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02/09/2016 Contribuições da Psicologia Analítica à Psicologia e Psicoterapia Infantil

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Contribuições da Psicologia Analítica à Psicologia e Psicoterapia
Infantil
 

CONTRIBUTIONS THE PSYCHOLOGY ANALYTICAL TO PSYCHOLOGY AND
PSYCHOTHERAPY INFANT

Alessandro Caldonazzo Gomes

Psicólogo, Analista Junguiano, membro do Instituto de Psicologia Analítica de Campinas, da Associação
Junguiana do Brasil, filiada à International Association of Analytical Psychology.

Resumo

Este trabalho objetiva levantar as principais contribuições teóricas da Psicologia Analítica de Carl Gustav
Jung, além das idéias dos analistas Michel Fodham e Eric Neumann, para a psicologia infantil e para a
psicoterapia infantil de base analítica.

Psicologia Infantil, Psicoterapia Infantil, Psicologia Analítica, Psicanálise

Abstract

This work aims to raise the major theoretical contributions of Analytical Psychology of Carl Gustav Jung, in
addition to the ideas of analysts Michel Fodham and Eric Neumann, for the child psychology and
psychotherapy for the child of analytical basis.

Child Psychology, Child Psychotherapy, Analytical Psychology, Psychoanalysis

Introdução

Tem­se observado atualmente, uma grande demanda de crianças para a análise infantil. Para nós junguianos
tem sido uma aventura interessante, pois não dispomos de adequada instrumentação teórica construída pela
Psicologia Analítica específica para essa clientela. Os centros de formação de Psicologia Analítica pouco se

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dedicam a esse tema, além da escassez de analistas que trabalham e desenvolvem estudos sobre essa
demanda. Tal situação nos impõe diversos desafios, entre eles, a busca de estudos correlacionados com
outros saberes sobre a psicologia e psicoterapia infantil, e, o que é mais iminente, o desenvolvimento de
pesquisas que ampliem os conhecimentos para suprir essa demanda teórica e prática. Procurando dar tímidos
passos nesse sentido, procuramos desenvolver esse trabalho.2
Carl Gustav Jung desenvolveu a Psicologia Analítica que, além de ser uma psicologia muito bem aplicada ao
entendimento das profundas experiências do universo interior do indivíduo, é também um método
psicoterapêutico adequado para importantes conflitos da psique humana.
Jung dedicou suas pesquisas sobre o Processo de Individuação, contemplando a chamada segunda metade da
vida, não destacando aspectos do desenvolvimento infantil, nem mesmo, de psicoterapia infantil. No entanto,
a enorme abrangência dos conceitos de sua teoria tais como: os arquétipos, os tipos psicológicos, os
complexos psicológicos e sua profunda abordagem dos processos simbólicos manifestados pela psique,
proporcionam importantes fundamentos para a base de uma psicologia e psicoterapia infantil.
Michel Fordham foi o primeiro analista junguiano a se dedicar especificamente ao desenvolvimento e
aplicação dos conceitos da Psicologia Analítica voltados para a criança e de procedimentos de psicoterapia
infantil de base analítica. Eric Neumann foi outro analista junguiano que se dedicou à elaboração de uma
teoria de desenvolvimento infantil aliada a diversos símbolos mitológicos.
Ao longo desse texto procuraremos discorrer sucintamente sobre as contribuições desses importantes
psicólogos.

