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Evânia Reich1
O que significa para Hegel a liberdade? O que significa para Marx a liberdade?
Quais são as preocupações desses dois filósofos quando o assunto é a condição do homem
moderno?
Em Hegel, o conceito de liberdade é um problema central que percorre toda a sua
filosofia. Podemos dizer a mesma coisa em Marx? Provavelmente, mas de forma diferente.
Enquanto Hegel elabora nos Princípios da Filosofia do direito, de forma sistemática, o
percurso da liberdade, Marx está preocupado desde os seus escritos de juventude, em
observar e criticar o modo de produção capitalista e a conseqüente alienação dos homens.
Para Marx importa entender e criticar o porquê do fruto do trabalho dos homens, na
sociedade moderna, não pertencer ao trabalhador, mas antes ao proprietário, ao capitalista.
Neste sentido a liberdade certamente torna-se uma questão importante, embora não seja
tratada diretamente, mas que depende para ser compreendida da análise da crítica social
que faz Marx, já nos Manuscritos Econômico-filosóficos.
O objetivo neste trabalho, primeiramente, é entender o conceito de liberdade em
Hegel na Filosofia do direito, tentando apresentar o movimento dialético que constrói o
filósofo. Em um segundo momento, analisaremos o conceito de alienação a fim de retirar
do mesmo o conteúdo que nos permite ver em que sentido para Marx os homens vivem um
momento de completa perda da liberdade. Tentaremos encontrar em que ponto a
preocupação de Marx com a alienação do trabalhador e a conseqüente perda de liberdade
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Doutoranda do Curso de Filosofia do PPG da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista Capes.
pode se aproximar das questões que já havia suscitado Hegel quando elabora o significado
da liberdade na sociedade civil, e as questões ligadas diretamente ao trabalho.
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compreender é que esta lei só foi possível e escrita no papel porque a história dos homens e
o espírito da época possibilitaram sua realização. Os homens não se sentiram mais livres
porque havia sido escrito a liberdade, mas antes, a liberdade somente pode ser transferida
ao papel porque os homens já se sentiam livres. (Cf. FLEISCHMANN, 1992, p. 14). Disto
não decorre que a filosofia é apenas a reconstrução do movimento histórico dos homens.
Não é a intenção de Hegel fundamentar os seus argumentos apenas em fatos, mesmo se o
seu abandono também seja inconcebível.
Para Hegel um sistema de direitos não pode ser colocado em vigor si os indivíduos
não vêem eles mesmos a expressão de suas liberdades e se eles não estão prontos a morrer
por elas. É neste sentido que podemos afirmar que a validade do direito em Hegel é algo
que não pode ser contestável em nome de sentimentos subjetivos ou em nome de uma
consciência individual. O que vale dizer que o direito sendo a cristalização da mentalidade
histórica e tradicional de um povo não pode ser colocado em perigo pela subjetividade de
vontades individuais. No entanto, é sempre importante lembrar que, Hegel pensa a lei não
enquanto norma positiva, mas antes como conteúdo normativo reconhecido por toda a
coletividade.
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Portanto, parece que o parágrafo 32, que realiza a passagem entre os parágrafos
destinados unicamente à explicação lógica do conceito de vontade e ao que poderíamos
chamar de categorias institucionais deixa claro que existe uma correlação entre a
explicação lógica e as categorias do direito (o abstrato, a moralidade e a eticidade). Os três
momentos da vontade (momentos lógicos) estão imbricados nestas três figuras. Assim,
Hegel após a conclusão realizada no parágrafo 33 propõe mostrar como e porque o
desenvolvimento da Idéia da vontade que é livre “em si e para si mesma” deve ser
entendido em etapas, as etapas que correspondem a estas instituições sociais, a esfera do
direito abstrato ou formal, da moralidade e mais globalmente da vida ética.
Para entender o processo dialético do conceito de liberdade hegeliana, tentemos
inicialmente, de forma muito rápida, compreender como se realiza a liberdade nos três
momentos da vontade, para depois adentrarmos no que chamamos campo
institucionalizado da vontade.
Para Hegel, o direito é um fenômeno da vontade, onde vontade é o conceito no qual
a liberdade já está implicada. É através deste conceito de vontade que podemos dizer que
as iniciativas, ou ações dos homens lhe são próprias. Não somente a vontade é livre, mas
ela o é necessariamente, visto que uma vontade não pode existir enquanto algo de forçado,
caso contrário ela deixa de ser vontade. Desta forma, se o direito é um fenômeno da
vontade e esta é necessariamente livre, toda a esfera onde o direito existe e age é do campo
da liberdade realizada. Sobre o plano da liberdade não é mais a natureza que conta, mas
unicamente esta realidade propriamente humana e suas leis, ou seja, uma segunda natureza
criada pelos homens.
O primeiro momento da vontade, que é ainda natural, pode ser considerado como a
razão na sua forma mais alienada. A liberdade encontra-se no meio da natureza e do
espírito, por isso ela é uma mistura de desejo e reflexão. É o momento do puro
indeterminado, em que diante de todas as possibilidades, a vontade não consegue fazer
uma escolha. Contudo o homem não pode permanecer para sempre neste dualismo de sua
natureza natural e racional. Como diz Hegel no adendo do parágrafo 5º da Filosofia do
direito, é a vontade do vazio, do sem conteúdo, da abstração absoluta.
