasileira de 1988 (PET 3.388/RR, p. 270,
grifo nosso)
(4) que todas essas terras são propriedades físicas da União, cuja titularidade não é
compartilhada pelos “índios”, pois fazem parte de uma categoria jurídico-constitu-
cional, não um ente federado, e exerce a União controle contra os Estados, os Municí-
pios e os “não índios”; (6) que as terras indígenas são inalienáveis, imprescritíveis e
indisponíveis; (7) que tais dispositivos não permitem a adoção dos vocábulos “povo,
país, território, pátria ou nação indígena”, pois terras indígenas assume uma com-
postura nitidamente sociocultural, não política; (8) que essa previsão constitucional
protege os “índios” de modo tão próprio, que lhe causa estranhamento o fato de os
agentes públicos brasileiros terem aderido formalmente aos termos da Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas; (9) que é a nossa Constituição
que os “índios brasileiros devem reverenciar como sua carta de alforria [...] e não essa
ou aquela declaração internacional de direitos, por mais bem intencionada que seja
(PET 3.388/RR, p. 280); (10) que a demarcação de terras indígenas revela um capítu-
lo avançado do constitucionalismo fraternal; (11) que “a Magna Carta brasileira bus-
ca integrar os nossos índios para agregar valor à subjetividade deles” (fenômeno da
aculturação)” os benefícios de um estilo de vida civilizado (PET 3.388/RR, p. 290);
(12) que há um falso antagonismo entre a questão indígena e o desenvolvimento, pois
a CRFB intenta conciliar os institutos da colonização e do indigenato, e isso confirma a
6
São eles: ADI 1.512; MS 25.483; RE 183.188 e o MS 24.045.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 213
desnecessidade de amparo estrangeiro às causas indígenas, hoje, pois nenhum documento jurídico
alienígena supera a nossa Constituição em modernidade e humanismo, quando se trata de reconhecer às
causas indígenas a sua valiosidade intrínseca (PET 3.388/RR, p. 292, grifo nosso).
(13) que quanto ao conteúdo positivo do ato de demarcação das terras indígenas, o
marco temporal da ocupação deve respeitar a promulgação da CRFB, o marco da tra-
dicionalidade relaciona-se com a questão “originária”, ou seja, a mais antiga expres-
são da cultura brasileira, o marco da concreta abrangência fundiária inter-relaciona
a habitação permanente com a utilização de terras para atividades produtivas, mais
preservação dos recursos ambientais e com a reprodução física e cultural e o marco
da proporcionalidade que deve basear-se na CRFB; (14) que o modelo contínuo de
demarcação das terras indígenas é compatível com a CRFB; (15) que há conciliação
entre terras indígenas e a visita de não índios e terras indígenas com a questão de ter-
ritório de faixa de fronteira.
Vencidas tais conclusões é que o Ministro começa a efetivamente analisar o
caso concreto da demarcação da terra indígena “Raposa Serra do Sol” e vota pela im-
procedência da ação popular, ou seja, pela constitucionalidade da demarcação contí-
nua das terras indígenas, “devendo-se retirar das terras em causa todos os indivíduos
não índios” (PET 3.388/RR, p. 344).
Insta aduzir, ainda, que como fundamento para a sua decisão, utilizou o Minis-
tro, reiteradamente da CRFB, inclusive do seu preâmbulo, de enciclopédia e dicioná-
rio, de doutrinas (“Kelsen, Baggio, Boaventura de Sousa Santos”), livro de literatura
(“O navio negreiro”), de entrevista e de sítio eletrônico (“Wikipédia”) (PET 3.388/
RR, p. 293).
O Ministro Menezes Direito corrobora a mesma linha de raciocínio traçada pelo
Ministro-Relator, tendo em vista que tem na Constituição Federal a principal fonte de
fundamentação de todo o seu voto, o que faz com que as argumentações, em alguns
trechos, sejam similares. Razão por que não nos debruçaremos detalhadamente ao seu
voto, mas, somente nos argumentos que se afastam do posicionamento do relator.
Diante disso, quando o Ministro passa a explicar o conteúdo positivo do ato de
demarcação de terras indígenas, além de citar a CRFB, menciona precedentes do pró-
prio STF para ratificar o seu posicionamento nas seguintes questões: (a) o marco para
a determinação da ocupação indígena deve seguir a promulgação da Constituição;
(b) a imprescritibilidade das terras indígenas, (c) quanto à necessidade de oitiva do
Conselho de Defesa Nacional por se tratar de área de fronteira e (d) que para equa-
cionar a força do direito internacional positivado no direito interno, quando se trate
de espécie normativa relativa aos direitos do homem, impõe trabalhar no plano cons-
titucional.7
Além desses precedentes, o Ministro também faz constantemente o uso de leis
federais, doutrinas nacional8 e internacional,9 laudo antropológico; e no momento em
7
Trata-se dos RE 44.585 (DJ de 11/10/1961), voto do Ministro Victor Nunes Leal; do RE 94.414 (DJ de 14/2/1997),
Relator o Ministro Moreira Alves; do MS 25.483 (DJ de 14/09/2007), Relator o Ministro Carlos Britto; HC 87.585
TO.
8
Trata-se dos livros de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Pontes de Miranda, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Sergio
Buarque de Holanda, José Afonso da Silva, entre outros.
9
São eles: Principles of public international law; Problemas and process – international law and how we use it; The
constitutional law of the United States; Handbook on the construction and interpretation of the laws, entre outros.

Rafaela Teixeira Sena Neves


214 João Daniel Daibes Resque
que se depara com a referência de fonte internacional trazida pelas partes, é que o
Ministro traz para a discussão do seu voto a menção à fonte internacional.
Nesse ponto em específico, é importante ressaltar que as partes mencionam a
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, o que faz com que o magistrado enten-
da necessário trazer à baila a Convenção 169 da OIT, pois também é “atinente aos po-
vos indígenas” (PET 3.388/RR, p. 395). E já nesse início, o Ministro destaca alguns
artigos da Convenção 169 da OIT para dizer que muitas das garantias previstas nesse
documento já se encontram “asseguradas pela nossa Constituição, não havendo, em
princípio, inovação no que se refere às prerrogativas de nosso Estado Nacional” (PET
3.388/RR, p. 396) e que quanto à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, os
procedimentos e medidas referidos nela, “são, a nosso ver, aqueles estipulados na
legislação nacional de cada país” e, além disso, entende o magistrado ser essencial
para que a
Suprema Corte do Brasil deixe claro que a contribuição da Declaração dos Povos Indígenas para o
reconhecimento e fortalecimento dos direitos de povos que foram alcançados pelo processo de conquista
e colonização do Novo Mundo, não pode negar vigência às normas de hierarquia constitucional e de
topografia pétrea, como a unidade nacional, a indissolubilidade e o princípio federativo (PET 3.388/RR,
p. 396, grifo nosso).
Tanto é que para exemplificar o excerto acima, o Ministro cita um precedente
da Corte Interamericana de Direitos Humanos10 para mostrar que a “comunidade in-
ternacional não medirá esforços para tentar aplicar aos Estados-Membros suas posi-
ções quanto a esses direitos. Pouco importa que no caso brasileiro a propriedade das
terras indígenas seja da União”, pois o “direito dos índios as suas terras”, segundo
a decisão e o artigo 21 da “Convenção Interamericana” (sic), pode ser subordinado
pela lei ao interesse social e deve ser interpretado como abrangente na sua forma de
ocupação tradicional e seu enfoque coletivo (PET 3.388/RR, p. 398).
Logo, segundo o Ministro, não deve tal Declaração ser qualificada como um
instrumento normativo do Direito Internacional, pois as resoluções da Assembleia
Geral não são em geral vinculantes. Portanto, seja pela ausência de integração, seja
“porque baldia de força vinculante, por si só, como fonte de direito internacional, não
há de se aplicar a Declaração no plano da positividade jurídica interna” (PET 3.388/
RR, p. 400).
Nesse sentido, entende o Ministro que ao contrário do que se extrai dessa De-
claração e da Convenção 169 da OIT, é compatível com a CRFB a instalação de
bases militares e demais intervenções militares a critério dos órgãos competentes ou
quando do interesse da defesa nacional coincidir com a expansão da malha viária, das
alternativas energéticas e o resguardo de riquezas estratégicas, “independentemente
de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI” (PET 3.388/RR, p.
408), razão por que julga parcialmente procedente a ação popular desde que sejam
observadas dezenove condicionantes de usufruto dos “índios sobre suas terras” que
foram extraídas da interpretação constitucional, as quais foram incorporadas ao acór-
dão, por maioria, e que, em geral, limitam a finalidade do uso das terras dos povos in-
dígenas, pois não abrange a exploração de recursos hídricos, potenciais energéticos,
pesquisa, lavra de recursos minerais, garimpagem, faiscação, a cobrança de tarifas
10
Trata-se dos livros de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Pontes de Miranda, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Sergio
Buarque de Holanda, José Afonso da Silva, entre outros.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 215
em troca da utilização das estradas, objeto de arrendamento ou de qualquer negócio
jurídico, a caça por pessoas estranhas, a ampliação da terra indígena já demarcada.
Terras com a atuação das Forças Armadas, da Polícia Federal, condicionadas ao in-
teresse da política de defesa nacional, independentemente de consulta aos envolvidos
e, havendo a criação de uma unidade de conservação, as terras indígenas serão, tam-
bém, administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade,
que determinará o acesso, trânsito, permanência e uso dos indígenas, visitantes e
“pesquisadores não índios” nessas áreas. São tais terras imprescritíveis, inalienáveis
e indisponíveis e gozam de plena isenção tributária (PET 3.388/RR, p. 418).
Com o ajuizamento de vários embargos de declaração, o STF manifestou-se
novamente sobre o caso em 23/10/2013. Nesse acórdão, o Tribunal negou qualquer
efeito modificativo aos embargos e apenas esclareceu alguns pontos de sua decisão.
Dentre esses esclarecimentos, constantes na ementa do acórdão, destaca-se o entendi-
mento de que, embora a decisão proferida em ação popular seja desprovida de efeito
vinculante, “em sentido técnico”, o acórdão do Caso Raposa Serra do Sol “ostenta a
força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre
um elevado ônus argumentativo nos casos em que se cogite da superação dessas ra-
zões”. Assim, o STF admite que as “salvaguardas institucionais” estabelecidas nesse
acórdão constituem um precedente que deve ser utilizado em outros casos de demar-
cação de terras indígenas.

2.2. Análise do RMS nº 29.087 e da ADI nº 3239


O paradigmático caso “Raposa Serra do Sol” e as condicionais estabelecidas
nele também foram objeto de fundamento da decisão do Recurso Extraordinário no
Mandado de Segurança (RMS) nº 29.087, em 16/09/2014. Nesse caso, discutiu-se a
legalidade da Portaria que declarara a posse permanente da terra indígena Guyraroka,
em área situada no Mato Grosso do Sul, à etnia Guarani Kaiowá. Segundo as alega-
ções do recorrente, não haveria ocupação dessa terra pelos indígenas, o que teria sido
reconhecido no laudo antropológico da própria FUNAI ao declarar que a posse indí-
gena era “pretérita” à Constituição de 88.
Em voto divergente que conduziu a maioria, o Ministro Gilmar Mendes des-
tacou o fato de que a população Kaiowá residira na terra reivindicada até a década
de 40, tendo sido obrigados a deixá-la “devido às pressões que receberam dos colo-
nizadores que conseguiram os primeiros títulos de terras na região”. Embora muitas
famílias tivessem permanecido no local, trabalhando para os fazendeiros, as últimas
famílias foram obrigadas a deixar o local no início da década de 80.
A partir dessas informações, e mesmo em sede de mandado de segurança, o
Ministro Gilmar Mendes considerou que esses elementos não são suficientes para
configurar a existência de “terras tradicionalmente ocupadas” (art. 231, § 1º), invo-
cando em seu raciocínio a Súmula 650 do STF (“Os incisos I e XI do art. 20 da CF
não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em
passado remoto”) e os “fundamentos e salvaguardas institucionais” estabelecidos na
decisão da Pet. nº 3.338, especialmente o “marco temporal da ocupação” e o “marco
da tradicionalidade da ocupação”.
Para o Ministro, “o segundo marco é complementar ao primeiro”, portanto,
apenas se a terra estiver sendo ocupada pelos indígenas na data da promulgação da
Rafaela Teixeira Sena Neves
216 João Daniel Daibes Resque
Constituição, é que pode ser analisada “a efetiva relação dos índios com a terra que
ocupam. Ao contrário, se os índios não estiverem ocupando a terra em 5 de outubro
de 1988, não é necessário aferir-se o segundo marco”.
Verifica-se que essa interpretação não se ajusta à proposta pela Convenção
Nº169 da OIT, que sequer foi aplicada nesse caso. Além disso, propõe uma priorida-
de do marco temporal da ocupação sobre o marco da tradicionalidade da ocupação
que não se encontra presente na decisão de Raposa Serra do Sol, na qual se admite o
reconhecimento da tradicionalidade da posse mesmo quando ela houver sido inter-
rompida.
No tocante à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, caso ainda
parcialmente julgado, o STF analisa a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/03,
que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades qui-
lombolas, em atenção ao que determina o art. 68 do Ato das Disposições Consti-
tucionais Transitórias, o qual dispõe que “aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Assim, ao contrário dos casos
anteriores, a ADI nº 3239 não versa sobre nenhum evento específico e concreto, mas
sim sobre a compatibilidade, em abstrato e genericamente, entre um decreto presi-
dencial e a Constituição Federal.
Trata-se de ação proposta pelo Partido Político “Democratas”, em que os reque-
rentes alegam, além de vícios formais que se baseiam na supressão e usurpação das
instâncias legislativas (reserva legal) pelo Executivo, que o referido Decreto também
viola materialmente a Constituição de 1988. Segundo os requerentes, são material-
mente incompatíveis com o texto constitucional:
(I) O artigo 2º, § 1º, do Decreto supracitado, o qual prevê que “a caracterização
dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autode-
finição da própria comunidade”. De acordo com a denúncia do partido requerente, o
referido ato normativo elege critério de reconhecimento dos titulares (autodefinição)
contrário ao sentido da Constituição de 88, a qual exigiria a comprovação da qualida-
de de remanescente de quilombolas;
(II) Os §§ 2º e 3º do mesmo artigo 2º, que dispõem sobre, respectivamente,
que “são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as uti-
lizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural”, e que
“para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios
de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos”.
De acordo com o Democratas, os referidos dispositivos são extremamente amplos e
suscetíveis demais aos indicativos que podem ser fornecidos pelos próprios interes-
sados. Em apertada síntese, temem os autores da ação que esses dispositivos tornem
a demarcação de terras um instrumento de aquisição de propriedade que ultrapassaria
os limites das terras destinadas apenas para a moradia das comunidades quilombolas,
conferindo poderes demais aos remanescentes interessados e a essas comunidades;
(III) Por fim, alegam a inconstitucionalidade do artigo 13 do referido Decreto,
que prevê a possibilidade de desapropriação, pelo INCRA (Instituto Nacional de Co-
lonização e Reforma Agrária), de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades
quilombolas e que sejam invadidas ou usurpadas por outros proprietários privados
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 217
que não pertençam à comunidade. De acordo com os peticionantes, tal norma viola
a Constituição na medida em que extrapola o simples mandamento de apenas emitir
os títulos de propriedade dos remanescentes que se encontrem na posse dessas terras
quando da promulgação da Constituição.
Até o presente momento, o julgamento da ação encontra-se suspenso com ape-
nas dois votos proferidos. O voto do Ministro-Relator, Cezar Peluso, reconhece a
inconstitucionalidade do Decreto em todos os termos da petição inicial. Para o Minis-
tro, houve violação da reserva da lei, visto que o artigo 68 dos Atos de Disposições
Constitucionais Transitórias só poderia ser regulamentado por lei em sentido estri-
to. Também considerou que os critérios da autodefinição para reconhecimento dos
titulares e os termos amplos que foram empregados no Decreto para caracterizar as
limitações das terras quilombolas feriram a Constituição.
Ocorre que, esquece-se de considerar como fundamento legal para o Decreto nº
4.887/03 a própria Convenção 169 da OIT, que exige em seu artigo 14 que os Esta-
dos-Partes devem “reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de
posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (14.1) e que “os governos deve-
rão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos
interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos
de propriedade e posse” (14.2).
Além do mais, é a própria Convenção 169 que estabelece que a caracterização
das terras de comunidades tradicionais está além da simples perspectiva espacial,
devendo ser utilizados critérios demarcadores como os aspectos físicos, sociais, eco-
nômicos e culturais, entre os quais se insere também o aspecto espiritual, conforme
expressamente prevê o artigo 13 da Convenção, ao determinar que “os governos de-
verão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos
povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios”. No mesmo sen-
tido, o artigo 5º da mesma Convenção, ao chamar a atenção para a necessidade de
que “ao se aplicar as disposições da presente Convenção, deverão ser reconhecidos e
protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e espirituais próprios dos
povos mencionados” (5.a).
Cabe mencionar também, que a Convenção 169 adota expressamente o critério
da autodefinição para a reconhecer que é “a consciência de sua identidade” que “de-
verá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se
aplicam as disposições da presente Convenção” (artigo 1.2).
Ao contrário do voto do Ministro Peluso, no outro voto disponível até o mo-
mento, a Ministra Rosa Weber julgou improcedente a ação, considerando o Decreto
nº 4.887/03 Constitucional, com base especialmente na Convenção da OIT aqui refe-
rida. Resta saber, agora, como os demais membros da Corte responderão ao caso, e
se, assim como o voto divergente da Ministra Rosa Weber, adotarão a fonte do direito
internacional como norte para apreciar o ato do Executivo.

3. Resistência à recepção dos Tratados Internacionais

Por meio da análise comparativa realizada à luz das Teorias do Diálogo Judi-
cial, foi possível identificar a postura de resistência assumida pela STF, e antes que
Rafaela Teixeira Sena Neves
218 João Daniel Daibes Resque
seja tratado a respeito das vantagens de não resistir, isto é, de dialogar, é importante
falar, ainda que de forma breve, a respeito das fontes dessa resistência.
Conforme explicado anteriormente, na postura de resistência há um ceticismo
e uma aversão ao direito transnacional, modelo no qual as constituições são vistas
como base para resistência ou diferenciação ao direito e às práticas externas, logo no
âmbito da construção de fundamentação de decisão judicial, esse direito “externo”
não é levado em consideração.
Quanto à resistência do STF, essa pode ser classificada como uma resistência
passiva manifestada por meio da indiferença/silêncio, que é postura que não diz res-
peito à falta de conhecimento, mas à falta de interesse e vontade de considerar o uso
de fontes estrangeiras ou transacionais, por ser uma postura contraditória, se de um
lado, há o conhecimento das fontes internacionais, por outro, há a rejeição de sua re-
levância (JACKSON, 2010, p.33).
Esse tipo de postura propicia uma espécie de duplo limite à discricionariedade
judicial, pois como visto nos votos dos Ministros, a Constituição representava a dire-
triz, por meio do qual a interpretação deveria começar e seguir, como também, repre-
sentava o marco pelo qual o juiz não pode ultrapassar (JACKSON, 2010, p. 34).
Como primeira causa da postura de resistência do STF, identificamos a própria
Constituição, pois conforme assevera Vicki Jackson, tal documento é visto como
a “autocompreensão da noção de identidade” por expressar as particularidades, os
compromissos, as características e as limitações do seu povo, logo, o direito estran-
geiro teria pouco a ensinar. Essa fonte pode ser vista, a título de exemplo, na passa-
gem do voto do Ministro-Relator no caso “Raposa Serra do Sol”, a saber, “todas as
terras indígenas versadas pela nossa Constituição fazem parte do território estatal-
-brasileiro, sobre o qual incide, com exclusividade, o Direito nacional. Não o Direito
emanado de um outro Estado soberano [...]” (PET 3.388/RR, p. 270).
Outra fonte da resistência seria o originalismo, que defende a necessidade de
identificar o significado “original” do texto, ou seja, aquele que era pretendido pelo
constituinte. Essa ideia está ligada a uma concepção de soberania popular e reforça
a resistência ao direito transnacional, como pode ser percebido na passagem: “ela,
Constituição, teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas tão só, em
‘terras indígenas’” (PET 3.388/RR, p. 276).
O direito como identidade autóctone é a outra fonte que pode ser identificada,
pois representa a ideia do Direito como organicamente relacionado à história espe-
cífica de um povo e do seu estágio máximo de desenvolvimento com o passar do
tempo. É o que podemos ver da leitura do excerto “[...] desnecessidade de amparo es-
trangeiro às causas indígenas [...], pois nenhum documento jurídico alienígena supera
a nossa Constituição em modernidade e humanismo, quando se trata de reconhecer às
causas indígenas a sua valiosidade intrínseca” (PET 3.388/RR, p. 284).
Finalmente, como característica dessa postura do STF, temos a resistência po-
lítica/ elitismo em que os juízes buscariam esse apoio e essa aliança interna para se
opor ao Legislativo e ao Executivo, uma espécie de repulsa à recepção formal de tra-
tados internacionais, como é possível observar aqui:
O que de pronto nos leva a, pessoalmente, estranhar o fato de agentes públicos brasileiros aderirem,
formalmente, aos termos da recente “Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indí-
genas” (PET 3.388/RR, p. 280)
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 219
Em suma, a postura de resistência propicia o isolamento do Tribunal frente um
contexto global de interação entre cortes, sendo uma postura incompatível com a re-
cepção, pois tal modelo enfraquece o Sistema Interamericano de Direitos Humanos,
tendo em vista que de nada adianta o Brasil ser signatário, se não há por parte do Po-
der Judiciário o dever de coerência e de diálogo com esse sistema.
Persistir em uma postura resistente é persistir em uma postura ineficaz, pois, em
se tratando de Direitos Humanos, e em especial, a situação dos povos tradicionais; es-
tamos falando em uma demanda comum na América Latina, que exige do Judiciário
um olhar a partir da diversidade.
Desta feita, o diálogo possui aqui uma dupla função, isto é, a de instrumento
da recepção, pois força o Judiciário a debater com os precedentes internacionais de
modo a construir uma decisão preocupada com a coerência e unidade do SIDH como
um todo, tendo em vista que a eficiência da atuação do SIDH está relacionada à sua
legitimidade social e à atuação de atores interessados em acompanhar e difundir seus
parâmetros e decisões.
Daí por que, como se trata de um sistema que não é adotado de força coativa,
deve buscar construir uma força persuasiva, através do diálogo judicial, para dar
maior efetividade à sua jurisprudência que é “guia inescusável” (ABRAMOVICH,
2009) de interpretação da CADH pelos juízes locais.
E, por segundo, a função de garantia de efetividade dos Direitos Humanos dos
Povos Indígenas, exercida pelo Poder Judiciário, pois é a partir da perspectiva do
diálogo que o direito pode ser reinterpretado a partir de uma perspectiva dinâmica
multicultural, ou seja, um diálogo que tenha por base o Princípio Pró-homine e a di-
versidade nas fontes através da aplicação adequada dos tratados internacionais.
É importante salientar que mais que uma função, o diálogo judicial constitui um
dever para o STF, pois esse é um dos caminhos que vai propiciar o avanço em ques-
tões estruturais, como a da demarcação das terras indígenas, tendo em vista que se a
demarcação contínua representou um importante passo, o meio por qual se chegou a
essa conclusão – os fundamentos e as fontes utilizadas – e as próprias condicionantes
constituem evidências do quanto o Judiciário necessita aprender, avançar e dialogar
com o direito internacional.
Quando o STF não utiliza de forma adequada os tratados internacionais nos ca-
sos sobre territórios indígenas, há aqui uma resistência ao direito internacional e uma
rejeição a sua relevância (JACKSON, 2010, p.33). Essa postura propicia o isolamen-
to do STF frente um contexto global de interação do direito internacional com o na-
cional, sendo uma postura incompatível com a recepção dos tratados internacionais
de Direitos Humanos e com os deveres do Estado brasileiro perante o SIDH.