Contribuições da Psicologia Analítica à Psicologia e Psicoterapia Infantil
Ao desenvolver sua teoria sobre arquétipos, Jung formula­os como substratos da psique, ou seja, os
arquétipos seriam as possibilidades de experiências imagéticas herdadas.
Nesse ponto Jung toca num importante aspecto da psicologia infantil sem, no entanto, explorá­lo com maior
profundidade. Jung toca na questão das experiências sensoriais que, de forma predeterminada, produzem
imagens típicas. Estas idéias se referem inegavelmente a dois pontos: ao amadurecimento na infância e à
natureza dos processos inconscientes.
Jung (1984) refere:
“Nesse estado (estado infantil germinal) estão escondidas não só os indícios da vida adulta, como também
toda a herança que nos vem da série dos ancestrais e, são de extensão ilimitada.” (§ 97)
Entretanto, por razões que desconhecemos, Jung não se aprofundou nessa pesquisa. Podemos apenas
especular que, Jung estivesse mais comprometido com a pesquisa do processo de individuação na segunda
metade da vida. Talvez, pelo fato dele concordar em parte com a análise redutiva proposta por Freud. É como
se a Psicanálise tivesse ocupado exaustivamente da primeira metade da vida e, coubesse a Jung, a pesquisa
da segunda metade da vida.3
Ou como, refere Brian Feldman (2006), Jung teria tido passagens em sua própria infância que evidenciariam
pontos de dificuldades pessoais para desenvolver a Psicologia Analítica no âmbito da infância e
adolescência. Tais passagens se referem ao fato de Jung ter sido uma criança solitária, brincando
solitariamente na construção de prédios e torres e derrubando­os em seguida. Jung encenava batalhas e
bombardeios mostrando seu turbilhão interior. Outro ponto seria o futuro embate Jung com Freud no campo
da sexualidade, por Jung ter sido envolvido em marcantes experiências nessa fase da vida. Ele teria sido
assediado sexualmente por um amigo mais velho de seu pai, o qual muito venerava.
Além disso, Feldman levanta a hipótese de Jung ter sofrido de uma depressão infantil segundo informações
do Livro Memórias, Sonhos e Reflexões. Um indício disso seria o fato de Jung ter o costume de se retirar
para dentro de si mesmo, além de apresentar fantasias e comportamentos destrutivos, tais como: uma queda
de uma ponte, sendo salvo pela empregada da casa; uma queda do alto da escada, com uma cabeçada violenta
no fogão; preocupação com cadáveres, funerais e corpos afogados. Ressalto que estes são apenas indícios.
No entanto, essa experiência de depressão ou não, teria permitido a Jung, ter a segurança e integridade
necessárias para superar aquela fase em que ele é transbordado pelo inconsciente, logo após romper com
Freud. Um belo exemplo disso é quando Jung, ainda na infância, demonstra seu potencial criativo, criando e
esculpindo “O homenzinho”, o qual era guardado numa caixa especial, com um seixo do rio Reno. Era
mantido em segredo de todos, sendo guardado no proibido sótão da casa. Jung relata que pensava nele
quando algo de ruim lhe acontecia e escrevia­lhe agradáveis mensagens secretas em rolinhos de papel.
Uma outra possibilidade é o fato de Jung ter desenvolvido a Teoria dos Tipos Psicológicos, que poderia ser
perfeitamente aplicada à psicologia infantil. Essa idéia se agrega ao principio de que, seria suficiente
considerar a tipologia da criança para oferecer­lhe a espaço para a adequada adaptação de sua atitude
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(introversão ou extrovertida) e de suas funções (pensamento, sentimento, percepção e intuição),
considerando­se que os problemas infantis estariam vinculados ao amadurecimento do ego. Seria então, bem
melhor propiciar um bom ambiente para a criança, evitando­se os estímulos negativos para o seu pleno
desenvolvimento.
Uma terceira especulação seria, talvez, o fato de Jung ter desenvolvido a Teoria dos Complexos,
contemplando a psicopatologia da criança como resultado de sua identificação com os complexos parentais.
