Você está na página 1de 8

Resumo

A elaboração de estatísticas de
mortalidade segundo causas Uma das possibilidades permitidas pelo
avanço tecnológico é o estudo da mortali-
múltiplas dade por causas múltiplas em contra-
posição à estatística feita por uma única
causa, a chamada causa básica de morte. O
conhecimento das várias doenças que con-
Mortality statistics according to tribuem para uma morte permite que seja

multiple causes of death avaliada a importância das causas que nor-


malmente não estariam privilegiadas nas
estatísticas porque são doenças não carac-
terizadas como causa básica. Um exemplo
é a mortalidade por infarto do miocárdio
em pessoas com diabetes mellitus. Este úl-
timo, neste caso e em outros semelhantes,
poderá não ser considerado nas estatísticas,
enquanto o infarto o será. Desta forma, no
exemplo citado, analisando apenas a causa
básica, perde-se a informação sobre a mag-
nitude do diabetes e sua relação com as
complicações que levam à morte. A idéia da
elaboração de estatísticas de mortalidade
segundo causas múltiplas não é nova. No
entanto não é realizada de forma sistemá-
tica, ainda que vários estudos mostrem suas
vantagens. Entre essas vantagens estão a
possibilidade de descobrir novas associa-
ções de doenças; conhecer informações so-
bre a natureza das lesões em casos de mor-
te por causas externas (acidentes e violên-
cias), entre outras. A existência de compu-
tadores e de programas específicos para a
elaboração das estatísticas de mortalidade,
atualmente em uso, deve permitir que essa
idéia seja colocada em prática e que, a par-
Ruy Laurenti tir das estatísticas de mortalidade por cau-
Centro Brasileiro de Classificação de Doenças sas múltiplas, possibilite melhores e mais
Departamento de Epidemiologia específicas ações de saúde.
Faculdade de Saúde Pública
Universidade de São Paulo Palavras-chave: Estatísticas de morta-
Av. Dr. Arnaldo, 715 lidade. Causas múltiplas de morte.
01246-904 São Paulo, SP - Brasil
E-mail: cbcd@ fsp.usp.br

Cássia Maria Buchalla


Centro Brasileiro de Classificação de Doenças
Departamento de Epidemiologia
Faculdade de Saúde Pública
Universidade de são Paulo

Rev. Bras. Epidemiol.


21 Vol. 3, Nº 1-3, 2000
Abstract Apresentação

The introduction of new technology has


made it possible to study multiple causes A multicausalidade das doenças é acei-
of death as opposed to mortality statistics ta sem restrições, mesmo nos casos onde o
based only on the underlying cause of agente etiológico é bem conhecido, como
death. The knowledge of all diseases that nos casos de doenças infecciosas. Para cada
contribute to one death allows the assess- doença ou agravo à saúde é possível identi-
ment of the importance of causes that fre- ficar fatores causais relacionados à biolo-
quently do not appear in mortality statis- gia humana, ao estilo de vida e ao ambien-
tics, because of those diseases that are not te; pode-se até, em certos casos, identificar
characterized as the underlying cause. An fatores ligados à atenção médica.
example is the death by myocardial infarc- No caso de mortes, desde John Graunt,
tion of a person that also has diabetes mel- em 1662, tem sido atribuído a cada óbito
litus. The idea of producing mortality sta- somente uma “causa”. Entretanto, o pró-
tistics according to multiple causes is not prio Graunt, o primeiro a produzir dados de
new. However, it is not a routine, although mortalidade segundo causas, em sua clás-
several studies have demonstrated its ad- sica publicação “Natural and Political
vantages. Among the advantages is the pos- Observations in a Following Index and
sibility of finding new associations of dis- Made Upon the Bills of Mortality”, fez co-
eases and to know the nature of the injury mentários a respeito de “morrer devido a
according to the type of accident or vio- uma doença e morrer com uma doença” ,
lence. The utilization of computers and spe- segundo descreve Greenwood 1.
cific programs for producing mortality sta- A idéia de que a morte não é devida a
tistics enables multiple-cause statistical cal- uma só “causa” mas a um “grupo de cau-
culations, a practice that should be stimu- sas” é, também, amplamente aceita.
lated. É necessário esclarecer o que usual e tra-
dicionalmente se chama de “causa”. Em
Keywords: Mortality statistics. Multiple mortalidade esta tem o significado de “do-
causes of death. ença”, “síndrome”, “processo patológico” e
até mesmo “diagnóstico”. Desta maneira,
o que vem sendo chamado, há décadas, de
“causas múltiplas de morte” ou, simples-
mente, “múltiplas causas”, seria mais apro-
priado ou correto chamar de “múltiplas
doenças” ou “associações de doenças (ou
diagnósticos, ou patologias) responsáveis
pela morte”.
Assim, conservando o termo “causa” de
morte, no sentido estrito, a análise de cau-
sas múltiplas de morte, deveria incluir to-
dos os fatores – biológicos, ambientais, es-
tilo de vida – responsáveis pela morte e não
somente as doenças. Isto é: a morte e sua
multicausalidade.
Entretanto, como tradicionalmente
consagrado, a análise, o estudo ou mesmo
uma simples tabulação das várias doenças
e suas complicações presentes no momen-
to da morte informadas no atestado de óbi-

