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Immanuel Kant - Crítica da Razão Pura, Estética Transcendental §§4-6

A noção kantiana de tempo

Antes de tudo, talvez seja interessante fazer um comentário a respeito da noção de “expositio”
que intitula este parágrafo sobre a natureza metafísica (pura) do tempo. A expositio consiste
na exposição clara, não exaustiva, mas suficiente, das principais características que
pertencem a um determinado conceito (§2). Ela difere de uma “dedução”, do ponto de vista
da terminologia kantiana, porquanto a dedução tenha um propósito mais, digamos,
complicado: investigar as origens de um elemento da razão pura cuja posse ela reivindica
como legítima, a fim de que se possa dar a ela algum atestado da validade de sua pretensão,
provando assim a legitimidade daquela posse por meio de um exame das fontes do elemento
em questão. (Cf. Dieter Heinrich “Kant’s notion of Deduction and the methodological
background of the first critique” )

Além disso é importante também falar da noção de intuição interna, em contraposição à


intuição externa. Para tal é necessário remeter a distinção entre sentido interno e sentido
externo (§2). O sentido interno é a propriedade de nossa mente por meio da qual ela intui a
si mesma ou a seu estado interno. Como será exposto ao longo dos parágrafos §§4-6, é
porque o tempo é a forma pura da intuição interna que tudo o que pertence às determinações
internas é representado em relações de tempo

§4 - Exposição metafísica do conceito de tempo:

TESES: 1) o tempo não é um conceito empírico, originado da experiência, mas é fundamento


apriori de nossas intuições, e portanto, dos fenômenos em geral. 2) Os axiomas do tempo
não são extraídos da experiência, mas são fundados, em sua necessidade, no tempo como
dado apriori. 3) O tempo não é propriamente um conceito, pois esse só pode conter
representações parciais e não produz por si mesmo proposições sintéticas. Como somente
uma intuição pode nos dar uma representação completa, por meio de um único e mesmo
objeto, e os axiomas do tempo são proposições sintéticas, o tempo é uma intuição, ou antes,
a forma pura da intuição.

1) O tempo não é um conceito derivado da experiência, pois somente sob sua


pressuposição apriori é que podemos representar, (isto é, apresentar à percepção?)
um “ser-simultâneo” e um “seguir-se-um-ao-outro”. A simultaneidade e a sucessão
que constatamos pela percepção precisa deste fundamento a priori que consiste no
conceito de tempo.

(Por que não seria possível perceber simultaneidade e sucessão se o tempo não fosse
a priori?)
2) O tempo é um dado a priori, necessário, que serve de fundamento a todas as
intuições, pois não se pode suprimir o tempo do mundo dos fenômenos, já que ele é
condição universal da possibilidade dos fenômenos. Toda a realidade dos fenômenos,
daquilo que aparece a nós na intuição, dá-se somente no tempo.

(Não sei bem o porquê, mas esse argumento me parece um tanto tautológico)

3) Os axiomas do tempo, princípios apodíticos das relações temporais, não podem ser
extraídos da experiência, pois essa não nos pode fornecer a universalidade estrita
nem a certeza apodítica em que eles implicam. Portanto, se temos noção desses
axiomas eles devem estar fundados em um conceito apriori, cuja necessidade
fundaria a possibilidade daqueles princípios apodíticos. Tal conceito é o próprio
conceito de tempo.

(Esse argumento já pressupõe a verdade dos outros dois anteriores, que provam que
há uma necessidade apriori do conceito de tempo porque ele não é empírico. Por
algum motivo ele me lembra o propósito da exposição transcendental, pois ele parece
pretender provar a possibilidade de conhecimentos sintéticos apriori incontestes (os
axiomas do tempo) a partir de um “conceito” (a forma tempo) cuja pureza, uma vez
em disputa, agora ele quer estabelecer.)

4) O tempo não é propriamente um conceito, mas uma forma da intuição, e, na medida


em que é puro, constitui uma forma pura da intuição. Pois, como diferentes tempos
são apenas partes de um mesmo e único tempo, e somente uma intuição pode nos
dar uma representação por meio de um único e mesmo objeto, ele é forma pura da
intuição sensível.
Os axiomas do tempo, por sua vez, são proposições sintéticas contidas
imediatamente na intuição e representação do tempo, pois elas não podem advir de
meros conceitos (e nem da experiência, segundo §3). Os axiomas do tempo portanto
são contidos em uma intuição imediata da própria forma pura da intuição. (Isso
significa que eles constituem essa intuição?. E que tipo de síntese é aquela das
proposições apodíticas de tempo!?)