Essa parece ser uma das maiores contribuições de Jung para a Psicologia Infantil.
Conforme Jung nos apresenta no seu livro Desenvolvimento da Personalidade (1985a) quando aborda o tema
dos Conflitos da Alma Infantil, inicia a defesa da idéia de que o interesse sexual desempenha um papel causal
no processo da formação do pensamento infantil. (p.3)4A sexualidade infantil primordial já encerraria em si
tanto os rudimentos da atividade sexual futura como também, constitui a matriz em que germinam as funções
intelectuais superiores. Por isso Jung abomina o conceito freudiano de que a criança é, por natureza, perverso
polimorfa, mas trata­se apenas, de uma disposição natural polivalente. Portanto, é por meio da formação de
concepções intelectuais que a libido encontra o caminho livre e apto para o desenvolvimento. Quando o
conflito atinge certa intensidade, a falta de formação da concepção intelectual passa a atuar como
impedimento, repelindo de volta a libido para os rudimentos da sexualidade. É isto que constitui a causa
desses rudimentos ou germes serem desviados precocemente para um desenvolvimento anormal, formando­
se deste modo, uma neurose infantil.
Para Jung (1985a) apenas nos germes polivalentes infantis é que esse princípio conflui com a sexualidade
durante suas primeiras manifestações. A pretensão de reduzir o pensar a uma variedade do sexualismo
tacanho entra em conflito aberto com os princípios fundamentais da psicologia humana. (p.31)
Nesse mesmo texto, Jung traz o interessantíssimo exemplo de uma menina de 4 anos – Aninha. É importante
esclarecer que Jung não atendeu a criança, mas realizou sua análise através do relato do pai da criança,
através de cartas. Trata­se de um texto muito rico em detalhes que compensa uma leitura minuciosa. Aqui,
destacamos que Jung aborda vários pontos da temática infantil, que, como poderemos observar, são temas
também arquetípicos. A curiosidade de Aninha somada à perspicácia de Jung, fazem o relato percorrer por
temas como: a origem da vida; a morte; a reencarnação; a teoria da cegonha; a sublimação; o medo de
mistério; a natureza do parto; as leis de excreção; as diversas teorias da concepção; função da mãe e do pai na
origem da vida e etc. Conforme dito anteriormente, a temática sexual serviu apenas de instigadora de alguns
dos maiores mistérios da alma humana.
Ao final do texto Jung (p.31) faz algumas considerações importantes: · “Não sou partidário do 
esclarecimento sexual das crianças na escola, nem mesmo de qualquer esclarecimento generalizado e
indiscriminado; · É preciso que se tomem as crianças assim como elas são de verdade, e não como
gostaríamos que fossem; ∙ Se justamente a explicação fantasiosa ou mitológica, a preferida pela criança,
não seria por isso mesmo mais indicada do que a fornecida pela ciência natural. Estaúltima, apesar de
corresponder aos fatos reais, encerra em si a ameaça de fechar de modo definitivo as portas da fantasia; ∙
Que foi justamente a explanação franca, ainda que feita um tanto cedo, o agente capaz de descarregar a
fantasia infantil, impedindo que ela assumisse no tocante a essas coisas alguma atitude secreta e incorreta, o
que apenas teria sido um empecilho para o desenvolvimento espontâneo do pensamento; ∙ O fato de a
fantasia infantil ter conseguido suplantar a explicação correta, a mim parece ser uma advertência
importante no sentido de que o pensamento, em seu desenvolvimento espontâneo, tem uma necessidade
imperiosa de emancipar­se da realidade dos fatos e construir seu mundo próprio;”5
· · Ainda no livro Desenvolvimento da Personalidade (1985a), no texto Introdução à obra da francesa G.
Wickes Análise da alma infantil de 1931, Jung faz contribuições surpreendentes e muito profundas para a
Psicologia Infantil. Para Jung, a criança se encontra de tal modo ligada e unida à atitude psíquica dospais,
que a maioria das perturbações nervosas verificadas na infância tem sua origem em algum complexo na