Rev. Bras. Epidemiol. A elaboração de estatísticas de mortalidade


Vol. 3, Nº 1-3, 2000
22 Laurenti, R., Buchalla, C.M.
to, constituem o que se denomina “causas to mostra isso; além do mais, continua o
múltiplas de morte”. autor, a seleção de uma só causa para a fi-
No entanto, apesar do Atestado de Óbi- nalidade de tabulação tornou-se um pro-
to permitir que várias doenças sejam colo- blema nem sempre fácil de reconhecer. De
cadas, indicando uma seqüência entre elas, fato, a seleção de uma causa, quando vári-
apenas uma é selecionada para as estatísti- as são informadas, leva muitas vezes à ne-
cas, a denominada causa básica da morte. cessidade de usar regras e instruções – mui-
tas vezes arbitrárias – “para grande aflição
Importância de se obter dos médicos, epidemiologistas e
estatísticas de mortalidade estaticistas”.
segundo causas múltiplas A transição epidemiológica levou a uma
mudança do padrão de mortalidade, com
A importância de se obter tabulações se- declínio grande das doenças infecciosas e
gundo causas múltiplas, e não somente pela uma considerável diminuição da mortali-
causa básica de morte, reside no fato de que dade nos primeiros anos de vida. Passou a
raramente uma morte é devida a uma só predominar a mortalidade de adultos e de
doença. Assim, se deseja ter um quadro da idosos, prevalecendo, nesta, as doenças não
situação de saúde na população, usando in- infecciosas: cardiovasculares, neoplasias,
dicadores de mortalidade, o ideal é utilizar diabetes e outras.
todas as doenças e complicações destas, pre- O aumento da vida média faz com que
sentes no momento da morte. os adultos e idosos passem a “acumular”
Esse fato foi reconhecido pela própria doenças; assim, a análise da mortalidade
Organização Mundial da Saúde (OMS) logo por causas múltiplas seria muito apropria-
após sua criação. Assim, na sexta revisão da da nesses casos. É de se ressaltar, entretan-
Classificação Internacional de Doenças to, que isso também é verdadeiro no caso
(CID), de 1948, a primeira a ser proposta das doenças infecciosas, mesmo em crian-
pela OMS, foi apresentado um modelo de ças menores de 5 anos, o que foi comenta-
tabela para causas múltiplas e sugerida sua do, já em 1924 por Dublin e Van Buren5.
utilização 2. A Oitava Revisão da CID, de Estes autores fizeram referências às doen-
1965, refere-se às causas múltiplas de mor- ças infecciosas comentando que a análise
te, da seguinte maneira: “Foram apresen- da mortalidade por causas múltiplas seria
tados na Conferência trabalhos sobre a ne- um instrumental de grande auxílio para os
cessidade e os problemas da realização de profissionais da Saúde Pública devido à ri-
análise de causas múltiplas em grande es- queza de informações que contém. Isso
cala e a possibilidade de fazer estudos mais também ficou sobejamente mostrado por
modestos. A Conferência, embora assina- Puffer e Serrano6, na investigação interna-
lando a importância da causa básica de cional sobre mortalidade de crianças me-
morte para a apresentação de séries histó- nores de 5 anos.
ricas, reconheceu a necessidade de comple- Em nosso meio, o primeiro autor a dis-
mentar as estatísticas de causa única com a cutir e publicar sobre “causas múltiplas” foi
computação total das afecções notificadas Laurenti 7 que mostrou vários tipos de as-
no atestado médico da causa de morte e, sociações de doenças responsáveis pela
ainda mais importante, com a identificação morte, entre outros aspectos. É da sua pu-
das síndromes dos estados patológicos que, blicação, em 1973, a tabela que se segue
associados, causaram a morte 3. mostrando, como exemplo, o diabetes
Em um trabalho de 1956, “The Enigme mellitus como causa básica, como causa
of Cause of Death”4, o autor discute a ques- associada da morte e o total (causas múlti-
tão comentando ser falso admitir que a plas) em uma amostra de óbitos no muni-
morte seja o resultado de uma única causa cípio de São Paulo.
e que o próprio formato do atestado de óbi-