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Rafaela Teixeira Sena Neves


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A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 221
— 14 —

El control de convencionalidad y el valor de la


soberanía del Estado a la luz de los Tratados de
Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

RENATA BREGAGLIO LAZARTE1

Sumario: 1. Reconfigurando las relaciones entre tratados y Derecho interno partir del fundamento
del control de convencionalidad; 2. Reconfigurando la noción de consentimiento estatal a partir del
parámetro de convencionalidad exigible a los Estados; 2.1. Estado de ratificación de tratados del
Sistema Interamericano; Reflexiones finales; Referencias.

El control de convencionalidad fue formalizado por la Corte Interamericana de


Derechos Humanos (CorteIDH) en el año 2003 en el caso Almonacid Arellano y otros
vs. Chile. En dicha sentencia la CorteIDH estableció el deber del Poder Judicial de
[…] ejercer una especie de ‘control de convencionalidad’ entre las normas jurídicas internas que aplican
en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder
Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha
hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana (CORTEIDH, 2006a,
par. 124).
En este sentido, el control de convencionalidad implica el deber de los órganos
y funcionarios de un Estado, de contrastar las normas internas (y su aplicación), con
la Convención Americana sobre Derechos Humanos (CADH) y los estándares que
sobre ella haya desarrollado la CorteIDH. Este estándar afecta de manera directa el
proceso de inorporación de las normas internacionales al Derecho interno de los Es-
tados de la región, y obliga al replanteamiento de la idea de soberanía estatal, incluso
de aquella soberanía “erosionada” propuesta por Carillo Salcedo (1995).
Dos son concretamente las consecuencias directas en la dinámica de la inte-
racción entre el Derecho internaconal y el derecho interno. La primera de ellas, más
clara, surge a partir de la comprensión del fundamento deber de control establecido
por la CorteIDH. A partir de este es posible plantear la exclsuión del sistema dualista
de incorporación de normas y establecimiento de una jerarquía supranacional de los
1
Abogada, Magíster en Derechos Humanos y candidata a doctora por la Pontificia Universidad Católica del Perú
(PUCP). Master en Derechos Fundamentales por la Universidad Carlos III de Madrid. Docente ordinaria del Depar-
tamento de Derecho de la PUCP.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 223
tratados. La segunda conclusión, no tan clara, pero sin duda consecuencia lógica de
la aplicación que el estándar ha tenido en el marco del Sistema Interamericano, es la
superación del consentimiento estatal al momento de determinar obligaciones exigi-
biles a un Estado.

1. Reconfigurando las relaciones entre tratados y Derecho


interno partir del fundamento del control de convencionalidad

Dos fueron los fundamentos dados por la CorteIDH en la sentencia para el


caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile para establecer este deber (CORTEIDH,
2006a, par. 125).2 El primero fue el principio de la buena fe que opera en el Derecho
Internacional, previsto en el artículo 26 de la Convención de Viena sobre el Derecho
de los Tratados, que dispone: “Todo tratado en vigor obliga a las partes y debe ser
cumplido por ellas de buena fe” (ONU, 1969).
El segundo fundamento señalado por la CorteIDH, estrechamente vinculado al
anterior, fue el artículo 27 de la referida Convención de Viena, que establece que:
“Una parte no podrá invocar las disposiciones de su derecho interno como justifica-
ción del incumplimiento de un tratado […]” (ONU, 1969)..
Asimismo, parte del cumplimiento de los tratados de derechos humanos bajo
el principio de buena fe, implica satisfacer las obligaciones generales de respeto y
garantía. En ese sentido, el control de convencionalidad surge con el objetivo de
enriquecer el contenido de las obligaciones de los art. 1 y 2 de la CADH, a efectos
de que, no solo los jueces nacionales, sino el Derecho interno de un Estado (a través
de los actos de sus autoridades públicas), se alinee a los estándares internacionales
(CORTEIDH, 2013, voto razonado de FERRER MAC-GREGOR, p. 33; SAGÜES,
2010, p. 118).
El Derecho Internacional y el Derecho Interno son dos ramas que, aunque vin-
culan al mismo Estado, son autónomas. Ello en la medida que los legisladores de
las obligaciones en ambos niveles son completamente diferentes: representantes del
Poder Ejecutivo en la esfera internacional, y representantes del Poder Legislativo en
la esfera interna. Por ello, las formas de relación entre ambos ordenamientos pueden
ser diversas, según lo determine el Derecho Interno, a partir de la regulación de el
método de incorporación de la norma internacional a la norma interna, y de la deter-
minación del rango con que la primera ingresa en la segunda. Así, en teoría, es po-
sible encontrar ordenamientos en los que la relación es pacífica, y se evidencia una
clara vinculación entre ambos cuerpos normativos (por ejemplo, un sistema monista
con rango supraconstitucional), como también es posible sistemas en los que existe
una clara separación entre ambos sistemas (un sistema dualista con rango legal). Sin
embargo, este ejercicio teórico (al menos en el marco del Sistema Interamericano),
parecería estar llegando a su fin, pues el estándar del control de convencionalidad
estaría condicionando la forma en la que los Estados deben regular el sistema de in-
corporación y rango de normas internacionales.
2
Tales consideraciones fueron reiteradas en Corte IDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 29 de noviembre de 2006. Serie C No. 162, parágrafo 173; Corte IDH. Caso Trabajadores Cesados del
Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de
24 de Noviembre de 2006. Serie C No. 158, parágrafo. 78.

224 Renata Bregaglio Lazarte


En relación con la forma cómo el Derecho Internacional ingresa al Derecho In-
terno, clásicamente es posible identificar (más allá de particularismos) dos grandes
modelos sobre las cuales los Estados pueden optar al momento de legislar:
a) Incorporación directa o sistema monista: la incorporación de la norma
internacional se produce de manera inmediata con la sola ratificación o adhesión
del tratado por parte del Estado. En esta tesis se parte de la concepción unitaria del
sistema internacional y del orden jurídico estatal, por lo que “la razón de la validez
del orden jurídico nacional se encuentra determinada por el derecho internacional”
(SAGÜES, 2003, p. 88).
b) Recepción formal o sistema dualista: la incorporación de la norma inter-
nacional se produce luego de que el Estado haya adoptado una norma de Derecho
interno que “incorpora” la norma internacional al ordenamiento nacional, a través de
un acto de “transformación legislativa”. En el sistema dualista el sistema internacio-
nal y el orden jurídico interno son ordenes jurídicos distintos y separados. En razñon
de ello, el Derecho internacional no tiene validez directa en el Derecho nacional y se
necesita un mecanismo especial, adicional a la ratificación o adhesión al tratado, para
incorporar el derecho internacional al derecho interno, nacional o doméstico.
Por otro lado, en relación con la determinación del rango con el que se incorpo-
ra la norma internacional, son cuatro las posibilidades legislativas que se identifican
en las constituciones de los Estados: rango supraconstitucional, rango constitucional,
rango supralegal (o infraconstitucional) y rango legal.
Ahora bien, tanto la determinación del sistema de incorporación de normas in-
ternacionales como la determinación del rango con que dichas normas se incorporan,
era algo tradicionalmente dejado a las Constituciones de los Estados, y por tanto, una
decisión soberana. Ello a pesar de la existencia, desde 1969, del artículo 27 de la Con-
vención de Viena, que permitía argumentar el carácter supranacional de los tratados.
No obstante, con la consagración del control de convencionalidad, la tesis no queda
solo en una posibilidad argumentativa: es el propio tribunal interamericano el que va a
afirmar el carácter erga omnes de la jurisprudencia que interpreta la CADH. Este ca-
rácter erga omnes no se encuentra condicionado, de manera que el cumplimiento de la
norma interpretada no puede estar sujeto a la adopción de un acto de transformación
legislativa en el caso de los Estados dualistas. Lo contrario implicaría asumir que tanto
el tratado que origina una obligación (la CADH), como las interpretaciones que sobre
ella se hagan en la jurisprudencia solo serían exigibles a los Estados dualistas cuando
estos hayan hecho la incorporación formal al ordenamiento interno. Si el fundamento
del control de convencionalidad es lograr la mayor efectividad del tratado, y si esto se
encuentra justificado apartir del artículo 27 de la Convención de Viena, no será posible
pensar en un sistema dualista en el marco del Sistema Interamericano.
Asimismo, incorporada de manera inmediata la obligación, la exigencia de con-
trastar la norma interna con la internacional (de manera similiar al control de cons-
titucionalidad interno), lleva a la única consideración posible sobre el rango de la
norma interncional: supraconstitucional. Pensar en que la CADH y la jurisprudencia
de la CorteIDH pueden ser inaplicadas en virtud de una norma interna no solo contra-
viene expresamente el artículo 27 de la Convencion de Viena, sino que desnaturaliza
el propio mandato del control de convencionalidad: el agente del Estado debe con-
frontar la norma interna con el estándar internacional y prefereir el segundo. En esa
preferencia se determina sin duda alguna el rango del Derecho Internacional.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 225
Esto ha sido también planteado por Ferrer Mac-Gregor en su voto razonado en
la Resolución de Supervisión de Cumplimiento de Sentencia para el caso Gelman vs.
Uruguay, donde señaló:
[…] si una interpretación constitucional o legal en el ámbito interno no se ajusta al estándar interpretativo
establecido por la Corte IDH para otorgar un mínimo de efectividad a la Convención Americana, existe
un incumplimiento de la obligación de “adecuación” previsto en el artiículo 2o del Pacto de San José, es
decir, al existir una inadecuada actuación interna con la Convención (…) (CorteIDH 2103, voto razonado
de FERRER MAC-GREGOR, p. 48).
En este sentido, como señala Landa, se pasa de una relación de coordinación
entre sistemas normativos a una donde prevalece la norma internacional, salvo (claro
está) que pueda hacerse una interpretación que salve la convencionalidad de la Cons-
titución (LANDA, 2013). Prueba de ello es la decisión de la CorteIDH para el caso
Boyce y otros vs. Barbados, en la cual consideró que el artículo 26 de la Constitución
de dicho Estado vulneraba el artículo 25 de la CADH; y ordenó la modificación del
texto constitucional (CORTEIDH, 2007, pars. 66 y 138).
Así, como bien apunta Jinesta (JINESTA, 2012, pp. 3 y 19):
El control de convencionalidad implica la necesidad de despojarse de una serie importante de lastres his-
tórico-dogmáticos muy arraigados en la ciencia jurídica, derribar una serie de mitos (v. gr. la supremacía
exclusiva de la Constitución) y, en definitiva, un nuevo paradigma del Derecho Público de los países del
sistema interamericano.
[...]
Es preciso por tanto, derribar un mito del control de constitucionalidad (surgido a partir de los principios de
la supremacía y la fidelidad constitucional), en el sentido que los jueces constitucionales no pueden con-
trolar la legitimidad de un precepto constitucional. En nuestro criterio, esa posibilidad debe irse abriendo
brecha para transformar a los jueces constitucionales en verdaderos “jueces interamericanos” que son los
primeros guardianes y custodios del parámetro de convencionalidad y fortalecer el carácter complemen-
tario o subsidiario de la jurisdicción regional de la Corte Interamericana.
Correspone entonces que los Estados, a través de sus jueves pero en general,
a través de toda autoridad pública (en la medida que el control de convencionalidad
es exigible a cualquier autoridad del Estado),3 tome nota del cambio de paradigma,
pues se corre el riesgo de incurrir en responsabilidad internacional. Tanto la “Cons-
titucionalización” del parámetro de convencionalidad y reconocimiento de su carác-
ter eventualmente “supraconstitucional” son, en opión de Jinesta, dos circunstancias
indispensables para que los jueces puedan ejercer un control de convencionalidad
incisivo y extenso (JINESTA, 2012, p. 10).

2. Reconfigurando la noción de consentimiento estatal a partir


del parámetro de convencionalidad exigible a los Estados

El parámetro de control de convencionalidad, sin duda, está dado primariamente por


la CADH. Ya en la sentencia para el caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile, la
CorteIDH señaló que:
3
El desarrollo jurisprudencial del control de convencionalidad ha llevado a establecer como sujetos obligados a apli-
carlo a los siguientes: i) Poder Judicial (Almonacid Arellano vs. Chile), ii) órganos del Poder Judicial (Trabajadores
Cesados del Congreso vs. Perú) iii) jueces y órganos vinculados a la administración de justicia en todos los niveles
(Cabrera García y Montiel Flores vs. México), iv) cualquier autoridad pública, y no solamente el Poder Judicial (Gel-
man vs. Uruguay); y v) y toda autoridad y órgano del Estado (todos los poderes) (Personas dominicanas y haitianas
expulsadas vs. República Dominicana).

226 Renata Bregaglio Lazarte


En esta tarea [de ejercer control de convencionalidad], el Poder Judicial debe tener en cuenta no sola-
mente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana,
intérprete última de la Convención Americana (el resaltado es nuestro) (CORTEIDH, 2006a, par. 124).
No obstante, la evolución de la jurisprudencia en este tema ha incorporado fuen-
tes adicionales. En la misma sentencia para el caso Almonacid Arellano y otros vs.
Chile, así como en la sentencia para el caso Caso Cabrera García y Montiel Flores vs.
México (CorteIDH, 2010, p.225 ), la CorteIDH deja claro que el deber de control de
convencionalidad debe hacer también respecto de las interpretaciones de la CADH
que la CorteIDH.
Esto empieza a plantar algunos problemas. El primero de ellos es que esta ca-
tegoría, agrupa no solo a la jurisprudencia que la CorteIDH ha dado respecto de el
Estado llamado a aplicar el control de convencionalidad, sino a todos los pronuncia-
mientos dados en vía contenciosa. Esto implica que no importará si el estándar que
debe ser aplicado por un Estado fue dado en una sentencia contra otro Estado. De esta
manera, el parámetro de convencionalidad estará dado, además, por las sentencias
relativas a los más de 200 casos resueltos a la fecha por la CorteIDH.
Adicionalmente, la CorteIDH ha establecido en su sentencia para el caso Caso
Gudiel Álvarez y otros (“Diario Militar”) vs. Guatemala (CorteIDH, 2012, par. 330)
que el parámetro de convencionalidad debe tomar en consideración los mandatos de
la Convención Interamericana sobre Desaparición Forzada, la Convención Intera-
mericana para Prevenir y Sancionar la Tortura y la Convención Belém do Pará. Esto
es lo que para Ferrer Mac-Gregor se denomina el “corpus iuris interamericano y su
jurisprudencia” (FERRER MAC-GREGOR, 2011, p. 532).
No obstante, no queda claro si este parámetro ampliado estaría reservado a:
i) estos tres tratados específicos, ii) aquellos tratados (o al menos normas) respecto
los cuales la CorteIDH tiene competencia material (y por lo tanto debiera añadirse
también el Protocolo Adicional a la CADH en materia de Derechos Económicos, So-
ciales y Culturales “Protocolo de San Salvador” – o al menos algunas de sus normas
–; la Convención Interamericana sobre la Protección de los Derechos Humanos de
las Personas Mayores; y – cuando entren en vigor – la Convención Interamericana
contra el Racismo, la Discriminación Racial y Formas Conexas de Intolerancia y la
Convención Interamericana contra toda Forma de Discriminación e Intolerancia), o
iii) todos los tratados del Sistema Interamericano (de manera que habría que añadir
también, la Convención Interamericana para la Eliminación de Todas las Formas de
Discriminación contra las Personas con Discapacidad y el Protocolo a la CADH rela-
tivo a la Abolición de la Pena de Muerte ).
Al respeto, resulta pertinente mencionar el voto de García Ramírez para el caso
Trabajadores Cesados del Congreso vs. Perú (CorteIDH, 2006b),4 que abonaría en
una consideración amplia del corpus iuris internacional. En dicho voto señaló que:
[…] al referirse a un “control de convencionalidad” la Corte Interamericana ha tenido a la vista la apli-
cabilidad y aplicación de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, Pacto de San José. Sin
embargo, la misma función se despliega, por idénticas razones, en lo que toca a otros instrumentos de
igual naturaleza, integrantes del corpus juris convencional de los derechos humanos de los que es parte
el Estado: Protocolo de San Salvador, Protocolo relativo a la Abolición de la Pena de Muerte, Convención
para Prevenir y Sancionar la Tortura, Convención de Belém do Pará para la Erradicación de la Violencia

4
Voto razonado del juez Sergio García Ramírez, párrafo 3.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 227
contra la Mujer, Convención sobre Desaparición Forzada, etcétera. De lo que se trata es de que haya
conformidad entre los actos internos y los compromisos internacionales contraídos por el Estado.
Finalmente, en su Opinión Consultiva 21, la CorteIDH señaló
[…] que estima necesario que los diversos órganos del Estado realicen el correspondiente control de
convencionalidad, también sobre la base de lo que señale en ejercicio de su competencia no contenciosa
o consultiva, la que innegablemente comparte con su competencia contenciosa el propósito del sistema
interamericano de derechos humanos, cual es, “la protección de los derechos fundamentales de los seres
humanos (CORTEIDH, 2014a, par. 31).
De esta manera, sin lugar a dudas, el parámetro de convencionalidad quedaría
establecido por:
a) CADH
b) Casos contenciosos
c) Tratados respecto de los cuales la CorteIDH tiene competencia
d) Opiniones consultivas
Asimismo, quedaría pendiente determinar si también formaría parte de dicho
parámetro:
a) Tratados o normas respecto los cuales la CorteIDH tiene (o tendrá, cuando
entren en vigor) competencia material
b) Otros tratados del Sistema Interamericano respecto los cuales la CorteIDH
no tiene competencia material

No obstante si la CorteIDH utiliza una norma perteneciente a alguna de estas


dos categorías de tratados para interpretar la CADH en una sentencia, esa norma que-
da cristalizada como parámetro de convencionalidad. Ello ocurre, claro está, no de
manera directa (es decir, por ser el tratado que la recoge parámetro de convencionali-
dad), sino de manera indirecta, a través de la interpretación de la CADH.
Sea como fuere, resulta claro que la teoría del control de convencionalidad su-
pera el artículo 68.1 de la CADH, que establece el efecto inter partes de la sentencia,5
y crea una nueva obligación. Y es aquí se produce un primer choque con la noción de
consentimiento estatal en el marco de las obligaciones internacionales: los Estados
al hacerse parte de la CADH aceptaron el efecto inter partes de las sentencias, y no
el efecto erga omnes que hoy estas deben tener en virtud del control de convencio-
nalidad.
Pero hay más, un segundo conflicto con la lógica del pacta sunt servanda es
que, aunque paradójicamente es el principio utilizado como fundamento del control
de convencionalidad, el amplio parámetro de control abre la posibilidad a que los Es-
tados estén obligados por normas que soberanamente han decidido no ratificar. Es un
hecho que la CorteIDH, en el marco de la adopción de una sentencia, puede, en virtud
del artículo 29.b), utilizar otros tratados para dar contenido a una norma de la CADH.
Y salvo en el caso Saramaka vs. Surinam (CorteIDH, 2007), donde la Corte utilizó el
Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo, del cual Surinam no era
parte, en todos los demás casos donde ha utilizado esta herramienta, se ha cuidado de
verificar que el Estado sentenciado sea parte del tratado que se usa como parámetro de
5
Artículo 68.1 de la CADH: Los Estados Partes en la Convención se comprometen a cumplir la decisión de la Corte
en todo caso en que sean partes.