atmosfera psíquica dos pais. A criança encontra­se em estado de "participação mística" com a psicologia dos
pais. A falta de consciência é que origina a indiferenciação. Portanto, as reações mais fortes das crianças
provêem do estado inconsciente dos pais e não de sua consciência.
Jung afirma que, o fator que atua psiquicamente de um modo mais intenso sobre a criança é a vida que os
pais ou antepassados não viveram. Essa parte da vida seria aquela que os pais poderiam ter vivido se não a
tivessem ocultado mediante subterfúgios mais ou menos gastos. É isto que abriga os germes mais virulentos.
Trata­se de uma culpa impessoal dos pais, pela qual o filho também deverá pagar de modo igualmente
impessoal. Na verdade, quase seria possível estabelecer a tese de que os verdadeiros geradores das crianças
não são seus pais, mas muito mais seus avós e bisavós, enfim, toda a sua árvore genealógica. É essa
ascendência genealógica que determina a individualidade da criança de maneira mais eficiente do que
propriamente os pais imediatos, que o são apenas de modo quase que fortuito. Por isso também a verdadeira
individualidade psíquica da criança é algo de novo em relação aos pais, e não pode ser deduzida da psique
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deles. Ela é uma combinação de fatores coletivos, os quais na psique dos pais se encontram apenas
potencialmente presentes, e em geral nem são observáveis. Pode­se supor aqui a dimensão da das projeções
não só pessoais dos pais na criança, bem como, projeções arquetípicas, conferindo substancial complexidade
a este relacionamento. Cabe ao analista ajudar aos pais a reconhecer tais projeções sobre a criança para
“despoluir” o relacionamento entre eles, menos contaminado pelo arquétipo da Sombra.
Por outro lado, os pais encontram­se com tais dimensões arquetípicas dentro de si mesmo, tornando o
trabalho do analista bastante abrangente e não menos complexo. Trata­se aqui, pois, dos últimos vestígios de
uma alma coletiva em desaparecimento, que repete os eternos conteúdos primordiais da alma da humanidade
dentro dos pais e da criança.6A imensidão pré­consciente da alma infantil desaparece ou continua a existir
com ela. Por isso os vestígios da alma infantil constituem no adulto tanto o que ele tem de melhor quanto o
que tem de pior. Em todo caso, são esses vestígios que formam o espírito diretor (spiritus rector) oculto de
nossos feitos ou fatos mais importantes, quer estejamos consciente disso ou não.
Esses arquétipos da alma coletiva, cujo poder se acham glorificados nas obras imortais da arte ou nas
ardentes profissões de fé das religiões, são também as potências que dominam a alma infantil pré­consciente
e, ao serem projetadas, conferem aos pais humanos um fascínio que muitas vezes atinge quase o infinito em
grandeza. Jung (1985a) complementa a noção da alma infantil com a idéia do desenvolvimento daquilo que
ele chama de Processo de Individuação.
“A individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser individual e, em especial, é o
desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser distinto do conjunto, da psicologia coletiva (...) Antes de
torná­la como objetivo, é preciso que tenha sido alcançada a finalidade educativa de adaptação ao mínimo
necessário de normas coletivas.” (§ 853)
Esse comentário de Jung incide diretamente num ponto de divergência de diversos teóricos sobre quando
realmente começa o Processo de Individuação. Para muitos, inclusive para o Jung, esse processo começaria
na segunda metade da vida, quando o indivíduo tem oportunidade de entre em franco contato com o Si­
mesmo. Para outros analistas, a individuação se iniciaria com a devida formação do ego, o que, aliás, é o que
sugere esse comentário de Jung. Como o todo o Processo de Individuação se dá no ego, este seria, então o
local, o vaso alquímico onde ocorre às devidas transformações psíquicas.