No segundo nível, o sujeito, por estar obrigado a fazer uma escolha entre infinitas
opções, deixa de ser natural e passa a ser racional. É o abandono por assim dizer dos
instintos naturais em prol de uma ação refletida. Essa etapa, contudo, ainda não é suficiente
para a realização do conceito da liberdade, porque ela diz respeito àquilo que chamamos de
livre arbítrio. Ela está interessada apenas na sua própria subjetividade. É o momento
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“absoluto da finitude ou da particularização do eu”. (F.D, § 6º). Esse segundo momento da
determinação é a negação do primeiro momento, porque agora há uma escolha da vontade.
O terceiro momento tem que negar sua subjetividade e contingência em prol de
algo mais universal. Este momento é o da reconciliação entre o pensamento e a vida, entre
a razão e a natureza, onde os dois momentos anteriores são transformados a fim de atingir
uma só unidade. A unidade ocorre quando a escolha de uma vontade coincida com a
vontade do outro. Através de sua decisão o homem se torna um indivíduo diferente de
todos os outros. A realização da liberdade ocorre no desejo de liberdade de todo mundo. A
vontade pura não é aquela que quer qualquer coisa ou a que se perde nas inúmeras
possibilidades, mas aquela que decide por algo e sabe que ele é possível.
O que Hegel traz de novo com relação à filosofia tradicional é esta estrutura do
conceito de vontade uma vez que o “pensar” (Denken) e o “querer” (Willen) não
comportam nenhuma diferença. A vontade deixa de ser uma faculdade do “pensar” para ser
o todo mesmo deste; o que significa dizer que existe uma unidade indissolúvel do teórico e
do prático em Hegel que contraria tanto Descartes quanto Kant ou Fichte (LĒCRIVAIN,
2001, 21)2.
Por ser a vontade um pensamento que quer ter a realidade transformada conforme a
si, ela é o desejo do pensamento de existir sob uma forma empírica. É o pensamento que
realiza, primeiramente teoricamente, e em seguida na prática, a unidade do mundo interior
e do mundo exterior, quer dizer o universal. Através da atividade do pensamento tudo se
torna homogêneo, intelectual, elemento de uma totalidade. Todavia, vontade ou prática já
parte do pensamento universal, do sujeito-objeto que já incorporou nele mesmo o mundo e
todas as possibilidades deste. Na realização do pensamento, o agente humano não realiza
todas as possibilidades do “eu”, apenas uma parte. Mas, essas possibilidades realizadas são
aquelas do pensamento humano e cada ação voluntária e livre não faz mais do que
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Também Kervégan no seu livro L’effectif et le rationnel (KEVĒRGAN, 2007, 36 e 37) diz que esta distinção feita entre
o entendimento (ou da razão) e a vontade, possui um papel fundamental na filosofia moderna e Hegel é o filósofo que
chega para opor-se a esse dualismo. Para o autor, Descartes apesar de não ter sido o inventor desta dissolução, já havia
dado suas primeiras pistas quando afirma que “todas as maneiras de pensar que percebemos em nόs podem ser inferidas
em duas maneiras globais, das quais uma consiste em perceber através do entendimento e a outra em se determinar pela
vontade” (Ibid., p. 37). Para Kant a vontade é “uma faculdade (dos seres dotados de razão) para determinar sua
causalidade pela representação das regras” (Ibid., p. 37), contudo, somente podemos considerar que a razão determine a
vontade se dispomos de um conceito adequado da liberdade desta mesma vontade, ou seja, se esta vontade venha imbuída
da autonomia, que por sua vez, é o “único princípio de todas as leis morais” (Ibid., p. 37). Hegel, abandonando este
dualismo entre o teórico e o prático, concebe uma continuidade fundamental entre pensamento e vontade, entre espírito
teórico e espírito prático, que Kervégan chamará de continuidade circular e dialética.
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humanizar o universo e realizar a unidade “eficaz” do sujeito e do objeto. “Teoria e prática,
consciência e ação são, portanto inseparáveis” (FLEISCHMANN ,op. cit., p. 21).
Hegel diz que o pensamento é a substância da vontade sem o qual seria impossível
ter-se a vontade (§ 468 da Enciclopédia). Para Kervégan (Idem) o espírito prático, ou seja,
a vontade, não seria para Hegel o complemento do espírito teórico, mas antes o resultado
de seu aprofundamento em si mesmo. Graças ao espírito prático o pensamento se apropria
inteiramente do objeto e lhe acolhe como um dado no mundo e é desta forma que a razão
se posiciona como produtora de objetividade. Contudo a vontade não é somente o resultado
da inteligência, mas comporta certa dinâmica que tende a reproduzir nela mesma o próprio
pensamento.
Fleischmann diz que para Hegel o que é importante não é o que existe de potência
na vontade, mas o que existe de real. A vontade é uma das forças reais existentes e sua
atividade é manifestada através de seu trabalho, pela sua transformação de dados naturais
ou sociais. A definição da vontade unicamente como potencialidade pura, como
possibilidade absoluta é até uma possibilidade perigosa. Isso quer dizer que se a vontade é
potência pura e que ela não consiste em uma transformação progressiva de dados no
universo humanizado, então podemos até destruir o mundo. O que vale dizer que se a
vontade introduz uma ordem qualquer que não é retirada da própria história, da evolução
do mundo, ela destrói e não constrói nada (FLEISCHMANN ,op. cit., p. 17 e 18).