A elaboração de estatísticas de mortalidade Rev. Bras. Epidemiol.


Laurenti, R., Buchalla, C.M.
23 Vol. 3, Nº 1-3, 2000
Tabela - Diabetes mellitus como causa básica e não básica de morte e suas associações com
outras doenças em amostras de 1827 atestados de óbito ocorridos em hospitais do Município
de São Paulo, 1972.

Table - Diabetes mellitus as underlying cause and not as underlying cause of death and its
association with other diseases. Sample of 1827 deaths certificates, both sexes and all ages. Deaths in
hospitals, São Paulo municipality, 1972.

Diabetes C. básica (%) Não C. básica (%) Total (%)


Associações (n=36) (n=41) (n=77)
D. Infecciosas 19,4 19,5 19,6
Neop. Malignas - 4,9 2,6
D. Hipertensiva 22,2 43,9 33,7
D. Isquêmica Coração 27,7 34,1 31,1
D. Cerebrovasculares 36,1 48,8 42,8
Outras Doenças Sistema Geniturinário 19,4 26,8 23,7
Fonte/Source: Laurenti 7, 1973.

Os dados apresentados mostraram a im- epidemiologia, quer para planejamento e


portância de uma análise por múltiplas cau- administração em saúde, foi o estudo inter-
sas. O diabetes, doença associada a uma sé- nacional coordenado pela Organização
rie de outras patologias, apareceu não como Panamericana de Saúde e denominado “In-
causa básica, em 53,0% dos casos. Ainda que vestigação Inter-americana de Mortalidade
os eventos causadores da morte, e foram na Infância” 6. Nas “Highlights and Reco-
computados como a causa básica, fossem mendations” deste estudo está, entre outras
importantes, é de fundamental interesse em colocações, o seguinte: “Somente por meio
epidemiologia conhecer quantos deles fo- do estudo de múltiplas causas foi possível
ram conseqüência de diabetes. medir a magnitude de problemas de saúde
Entre outros tipos de associações, o em menores de 1 ano e em crianças de 1 a 4
mesmo estudo 7 mostrou que, quando uma anos. Análises das causas associadas de
doença hipertensiva era mencionada no morte, em adição às causas básicas, foram
atestado de óbito (em qualquer posição), necessárias para descobrir importantes re-
havia uma associação com diabetes em 13,1 lações, tais como a ação sinérgica de doen-
% dos casos, com doença isquêmica do co- ças infecciosas e deficiência nutricional, e
ração (29,3%), doença cerebrovascular os efeitos das complicações da gravidez e
(66,1%) e doenças arteriais (34,8%). do parto sobre os produtos da gestação”.
Outro estudo 8 que utilizou atestados de Respondendo à pergunta “Quais são as
óbitos de adultos de 15 a 74 anos de idade, aplicações dos dados sobre causas múlti-
no município de São Paulo, em um período plas”, Kochanek e Rosenberg9 expõem o
de 12 meses (1974/75), mostrou que a hi- que se segue:
pertensão arterial foi selecionada como a) descobrir possíveis associações de do-
causa básica da morte em 2,7% dos casos. enças que não são conhecidas clinica-
A análise por causas múltiplas mostrou que mente;
a freqüência da doença era de 30,0% dos b) oferecer informações sobre a natureza
casos, o que permite uma melhor análise das lesões (para causas externas);
por variáveis de interesse. c) examinar a variabilidade das práticas
Um dos melhores exemplos sobre o uso quanto ao preenchimento dos atestados
da metodologia de análise da mortalidade de óbito;
por causas múltiplas e da riqueza de infor- d) observações sobre maiores especifici-
mações que ela provê, quer para uso em dades do que normalmente é disponí-