ALGUMAS CORRELAÇÕES ENTRE AS ABORDAGENS DE JUNG, KLEIN, WINNICOT E BION

Poderíamos dizer que algumas as contribuições de Jung para a psicologia e psicoterapia infantil têm
correlações sincronísticas com as pesquisas psicanalíticas de Mélanie Klein, Donald Winnicott e Wilfred
Bion.

JUNG E KLEIN
Tanto Jung quanto Klein investigaram as primeiras representações da vida mental das experiências
instintuais, que Jung denominou­as de imagens arquetípicas e, Klein as chamou de objetos parciais.
Ambos se referiam ao primeiro relacionamento do Si­mesmo com as representações internas das diferentes
capacidades operativas do cuidador.
Jung focalizou esse cuidador como os aspectos duais da mãe, enquanto Klein o tratava como “seio bom e
seio mau”. Jung, com suas investigações com adultos psicóticos e Klein com a criança préedipiana,
abordaram aspectos da psique que ainda não haviam chegado às etapas edipianas
 posteriores, destacando o aspecto bom (protetor, favorável e estimulante) e, ao mesmo tempo, o aspecto mau
(frustrante, agressivo ou limitado) da mesma pessoa podem ser simultaneamente mantidos na mente do bebê.
Jung denominava integração e síntese de opostos, enquanto Klein criou o termo objeto total para expressar
essa capacidade de manter simultaneamente a relação dessa ambivalência positiva ou negativa do cuidador e
de ter conhecimento de sentimentos ambivalentes em relação ao cuidador. Jung e Klein compreenderam que
as experiências surgidas por meio das estruturas inatas – arquétipos para Jung e partes do objeto para Klein –
são mediadas pelas experiências reais com o ambiente real, pela qualidade do cuidado e criação pela
disponibilização pelo cuidador.
Para Klein, o bebê precisa encontrar um modo de organizar suas percepções, quer de seu Si­mesmo ou de
seus cuidadores e de outras condições relacionadas através de estímulos bons ou maus. De certa forma, essa
linguagem não era estranha aos junguianos que estavam habituados aos estados mentais não integrados,
como aspectos cindidos do Simesmo. Klein entendia que as experiências da criança dos reais cuidadores
eram secundárias às concepções e experiências inatas que a criança tinha em relação àquele aspecto do
cuidador com o qual a criança estava relacionando­se instintivamente. Paralelamente, Jung entendia as
imagens arquetípicas como figuras personificadas inatas à psique, dando representação mental às
experiências instintuais carregadas de afeto.
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JUNG E WINNICOTT
A escola junguiana destacou a compatibilidade com a abordagem clínica de Winnicott do relacionamento
complexo e sensível entre bebê e a mãe, e entre paciente e analista. Winnicott denominou de a “terceira
área”, como aquela área de experiência que não é interna ou externa, e sim, um “espaço potencial”, uma
realidade compartilhada e significativa entre o bebê e a mãe. Tal espaço potencial parece ser um aspecto
fundamental no estabelecimento do relacionamento entre criança e analista, constituído de acolhimento,
proteção e criativo.
Para Winnicott, a qualidade da ilusão do bebê de que ele havia criado o seio porque o seio aparecia no
momento em que era imaginado – dependia da correspondência ambiental, a capacidade da mãe
“suficientemente boa” de responder às necessidades onipotentes de seu bebê. Na linguagem junguiana,
quando a potencialidade de experimentar a imagem arquetípica ocorre simultaneamente com a experiência
real do objeto real. Winnicott e Jung compartilhavam da visão teleológica da natureza humana, isto é, num
ambiente suficientemente bom, o bebê e a criança teriam todas as chances de desenvolver­se, crescer e ser
criativo, mesmo considerando as falhas e frustrações inevitáveis nas condições ambientais.
Estas observações provocam reflexões quanto à qualidade do espaço físico dos consultórios de psicologia até
a qualidade da atitude do analista. O entorno, ou, simbolicamente, a síntese sélfica das polaridades compostas
pela criança e pelo analista, são tão ou mais significativos que os objetos dispostos na sala.

JUNG E BION
Os trabalhos de Wilfred Bion despertaram certo interesse dos junguianos quanto às questões referentes a
intersubjetividade do paciente e analista, bem como os fundamentos do pensamento e geração de significado.
Assim como o trabalho de Jung com pacientes havia levado­o a formular a noção dos complexos autônomos,
o trabalho de Bion também com pacientes psicóticos, levou­o a criar uma teoria de objetos internos como
aspectos desprendidos do Si­mesmo que adquirem vida própria.
Por meio de um processo de contenção, mediante o qual o cuidador recebe os conteúdos mentais projetados
pelo bebê e adaptam­se a eles, esses elementos são disponibilizados para transformações adicionais.

TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA
Outro aspecto de profunda aproximação entre a escola analítica e a psicanálise infantil, são os conceitos da
transferência e contratransferência. A Psicanálise estava ligada à pesquisa das formas sutis e pré­verbais de
comunicação entre o bebê e a mãe, e nas respostas do analista às comunicações primitivas não­verbais do
paciente. Por meio das variações nos estados de empatia ou negatividade, de intimidade ou separação
em relação ao paciente, o psicanalista não poderia ser mais um espelho neutro apoiado pela técnica da
atenção flutuante. Passou­se considerar como técnica psicoterapêutica, a disponibilidade do analista para ser
afetado pelo paciente. A criança, com suas qualidades de transformação, de novidade e, portadora do
inusitado, muda os rumos da poderosa Psicanálise.
As informações clínicas despertadas por esse procedimento se tornaram valiosas para o desenvolvimento dos
temas da transferência e  contratransferência. Os analistas junguianos encontraram na teoria psicanalítica
infantil baseada na observação e na experiência clínica cuidadosa, aquilo que estava faltando na Psicologia
Analítica: um entendimento dos estados infantis da mente e como isto influencia o relacionamento analítico.9