5) Conceitos só contêm representações parciais. Uma representação completa só


pode ser dada, portanto, por uma intuição. Dado que o tempo é uma intuição pura,
pode-se compreender porque a representação originária do tempo é dada como
ilimitada, ou seja, completa, constituindo a infinitude do tempo. É por meio dessa
infinitude contida na representação completa do que é o tempo que todas as “partes”
ou “grandezas” temporais podem ser determinadamente representadas, pois estão,
desse modo, asseguradas enquanto “limitações” pelo tempo único que lhes serve de
fundamento.

(Há também forte ligação de pressuposição do ponto 4 com relação ao 5)

§5 Exposição transcendental do conceito de tempo:


TESE: a noção de tempo enquanto uma forma pura da intuição, exposto pela crítica, permite
explicar a possibilidade de todos os conhecimentos sintéticos a priori da cinemática, pois
constituI condição de possibilidade dos conceitos de mudança e movimento, fundamentais
naquela ciência.

(Antes de tratar desse parágrafo, talvez seja interessante mencionar a sua brevidade, bem
como o fato de que ele não constava na primeira edição da crítica, o que parece indicar que,
de algum modo, a exposição transcendental do conceito de tempo não parecia assim tão
necessária aos propósitos da filosofia crítica quanto a exposição do espaço, bem mais
extensa e presente desde o texto original.)

O conceito próprio de modificação constitui-se formalmente enquanto uma ligação de


predicados contraditoriamente contrapostos em um mesmo e único objeto. Isto é, de uma
mesma coisa que se modifica afirmamos que ela é X e não-x, sem deixar de ser, de algum
modo, o que é, permanecendo apenas enquanto algo diferente em algum aspecto ou
condição.
Exemplo a partir do conceito de movimento: aplicando o conceito de modificação a situação
dos objetos no espaço temos o conceito de movimento enquanto modificação de lugar. No
conceito de movimento afirma-se de uma coisa seu ser em um lugar e seu não-ser em outro
lugar.
Tais conceitos fundam uma série de conhecimentos sintéticos a priori, todos os da cinemática,
por exemplo. A possibilidade desses conhecimentos sintéticos apriori, fundados em conceitos
aparentemente, do ponto de vista estritamente lógico, contraditórios, só é explicada se
tomamos uma intuição enquanto fundamento desses conceitos. No caso, só a intuição pura
do tempo pode proceder a tal explicação, pois o movimento e a modificação só são possíveis
na representação apriori do tempo, pois só por meio dela podem ambas as determinações
contraditoriamente contrapostas (ser de x e não-ser de x no mesmo objeto X) serem
encontradas no mesmo objeto, pois então se encontram uma após a outra, isto é, segundo a
sucessão, cujo fundamento é a intuição pura do tempo.

§6 Conclusões a partir desses conceitos:

TESES: o tempo é forma pura do sentido interno, ou seja, forma pura da intuição interna, por
meio da qual se condiciona também as representações do espaço. Logo, o tempo tem certa
primazia sobre o espaço. O tempo é irreal do ponto de vista noumênico, ideal do ponto de
vista transcendental, e real do ponto de vista empírico.

a) O tempo não é algo que subsista por si mesmo, pois assim ele seria algo real mesmo
sem objeto real. (Isso significa que a objetividade do tempo não é inerente a ele, e
que sua realidade depende de uma objetividade a qual ele não pode sozinho aceder?)

O tempo não determina objetivamente as coisas, caso se faça a abstração de todas


as condições subjetivas da intuição das coisas (Isso significa que, portanto, a
objetividade do tempo e sua relação de determinação com as coisas depende das
condições subjetivas da intuição?), pois desse modo, como determinação objetiva
das coisas, ele não poderia preceder os objetos, nem ser intuído ou conhecido a priori
por meio de proposições sintéticas, (por meio dos axiomas temporais).

(O argumento pressupõe que o tempo é conhecido apriori por meio de proposições


sintéticas (Isso deve ter sido provado anteriormente §4.4. Há proposições sintéticas
imediatamente contidas na propria representação de tempo) e que, enquanto forma
da intuição interna, ele possa ser representada antes dos objetos, de modo apriori.
Dado isso, deveria se convir que tal só é possível porque o tempo é apenas a condição
subjetiva sob a qual todas as intuições podem ocorrer em nós.)

b) [O tempo é a forma do sentido interno, ou seja, do intuir a nós mesmos e a nossos


estados. Ele determina, portanto, a relação das representações em nosso estado
interno, de modo que tudo o que pertence às determinações internas da mente é
representado sob relações temporais.] Pois, o tempo não fornece nenhuma figura ou
situação, ele não é determinação (imediata) dos fenômenos externos.