228 Renata Bregaglio Lazarte


interpretación. No obstante, esta restricción no estaría presente en el deber de control
de convencionalidad. No solo porque la CorteIDH no lo ha dispuesto así, sino porque
iría en contra del fundamento que ella misma defiende: dotar de la mayor efectividad
posible a las disposiciones de la CADH con efectos generales (erga omnes). De esta
manera, la norma interpretada, se convertirá en obligatoria aún cuando el contenido
de la interpretación derive de una norma de la que un determinado Estado no es par-
te. Ello a pesar de que, tal como se ve en la siguiente tabla, existe disparidad entre el
número de Estados partes de los diferentes tratados interamericanos

2.1. Estado de ratificación de tratados del Sistema Interamericano


Tratado Número de ratificaciones

Convención Americana sobre Derechos Humanos 23

Convención Interamericana sobre Desaparición Forzada de Personas 15

Convención Interamericana para Prevenir y Sancionar la Tortura 18

Protocolo a la CADH relativo a la Abolición de la Pena de Muerte 13

Convención Interamericana para Prevenir, Sancionar Y Erradicar la


31
Violencia contra la Mujer “Convención de Belem Do Para”

Protocolo Adicional a la CADH en


materia de Derechos Económicos, Sociales Y Culturales 16
“Protocolo de San Salvador”

Convención Interamericana para la Eliminación de todas las Formas de Discriminación


19
contra las Personas con Discapacidad

Convención Interamericana sobre la Protección de los Derechos Humanos de las


2
Personas Mayores

Elaboración propia. Fuente www.cidh.org

Pero también podría ocurrir, como se ha señalado, que el estándar exigido al


Estado por control de convencionalidad surja de la interpretación de la CADH a par-
tir de un tratado respecto de los cuales la CorteIDH no tiene competencia. Alguien
podría objetar en este punto que en la medida en que se trate de un Estado parte de
dicho tratado, no existe afectación al principio de consentimiento estatal, pues el Es-
tado está obligado a cumplir todo tratado. Sin embargo, esto no es completamente
cierto, pues comparecer ante un Tribunal Internacional, ser sentenciado y ser exigido
en una reparación, también requiere un acto consentimiento.6 En el caso del Sistema
Interamericano, además, el propio sistema consentimiento excluye de la competencia
material de la CorteIDH a un conjunto de tratados. Es decir, los Estados, al aceptar la
competencia contenciosa de la CorteIDH son conscientes de que no podrán ser juz-
gados por el incumplimiento, por ejemplo, de las obligaciones contenidas en la Con-
vención Interamericana para la Eliminación de Todas las Formas de Discriminación
contra las Personas con Discapacidad. No obstante, la práctica de la Corte ha llevado
a utilizar esta convención para dar contenido a las obligaciones de la CADH en ma-
teria de discapacidad, siendo exigibles estas nuevas obligaciones tanto a los Estados
6
Corte Internacional de Justicia. Inmunidades Jurisdiccionales del Estado (Alemania v. Italia; interviene Grecia).
Sentencia del 3 de febrero de 2012, pár. 95.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 229
parte como a los Estados no parte de dicha convención. En ese sentido, si el tratado se
cristaliza en jurisprudencia, los Estados podrán ser condenados por la CorteIDH por
no haber cumplido dichas normas, a pesar de que (convencionalmente) ellas no caen
en la competencia de dicho tribunal.

Reflexiones finales

El control de convencionalidad ha venido a replantear ciertas reglas clásicas


del Derecho Internacional. Una de ellas, la libertad de los Estados para determinar el
sistema de incorporación y grado de la norma internacional parece aceptable y hasta
cierto punto, necesaria. El Derecho Internacional (incluido el Derecho Internacional
de los Derechos Humanos) fue un sistema jurídico creado por los Estados y para
los Estados. Plantar un sistema dualista o un rango de la norma internacional por
debajo de la Constitución, parece entrar en directa contradicción con el principio de
cumplimiento de buena fe de los tratados (que a su vez, podría quedar sin efecto en
aplicación de estas libertades normativas). En ese sentido, una forma de fortalecer el
Derecho Internacional de los Derechos Humanos (criticado, entre otras cosas, por la
falta de verderos mecanismos de coerción), sería aceptar la evolución de las reglas
del Derecho Internacional Público. El Derecho Internacional y el Derecho Interno se
crearon para convivir, y la única forma de hacerlo de manera medianamente ordenada
es a través de un sistema de incorporación directa que adscriba rango supraconstitu-
cional
La segunda consecuencia del control de convencionalidad en la soberanía de los
Estados (aquella que trastocaría el principio de consentimiento estatal), sí parece ser
un poco más problemática. Si bien ampliar el llamado “corpus iuris interamericano”
que sirve de referente para controlar la convencionalidad de las normas internas, pa-
rece deseable en términos de protección al ser humano, pues dota al Sistema Intera-
mericano de unidad, las críticas señaladas no deben pasarse por alto. En los últimos
años, ha habido un ataque muy fuerte contra el sistema interamericano: Venezuela
y Trinidad y Tobago denunciaron la CADH, República Dominicana no reconoce la
competencia de la Corte para un caso,7 y otros Estados han empezado a dejar de asis-
tir a las audiencias de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (como es
el caso de Argentina, Ecuador y Honduras). En ese contexto, para el caso de la justi-
ciabilidad del artículo 26, pero en un razonamiento aplicable a lo que se discute en el
presente artículo, el presidente de la CorteIDH ha señalado que la Corte no puede mi-
nar “la legitimidad y confianza que los Estados depositaron8 en la misma. Es posible
que estas tensiones se dinamicen en el futuro pues la tensión entre soberanía estatal y
principio pro persona parece ser permanente. (CONSTANTINO 2017).
Pero debe también debe recordarse que el denominado principio “pro persona”
no es irrestricto. Por el contrario, su limitación, tal como lo ha establecido la CorteI-
DH desde el Asunto Viviana Gallardo,
7
Con respecto a la situación de los descendientes de haitianos en dicho Estado.
8
Corte IDH. Caso Gonzales Lluy y otros Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 01 de septiembre de 2015. Serie C No. 298. Voto concurrente del juez Humberto Sierra Porto, pár. 32.

230 Renata Bregaglio Lazarte


[…] el equilibrio de la interpretación se obtiene orientándola en el sentido más favo-
rable al destinatario de la protección internacional, siempre que ello no implique una
alteración del sistema (CorteIDH, 1981, par. 16).
Una herramienta concebida para la unificación plena del sistema interameri-
cano podría conllevar también serios problemas para la permanencia del mismo. En
tal sentido, la Corte deberá hilar muy fino en moderar sus òrdenes de manera que no
aparenten ir más allá de lo consensuado por los Estado.
En razón de lo anterior, buscando justamente no alterar un sistema de Derecho
internacional, regido aún por la soberanía y consentimiento estatal, la interpretación
correcta para el estándar de corpus iuris será: i) la CADH, ii) los tratados de dere-
chos humanos respecto de los cuales la CorteIDH tenga competencia (quedaría bajo
esta premisa excluida la Convención Interamericana para la Eliminación de todas
las Formas de Discriminación contra las Personas con Discapacidad y el Protocolo
a la Convención Americana sobre Derechos Humanos relativo a la Abolición de la
Pena de Muerte) y iii) los estándares que la Corte haya planteado en su jurispruden-
cia (entendida como el pronunciamiento resultante de una litis) y que puede recoger
pronunciamientos o instrumentos no vinculantes, como es el caso de las opiniones
consultivas.
Ahora bien, con el esquema propuesto cabría ciertamente la posibilidad de que
a un Estado no parte de un tratado, se le exiga un estandar surgido por la interpreta-
ción de la CADH desde dicho tratado. Esta posibilidad, debe ser contrarrestada con
la creación de un verdadero sistema de reglas jurisprudenciales que de a los Estados
cierta predictibilidad. Así, hablar de “estándar” en el marco del deber de control de
convencionalidad no solo lleva a modificar el valor de la jurisprudencia en el Dere-
cho Internacional,9 sino también a pensar en el establecimiento de un sistema de pre-
cedentes y en la necesidad de contar con ciertas reglas para manejarlo. Estas reglas
a la fecha no existen, y resulta necesario empezar a reflexionar sobre la necesidad de
ellas para no contribuir al desprestigio de un sistema que, si bien ha realizado impor-
tantes aportes en la defensa de los derechos humanos, ha transitado muchas veces
alejado del cumplimiento de reglas jurídicas básicas.

Referencias
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Madrid: Tecnos, 1995.
CONSTANTINO, Renato. Salvando al patito feo: Perspectivas para la justiciabilidad del artículo 26 de la Convención Americana.
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——. Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia del 26
de septiembre de 2006a.
——. Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparacio-
nes y Costas. Sentencia de 24 de Noviembre de 2006b. Serie C No. 158.
——. Caso Boyce y otros vs. Barbados. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de noviembre
de 2007a. Serie C No. 169.
——. Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de
noviembre de 2007b. Serie C No. 172.

9
De acuerdo con el artículo 38 del Estatuto de la Corte Internacional de Justicia, la jurisprudencia tiene el valor de
“medio auxiliar”, más no de fuente exigible a los Estados.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 231
——. Caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26
de noviembre de 2010 Serie C No. 220. Voto razonado del juez ad hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor.
——. Caso Gelman vs. Uruguay . Supervisión de Cumplimiento de Sentencia. Resolución de la Corte Interamericana de Dere-
chos Humanos de 20 de marzo de 2013.
——. Opinión Consultiva OC-21/14. Derechos y garantías de niñas y niños en el contexto de la migración y/o en necesidad de
protección internacional. Opinión Consultiva OC-21/14. Resolución de 19 de agosto de 2014a.
——. Caso de personas dominicanas y haitianas expulsadas vs. República Dominicana. Excepciones Preliminares, Fondo, Re-
paraciones y Costas. Sentencia de 28 de agosto de 2014b. Serie C No. 282.
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LANDA, César. El impacto del control de convencionalidad en el ordenamiento peruano entre la época de la dictadura y la conso-
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terno. Retos de la judicialización en el proceso de verdad, justicia, reparación y reconciliación. Lima: Coordinadora nacional
de los Derechos Humanos, 2003.

232 Renata Bregaglio Lazarte


— 15 —

A abordagem dos Direitos Humanos nas Declarações


Conjuntas dos BRICS: um caminho contra-hegemônico? 1

SAULO DE OLIVEIRA PINTO COELHO2

DIVA JULIA SOUSA DA CUNHA SAFE COELHO3

RICARDO MARTINS SPINDOLA DINIZ4

Sumário: Introdução; 1. Os Brics e o Direito Internacional dos Direitos Humanos; 1.1. A formação
dos Brics: a questão social e humanitária na construção das diretrizes do bloco a partir das Declara-
ções Conjuntas emitidas entre 2009 e 2016; 1.1.1. Análise das Declarações Conjuntas do primeiro
ciclo das cúpulas do BRICS: 2009-2013; 1.1.2. Análise das Declarações Conjuntas do segundo
ciclo das Cúpulas do BRICS: 2014-2016; 2. O lugar potencialmente inovador do BRICS no Direito
Internacional dos Direitos Humanos; Considerações finais; Referências.

Introdução

Criado em junho de 2009, na chamada cúpula de Ecaterimburgo, o BRICS se


identifica como um grupo de países emergentes, ou seja, em desenvolvimento ou de
modernidade tardia. Pese a inquestionável motivação econômica de base, desde sua
origem, temas e questões voltadas ao desenvolvimento humano e ao compromisso
humanitário dessas nações fazem parte das conversações oficiais do bloco. Para além
do discurso e do mise-en-scène típico das relações protocolares internacionais, a re-
corrente remissão a temática humanitária faz sentido no contexto do BRICS ainda
1
O presente texto foi construído a partir dos resultados sobre os fenômenos do BRICS e da atuação como bloco des-
ses países, desenvolvidos na tese de doutoramento de Diva Safe Coelho, defendida perante o Programa de Doutorado
em Cidadania e Direitos Humanos da Universidade de Barcelona. No presente estudo, sistematizou-se os resultados
referente à análise das Declarações conjuntas do Bloco e do potencial desses documentos para servir de referencial a
uma tratativa contra-hegemônica dos direitos humanos em países de modernidade tardia.
2
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estágio Pós-doutoral em Cidadania em Direitos
Humanos junto à Universitat de Barcelona. Coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Direito e Políti-
cas Públicas da Universidade Federal de Goiás-UFG. Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Direitos Humanos da UFG.
3
Doutora em Cidadania e Direitos Humanos pela Universitat de Barcelona. Coordenadora do Curso de Especializa-
ção em Direito e Justiça do Trabalho da FASAM.
4
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília – UnB.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 233
que assuntos econômicos tenham tido proeminência nos momentos iniciais do blo-
co. Isto porque, dentre outros motivos, em que pese a magnitude e potência de suas
economias, esses países ainda possuem graves problemas sociais internos, tais como
uma intensa desigualdade, precariedade dos serviços básicos, déficits no reconheci-
mento e promoção de direitos, que devem, ou deveriam, buscar ser superados.
Apesar de parte considerável dos autores dedicados ao Direito Internacional
ainda não considerar o BRICS como um Bloco Econômico, nesta tese utilizaremos
indistintamente, ora o termo Grupo, ora o termo Bloco para nos referirmos ao BRICS,
por entendermos que já o é e, ainda que não fosse, caminha em direção à sua efeti-
vação como Bloco, ainda que de forma singular em relação aos parâmetros atuais do
Direito Internacional, como veremos.
Não obstante, tendo em vista a enorme diversidade das bases culturais-tradicio-
nais de cada um dos quatro países analisados,5 justifica-se a pergunta sobre as dificul-
dades, mal-entendidos, e ruídos comunicacionais referentes à tratativa das questões
sócio-humanitárias pelo bloco. Se tal tema é abordado pelo bloco apenas como estra-
tégia discursiva, este problema se torna rarefeito. Se, porém, e como deveria ser, in-
tenta-se “levar a sério” (parafraseando Dworkin) a realização dos direitos imbricados
nas temáticas abordadas pelo bloco, então tais ruídos advindos das diferentes cultu-
ras constitucionais construídas em cada qual podem se fazer em algumas questões,
ensurdecedores.6 Este estudo, então, busca enfrentar o desafio de avaliar a capacida-
de de conversação entre esses Estados quanto ao núcleo do debate jushumanitário.
Bem como entender qual o potencial da conversação dos BRICS para a estruturação
de um caminho contra-hegemônico moderado, no Direito Internacional dos Direitos
Humanos.
A atual globalização, aceleradora e uniformizadora dos processos produtivos
e tecnológicos, tornou por demais próximos e compartilhados os problemas das na-
ções europeias e os das nações emergentes, em que pese o eventual desencontro de
contextos e de perspectivas a respeito.7 Independentemente, é imperioso destacar que

5
Se tomarmos por base a classificação de Samuel Huntington (HUNTINGTON, 1997, p. 50-54) conjugada com os
estudos comparativistas de René David, (DAVID, 2002, p. 9 et seq.) os países do BRICS, derivariam cada qual de
uma civilização não-europeia: a oriental (China), a hindu (Índia), a ortodoxa (Rússia), a africana (África do Sul) e a
latino-americana (Brasil). De nossa parte, discordamos apenas quanto ao fato de que nos parece equivocado entender
a civilização latino-americana contemporânea como uma civilização apartada do Ocidente.
6
Grande demonstração dessa ideia se baseia no fato de que este grupo, tal como outros, se inicia travando um diálogo
sobre questões eminentemente econômicas, mas quando nos aprofundamos um pouco mais e saímos do reducionis-
mo econômico e passamos a questões de maior complexidade cultural, podemos ver que temos que levar a sério o
peso da diversidade cultural de todos os envolvidos. Um exemplo dessa difícil tarefa foi sem dúvida a criação do
Banco de Desenvolvimento do BRICS, que terá também por escopo a promoção do desenvolvimento sustentável
dentro deste grupo.
7
A identificação desse desencontro não deixa de ter uma representação significativa na própria história dos estudos
jurídicos em torno dos países em desenvolvimento. Como explicam Trubek e Santos, o primeiro momento ou fase do
movimento que ficará conhecido como Law & Development consistiu na articulação por parte de governos e institui-
ções internacionais preocupadas com o desenvolvimento humano e de seus respectivos intelectuais de projetos siste-
máticos de reformas jurídicas, com base no pressuposto de que o Direito, enquanto instrumento, pode tanto promover
como padronizar o desenvolvimento, de certa maneira reduzido à dimensão econômica, e de que são as instituições
jurídicas ocidentais, propriamente “modernas”, aquelas que melhor cumprem esse papel. Seu segundo momento,
por sua vez, se marca com o crescente interesse das ciências econômicas pelo tema e com a criação do Banco Mun-
dial, movimentando bilhões de dólares para suportar a transplantação completa de sistemas jurídicos de culturas
“desenvolvidas” a culturas “em desenvolvimento”. Para os autores, em alguma medida, o primeiro e o segundo
momentos, ocorridos entre 1960 e 1990, partilham dos mesmos equívocos, centrados na opinião de que transplantar
ordens normativas inteiras (de caráter acentuadamente liberal) fosse algo tão simples e mesmo inquestionavelmente

Saulo de Oliveira Pinto Coelho


234 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
os países dos BRICS possuem problemas comuns a eles próprios; decorrentes, so-
bretudo, dos recentes processos de modernização nos quais se viram engajados. Essa
origem compartilhada dos atuais problemas enfrentados por cada um serviu como
orientação para a constituição do bloco, no sentido de se buscar estratégias comuns
para a solução de problemas comuns, com vistas à continuidade do desenvolvimento
socioeconômico, já em andamento. Não obstante, nossa tarefa foi a de avaliar, nesta
questão, se, para além da globalização econômica, esse grupo constrói algum avanço
no plano de uma, por assim dizer, “globalização da justiça” (SALGADO, 2004).

1. Os Brics e o Direito Internacional dos Direitos Humanos

1.1. A formação dos Brics: a questão social e humanitária na construção das


diretrizes do bloco a partir das Declarações Conjuntas
emitidas entre 2009 e 2016
Com criação oficial iniciada em junho de 2009, na chamada cúpula de Ecate-
rimburgo, os BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (incluído posterior-
mente) formam o grupo dos países emergentes, ou seja, de desenvolvimento tardio.
A união entre esses países pode ser considerada como um diálogo entre grandes po-
tencias que tem uma capacidade de desenvolvimento muito maior do que os demais,
mas que, no entanto, ainda possuem graves problemas internos, notadamente de desi-
gualdade social e de infraestrutura que tais potencias emergentes buscam superar.
Curiosamente a nomenclatura BRICS surgiu por primeira vez em uma sala de
reuniões onde se desenvolvia um estudo econômico que buscou prever o cenário eco-
nômico dos países que tinham o maior potencial de desenvolvimento. O líder desse
estudo, o economista Jim O’Neill, funcionário do banco Goldman Sanchs, projetou
quais seriam as grandes potências que despontariam no séc. XXI. Isso ocorreu em
2001, porém em 2009 os próprios países começaram a buscar um maior acercamento
para poderem estreitar as relações, a princípio eminentemente provenientes de estra-
tégias econômicas.
Em 2011, superada uma primeira reação, calcada em especulações a respeito
de possíveis grupos concorrentes aos postos de destaque no cenário internacional
vindouro, e em meio a uma segunda fase marcada pelo ceticismo intelectual, por um
lado, e a adoção de estratégias preventivas de consolidação de acordos bilaterais entre
Estados Unidos e União Europeia e países individualmente abordados dos BRICS,
em uma lógica de divide et impera, por outro, o próprio Jim O’Neill voltando ao fe-
nômeno por ele mesmo vislumbrado quase uma década antes declarará seu espanto
para com os desenvolvimentos e densificações das relações entre os Estados-Mem-
bros.

desejável, por sua vez fundada no pressuposto de que o direito se reduziria a um mero instrumento. (TRUBEK;
SANTOS, 2006). Essa problemática, por evidente, não passou despercebida, gerando diversas críticas (inclusive e
famosamente do próprio Trubek), tanto acadêmicas como políticas, de atores localizados nos mais diversos âmbitos,
tanto institucionais como geográficos, a suscitar, posteriormente na reformulação do debate (iniciando, com o século
XXI, um terceiro momento), abandonando noções simplistas como as de que existiria uma e única fórmula mágica
para o desenvolvimento, e de que essa fórmula teria sido descoberta no “Norte global”, e incentivando a construção
de diálogos justamente entre os países em desenvolvimento, isto é, do “Sul Global”, ou “diálogos Sul-Sul”, do qual,
inclusive, o BRICS pode ser considerado um exemplo. (Cf. PAHUJA, 2007), para uma contextualização e análise
dos avanços e problemas dessa terceira fase.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 235
O processo de formação do bloco se deu sobretudo por meio da realização de
encontros conjuntos entre os países. Desde o ano de 2009, são realizadas Cúpulas
anualmente, e a cada ano em um dos BRICS. Até o presente ano foram realizadas
oito Cúpulas, quais sejam: 1ª Cúpula do BRICs ocorrida em Ecaterimburgo-Rússia
no ano de 2009; 2ª Cúpula BRICs que aconteceu em Brasília capital federal do Brasil
em 2010; 3ª Cúpula BRICS que teve sede em Sanya na China em 2011; 4ª Cúpula
BRICS, ocorrida na capital da Índia, na cidade de Nova Déli no ano de 2012; 5ª Cú-
pula BRICS, em Durban, na África do Sul em 2013; 6ª Cúpula BRICS, na cidade de
Fortaleza no Brasil, em 2014; 7ª Cúpula BRICS que teve sede na cidade de Ufa na
Rússia, no ano de 2015; e a 8ª Cúpula BRICS, que ocorreu na Índia em 2016.
A retórica laudatória e a ausência de estruturas discursivas próprias às realida-
des autonomamente normativas pode levar, em uma leitura apressada, a interpretar
as Declarações Conjuntas produzidas a cada Cúpula como meros instrumentos de
uma ilusão geopolítica voltada para cercar de legitimidade os anseios hegemônicos
dos membros mais agressivos do grupo. Fossem tais textos resultado de reuniões en-
tre quatro paredes, em uma reprodução da tradição dos arcana imperii, difícil seria
contestar a referida leitura, bem como sugerir qualquer outra. Entretanto, em razão
de sua distinta publicidade, acompanhada de notável articulação organizacional, di-
ferenciando-se em uma série de fóruns de debate e encontros interministeriais, acar-
retando significativos gastos orçamentários e mobilização social para governos de
Estados imersos em dificuldades de cunho socioeconômico, difícil acreditar que se-
melhante encenação passasse incólume perante as opiniões públicas nacionais.
Nesse contexto, as Declarações aparecem como fontes de distinta reflexividade,
ao centralizarem os esforços do grupo, em um misto de enunciações tanto progra-
máticas quanto retrospectivas, ao mesmo tempo em que promovem uma particular
e distinta versão do que se pretende para o futuro da ordem internacional, em suma,
momento de reflexão da ideia-força dos BRICS. Ademais, tais documentos configu-
ram registro das principais atuações e posturas conjuntas seja intra-BRICS, seja em
contribuição e interação com os temas em voga da esfera pública internacional, seja
em relação a demais países, de maneira pontual. Em outras palavras, é momento de
singular transparência em que os BRICS se fazem aparecer tanto para si como para
o restante do mundo, o que os transforma em elementos fundamentais para a cons-
tituição do horizonte de compreensão a partir do qual se deve ganhar sua realidade
efetiva.
Assim, analisaremos as Declarações Conjuntas, de acordo com a divisão em Ci-
clos, correspondente à realização de uma Cúpula em cada País do Grupo. Assim, as
Cúpulas de 2009 a 2013 fazem parte do primeiro Ciclo, já as Cúpulas de 2014 a 2016
correspondem ao segundo Ciclo. Importante destacar que, o segundo Ciclo não foi
finalizado, restando serem realizadas as Cúpulas referentes aos anos de 2017 e 2018
para seu encerramento.