QUANTO AO ANALISTA
Para Jung, o tipo de pessoa que o analista é, e não aquilo em que ele acredita, é que vai determinar a espécie
de espaço não qual os problemas e as tendências inconscientes e potenciais arquetípicos (tanto do analista
como do paciente) podem se desenvolver, interagir e chegar à experiência real;
O analista deve ser capaz de se conscientizar da natureza e do significado de suas projeções no analisando,
não devendo envolver­se nem distanciar­se completamente; Jung (1985b) comenta que:
Muitas vezes, o médico está na mesma posição que o alquimista que não sabia mais se estava fundindo o
misterioso amálgama no cadinho ou se ele era a salamandra incandescente no fogo. A indução psicológica
inevitavelmente faz com que os dois participantes se envolvam na transformação do terceiro (o arquétipo do
Self, curador e constelador) e transformem a si mesmos no processo; o tempo todo, o conhecimento do
médico, como lâmpada bruxuleante, é a única luz difusa na escuridão.
 Se considerarmos a práxis da psicoterapia infantil, onde a criança geralmente verbaliza muito menos que o
adulto, por suas reduzidas associações mentais, por sua vida cotidiana tem relativa importância como, ao
contrário, é muito significativa para o adulto, pela a manifestação da fantasia pela criança ser mais fluida do
que seu universo “real”, que a transferência se dá num âmbito bastante corporal, diria quase orgânico,
exigindo respostas contratransferenciais do analista também nesse nível, que os cuidados e percepção do o
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“entorno”, aquilo que Winnnicott chamou de “espaço potencial são altamente significativos, além da
necessária consideração das influências do inconsciente dos pais e antepassados sobre a criança, poderíamos
supor, levando em conta apenas com essas considerações aqui citadas, que o trabalho no analista infantil é
extremamente complexo e difícil. No entanto, o analista infantil precisa e deve contar com as intervenções do
próprio potencial curativo e criativo do inconsciente, revelando­se nele, atitudes de humildade e de muita fé
no processo psicoterapêutico, como nos lembra Jung no livro A

Pratica da Psicoterapia.
Uma consideração necessária e pertinente dessa relação da transferência e contratratranferência é o fato do
analista estar diante da criança. Jung dedicou um estudo especial sobre tema da criança no texto A Psicologia
do Arquétipo da Criança (2002), em  que ele refere: o “motivo da criança é o quadro para certas coisas que
esquecemos da própria infância” (§ 273)
Estar o analista com a criança é estar diante de alguns arquétipos aí vivenciados, poderíamos dizer
“corporificados”, tais como: o futuro em potencial; o dinamismo da transformação, a criança­divina; a
criança­herói; a criança abandonada; o mais forte impulso do Ser; a invencível força da realização; um
“símbolo­síntese” da união de um pai e uma mãe; o Trickster; a bissexualidade – o hermafrodita; o quatérnio,
formado pela criança, a mãe, o pai e o analista; o Puer, além de outros. 10 O analista pode estar recebendo
este material da criança através da transferência e, como ele “co­responde” contratransferencialmente a essas
realidades psíquicas? A atração exercida pelo arquétipo da criança divina seria preponderante na escolha
contratransferencial de certos analistas a virem trabalhar com crianças?