Para Hegel, a liberdade consiste não na escolha entre as possibilidades que se
apresentam ao homem, mas antes em uma criação de algo novo, criação que só se explica
pela livre iniciativa e o fim livremente escolhido. Tudo o que homem pode escolher
arbitrariamente, ele também pode abandonar da mesma maneira, o que leva ao infinito este
processo de escolha arbitrária e por conseqüência a uma constante indecisão. Por isso a
liberdade não pode ser realizável neste momento, já que ela sempre está em um estado
abstrato e nunca concreto. No livre arbítrio a satisfação dos prazeres é sempre particular,
nunca coletivo porque as escolhas ora favorecem um desejo, ora outro, mas nunca ocorre
uma satisfação completa e universal. A satisfação dos desejos não pode, portanto servir de
fundamento para a liberdade justamente porque esta não se realiza nas inclinações naturais
devido a este abismo que existe entre o “eu” livre e o seu conteúdo.
Contudo, criar uma moral querendo purificar as inclinações de seu conteúdo
contingente para conservar apenas a forma substancial não ajudará a resolver o problema.
O que Hegel faz é incorporar os desejos em um sistema mais vasto, fundamentado na razão
e não na noção da purificação dos impulsos. Os desejos podem ser considerados a razão
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em potência. São eles que fornecem um motivo para a ação subjetiva. Eles são o motor do
agir do homem na sociedade e servem à realização de um fim universal (FLEISCHMANN,
op. cit., p. 41-42). Por isso Hegel acha um erro o combate das inclinações naturais, das
pulsões, antes elas devem ser transformadas em uma cultura capaz de expressar as
exigências de uma racionalidade e da liberdade. Neste sentido podemos dizer que Hegel
opera uma verdadeira inovação entre aqueles que colocam a liberdade do indivíduo na
realização de seus desejos (utilitaristas) e aqueles que a posicionam na superação destes
(Kant)3.
Para a realização das satisfações dos homens na sua natureza livre e não empírica é
necessário que o homem saia do plano dos prazeres, cujas satisfações são sempre imediatas
e irrealizáveis, e crie uma realidade cuja satisfação dos indivíduos seja possível através da
realização de um fim universal. A pergunta a ser feita é a de saber que tipo de ação o
homem pode realizar a partir do momento em que se sabe insatisfeito e decepcionado
eternamente com a vida de prazeres, sabendo que essa insatisfação infinita é o motor para a
ação. Parece que em Hegel haverá uma só solução: o trabalho. No trabalho o homem
realiza um engajar constante, e o campo do imediato desaparece. O trabalho tem para
Hegel esta capacidade formadora do homem, através do qual os indivíduos realizam suas
ações não pensando egoisticamente no seu pão de cada de dia, mas antes na realização de
algo que satisfaça o todo de uma comunidade. É a consciência dos homens de que o
produto de seu trabalho serve a toda a comunidade, que lhe possibilita a auto-compreensão
como cidadão livre e responsável no Estado moderno. Graças ao seu trabalho, o homem
pode exigir o reconhecimento de seus direitos e de sua liberdade na mesma proporção em
que lhe é exigido deveres e reconhecimento da liberdade dos outros. (FLEISCHMANN,
op. cit., p. 41).
É somente a partir desta construção operada por Hegel que é possível a
compreensão do significado do conceito de vontade livre e infinita em si e por si, ou seja, a
liberdade. A passagem do arbítrio para a vontade livre é a realização da razão através da
conservação e superação (Aufheben) dos desejos. Se para Hegel, por um lado, as paixões e
inclinações dos homens não podem ser suprimidas, já que justamente são elas que
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Todavia, para Hegel, apesar da moral (de Aufklärung) kantiana cair na armadilha do arbitrário porque justamente define
o seu fim supremo como sendo a felicidade (Glückseligkeit) que postula uma satisfação para todos cuja realização é
impossível, ela possui ao menos um mérito que é aquele de ter introduzido a noção de totalidade na moral, abrindo assim
a porta à universalidade do pensamento. Se o “eu” empírico não pode ser totalmente satisfeito, mesmo assim a totalidade
da satisfação pressupõe um “eu” livre (postulado da liberdade em Kant) cuja realização é o fim último das ações
humanas.
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empurram os homens na realização de algo concreto, por outro lado, é necessário que elas
evoluam a fim de que o homem perceba a insuficiência da particularidade nelas imbuídas.
A vontade em si e por si desígna o homem livre que se sabe livre, ou seja, que tem
consciência da liberdade de si mesmo. Essa liberdade consciente que é a noção justa de
liberdade inclui todos os homens, por isso ela exclui qualquer discriminação social. A
liberdade da vontade não é uma faculdade, mas uma realidade, ou seja, as instituições
humanas refletem apenas a liberdade realizada pela consciência humana. O escravo
permanecerá escravo até o momento em que ele se der conta que é o outro que lhe torna
escravo. É o pensar consciente do escravo em relação à sua condição que lhe mostra mais
realidade do que a ordem social estabelecida empiricamente (FLEISCHMANN, op. cit.,
44) 4. É desta maneira que a liberdade começa então a se realizar. É o real que emerge, e é
precisamente esta realidade que vai distinguir a filosofia hegeliana de todas as filosofias
abstratas do entendimento. Se esta última concebe a realidade como uma progressão sem
fim na direção de um ideal imaginado pelo intelecto humano, a filosofia hegeliana
compreende que a liberdade já existe, e não é um ideal, apenas emerge quando a vontade
livre é um “universal que se determina ele mesmo” (F.D §21).
