FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2016
MÁRCIA MARA RAMOS
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas
para obtenção do título de Mestra
em Educação, na área de
concentração de Educação.
Campinas
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
COMISSÃO JULGADORA:
2016
Dedico essa pesquisa às crianças Sem
Terrinha.
Ao MST, principal organização política que motivou e me fez enxergar a luta pelo
acesso à educação. Aos companheiros e companheiras do Setor de Educação Nacional,
da militância nos Estados onde o MST está organizado e, especialmente, às crianças
Sem Terrinha que proporcionaram a possibilidade de vivenciar uma organização que as
reconhece no seu tempo, como crianças lutadoras e construtoras de suas histórias.
Aos Sem Terrinha do MST, representados pela Iacia e Maria Luisa, crianças da
luta pela terra no Estado do Pará. A elas (as crianças), meu profundo amor e
agradecimentos. À militância de luta do MST/PA, Maria Raimunda, Isabel, Igor,
Charles, Deusamar, Mercedes, Ayala, Giselda, Suely, Clauco e Márcia. Pelo afeto,
carinho, acolhida e receptividade e que certamente sem vocês não seria possível realizar
a pesquisa.
Das Cantadeiras Ana Chã, Jade e Guê, Talita juntamente com as crianças Dora, Manu,
Chico, Luisa, numa ciranda improvisada, compartilhamos da música política, de
projetos e do prazer em animar a luta social.
INTRODUÇÃO______________________________________________________16
3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará -15 anos de jornada dos Sem Terrinha_
___________________________________________________________________144
3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e
2015_______________________________________________________________ 147
CONSIDERAÇÕES__________________________________________________185
REFÊRENCIAS _____________________________________________________192
ANEXOS___________________________________________________________ 199
INTRODUÇÃO
compõem um repertório da minha vida, por vezes esquecida, é um meio de dar sentido à
vida das pessoas através da sua própria história-memória. E, certamente, o grupo social
no qual participo se faz refletir sobre a minha atuação prática e sobre a necessidade da
construção de uma teoria, como resultado de um processo coletivo, para a educação e
formação da classe trabalhadora, me fazendo convicta da luta que temos na atualidade e
para a importância da coletivização do conhecimento .
Pesquisar a infância, através das Jornadas dos Sem Terrinha, é um desafio sobre
as minhas próprias motivações, como integrante do movimento popular. Essas
motivações provocaram, em mim, a vontade e a necessidade política em continuar
aprofundando os estudos sobre esse movimento infantil, existente há 21 anos e que vai
se tornando uma organização com referência política das crianças Sem Terra no Brasil.
Os estudos do Mestrado provocaram, em mim, o exercício de pensar para além das
crianças do MST, buscando compreender a relação que o capitalismo estabelece com as
crianças da classe trabalhadora, através da pedagogia do capital, e de sua influência na
formação dessas crianças. Entendo que os elementos da formação das crianças Sem
Terra e as ações contra-hegemônicas que vêm sendo realizadas historicamente no MST
constituem contribuição fundamental para a organização dos trabalhadores do campo e,
em especial, para crianças que são inseridas nos processos organizativos e, também, do
protagonismo da história da luta pela terra.
nas Jornadas dos Sem Terrinha das diferentes áreas de assentamentos e acampamentos,
bem como entrevistas semiestruturadas com os educadores das escolas e do setor de
educação no estado do Pará. A retomada histórica das Jornadas dos Sem Terrinha no
MST, desde a origem da identidade política e da construção de uma frente de crianças
que fazem a luta contra-hegemônica nos acampamentos e nos assentamentos do MST
no Brasil. Com o recorte na pesquisa participante dos últimos dois anos (2014 e 2015,
num período de quarenta dias), presenciei, participei e observei os processos de
organização dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, no Estado do Pará, e a
formação da educação política das crianças Sem Terrinha.
Para o aprofundamento e análise da pesquisa, trabalhamos com as referencias
dos documentos do MST; de Roseli Salete Caldart, para a contextualização da
educação do MST; O Jornal Sem Terra como fonte documental e como marco de um
processo inicial da Mobilização Infantil no MST; dos estudos de Moisey M.Pistrak e
Viktor N. Shulgin sobre os processos da pedagogia socialista na união Soviética; Para
responder à questão da pedagogia do capital: como ela vem disputando a formação de
crianças, jovens e adultos do campo e da cidade através da educação e de projetos
culturais? Esse processo exigiu uma contextualização do papel da educação no Brasil;
das leituras e pesquisas importantes sobre o agronegócio como “palavra política” e a
sua inserção no campo brasileiro, da ABAG, da VALE, bem como de pesquisas nos
próprios sites dessas empresas e outras. Debruçar sobre o assunto e sobre essas fontes
foi fundamental para entender melhor a “disputa dos filhos da classe trabalhadora”
pela pedagogia do capital. Os estudos de Regina Bruna sobre o agronegócio; de
Rodrigo Lamosa sobre o programa Agronegócio na escola; da Roberta Traspadine
sobre os projetos educativos do agronegócio nas escolas; da Maria Luisa Mendonça,
com os estudos da origem do agronegócio; de Neil Postman sobre o “desaparecimento
da infância” na década de 1970 nos Estados Unidos; Sobre o lugar da infância na luta
pela terra e a questão agrária, os autores Paulo Alentejano, João Pedro Stedile,
Fernando Michelloti, Haroldo de Souza, Leonilde S. de Medeiros e Guilherme
Delgado apontaram elementos fundamentais para entender a questão agrária no Brasil;
de Mari Del Priori, trazendo a história das crianças no Brasil e de José de Sousa
Martins, com os estudos das crianças da luta pela terra, filhas de posseiros e pequenos
agricultores na região amazônica na década de 1970 e Deise Arenhart nos estudos das
crianças da luta pela terra no MST.
20
A escolha do tema infância da luta pela terra tem a ver com meu percurso
histórico e dos sujeitos da pesquisa, pois o foco nas crianças do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está relacionado à minha trajetória de vida e ao
meu processo de formação. Desde minha adolescência, vivenciei a vida num
acampamento e, depois, num assentamento, tendo a oportunidade de iniciar minha
militância, como educadora, trabalhando com a organização das crianças Sem Terra da
Regional Sudoeste Paulista, através do Setor de Educação, contribuindo na organização
das crianças do assentamento da Agrovila III, na preparação do I Congresso Estadual
Infantojuvenil do Estado de São Paulo.1 Minha trajetória e a vivência da infância no
campo, como a de milhares de crianças privadas dos seus direitos, da negação do acesso
à terra e do direito de estudar, foram dois fatores impactantes na minha vida. Eles
marcaram minha relação com o acampamento e o assentamento, bem como o processo
de formação na militância do MST, espaço que forjou, em mim, a convicção do direito
de lutar e se enraizar na luta pela terra e na organização das crianças dos assentamentos
e acampamentos através da educação e cultura.
Há, também, uma relação com o processo de estudo, com o aprofundamento da
discussão sobre a infância do campo, tendo presente que o lugar da infância no sistema
capitalista foi demarcado, historicamente, pela relação entre trabalho e capital. Nesta
relação, educação pensada e ofertada para os filhos da classe trabalhadora,
intencionalmente, estabelece uma relação de dominação e hegemonia da ideologia
burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e competitivos.
A escolha em realizar a pesquisa na Região Sudeste Paraense está relacionada
ao processo de luta permanente e resistência do MST no enfrentamento às empresas do
agronegócio, como a mineradora Vale, as ações frequentes da pistotolagem e das ações
contra-hegemônica que o MST tem proporcionado desde as escolas e as intervenções
em outros espaços da luta pela terra.
A pesquisa de campo foi realizada no Estado do Pará, com base na análise do
trabalho das escolas dos assentamentos e acampamentos do MST, como também na
observação da Jornada Estadual dos Sem Terrinha. O MST, no Pará, tem provocado o
conjunto do MST, através do Setor de Educação, a refletir sobre o lugar da infância no
1
Este Congresso fortaleceu nacionalmente a origem e identidade ao nome Sem Terrinha no MST. Ver
referência nos documentos: Capítulo 3 da Dissertação. Monografia “Sem Terrinha Semente de
Esperança” IEJC/RS (1999) e Dicionário da Educação do Campo “A infância do campo” (2012).