Rev. Bras. Epidemiol. A elaboração de estatísticas de mortalidade


Vol. 3, Nº 1-3, 2000
24 Laurenti, R., Buchalla, C.M.
vel apenas com a causa básica. Exem- A importância de se conhecer quais as
plo: mortes por AIDS; doenças conseqüentes à causa básica resi-
e) conhecer a freqüência de importantes de na possibilidade de prevenção. Nem
condições que contribuem para a mor- sempre a causa básica da morte é uma do-
te e que muitas vezes não são ença ou evento fácil de ser prevenido, nes-
selecionadas como causa básica. Exem- se caso a prevenção pode se feita através de
plos: doença de Alzheimer, pneumonia, alguma causa associada. Como exemplo
diabetes e outras; pode-se citar o acidente de motocicleta
f) estabelecer a complexidade de condi- (causa básica) levando a fratura de crânio e
ções mórbidas que medem os riscos de ao coma (causas intervenientes). É mais fá-
mortalidade; cil prevenir a fratura de crânio, com o uso
g) observar certos perfís de ligação que de um capacete metálico, do que prevenir
podem ser comuns. Exemplo: diabetes o acidente propriamente dito.
com processos renais e infarto do Causas Condicionantes: São aquelas
miocárdio; que realmente iniciam a cadeia de eventos
h) usar dados de causas múltiplas em aná- que levam a morte (são as verdadeiras cau-
lises multivariadas, visando identificar sas básicas!), porém, pelas regras interna-
novos problemas médicos, como exem- cionais de codificação da causa básica, elas
plo: a AIDS foi identificada a partir de não são codificadas como tal. O exemplo
perfis de síndromes de doenças infec- mais conhecido é o da hipertensão arterial
ciosas que eram individualmente raras, ( a verdadeira causa básica) que pode levar
mas começaram a ser identificadas a um acidente vascular cerebral e ao coma
como ocorrendo juntas e eventualmen- (causas intervenientes); nesse caso, pela
te identificando um novo processo de aplicação das regras, dá-se preferência ao
base ou subjacente; acidente vascular cerebral como causa bá-
i) estimar vários tipos de modelos de ris- sica da morte.
cos competitivos. Ainda que não sejam as causas selecio-
nadas para as estatísticas, é importante que
Definições em causas múltiplas sejam conhecidas, pois sobre elas é que se
deve fazer a prevenção primária da morte.
Para se obter uniformidade internacio- Causas Contribuintes: São aquelas
nal na produção das estatísticas de morta- condições (doenças ou complicações) que
lidade por uma só causa foi definido o que não fazem parte da cadeia de eventos que,
é essa causa (causa básica de morte) e como a partir da causa básica, levam à morte. No
ela deve ser declarada pelo médico. atestado de óbito (quando bem declarado
Para que a elaboração de estatísticas de pelo médico) são as condições informadas
mortalidade por causas múltiplas sejam na Parte II.
comparáveis é preciso, também, que obe- Causas Associadas: São todas as con-
deçam às mesmas definições. Existem pro- dições informadas que não constituem nem
postas de definições que, entretanto, ainda causa básica, nem interveniente, condi-
não foram incorporadas na CID. Dessas cionante ou contributória.
propostas 10, 11 são apresentadas as defini-
ções abaixo: Guias, normas e regras para
Causas Intervenientes: São todas as codificar causas múltiplas
“complicações” ou “conseqüências” da
causa básica, ou seja, todas as doenças Além das definições é preciso que exis-
mencionadas e que são precipitadas pela tam guias, normas ou regras para que as
causa básica. Estas são declaradas nas li- causas múltiplas sejam codificadas.
nhas da Parte I do atestado de óbito, acima Da mesma maneira que há orientações,
da causa básica. algumas delas bem arbitrárias, para codifi-

A elaboração de estatísticas de mortalidade Rev. Bras. Epidemiol.