A falta de figura do tempo é por nós suprida por meio de analogias com intuições
externas, como uma linha reta que prossegue “ao infinito”, na qual o diverso se
exprime em uma série de uma só dimensão, uma continuidade. Das propriedades da
linha inferimos as do tempo, mas não conseguimos, apesar disso, inferir a sucessão
que caracteriza o tempo da simultaneidade dos pontos da reta.
No entanto, já por essa possibilidade de analogia prova-se novamente que o tempo é
uma intuição, pois, mesmo que seja forma da intuição interna, uma intuição externa é
capaz de exprimir ainda assim suas relações.

c) HÁ UMA CERTA PRIMAZIA DO TEMPO SOB O ESPAÇO (Que implicações tem


isso? A relação espaço - tempo é de pura submissão e condicionamento?)
O espaço é condição formal a priori somente dos fenômenos externos, do que
representamos como fora de nós. Todavia, o tempo é, enquanto forma pura da
intuição interna, condição formal apriori de todos os fenômenos em geral, inclusive do
ponto de vista do sentido externo, do espaço, pois as representações produzidas pela
intuição espacial são necessariamente submetidas às condições temporais da
intuição interna, pois, qualquer representação, seja de objetos externos ou internos,
constituem um estado interno da mente, que por seu turno obedece às condições
formais do sentido interno, isto é, obedece ao condicionamento temporal.

(alínea seguinte) O modo como intuímos a nós mesmos, segundo os princípios


formais do sentido interno, i.e, o tempo, abarca também todas as intuições externas,
porquanto essas se constituem na nossa faculdade de representação que é a
sensibilidade.

Desse modo, se digo que todos os fenômenos externos são determinados a priori por
relações de espaço, segundo os princípios formais do sentido externo, então devo
dizer, com igual universalidade, que todos os fenômenos em geral, isto é, todos os
objetos dos sentidos estão no tempo e são determinados por relações temporais.
Conclui-se que, enquanto o tempo é condição imediata do sentido interno, da intuição
de nossa própria alma, o tempo também é, por outro lado, condição mediata do
sentido externo, por meio do qual nos são dados os fenômenos fora de nós, pois,
embora o tempo não se relacione diretamente com os objetos do sentido externo, ele
condiciona toda representação que é produzida a partir da sensibilidade.

(O fenômeno é representação?. Ao que parece sim, pois ele é um objeto da intuição


empírica, que nada mais é que a intuição que se relaciona com a coisa por meio da
sensação, ou seja, por meio do efeito da coisa sob nossa capacidade de
representação. Em kant a própria sensibilidade é representacional e o empírico,
apesar de sensível, já é representação, porquanto os objetos dos nossos sentidos
são, necessariamente e como condição de sua possibilidade de aparecer para nós,
objeto da nossa capacidade de representação.)

Minha parte: REALIDADE EMPÍRICA e IDEALIDADE TRANSCENDENTAL DO TEMPO

LER COMEÇO DO PARÁGRAFO (MARCADO EM CANETA PRETA)

COMENTÁRIO: o tempo em si mesmo, fora do sujeito, nada é. Ele é apenas condição


subjetiva de nossa intuição humana, i.e, intuição sensível. Portanto, com relação a noumena
o tempo não é nada, pois ele só tem validade objetiva com relação a phenomena, àquilo que
nos aparece, porquanto assumimos tais coisas, por meio da intuição, como objetos de nossos
sentidos. Quando se faz a abstração de todas as condições da sensibilidade, i.e, do nosso
modo próprio de representar, ou seja, de dar a nós o objeto, e se fala em coisas em geral, o
tempo não possui nenhuma realidade, validade objetiva.

VOLTAR A LEITURA (TRECHO EM CANETA AZUL)

COMENTÁRIO: para se manter fiel ao projeto crítico de fundamentar e delimitar bem a


jurisdição do uso teórico da razão, e assim separar justamente ciência de metafísica, Kant
não pode deixar de mostrar que, mesmo que a crítica negue ao tempo toda realidade
absoluta, ela deve preservar a validade e a necessidade do tempo com relação a todas as
coisas que se nos podem apresentar na experiência, pois tais coisas só nos são dadas, i.e,
constituem propriamente objetos dos nossos sentidos, enquanto fenômenos, ou seja,
enquanto objetos da intuição empírica, cuja condição formal é o tempo (e o espaço).