21
A pesquisa com criança, no caso específico da luta pela terra, nos mostra que
juntamente com os seus familiares, ela enfrenta o latifúndio da terra, as empresas do
agronegócio e que vem se tornando um grande problema na disputa pelo território do
campo. Nos estudos de Martins, no final da década de 1970, em pesquisa na região
Amazônica com crianças filhas da luta pela terra de posseiros e trabalhadores
deslocados para reforma agrária no Mato Grosso, o autor destaca a importância do
projeto de pesquisa para a memória histórica sobre as “crianças sem infância”, com o
objetivo de proporcionar uma pesquisa que revelasse o “que é ser criança no mundo
subdesenvolvido”, embora a realidade dessas crianças, filhas de posseiros e pequenos
agricultores, na sua subjetividade não aparentasse uma necessidade de pesquisa. Mas ele
25
destaca a importância em estudar e pesquisar a infância e como ela vai sendo suprimida
da história:
Para Martins (1991), são elencados dois pontos importantes para a pesquisa: o da
história oral e da história documental. Ele considera que dificilmente o historiador
considere a primeira tão importante quanto a segunda. E, com isso, ficam evidentes que
os documentos são registros importantes, mas que determina uma linguagem e um
tempo da vida que certamente não contempla a infância. A escolha feita em retratar em
seu processo o “que é a supressão da infância na periferia do mundo moderno
desenvolvido e abastado” aponta como problema social uma multidão de crianças
convertidas no exército de reserva, mão de obra excedente para a reprodução do capital
(MARTINS, 1991, p. 12). Essa pesquisa nos chama atenção pelo sentido da dedicação e
atenção dada pelo pesquisador para com essa frente etária:
2
Os estudos de Neil Postman - O desaparecimento da Infância; Mary Del Priori - História das crianças
no Brasil. José de Souza Martins - O Massacre dos Inocentes. A criança Sem Infância no Brasil.
27
Os homens que nos século XVII e XVIII haviam trabalhado para criar
a máquina a vapor não suspeitavam de que estavam criando um
instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de subverter as
condições sociais em todo mundo e que, sobretudo na Europa, ao
concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda
propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar
primeiro o domínio social e político à burguesia e depois provocar a
luta de classes entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode
terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os
antagonismos de classe. (MARX, 2013, p. 27).
4
"Fiscalização resgatou 936 pessoas de trabalho escravo no Brasil em 2015".
Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2015/12/29/fiscalizacao-resgatou-936-pessoas-de-trabalho-
escravo-no-brasil-em-2015/Acesso em: 07/01/2016 às 12h50.
36
a ideia de que o Movimento exerce uma relação de violência sobre as crianças ao levá-
las para a ocupação da Terra, colocando-as no conflito e sob “doutrinação”. Outro
exemplo de violação aos direitos humanos encontra-se expresso nos depoimento de
Gorgen5 para o MST, em sua participação na primeira ocupação em 1981:
Distância marcada pelo tempo e tão próxima da realidade social que não alterou
a forma de exploração. A infância marcada pelo contexto da ditadura civil militar, em
meio à repressão e violência que aterrorizam o seu grupo social, teimosamente
questionam a estrutura fundiária do país através de sua luta. Para o Frei Sergio Gorgen,
que participou em uma das primeiras ocupações de terra no sul do país, a Encruzilhada
Natalino, em Ronda Alta, período de muita tensão no acampamento, as famílias
acampadas expressavam, em seus olhares, certo medo e incertezas pelo período
estabelecido pela ordem do Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando do
Presidente-ditador João Batista Figueiredo, com o comando da operação local, o coronel
Sebastião Rodrigues de Moura o “temido coronel Curió”.6
5
Ver em anexo: Prefácio completo do Livro Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST.
Depoimento do Frei Sergio Gorgen na visita ao acampamento - Encruzilhada Natalino, na década de
1980.
6
Militar responsável pela repressão da Guerrilha do Araguaia com uma “política clara de extermínio da
ditadura militar”. No início da década de 1980, Curió foi mandado pelo governo militar para a região de
Serra Pelada, a fim de comandar a exploração de ouro na região, que naquele momento já contava com
cerca de 30 mil garimpeiros. Nessa mesma época, o regime o enviou para comandar a repressão a um
acampamento de famílias sem terra na Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, repressão que
fracassou. O acampamento foi um dos que deu origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). Curió ajudou a fundar uma cidade no sul do Pará, Curionópolis, da qual já foi prefeito.
Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/major-curio/ Acesso em:
11/01/2015, as 16h30.
37
A infância forjada na luta pela terra, desde o seu nascimento, vai conviver com o
conflito da luta gerado pela contradição inerente ao sistema capitalista, como também
vai se realizar como criança com a conquista que a luta coletiva, historicamente, foi
forjando. A música presente como elemento subversivo na luta é para todas as idades,
incluso, as crianças, ela (a música) ousa “romper o silêncio” nos momentos de maior
coflitualidade como afirma Gorgen. E, por isso, as músicas, as palavras de ordem, a
poesia estão sempre presentes e fortalecendo a luta. As crianças que participam da luta
dos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, vinculadas ao MST, possuem
infâncias particulares, forjadas nas condições concretas de vida, no imaginário coletivo
e na cultura de seu grupo social. Presentes em todas as fases da luta pela terra, em busca
de uma vida digna, as crianças, no MST, vão sendo compreendidas como protagonistas
e construtoras, junto com adultos. Elas produzem uma representação diferente através
da sua intervenção na história da luta pela terra e o MST. E, por essa razão, participam
de toda vida construída nesse ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências
e conquistas.
Outra expressão da luta de classes e no momento atual e conjuntural no Brasil,
em 2016, que se faz bem expressivo, são as disputas no campo brasileiro documentadas
38
Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade, tão bem conservada
nesses anos, seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da
escória humana. São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria,
terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós
não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de
covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer
o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser
exterminados. Vai doer, mas para grandes doenças, fortes são os
remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa
bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só assim daremos
exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para
desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo.
[...] Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza,
à noite, 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o
acampamento de lona dos ratos. Sempre haverá uma vela acesa para
terminar o serviço e liquidar com todos eles. Se tu, gabrielense amigo,
és proprietário de terras ao lado do acampamento, usa qualquer
remédio de banhar gado na água que eles usam para beber, rato
envenenado bebe mais água ainda. Se tu, gabrielense amigo,
possuis uma arma de caça calibre 22, atira de dentro do carro
contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo
mesmo há 1.200 metros de distância. [...] FIM AOS RATOS. VIVA
O POVO GABRIELENSE (grifos nossos).
7
Nota distribuída para a população de São Gabriel em 2003. Disponível em:
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2003/06/256696.shtml Acesso em: 13/01/2016 às 14h30
39
8
O contato com as crianças foram nos acampamento e assentamentos, nos Encontros Estaduais dos Sem
Terrinha de 2014 e 1015. A escolha em identificá-los com nome de frutas foi no sentido de trazer presente
a diversidade da produção frutífera da região amazônica, como também preservar as crianças de outras
violações.
40
Embora sabendo que, mesmo com a terra conquistada a luta não se esgota, as
famílias se propõem a lutar para obter um “futuro melhor para os seus filhos”, com a
certeza de que a luta coletiva obtém resultados para os interesses comuns. Este é o
horizonte que, nessas três décadas, tem colocado em marcha um movimento popular
que questiona a concentração de terras, a propriedade privada e o Estado. As duas
9
Disponível em: http://www.social.org.br/relatorios/relatorio002.htm. Acesso em: 2/2/16 às 12h.
41
décadas iniciais do século XXI têm um caminho direcionado para o avanço do capital,
na produção de mercadorias com baixo custo, tornando o campo brasileiro lugar
principal para o desenvolvimento da agricultura de mercado. A disputa pela infância
da classe trabalhadora tem desafiado o MST a fazer ações concretas contra-
hegemônicas às investidas da pedagogia do capital, na formação da infância Sem Terra
que vive no campo.
CAPÍTULO I
10
Cartaz do I ENERA em 1997, com o lema que até os dias de hoje é referência para o MST. Foto das
crianças do Acampamento 17 de abril na primeira colheita de arroz, um ano após o Massacre de Eldorado
dos Carajás.
11
Poeta educador e principal pensador da educação cubana.
44
12
O Programa de Reforma Agrária Popular do MST (Programa Agrário) foi elaborado a partir dos
debates nos assentamentos e acampamentos, coletivos estaduais, regionais, nacionais do MST, e aprovado
em 2013, na Coordenação Nacional, e no VI Congresso de 2014. É um documento de orientação coletiva
para o próximo período de atuação do MST.
45
13
No ano de 1984, em Cascavel (PR), o MST realizou o 1° Encontro Nacional que definiu o I Congresso
Nacional do MST, de 29 a 31 de janeiro de 1985. “O Movimento teve a clareza política de que era
necessário ser uma organização autônoma a partidos e governos. O I Congresso de 1985 é um marco
histórico do MST. Demos uma nova característica à luta pela terra. Saímos de lá convictos de que
teríamos que partir para as ocupações, e construímos o lema “Terra para quem nela trabalha” e
“Ocupação é a Única Solução”. Informação do site do MST. www.mst.org.br
47
eram de três meses, outros de seis meses. Então, a gente começou esse
intercâmbio mais efetivo para estudar, para conhecer as
cooperativas, pra conhecer a revolução como um todo, o que é o
socialismo. Também nós tivemos gente que foi para a escola da
juventude, das mulheres e para a escola do partido. Então, eu estive
lá, por exemplo, de 1988 a 1989, na escola do partido - Escola Nico
Lopes. No mesmo período, esteve lá outros representantes do
Movimento Sem Terra. Primeiro, a Lucia Betovato, fomos juntos
inclusive, mas depois ela foi para escola das mulheres. Depois, a
Fátima Ribeiro também esteve naquele período, a Gorete esteve na
escola da juventude, o Gilmar Mauro [também] esteve na escola da
juventude.