Laurenti, R., Buchalla, C.M.
25 Vol. 3, Nº 1-3, 2000
car a causa básica, o mesmo deveria existir Nesse caso existem quatro manifesta-
para a codificação das outras causas infor- ções de uma mesma doença (I21.9, I20.9,
madas no atestado de óbito. Entretanto, I25.1 e I25.2); se todas forem codificadas,
muitas vezes a codificação é feita não se le- isto levaria a uma super enumeração da do-
vando em conta a possibilidade de erros ou ença isquêmica do coração. De fato, supo-
má interpretação. Os exemplos de atesta- nha-se que existam 80 casos como este e,
dos de óbito, abaixo, explicam melhor o que se todos os diagnósticos fossem codifica-
pode ocorrer: dos, haveria 320 casos de doença isquêmica
Exemplo 1: do coração, o que não está correto.
I a) Choque hipovolêmico R57.1 Apenas esses três exemplos servem para
b) Hemorragia gástrica K92.2 mostrar, de maneira clara, que a elabora-
c) Cirrose hepática K74.6 ção de estatísticas de mortalidade por cau-
d) Alcoolismo crônico F10.2 sas múltiplas não consiste simplesmente
em codificar todos os diagnósticos informa-
Pelo Princípio Geral, a causa básica é o dos. São necessárias regras, normas e ori-
Alcoolismo Crônico (F10.2) que, entretan- entações, como as existentes para a seleção
to, por disposição da CID-10, no caso Re- e codificação da causa básica. Os “Centros
gra C, se associa com cirrose hepática Colaboradores da OMS Para a Classificação
(K74.6) e leva ao código K70.3: cirrose he- de Doenças”, entre os quais o “Centro Bra-
pática alcoólica. sileiro”, vêm trabalhando ativamente nes-
Havendo essa associação, o código K70.3 se sentido.
incorpora a cirrose hepática mais o alcoolis-
mo e este, para a produção de estatísticas de A produção de estatísticas de
causa múltipla, não precisaria ser codifica- mortalidade por causas múltiplas
do. Se isso ocorrer o alcoolismo estará sen-
do contado duas vezes (K70.3 e F10.2). Embora há muito tempo venham sen-
Exemplo 2: do feitos estudos nessa área, esses quase
I a) Broncopneumonia J18.9 que se limitam a estudos acadêmicos de-
b) Coma R40.2 senvolvidos por especialistas em estatísti-
c) Hemorragia meníngea I60.8 cas de mortalidade. Nunca houve e até hoje,
d) Arteriosclerose cerebral I67.2 praticamente, não existe produção rotinei-
ra de dados de causas múltiplas. Isso so-
Pelo Princípio Geral, a arteriosclerose mente se tornou possível com a introdução
cerebral I67.2 é a causa básica informada. e aplicação de automação.
Entretanto, por disposição da CID-10 (Re- Kochanek e Rosenberg 9 comentam a
gra C, associação), quando, em presença de ocorrência de uma mudança na produção
Hemorragia cerebral (I60.8), esta é que deve de estatísticas de mortalidade nacionais
ser a codificada. devido a intensa aplicação de automação,
É de se destacar, porém, que a arterios- sendo “o principal elemento desta mudan-
clerose cerebral (agora causa condicio- ça a saída da codificação somente da causa
nante) deve ser codificada, pois há interes- básica, para a codificação de todas as con-
se, quer clínico quer epidemiológico, em dições informadas no atestado de óbito e a
conhecer essa associação. introdução de um sistema automatizado
Exemplo 3: para determinar a causa básica entre todas
I a) Fibrilação ventricular I49.0 as condições codificadas. Esse novo siste-
b) Infarto agudo do miocárdio I21.9 ma foi denominado ACME, de “Automated
c) Angina pectoris I20.9 Classification of Medical Entities”.
d) Arteriosclerose coronária I25.1 Esse sistema foi implantado nos Estados
Unidos na década de 80 e, no Brasil, no es-
II Infarto antigo do miocárdio I25.2 tado de São Paulo, em 1983. Isso possibili-