1.1.1. Análise das Declarações Conjuntas do primeiro ciclo


das cúpulas do BRICS: 2009-2013
A 1ª Cúpula do BRICs ocorreu no dia 16 de junho de 2009 na Rússia. A Cúpula
teve seu primeiro encontro oficial com a formação original, ou seja, Brasil, Rússia,
Índia e China, o acrônimo BRICs ainda tem seu “s” minúsculo e somente será mudado
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
236 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
na 3ª Cúpula, com a inclusão oficial da África do Sul. Como resultado desse primeiro
encontro oficial, além de várias discussões sobre temas tais como a participação em
organismos internacionais, o comércio internacional, a crise econômica que começou
em 2008, foi redigido um documento (BRICS, 2009) no qual dispuseram a respeito
de importantes conclusões para a continuidade e intensificação de suas interações
cooperativas. A preocupação central da primeira Declaração Conjunta foi referente à
situação do Bloco na economia no cenário global e a importância de se buscar uma
maior estabilidade do sistema monetário desses países, além de uma maior represen-
tatividade nas instituições financeiras internacionais, posto que o desenvolvimento
econômico desses países deve refletir, por conseguinte, em sua posição no cenário
econômico-financeiro internacional.
A 2ª Cúpula BRICs ocorreu nos dias 15 e 16 de abril de 2010, em Brasília.
Neste encontro estavam presentes todos os líderes dos países, bem como o líder da
África do Sul que acompanhou os trabalhos da 2ª Cúpula, apesar de seu ingresso à
época ainda não estar oficializado. Com relação ao documento produzido na Cúpula
anterior, podemos notar alguns avanços para além das questões de mercado e eco-
nomia internacional. Isso se expressa, por exemplo, no § 8º, em que a redução do
desequilíbrio no desenvolvimento econômico e a promoção de inclusão social são
explicitamente indicados como comprometimentos comuns das economias emergen-
tes. (BRICS, 2010)
Essas preocupações continuam para os planejamentos estratégicos desenhados
no documento, dentre eles, e especialmente, aquele referente à cooperação quanto à
agricultura familiar, enquanto instrumento de garantir uma maior segurança alimentar
às respectivas populações dos países membros (§ 17). No mesmo sentido, no parágra-
fo subsequente se apresenta o combate à pobreza como desafio a ser enfrentado não
somente pelos BRICs, mas também por toda a comunidade internacional, indicando
a cooperação técnica e financeira entre os países como importante mecanismo para “a
consecução do desenvolvimento social sustentável, com proteção social, pleno em-
prego e políticas e programas de trabalho digno, dando especial atenção aos grupos
mais vulneráveis, como os pobres, as mulheres, os jovens, os migrantes e as pessoas
com deficiência”. Assim, como que a preparar terreno para essas futuras interações,
propôs-se, na parte final do documento, manifestações como “a publicação conjunta
de nossas respectivas instituições estatísticas nacionais [...] e um estudo de viabilida-
de para o desenvolvimento de uma enciclopédia comum BRIC” (BRICS, 2010).
A III Cúpula BRICS foi promovida no dia 14 de abril de 2011, em Sanya, Chi-
na. Teve por tema “Visão ampla, Prosperidade compartilhada”, um mote importante
do discurso então elaborado pelo Bloco expressou-se pelo seguinte objetivo: “[...]
contribuir para o desenvolvimento da humanidade e para o estabelecimento de um
mundo mais justo e equânime”. Para tal, propôs-se uma maior interação e coopera-
ção dentro do grupo, com os países se declarando “determinados a reforçar a parceria
BRICS para o desenvolvimento comum e avançar, de forma gradual e pragmática,
na cooperação intra-bloco” (BRICS, 2011). Ademais, o documento da III Cúpula
também traz como elemento caracterizador do Bloco a ideia de respeito às “normas
universalmente reconhecidas pelo direito internacional”, que tenham por objetivo
proporcionar dentre outros pontos o estímulo das boas práticas de relações interna-
cionais como meio para alcançar resultados concretos no âmbito internacional.
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 237
O “desenvolvimento Sustentável” continuou sendo um importante tema no diá-
logo de cooperação entre os BRICS, e a ideia de crescimento e desenvolvimento
como condição fundamental para erradicar a pobreza, é apresentado, a nosso ver,
como uma ideia-força estruturadora das propostas do Bloco. Assim, nessa Declara-
ção Conjunta há sinalizações de compromissos no âmbito da proteção social quando,
por exemplo, se enfatiza o objetivo de “reforçar o diálogo e a cooperação nos domí-
nios da proteção social, trabalho decente, igualdade de gênero, juventude e saúde pú-
blica”. (BRICS, 2011) Consequentemente, ao final do documento, o Bloco propõe a
elaboração de um “Plano de Ação”, com o intuito de consolidar a cooperação dentro
do BRICS, estabelecendo-se como desafio o desenvolvimento de uma “agenda pró-
pria”, com o objetivo de dar maior solidez às interações entre os países.
A IV Cúpula dos BRICS, aconteceu em Nova Délhi, capital da Índia, no dia 29
de março de 2012. O tema daquele ano foi “BRICS Parceria para a Estabilidade Glo-
bal, Segurança e Prosperidade”. Lançaram-se então os “alicerces” da interação intra-
-BRICS, quais sejam, “solidariedade, cooperação, compreensão e confiança mútuas”
(BRICS, 2012). Assim, discurso produzido na Declaração Conjunta da IV Cúpula en-
fatizou o potencial dos diálogos e da cooperação intra-BRICS. O Bloco defendeu que
a riqueza e diversidade culturais de dimensões transcontinentais presente nos países
componentes deve se traduzir em uma maior valia em termos de bloco econômico
e de relações internacionais. Os BRICS, então marcam uma posição no sentido da
construção de um reequilíbrio Norte-Sul e Oriente-Ocidente na governança global.
Como não poderia deixar de ser, frente aos efeitos das crises financeiras Ame-
ricana e Europeia, um dos temas mais importantes tratados nessa Cúpula foi o de
ressaltar a relevância de estabelecer um sistema monetário internacional equilibrado
e justo, pautado pela maior representatividade por parte dos países em desenvolvi-
mento (§ 8º). Destaca-se, assim, nesse horizonte, a proposta de criação de um Banco
de Desenvolvimento do BRICS, voltado eminentemente para projetos de infraestru-
tura de países em desenvolvimento, sem se abrir mão, contudo, da sustentabilidade
(§ 13).
Paralelamente, o “Desenvolvimento Sustentável” e o “Combate à Fome”, tanto
para as presentes gerações quanto para as gerações vindouras dos países de desen-
volvimento tardio, foram dois pontos de destaque na reafirmação dos compromissos
assumidos pelo Bloco (§ 28). Posicionou-se também, positivamente, a respeito da
Economia Verde, da Erradicação da Pobreza, e da criação de Organização Institucio-
nal para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável (§ 34). Deve-se pontuar, con-
tudo, que o tratamento desses temas comuns ao diálogo global se deu acompanhado
de posicionamento enfático quanto à autonomia, igualdade e protagonismo dos paí-
ses em desenvolvimento. Assim, declarou-se o seguinte (BRICS, 2012):
Deve-se dar às autoridades nacionais flexibilidade e espaço político para que façam suas próprias esco-
lhas com amplo leque de opções, e definam caminhos rumo ao desenvolvimento sustentável, baseado no
estágio de desenvolvimento do país, estratégias nacionais, circunstâncias e prioridades.
Tal posicionamento quanto à agenda internacional, marcado pela ênfase nas
singularidades de cada país veio acompanhado da evolução e do estreitamento das
relações intra-BRICS, o que se pode ver do “Plano de Ação” da IV Cúpula. Frisou-se
assim quanto ao “grande estoque de conhecimento, know-how, capacidades e ‘boas
práticas’ disponíveis” (DATA) nos Países-Membros, a serem compartilhadas com
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
238 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
vistas a significativas cooperações em benefícios de seus respectivos povos. E, para-
lelemente, anunciou-se o alargamento das áreas de interesse comum do Bloco, quais
sejam: (i) Cooperação multilateral em energia no âmbito do BRICS. (ii) Avaliação
acadêmica geral sobre a futura estratégia de longo termo para o BRICS. (iii) Diálogo
do BRICS sobre Políticas para a Juventude. (iv) Cooperação sobre temas relaciona-
dos à População.
As novas áreas de cooperação presentes nesse “Plano de Ação” começaram a
ganhar espaço na V Cúpula BRICS, ocorrida no dia 27 de março de 2013, sediada na
África do Sul pela primeira vez, na cidade de Durban. (BRICS, 2013) O tema desse
encontro foi “BRICS e África: Parceria para o Desenvolvimento, Integração e Indus-
trialização”. Consequentemente, o desenvolvimento da África dominou os temas das
discussões. Assim, seguindo a proposta da Nova Parceria para o Desenvolvimento de
África (NEPAD), os países do BRICS se comprometeram a estimular o investimento
em infraestrutura, apoiar o desenvolvimento industrial e de competências, bem como
a segurança alimentar e nutricional, e a criação de empregos, entendidos enquanto
frentes necessárias à erradicação da pobreza e a promoção do desenvolvimento sus-
tentável na África.
Ao mesmo tempo, a realização da V Cúpula marcou o fim do primeiro ciclo
de Cúpulas e concluiu-se a realização desses encontros em cada um dos países do
Bloco. Desse modo, algumas metas a médio e longo prazo, sobre questões econômi-
cas e políticas, foram discutidas com o objetivo de: “desenvolver progressivamente
o BRICS em mecanismo completo de coordenação presente e de longo prazo, so-
bre ampla gama de questões-chave da economia e da política mundiais” (BRICS,
2013). O BRICS manifestou a intenção de manter um diálogo aberto com países em
desenvolvimento e organismos internacionais, visando, especialmente, à efetivação
dos compromissos acordados na Declaração resultante da III Cúpula do BRICS. Um
dos focos do Bloco seria, então, a África, como região com grande potencial para
realização de ações conjuntas do Bloco, tanto no plano econômico, como no plano
social.
Paralelamente à preocupação para com o Continente Africano, um dos grandes
avanços em termos de cooperação intra-BRICS foi a constatação da viabilidade de
um Banco de Desenvolvimento, o que se deu pelos relatórios dos Ministros das Fi-
nanças e Presidentes dos Bancos Centrais, resumidos nos seguintes termos (BRICS,
2013):
Em junho de 2012, em nossa reunião em Los Cabos, encarregamos nossos Mi-
nistros das Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais de explorar a construção de
uma rede de segurança financeira por meio da criação de um Arranjo Contingente
de Reservas (ACR) entre os países do BRICS. Concluíram que o estabelecimento de
um arranjo contingente de reservas autogerido teria um efeito de precaução positivo,
ajudaria os países do BRICS a evitar pressões de liquidez de curto prazo, fornece-
ria apoio mútuo e reforçaria adicionalmente a estabilidade financeira. Contribuiria,
igualmente, para o fortalecimento da rede de segurança financeira global e comple-
mentaria os acordos internacionais existentes como uma linha de defesa adicional.
Entendemos que o estabelecimento do Arranjo Contingente de Reserva (ACR) com
um tamanho inicial de US$ 100 bilhões é factível e desejável, sujeito aos marcos
legais internos e às salvaguardas pertinentes. Instruímos os nossos Ministros das
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 239
Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais a continuar trabalhando para o seu esta-
belecimento.

1.1.2. Análise das Declarações Conjuntas do segundo ciclo


das Cúpulas do BRICS: 2014-2016
A VI Cúpula BRICS foi realizada no Brasil, com sede na cidade de Fortaleza,
no dia 15 de julho de 2014, inaugurando-se o segundo ciclo de Cúpulas BRICS. O
Documento resultante desse encontro foi denominado a Declaração Conjunta e Plano
de Ação de Fortaleza, e seu tema foi “Crescimento Inclusivo: Soluções Sustentáveis
condizente com as políticas macroeconômicas e sociais inclusivas implementadas
pelos nossos governos e com o imperativo de enfrentar desafios à humanidade postos
pela necessidade de se alcançar simultaneamente crescimento, inclusão, proteção e
preservação”. (BRICS, 2014)
A proposta do BRICS é a de fomentar o permanente diálogo com as regiões
geopolíticas, visando a aumentar a sua influência em cada uma delas, para preparar
as condições de participar e eventualmente liderar os principais processos de tomada
de decisão política nessas regiões. Desta feita, o intento se deu no contexto sul-ame-
ricano. Um contexto que possui um caráter geopolítico paradoxal no momento, pois,
ao mesmo tempo em que os valores e multidivisões fundamentais dos países sul-
americanos são bastante semelhantes entre si, isso não garantiu uma rápida e eficaz
institucionalização de políticas públicas conjuntas e consertadas na região, uma vez
que as organizações internacionais regionais da América do Sul possuem ainda um
peso proporcionalmente baixo, frente a outros atores da geopolítica sul-americana.
A isso, somam-se divergências político-ideológicas atuais que são de difícil concer-
tação, pois caminhos mais propriamente neoliberais, como os seguidos por Chile e
Perú, chocam-se com escolhas mais propriamente anti-imperialistas e anticapitalis-
tas, como as de Bolívia e Venezuela, fazendo com que sociedades de valores, língua
e culturas tão próximas se vejam reciprocamente como muito distantes, quanto aos
projetos constitucionais atuais.
Nesse contexto, é que se insere a atuação do BRICS na região, buscando um
ponto de equilíbrio e diálogo – e significando uma alternativa ao referente dos paí-
ses do Norte, que ao mesmo tempo estruture uma proposta e desenvolvimento e seja
crítico à manutenção dos velhos imperialismos. Assim, firmou-se o apoio do BRICS
aos processos de integração da América do Sul. Nesse tema, fica claro na Declaração
que o BRICS aponta a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) como organi-
zação estrategicamente prioritária no contexto latino-americano (em detrimento, por
exemplo, do Mercosul). O documento declara que a UNASUL é fundamental “na
promoção da paz e da democracia na região, e na consecução do desenvolvimento
sustentável e da erradicação da pobreza”. (BRICS, 2014)
Mas o grande avanço do Bloco nessa Cúpula se deu no plano financeiro, com o
anúncio da assinatura do Acordo Constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento,
com o propósito de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvol-
vimento sustentável no BRICS e em outras economias emergentes e em desenvol-
vimento, como se vê da Declaração. A proposta do Banco é partir de “princípios
bancários sólidos”, para daí atuar visando a fortalecer a cooperação entre os paí-
ses do Bloco e complementar “os esforços de instituições financeiras multilaterais e
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
240 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
regionais para o desenvolvimento global” (BRICS, 2014). A ideia do Novo Banco de
desenvolvimento é contribuir para o crescimento forte, estável e sustentável da eco-
nomia do Bloco, como maior capacidade de autonomia (ainda que relativa) frente a
outros mercados e centros financeiros.
Quanto aos Direitos Humanos e às questões referentes à promoção da dignidade
e do bem-estar social, na Declaração de Fortaleza, o Bloco afirma o acordo e com-
promisso em “continuar a tratar a todos os direitos humanos, inclusive o direito ao
desenvolvimento, de maneira justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma
ênfase”. O compromisso declarado do Bloco é o de fomentar o diálogo e a coope-
ração “com base na igualdade e no respeito mútuo no campo dos direitos humanos,
tanto no BRICS quanto em foros multilaterais – incluindo o Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas”, foro em que o BRICS assume cada vez mais papel
protagonista no debate. A postura crítica do BRICS fica marcada na afirmação de que
o compromisso do Bloco é promover a dignidade e o bem-estar, “levando em conta
a necessidade de promover, proteger e realizar os direitos humanos de maneira não
seletiva, não politizada e construtiva, e sem critérios duplos” (BRICS, 2014).
Já a VII Cúpula BRICS ocorreu na Rússia, na cidade de Ufá, no dia 9 de julho
de 2015, e teve como tema “Parceria BRICS – Um Fator Pujante de Desenvolvimen-
to Global”. Nesse ano, a Declaração de Ufá e o Plano de Ação compuseram pela pri-
meira vez documentos distintos. Na VII Cúpula dos BRICS um dos temas abordados
como prioritário foi o de ampliação e fortalecimento da cooperação intra-BRICS,
notadamente com relação à afirmação dos princípios de “abertura, solidariedade,
igualdade, entendimento mútuo, inclusão e cooperação mutuamente benéfica” para
promover e consolidar parcerias estratégicas. (BRICS, 2015)
Ficou clara a pretensão de intensificar os esforços do Bloco para aumentar sua
importância no cenário internacional. Buscando responder de modo mais adequado
e efetivo aos “desafios emergentes, garantir a paz e a segurança, promover o desen-
volvimento de maneira sustentável, enfrentando os desafios da erradicação da po-
breza, da desigualdade e do desemprego” (BRICS, 2015). Nesse sentido, avaliou-se
positivamente os avanços ocorridos desde a V Cúpula, principalmente com relação
ao Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) a ao Arranjo Contingente de Reservas
(ACR), que ocorreram com o Bloco, sob presidência brasileira.8
Mais ainda, a Declaração da VII Cúpula dos BRICS marca a realização de reu-
nião com os Chefes de Estado e de Governo da União Econômica Eurasiática (UEE),
como membros da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e com os Chefes
de Estado que tinham a função de observadores internacionais da OCX. Os temas
discutidos nessa reunião foram importantes, notadamente sobre os interesses recí-
procos dessas organizações, e foram considerados como o estabelecimento de um
8
Neste contexto do Banco de Desenvolvimento do BRICS, o bloco também propôs a criação de “ uma plataforma
de discussão conjunta para cooperação comercial entre os países do BRICS por meio do diálogo aprimorado entre as
Agências de Crédito às Exportações do BRICS, quais sejam: ABGF, ECGC, ECIC SA, EXIAR e SINOSURE”. E
ainda, reafirmaram: “ o papel importante desempenhado pelo Mecanismo de Cooperação Interbancária do BRICS na
expansão da cooperação financeira e sobre investimentos dos países do BRICS. Apreciamos os esforços realizados
pelos bancos membros para explorar o potencial de inovação do BRICS. Saudamos a assinatura do ‘Memorando de
Entendimento sobre a Cooperação com o Novo Banco de Desenvolvimento’ entre nossos respectivos bancos/insti-
tuições nacionais de desenvolvimento”. (BRICS, 2015).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 241
“fundamento sólido para lançar um diálogo amplo e mutuamente benéfico” (BRICS,
2015).
No plano do debate sobre Direitos Humanos, reafirmou-se a importância do
“princípio de cooperação equitativa e mutuamente respeitosa dos Estados soberanos
como a pedra angular das atividades internacionais para promover e proteger os di-
reitos humanos” (BRICS, 2015). Assim se manifestou o Bloco:
Continuaremos a tratar todos os direitos humanos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, bem
como o direito ao desenvolvimento – na mesma medida e a dar igual atenção a todos. Faremos todos
os esforços para apoiar o diálogo construtivo e não politizado sobre direitos humanos em todos os foros
internacionais relevantes, inclusive nas Nações Unidas. (BRICS, 2015)
A preocupação por parte do Bloco para com as condições de aplicação e res-
peito indistinto às normas e princípios do direito internacional se torna notória, por
considerar que “a violação de seus princípios fundamentais resulta na criação de si-
tuações que ameaçam a paz e a segurança internacionais”. Destaca-se, assim, nessa
Cúpula, a proposta de criação de um grupo de trabalho e cooperação de anticorrup-
ção. Essa iniciativa demonstra a preocupação com este desafio global e que assola
muitos Estados. E, respeitando a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção
(UNCAC), passaram a incluir a assistência jurídica mútua como parte desse plano
de cooperação internacional de anticorrupção. No mesmo sentido, por iniciativa da
Rússia realizou-se durante a presidência de turno da Rússia, a primeira reunião mi-
nisterial do BRICS sobre migração. Se mostraram solidários às perdas de vidas dos
imigrantes no Mediterrâneo, e clamaram à Comunidade Internacional a intensifica-
ção dos esforços e ajudas para resolver essa questão internacional.
O direito à educação também foi objeto de debate. O BRICS afirmou que exis-
te uma relação diretamente proporcional entre o investimento em educação, o de-
senvolvimento do capital humano e o nível de avanço do desempenho econômico,
de modo que deva-se dar prioridade a uma “educação igualmente acessível, de alta
qualidade e duradoura para todos, em linha com a Agenda para o Desenvolvimento
Pós-2015”, concomitantemente à criação de Rede e Liga Universitárias do BRICS
(BRICS, 2015):
Realçamos a importância primária da educação superior e da pesquisa e clamamos pelo intercâmbio de
experiências no reconhecimento de graus e diplomas universitários. Conclamamos que se trabalhe em
direção à cooperação entre as autoridades do BRICS para o credenciamento e o reconhecimento. Apoia-
mos as iniciativas independentes para estabelecer a Rede Universitária dos BRICS e a Liga Universitária
do BRICS.
Concomitantemente, os Líderes dos Estados congratularam a assinatura do
Acordo de Cooperação na Área da Cultura. Afirmou-se que esse acordo terá “um
papel importante na expansão e no aprofundamento da cooperação nas áreas da arte
e da cultura e na promoção do diálogo entre culturas, o que ajudará a aproximar as
culturas e povos de nossos países”. (BRICS, 2015) Foi realizado também o primeiro
Foro da Sociedade Civil do BRICS, que consistiu em proporcionar um diálogo “entre
as organizações da sociedade civil do BRICS, a academia, empresas e governos dos
países do BRICS em uma ampla variedade de importantes questões socioeconômi-
cas” (BRICS, 2015). Ademais, ocorreu sob a presidência da Rússia o Foro Sindical.
No Plano de Ação, podemos verificar que foram identificadas novas áreas de
Cooperação a serem exploradas: o diálogo do BRICS sobre manutenção da paz; o
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
242 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
estabelecimento do Conselho de Regiões do BRICS; e cooperação e intercâmbio de
experiências entre profissionais de mídia do BRICS.
A Índia sediou a VIII Cúpula do BRICS nos dias 15 e 16 de outubro de 2016. O
tema desta Cúpula foi “Construir Soluções Compreensivas, Inclusivas e Coletivas”. A
Declaração Conjunta (BRICS, 2016), por sua vez, se volta para uma série de afirma-
ções estratégicas concernidas com a atual organização da ordem internacional, enfa-
tizando a importância de se consolidar uma governança global de caráter multilateral
para o desenvolvimento dos países emergentes. Ao concordarem (concordância que
não deixa de ter uma dimensão constitutiva) sobre a influência dos BRICS no cenário
global e sobre os benefícios diretos daí resultantes para as respectivas populações de
cada membro (§ 3º), o grupo assumiu também explicitamente nesta Declaração o que,
por já algum tempo, vinha sendo sugerido a título de previsão pela literatura secundá-
ria (Cf. PAPA, 2014), isto é, a responsabilidade de gerar uma força contra-hegemôni-
ca a possibilitar o rearranjo dos atuais esquemas de poder da ordem global.
Nesse sentido, igualmente se antecipou na Declaração a previsão de realização
de uma cúpula comum entre as lideranças do BRICS e dos membros da BIMSTEC
(Bangladesh, Butão, Índia, Mianmar, Nepal, Sri Lanka, e Tailândia) (§ 5º). Ao mes-
mo tempo, se reiterou a visão comum do bloco acerca de contínuas mudanças de
dimensões profundas no mundo, em sua transição para uma “ordem internacional
mais justa, democrática e multipolar” (§ 6º). A eleição da Organização das Nações
Unidas como espaço principal de interação, discussão e cooperação entre os Esta-
dos soberanos é por repetidas vezes afirmada, porém acompanhada da pretensão por
uma reforma de seu Conselho de Segurança, com vistas a maiores representativi-
dade, efetividade e eficiência, em um contexto autodescrito como de anseios a res-
peito da segurança nacional frente a ameaças em uma escala globalizada (§§ 6-12),
com o terrorismo, mais adiante, tomando parte considerável do âmbito da declaração
(§§ 13-20, 57-63).
Isso vai acompanhado das considerações as mais diversas a respeito de va-
riados organismos e instrumentos internacionais, desde a Organização Mundial do
Comércio (§§ 34-35) ao Fundo Monetário Mundial (§ 30), e da Agenda para De-
senvolvimento Sustentável 2030 aos comprometimentos oficiais de Assistência ao
Desenvolvimento assinados por países desenvolvidos (§§ 21-22), marcadas por uma
particular concepção, se se quiser revisionista, da operacionalização dessa conjuntura
de mecanismos, ao afirmarem uma ordem de valores que, estruturada na relação entre
direito e desenvolvimento, não deixa de estar em contraste para com as normativas
inicialmente mobilizadas na anterior situação de hegemonia inconteste do binômio
Estados Unidos-Europa. (Cf. BRÜTSCH; PAPA, 2013)
Especial importância foi dada a questões concernentes ao direito à saúde, e à
subsistência, enfatizando-se a importância da realização de pesquisas e o desenvolvi-
mento de medicamentos e instrumentos de diagnóstico conjuntamente entre os países
do grupo para a erradicação de epidemias e a efetivação do acesso universal à saúde
(§ 73), e do aumento na produção e na distribuição de energia, inclusive no que diz
respeito à sustentabilidade (§§ 68-70). Outras áreas são tangencialmente apontadas,
como a agricultura (§§ 81-82), urbanização (§ 96), transporte público (§ 103) e in-
formação e comunicação (§ 84), em geral com vistas a apresentar a densificação das
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 243
interações entre as estruturas das organizações estatais de cada membro, especial-
mente entre os mais diversos ministérios.