Então, antes da educação, nós fomos muito mais lá pela
necessidade de organizar os assentamentos e, por isso, digamos que o
embrionário de tudo, por isso as CPAs, que nós fizemos aqui é a
mesma sigla de lá, é o trabalho da formação política foi o principal.
Efetivamente, nós bebemos a formação, claro que organizou o
processo já antes, já fazíamos cursos aqui, mas o acúmulo que tinha
lá, e também a gente, nesse tempo que ficou lá, a gente era
incentivado a fazer charlas bilaterais com organizações de partidos
ou de sindicatos de diferentes países. Eu lembro que eu organizei
conversações, mas pelo menos com umas 15 organizações de outros
países. Então, a gente bebia na experiência de Cuba e também nas
experiências dos países latino-americanos. (KOLLING14, 2015).
14
Edgar Kolling, da Coordenação Nacional do setor de educação do MST e fundador do Setor de
Educação no MST, entrevista cedida em 16 de novembro de 2015.
48
Com vistas a dar respostas às situações de luta pela Reforma Agrária, na década
de 1990, a principal forma de organização do MST são os Núcleos de Base (NB) 15, pois
proporcionam a organização das famílias, o debate das questões principais do coletivo
da família, bem como da conjuntura política, social e econômica. Nesse mesmo período,
o MST constitui seus diferentes setores16 para dar conta de um conjunto de demandas
dos acampamentos e assentamentos. Os setores garantem a estrutura organizativa do
MST e são espaços constituídos desde o acampamento e assentamento para contribuir
de forma coletiva com o conjunto de tarefas que surgem na ocupação da terra, nos
assentamentos e na relação com a sociedade. A estrutura organizava do MST foi
gestado com a intencionalidade de afirmar a importância e a possibilidade da
organização do processo coletivo e da reforma agrária para a democratização da terra.
Em 2015, o MST17 está organizado em 24 Estados, nas cinco regiões do país.
São mais de 350 mil famílias assentadas, 120 mil famílias acampadas morando debaixo
de barracos de lona preta ou palha nos acampamentos espalhados em diferentes Estados
do Brasil.
Nesse percurso histórico da existência do MST e do seu processo de
organização, as crianças também estão evolvidas, embora não estejam organizadas em
setores ou coletivos, é certamente uma frente de um coletivo infantil que vem se
destacando nos Estados, justamente por essa forma organizativa, proposta pelo MST, na
qual elas se reconhecem e são protagonistas do processo da luta pela terra no
Movimento.
15
O Núcleo de Base (NB) é uma instância de base, no MST, e todos os seus membros dos acampamentos
e assentamentos devem estar nucleados. O seu funcionamento orgânico se baseia na participação de um
homem e uma mulher na coordenação; ter o estudo como elemento formador; participar todas as famílias;
ter uma composição de 10 a 15 famílias, envolvendo representação dos setores; O Núcleo deverá ser um
espaço de discussões sobre as preocupações e questões que afetam tanto as famílias, como o conjunto do
MST. (Normas gerais do MST – texto interno).
16
Informação do www.mst.org.br - Os setores estão organizados: Frente de Massas; Produção,
Cooperação e Meio Ambiente; Educação; Comunicação; Gênero; Direitos Humanos; Saúde; Coletivo de
Juventude; Cultura; Relações Internacionais; Finanças e Projetos;
17
Disponível em: www.mst.org.br. Acesso em: 10/07/2015 às 17horas.
49
18
O MST na organização do Setor de Educação, e a base de construção da concepção de educação, teve
como referência o livro de Pistrak – Fundamentos da Escola do Trabalho. O pensamento de Anton
Makarenko e educação popular em Paulo Freire.
50
19
Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo.
51
21
A nova escola socialista foi defendida N. K. Krupskaya na Deliberação da Escola Única do trabalho,
que na afirmação de Freitas (2009) é preciso diferenciar a palavra “comuna” da palavra “colônia”, pois
a colônia é uma denominação que existe antes do processo revolucionário de 1917. (FREITAS, 2009).
22
Comissariado Nacional da Educação, cuja abreviatura é NarKomPros. (FREITAS, 2009).
53
(...) as crianças sabem que na sua quadra falta uma dúzia de torneiras.
Escreveram um protocolo. Foram para o Conselho. Insistiram para ser
recebidas, ouvidas, insistiram para que as torneiras fossem entregues.
Isso foi na última primavera e, no verão, o Conselho cumpriu sua
promessa – as torneiras foram entregues. E os pioneiros marcham de
lenços vermelhos e sabem que essa é a sua tarefa, que isso eles
conseguiram, mas a obra é comum (SHULGIN, 2013, p.119).
23
Período de transição entre o capitalismo e comunismo, no qual ainda há divisão de classes, porém a
direção geral da sociedade é exercida pelo conjunto dos trabalhadores, a fim de eliminar os privilégios das
classes anteriormente dominantes, antes da revolução.
24
O Movimento de Pioneiros na União Soviética, composto por crianças e ligados ao Partido Comunista
ingressam no início da escola primária e continuam no Movimento até a adolescência, momento em que
podem se filiar à Juventude do Partido. A simbologia do Movimento é o lenço vermelho amarrado no
pescoço.
54
25
Os Círculos Infantis cubanos são espaços para o desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida.
Existe há mais de 50 anos. E o projeto “educa a tú hijo” foi desenvolvido para a população das regiões
rurais para garantir o acesso das famílias que vivem distantes e com o sucesso do programa, foi estendido
para a cidade. E Cuba tem em torno de 1.130 Círculos Infantis, atendendo mais de 154 mil crianças de
55
representados pela Ciranda Infantil, e a Organização dos Pioneiros José Martí (OPJM)26
que representa as mobilizações e Jornadas dos Sem Terrinha, no Brasil. Esses processos
formativos e educativos cubanos da sociedade contribuíram para organização das
crianças Sem Terra no MST. Vale salientar que a diferença entre a experiência cubana e
a do MST tem um processo de luta que as diferencia. Uma, a cubana, está ligada à
tomada de poder do Estado na perspectiva socialista e a outra, do MST, movimento
popular e político, vivendo nos limites de uma sociedade antagônica.
A experiência cubana de sociedade, por conta do bloqueio e das influências
capitalistas, tem apresentado muitas contradições. Para o MST, Cuba é referência de um
povo que fez a revolução e conviveu até 2014 com “bloqueios”27, com o
conservadorismo racista imposto pelo capitalismo estadunidense e, no entanto, é um
país que, com o pouco que tem, oferece inúmeros exemplos ao mundo de projeto social
e de suas prioridades em relação à educação, à saúde e à solidariedade internacional
entre os povos. Tem a simbologia de uma sociedade comprometida com o projeto
internacionalista. A educação cubana e a organização dos Pioneiros é uma das
referências para a organização das crianças do MST.
Outras inspirações28 são tomadas através das crianças do campo na América
Latina, junto às organizações e movimentos populares na luta pela terra e pela reforma
32
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-03/sancionada-lei-que-dificulta-
fechamento-de-escolas-rurais-e-quilombolas acesso as 19:38 Acesso em: 23 de julho de 2014.
58
A concepção de educação do MST foi forjada no seio da luta social pelos seus
sujeitos através das ocupações da terra, nas marchas, nas reivindicações por créditos,
educação, saúde, na construção dos assentamentos, na luta contra a criminalização dos
movimentos populares. A contradição com o capital surge da luta contra a propriedade
privada pela ocupação, desta decorre a necessidade concreta de fazer a luta contra a
escola burguesa, que nega espaço às crianças Sem Terra de acampamentos do MST
Nasce de uma necessidade coletiva, da negação da educação conservadora e apoiado às
bases teórico-metodológico da pedagogia socialista, da educação popular e, assim, a
Pedagogia do Movimento vai sendo gestada:
33
Roseli Salete Caldart, educadora militante do MST. Intelectual que defende a tese da Pedagogia do
Movimento Sem Terra.
60
34
O encontro Nacional de professores, realizado em julho de 1987 em São Mateus, Estados do Espírito
Santo, formalizou a criação do setor de educação no MST. Para saber mais, ver em Dicionário da
educação do Campo 2012, MST e Educação.
61
O Setor de Educação, com base na estrutura organizativa do MST, que está no momento
de fortalecimento do trabalho organizativo, elege matrizes que irão orientar os
assentamentos já conquistados, as ocupações de terra, os setores do movimento. Na
projeção da formação humana, as matrizes do trabalho socialmente útil que se propõe
em transformar as mentalidade da classe trabalhadora do campo, na relação campo e
cidade e na forma de organizada a vida do movimento nos acampamentos e
assentamento; da luta social como um princípio e alicerce da luta política que não se
encerra na conquista da luta, mas tem como horizonte a organização da luta coletiva
para as conquistas dos direitos sociais no campo e da supressão da concentração
fundiária; da cultura que é para além das expressões artística que o MST estimula em
sua base social, mas de uma interpretação da cultura como práxis social; da
história/memória como elemento importante na participação enquanto sujeito
construtor, responsável pelo destino da coletividade.