O conteúdo do direito natural que para Locke consistia na livre disposição pelo o
homem de seu corpo e de seus bens é, para Hegel, a forma de liberdade mais abstrata
possível. Essa liberdade abstrata isola o homem de seus semelhantes, pois esta posse das
coisas liga-o somente à natureza morta, ou seja, aos objetos e não aos outros homens. O
direito à propriedade, seja seu próprio corpo ou seus bens, define o homem pelo viés da
posse à coisa. Portanto essa definição é vazia, pois a universalidade da liberdade ocorre
somente no conjunto de proprietários particulares, sem que esse particularismo tenha um
conteúdo específico. O homem não pode ser somente definido através de um objeto, pois
um objeto pode pertencer a qualquer um em particular. Por isso para Hegel este conteúdo
da liberdade na propriedade é ainda uma noção vazia da particularidade e não define a
liberdade na sua totalidade. (FLEISCHMANN, op. cit., p. 75).
Para Hegel o direito no sentido jurídico do termo é abstrato e insuficiente para a
realização plena da liberdade, contudo este apelo insistente desta abstração não implica um
4Da mesma maneira, na ótica da dialética do senhor e do escravo, para que a liberdade se realize também é necessário que o sen hor
se dê conta que só pode ser livre quando o escravo que o reconhece livre é também livre.
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desprezo deste direito, ao contrário, sua abstração comporta uma necessidade ao mesmo
tempo lógica e histórica que deve ser reconhecida. A análise da pessoa, da propriedade, do
contrato e das formas de violação do direito e seu restabelecimento têm como objetivo
mostrar em que esses conceitos, tais como eles são no raciocínio jurídico, definem e
delineiam os traços da objetivação da liberdade, traços que providenciam a esta uma
expressão cada vez mais formal, portanto, em certo sentido mais universal. “A abstração
jurídica permite à liberdade, em se objetivando em um elemento de exterioridade e de não
liberdade, de se desfazer da subjetividade também abstrata da consciência individual”
(HEGEL, 2003, p. 145).
Kervégan diz que, ao contrário de uma leitura freqüentemente feita a respeito do
direito abstrato, a personalidade jurídica não possui apenas uma significação pejorativa,
mas antes deve ser considerada como local onde reside a positividade do direito. É
justamente porque a personalidade jurídica carrega esta abstração que as categorias
fundamentais do direito civil (pessoa, propriedade e contrato) e do direito penal possuem
uma dimensão universal e que elas definem as condições universais e formais da liberdade
objetiva (KERVĒRGAN, op. cit., p. 59).
Importa salientar que esta primeira parte do livro, intitulada direito abstrato ou
propriedade privada, é a forma mais pobre, ou seja, a mais abstrata possível da realização
da liberdade onde o homem para a sua subsistência necessita de bens materiais e por isso
mesmo deseja possuí-los. Por esta razão a vontade livre encontrará sua forma concreta de
realização na propriedade, ou seja, no objeto. Desta forma é na sua posse que o homem
procurará sua liberdade.
Mas, o direito essencialmente “direito privado” que rege a vida dos homens é uma
abstração da vida em sociedade porquanto ele reconhece apenas os homens
individualmente, isolados um dos outros, agregados unicamente por hostilidades
recíprocas. O direito formal não possui nenhum outro meio de impedir a violência senão
através do sistema judiciário, cujo papel é reparar os erros já causados. Nas querelas
judiciárias entre os homens, o papel do judiciário na reparação das injustiças será sempre
imperfeito na medida em que ele consegue apenas satisfazer uma das partes enquanto a
outra permanece insatisfeita e por conseqüência ainda mais violenta. Por isso a justiça não
resolve o problema, apenas o agrava (FLEISCHMANN, op. cit., p. 77).
Através do aparelho judiciário se efetua um acerto de contas não entre os seres
humanos, mas entre o homem e a natureza (as coisas). Através deste meio dialético o
homem se torna alguém que detém um direito sobre a natureza e estas se tornam esta parte
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da realidade que não possui nem vontade e nem direitos (Ibid., p.78). No entanto, é
impossível a identificação completa da liberdade humana através da sua posse à natureza.
Para que a liberdade seja real é necessário que ela consista em uma superioridade às coisas
e não na identificação a elas. Por isso a liberdade deve ser separada da posse e entendida
essencialmente diferente desta, na medida em que os objetos não possuem nenhum valor
em si mesmo, mas são apenas a propriedade contingente dos homens. A natureza somente
recebe uma significação através da vontade subjetiva do homem que a deseja ou não. Por
isso a posse possui um significado se somente existe uma ligação entre pessoa e coisas. É
uma relação de exteriorização (Veräuserung), quer dizer uma identificação de uma vontade
interior a uma natureza visível, exterior (FLEISCHMANN, op. Cit., p. 81).
4. A liberdade na moralidade
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direito a vontade é reconhecida e ela não é nada além do que é seu, e assim ela é ela
mesma enquanto elemento subjetivo” (HEGEL, 2003, § 107).
No adendo do parágrafo 107 Hegel diz:
Na moralidade é o verdadeiro interesse do homem que está em jogo (sua dignidade humana
no lugar de seus interesses materiais) e todo o valor desse ponto de vista vem do fato que o
homem se considera então como absoluto (o único dono de suas decisões) e age em
conseqüência. Contudo, o homem sem educação (moral) deixa-se dominar pela violência do
mais forte e pelos obstáculos da natureza, tal como as crianças destituídas de vontade livre
que se deixam ser guiadas por seus pais. Nada deste tipo pode acontecer no homem
moralmente adulto, para quem é, sobretudo a realização de suas possibilidades interiores
que conta: ele quer que suas ações carreguem a marca de sua personalidade
(FLEISCHMANN, apud, p. 123).