Se, por um lado, não se pode dizer que todas as coisas em geral estão no tempo, sem levar
em consideração as condições sob as quais as coisas aparecem a nós enquanto objetos,
deve se dizer que todas as coisas, enquanto fenômenos, objetos de nossa intuição sensível,
estão necessária e universalmente no tempo, pois o tempo pertence a representação das
coisas por meio da qual elas se constituem como objetos para nós.

PRÓXIMO PARÁGRAFO: SEM LEITURA

Portanto, irá concluir Kant no próximo parágrafo, ao tempo deve ser …

… negada a REALIDADE ABSOLUTA: isto é, a realidade noumênica, relativa às coisas


mesmas, independentes de todas as condições subjetivas do conhecimento, ou antes, da
experiência. Com isso, deve-se compreender que o tempo não possui realidade absoluta
porque não se liga às coisas mesmas, independentes de nossa intuição sensível, enquanto
propriedade ou condição das mesmas, (Refere-se a conclusão A, em B50), isto é, não é nem
inerente a elas nem subsistente, por si mesmo, em meio a elas.

… afirmada a REALIDADE EMPÍRICA: tal afirmação estabelece a validade do tempo em


relação a phenomena, ou seja, sua validade objetiva sobre as coisas que nos podem ser
dadas como objetos de nossa sensibilidade através das condições da intuição sensível. É
importante qualificar enquanto “empírica” tal realidade porque assim Kant preserva a
pretensão da crítica em delimitar a jurisdição do uso teórico da razão. A noção de realidade
empírica é epistemologicamente bastante distinta da absoluta, pois trata-se de uma realidade
que deve ser procurada na relação do objeto ao sujeito, e não no próprio objeto por si. Ao
que nos parece a noção de “empiria” em Kant deve ser indissociável, uma vez instalada a
perspectiva transcendental, da noção de fenômeno, que, conforme B70 (Nota 23, p.93), é
“aquilo que é encontrável não no objeto em si mesmo, mas sempre nas relações deste ao
sujeito, e é inseparável da representação do último”.

… afirmada a IDEALIDADE TRANSCENDENTAL: segundo a qual o tempo não pode ser


contado entre os objetos em si mesmos, nem como subsistente nem como inerente (nem
como substância nem como qualidade), uma vez desconsideradas as relações dos objetos,
ou talvez antes, arriscamos, da própria objetividade, com nossa intuição.
.
Como vemos, com a idealidade transcendental, nega-se a realidade de ente em si mesmo ao
tempo. Mas isso já não teria sido feito a partir da negação de uma realidade absoluta ao
tempo? Do ponto de vista da utilidade negativa da crítica, ou seja, da limitação do
conhecimento às condições da experiência, à primeira vista parece bastar a negação da
realidade noumênica/absoluta do tempo, isto é, da validade para além da experiência, e
afirmar a realidade empírica, a validade exclusiva com relação às coisas enquanto
fenômenos. Por que é necessário à filosofia crítica este terceiro conceito de “idealidade
transcendental”? Sabemos já o porquê deve ser conferido ao tempo um caráter
transcendental, pois, afinal, como ficou posto na exposição transcendental do conceito de
tempo, ele deverá fundar conhecimentos sintéticos a priori. Mas porque falar em idealidade?

Tentamos agora oferecer uma interpretação .

Para pensar isso é necessário termos em mente as consequências da perspectiva


transcendental para o filosofar, já presentes em boa medida nos prefácios à Crítica da Razão
Pura. Uma vez instaurado o ponto de vista transcendental é necessário transformar a questão
sobre o ser ou não-ser das coisas na questão sobre as condições de possibilidade das coisas
enquanto objetos para nós. Ou seja, a questão filosófica acerca dos seres enquanto tais, em
chave transcendental, deve tornar-se a questão sobre as condições de possibilidade da
experiência na qual os “seres” nos aparecem enquanto objetos

Por isso, talvez, é que não basta negar a realidade absoluta do tempo e afirmar sua validade
objetiva no âmbito empírico. Deve-se estabelecer o campo em que ele deverá ser pensado e
analisado, ou seja, o campo transcendental, das condições de possibilidade da experiência,
e, portanto, também o modo como ele forçosamente deverá ser conhecido, isto é, não
enquanto ente em si, mas enquanto forma pura da intuição humana.