Os principais objetivos de orientação: a luta pela terra, a luta pela reforma
agrária e a luta pela transformação social (socialismo). As matrizes formadoras da
educação do MST, alicerçada aos objetivos gerais do MST, tem duas compreensões
como horizonte e trabalho educativo e formativo: a “Educação de classe e Educação
35
É instância nacional composta por representantes da militância da educação dos Estados, que são
indicadas pelas direções estaduais.
62
36
Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária que se realizou em Luziania/GO
– 1997. (Boletim da Educação n° 12 - 2014).
37
A Ciranda Infantil do V Congresso do MST (2007), homenageou o educador Paulo Freire. Desde então,
a Ciranda Nacional das diferentes atividades nacionais chama-se Paulo Freire.
63
38
No caso dos acampamentos, a escola é chamada de Itinerante e os professores, principalmente dos anos
iniciais são do próprio acampamento. Ou seja, eles vivem no acampamento e concebem todo o processo
de luta juntamente com as crianças, jovens e adultos. A Escola Itinerante foi uma conquista que iniciou no
Rio Grande do Sul, em 1996, e, atualmente, a referência principal, no MST, está localizado no Estado do
Paraná.
65
A Infância, frente que no início era chamada de Educação Infantil, pois atendia
crianças de 0 a 6 anos de idade nas Cirandas Infantis39, ganha mais força a partir de
2007, com a realização do V Congresso do MST, em qual se organiza Escola e Ciranda
Infantil Paulo Freire, com mais de mil crianças de 0 a 12 anos. A frente organiza a
Ciranda Infantil nas diferentes atividades do MST: marchas, ocupações em órgãos
públicos, encontros, reuniões etc. A Ciranda Infantil foi um espaço construído para
garantir, inicialmente, a ampliação da participação da mulher na luta, no estudo e no
trabalho e, junto a esse processo, a Ciranda se torna um espaço principalmente da
criança que vai pra luta juntamente com sua mãe. Mas, recentemente, a frente têm
colocado como desafio refletir e repensar os espaços Escola, Creche, Centros de
Educação Infantil dos assentamentos do MST.
Também contribuiu na organização das jornadas dos Sem Terrinha, atividade
considerada tarefa do conjunto do MST, que desde 1994 vem organizando as
mobilizações. Outras ações da frente dizem respeito às publicações de comunicação
infantil que tem a intencionalidade de chegar até as escolas e outros espaços educativos
e de ser um material orientado para as crianças do MST.
A Formação de Educadores não é uma frente específica no MST, pois as três
frentes citadas acima, justamente pela necessidade de ter educadores comprometidos
com a educação dos filhos da classe trabalhadora, fazem a formação geral e específica
do coletivo de educadores. É neste processo que hoje muitas das escolas do MST têm
uma prática educativa, pelo processo de formação que foi feito ao longo dos 31 anos do
Movimento. Desde a criação do Magistério (nível médio), do curso de Pedagogia da
Terra (graduação), das formações de EJA – da infância – das escolas, dos cursos de pós-
graduação (especialização). Esses cursos de formação, em sua maioria são realizados
por meio de parcerias com as universidades públicas. Só foi possível a sua realização,
no caso dos cursos formais, através da luta e da conquista dos movimentos sociais do
campo com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA.40
Reafirmando, no contexto atual, a relação internacionalista do MST na
educação, no início de 2016, uma brigada nove educadores, representando quatro
39
Para saber mais sobre esse assunto, ver “Educação Infantil. Movimento da vida, dança do aprender”.
Caderno de Educação n°12; ROSSETTO, Edna Araújo. Essa Ciranda não é Minha só, ela é de todos
nós: A educação das crianças Sem Terrinha no MST; Dicionário da educação do campo. As Cirandas
Infantis no MST;
40
O PRONERA foi criado “através das lutas dos Movimentos populares do campo”, em 1998, em defesa
de uma educação contra-hegemônica.
66
Para nós, foi uma experiência muito rica, desde a chegada em Cuba
até os processos vivenciados, lá. Pelo fato de a gente estar em um
país com o sistema socialista, já nos deixa totalmente atentos a tudo.
Pelo País ter passado por um processo de revolução, ele também está
passando por um processo de mudanças e isso faz toda diferença.
Primeira impressão é choque, ao mesmo tempo (a gente já sabia),
mas vendo com os olhos é diferente, Cuba tem uma educação pública,
gratuita e de qualidade pra todos, não tem exceção, todos podem ter
acesso; segundo, todos podem ter uma saúde de qualidade, nenhum
analfabeto pelas ruas nos encontramos, porque Cuba, após o
primeiro triunfo da revolução, depois de 1959, fez a grande
campanha de alfabetização. Isso já deixa a gente muito
impressionada, com muita gana de vivenciar mais. Os 15 dias que
ficamos em Cuba não foi suficiente para saber como que funcionam
todos os detalhes do sistema educacional, teria que ficar mais três
meses. (CARVALHO, 2016).
41
Elisangela Carvalho é do Setor de Educação do MST e da Coordenação Nacional do MST pelo Rio de
Janeiro.
67
E, por isso, a criança não está fora desse processo produtivo e educativo do
MST. Desde o surgimento do Movimento, ela participa da luta. Ao pertencer à luta pela
terra com a sua família, a criança passa a colocar, no horizonte, a terra como lugar de
produção e vivência-morada, permitindo que se identifique e se reconheça nesse
território ocupado. Os Sem Terrinha42 participam e contribuem com o processo
organizativo das famílias acampadas ou assentadas desde o seu espaço educativo
infantil até o espaço do conjunto do acampamento e assentamento.
42
Sem Terrinha é o nome pelo qual elas se reconhecem como identidade política e que, em 1996, no
Encontro Estadual Infantojuvenil de São Paulo, cujo lema fez referência à identificação do nome.
“Reforma Agrária, Uma luta de todos e dos Sem Terrinha também”. Mais informações no terceiro
capítulo.
68
humanistas que a idade da razão propagada por sua ideologia, mas que
não as condições objetivas de vivê-lo (ARENHART, 2007, p.44).
43
Nome utilizado pelos camponeses e camponesas da Via Campesina como identidade de um projeto da
classe trabalhadora, o qual se diferencia do projeto da agricultura de negócio oferecida pelo sistema
capitalista.
69
44
Marcha Nacional de Goiânia a Brasília, algumas crianças apareceram com hematomas na Ciranda
Infantil, provocando um profundo debate nacional sobre a infância no MST. Esse aspecto fez com que o
MST produzisse o Caderno de Trabalho de Base n°1 (2011) para o debate com a sua base social, sobre a
infância.
70
b) Ciranda Infantil
A partir da experiência dos Círculos Infantis cubanos, na década de 1990, o
Movimento pauta a construção de espaço educativo para as crianças pequenas, que em
1997 vai se chamar Ciranda Infantil, com a ação realizada no I Encontro Nacional dos
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA). 45
45
Em 2015, foi realizado o II ENERA em Luziânia/GO. A Ciranda Infantil Paulo Freire comemorou 18
anos de existência no MST.
71
educadores para o trabalho com as crianças, nos Centros de Formação nos Estados, nas
cooperativas nos Coletivos de Mulheres, no Instituto de Educação Josué de Castro e na
Escola Nacional Florestan Fernandes. A Ciranda Infantil Itinerante se realiza nos
espaços de reuniões locais, estaduais e nacionais, congressos, encontros, marchas e
outros, de caráter pontual.
46
Luana Pommé, do Coletivo nacional de Educação no Estado de Alagoas.
47
Informação obtida na visita a Buenos Aires, em 2010, e conversações com educadores do Movimento
Campesino em 2014 e 2015.
74
48
Esse tópico teve como referência meu trabalho monográfico do curso de Especialização em Trabalho,
Educação e Movimentos Sociais (2013), intitulado A significação da Infância em documentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na qual realizamos um levantamento da produção do
MST relacionadas à infância.
75
49
Informação obtida por meio de conversa com o Coordenador do Setor de Educação Nacional, Edgar
Kolling, São Paulo, 22 de março de 2013.
76
50
O Jornal das Crianças Sem Terrinha, por ter uma linguagem acessível, em alguns acampamentos vem
sendo trabalhado na formação, como também para contar a história do MST de forma mais objetiva para
as visitas internacionais que passam pela secretaria nacional.
77
todos e todas que vivem no campo”; ter todos os Direitos Sociais “previdenciário, e
trabalhistas garantidos”, o “combate à alienação”, “condições digna e jornadas
adequadas” “combate ao trabalho escravo e expropriação de todas as fazendas e
empresas que fazem uso dessa prática” e combater todas as formas de violência contra
as mulheres e as crianças”; e, as Condições de vida para todos e todas, “o campo deve
se constituir num local bom de viver, onde as pessoas tenham direitos, oportunidades e
condições de vida digna”. (MST, 2014, p.35-36-37).