Rev. Bras. Epidemiol. A elaboração de estatísticas de mortalidade


Vol. 3, Nº 1-3, 2000
26 Laurenti, R., Buchalla, C.M.
tou a produção de estatísticas por causas causas múltiplas como por causa básica, é
múltiplas, porém, ainda sujeita a imperfei- o preenchimento de maneira correta do
ções como as que foram mostradas nos três atestado de óbito pelos médicos. No caso
exemplos acima, visto não haver, em pleno de causas múltiplas é preciso que o médico
funcionamento, regras ou normas. É de se declare todas as causas, partindo da básica
destacar que, ainda que os bancos de da- e informando corretamente suas complica-
dos contenham todos os múltiplos códigos, ções até a causa terminal (causas inter-
não se produzem estatísticas por causas correntes). Deve também informar, sempre
múltiplas de forma rotineira. que possível, as causas contribuintes na
Atualmente estão sendo desenvolvidos Parte II. Caso isso não ocorra, é discutível o
“softwares” usados rotineiramente para se- valor das estatísticas de causas múltiplas.
lecionar a causa básica da morte e produzir Considerando que o uso do SCB tem sido
tabulações de todas as causas incluídas nos cada vez maior, o “Centro Brasileiro de Clas-
atestados de óbito. O “Centro Brasileiro de sificação de Doenças” está aumentando suas
Classificação de Doenças”, em parceria atividades educativas junto aos médicos, vi-
com o DATASUS, produziu um “software” sando o melhor preenchimento do atestado
chamado SCB (Seleção da Causa Básica) de óbito. Essas atividades são fundamentais
que possibilita selecionar a causa básica. O para a melhoria da qualidade estatística de
SCB, ainda em aperfeiçoamento, está sen- mortalidade e parece estar tendo resultado
do usado no país, e pode permitir a produ- positivo, em várias áreas do país.
ção de estatísticas de causas múltiplas, uma Mesmo sendo possível, atualmente,
vez estabelecidas certas normas e orienta- produzir estatísticas por causas múltiplas,
ções. O “National Center for Health o que se espera é que, em um futuro próxi-
Statistics” (NCHS), nos Estados Unidos, mo, sua qualidade seja boa. Isso possibili-
criou o “International Collaborative Effort tará o desenvolvimento de estudos
on Automating Mortality Statistics” que epidemiológicos e, principalmente, possi-
vem trabalhando intensamente nesse as- bilitará seu uso em planejamento e admi-
sunto12; o “Centro Brasileiro de Classifica- nistração em saúde. É necessário sair da
ção de Doenças” vem participando deste fase de estudos meramente acadêmicos
trabalho colaborativo. sobre estatísticas de mortalidade por cau-
Um aspecto importante na produção de sa múltipla, para um uso prático mais am-
estatísticas de mortalidade, quer seja por plo pelos profissionais de saúde pública.

Summary

Since John Graunt’s publication “Natu- mortality indicators, the best would be to
ral and Political Observations in a Following tabulate all the diseases and complications
Index and Made Upon the Bills of Mortality” presented at the moment of the death. Some
in 1662, only one cause has been attributed examples of association of causes are shown
to each death. Graunt himself made some in the paper demonstrating the possibility of
comments on “dying due to a disease” and their use in epidemiology and in health care
“dying with a disease”. The idea that a death management. Several papers have already
is not due to a single cause but to a group of been published in many countries on the
causes is widely accepted. Thus, the impor- multiple causes of death, including a wide
tance of obtaining tabulations by multiple range of approaches: concept, method of
causes lies on the fact that rarely a death is analysis, its use in epidemiology and health
due to only one disease. To have a picture of care management. Regarding the applica-
the health status of a population by using tion of multiple cause statistics the follow-

A elaboração de estatísticas de mortalidade Rev. Bras. Epidemiol.