Da perspectiva kantiana é necessário que assim seja pois não pode haver mais espaço para
considerações ontológicas sobre o tempo. Na verdade, a partir da crítica não pode haver
propriamente uma ontologia. Kant escreve na Analítica transcendental: “As proposições
fundamentais [do entendimento] são apenas princípios da exposição dos fenômenos e o
orgulhoso nome de ontologia, que se arroga a pretensão de oferecer, em doutrina sistemática,
conhecimentos sintéticos a priori das coisas em si (p. ex., o princípio da causalidade) tem de
ser substituído pela mais modesta denominação de simples analítica do entendimento puro”
(B303). Suponho que, com as devidas alterações, o mesmo se aplica às formas puras da
sensibilidade na estética transcendental.

A partir dessas considerações CONCLUÍMOS: pela afirmação da realidade empírica temos


assegurada a validade objetiva do tempo no campo dos fenômenos. Tudo aquilo que se
mostra a nós enquanto objeto de nossos sentidos o faz sob relações de espaço e de tempo.
Agora, quanto a realidade mesma do “tempo”, se não se pode mais afirmar sua substância,
sendo ele mera forma da sensibilidade, e se a crítica faz cair por terra qualquer possibilidade
de ontologia do tempo, deve ser expressa em outros termos. O ser em si mesmo do tempo é
meramente ideal, não é de uma realidade objetiva. A estética transcendental nos mostra que
se consideramos o tempo o mais isoladamente possível, segundo o método de depuração
que ela prescreve em sua introdução (§1), descobrimos que ele é uma representação
originária de nossa intuição que torna possível todas as representações da sensibilidade. Tal
é o caráter de sua “idealidade transcendental”. Trata-se de uma representação originária, daí
sua “idealidade”. Mas não é qualquer representação, mas uma que regula o aparecer dos
fenômenos, condiciona a sua possibilidade de aparecer enquanto objetos para nós, daí seu
caráter “transcendental”.

Considerações finais

O último período do parágrafo para mim foi bastante difícil. Não sei bem do que se trata
quando se diz “sub-repções das sensações”, quando se coteja isso com a idealidade, e
também não sei a que observação Kant se refere ao fim do parágrafo.

LER TRECHO (MARCADO A LÁPIS)

COMENTÁRIO FINAL 1 : Comentário sobre a originalidade da reflexão filosófica sobre


o tempo na Estética de Kant

Ao menos levando em consideração o texto até aqui, parece interessante notar que a reflexão
filosófica que Kant faz na Estética sobre o tempo deliberadamente ignora uma série de temas
tradicionalmente ligados a questão filosófica da temporalidade. Não se fala em dimensões
temporais, passado, presente e futuro, nem em suas correspondentes atividades ou
faculdades mentais, como memória, atenção (ou “consciência”), expectativa (ou
“imaginação”).

Isso parece indicar a originalidade da postura filosófica de Kant a respeito do tempo, se


comparamos com a tradição de reflexão sobre o tema que remonta a Santo Agostinho, por
exemplo. É claro que, provavelmente, esse caráter original diz respeito também ao contexto
moderno de reflexão acerca do tempo, e certamente às questões científicas, especialmente
relativas à Física e particularmente à mecânica.
Mas, com essa observação só penso em sublinhar a originalidade de compreensão de quais
devem ser os propósitos de uma consideração filosófica a respeito do tempo, que
constatamos em Kant, uma vez que sua reflexão não se propõe a fundamentar as dimensões
temporais (passado,presente,futuro) do ponto de vista ontológico, nem mesmo explicar ou
definir aquela atividades mentais sobre o tempo (o lembrar, o atentar, o esperar), ao menos
até a essa altura do texto.

COMENTÁRIO FINAL 2: Último comentário levando em consideração o tempo “O


papel do espaço na elaboração do pensamento kantiano”, de Gerard Lebrun.
Suponho que muitas das considerações de Lebrun a respeito do pensamento kantiano sobre
o conceito de espaço possam ser transpostas para a questão do tempo.

Ao que me parece, similar à questão do espaço, cujos paradoxos filosóficos, como o do


problema do infinito atual na divisibilidade infinita e o da continuidade do espaço, são
resolvidos, ou melhor, são desmentidos como “falsos paradoxos” a partir das considerações
críticas do pensamento kantiano, a questão metafísica do tempo parece também ser
apaziguada a partir das afirmações de Kant na estética transcendental.