A prática educativa desenvolvida pelo MST, no contexto do trabalho de
formação com as crianças Sem Terra, vinculadas à luta pela terra, desde a origem do
MST, tem a presença da luta internacionalista, de uma pedagogia em construção e
movimento que forja no seu processo educativo a realidade concreta da vida das
crianças que vão ocupando espaços que foram construídos como alternativas de
resistência à pedagogia burguesa. A disputa da educação política da infância, filha da
classe trabalhadora do campo, materializada na Pedagogia do Movimento, e, nesse
percurso, se apresenta como uma necessidade de luta permanente que vem sendo
demarcado na proposta educativa do MST.
79
CAPÍTULO 2
A educação que a burguesia vem pensando para os filhos da classe trabalhadora através
das ações políticas, sociais, culturais e econômicas na relação capital e trabalho, até os
dias hoje, tem como intencionalidade estabelecer um meio de dominação e hegemonia
da ideologia burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e
competitivos. Tais características demarcam um intenso processo de despolitização, de
desmobilização social e perda da concepção da luta de classes.
A educação burguesa destinada para a classe trabalhadora nos remete a refletir:
- O que é ser criança, filha da classe trabalhadora, hoje, no Brasil?
- Que lugar está reservado para a sua formação humana? Em qual projeto social
ela está inserida?
- Qual o papel que as instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos
filhos da classe trabalhadora do campo, para as crianças que estão no campo, que não
estão isoladas da realidade social, embora as condições básicas sejam as mais precárias?
- E, nesse contexto, como os trabalhadores e trabalhadoras, em especial os do
campo vinculado ao MST, têm enfrentado as contradições na atualidade em relação à
exploração infantil e à cultura da fetichização da infância?
- Como a pedagogia do capital está tendo abertura para fazer a formação
ideológico-pedagógica no campo?
- De que forma ela chega e se disseminar pela educação básica brasileira?
Nesse capítulo, iremos refletir de que maneira o projeto de educação dominante,
no Brasil, tem incidido na formação das crianças da classe trabalhadora, em particular
as que vivem no campo. Com surpreendente efeito, da fusão da educação com os meios
de comunicação e cultura industrial, como que a criança na última década foi se
tornando uma frente consumidora importante para o capital.
53
São dois movimentos que surgem na Primeira República - 1889 a 1930. Período de expansão de
lavouras cafeeiras, redes telegráficas e transição de Império para República. Eles surgem em função das
ideias liberais e do novo regime político republicano. O Movimento denominado por Nagle (1974), de
“Entusiasmo pela educação”, tem um caráter quantitativo com a ideia de expansão da rede escolar e
desalfabetização. O movimento “Otimismo pedagógico” tem um caráter qualitativo de melhorias das
condições didáticas e pedagógicas da rede escolar. Esses dois movimentos têm base nas ideias liberais,
“cuja base é a extensão universal” de controle do Estado e a educação é como “instrumento político de
82
54
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
55
Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?t=abandono-escolar&vcodigo=M15
Acesso em 09/12/2015 as 9h54.
56
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego criado em 2011 pelo Governo Federal.
57
Fazem parte do Sistema S: O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do
Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
(Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional
de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).
87
todo, tem tido, como resposta a essa forma de democracia, a violência da força militar,
mantida pelo Estado, determinado pelo poder dominante burguês.
58
Disponível em: Portal Brasil –http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/07/agricultura-
familiar-precisa-aumentar-vendas-e-se-organizar-melhor-diz-secretario Acesso em: 07/12/2015 às 13h.
88
grande contradição está exposta no campo brasileiro diante das relações entre trabalho e
capital.
As desigualdades são visíveis, são duas estruturas claras, porém desiguais. O
projeto da classe dominante detém a força de trabalho, os meios de produção com
grandes e potentes maquinários para a produção de monocultura e a terra, em grande
quantidade, como propriedade privada. Por outro lado, a classe trabalhadora detém a
força de trabalho e a possibilidade de mobilização com organização contrária à
exploração do trabalho. E a pequena agricultura, produzida pelos povos do campo, não
tem uma política agrícola que atenda à demanda dos agricultores, não tem uma
produção com seguro, nem sempre tem a terra e muito menos maquinário para o
trabalho nas lavouras. A produção está voltada para a cultura de grãos, hortaliças,
frutíferas e pequenos animais, que é o básico da alimentação brasileira e, junto a isso, a
dificuldade de mobilização e organização social dos trabalhadores do campo, no sentido
da luta pelos seus direitos.
A compreensão de que a educação não está desassociada do contexto histórico,
social e econômico de uma sociedade, e que ela faz parte do projeto social é
fundamental para compreendê-la em sua totalidade. A educação, como instrumento de
poder ideológico dominante, desde a colonização, vem formando uma concepção de
indivíduos e de mundo para manutenção da sociedade do capital. No campo, é
necessário compreender o lugar da educação dos trabalhadores, a ideologia dominante,
representada atualmente pelo agronegócio, que, para Chã & Villas Bôas,
59
Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/07/01/grandes-grupos-economicos-estao-ditando-a-
formacao-de-criancas-e-jovens-brasileiros.html Acesso em: 06 de julho de 2015.
90
60
I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agráriarealizado, em 1997, na UNB em Brasília.
61
O Manifesto foi elaborado durante os encontros regionais e estaduais em preparação ao II ENERA. Os
debates da conjuntura educacional brasileira proporcionaram reflexões e proposições para o próximo
período. O Manifesto foi aprovado no II Encontro Nacional dos educadores da Reforma Agrária em
Luziânia Goiás, 2015. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/10/01/educadores-da-reforma-agraria-
lancam-manifesto-pela-educacao-durante-o-2-enera.html
92
62
estudantes. O Projeto de reorganização das escolas , que não se restringe somente a
São Paulo, tem a intervenção do empresariado na “educação pública” e que para
garantir a implementação do projeto, acionou a força policial para combater com
violências aqueles e aquelas que só querem o direito de ter acesso à escola pública,
perto do local onde vivem. Em 2016, em pleno processo de luta da classe trabalhadora
contra o golpe fascista brasileiro, estudante da rede estadual do Estado do Rio de
Janeiro, iniciam no mês de março ocupações nas escolas estaduais que, segundo a
ANDES63, “o objetivo é reivindicar as eleição diretas para a direção, a extinção do
Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj), maior carga
horária para filosofia e sociologia, volta de porteiros e inspetores, pagamento sem atraso
dos professores, máximo de 35 alunos por salas de aula, passe livre no transporte
coletivo, melhor infraestrutura, ensino de qualidade, entre outros”. São mais de 45
escolas ocupadas no Estado do Rio de Janeiro e que no relato dos estudantes na plenária
das escolas ocupadas, segundo eles, estão sendo criminalizados pelas direções das
escolas e pela Secretaria de Estado da Educação com ameaças de perseguições, e
incentivos de conflito dos estudantes que não se aderiam à ocupação, como também da
violência policias.
A educação é um instrumento importante para a classe trabalhadora e as
conquistas que ocorreram até os dias de hoje, como os diretos trabalhistas, o acesso à
educação pública, entre outros direitos conquistados no Brasil, só foram efetivados pela
luta permanente da classe. A lógica do capital tem apresentado com mais visibilidade na
precarização do trabalho e das estruturas das escolas públicas, das universidades e dos
programas de aligeiramento para a formação técnica. As lutas que se destacam, nesse
período, apontam a necessidade das mudanças estruturais e, de certa forma, politiza e
coloca em questão a educação burguesa no país, o produtivismo e lucro para o capital.
62
A Reorganização das escolas é projeto que tem como referência as reformas da educação no
EUA e que no Brasil se revelou fortemente no Estado de São Paulo. No Estado de Goiás, a
secretária de Educação afirma que os empresários por ter estudado administração de empresas e
economia, “entendem mais de administração do que nós educadores”, e o projeto é chamado de
OSPs (Organizações Sociais Privadas), são empresas que irão atuar na gestão dos colégios
públicos. http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/12/1716663- as 10:50h. Mais
informações sobre o assunto, ver blog; http://avaliacaoeducacional.com/author/freitaslc/
63
Sindicado Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino superior – ANDES. Disponível em:
http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8074 acesso em: 17/04/2016
94
64
Outras pesquisas tem se apresentado sobre a educação do campo. A diferenciação aqui está relacionada
ao pensando de um movimento do campo que pensa e luta coletivamente pela educação de sua Base
social. O qual se diferencia de outras organizações do campo que somente depois da inauguração da
Articulação Nacional da Educação do Campo é que são provocados em pensar a educação.
95
brasileiras nas diferentes situações da luta pela terra no Brasil. Ambos os pesquisadores
destacam a criança sem infância e as mazelas das relações que sofrem suas famílias
através da exploração do trabalho, nas condições das ausências dos direitos sociais
básicos e do tempo das crianças sendo ocupado pelo tempo adulto.
Para Martins (1991, p.15), “Multidões de imaturos estão tendo sua idade adulta
convocada antecipadamente, de modo que o tempo de ser criança está sendo ocupado
amplamente pelo tempo do adulto, do trabalho, da exploração, da violência”. Os estudos
de Del Priori (2008) indicam que, desde a colonização brasileira, as crianças são
exploradas através do trabalho infantil.
para todos, o trabalho era considerado a “melhor escola” para as crianças órfãs. Explica
Del Priori (2008, p 10), “O trabalho [explica uma mãe pobre] é uma distração para a
criança. Se não estiverem trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A
criança dever trabalhar cedo”.