A noção da moral nos possibilita concluir que “ela (a moral) se encontra no interior
da consciência subjetiva que se dá conta que a liberdade consiste na determinação do
sujeito por ele mesmo. O sujeito quer que sua existência empírica seja idêntica à sua
essência que é a liberdade” (Ibid., p. 124). O bem da moralidade não é determinado a
priori, mas a partir de um julgamento realizado pelo próprio homem. A distinção entre o
que é o bem e o que é o mal reside na interioridade subjetiva do próprio homem. O homem
é o sujeito racional capaz, que se determina, que consegue se dar um conteúdo, ou seja se
particularizar. Mas se particularizar ainda não é o que indivíduo deseja. O que ele quer é
realizar sua subjetividade. O que isso significa? Significa que ele só pode realizar esta
subjetividade transportando-se ao mundo exterior (na objetividade). Esta particularização
do indivíduo será somente vontade objetiva se ela se coloca no mundo da ação. “A
“determinidade” (...) é colocar na vontade que se determina ela mesma enquanto colocada
nela por ela; a particularização de si em si mesmo (...) e o querer ultrapassar este limite, –
atividade de colocar este conteúdo fora da subjetividade na objetividade em geral, numa
existência imediata ” (FD, § 109).
Para Hegel o direito da particularidade do sujeito, ou seja, “o direito à liberdade
subjetiva” caracteriza os tempos modernos em oposição à antiguidade. Contudo, a
satisfação pessoal e o bem-estar do indivíduo, apesar de ser a condição indispensável e o
elemento essencial para o direito e o bem, não são suficientes para definir o próprio bem.
A solução só aparece na eticidade onde ocorre uma subordinação da esfera das carências, e
de uma maneira geral da sociedade civil ao Estado. O bem aparece no parágrafo 130 como
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o Aufhebung, a superação dialética, tanto do direito abstrato da propriedade como dos fins
particulares do bem-estar e da satisfação pessoal. A verdadeira certeza moral somente se
realizará na eticidade, onde os homens são efetivamente idênticos àquilo que eles devem
ser, quer dizer livres (LĒCRIVAIN, op. cit., p. 31).
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A sociedade civil é o local onde os homens permanecem juntos apenas
aparentemente. Hegel diz no parágrafo 431 da Enciclopédia que enquanto a mediação
intersubjetiva da liberdade de um pelo outro une os seres humanos imanentemente, a
necessidade e os desejos, ao contrário, mantém os seres humanos juntos somente
externamente. Estar unido apenas na busca de seus próprios interesses é uma forma
contingente e externa de ligação.
Contudo, mesmo se nesta esfera o indivíduo se vê dependente do outro apenas na
superação de suas carências materiais, ainda assim o outro contribui para um tipo de
liberdade absolutamente importante, a liberdade da particularidade. A liberdade está ligada
a supressão das carências individuais, na medida em que quanto mais consigo suprir
minhas carências, mais me sinto livre. Embora, a sociedade civil é em relação à totalidade
ética a etapa da diferença, onde os indivíduos se encontram separados uns dos outros, cada
qual com seus desejos e necessidades, essa etapa já mostra o quanto do outro lhe é
necessário na busca de um bem, ainda que por instante, trate-se de um bem particular.
Por outro lado, na medida em que a sociedade civil é a esfera onde as diferenças
entre os indivíduos e os grupos se afloram, ela requer a igualdade de liberdade que é o
fundamento moderno dos direitos humanos. Hegel deixa claro que no âmbito da sociedade
civil moderna os indivíduos não são mais caracterizados através de seus privilégios e suas
honras, mas antes representam aquilo que constitui a sua natureza concreta, isto é, o seu
trabalho e as suas necessidades. Os direitos do homem liberal moderno estão ligados à
existência e funcionamento de uma sociedade civil burguesa que se encontra separada do
Estado político. Sob a ótica desta, o titular dos direitos não é o cidadão, nem o sujeito
moral, nem a pessoa do direito abstrato, mas o burguês. O homem nesta perspectiva é o
homem social. É na organização moderna da produção e do livre comércio, no sistema das
carências, que o indivíduo encontra sua natureza comum, isto é, um homem trabalhador
que possui carências.
6. O trabalho
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sustento de outra parte. O que a sociedade moderna trás de positivo é a necessidade do
trabalho de todos.
O trabalho é mediação entre o homem e a natureza. Através deste, o homem
transforma a natureza e desta forma a ligação do homem com seus bens necessários a sua
subsistência deixa de ser puramente natural para ser também espiritual. Há um ganho de
liberdade na medida em que o espiritual substitui a dimensão apenas natural na qual o
homem se encontrava no suprimento de suas necessidades vitais. Doravante o homem
consome o produto de seu próprio trabalho, e como sabemos em Hegel, a liberdade é a
negação da natureza e a afirmação do espírito, que pode ser compreendido como as
realizações humanas. O homem, portanto, através do trabalho, ou através das relações
humanas e sociais, torna-se ligado não mais ao puro natural, mas aos produtos humanos.
(Cf. ROSSI LEIDI, 2009, p. 134)
Assim, a afirmação segundo a qual é na sociedade civil que vimos a dimensão do
homem enquanto ser livre e consciente das suas capacidades, está diretamente ligada a
noção do trabalho. É através do trabalho que o homem opera com um material que já é
produto espiritual. Assim, para suprir suas carências o homem na sociedade civil não mais
consome os frutos da natureza, mas o produto da sua atividade humana. É neste sentido,
que o homem também passa doravante a depender do trabalho de outros homens. A partir
do momento em que o homem não mais se contenta de extrair da natureza apenas o fruto
imediato de seu sustento, mas passa a desejar uma transformação desta natureza sob forma
de produtos também para o futuro e cada vez mais elaborado, a dependência para com os
outros homens se torna evidente. É neste processo cada vez mais aprimorado de
transformação da natureza que as diversas tarefas passam a ser compartilhadas com outros
homens.