Ao que me parece, os paradoxos ontológicos do tempo, cujo paradigma maior talvez ainda
seja Santo Agostinho (Livro XI das Confissões), não fazem mais sentido uma vez que se
compreenda o tempo não como um ente objetivo, mas como uma condição subjetiva, ligada
a nossa capacidade para a sensação, para a intuição das coisas, para a experiência que nos
é possível. Passa-se, assim, do pensamento ontológico sobre o que é o tempo enquanto um
ente objetivo para uma consideração do tempo enquanto uma forma da intuição responsável
pela própria objetividade das coisas enquanto fenômenos.

Parece fazer pouco sentido agora as problematizações do estatuto ontológico do tempo que
pareciam mostrar uma espécie de rarefação do ser do tempo, como vemos em Agostinho,
uma vez que, a partir de Kant, compreendemos o ser do tempo não de modo absolutamente
real, completamente objetivo no sentido das coisas tomadas em si mesmas, mas como uma
condição de nossa percepção das coisas enquanto objetos, um elemento constitutivo da
nossa constituição humana, bem como da objetividade das coisas enquanto fenômenos.

O problema de sua infinitude, por exemplo, não cai mais, a partir da noção de infinita
divisibilidade de intervalos de tempo, em contradições ontológicas, pois não se trata mais de
um infinito atualmente dado como objeto, mas de uma forma a priori que já é dada enquanto
absolutamente infinita, e portanto permite uma infinita possibilidade de divisão, como vimos
no ítem 4 do §2. O importante é que esse tempo não é agora de uma realidade absoluta, mas
de uma validade objetiva absoluta do ponto de vista empírico.

O texto de Kant até aqui me leva a crer que não há propriamente um ser infinito do tempo, no
sentido de uma matéria de nossa percepção e conhecimento que é dada em si mesma como
infinita, mas sim um tempo infinito que é mera forma, condição de possibilidade das coisas
enquanto objetos de nossos sentidos. É o caráter formal do tempo que permite que sua
infinitude não recaia em paradoxos ontológicos. Essa infinitude é ainda irrepresentável, como
fica claro, inclusive, pela analogia da linha geométrica, do ítem b do §6, mas é ao menos
concebível agora (Paráfrase de Lebrun, comentando a reformulação kantiana da definição de
espaço. LEBRUN, p.27). Ela pode seguir sendo pressuposta nas ciências da natureza, como
seria de todo modo, sem ser perturbada por elucubrações filosóficas dogmáticas.

O problema de um todo temporal também parece cair por terra. Dirá Lebrun a respeito da
consideração kantiana sobre o problema da infinita divisibilidade da matéria “Aqui, mais uma
vez, Kant fará entrar em jogo a lei da incomensurabilidade entre as noções puramente
intuitivas e as noções puramente intelectuais. Dizíamos agora há pouco: é falso aplicar a um
conceito puramente intelectual - o Todo infinito, a lei da intuição.” (LEBRUN, p.32). Se o tempo
é também uma das formas puras da intuição, e condição a priori dos fenômenos em geral,
talvez se possa dizer também que não se pode presumir que o tempo enquanto intuição pura
deve imediatamente respeitar a noção de todo infinito e assim se justificar desse ponto de
vista intelectual para ter sua possibilidade garantida em absoluto. Os filósofos que encontram
paradoxos ontológicos em suas reflexões sobre o tempo, de modo geral, tomam por
inconcebível e contraditório, em absoluto, aquilo que é tão somente irrepresentável na
intuição. (Paráfrase lebrun, p.27)

Por fim, cito uma passagem de Lebrun acerca do tratamento filosófico kantiano sobre o
espaço, mas que talvez também se aplica à reflexão sobre o tempo.

O papel do filósofo não consiste, pois, em provar ao físico que ele tem
razão, mas em colocar ao abrigo de todos os ataques possíveis da
metafísica dogmática "um teorema doravante físico". "Disso se segue,
dirá a Crítica da Razão Pura, que os fenômenos em geral não são nada
fora de nossas representações." E Kant acrescenta: aqueles que não
tivessem sido convencidos pela exposição mesma dessa doutrina do
fenômeno o serão, talvez, por essa prova indireta. De nossa parte,
pensamos que "a prova indireta" nos instrui melhor sobre a origem e a
função da noção de fenômeno e nos faz compreender que o "idealismo"
kantiano é bem menos uma teoria do conhecimento que uma estratégia
anti metafísica.” (LEBRUN, p.33)

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