O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, relaciona-se com o
espaço social destinado à sua família no mundo do trabalho. A relação da infância com
o trabalho na fábrica, na gênese do capitalismo, como apontam os estudos de Lombardi
(2010), apresenta as rigorosidades da disciplina, os maus tratos, as regras, a brutalidade
e a violência estabelecida, como marcas profundas na formação da infância no
capitalismo.
Essa realidade fez com que as ruas de São Paulo se tornassem cenário de muitas
histórias de suas moradoras crianças e ativos personagens da cidade, resultado de
“abandono, aludiam à mendicância, à delinquência e à criminalidade, esmolando,
roubando, agredindo-se mutuamente...” (MOURA, 2008, p. 274) Uma realidade atual
que tem marcas profundas do processo histórico, em sua forma mais perversa do capital,
de exploração do trabalho que resulta na pobreza da maioria da população brasileira.
Lombardi (2010) ressalta o lugar destinado às crianças pequenas no processo de
modernização que, por interesse do capital, criou espaço no qual foi também uma
reivindicação das mulheres operárias e feministas, na luta por um lugar onde pudessem
deixar os filhos no período do trabalho e se sentirem mais seguras,
.
[...] o cuidado com a infância nada mais fez que propiciar
espaços para que as famílias trabalhadoras pudessem deixar seus
filhos supostamente protegidos e cuidados em suas necessidades
fundamentais, biológicas, psicológicas, e sociais, liberando pais
e mães para o trabalho. (LOMBARDI. 2013. p. 10).
crianças, adolescentes e jovens nas escolas públicas como também, de certa forma,
envolvem suas famílias no processo de convencimento do seu projeto de agricultura de
mercado. Essa formação lança mão de diversas estratégias: tem estimulado a produção
da arte, no incentivo de concurso de poesias e desenhos sobre o agronegócio; da
comunicação de massas e da indústria cultural produzindo filmes da Disney que
reafirmam interesses ideológicos da produção da monocultura e do uso do agrotóxico,
como também das produções de desenhos animados no fortalecimento do agricultor
como “herói”, incentivando o uso de equipamentos individuais para a aplicação de
agrotóxicos e das parcerias estabelecidas com as secretarias municipais e estaduais na
discussão do “meio ambiente” para crianças das escolas públicas do campo e da cidade.
Por um lado, temos a educação que a burguesia projeta para os filhos da classe
trabalhadora, por meio da educação pública que é hegemônica; por outro lado, existe a
luta histórica dos trabalhadores da educação, da luta por educação do campo que são
contrários à mercantilização da educação e dos projetos que estão sendo implementados,
na direção de dominação. Ambas presentes na realidade atual disputam a formação das
crianças e jovens.
65
Em pesquisas recentes, Regina Bruno (2010) considera o agronegócio como
palavra política, e que se reafirmar como uma expressão de união, de sucesso e de
riqueza. União entre o “rural e urbano”, representando um grande salto no processo da
dívida histórica com o meio rural. (BRUNO, 2010, p.3). Do lado “de dentro da
porteira” com a grande produção de monoculturas, e “do lado de fora da porteira” é o
agronegócio entrando por todas as partes da cadeia industrial.
66
Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/pronaf-20142015-fecha-com-r-239-
bilh%C3%B5es-contratados-para-custeio-e-investimento-na Acesso em 10/12/2015, as 13:42h
67
Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/agricultores-familiares-j%C3%A1-podem-
acessar-cr%C3%A9dito-do-plano-safra-20152016 Acesso em: 10/12/2015, às 13h51
104
68
ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio.
105
69
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v22n83/a11v22n83.pdf Acesso em: 13 de junho de
2015.
106
70
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/5842 Acesso em: 09 de jun de 2015.
108
71
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/5842 Acesso em: 9 de jun de 2015.
110
72
Disponível em: http://www.abagrp.org.br/acao-agronegocio-na-escola.php Acesso em: 11 de junho de
2015.
111
Essa relação do mercado vale também para o uso da roupa entre crianças e
adultos e “em nossa situação atual, os valores e estilos da criança e dos adultos tendem
a se fundir” (Postman, 1999). Essa fusão é explícita nas lojas de roupas brasileiras, nos
hábitos alimentares – alimentação aligeirada e as campanhas publicitárias. O que está
em pauta é a forma com que as crianças aparecem nesses espaços representando e
reproduzindo a forma adulta.
Este processo pode ser observado não só nas roupas, mas também nos
hábitos alimentares. A refeição ligeira e de má qualidade, antes só
apreciada pelos paladares menos exigentes e pelo estômago de
avestruz do jovem, é agora a alimentação comum entre os adultos. Isto
pode ser inferido dos comerciais do McDonald’s e do Burger King,
que não fazem distinção de idade nas suas campanhas publicitárias.
Pode ser observado também diretamente. Basta ver a proporção de
crianças e adultos que frequentam tais lugares. Ao que parecem
adultos consomem pelo menos tanta comida ruim quanto as crianças.
(POSTMAN, 1999, p. 143)
Nascida nos Estados Unidos, Barbie foi durante décadas a boneca mais
vendida no planeta. Dona de um fã clube de mais de 18 milhões de
colecionadores pelo mundo todo, exemplo de beleza para mulheres que
tentaram reproduzir seu rosto com cirurgias plásticas, ela completou meio
século de existência com direito a desfile de moda em Nova York, exposição
em museu suíço e sem nenhuma marca do tempo – com os mesmos cabelos
longos, lisos e loiros e olhos de estrela. Boneca, que não envelhece nas
prateleiras, atravessou cinco décadas imbatível, com um sorriso no rosto e
influenciando meninas do mundo inteiro com valores materialistas e ideais
de beleza inatingíveis. E, agora, mais uma vez, se reinventou com o
lançamento da versão Hello Barbie, a primeira da linha que fala e responde
às perguntas das crianças. (PEREIRA, 2015).
73
Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/barbie-brinquedo-tirano/ Acesso em: 27 de janeiro de
2015.
74
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/sites/default/files/BDF_555.pdf Acesso em: 11 de
junho de 2015.
114
75
Dados da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos.
http://www.contraosagrotoxicos.org/index.php/noticias/40-campanha/572-manifestacoes-pelo-pais-
marcarao-dia-mundial-de-luta-contra-os-agrotoxicos
76
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qHQdWwZcGlg. Acesso em: 12 de junho de 2015.
115
77
Disponível em: https://vimeoss.com/67753165 Acesso em: 11/06/2015
78
Empresa que atua a mais de 200 anos e está represtada em de 90 países.
79
Super Máster é um desenho animado no qual o menino personagem do desenho faz referência, quando
chega ao campo do agronegócio e diz que o Super Máster pode resolver todos os problemas do mundo.
116
CAPÍTULO 3
INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM FORMAÇÃO
CONTRA-HEGEMÔNICA
80
Fragmento do Manifesto dos Sem Terrinha à sociedade brasileira. Brasília, 10 a 14 de fevereiro de
2014, VI Congresso Nacional do MST.
118
Este capítulo tem por objetivo contextualizar a criança na luta pela terra e as
mobilizações infantis que a proporcionaram visibilidade, presença na luta e
protagonismo na construção da identidade Sem Terrinha. Ao escolher a pesquisa sobre
as crianças do MST no Estado do Pará, levamos em conta alguns aspectos considerados
fundamentais no contexto da luta pela terra. Certamente nos demais Estados onde o
MST está organizado, a presença da criança é significativa, mas, nesse caso da luta pela
terra no Pará, a particularidade da região amazônica está marcada por elementos
fundamentais, como a resistência dos posseiros, a Guerrilha do Araguaia, a chegada do
MST - que provocou outra forma organizativa na luta-, além da repressão, da violência,
do massacre, presentes neste contexto. Destacamos as dimensões que essa prática
educativa tem na educação política das crianças e como ela tem provocado o MST, em
nível nacional, a pensar em várias questões, inclusive o Encontro Nacional dos Sem
Terrinha.
bem vistos pela elite atual, porque defendem uma sociedade na qual todas as pessoas
tenham direito de viver dignamente, o que não se enquadra na lógica hegemônica.
A condição da criança é (re)significada a partir de uma perspectiva de resistência
e de presença na luta. Estes dois elementos são fundamentais para compreender a
infância no contexto da luta pela terra. No caso do MST, a terra, em seu significado de
luta, é a possibilidade para a reprodução da existência humana. E, nesse lugar, a criança
não está fora, ela faz parte e também constrói significado para a luta pela terra, ao
mesmo tempo em que é constituída por ele.
E naqueles lugares onde o MST ainda não tinha (ou não tem) acesso à
escola, as iniciativas de trabalho pedagógico paralelo ou
complementar ao tempo escolar acabaram gestando uma nova frente,
ainda conhecida no Movimento como mobilizações infantojuvenis.