MICHEL FORDHAM
MICHEL FORDHAM, de formação junguiana, tem a primeira grande iniciativa de desenvolver e aplicar
algumas das idéias de Jung especificas a psicologia infantil. Ele demonstra que o processo de individuação
está em ação já no início da infância e que é uma característica essencial para o amadurecimento do
indivíduo. Fordham, em seu livro “A Criança como Indivíduo” (2002) propõe uma visão do Self, aplicada à
psicologia da criança, da qual se podem derivar os processos maturativos. Essa concepção não inclui a mãe
nem a família. Essa unidade, que Fordham denomina de Self
Primário, seria o responsável pela base da noção de identidade pessoal e da qual procede a individuação.
A partir disso, o objetivo ideal dos pais seria o de fomentar o amadurecimento do Self, de facilitar a sensação
de autoconfiança da criança em relação a eles, a seus irmãos e ao ambiente extrafamiliar. Em termos de
Psicoterapia Analítica, Fordham propõe que a análise implica na escuta
e na observação do paciente para descobrir que estruturas complexas lhe causam ansiedade e requerem
intervenção para alivio do sofrimento ou, se isso for impossível, ao menos compreendê­las. No entender do
Fordham, na psicoterapia infantil, a atitude mais adequada é a atitude analítica devido à intensa atividade dos
processos sintéticos. Assim ele enumera esses processos sintéticos:
1º­ a satisfação da criança em desenvolver novas habilidades físicas e emocionais;
2º­ a premência absoluta do crescimento, com base na reduzida estatura física e nos prazeres reais e
imaginários gozados pelos adultos em razão de seu tamanho;
3º­ os próprios processos inconscientes de amadurecimento (a imposição da
individuação/diferenciação/coagulatio).
Ao analista cabem diversas possibilidades de intervenções, tais como:
a) Perceber a situação no aqui e agora, entendendo que tal situação é fruto de uma transferência de outras
situações e, adequadamente explicá­las à criança;
b) Considerar a oportunidade e a gradação das revelações apresentadas;
c) Contratransferencialmente, o analista deve ter e usar o tato, a empatia, o seu saber, e muita intuição;
d) As interpretações analíticas exigem processos sintéticos. A associação de elementos inconscientes e
conscientes implica mudar defesas para que possam ter lugar novas e mais adequadas combinações. Quando
isso ocorre, o analista será levado a mostrar ao paciente o que aconteceu e a intervir verbalmente dessa e de
outras formas que não são analíticas (não apenas processos sintéticos);11
Fordham integrou os conceitos junguianos do Si­mesmo e da função prospectiva da psique à concepção do
desenvolvimento psique­soma do bebê e da criança, e, ao mesmo tempo, como isso tem uma influência direta
na compreensão do que acontece na clínica entre paciente e analista e dentro de cada um deles.
Também contribui com a elaboração do conceito de “de­integração”. Significa que o Si­mesmo “de­integra­
se” ou divide­se espontaneamente em partes. Cada parte é ativada pelo contato com o ambiente e,
posteriormente, reintegra a experiência por meio do sono, da reflexão ou de outra forma de digestão mental a
fim de se desenvolver e crescer. Isto quer dizer que, uma parte do Si­mesmo do bebê é energizada de dentro

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para lidar com uma situação externa, talvez porque esteja com fome ou porque o cuidado apareceu em seu
campo. Isso implica que a qualidade da experiência é reintegrada no Si­mesmo, com resultantes
modificações na estrutura e repertório do Simesmo, levando assim o desenvolvimento do ego, já que o ego é
o “de­integrado” mais importante do Si­mesmo.

ERICH NEUMANN
Um outro grande destaque da contribuição da Psicologia Analítica para a psicologia infantil, é trabalho
desenvolvido por Erich Neumann que já foi tema exaustivamente debatido e experenciado num simpósio
anterior a este. Em seu trabalho a “História da Origem da Consciência” (1995) Neumann faz uma esplêndida
e fascinante correlação entre a criação e o desenvolvimento da consciência com a mitologia. Ele se utiliza
temas míticos como o Uroboros, os mitos da Criação do Mundo, a Grande Mãe, A Separação dos Pais
Terrenos, o nascimento do herói, a Morte do Dragão, a Transformação e Deificação do Herói para o
entendimento mitológico da Psicologia Infantil.
 O mito do herói representa a própria evolução da consciência, portanto, fundamental na elucidação das bases
simbólicas do desenvolvimento infantil. É em seu livro “A Criança” (1995) que Neumann se debruça
profundamente e faz inestimável contribuição à psicologia infantil. Nesse trabalho, ele desenvolve profundo
estudo da constituição da relação primal Mãe­Fiho, isto é, a relação primal e o desenvolvimento da relação
ego­Self; e, também, discorre sobre as primeiras fases do desenvolvimento infantil, tais como, os estágios
Fálico­Ctônicos e Fálico­Mágicos; a Transcendência do Matriarcado pelo Ego Mágico­Guerreiro e pelo Ego
Solar, o Arquétipo do Pai. Realmente é um trabalho imperdível para o profundo conhecimento da psicologia
infantil.