Laurenti, R., Buchalla, C.M.
27 Vol. 3, Nº 1-3, 2000
ing is presented: · Uncovering possible dis- ease process, · Estimating various types of
ease associations that are not known clini- dependent competing risk models. The pro-
cally, · Supplying information on the nature duction of statistics according to multiple
of the injury (for external causes), · Examin- causes as a routine was only possible with
ing the variability in medical certification the introduction and application of automa-
practices, · Observing more specificity than tion. The first program that permitted to pro-
is normally available in the underlying cause duce these statistics was called ACME, for
of death, e.g. AIDS, · Observing the frequency Automated Classification of Medical Entities
of important conditions contributing to and it was utilized in the United States. In
death that are not as frequently selected as order to produce multiple cause statistics it
the underlying cause, e.g. Alzheimer’s, dia- is necessary to have very clear definitions of
betes, pneumonia, · Establishing the com- all the causes declared by the physician in
plexity of morbid conditions that contribute the death certificate, and not only the defi-
to levels of frailty and to mortality risk assess- nition of the underlying cause of death.
ment, · Observing profiles of conditions that There are proposals for definitions of what
tie together as common processes (diabetes would be called: intervening causes; condi-
to nephrites to myocardial infarction), · Us- tioning causes, contributory and associated
ing multiple cause data in types of multivari- causes. Guides for coding multiple causes
ate analyses to identify new medical prob- are also needed: how should the causes on
lems or conditions, e.g. AIDS was identified death certificates, other than the underlying
from profiles of infectious disease syn- cause be coded? Three examples of death
dromes that are individually rare but began certificates and the coding proposed of all
to be identified as occurring together and the causes declared are presented in this pa-
eventually identifying a new underlying dis- per.

Referências

1. Greenwood M. Medical statistics from Graunt to Farr. 8. Laurenti R. Epidemiologia da hipertensão arterial. In:
Cambridge: Universitary Press; 1948. Chiaverini R. Doença hipertensiva: diagnóstico,
etiopatogenia e tratamento. Rio de Janeiro: Livraria
2. Centers for Disease Control and Prevention, World Health Atheneu; 1980. p.65-87.
Organization. Manual of the International Statistical
Classification of Diseases, Injuries, and Causes of Death: 9. Kochanek KD, Rosenberg HM. Issues, considerations and
6th revision. Atlanta, Georgia: CDC/WHO; 1948. examples in the uses of multiple cause of death in United
States Government statistics. In: WHO Meeting of Heads
3. Organização Pan-Americana da Saúde. Manual da of Collaborating Centers for the Classification of
Classificação Estatística Intenacional de Doenças, Lesões Diseases; 1995; Canberra, Australia. Washington (DC) :
e Causas de Óbito. 8ª revisão. Washington (DC); 1969 WHO; 1995. (ESS/ICD/C/95.21).
(OPS - Publicação Científica, 190).
10. World Health Organization. A suggested methodology
4. Treolar A E. The enigme of cause of death. J Am Med for multiple causes. In: WHO Meeting of Heads of
Assoc 1956; 162:1376-9. Collaborating Centers for the Classification of Diseases;
1988; Uppsalla, Sweden. Washington (DC): WHO; 1988.
5. Dublin L I, Van Buren GH. Contributory causes of death: (DES/ICD/C/88.38).
their importance and suggestions for their classification.
Am J Public Health 1924; 14: 100-5. 11. Laurenti R. Multiple causes of death: proposals. In: WHO
Meeting of Heads of Collaborating Centers for
6. Puffer R R, Serrano CV. Patterns of mortality in childhood. Classification of Diseases. Washington (DC): WHO; 1993.
Washington (DC): Pan American Health Organization;
1973. (PAHO - Scientific Publication, 262). 12. US Department Health and Human Services, National
Center of Health Statistics, Center for Disease Control and
7. Laurenti R. Causas múltiplas de morte. [Tese de Livre- Prevention. Proceedings of the International Collaborative
Docência]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Effort on Automating Mortality Statistics. Washington
USP; 1973. (DC); 1999. (DHHS Publication Nº(PHS) 99-1252).

Rev. Bras. Epidemiol. A elaboração de estatísticas de mortalidade


Vol. 3, Nº 1-3, 2000
28 Laurenti, R., Buchalla, C.M.

Você também pode gostar