A divisão do trabalho surge como algo novo. Embora já tenha aparecido nas
sociedades precedentes, apresenta-se agora com características diferentes, uma vez que,
com a revolução industrial, ela é o motor verdadeiro do desenvolvimento econômico.
Embora Hegel não se preocupe deste assunto na Filosofia do direito, sabe-se que nas obras
do período de Iena, no Sistema da vida ética (1802-1803) ou na Realphilosophie (1805-
1806), Hegel é um leitor de Smith, e está atento à compreensão da organização do trabalho
na sociedade moderna. Nesta organização do trabalho, segundo uma decomposição das
fases produtivas, o trabalho de cada um se dá de forma cada vez mais simples para que a
capacidade de execução se torne cada vez maior, aumentando justamente a qualidade e
quantidade. Além disso, na cadeia do processo, o trabalhador se torna cada vez mais
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distante do objeto final do seu trabalho. O homem se torna, portanto, cada vez mais
especializado na sua tarefa, mas menos consciente do produto final de seu trabalho. Assim,
ele perde o contato final e o objetivo de seu próprio trabalho. (Cf. ROSSI LEIDI, 2009, p.
135).
Na Realphilosophie, texto de 1805/1806, Hegel diz que o trabalho se torna cada vez
mais especializado e industrializado, necessitando cada vez menos da mão de um só
homem. Mesmo se esse tipo de trabalho é mais eficiente, a relação do homem com um
trabalho determinado se torna longínqua. Isso implica segundo Hegel, duas conseqüências:
a primeira é que o homem já não representa mais de forma totalizada o seu trabalho,
portanto não é reconhecido por este. Isto é, o produto do trabalho não define o trabalhador.
E a segunda é o excesso de produção, que causa o desemprego e o aumento da pobreza.
Este é o momento de passarmos para a leitura de Marx. Tentemos analisar as
considerações de Marx nos Manuscritos econômicos-filosóficos, especialmente no capítulo
sobre o trabalho estranhado.
7. A alienação
Sabe-se que a obra de Marx não é daquelas em que podemos categorizar na história
da filosofia como uma obra sistemática. Marx não possui um sistema como Hegel o possui.
No entanto, assim como afirmamos que o conceito de liberdade em Hegel é central para a
compreensão do todo de sua obra, também podemos afirmar que o conceito de alienação é
imprescindível para compreender Marx. Se pudéssemos reconstruir de forma sistemática a
obra marxiana, com certeza o conceito de alienação seria uma das possibilidades de se
fazer essa construção.
Se por um lado, podemos afirmar que a liberdade hegeliana está ligada diretamente
a espiritualização do mundo pelo homem, no sentido de afastamento da natureza e
transformação desta em um conteúdo espiritual, isto é humanizado, por outro, podemos
dizer que a alienação em Marx é justamente o contrário da liberdade, isto é, o processo de
aniquilação da humanidade do homem que lhe é subtraída pelas condições de sua
existência. Não é também por acaso que os dois conceitos se opõem a partir da mesma
matriz, isto é, a condição do homem no mundo, afinal a história intelectual do conceito de
alienação não começa com Marx, mas com o próprio Hegel. (Cf. VANDENBERGHE,
2012, p. 103).
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Hegel dirá na Fenomenologia do Espírito (1807) que a alienação do sujeito e do
objeto constitui o problema central da modernidade. Já no Sistema da vida ética (1802-
1803) e na Realphilosophie (1805-1806), Hegel esboça uma primeira versão da sua teoria
do espírito objetivo, segunda a qual, resumidamente, as instituições sociais, políticas e
culturais são objetivações do homem, isto é, produtos de seu trabalho. Pelo trabalho, que
Hegel define como aniquilação da objetividade em vista de um fim, o homem preenche o
vão entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo através de sua inserção no próprio mundo,
fazendo-o dele a sua própria obra. É através do trabalho que o homem transforma a
natureza e por isso o mundo passa a ser algo que é decorrente da sua própria realização. Se
por um lado Hegel entende que trabalho é objetivação e exteriorização, realização das
potencialidades humanas no mundo e na história, por outro lado, ele compreende também
trabalho como alienação, onde através das máquinas e da mecanização ele se torna cada
vez mais uma atividade estúpida e vazia de sentido5. (Cf. VANDENBERGHE, op. cit., ps.
105-108). Contudo, a alienação é ainda para Hegel um momento necessário em vista de
sua superação6.
Não fica claro se para Marx a alienação é um momento necessário tal como em
Hegel, ou se simplesmente ele ocorre na história. E se ele ocorre, temos então que tentar
entender porque o homem se tornou um ser alienado. Marx não está interessado em um
tipo de superação do negativo pela própria incorporação deste. Parece que o que Marx quer
é entender de que maneira o homem encontra-se alienado e como ele pode superar esta
alienação. A única maneira parece ser a própria ação do homem, e não o pensamento,
como ele vai acusar Hegel de ter assim operado. Isto é, para Marx, a filosofia e aqui ele
inclui Hegel, oculta a miséria real do homem, tornando suportável o que é insuportável.