2. O lugar potencialmente inovador do BRICS no


Direito Internacional dos Direitos Humanos

A partir da análise feita dos Documentos das oito Cúpulas já realizadas pelo
BRICS, cabe tecer algumas considerações críticas, buscando verificar o nível atual de
desenvolvimento do BRICS enquanto grupo de economias emergentes e os sentidos
desse caminhar do Bloco, com as devidas digressões entre o discurso e a práxis dos
membros.
Para alguns teóricos do Direito Internacional, o BRICS não é considerado um
Bloco. Neste sentido afirmam que ainda não existe um grupo plurilateral, existe ape-
nas, no plano prático, tão somente cooperação entre eles.
A dogmática jurídica ao se deter sobre o tópico da Integração Econômica dis-
crimina quatro tipos de Blocos internacionais: i) Área de Livre Comércio, quando há
redução nas taxas alfandegárias dos países membros; ii) União Aduaneira, quando
existe dentro do Bloco uma Tarifa Externa Comum, mais conhecida como TES; iii)
O Mercado Comum, quando existe Livre Circulação de Bens, Serviços e Pessoas;
e iv) União Monetária, quando já superados as características anteriores passam a
utilizar uma Moeda Única. Lembrando que via de regra, esses critérios são cumula-
tivos. Critérios, contudo, pensados a partir da experiência jurídica eurocêntrica em
que a “regionalidade” e uma tradição jurídico-constitucional comum são fatores de-
terminantes, enquanto ponto de partida, para o caminho da integração econômica,
confundida ou mesmo identificada concomitantemente com a configuração de supra-
nacionalidades e a homogeneização de cima para baixo das realidades jurídicas das
comunidades envolvidas. Um e outro fatores, todavia, não se encontram presentes
no caso dos BRICS, exigente, enquanto fenômeno presente, de um deslocamento da
discussão, colocando em relevância normativa outras características que não aquelas
cruciais para a formação da União Europeia. Aqui reside, pois, a inaplicabilidade des-
ses critérios, em nosso entendimento, com relação à possível classificação “padroni-
zada” do BRICS. A realidade desse bloco exige outras categorias de análise, pois as
particularidades do BRICS como fenômeno geopolítico assim o exige.
Neste sentido, Carducci afirma quanto a uma possível classificação do BRICS,
o seguinte (CARDUCCI; BRUNO, 2014, p. 5):
Os países do BRICS não formam uma ordem legal supranacional, nem uma organização internacional, ou
simples cúpulas interlocutórias. Sem necessariamente adotar uma epistemologia jurídica construtivista,
os BRICS podem ser descritos como uma “rede jurídica” hábil para produzir um fluxo jurídico de transfe-
rências de políticas públicas, empréstimos constitucionais, diálogo constitucional enquanto um “Produtor
de Conhecimento” e uma “Comunidade de Interesse”.
Os Documentos publicados, resultantes de cada Cúpula, não obrigam de for-
ma expressa a realização de ações por parte das potências em desenvolvimento
pertencentes ao bloco. Ou seja, os compromissos, metas e pontos que devam ser
objeto de reformas não os obrigam mutuamente. Entretanto, tal característica só se
apresenta como um problema, constituindo sério entrave se se supõe que o BRICS
têm como objetivo o tipo de integração e homogeneização encontrados em orga-
nizações supranacionais, como a União Europeia. Perspectiva que é questionável
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
244 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
de uma compreensão que se queira intercultural. O BRICS forma um fenômeno de
cooperação internacional em rede que possui um caráter singular e não pode ser
classificado com base no padrão europeu de integração.
Afinal, cada um desses países possui histórias, concepções de vida, de política
e de religião diferentes, e poder criar um diálogo de cooperação e ajuda no âmbito
internacional inovador. Justamente em razão da complexidade dessas interações, os
resultados podem se tornar algo de grande valia para os países individualmente, para
o Bloco como um todo, e para a ordem internacional. O potencial do bloco é enorme
e seu futuro incerto, mas com bons indicadores de continuidade e aprofundamento.
Observa-se que na medida em que as relações vão se consolidando dentro do
Grupo, o entendimento sobre cooperação para o desenvolvimento vai ganhando no-
vos matizes além do desenvolvimento econômico. E é assim que, via de regra a inte-
ração dentro do Grupo se aprofunda, não se limitando mais às questões de natureza
eminentemente econômica. Busca-se, a partir desse momento, maior equilíbrio entre
desenvolvimento econômico e Desenvolvimento Social.
A conversação sobre Desenvolvimento Social dentro de um Bloco, traz consigo
uma questão de complexidade devido às várias particularidades e à diversidade cul-
tural que envolve cada um dos países do BRICS.9 Sabemos hoje, que “poucos espera-
vam que de uma previsão financeira se originasse um grupo que poderia influenciar a
agenda internacional em nível regional e global”. (CARLETTI, 2013, p. 22)
Christian Brütsch e Mihaela Papa, em sua análise sobre o BRICS, questionam
se a dinâmica desse grupo poderia transformar as relações internacionais ou se aca-
baria diminuída em uma insignificante moda geopolítica passageira. (BRÜTSCH;
PAPA, 2013, p. 299) Possibilidades que comumente se traduzem na conjectura que
se segue. Ponto comum de partida parece ser a referência ao acrônimo pensado por
Jin O’Neill (2011), enquanto origem quase que laboratorial do grupo. O ceticismo de
muitos com relação à trajetória e desenvolvimento do bloco é sustentado via de re-
gra em sua aparente artificialidade, em razão de possuírem histórias e culturas muito
díspares entre si, bem como interesses diferentes, e por vezes conflitantes. (BAU-
MANN, 2015, p. 21)
Tais discrepâncias justificam o questionamento em relação a quais seriam as
características básicas que fizeram com que estes países emergentes se unissem sob
um interesse comum (e mesmo o que haveria de comum, para além das situações
de países em desenvolvimento) e pudessem compor frentes duradouras de atuação
em conjunto (Cf. BAUMANN, 2015). Tais questionamentos são acompanhados por
investigações em torno dos modos de comprovação da concretude do BRICS (es-
pecificamente em termos de influências e impactos domésticos nos membros indi-
viduais). Importante ressaltar que, até a última Cúpula ocorrida no Brasil, nenhuma
das propostas de ação conjunta intra-BRICS tinha se realizado, estando várias ainda
em andamento. Porém, temos hoje exemplos mais relevantes a revelar a efetivida-
de dessa aliança geopolítica. O mais importante, no sentido de reforço das relações
intra-BRICS, foi a criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS e a criação do
mecanismo de reforço de reservas nos países do Grupo.
9
Um exemplo dessa difícil tarefa foi sem dúvida a criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, que terá tam-
bém por escopo a promoção do desenvolvimento sustentável dentro deste grupo.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 245
Para Renato Baumann existe ainda uma interação entre a postura cética e os
anseios quanto às expectativas de ação em conjunto dos componentes do BRICS.
Quanto a essa posição o autor afirma que (2015, p. 24):
Ela parte da constatação de que três dos cinco países têm um histórico de problemas com seus vizinhos,
que em diversas oportunidades levou a situações de conflito armado. Mais recentemente, a continua não
resolvida a situação entre a Rússia e a Ucrânia, e existe um potencial de conflito no mar da China. A paz
entre a Índia e o Paquistão é sempre um equilíbrio instável. E a Índia já teve problemas fronteiriços com
a China.
Não se pode olvidar, afinal, que a criação do BRICS se justificou em parte pela
vontade de influenciar de modo conjunto e mais intensamente a governança global,
ao buscar ser no cenário global uma via alternativa às ordens ditadas pelas principais
economias ocidentais. O importante é verificar a capacidade de articulação dos mem-
bros do bloco para a influência conjunta de decisões em questões do cenário corren-
te da ordem internacional, bem como, avaliar os resultados aferidos das reuniões e
dos fóruns realizados intra-BRICS com o propósito de discutir a própria reprodução
dessa conversação na estrutura jurídico-Estatal dos países membros. De modo que,
no fundo, é a verificação da capacidade do BRICS de transformarem atos multila-
terais em ações conjuntas que revela e revelará sua coesão e concreção mais efetiva
enquanto grupo.
Cooper e Farooq defendem os benefícios dessa multilateridade, em detrimento
dos aspectos negativos consequentes, buscando verificar os pontos positivos do mo-
delo de “Clube” informal. Em seus estudos, destacam que (COOEPER; FAROOQ,
2015, p. 17):
O que está faltando é mais clareza teórica para explicar as iniciativas institucionais multilaterais dos pa-
íses emergentes – notavelmente os BRICS – cujos Estados-Membros possuem interesses e aspirações
conflitantes e divergentes. Suas diferenças não somente criam um “déficit de confiança”, mas também
desafiam a cooperação e a coordenação, que poderiam ser mantidas no longo prazo. Primeiramente, os
membros dos BRICS apresentam crescimento econômico desigual. Apesar da coesão política em alguns
temas globais, os BRICS ainda lutam para operar como uma coalizão forte. Apesar dos interesses de po-
lítica externa comuns entre os membros dos BRICS não poderem ser subestimados no que diz respeito
ao tema da soberania, o padrão de votação dos BRICS nas Nações Unidas também demonstra que, no
interior do grupo, há interesses de política externa divergentes.10
Tomando as devidas precauções em relação a questões conflitantes intra-BRICS,
somando-se também as problemáticas referentes à geopolítica econômico-social e in-
teresses particulares, Cooper e Farooq, concluem que, com a criação de um Banco
próprio, a estrutura do BRICS se encaixa no modelo de clube informal (COOEPER;
FAROOQ, 2015, p. 38):
Os países BRICS obtiveram sucesso na utilização do modelo de clube para lidar com os atritos, com uma
grande medida de flexibilidade e resiliência na construção da cooperação através de uma iniciativa espe-
cífica, instrumental e altamente visível. Para um grupo que tem sido frequentemente retratado como um
grupo mais preocupado com o status do que com os resultados, este é um logro considerável, e desem-
penha uma imagem de ascensão de uma forma nova e mais solta de multilateralismo.

10
O modelo de clube informal ao qual o autor atribui ao BRICS tem as seguintes características: “Este tipo de arranjo
institucional demonstra um modelo de clube em que a participação é restrita, com os membros privilegiados para agir
como definidores de agenda na formulação de políticas; além disso, proporciona bens exclusivos a seus membros e
‘age como um eixo que esbate as diferenças e assegura que a diversidade não conduz a divergências ou ao conflito’. O
benefício exclusivo ajuda a assegurar a ação coletiva dentro dos grupos. Geralmente, clubes têm menos legitimidade,
devido à sua exclusividade autosseletiva. Ao mesmo tempo em que o pertencimento a um clube eleva os custos de
deserção para seus membros, ele aumenta a utilidade do multilateralismo” (COOPER; FAROOQ, 2015, p. 21-22).

Saulo de Oliveira Pinto Coelho


246 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
Neste ponto, é importante destacar as diversas e interessantes classificações
propostas para o bloco. Nessa toada, Michele Carducci atribui ao BRICS, em con-
sonância com a literatura secundária, três características principais, quais sejam: “a)
baixo nível de endividamento que podem favorecer políticas de coesão”; “b) reservas
de valores que podem favorecer o protagonismo financeiro global” e; “c) dinâmica
demográfica com mais de 42% da população mundial de modo manter a demanda
interna e o consumo”. (CARDUCCI, 2012, p. 206)
Para Carducci, essas características tornam mais compreensíveis o fator eco-
nômico-jurídico presente nos países do Grupo, significativamente relativo ao grau
significativo de intervenção do Estado na economia desses países. A esse respeito, o
autor afirma que (CARDUCCI, 2012, p. 206):
Em contextos caracterizados pela alta taxa de inflação, aliada ao elevado cresci-
mento econômico, o Estado serve à defesa ao crescente protecionismo das economias
ocidentais e à promoção de parcerias com áreas econômicas, prevalentemente, do Sul
do mundo, a fim de estimular trocas comerciais e investimentos. Por consequência,
a intervenção pública na economia, legitimada pelas Constituições desses países, ga-
rante um diversificado “capitalismo de Estado”, que controla os mercados internos e
persegue uma coesão governada “pelo alto”. Em outros termos, “a mão visível” do
Estado influencia a economia como as políticas constitucionais dessas realidades.
Nesse sentido, na realidade dessas potências emergentes, “a dimensão e o con-
dicionamento geopolítico-econômico influenciam, e não pouco, a arquitetura cons-
titucional e, por conseguinte, as realidades políticas” (CARDUCCI, 2012, p. 207). É
preciso desenvolver, e isso se torna a potencial meta motriz da experiência política
nessas Nações.
Ao se sustentar a necessidade de uma abordagem desde uma perspectiva consti-
tucional, os países do BRICS podem ser agrupados pelos problemas sociais que lhes
são comuns em razão do desenvolvimento tardio e que apontam a questões determi-
nantes para as políticas constitucionais. Para Carducci, essas questões determinantes
relativas aos problemas sociais podem ser resumidas da seguinte forma (2012, pp.
207-208):
Contradições internas difíceis de ignorar, dado que o boom econômico não corresponde ao progresso dos
índices de desenvolvimento humano; disparidade territorial que poderia criar tensões sociais e compro-
meter a estabilidade política dos governos centrais. Em suma, estes “espaços macroterritoriais” (maiores
que a dimensão multilevel da União Europeia) sofrem com problemas paralelos de diferenças, coesão
territorial e social, de urbanização excludente etc., que merecem ser conhecidos e comparados. E os pro-
blemas não faltam nem mesmo nos setores chave para o desenvolvimento: baixo nível de alfabetização;
problemática ambiental; aprovação de sistemas sanitários adequados; proteção dos direitos trabalhistas;
instrução primária e superior; insuficientes conhecimento e aplicação de tecnologias de excelência e de
ideias inovadoras; corrupção e organizações criminosas. Trata-se de setores onde a mudança somente
pode ocorrer de maneira gradual, portanto, em patente contraste com a velocidade imposta pelas trans-
formações em curso.
Nesse sentido, para Mihaela Papa, as dinâmicas em rede presentes no grupo ao
mesmo tempo que podem funcionar como um potencializador dos esforços de coo-
peração para enfrentamento desses problemas, também não debilitariam a estaduali-
dade do sistema de fontes de direito, nem implicariam em uma redução da soberania
dos membros do grupo, para a construção das soluções singulares de cada qual aos
problemas enfrentados em contextos tão complexos e diversos. Complementarmente,
diz Carducci (CARDUCCI, 2014, pp. 9-10):
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 247
De fato, se “esta dualidade” é entendida como o monopólio das fontes de direito e a exclusividade da
produção de regras e interpretações, é evidente que o sistema BRICS, diferentemente dos regionalismos
leve e profundo, não originou nenhum sistema paralelo de competitividade jurídica, ou mesmo de fontes
substitutas, se comparadas àquelas de cada Estado individual. Dessa perspectiva, nós podemos dizer
que os BRICS não contribuem para a construção das várias formas do constitucionalismo global porque
elas são sustentadas por todas as outas formas de supranacionalismo. Assim sendo, os BRICS não
desenvolvem uma simples expansão de uma já conhecida semântica constitucional. É um “outro lugar”
que nos desorienta porque marca o vazio dessas coordenadas. De fato, comparado aos regionalismos
“leve” e “profundo”, as vantagens competitivas dos BRICS restam em suas inconsistências constitucionais
internas.11
Especificamente no que diz respeito à questão da cooperação jurídica intra-
-BRICS, Mihaela Papa, afirma que (2014, p. 30):
Tematicamente, o mais próximo de cooperação jurídica é a cooperação no campo da Administração
Pública e da governança. Foca-se em seis áreas: combate a corrupção e ética; accountability e trans-
parência; e-governance; a entrega de serviços orientados para o cidadão; desenvolvimento de recursos
humanos; e monitoramento e avaliação integradas. O que é facilitado por meio de encontros e secreta-
riados virtuais.
Por tudo o que expusemos, estamos de acordo com Carducci, quando afirma que
as propostas de cooperação jurídica intra-BRICS devem ser analisadas sob uma nova
perspectiva comparativa, pois, se analisamos o BRICS a partir das teorias constitu-
cionais que foram desenvolvidas no Século XX (que tiveram por objetivo descrever
os vários fenômenos de internacionalização do direito constitucional ocidental na-
quele século), poderíamos concluir equivocadamente por uma inocuidade do BRICS.
Se empregarmos na análise do bloco essas categorias constitucionais pensadas para o
pano de fundo do processo de unificação da Europa, poderíamos descontextualizada-
mente dizer que (CARDUCCI, 2014, pp. 12-13):
[...] as relações internacionais dos BRICS não produzem qualquer efeito dentro dos Estados, seja em
termos de “direito constitucional geral” (isto é, nas fontes do direito, como acontece no supranacionalismo
substitutivo europeu) seja em termos de “cultura constitucional” (isto é, como um suplemento à interpreta-
ção judicial centrada em direitos, com base nas metas supranacionais a serem alcançadas).
Contudo, tais juízos estariam errando o alvo, entende Carducci. Assim, concor-
damos com o autor que superada aquela perspectiva, o BRICS aparece como a mar-
car o fim da “universalidade do Direito Internacional Ocidental”, lançando o desafio
de se repensar novas formas para a interpretação do fenômeno, em que a tradição
constitucional ocidental necessita se entregar ao diálogo multipolar. Assim, é impor-
tante destacar que o modelo do BRICS, para Carducci (2014, pp. 12-13):
[...] introduz ações cooperativas, com respeito ao pertencimento cultural e à tradição legal dos Estados-
-Membros, não refletindo as organizações baseadas em critérios individualistas e mercantis que são con-
cepções usuais do estilo Ocidental. A nova estrutura, ainda que originada por razões econômicas óbvias,
parece ir rumo a uma concepção de relacionamentos entre Estados que parece ser muito mais pragmá-
tica do que dominante, fundada não nas identidades, mas nos reais interesses das várias comunidades

11
O autor ainda acrescenta um exemplo comparativo entre BRICS e União Europeia. Veja-se: “Este elemento fica
claro ao ser comparado com a União Europeia. Por exemplo, o artigo 4.2 e 6 do Tratado da União Europeia após a re-
forma de Lisboa: em Europa se fala das “tradições constitucionais comuns dos Estados membros” e do “respeito das
identidades nacionais. Já no fenômeno dos BRICS, não há qualquer requerimento constitucional de homogeneização
e nenhum ‘Contrato Constitucional’: e isso é assim porque os BRICS querem ser competitivos e representarem uma
alternativa ao resto do mundo, sem vincular seus condicionamentos estruturais às suas várias identidades constitucio-
nais. Paradoxalmente, sua falta de homogeneidade constitucional se transforma em uma vantagem competitiva global
muito forte, porque não produz nenhum ‘custo’ como aqueles requeridos pelos ajustes estruturais do regionalismo.
É compreensível porque não surge qualquer comprometimento de convergência de padrões de proteção de direitos
humanos da agenda do BRICS. Durante suas cúpulas, os países do BRICS falam sobre direitos humanos, mas com
referência a cada Estado individual, e não em termos de uma herança comum” (CARDUCCI, 2014, p. 10).