[...] Uma das atividades que deu forma específica a essa nova frente
de ação do setor foi a comemoração alternativa do dia da criança,
através dos encontros regionais e estaduais de Sem Terrinha em que é
trabalhada a dimensão cultural da combinação das identidades: ser
criança e ser Sem Terra. Primeiro encontro desse tipo que o MST tem
registro foi em 1994, no Rio Grande do Sul. (CALDART, 2009, p.
271).
Nos significados que foram gestados no calor da luta pela terra para e com as
crianças do MST, bem como afirma Caldart, uma nova frente de atuação é forjada,
singular no que se refere à organização de crianças, filhas de camponeses, que
historicamente tiveram pouco ou quase nenhum acesso à escolarização, em que se
permite a formação da educação política da infância Sem Terra.
E retomando a construção coletiva da educação do MST, que busca experiências
da classe trabalhadora, não como receita, mas referência para a organização política do
Movimento,tem como inspiração as lutas organizadas pela classe trabalhadora
revolucionária. E, nesse sentido, como já mencionado no primeiro capítulo, as
experiências de construção coletiva cubana e soviética se destacam pelo tempo
acumulado da organização dos trabalhadores e da inserção da criança no aspecto da
educação política. Em Cuba, essa inserção política se dá através da Organização
Pioneira José Martí (OPJM) e, na União Soviética, através da elaboração da Pedagogia
Socialista no contexto de organização da classe.
120
81
O termo Pioneiros refere-se à organização das crianças cubanas, articulado pelas escolas do Estado
cubano. É um espaço de interação com a educação, cultura e política.
121
82
Do coletivo de Coordenação do Setor de Educação do MST. Entrevista cedida a Márcia Mara Ramos.
No dia 16 de novembro de 2015.
122
O jornal Sem Terra deste mesmo ano destaca, na capa, a foto do Congresso
Infantil do Rio Grande do Sul, sobressaindo a faixa com a chamada “Crianças lutam
pela Reforma Agrária”. Esse é um dos primeiros registros que afirma a identidade das
crianças do MST, trazendo no título da matéria: “A quem assusta a educação dos “sem-
terrinha?”. Esse apelido foi dado pela imprensa de Porto Alegre, mais especificamente
pelo jornal Zero Hora, segundo informação do Jornal Sem Terra (1994). Ou seja, o
Congresso Infantil despertou o que se tem de mais reacionário na comunicação de
massas na mídia burguesa. Os destaques dos veículos de comunicação do período,
segundo o Jornal Sem Terra, são “sem-terra moldam crianças que serão líderes no ano
2000”, “lavagem cerebral” que o MST faz com as crianças é chamando de “pedagogia
homicida” (educação para a morte).
vermelha e dizendo que quer ajudar a acabar com a miséria do povo?” O JST, mais
que afirmações, coloca questões para serem discutidas e argumentadas ao público dos
acampamentos e assentamentos. Em entrevista ao Jornal Sem Terra, Caldart e Kolling
destacam:
Olá crianças,
Estamos escrevendo para contar nossa vida nos assentamentos e
acampamentos. Nós, crianças e adolescentes dos assentamentos e
acampamentos da reforma agrária do Rio Grande do Sul, estamos aqui
124
83
Arquivo cedido por Edgar Kolling.
84
Jornal Sem Terra. Ano XV – n°163. Outubro/Novembro de 1996. p. 6-7.
125
ano de 1999, o Estado do Mato Grosso se mobiliza com 200 Sem Terrinha pela
primeira vez, e o Estado do Mato Grosso do Sul com 150 crianças na luta por escola;
No ano de 2000, Tocantins realizou o primeiro encontro estadual com 100 crianças, o
Estado do Pará, com 350 crianças e em Alagoas o MST mobiliza 500 crianças em
Maceió. E, em 2002, o Estado de Goiás realizou com 150 crianças o seu primeiro
encontro. Em 2004, o Distrito Federal, com 150 crianças, e o Estado da Bahia realizou
o primeiro encontro estadual com 250 crianças. O Estado do Piauí realizou, em 2009, a
primeira atividade regional com 180 Sem Terrinha.
86
Informações obtidas pelo Jornal Sem Terra (JST), em 2015, Jornal Sem Terra do Rio de Janeiro, em
2016 e responsáveis do Setor de Educação nos Estados, em 2016. Esse quadro nos apresenta o início das
primeiras atividades formativas que deu origem à identidade política dos Sem Terrinha nos Estados onde
o MST está organizado, embora que não seja de caráter escolar, mas a escola sempre esteve na pauta de
luta das mobilizações, bem como desde a origem do MST. Mas, não significa que não ocorreram outras
atividades com crianças nas suas diversas frentes de acampamento e assentamento. A pesquisa se refere à
atividade de forma organizada pelo MST, a partir de 1994, cuja identidade da educação política da
infância foi sendo forjada no contexto da organização das crianças Sem Terra no MST, em nível nacional.
127
88
São palavras fortes criadas por educadores e crianças para reafirmar o objetivo da luta das crianças no
seu contexto social.
131
89
Poema “Pedagogia dos Aços”, Pedro Tierra.
132
Para Trocate, a história do MST no Pará inicia-se com os jovens do MST que
foram deslocados para o trabalho de base no Estado. O autor destaca o jovem Onalício
91
Araujo Barros, conhecido como “Fusquinha” , como um dos precursores que entrou
90
Sobre a Guerrilha do Araguaia, movimento que surge entre 1972 e 1974 para combater a ditadura civil
militar. Esse movimento foi organizado para “defender desenvolver sua luta pela posse da terra, a
liberdade e uma existência melhor para toda a população, decidiram formar destacamentos armados,
criaram as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Tomara, também, a iniciativa de fundar uma ampla frente
popular para mobilizar e organizar os que almejam o progresso e o bem-estar, os que não se conformam
com a fome e a miséria, com o abandono e a opressão”. No sul do Estado do Pará, as Forças Guerrilheiras
do Araguaia, firmemente combaterão os soldados da ditadura militar. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/grabois/1973/12/diario.pdf Acesso em: 13/02/2016 , as 10h15.
91
“Onalício Araujo Barros era conhecido por “Fusquinha” e Valentin Serra, como “Doutor”. Ambos
foram assassinados em 1998 na ocupação da Fazenda Goiás II, área de reconcentração do antigo
assentamento CEDERE I, hoje, Assentamento “Onalício Araujo Barros” com 68 famílias. São acusados
como executor José Marques Ferreira “Donizete” e como mandante Carlos Antônio da Costa “Carlinhos
da Casa Goiás”, atualmente proprietário da “Goiás Concreto”, em Marabá, Parauapebas e região. Não por
acaso, o mesmo núcleo da Fazenda Parauapebas, acrescidos de Rafael Saldanha, Gabriel Saldanha, Dão
Baiano, Ninha Baiano, Marcelo Catalão, Takinha, José Ulisses Guimarães, entre outros, que pressionam o
INCRA e o Governo Federal para não vistoriar e nem desapropriar as fazenda reivindicadas pelo MST,
desde de 2007, das glebas Tabocas e Rio Novo. Ao mesmo tempo que montam aos olhos do órgãos de
133
segurança pública do Estado, a maior milícia armada do Pará, para intimidar, assassinar e despejar
famílias do Acampamento Frei Henri, acampados desde agosto de 2010, no município de
Curionópolis, na área denominada “Fazendinha”. Ainda em 2010, a Justiça Federal encerrou o processo
de desapropriação, sem que o fazendeiro fosse indenizado pela posse da áreas, da antiga fazenda Goiás II.
(TROCATE, 2015, p. 14 – grifos nossos).
92
Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Venâncio Romero (2013), explica que Paraupebas a “cidade da
Vale” assim conhecida, e que por conta do royalties minerais tem um dos mais altos Produto interno
Bruto (PIB), de US$ 2, 1 bilhões de dólares, o segundo maior do Brasil, deixando para trás São Paulo e
Brasília. O nível de caos social desenvolvido pela modernização violenta e brutal, segundo o pesquisador,
é alto, acompanhado pelo alto nível de alcoolismo e cujo mapa de violência com a juventude, mulheres,
negros e pobres é alarmante, na 33° cidade mais “rica” do Brasil e que, em 2013, o município saltou de
21° colocação para o 10° lugar de cidade mais violenta do Estado do Pará. Considera-se que o risco de
um jovem morto, “vítima de disparo ou faca” é de 25% maior do que no Iraque. O órgão municipal para
o pesquisador, “acabam sendo uma extensão das políticas tecnológicas, econômicas e estratégicas da
Vale”. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/26967 Acesso em: 14/02/2016 às 8h30.
134
Após esse massacre, o dia 17 de abril passou a ser o dia internacional da luta
camponesa e dia nacional de luta pela reforma agrária para as organizações sociais e que
virou a Lei94 n° 10.469, de 25 de Junho de 2002, Dia Nacional de Luta pela Reforma
Agrária.
O Massacre de Eldorado dos Carajás ganha solidariedade e repercussão
internacional, fortalecendo a simbologia da luta. Em consequência, o MST, no Estado
do Pará, se torna uma articulação organizadora, para além da luta massiva, e, amplia a
sua base social. Atualmente, o MST está organizado em 25 áreas dentre assentamentos e
acampamentos, organizando-se em quadro regiões no Estado – Carajás, Eldorado,
Araguaia e Cabana, num total de 4.874 famílias (ROCHA, 2015).
