1- Quais as principais generalizações acerca da África? Podemos falar do continente como algo
unitário sabendo da diversidade de povos e manifestações culturais que o povoam?
Podemos falar dos estereótipos das grandes mídias: pobreza, fome, guerra, safaris. Mas
as generalizações não param por aí. Há ainda um grande desconhecimento sobre o continente no Brasil. Além
do estereótipo negativo, também há uma romantização de uma África tradicional, parada no tempo. E falamos
‘Áfricas’, pois é impossível falar de uma África só. Este é, inclusive, um dos grandes estereótipos sobre o
continente. A generalização de uma coisa única – o que acaba por desvalorizar toda a diversidade do
continente. Essa generalização, inclusive, acentua o preconceito. Quando a televisão noticia um atentado na
Nigéria ou um conflito no Sudão, associa-se esses fatos a todo resto do continente, desconsiderando que são
54 países. Claro que conflitos ou pobreza existe, mas é preciso entender que são locais e situações
específicas, assim como é no Brasil, na Europa e em todo o resto do mundo.
2- Na escola, faz-se a distinção entre as chamadas África Negra e África Branca. Essa divisão é
válida?
É uma divisão que não se aplica na prática. Geograficamente, utiliza-se o deserto do Saara para essa
separação. No entanto, é impossível colocar essa linha nítida na população e nas respectivas etnias
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Etimologicamente, ubuntu vem de duas línguas do povo banto, zulu e xhona, que habitam o território da República da África do Sul, o país do
Mandela . Na República Democrática do Congo, ubuntu pode ser traduzido nestes termos: “Eu só existo porque nós existimos”
pertencentes aos países da chamada “África Branca”. Ainda, essa denominação, para mim, é uma reprodução
da nossa educação colonial e racista. Qual é, na história ensinada no ocidente, a primeira grande civilização? A
egípcia. Como forma de negar a contribuição negra para o mundo, há séculos, há um embranquecimento
desta população nas mídias e literatura e uma forçada insistência de separar a África nessa dicotomia, para
assim, tentar ‘justificar’ a existência de uma civilização tão desenvolvida quanto a egípcia, que tanto
proporcionou para os nossos saberes atuais. Falar de uma África árabe, por exemplo, para justificar essa
divisão, também não faz sentido. A religião e cultura islâmica estão presentes em muitos países abaixo do
Saara. A História Africana é milenar e com grandes migrações, sendo impossível traduzir a diversidade e
complexidade do continente.
3- É sempre dado maior destaque aos elementos negativos, como guerras civis, choques étnicos,
miséria, Aids. São elementos presentes em parte do continente, mas que devem ser
contextualizados ?
É errado dizer que esses elementos estão presente em grande parte do continente. Não estão. Estão em
alguns pontos apenas. São pequenos focos em um continente de 1 bilhão de pessoas e 54 países. Muito
desses são enormes e o que acontece em uma região do país, muitas vezes, não é vivida por outra. Essa ideia
da África é uma das pós-verdades que vivemos nos dias atuais, ou seja, algo tão reproduzido e tão
disseminado que damos imediatamente por verdade, mesmo conhecendo muito pouco sobre a realidade que
estamos reproduzindo. A grande maioria dos países não vive nenhuma situação de guerra ou choque étnico. E
na grande maioria a pobreza que existe é a mesma que existe no Brasil.
As culturas africanas são as principais responsáveis pela formação dos aspectos que caracterizam hoje o povo
brasileiro. Durante quase 400 anos de escravidão, cerca de seis milhões de africanos de países como Nigéria, Angola,
Camarões e Gana, desembarcaram de maneira forçada do lado de cá do Atlântico trazendo com si saberes,
características gastronômicas, linguísticas e físicas que marcaram o modo de ser das gerações subsequentes. Aqui, a
África vive. No português falado pelo brasileiro são mais de 1500 palavras de origem africana, sendo 300 usadas
diariamente em nossas cidades. Quicongo, umbundo, quimbundo e outras 200 línguas africanas que deságuam no
Brasil influenciam para além do dicionário, contribuindo também na morfologia, sintaxe e pronúncia da nossa língua
atual. Na gastronomia, a presença africana é marcante e está no sabor da feijoada, baião de dois, acarajé, cuscuz,
angu, mas também nos temperos secretos, nas receitas particulares, nos hábitos gastronômicos e nos pequenos
detalhes dos costumes cotidianos na cozinha dos cidadãos brasileiros. Ao pensar em música, sabemos que o legado
de África está no samba criado na casa das tias baianas radicadas no Rio de Janeiro, nos tambores que sustentam o
Carnaval, no frevo que desce as ruas de Olinda e no berimbau, estrela maior da capoeira. Mas está também além.
Está na melodia da MPB, nas notas improvisadas do jazz nacional e até mesmo em nossas criações no rock.