Saulo de Oliveira Pinto Coelho


248 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
étnico-culturais que vivem em suas próprias comunidades estatais. O lema dos BRICS não é “unidade
na diversidade”, mas “divisão na unidade”. Se a formula anterior conseguiu legitimar vários regionalismos
“leves” e “profundos” em nome de tradições constitucionais comuns ou em nome do funcionalismo de
interesses econômicos, a nova perspectiva introduzida pelos BRICS parece superar o mito da assim cha-
mada “regulação global” (a Governança Global da escola Anglo-Americana) que, precisamente em nome
da “unidade na diversidade” leva à homogeneização e à “padronização” das formas legais e das garantias
constitucionais (segundo a lógica da Legal Origins Theory). Rejeitando a “padronização”, os BRICS es-
sencialmente rejeitam o mito da Governança Global e do ‘Constitucionalismo Global” ele próprio.
Tal potencial do BRICS no cenário geopolítico global é favorecido pela realida-
de conjectural das últimas décadas, segundo Mihaela Papa. Nas palavras da autora, o
BRICS retrata as transformações atuais na geopolítica e espelham a possibilidade de
uma conversação sem hegemonia. Isso, porque (PAPA, 2014, p. 17-18):
Os BRICS enquanto entidade combinam o argumento contra a unipolaridade com a luta por reconhe-
cimento de um jeito novo. A chave para a influência internacional dos BRICS é o “poder de um mundo
sem superpoderes”. A noção de uma ordem única dominada hegemonicamente não é mais possível com
as novas realidades econômicas e políticas onde os BRICS são os novos motores do crescimento. En-
quanto coalização política, os BRICS servem para provar que a China está estrategicamente contra ela
própria se transforma em um novo superpoder, possivelmente ameaçando outrem, e sim se vendo como
parte de uma ascensão coletiva de poderes conjuntos. O que, por sua vez, sinaliza o surgimento de uma
ordem mundial inclusive de várias preferências estatais, com visões alternativas acerca do mundo tendo
espaço para evoluir. A nova ordem mundial, como argumenta Acharya, é melhor descrita como um teatro
multiplex, oferecendo uma amalgama de narrativas (ideias), diretores (poder) e ações (liderança) sob o
mesmo teto. Interligada com o argumento da multipolaridade, tem-se um argumento pela diversificação
do gerenciamento dos assuntos mundiais de modo a reconhecer o status e a relevância dos BRICS en-
quanto representantes de mais de 40% da população mundial. Os BRICS querem uma ordem mundial
mais democrática argumentavelmente para corrigir seus próprios deficits democráticos. Em outras pala-
vras, os BRICS buscam uma multipolaridade emancipatória.
Nesse mesmo sentido, Renato Galvão Flôres Júnior defende que a estruturação
do grupo BRICS apresenta razões para que seja reavaliadas as próprias categoriza-
ções presentes nas teorias de direito internacional desenvolvidas no século passado,
mas também que seja reavaliada a própria ânsia classificatória dos organismos e fe-
nômenos internacionais que as teorias jurídica e política possuem.
No seguinte trecho, Flôres desenvolve de forma muito particular essa crítica
(2015, p. 141-142):
Costumo dizer que, à semelhança de como é descrito na lenda medieval, os BRICS são o Unicórnio, ou
seja, um ser (ou animal) tão raro e desconhecido que, ao aparecer, ninguém se dará conta de que se trata
do próprio. Prefiro deixar, por enquanto, dessa forma, a caracterização do grupo. Do desespero em tentar
classificar (o Unicórnio) e não o conseguir, é natural que se suceda a ânsia em avaliá-lo, cartesianamente,
como um sucesso ou fracasso, categorias que fazem mais sentido se aplicadas a ações, políticas ou fatos
consumados. É mais difícil e ilusório classificar um processo, uma forma evolutiva, que “erra” e obtém
“êxitos”, busca, inova e se transforma, desafia uma análise com fortes pressupostos estáticos.
Assim sendo, mais que um bloco, um grupo ou um clube o BRICS enquanto fe-
nômeno geopolítico, é um processo dialogal em construção e não redutível ao referente
maior dos fenômenos comunitários na perspectiva ocidental, que é a União Europeia.
Voltando às considerações de Flôres, podemos concordar que (2015, p. 142):
Conceitos icônicos, consolidados no século anterior, as Integrações Regionais e as Associações Interna-
cionais povoam o nosso imaginário analítico, e nos impelem a imediatamente rotular qualquer grupo ou
movimento conjunto de países na cena internacional como manifestação inequívoca de tais fenômenos.
O BRICS não é nenhum deles; ao contrário, ele nos obriga a uma mudança mental nesse domínio.
Nessa mesma toada, para Sérgio Eduardo Moreira Lima, a união dos países
do BRICS, se deu com o propósito de buscar diálogos sobre as questões que afetam
A Internalização de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos na América do Sul 249
diretamente o desenvolvimento em nível global. Assim, segundo a perspectiva do
autor, o multilateralismo presente intra-BRICS contribui para a discussão, em âmbito
internacional, sobre os problemas afetos ao desenvolvimento humano sustentável.
Conclui Lima que (2015, p. 09):
A compreensão dos motivos que levaram países como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul a
reunir-se para buscar um diálogo “em relação aos problemas do desenvolvimento global” é importante
para permitir a correta avaliação do que representa esse esforço comum em prol do aperfeiçoamento do
sistema internacional, do multilateralismo e da capacidade de alcançar globalmente o desenvolvimento
humano sustentável. O BRICS se consolida como mecanismo de coordenação e cooperação com agenda
em expansão.
Parece-nos correto afirmar que essa agenda em expansão do BRICS, que supera
a questão econômica e avança cada vez mais para cooperações voltadas ao desen-
volvimento social, não tem, no entanto, que caminhar rumo a uma estrutura cons-
titucional comum ou unificada. Fica claro que o caminho do BRICS é o de uma
constitucionalidade em rede, que preserva a singularidade, irredutível a uma unidade,
de cada macro-país componente do bloco.
Em sentido semelhante a esse entendimento as aportações conclusivas de Miha-
ela Papa, a respeito do BRICS são as seguintes (PAPA, 2014, pp. 27-28):
A dimensão interna da atuação dos BRICS enquanto ator global resta no exame tanto do papel do direito
enquanto um meio para se atingir coesão como na evolução da cooperação no campo do direito. Os países
do BRICS não aspiram harmonizar todas as leis, integrar-se pelo direito e criar uma identidade constitucio-
nal compartilhada semelhantemente à União Europeia. Eles são orientados para o pluralismo, e o direito
dos BRICS está mais propício a se construir padronizadamente por meio da produção de soft law concomi-
tantemente à evolução da cooperação do que por um planejamento geral tendo a common law como objeti-
vo final. Nesse sentido, o fato dos BRICS serem “não-constitucionalistas” e terem incorporado o “pluralismo
jurídico” não é uma barreira à produção jurídica. Práticas cooperativas ainda podem ser desenvolvidas na
ausência de um objetivo legal comum, à medida em que os BRICS se engajam em redes jurídicas, geran-
do “fluxos jurídicos”, por meio de interações mútuas de transferências voluntárias de políticas públicas e
empréstimos legais. Já que o funcionalismo é o principal meio de cooperações intra-BRICS, redes jurídicas
são criadas tanto em campos de questões funcionais e nas áreas em que a cooperação entre profissionais
jurídicos é necessária. Assim, os BRICS são uma plataforma visando tanto a transferência legal nas mais
variadas formas (por exemplo, textos jurídicos, estruturas, argumentos, textos dogmáticos e princípios) e a
geração de novas ideias beneficiando cada país e o BRICS como um todo.
Desse modo, resta saber, porém, em que pese a irredutibilidade a um Direito
ou cultura constitucional comum ou unificada (como é possível perceber com res-
peito à Europa), se existe no BRICS as condições para uma conversação entre estas
singulares e irredutíveis culturas constitucionais. Nesse contexto é que se faz neces-
sário entender (frente ao caminhar do BRICS no sentido da centralidade do tema do
desenvolvimento humano e desenvolvimento social) se, no plano das ordens consti-
tucionais nacionais, a ideia de dignidade humana, como categoria que traduz para o
âmbito da linguagem jurídico-constitucional estas noções, possui ou não o condão de
se fazer presente na constitucionalidade desses países e servir de base para a conver-
sação constitucional em rede entre eles, ainda que assumindo sentidos singulares em
cada uma dessas Nações.

Considerações finais

Por tudo o exposto, quanto ao BRICS como fenômeno recente da geopolíti-


ca mundial, podemos, enfim, considerar o seguinte. O estudo dos documentos que
deram origem ao bloco não deixa muita margem a dúvidas quanto à afirmação de
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
250 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
que a motivação básica da cooperação é originalmente econômica. Não obstante, foi
possível constatar que, ao menos discursivamente, o Bloco opera segundo uma lin-
guagem de fundamentação das ações comuns enquanto direcionadas à promoção dos
direitos civis e sociais básicos de seus cidadãos, tratados muitas vezes nas Declara-
ções Conjuntas como questões sócio-humanitárias, de justiça social, ou de combate
à desigualdade.
Pese a proximidade do discurso contido nas Declarações Conjuntas com os dis-
cursos típicos dos tratados e demais instrumentos internacionais de organizações pro-
priamente ocidentais (como OIT, UNESCO, União Europeia, Banco Mundial etc.),
notou-se um claro potencial crítico, notadamente no que tange às implicações geo-
políticas das propostas ocidentais de delineamento do desenvolvimento humano. Em
nossa percepção, há, por decorrência disso, uma proximidade igualmente potencial da
perspectiva oficial do Bloco com linguagens críticas (tais como os assim identificados
Diálogos Sul-Sul e Pensamento Descolonial) quanto a problematização de uma pos-
sível padronização eurocêntrica, tida como hegemônica. Não obstante, ao contrário
da maioria dessas linguagens, o Bloco de maneira alguma assume uma postura, por
assim dizer, antissistêmica redical. Daí, decorrer a já afirmada assunção do discurso
dos direitos humanos e, dentro destes, da própria dignidade da pessoa humana como
objetivo do Bloco, ainda que se tenha verificado que os documentos analisados adotam
uma abordagem ainda indireta e não sistematizada, se considerado o tema específico
da dignidade. Por todo o exposto, nossas conclusões foram no sentido de que mais que
meramente discurso estratégico, a mencionada assunção do tema da dignidade tem um
potencial de participação relevante na estruturação do Bloco. Em razão da distinta pu-
blicidade dada a todos os atos do Bloco, acompanhada de notável articulação organiza-
cional, diferenciando-se em uma série de fóruns de debate e encontros interministeriais,
acarretando significativos gastos orçamentários e, inclusive, como vimos, mobilização
de seus governos e recursos para ajuda social a governos e grupos sociais de outros Es-
tados, imersos em dificuldades de cunho socioeconômico, parece-nos inconteste que se
trata de um pouco mais que mero discurso.
Nesse contexto, as Declarações apareceram como fonte de reflexividade, ao
centralizarem os esforços do grupo, em um misto de enunciações tanto programáticas
quanto retrospectivas, ao mesmo tempo em que promovem uma particular e alternati-
va versão ao que se pretende para o futuro a ordem internacional hegemônica.
Ficou claro que, não obstante as diversas compreensões que as respectivas cul-
turas constitucionais não europeias componentes do Bloco dão aos conceitos estru-
turantes de direitos humanos, dignidade, justiça social, dentre outros, foi e continua
sendo, até o presente, possível a conversação entre esses países quanto a tais temas,
pelo menos do ponto de vista de se colocarem de acordo acerca do que comumente
pretendem para essa temática. Outra coisa, por óbvio, é saber se na concretude da cul-
tura constitucional atual de cada Estado-Membro tais fundamentos-fim identificados
como comuns são de fato capazes de nortear as práticas reais de exercício do poder e
de gestão da coisa pública na experiência jurídico-constitucional interna

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Saulo de Oliveira Pinto Coelho


252 Diva Julia Sousa da Cunha Safe Coelho | Ricardo Martins Spindola Diniz
— 16 —

La internalización de los Tratados de Derechos


Humanos en el ordenamiento jurídico peruano
SUSANA MOSQUERA1

Sumario: 1. Tratados y derecho interno; 2. Ratificación e implementación; 3. Modos de implemen-


tación; 4. Obligación de respetar el tratado y adaptar el derecho interno; 5. Mecanismos de diálogo
inter-jurisdiccional; 5.1. Informes de seguimiento del tratado; 5.2. Sistema de denuncias individua-
les; 5.3. Recepción de sentencias internacionales para su ejecución; 5.4. Eficacia probatoria de las
sentencias internacionales en el derecho interno; Conclusiones; Referencias.

1. Tratados y derecho interno

Los tratados2 han tenido y tienen una difícil convivencia con el derecho interno.
Hay que pensar que se trata de fuentes normativas que se negocian, adoptan y auten-
tican en sede internacional con una desigual participación de los representantes de
los estados;3 y sin embargo son esos estados los sujetos obligados en último término
al cumplimiento de lo pactado en ese marco internacional. Las mejoras incorporadas
en el procedimiento de negociación de los tratados no han logrado resolver todos los
problemas de aceptación del tratado en derecho interno.
El dualismo, con su propuesta de separar derecho interno y derecho internacional
como dos órdenes jurídicos cerrados y aislados entre sí obligó durante mucho tiempo4 a
que la recepción de normas internacionales en sede interna se realizase a través de téc-
nicas de reenvío o recepción jurídica. Los modelos de common law han sido en origen
1
Doctora en derecho por la Universidad de A Coruña. Docente de Derecho Internacional Público en la Universidad
de Piura, Perú.
2
Existe un acuerdo internacional en sentido lato (amplio) cuando convergen las opiniones o puntos de vista de suje-
tos del orden jurídico internacional para establecer algún modo de entendimiento, aliviar tensiones o solucionar una
controversia. Existe un acuerdo internacional en sentido estricto, cuando se utiliza un procedimiento específico de
creación de normas internacionales.
3
Dependiendo del tipo de tratado, de la naturaleza intergubernamental o no del órgano que gestiona la celebración
del tratado, del procedimiento previo de elaboración del documento que sirve de base para la negociación del tratado,
entre alguno de los factores que puede marcar una más o menos intensa implicación del representante del estado en
la fase de negociación del tratado.
4
El dualismo fue la teoría dominante durante el S. XIX y parte del XX. Pero la tendencia moderna habla de un solo
sistema jurídico que se nutre de fuentes de diverso origen, interno o internacional. Decidir cuál de ellas prevalece en
caso de conflicto centra la discusión académica actual, pero sin desconocer que entre derecho interno y derecho inter-
nacional no puede haber otra que interacción y entendimiento (SLAUGHTER; BURKE-WHITE, 2006).

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 253
dualistas5 y aunque formalmente muchos de ellos lo siguen siendo, han comenzado a in-
corporar una regulación específica para la recepción de los tratados en derecho interno.
Frente al clásico postulado dualista fue Kelsen uno de los más firmes defensores
de la doctrina monista que partiendo de carácter jurídico6 y obligatorio7 del derecho
internacional mantiene la importancia de considerarlo un bloque de normas en esen-
cial unidad con el derecho interno.8 Dejando eso sí, abierta la discusión de si serán
de jerarquía o de coordinación las relaciones entre los dos derechos. Discusión que la
doctrina especializada ha mantenido viva desde entonces. Los diversos, y no siempre
conciliables, enfoques que los textos constitucionales de la segunda mitad del S. XX
dieron a este tema, tampoco ayudaron a aclarar la cuestión, pues junto a constitucio-
nes que formularon un monismo con jerarquía constitucional, otras optaron por dejar
el principio de supremacía en sede internacional.9
De la postura que el orden constitucional tome en esta materia, – monismo o
dualismo –, se van a derivar consecuencias importantes en lo que a la recepción del
derecho internacional se refiere, pues no será idéntico el camino que deban transitar
los tratados para su implementación en uno u otro sistema.10 Pero es que además, jun-
to a esta cuestión de orden constitucional, la recepción interna del derecho internacio-
nal depende también de otro aspecto, esencialmente internacional, que tiene que ver
con la naturaleza última del tratado. Y es que puede suceder que la implementación
del tratado en derecho interno sea más sencilla en el caso de tratado auto-ejecutivos, y
obligue a un procedimiento de mayor diligencia en la adaptación del tratado al orden
interno en aquellos tratados que no tienen esa naturaleza.11
Lo que está claro es que los tratados tienen dos vidas, una referida a su origen y
naturaleza internacional,12 y otra relativa a su inserción el sistema de fuentes del orde-
namiento jurídico del estado que suscribe dicho tratado y se vincula con su aplicación
y cumplimiento.13 Como señala el TC peruano: “El tratado como forma normativa
5
El derecho internacional necesita ser traducido al derecho interno para que sea aplicado por los tribunales naciona-
les. Tal es el caso de Gran Bretaña, Canadá, Australia o Nueva Zelanda.
6
Y no solo moral.
7
Aunque el mecanismo para hacerlo efectivo deba caminar a veces por la fórmula de reclamación de responsabilidad
entre estados.
8
“En la medida en que el derecho internacional y los órdenes jurídicos nacionales son definidos como sistemas de
normas válidas y por consiguiente obligatorias, y no como conjunto de hechos naturales, es necesario reunirlos en
una construcción lógicamente coherente. (…) Para que el derecho internacional y los órdenes nacionales formen en
conjunto un sistema único, es necesario, pues, que sus relaciones recíprocas tengan el carácter de una coordinación o
de una subordinación”. (KELSEN, 1960, p. 163-164).
9
El ejemplo peruano es paradigma de esa tensión, pues frente al texto de 1979 que formulaba un modelo monista
con supremacía del tratado, el texto constitucional de 1993 opta por dejar abierta la cuestión y somete a una necesaria
interpretación judicial las reglas de juego entre el tratado y el derecho interno.
10
El dualismo, con su separación entre orden interno y orden internacional, obliga siempre a un procedimiento de
recepción del tratado en el derecho interno; mientras que un modelo monista, aunque acepte la esencial unidad entre
los dos órdenes, deja pendiente la cuestión jerárquica entre ellos y en caso decida que la legitimidad del tratado pro-
viene de la constitución, obliga a realizar la recepción del tratado en el derecho interno.
11
Un tratado será auto-ejecutivo dependiendo de varios factores: los arreglos que el ejecutivo y el legislativo nacional
deben hacer en relación al tratado, el lenguaje indeterminado del tratado, o el hecho de que el tratado aborde temas
de competencia del ejecutivo y necesite de una mayor implementación.
12
Los tratados se negocian, adoptan, firman, interpretan, denuncian y terminan en sede internacional.
13
Y aunque el tratado necesita ser recibido o adaptado al derecho interno, lo cierto es que nunca va a modificar su
origen internacional y convertirse en una norma de origen interno. De ahí que resulte imposible denunciar los tratados
por medio de resoluciones administrativas, o plantear su validez y eficacia a través de acciones de constitucionalidad

254 Susana Mosquera


en el derecho interno tiene algunas características especiales que lo diferencian de
las otras fuentes normativas. Ello porque, por un lado, los órganos de producción
de dicha fuente (…), desarrollan su actividad productora en el ámbito del derecho
internacional, y por otro, porque su modo de producción (…) se rige por el derecho
internacional público”.14 De ahí la importancia de recordar que las acciones unilate-
rales del derecho interno que vayan en contra del tratado van a generar responsabili-
dad internacional del estado razón por la que resulta esencial establecer un adecuado
mecanismo de interacción entre derecho interno e internacional.15