Apesar de Marx seguir a compreensão dialética do mundo tal como Hegel, na
medida em que o que lhe é importante é apreender as verdades unificando os opostos, para
Marx as contradições do pensamento humano também têm suas fontes no objetivo real. A
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Neste sentido, podemos dizer que Hegel já havia falado em alienação do trabalho de forma bastante critica, sobretudo
nos textos de Iena, mesmo se é verdade que na Filosofia do direito, esta critica já não aparece mais. Alguns autores
chegam a falar que a crítica de Marx à Hegel teria sido dosada se Marx tivesse tido a oportunidade de ler a
Realphilosophie de 1805-1806. Não entraremos nestes pormenores, pois aqui o que nos interessa é entender este conceito
de alienação em Marx e perceber o quanto ele está ligado à privação da liberdade do homem trabalhador.
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O sujeito em um primeiro momento não se reconhece no objeto. O objeto adquire um poder próprio e termina por se
voltar contra o sujeito. No segundo momento, quando a cisão entre o sujeito e o objeto alcança o seu ápice, o sujeito toma
consciência que a objetividade alienante é na realidade uma exteriorização da sua subjetividade. Então, em um terceiro
momento, ele se reapropria do objeto des-subjetivado, subjetivando-o, interiorizando-o o que está exteriorizado. Através
desta negação da negação, a cisão entre o sujeito e o objeto é superada.( Cf. VANDENBERGHE, op. cit.,p. 109).
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verdade não existe pronta e acabada antes do esforço humano para compreendê-las.
Existem condições concretas para a procura da verdade, e, portanto, é necessário apreender
no real os aspectos contraditórios e encontrar sua unidade, isto é o conjunto de seu
movimento. Para Marx, através da descoberta dos elementos contraditórios tais como,
proletariado/burguesia ou capitalista/trabalhador, pode-se operar uma síntese desses
elementos que permite apreender o movimento e a vida. Como afirmou o próprio Marx, o
seu método dialético é fundamentalmente distinto do método hegeliano. Enquanto que para
Hegel, o processo do pensamento, isto é, a ideia como sujeito autônomo, é o dimiurgo do
real, para Marx a idéia é ao contrário, o material traduzido e transportado para o cérebro do
homem.
Precisamente, uma das críticas que Marx fará à Filosofia do direito é que Hegel
teria escondido a verdadeira oposição que ocorre na modernidade entre Estado e sociedade
civil, na tentativa impossível de conciliar esses dois extremos. Segundo Marx, quando
Hegel compreende o Estado como a realização da vontade livre, suprasumindo as esferas
precedentes da família e da sociedade civil em uma unidade autoconsciente, deixa de
criticar o verdadeiro Estado político, onde reina um “tratado de poderes essencialmente
heterogêneos”. (MARX, 2010, p. 76). Marx, longe de compreender o Estado como o
momento da realização da plena liberdade, vê o Estado político como a separação do povo
em relação à sua própria essência. “A alienação política tem lugar no momento em que o
povo, ao se submeter à sua própria obra, perde seu estatuto fundante e as posições são
invertidas. O que era o todo passa a posição de parte, e vice-versa”. (ENDERLE, apud
Marx, 2010, p. 21).
8. O trabalho estranhado
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alienação da natureza humana por intermédio da religião, e desenvolve o conceito da
alienação da natureza humana por intermédio do trabalho.
A alienação do homem no labor significa que o produto do trabalho humano que
não pertence ao trabalhador que o produz, ao invés de ser controlado e apropriado
conscientemente pelo trabalhador, torna-se um ser estranhado. Mas em que consiste este
estranhamento? Quem torna o trabalho algo estranho, ou exteriorizado ao próprio
trabalhador? Essas são as questões que interessam Marx neste capítulo. Já de início Marx
deixa claro que a culpa deste estranhamento é das leis nacionais-econômicas. Diz Marx, “a
economia nacional oculta o estranhamento na essência do trabalho porque não considera a
relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção.” (MARX, 2004, p. 82).
Quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir, quanto mais valor cria, mais
desvalorizado ele se torna, quanto mais bem formado e acabado é o seu produto, tanto mais
deformado é o trabalhador. Quanto mais civilizado é o objeto criado, tanto mais bárbaro
torna-se o trabalhador. E tudo isso é culpa da economia nacional, que torna os
trabalhadores em uma coisa absolutamente sem valor diante de um objeto que lhe é
valorizado. Embora o trabalhador é a alma da produção, a economia nacional nada concede
ao trabalho, mas tudo à propriedade privada (Cf. MARX, op. cit., p. 88).
Marx diferencia quatro aspectos da alienação. O primeiro consiste em que o
produto do trabalho é alienado do trabalhador, de tal sorte que o produto aparece ao
trabalhador como um objeto estranho e poderoso. O segundo aspecto diz respeito à falta de
afirmação do trabalhador no ato da produção. Isto é, o trabalhador não se reconhece no ato
da sua produção e a desenvolve de forma infeliz, sem doação física e espiritual. O terceiro
aspecto diz respeito à própria conseqüência dos dois primeiros aspectos. Na medida em
que o homem torna-se alienado dos produtos de seu trabalho e alienado de si mesmo no ato
de trabalhar, ele acaba por alienar-se como gênero humano. Deixa de ser homem e se torna
um animal. O trabalho se torna apenas o meio de supressão de suas necessidades básicas à
sobrevivência, quando o homem tem o alimento apenas para matar a sua fome. E o quarto
aspecto diz respeito ao estranhamento do homem pelo próprio homem. A sua atividade não
lhe pertence, mas pertence a outro ser, e este ser não é um Deus, mas sim outro homem.
(Cf. MARX, op. Cit., p. 82-85).