Considerações Finais
Ao encerrar esse texto, gostaria de pontuar que o mesmo não tem a mínima pretensão de esgotar o assunto,
mas muito pelo contrário, tem o objetivo de lançar sementes para um maior desenvolvimento teórico e
prático da abordagem da Psicologia Analítica da Psicologia e Psicoterapia Infantil.
Como foi demonstrado, Jung deixou um legado teórico absolutamente aplicável à psicoterapia infantil. Suas
considerações sobre a importância de deixar fluir o desenvolvimento da criança livre e naturalmente, como
uma importante predisposição para uma futura saúde psíquica; a demonstração da relevância da projeção do
inconsciente dos pais sobre a psique da criança.
As correlações discorridas de forma muito sucinta nesse trabalho, entre algumas idéias de Jung e
importantíssimos teóricos da Psicologia Infantil, como Mèlanie Klein, Donald Winnicot e Wilfred Bion
mostram a profundidade de suas concepções da psique humana, já na tenra fase de construção e estruturação
da personalidade. As idéias da Psicologia Analítica sobre a psicologia infantil e sobre a psicoterapia infantil
têm o seu ápice nas obras de Fordhan e Neumann. Cada uma deles parece ter abordado a criança e seu
universo, a partir de pontos de vistas diferentes, diria mesmo, verdadeiramente opostos, mas
providencialmente complementares. Fordham aborda a criança com ênfase na díade psique/soma, enquanto
Neumann revela o desenvolvimento infantil a partir da mitologia altamente simbólica. Tais abordagens nos
colocam numa condição exigente de uma busca de um principio de síntese entre ambas, na abrangência da
Psicologia Analítica que entende a síntese como a soma do Um (tese) com o Dois (antítese) tendo o Terceiro
(síntese) que é muito mais do que a soma do Um e do Dois. Tem­se ainda que considerar a freqüente
utilização da técnica expressiva da Caixa de Areia na psicoterapia infantil e mesmo na psicoterapia familiar.
Este instrumento terapêutico tem se mostrado como um maravilhoso recurso de cura e de entendimento da
psicologia da criança. A técnica da Caixa de Areia tem sido importante fonte de pesquisas que envolvem
temas de desenvolvimento infantis associados a aspectos simbólicos e arquetípicos, o que não foi possível
abordar nesse texto para não se distanciar do foco proposto.
Encerro com essas inspiradoras palavras de Jung sobre o que tange esse universo da Psicologia da Criança.
Jung (2002) refere:
A criança nasce do útero do inconsciente, gerada no fundamento da natureza humana, ou melhor, da própria
natureza viva. É uma personificação de forças vivas, que vão além do alcance limitado da nossa consciência,
dos nossos caminhos e possibilidades desconhecidos pela consciência e sua unilateralidade. É uma inteireza
que abrange as profundidades da natureza. Ela representa o mais forte e inelutável impulso do ser, isto é, o
impulso de realizar­se a si mesmo. (§ 289)13

Referências bibliográficas

FELDMAN, Brian. A infância de Jung e sua influencia no Desenvolvimento da
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Psicologia Analítica. São Paulo; Cadernos Junguianos – AJB; 2006; vol. 2FORDHAN, M.

A Criança como Indivíduo. São Paulo: Cultrix; 2002
JUNG, C.G. Tipos Psicológicos. (CW VI) Petrópolis: Vozes; 1991_________

A Natureza da Psique. (CW VIII/2) Petrópolis: Vozes; 1984_________ Os Arquétipos e o Inconsciente
Coletivo. (CW IX/1) Cap. A Psicologia do
Arquétipo da Criança. Petrópolis: Vozes; 2002; 2ªed

_________ O Desenvolvimento da Personalidade. (CW XVIII) Petrópolis: Vozes; 1985a_________

A Prática da Psicoterapia. (CW XVI/1); Petrópolis: Vozes; 1985b
NEUMANN, E. A Criança. São Paulo: Cultrix; 1995__________

História da Origem da Consciência. São Paulo: Cultrix; 1995
YONG­EISENDRATH, P. & DAWSON, T. (org) Manual de Cambridge Para Estudos

Junguianos. Cap. 7 A escola desenvolvimentista. Hestes McFarland Solomon.
Porto Alegre: Artmed; 2002

WHITMONT, Edward C. A busca do símbolo. São Paulo: Cultrix; 2004; 7ª ed.

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