2. Ratificación e implementación

El tratamiento que la Constitución de 1993 ha dado al derecho internacional,


y especialmente a los tratados de Derechos humanos, contrasta con el valor que las
normas internacionales tenían en el anterior texto de 1979.16 El artículo 55 actual
reconoce confusamente que los tratados internacionales, “celebrados por el Estado
y en vigor, forman parte del derecho nacional”, sin aclararnos cuál será su rango y
cometiendo el error de considerar “celebración” como sinónimo de “ratificación”.17
La modificación que la Constitución actual ha hecho en esta materia no parece muy
oportuna.18 Por ese motivo, el TC ha tenido que precisar esta cuestión en varias sen-
tencias, con el objeto de aclarar algunos aspectos que la regulación constitucional
había dejado abiertos.19 Y así en relación al derecho internacional de los derechos
humanos, nos aclara que: “(…) forma parte de nuestro ordenamiento jurídico y, por
tal razón, (…) los tratados que lo conforman y a los que pertenece el Estado peruano,
“son Derecho válido, eficaz y, en consecuencia, inmediatamente aplicable al interior
del Estado”. Esto significa en un plano más concreto que los derechos humanos enun-
ciados en los tratados que conforman nuestro ordenamiento vinculan a los poderes
públicos y, dentro de ellos, ciertamente, al legislador”.20

– como erróneamente sugiere el texto constitucional peruano actual –. Véase, PIÉROLA BALTA; LOAYZA TA-
MAYO, 1993, p. 174)
14
EXP. 00047-2004 AI/TC, f.j. 19.
15
Art. 27 de la Convención de Viena sobre el derecho de los tratados: “Una parte no podrá invocar las disposiciones
de su derecho interno como justificación del incumplimiento de un tratado”. Ratificada por Decreto Supremo N° 029-
2000-RE. Instrumento de ratificación depositado el 14 de septiembre de 2000. Fecha de entrada en vigencia para el
Perú: 14/10/2000. Fecha de Publicación: 21/09/2000. *Con Reservas en art.11º,12º, y 25º de la Convención.
16
La Constitución del 79, no solo recibía a los tratados internacionales en el derecho nacional, sino que establecía
además un principio básico de jerarquía normativa entre el Tratado internacional y la ley interna. El artículo 101 de
la Constitución de 1979 disponía que: “Los tratados internacionales celebrados por el Perú con otros Estados, forman
parte del derecho nacional. En caso de conflicto entre el tratado y la ley, prevalece el primero”. Ese último apartado
del artículo 101 permitía solucionar los potenciales conflictos derivados de la aplicación de los tratados al interior de
la legislación del Estado.
17
De la lectura de la Convención de Viena sobre el derecho de los tratados es fácil concluir que la ratificación por
ser la fase final en la celebración de los tratados, es la que interesa tomar en consideración a efectos de señalar que
el estado que ya ha ratificado el tratado lo recibe en su ordenamiento jurídico, incluso aunque todavía falte alguno de
los requisitos para la entrada en vigor del tratado.
18
La Constitución del 93 ha relegado la respuesta sobre el valor de los tratados de derechos humanos a la 4ª Disposi-
ción final y transitoria. Ahí establece que: “Las normas relativas a los derechos y a las libertades que la Constitución
reconoce se interpretan de conformidad con la Declaración Universal de Derechos Humanos y con los tratados y
acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificados por el Perú”.
19
Especialmente interesado en el valor y aplicación directa de los tratados de derechos humanos, su rango constitu-
cional y su función de complemento de los parámetros constitucionales en protección de derechos humanos.
20
EXP. N° 0025-2005-PI/TC, f. j. 25.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 255
Son de agradecer los intentos del TC para orientar la interpretación del texto
constitucional del 93 en la misma dirección que tenía su predecesora, que formulaba
un modelo monista con expresa primacía del tratado. Del modelo actual podemos
decir que sigue siendo formalmente monista pero ha creado tres caminos, y varias
formas legales, para la recepción del tratado en el ordenamiento interno:
a) tratados con habilitación legislativa cuando afectan a disposiciones constitu-
cionales precisan del mismo procedimiento de aprobación que la reforma constitu-
cional;
b) tratados ordinarios o tratados ley, aprobados por el Congreso por Resolu-
ción Legislativa (cuando afectan a temas de derechos humanos, soberanía, dominio
o integridad del estado, defensa nacional u obligaciones financieras); dentro de ellos
los que refieren a derechos humanos tienen la capacidad de completar el contenido
constitucional y el TC les asigna rango constitucional;
c) tratados ejecutivos, o acuerdos simplificados firmados directamente por el
Presidente de la República y con posterior información al Congreso,21 por medio de
Decretos Supremos lo que los relega al rango de tratados de naturaleza administra-
tiva.
Establecidas estas aclaraciones sobre los aspectos formales, regresamos al pla-
no internacional para señalar lo que bien recuerda el art. 3 de la Ley 26647 relativa al
perfeccionamiento de los tratados en derecho nacional, que finalmente, (e indepen-
dientemente del procedimiento formal que el derecho interno haya adoptado para la
aprobación del tratado), la entrada en vigor del tratado y su incorporación al derecho
nacional tendrá lugar en la fecha en que se cumplan las condiciones establecidas en
los instrumentos internacionales respectivos. Es decir, que habrá que analizar con
detalle la letra del tratado, conocer sus condiciones para entrar en vigor y proceder
conforme a ellas. Vemos pues que tratado y derecho interno deben establecer entre
ellos relaciones dinámicas y no puramente formales o jerárquicas (SLAUGHTER,
A.M. & BURKE-WHITE, 2006, p. 327-352). La necesidad de impulsar la conver-
gencia entre los dos sistemas es un deber esencial en el momento actual; en caso
contrario el excesivo número de tratados que regulan las relaciones sociales resultará
inmanejable. El derecho internacional carece de un poder legislativo único de ahí la
importancia de fomentar los modelos monistas, la cohesión, interacción y armoniza-
ción entre ambos sistemas jurídicos. El operador jurídico nacional debe ser el primer
conocedor del tratado.

3. Modos de implementación

El procedimiento de recepción del tratado en el ordenamiento jurídico nacional


va mucho más allá de la forma que adopte su ratificación22 (resolución legislativa o
decreto supremo) y obliga a tomar en consideración que desde que se inicia el pro-
21
Los tratados ejecutivos en el Perú han sido aprobados por medio de decreto, decreto supremo, resolución suprema,
circular y notas de intercambio, pero la Ley N° 26647 ha uniformizado el procedimiento de aprobación estableciendo
que este tipo de tratados serán aprobados por decretos supremos del Poder Ejecutivo para las materias que son de su
competencia.
22
Por ratificación debemos entender la decisión por medio de la cual el estado se declara vinculado por el tratado y
asume la responsabilidad de hacer todo lo necesario para cumplir las obligaciones que emanan del tratado.

256 Susana Mosquera


ceso de adopción del tratado, el estado que cuenta con un plenipotenciario en esa ne-
gociación internacional debe ser consciente de que la aprobación de ese documento
internacional y su incorporación al orden interno va a generar obligaciones para ese
estado miembro. Habrá que observar si es necesario dictar nuevas leyes, o realizar
cambios en el derecho interno, determinar qué puntos del tratado son directamente
vinculantes. Lo más usual es que haga falta un procedimiento positivo de implemen-
tación del tratado, de ahí que muchos tratados durante su negociación ofrezcan pautas
claras para que los estados miembros sepan llevar a cabo el proceso de adaptación del
tratado al orden interno.
La necesidad de implementación será más o menos intensa dependiendo de si
el tratado tiene o no naturaleza auto-ejecutiva; y esa respuesta solo se puede obtener
desde la atenta lectura del tratado con parámetros internacionales, no de derecho es-
tatal (VÁZQUEZ, 1995, p. 695-723). De ahí que podamos encontrar tratados auto-
ejecutivos dentro de las tres posibles fórmulas jurídicas de ratificación de los tratados
que ha creado la Constitución de 1993. Medida la necesidad de implementación del
tratado en aquellas partes que carecen de fuerza auto-ejecutiva, los modos usuales
para concretarla pueden ser alguno de los que a continuación se listan (AUST, 2007,
p. 178-179). Dar a todo, o a parte del tratado fuerza de ley para que sea aplicado
directamente por los tribunales; Organizar el texto del tratado en función de los des-
tinatarios de su cumplimiento (fórmula del derecho diplomático); Usar en derecho
interno referencias directas a disposiciones del tratado (describir los espacios maríti-
mos utilizando los conceptos y medidas que les asigna la CONVEMAR); Traducir el
tratado en derecho interno (por ejemplo en legislación económica); Anadir una acla-
ración en el texto del tratado sobre su implementación para que los tribunales internos
la usen; Añadir una nota para interpretar el tratado a la luz del ordenamiento interno;
– Adoptar regulaciones con el objeto de implementar el tratado, entre otros.
Pero no solo a través de la efectiva implementación del tratado se puede guiar
al estado miembro en la correcta adaptación de su derecho a los estándares inter-
nacionales. El derecho internacional ha incorporado cláusulas expresas dentro del
tratado referidas al control y supervisión del tratado, y al mecanismo de solución de
controversias en caso de incumplimiento del tratado. Y es que la práctica ha demos-
trado con demasiada frecuencia que la diligencia del estado en relación a los pactos
celebrados no es mucha,23 de ahí que cada tratado cuente con sistemas de control y
supervisión, para ayudar a su efectiva aplicación.

4. Obligación de respetar el tratado y adaptar el derecho interno

Una fórmula clásica de ese sistema de recepción del tratado en el orden interno
la consagra la CADH24 en su artículo de apertura cuando recuerda a los estados fir-
23
La tentación de un ejecutivo de desconocer los compromisos internacionales asumidos por su predecesor es dema-
siado frecuente, de ahí el impulso que la aplicación del tratado se vertebre desde mecanismos de control y fórmulas
indirectas de aplicación del derecho internacional a través de acciones de reclamación de responsabilidad entre esta-
dos por incumplimiento de obligaciones internacionales válidamente contraídas.
24
Convención Americana sobre derechos humanos. Suscrita en la Conferencia especializada interamericana sobre
derechos humanos. San José, Costa Rica 7 a 22 de noviembre de 1969. Perú ratificó la Convención el 7 de diciembre
de 1978 y el 21 de enero de 1981, presentó en la Secretaría General de la OEA el instrumento de reconocimiento
de la competencia de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos y de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos, de acuerdo con los Artículos 45 y 62 de la Convención.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 257
mantes que: “Los Estados Partes en esta Convención se comprometen a respetar los
derechos y libertades reconocidos en ella y a garantizar su libre y pleno ejercicio a
toda persona que esté sujeta a su jurisdicción, sin discriminación alguna por motivos
de raza, color, sexo, idioma, religión, opiniones políticas o de cualquier otra índole,
origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición
social”. Y a continuación completa esa obligación inicial recordando a los estados su
deber de adoptar disposiciones de derecho interno cuando los derechos y libertades
reconocidos en la CADH no estuviesen ya garantizados en el orden interno.25
Como recuerda la CorteIDH: “En el derecho de gentes, una norma consuetudi-
naria prescribe que un Estado que ha ratificado un tratado de derechos humanos debe
introducir en su derecho interno las modificaciones necesarias para asegurar el fiel
cumplimiento de las obligaciones asumidas. La Corte ha señalado en otras oportuni-
dades que esta norma impone a los Estados partes la obligación general de adecuar
su derecho interno a las normas de la propia Convención, para garantizar así los dere-
chos consagrados en ésta. Las disposiciones de derecho interno que se adopten para
tales fines han de ser efectivas. Lo que significa que el Estado tiene la obligación de
consagrar y adoptar en su ordenamiento jurídico interno todas las medidas necesarias
para que lo establecido en la Convención sea realmente cumplido y puesto en prác-
tica”.26
Así en la mayoría de fallos de la CorteIDH se condena la vulneración de algún
artículo de la Convención, en combinación con el art. 2 que es el que señala ese de-
ber de adoptar disposiciones de derecho interno. Obligaciones concretas que deri-
van de ese artículo:27 Obligaciones legislativas, de acción positiva; Obligaciones de
suprimir toda norma o práctica que resulta incompatible con los deberes asumidos
según la Convención; La prohibición de dictar normas u otros actos contrarios a la
Convención; Prohibición de aplicar o dar cumplimiento a leyes o normas contrarias a
la Convención; La obligación de adoptar las medidas legislativas o de otra índole ne-
cesarias para hacer efectivas las decisiones o recomendaciones de la Comisión y las
sentencias y demás providencias de la Corte; La obligación de adoptar las medidas
legislativas o de otro carácter necesarias para hacer efectivas las decisiones o reco-
mendaciones de la Comisión y las sentencias y demás providencias de la Corte.
25
“Así, las obligaciones, en materia de derechos humanos, no sólo encuentran un asidero claramente constitucional,
sino su explicación y desarrollo en el Derecho Internacional. El mandato imperativo derivado de la interpretación en
derechos humanos implica, entonces, que toda la actividad pública debe considerar la aplicación directa de normas
consagradas en tratados internacionales de derechos humanos, así como en la jurisprudencia de las instancias interna-
cionales a las que el Perú se encuentra suscrito. (…) En este sentido, es un principio general del derecho internacional
el que un Estado no puede invocar las disposiciones de su derecho interno como justificación para el incumplimiento
de un tratado o de normas imperativas de Derecho Internacional. Este principio ha quedado establecido en los artícu-
los 27° y 53° de la Convención de Viena sobre el derecho de los tratados de 1969,(…)”. EXP. Nº 2798-2004-HC/TC,
f.j. 8º Esa aplicación directa de una norma consagrada en un tratado de derechos humanos es materia de análisis del
EXP. N° 1277-1999-AC que acepta la invocación directa en sede constitucional del mandato indemnizatorio que
reconoce el art. 14, 6 del Pacto Internacional de derechos civiles y políticos.
26
CorteIDH. Caso “La última tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) v. Chile. Sentencia de 5 de febrero de
2001. Fondo, reparaciones y costas. Serie C. N° 73, párr. 87; CorteIDH. Caso Hilaire, Constantine y Benjamin y
otros v. Trinidad y Tobago. Sentencia de 21 de junio de 2002. Fondo, reparaciones y costas. Serie C. N° 94, párr.
112; CorteIDH. Caso Cantos v. Argentina. Sentencia de 28 de noviembre de 2002. Fondo, reparaciones y costas.
Serie C. N° 97, párr. 59.
27
NIKKEN, P (2015). “El artículo 2 de la Convención Americana sobre derechos humanos como fundamento de
las obligaciones de ejecutar en el orden interno las decisiones de los órganos del sistema interamericano de derechos
humanos”.

258 Susana Mosquera


El art. 2 es una garantía esencial de la efectividad de la protección internacional
de los derechos humanos reconocidos en la CADH; el incumplimiento de esta obli-
gación – con la promulgación de una ley manifiestamente contraria a las obligacio-
nes que el estado asume al ratificar el tratado –, constituye una violación de este y
en tanto afecta a derechos y libertades respecto de individuos determinados, genera
responsabilidad internacional para ese estado.28 De ahí la importancia de establecer
mecanismos de diálogo entre el sistema interno y el internacional, que ayuden a ar-
monizar y coordinar de manera coherente los esfuerzos que ambos realizan en la
favor de los derechos humanos; objetivo al que están orientados los esfuerzos acadé-
micos en la actualidad.29

5. Mecanismos de diálogo inter-jurisdiccional

Los tratados se celebran para ser incorporados al ordenamiento jurídico. Nacen


de la necesidad de regular un sector jurídico determinado, y aunque su origen los si-
túa en un plano supraestatal, su destino es el de lograr que el derecho interno alcance
el estándar de protección establecido en el tratado. Para lograrlo resulta indispensable
establecer mecanismos de diálogo entre estado y tratado. A esa labor se destinan los
esfuerzos de los órganos de supervisión de los tratados (especialmente en tratados
de derechos humanos), que establecen distintas medidas para ayudar al estado en la
correcta implementación del tratado.

5.1. Informes de seguimiento del tratado


El sistema de monitoreo a través de informes es una fórmula de diálogo entre
orden interno y orden internacional frecuentemente utilizada en materia de derechos
humanos. Son varios los tratados que han habilitado la creación de un comité30 que
controla, desde el ámbito internacional, la aplicación de la norma en sede interna. El
28
CorteIDH. Responsabilidad internacional por expedición y aplicación de leyes violatorias de la Convención (art.
1 y 2 de la Convención Americana sobre derechos humanos). Opinión Consultiva OC-14/94 de 9 de diciembre de
1994, párr. 50.
29
“Traditionally, the question of domestic effect of international law referred to the application of customary inter-
national law or treaties to which the concerned state was a party. The political institutions of the respective state thus
had a direct influence on the creation of the norm that was later to be applied in its domestic courts. There have recent-
ly, however, been developments that blur this traditional picture. Increasingly, new institutions are evolving on the
international plane, which take decisions without many of the affected states being involved in the decision making
process. They exercise public authority unilaterally. This not only concerns administrative and legislative bodies, but
also international courts and tribunals, which often play a pivotal role in deepening international integration. These
forms of governance pose questions of legitimacy and thus represent new challenges to domestic courts that have to
implement such international secondary law in the domestic legal order”. (PETERSEN, 2012, p. 223-259).
30
Comité contra la discriminación racial que controla la aplicación de la Convención para la eliminación de todo
tipo de discriminación racial; Comité de Derechos humanos que supervisa la aplicación del Pacto Internacional de
derechos civiles y políticos; Comité contra la Tortura que supervisa la aplicación de la Convención contra la tortu-
ra y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes; Comité de Derechos económicos, sociales y culturales
que supervisa la aplicación del Pacto Internacional de los Derechos económicos, sociales y culturales; Comité para
la eliminación de la discriminación contra la mujer, supervisa la Convención para la eliminación de toda forma de
discriminación contra la mujer; Comité para la protección de los derechos de todos los trabajadores migrantes y
sus familias, controla la aplicación de la Convención Internacional sobre la protección de los derechos de todos los
trabajadores migrantes y sus familias; Comité de los derechos de las personas con discapacidad, supervisa la aplica-
ción de la Convención Internacional sobre derechos de las personas con discapacidad; Comité sobre desapariciones
forzosas que supervisa la aplicación de la Convención internacional para la protección de toda persona contra las
desapariciones forzosas.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 259
estado debe enviar informes en una frecuencia que varía dependiendo de cada caso
– hay tratados del sistema de Naciones Unidas que establecen la presentación de un
informe anual, otros cada 2 años, o cada 4 –; a su vez cada comité informa anualmen-
te a la Asamblea General – excepto el comité del PIDESC31 que informa al ECOSOC
–.32 El sistema de monitoreo a través de informes permite al comité que controla el
tratado verificar si el estado lo ha implementado adecuadamente en el orden interno,
pero el sistema tiene pocas opciones de éxito cuando el estado se niega a establecer
este diálogo (WATT, 2004).
A través del informe es posible que el comité detecte la existencia de una bre-
cha interna en la protección de los derechos reconocidos en el tratado siendo su deber
trasladar esta información al estado, usualmente a través del dictamen que cierra el
estudio de una denuncia individual. Detectar el problema en relación al cumplimiento
del tratado no significa que el estado vaya a subsanarlo de modo inmediato (o a largo
plazo). Para remediar esa tendencia del estado a la inacción es frecuente que el órga-
no de control del tratado designe a un agente encargado de dar seguimiento especial a
las denuncias que haya contra ese estado, o bien se llevan a cabo visitas in loco para
conocer de primera mano los hechos.33
Cada informe debe ofrecer información sobre las medidas que el estado ha
adoptado para dar cumplimiento al tratado, los progresos que ha habido en relación
a los derechos reconocidos, y los factores o dificultades para alcanzar el objeto y fin
del tratado. En el informe se debe hacer una revisión exhaustiva de la legislación,
normas administrativas, procedimientos y prácticas de implementación del tratado
que el estado haya realizado; también se debe indicar el tipo de supervisión que el
estado está realizando sobre los derechos reconocidos en el tratado; también es posi-
ble que sea el comité quien devuelva al estado un informe señalando los aspectos que
debe mejorar para la adecuada implementación del tratado; y siempre debe identificar
los factores que impiden que ese tratado se adapte correctamente al derecho interno
(MECHLEM, 2009, p. 913). Todo ello recordando que no hay una fórmula única de
implementación, pues como ya se ha señalado, ese aspecto depende directamente el
orden constitucional interno.34
La importancia que Naciones Unidas da al trabajo de los comités que super-
visan la aplicación de los principales tratados de derechos humanos dentro de este
sistema universal con el objetivo de mejorar su funcionamiento viene demostrada
por el interés que este tema tiene en la agenda actual de los principales órganos de
la Organización. Ya el Consejo de Derechos Humanos con su Resolución 9/8, de 18
31
Pacto Internacional de derechos económicos, sociales y culturales.
32
Consejo económico y social de Naciones Unidas.
33
Detectar una falla en el sistema de implementación y cumplimiento del tratado no es sencillo, pues no todos los
estados cumplen con la obligación de enviar esos informes o los presentan de modo incompleto. Además, aunque
los comités utilizan a las ONG locales para verificar la información que aportan los estados, ese mecanismo tiene
fallos.
34
Los esfuerzos doctrinales clásicos han estado orientados en analizar la macrocomparación de modelos – monista
o dualista – y la respuesta que daban globalmente a las relaciones entre derecho internacional y derecho interno,
cuando muy probablemente el aspecto más relevante era el estudio en términos de microcomparación, para conocer
el método de recepción del derecho internacional en cada caso concreto y de ser posible, trasladarlo en su aplicación
a otras realidades jurídicas nacionales. La actual tendencia hacia la constitucionalización del derecho internacional
es la oportunidad perfecta para impulsar esa microcomparación desde la respuesta que ofrecen las altas instancias
judiciales internas en su aplicación del derecho internacional (PETERS, 2009).