Nestes aspectos do trabalho estranhado consiste toda a crítica de Marx ao sistema
econômico da época, o qual empurra o homem ao um modo de produção no qual o produto
de seu trabalho não lhe pertence e não lhe representa mais como fundamento do seu
próprio ser. Isto significa que para Marx o trabalho deveria ser a expressão da própria
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humanidade do homem. É nele que o homem se diferencia do animal, pois cria algo a
partir da natureza ao invés de simplesmente utilizar esta para a supressão de suas carências
vitais como o faz o animal. Marx é bastante hegeliano nestas considerações. Tal como em
Hegel, o trabalho é o que dá conteúdo espiritual à realização do homem. Na transformação
da natureza o homem dá conteúdo à sua liberdade.
Além deste distanciamento do produto do seu trabalho que já não mais lhe
representa como homem, posto que se tornou em objeto desraigado de seu sujeito, existe o
problema da entrega deste produto a outro homem. Não é que o produto do seu trabalho é
dividido entre aqueles que trabalharam na sua fabricação, mas antes, que ele desaparece
nas mãos de outro homem que lhe paga uma recompensa infinitamente menor do que o
valor do seu produto. O trabalhador se torna despojado dos objetos do seu trabalho, mas
também de todos os outros objetos necessários à vida, visto que o salário que lhe é pago
não é suficiente para a aquisição de novos objetos posto no mundo. Portanto, o trabalhador
cria um mundo no qual ele mesmo já não possui mais acesso.
Neste sentido, a falta de liberdade é tanto espiritual quanto material. Embora Marx
não tenha em nenhum momento utilizado esta palavra, “liberdade”, parece muito claro que
o que está em jogo aqui é tanto a privação material quanto a espiritual. A completa perda
de sentido no seu trabalho leva a perda de sentido do seu próprio ser. O homem se
transforma em um servo do seu objeto e um servo de um outro homem, que detém o seu
próprio objeto.
Mas, a questão é a de saber por que esta relação com o trabalho se torna uma
questão essencial para a liberdade do próprio homem. A resposta parece estar indicada no
próprio texto de Marx quando ele fala sobre a diferença do homem com o animal. Os
homens começam a se distinguir dos animais a partir do momento em que passam a
produzir os seus próprios meios de existência, a partir dos quais produzem indiretamente a
sua vida material. O que eles são coincidem com a sua produção. É verdade que o animal
produz, diz Marx, mas o que ele produz é para a sua necessidade imediata, enquanto que o
homem produz para o futuro e “livre do domínio da carência física”, e na liberdade em
relação a ela. (Marx, op. cit., p. 85). O mundo aparece como a produção do próprio
homem, por isso o trabalho é antes de qualquer coisa formação e transformação recíproca
do homem e da natureza, assim como do homem e da sociedade. No trabalho o homem
exterioriza, objetiva e expressa suas potências humanas. O homem se torna
verdadeiramente humano através do trabalho. É neste sentido que o trabalho é a própria
condição de liberdade do homem, pois ser livre é tornar-se humano, é afastar-se do mero
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dado natural. E neste sentido Marx se aproxima de Hegel, na medida em que para este a
liberdade não se encontra na natureza, mas sim no espírito que é o distanciamento da
natureza. Ora, se o trabalho é a maneira pela qual o homem se torna humano e, portanto
livre, então este trabalho tem que ser absolutamente seu, algo no qual o produto seja
efetivamente a objetivação da vida genérica do homem, “quando o homem se duplica não
apenas na consciência, intelectualmente, mas operativa, efetivamente, contemplando-se,
por isso, a si mesmo num mundo criado por ele”. (MARX, op. cit., p. 85).
Para Marx, o estranhamento do homem no seu trabalho tem como conseqüência
principal e devastadora a perda da propriedade. Marx diz, “quando se fala em propriedade
privada, acredita-se estar se tratando de uma coisa fora do homem. Quando se fala do
trabalho, está-se tratando, imediatamente do próprio homem”. (MARX, op. cit., p. 89).
Esta frase parece levar Marx a uma só critica; a de que a propriedade privada deveria ter
como fundamento o trabalho. Mas, como o fruto do trabalho do homem não lhe pertence,
então àquele que detém esse fruto é o mesmo que detém a propriedade privada.
A conclusão desta relação entre trabalho e propriedade privada é a que Marx tira
nas seguintes palavras:
Da relação do trabalho estranhado com a propriedade privada depreende-se, além do mais,
que a emancipação da sociedade da propriedade privada etc, da servidão, se manifesta na
forma política da emancipação dos trabalhadores, não como se dissesse respeito somente à
emancipação deles, mas porque na sua emancipação está encerrada a [emancipação]
humana universal. Mas esta [última] está aí encerrada porque a opressão humana inteira
está envolvida na relação do trabalhador com a produção, e todas as relações de servidão
são apenas modificações e conseqüências dessa relação.” (MARX, op. cit., p. 88-89)
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10. Conclusão
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com as condições da vida do trabalhador, e a percepção que o aumento da pobreza estava
diretamente ligado às incongruências do sistema capitalista e a exploração do trabalhador.
Em segundo lugar, para ambos, a essência da liberdade não consistia na realização de um
fim puramente individual, isto é, naquilo que é contingente e arbitrário ao homem. A plena
liberdade tem a ver com a superação do dado material. Em Marx, a plena liberdade
ocorrerá com a superação da propriedade privada, e em Hegel, a propriedade privada é a
liberdade parcial, mas não a verdadeira liberdade. Assim, para ambos, a liberdade diz
respeito à realização comum dos homens de algo efetivamente novo e universal.
MARX, karl. Critica da Filosofia do direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo
de Deus. São Paulo: Boitempo, 2010.
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