260 Susana Mosquera


de septiembre de 2008 sobre Aplicación efectiva de los instrumentos internacionales
de derechos humanos, llamaba la atención al secretario general sobre la necesidad
de mejorar el sistema de implementación de los tratados de derechos humanos, y
ahora es la Asamblea General en su Resolución 68/268, del 9 de abril de 2014 sobre
Fortalecimiento y mejora del funcionamiento eficaz del sistema de órganos creados
en virtud de tratados de derechos humanos, la que plantea varias alternativas para
mejorar la relación entre sistemas. En esta reciente resolución se alienta a los órganos
creados en virtud de tratados a proponer a los estados un procedimiento simplificado
de presentación de informes, a adoptar una metodología armonizada que promueva el
diálogo – palabra clave –, constructivo con los estados parte, recomendando un uso
más frecuente de reuniones con los estados, aumentando la eficiencia, transparencia
y armonización de los métodos de trabajo de los comités. Está claro que el modelo
monista camina por la senda de la coordinación de acciones y no por la de jerarqui-
zar uno de dos sistemas que lo componen. Junto al sistema de informes, la estrella
de los mecanismos es sin lugar a dudas la presentación de una denuncia individual
pues forzosamente obliga al diálogo entre estado y órgano internacional de control
del tratado.

5.2. Sistema de denuncias individuales


En el derecho peruano el art. 205 de la Constitución nos recuerda que: “agotada
la jurisdicción interna, quien se considere lesionado en los derechos que la Constitu-
ción reconoce puede recurrir a los tribunales u organismos internacionales constitui-
dos según tratados o convenios de los que el Perú es parte”. Este artículo ha tenido su
desarrollo en el Título X del Código procesal constitucional, dedicado a la jurisdic-
ción internacional que en su art. 114 se indica que: “los organismos internacionales a
los que puede recurrir cualquier persona que se considere lesionada en los derechos
reconocidos por la Constitución o los tratados sobre derechos humanos ratificados
por el Estado peruano, son: el Comité de Derechos Humanos de las Naciones Unidas,
la Comisión Interamericana de DDHH de la OEA y aquellos otros que se constituyan
en el futuro y que sean aprobado por tratados que obliguen al Perú”.
El reconocimiento de legitimación activa al individuo es uno de los mayores
logros de la protección internacional de los derechos humanos (CANÇADO TRIN-
DADE, 2003). Pero hasta la fecha, solo está operativo en los sistemas regionales de
protección de los derechos humanos y en siete de los tratados de derechos humanos
que administra Naciones Unidas.35 De los sistemas regionales la fórmula recogida en
el art. 44 de la CADH ha resultado ser la más extensa pues ofrece un concepto de legi-
timación activa que amplía el de víctima al permitir que: “Cualquier persona o grupo
de personas, o entidad no gubernamental legalmente reconocida en uno o más Esta-
35
Pacto internacional de derechos civiles y políticos, Convención para la eliminación de toda forma de discriminaci-
ón contra la mujer, Convención contra la tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, Convención
para la eliminación de todo tipo de discriminación racial, Convención Internacional sobre derechos de las personas
con discapacidad, Convención internacional para la protección de toda persona contra las desapariciones forzosas,
Pacto internacional de derechos económicos, sociales y culturales, Convención de derechos del niño. Para informa-
ción sobre el procedimiento de denuncias véase, Procedimientos para presentar denuncias individuales en virtud de
tratados de derechos humanos de las Naciones Unidas. Folleto informativo n° 7. Rev. 2. Oficina del alto comisionado
para los derechos humanos. 2013.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 261
dos miembros de la Organización, puede presentar a la Comisión peticiones que con-
tengan denuncias o quejas de violación de esta Convención por un Estado parte”.36
Cada tratado ha regulado el procedimiento de quejas individuales de modo par-
ticular, pero en todos ellos será posible identificar tres requisitos esenciales para que
esta fórmula de diálogo entre el estado y el órgano internacional (a través de la de-
nuncia de la víctima) se lleve a cabo: primero, que el estado sea parte del tratado; se-
gundo, que los derechos denunciados se encuentren efectivamente protegidos por el
tratado; tercero, que la víctima haya agotado los mecanismos internos de protección
antes de iniciar el procedimiento internacional.
El propósito de presentar una denuncia individual es el de señalar la existencia
de una violación individual y defender a la víctima. Pero es innegable que también
sirve para dar publicidad a un caso concreto. El comité que recibe la denuncia super-
visa la petición y puede pedir al estado denunciado que adopte medidas para proteger
a la víctima. Las decisiones que emanan de los comités que controlan tratados de
derechos humanos en el marco de Naciones Unidas no tienen fuerza vinculante, por
lo que la colaboración del estado para su efectiva aplicación resultará indispensable.
Frente a estas decisiones formuladas a modo de dictamen,37 la jurisprudencia que
emana de los tribunales regionales de derechos humanos sí tiene fuerza vinculante
y eficacia directa; hacia ellas se orientan los esfuerzos académicos para impulsar el
entendimiento entre orden interno e internacional.

5.3. Recepción de sentencias internacionales para su ejecución


El Perú acumula un importante bagaje casuístico ante el SIDH de ahí que la
experiencia le haya recomendado, o más bien obligado a implementar mecanismos
especiales para la recepción de sentencias internacionales. Así en julio de 2002 se
aprobó la luz la ley 27775 que regulaba el procedimiento de ejecución de sentencias
emitidas por tribunales supranacionales.38 Su primer artículo declaraba de interés na-
cional “el cumplimiento de las sentencias dictadas en los procesos seguidos contra el
Estado Peruano por los Tribunales internacionales”, lo que resulta una clara y directa
alusión a la Corte IDH, único sistema judicial de protección de los derechos humanos
del que el Perú es parte.39
36
El art. 34 del Convenio europeo de derechos humanos dispone: “El Tribunal podrá conocer de una demanda pre-
sentada por cualquier persona física, organización no gubernamental o grupo de particulares que se considere víctima
de una violación, por una de las Altas Partes Contratantes, de los derechos reconocidos en el Convenio o sus Protoco-
los. Las Altas Partes Contratantes se comprometen a no poner traba alguna al ejercicio eficaz de este derecho”. Por su
parte, ante la Corte africana de derechos humanos los legitimados para demandar violaciones de Derechos Humanos
son los estados que suscribieron la Carta, así como funcionarios de la Comisión y las organizaciones interguberna-
mentales que se vean afectadas, además en una cláusula ne naturaleza opcional – los estados deberán permitirlo en
cada caso – se autoriza a los individuos y a las ONG (art. 5 del Protocolo a la Carta africana de derechos humanos y
de los pueblos que crea la Corte africana).
37
Ese carácter no vinculante que desde el prisma del derecho interno se visualiza como un defecto puede no serlo
pues como señala la doctrina, las decisiones no vinculantes son más fáciles de adoptar, no tienen tanta repercusión
mediática, y en muchos casos resultan ser medios adecuados y suficientes para regular en derecho interno una materia
siguiendo los lineamientos ofrecidos por el derecho internacional. Ese soft law no debe sin embargo escaparse del
control y transparencia que debe guiar la toma de decisiones (KANSKA, 2005). (Disponible en www.esil-sedi.eu)
38
Actualmente ha sido parcialmente derogada por el Decreto Legislativo n° 1068 que crea el Sistema de Defensa
Jurídica del Estado.
39
Los comités que controlan los tratados de derechos humanos en el marco de Naciones Unidas no son órganos ju-
diciales por eso la respuesta que dan ante las denuncias presentadas por los nacionales de los estados miembro tienen
forma de dictamen, y carácter no vinculante.

262 Susana Mosquera


Las resoluciones de los organismos jurisdiccionales a cuya competencia se haya
sometido expresamente el Estado peruano no requieren, para su validez y eficacia, de
reconocimiento, revisión, ni examen previo alguno. Dichas resoluciones son comu-
nicadas por el Ministerio de Relaciones Exteriores al Presidente del Poder Judicial,
quien a su vez, las remite al tribunal donde se agotó la jurisdicción interna y dispone
su ejecución por el Juez Especializado o Mixto que conoció el proceso previo, de
conformidad a lo dispuesto en la Ley nº 27775.40
En los casos que la Corte emita medidas provisionales, ya sea cuando se trate
de asuntos que estén en conocimiento de la misma, o bien, a solicitud de la Comisión
Interamericana ante la CorteIDH, éstas deberán ser de inmediato cumplimiento, de-
biendo el Juez Especializado o Mixto ordenar su ejecución dentro del término de 24
horas de recibida la comunicación de la decisión respectiva.41
Es muy importante destacar que esta ley establece las reglas de ejecución de
sentencias supranacionales que contengan condena de pago de suma de dinero,42 y
las adapta al derecho interno, indicando a qué órgano judicial corresponde dar tras-
ladado del pedido internacional.43 Instaura un mecanismo de comunicación de sen-
tencias, que tomará en cuenta los pedidos de información de la Corte y también del
beneficiario44 en lo que resulta un complemento adecuado al sistema de supervisión
de sentencias que tiene la CorteIDH. Pero aunque la sentencia supranacional goza de
executio necesita auxiliarse de la colaboración del Estado parte para acatar sus reso-
luciones. La condición jurídica del poder de ejecución no estaría sujeta entonces al
imperio o autoritas del fallo, sino a los mecanismos internos que permitan realizar
los pronunciamientos vertidos.
En cuanto a la ejecución de sentencias, el D.S. N°. 017-2008-JUS tiene una
interesante disposición que establece que: “Las entidades del estado asumirán con
recursos propios el cumplimiento de las sentencias. Cuando sean dos o más las enti-
dades obligadas al pago, éste se realizará de manera mancomunada y en partes igua-
les, con conocimiento del Consejo. Cuando en la sentencia no se individualice a la
entidad del estado obligada al cumplimiento de la obligación o del pago, será el Con-
40
Valga como aclaración que la Ley 27775 está destinada a la aplicación de los mecanismos de reparación directa
y expresamente señalados por la CorteIDH en el fallo, pero es importante recordar que la jurisdicción internacio-
nal no tiene la naturaleza de una cuarta instancia de ahí que cuando en su sentencia la CorteIDH considera probado
que el orden interno no garantizó adecuadamente las garantías judiciales según los criterios de la CADH y señala la
necesidad de aplicar una vía judicial diferente, o revisar los procedimientos de investigación del poder judicial del
estado, el procedimiento de ejecución de la sentencia internacional será mucho más complejo pues obliga a revisar
lo actuado en sede interna.
41
Art. 2, f, Ley 27775.
42
La Ley 27775 tiene también un interesante artículo 5 referido al derecho de repetición que ha sido desarrollado
por medio del Decreto Supremo N° 006-2006-JUS de 16 de febrero de 2006 en el que se dispone que: “(…) cuando
el Ministerio de Justicia efectúe el pago de indemnizaciones en cumplimiento de sentencias (…), podrá repetir y/o
iniciar proceso civil para obtener el resarcimiento de daños y perjuicios, previo informe jurídico de su órgano de
asesoría jurídica que individualice a la autoridad, funcionario o empleado público que dio motivo al procesamiento
internacional del “[E]stado, aun cuando ya no ejerza funciones, precisando la existencia de intencionalidad, su rela-
ción con la causa del perjuicio que generó la indemnización y, de ser el caso, con los daños y perjuicios ocasionados
al Estado”.
43
Art. 2 Ley 27775. En este aspecto la Ley 27775 ha sido completada con la Resolución Administrativa N°. 089-
2010-CE-PJ que convierte el Cuadragésimo Octavo Juzgado Especializado Civil del Distrito Judicial de Lima, en
Juzgado Especializado en Ejecución de Sentencias Supranacionales.
44
Art. 6 Ley 27775.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 263
sejo quien lo determine, mediante el respectivo acuerdo”.45 Es indudable que estamos
ante un tema de especial relevancia dada la importante cantidad que en concepto de
indemnizaciones debe afrontar el estado.46
Se establece entonces que para aquellos condenados por delito de terrorismo
que a su vez adeudarían al estado las sumas por reparación civil a las que han sido
condenados en los procesos penales internos, y siempre que se trate de obligaciones
recíprocas, se establece de forma extraordinaria la figura jurídica de la compensación
como un mecanismos para extinguir las obligaciones impuestas por las sentencias
de la Corte interamericana.47 Es indudable que estamos ante un tema que despierta
gran inquietud en la sociedad peruana que observa cómo se indemniza a personas
que participaron en actividades subversivas y tienen condena en el fuero interno, sin
comprender que en muchos de esos casos ha habido también una lesión de derechos
por el modo cómo fueron procesadas en un primer momento.48 Vemos que no es un
tema pacífico y necesita de mucha educación en materia de derechos humanos y un
grado de implicación de todos los actores, políticos, medios de comunicación, agen-
tes sociales, etc.
Para completar el modelo peruano de diálogo entre estado y sistema supraesta-
tal de protección de los derechos humanos, resulta indispensable destacar el papel de
la Procuraduría Especial Supranacional; órgano encargado de la defensa del estado
ante instancias supranacionales, jurisdiccionales o no, lo que extiende su trabajo más
allá del SIDH.49

5.4. Eficacia probatoria de las sentencias internacionales


en el derecho interno
Probablemente de los muchos casos peruanos que ha estudiado la CorteIDH
ninguno con tanta repercusión jurídica y política como los Casos Cantuta y Barrios
Altos. Las consecuencias jurídicas que derivan de estos dos casos alcanzan a varias
materias de derecho internacional y constitucional, – control de convencionalidad,
leyes de amnistía, derecho penal internacional, relación entre ordenamientos, justicia
45
Art. 53 D.S. N°. 017-2008-JUS.
46
En esa lógica debemos incardinar el Decreto de urgencia N° 052-2010 que autoriza al Ministerio de Justicia para
compensar obligaciones de pago del estado peruano, que tiene su origen justamente en la sentencia de interpretación
del caso del Penal Miguel Castro y Castro en la que se estableció que “las eventuales deudas que en el derecho in-
terno tengan las personas que accedieron al sistema interamericano y las acciones legales que pudieran intentar sus
posibles acreedores, sean privados o públicos son asuntos ajenos al proceso internacional (…), siendo que el Estado
debe resolver conforme a su derecho interno”. Considerando inicial del D.S. N°. 017-2008-JUS.
47
Estamos ante un mecanismo de modulación de la condena similar al que permite al estado impugnar ante la Corte
las medidas de reparación que considere injustas.
48
En marzo 2015 se recibió para ejecución interna la sentencia de la CorteIDH en el caso Espinoza Gonzáles v. Perú,
en el que se condena al estado por no haber investigado diligentemente las denuncias que presentó la víctima (terro-
rista del MRTA) durante su detención en el año 1993 de que los agentes que la custodiaban la violaros y torturaron.
Los medios de comunicación se hicieron eco del caso y tomaron como especial agravio el pedido de la CorteIDH de
investigar los hechos (interpretado como fiscalización hacia los jueces internos), y la reparación económica otorgada
a la víctima y a sus familiares por una cantidad muy superior a la que en su momento le impuso a ella el sistema ju-
dicial peruano en concepto de reparación civil.
49
El 27 de junio de 2008 se aprueba el Decreto Legislativo N° 1068 que establece el sistema de defensa jurídica del
estado en el ámbito local, regional, nacional, supranacional e internacional, a través del Consejo de Defensa Jurídica
del Estado. Siendo a partir de ahora el Procurador Público Supranacional el que asume la defensa del estado en sede
supranacional. Art. 20 Decreto Legislativo N°. 1068. El Decreto 1068 fue reglamentado por D.S. N°. 017-2008-JUS
que concreta y detalla el trabajo de este nuevo organismo.

264 Susana Mosquera


transicional, derecho a la verdad. Pero lo que en este momento interesa destacar es
sobre todo el efecto que la supervisión internacional de esos hechos tuvo en el orden
interno, provocando la anulación de las leyes de amnistía, reabriendo procesos, y
demostrando que el diálogo positivo entre orden interno y orden internacional puede
dar frutos beneficiosos.
Para el estudio quedan las respuestas jurídicas que cada sistema ha dado en
relación a los hechos de esos dos casos. Pero se debe señalar en este momento la
respuesta que ofreció el TC peruano al pedido presentado por el Sr. Martín Rivas50
contra el Consejo Supremo de Justicia Militar, alegando la vulneración de sus dere-
chos al debido proceso, a la cosa juzgada, a la amnistía y del principio de seguridad
jurídica, a fin de que se deje sin efecto las resoluciones que anularon aquellas otras
en las que se concedieron derechos de amnistía por los hechos del Caso La Cantuta.51
El TC deja bien claro en su respuesta que las Leyes de Amnistía no pueden expedirse
en oposición a las obligaciones internacionales derivadas de los tratados de derechos
humanos,52 y se remite a la jurisprudencia internacional comparada que confirma la
postura adoptada por la CorteIDH,53 y corrobora que la relación que debe existir entre
ambos sistema no es de jerarquía del derecho internacional, sino de integración.54
Por tanto, dato que en la fecha en que el demandante estaba formulando su pedi-
do al TC peruano de que mantuviese vivos los efectos de unas leyes de amnistía cuan-
do ya la CorteIDH en el caso Barrios Altos55 había indicado que las leyes de amnistía
eran inconvencionales y por tanto debían dejarse sin efecto. Dado que la implicación
de los miembros del grupo Colina también estaba detrás de los hechos de la Cantuta
(y los efectos de las leyes de amnistía se extendían sobre ambos casos), lo que la Cor-
teIDH había dicho ya en relación a Barrios Altos era trasladable al caso Cantuta.56 Y
así lo hace el TC otorgando efectos probatorios en el orden interno a las sentencias
de las CorteIDH. “(…), bajo este principio de integración los tribunales nacionales
deben reconocer la validez jurídica de aquellos hechos que han sido propuestos, ana-
lizados y probados ante las instancias internacionales de protección de los derechos
humanos, lo que no exime de la facultad y el deber de los tribunales nacionales de
realizar las investigaciones judiciales correspondientes, porque de lo que se trata, fi-
nalmente es de garantizar el respeto pleno de la persona, su dignidad y sus derechos
humanos, en el marco del orden jurídico nacional e internacional del que el Perú es
parte”.57 Correcta respuesta y perfecta interacción entre sistemas.
50
Uno de los miembros del Grupo Colina, implicado en los hechos de Barrios Altos y Cantuta.
51
El demandante cuestiona que la CorteIDH tenga capacidad para anular las leyes de amnistía (y sus efectos), usando
como marco normativo el Derecho internacional humanitario y la CADH.
52
EXP. N° 0679-2005-AA/TC, f.j. 32.
53
Comité de Derechos Humanos de Naciones Unidas. Observación General N° 31.
54
EXP. N° 0679-2005-AA/TC, f.j. 36.
55
Como dato aclaratorio debemos apuntar que la sentencia de la CorteIDH en el Caso Barrios Altos es de 14 de mar-
zo de 2001 (en ella se reconoce la implicación de los miembros del Grupo Colina en los hechos y el estado acepta su
responsabilidad internacional); la sentencia de la CorteIDH en el Caso Cantuta (que es el que enmarca la demanda de
amparo presentada por el señor Martín Rivas ante el TC peruano), es de noviembre de 2006, coincidiendo casi en el
tiempo con esta sentencia del TC de marzo de 2007.
56
Los fallos de la Corte son definitivos e inapelables y los Estados partes se comprometen a cumplirlos y también
recomendaciones de la Comisión; pues aun cuando no tienen la naturaleza de una sentencia en sentido estricto, obli-
gan a los Estados a los cuales están dirigidas.
57
EXP. N° 0679-2005-AA/TC, f.j. 56.

A Internalização de Tratados Internacionais de


Direitos Humanos na América do Sul 265
Conclusiones

La realidad descrita nos habla de la importancia que tiene una buena recepción
del derecho internacional en el orden interno. Los jueces nacionales, cuando conocen
y aplican bien el derecho supranacional de los DDHH ayudan a mejorar el sistema
interno, al conocer qué ha dicho el órgano judicial internacional están ayudando a la
recepción indirecta de ese derecho y de ese modo están construyendo el sistema inter-
no evitando a que se produzcan divergencias entre ambos. El papel de los tribunales
internos es esencial en la creación y fortalecimiento del derecho internacional.
Las Cortes nacionales (lo vemos claramente en el caso del TC peruano) están
tomando en cuenta la jurisprudencia internacional para, de esa manera, decidir en
armonía con las obligaciones internacionales que ha contraído el Estado al que perte-
necen. El cumplimiento de las sentencias de la Corte Interamericana es además una
obligación que corresponde a un principio básico del derecho de la responsabilidad
internacional del Estado, respaldado por la jurisprudencia internacional, según el cual
los Estados deben cumplir sus obligaciones convencionales internacional de buena
fe, y no pueden alegar razones de orden interno para dejar de atender la responsabili-
dad internacional ya establecida.
Es comprensible que el juez nacional reciba con reticencia el derecho interna-
cional, y varias son las dificultades que hay para mejorar ese punto: la desinforma-
ción respecto a las normas internacionales que vinculan al estado, el rechazo hacia
el lenguaje que utilizan los tratados – tan distinto de la fórmula jurídica interna –, la
impresión de que el derecho internacional es un derecho incapaz de empatizar con
los problemas jurídicos internos, por mencionar algunos. Todas esas dificultades no
deben resultar un impedimento para impulsar el diálogo entre sistemas, comenzando
con planes nacionales de derechos humanos, capacitando a operadores jurídicos in-
ternos en materia internacional y especialmente en el nivel de vinculación del estado
en relación a los tratados firmados, y recibiendo como hacen los altos tribunales la
enseñanza que ofrece la comparación jurídica internacional. De ese modo el operador
jurídico interno será el primero en aplicar el tratado evitando de ese modo que los
resortes de control del tratado, y la eventual reclamación de responsabilidad interna-
cional hacia el estado, tengan que llegar a activarse.

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266 Susana Mosquera


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Direitos Humanos na América do Sul 267

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