93
Até hoje, nenhuma pessoa está presa pelo ocorrido, o coronel Mário Pantoja e o Major José Maria de
Oliveira foram condenados por terem comandado a ação, mas estão recorrendo da decisão em liberdade.
Já os soldados foram promovidos no início do ano de 2007 a Cabos da Polícia Militar pela governadora
do Estado Ana Julia Carepa (ROCHA, 2015, p. 56).
94
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10469.htm Acesso em: 15/02/2015 às
19h
137
95
CEDAC - Comunidade Educativa. Entidade que faz a formação técnica de professores da rede pública
em parcerias com as Secretaria de Educação, juntamente com a Fundação Vale.
96
Deusamar S. Matos é assentada em Palmares II, professora e gestora da Escola de Educação Infantil.
141
O MST tem feito reflexões, atuando como organização política desde o trabalho
com a infância para sobreviver à força armada estabelecida no Pará. E, no campo da
educação, o enfrentamento é de resistência para manter as escolas que foram
conquistadas com muita luta e tornarem-se referência de um processo que envolve a
disputa por garantir nas escolas públicas a Pedagogia do Movimento, que dialoga com a
realidade do sujeito Sem Terra, bem como da luta para a construção estrutural das
mesmas. Como vimos anteriormente, as investidas das empresas com propagandas nas
escolas, da formação empresarial para professores e gestores vinculados ao sistema
público, e, no caso da região Sudeste do Pará, principalmente, a Companhia Vale,
principal empresa de exploração de minérios, os impactos e as investidas são profundos
e violentos, “direcionados a grupos de baixa renda e à minoria étnica das populações
tradicionais, como indígenas, quilombolas, trabalhadores artesanais, trabalhadores de
baixa renda “em periferias e em pequenas cidades”, nas quais a empresa tem incidência
decisiva na vida dessas populações. (COELHO, 2015, p. 132).
Para Matos, a
[...] CEDAC tinha assessorias muito boas do ponto de vista técnico.
Mas, são assessorias que estão ali pra fazer o trabalho técnico,
ideológico, que desvia qualquer processo de formação humana do
ponto de vista da resistência e da luta da classe trabalhadora. Isso
nem conte. Inclusive um dia foi uma pesquisadora da Vale me
entrevistar na escola e ela me perguntou sobre a formação que eles
faziam conosco, se era suficiente e necessário para o trabalho que a
gente faz na escola. Eu falei que não. Ela falou: por quê? Do ponto de
vista técnico, tem assessoria muito boa, a gente aproveita, mas em
nenhum momento o trabalho de formação que foi feito conosco
discutiu os impactos que nós sofremos com os grandes projetos. Aí ela
disse pra mim: “Nunca vai ter, nunca vocês esperem isso”.
[Respondi:] “E é exatamente por isso que a gente busca outras
formas e outras formações, porque de vocês não é suficiente pra
realidade que a gente vive aqui.” Se ela registrou isso na pesquisa
dela, eu não sei, mas eu disse isso pra ela. Teve um período que a
gente faltou brigar com eles. Eles traziam aqueles cursinhos pra
dentro das escolas e queriam pregar cartazes da Vale na escola toda.
Um dia eu cheguei, tinha um cartaz no mural - peguei e rasguei. Falei
nunca mais, orientei todo mundo que quando não tiver aqui, vocês
não permitam um cartaz deles. Então, eles fazem isso, eles acham que
são donos, chegam vão pregando ideologia por meio da publicidade e
143
97
Carlos Drummond de Andrade, nascido em Itabira, Estado de Minas Gerais. Cidade também da criação
da Companhia Vale do Rio Doce, em 1º de junho de 1942. Disponível em:
http://linhadotempovale.com/#home Acesso em: 16/01/2016 às 17 h
144
Nesta vida,
pode-se aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre,
nunca ficar inativo
e chorar com força por tudo o que se quer.
Paulo Leminski
98
Essa pesquisa foi desenvolvida a partir de observação e conversação com crianças Sem Terrinha,
educadores e militantes do Estado do Pará em 2014 e 2015, nos Encontros estaduais dos Sem Terrinha.
99
Mobilização Infantil – Marabá/PA-2014.
145
aprender que recorte e colagem não era só isso. Eles passaram dois
meses fazendo essas oficinas e organizando como deveria ser o
Encontro. (CESAR100, 2015).
100
Maria R. Cesar – Compõe o Coletivo Nacional de Educação do MST pelo Estado do Pará. Essa fala
foi realizada no Encontro Estadual dos Sem Terrinha de 2015.
147
3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e 2015.
Esses dois anos de participação, observação e conversação com as crianças,
educadores, militantes e visita aos espaços permitiram entender melhor a configuração
fundiária da região sudeste do Estado Pará, assim como compreender a relação de
148
101
Poema escrito pelas crianças, em 2015, no Encontro Estadual dos Sem Terrinha. Foi o presente em
homenagem aos 15 Anos da organização e Jornada dos Sem Terrinha no Pará, entregue junto aos
presentes que cada localidade produziu durante ao encontro. Os presentes foram: poema, cartazes,
apresentação musical de dança, e desenho.
149
102
Informação do setor de educação estadual do Pará.
150
Quadro 3 - Cardápio
Sexta-feira Sábado Domingo Segunda- Terça-feira
feira
Café da Farofa de Farofa de ovo Frutas Café com Salada de
manhã calabresa café com leite café com leite leite frutas
café com pão com
leite queijo e
presunto
Almoço Maria Comida caseira Peixe com açaí Arroz, feijão Macarronada
Isabel103 suco de goiaba e carne Frutas suco
moída
Lanche Iogurte com Brigadeiro com Salada de fruta Salada de
maçã morango frutos
Jantar Caldo de Caldo de Besteirinhas de
frango macarronada com noite cultural:
carne moída Cachorro
quente, pizza,
doces...
103
Prato típico do Piauí. Que mistura carne de sol com arroz e serve-se com banana.
104
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segundo a Agência, o pimentão é uma das hortaliças mais
contaminada por agrotóxicos, seguido do morango com (63%), o pepino com (57%), a alface com
(54%), a cenoura com (49%), o abacaxi com (32%), a beterraba com (32%) e mamão com (30%).
Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/politica/1430321822_851653.html Acesso em:
16/02/2016.
151
alimentação foi garantida todos os dias com uma contribuição das famílias assentadas e
amigos.
105
Os nomes das crianças não foram revelados e foram nomeadas com frutas típicas do Pará.
106
A campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela vida surge em 2011, tornando-se uma bandeira
de luta que MST juntamente com mais de 100 entidades vem se mobilizando. Segundo a Campanha o
Brasil, desde 2008, vem ocupando o lugar de maior consumidor de agrotóxico no mundo. Disponível em:
http://www.contraosagrotoxicos.org/index.php Acesso em: 17/02/2016
107
A agroecologia é uma matriz tecnológica que o MST defende como mudança no modo de produzir e
garantir a distribuição da riqueza, com equilíbrio na natureza, produção saudável e pesquisas e
aprendizado voltados para agricultura (MST. 2014. P. 43).
153
Quadro 5. Palavras de ordem apresentadas pelo Sem Terrinha nos Encontros 108.
LOCALIDADE E ANO DA ANO PALAVRA DE ORDEM
COUPAÇÃO..
Assentamento 17 de abril (1995) 2014 Luta conquista com organização Sem Terrinha quer justiça e
melhor educação.
2015 Lutar! Sem Terrinha quer justiça com melhor educação
Assentamento 26 de Março 2014 “Sem Terrinha, Sem Terrinha, Sem Terrinha pra valer.
(1999) Lutando por direito viva o MST” e “Sem Terrinha, Sem
Terrinha, Sem Terrinha somos nós. Venceremos o latifúndio
2015 com o som da nossa voz”.
Lutar, lutar, estudar e brincar! Somos Sem Terrinha viemos
denunciar. Dizer a todos que ouvirem – Negar educação e
fechar escola é crime!
Acampamento Frei Henri (2009) 2014 “Somos Sem Terrinha, Sem Terrinha pra valer. Viemos do
Frei Henri pra lutar você vai ver” e “Sem terrinha lutando,
lutando a cada dia. Lutando e conquistando e derrotando a
2015 burguesia”.
Estamos aqui...Pra lutar e conseguir...Sem Terrinha
organizado...Acampamento Freir Heiri
Acampamento Hugo Chavez 2014 “Sou Hugo Chávez não vou negar sou Sem Terrinha para
(2014) lutar continuar. Chávez, Chávez, Chávez, Fidel e Che”
Assentamento João Batista 2014 1. João Batista lutou, também vamos lutar. Pela reforma
(1998) agrária e os direitos conquistar.
2. Na luta por direitos, lazer e educação concentrando forças
Sem Terrinha em ação.
Acampamento Dalcidio Jurantir 2014 Viemos celebrar queremos liberdade e o direito de gritar.
(2008) Somos Sem Terrinha lutamos pra valer pelos 30 anos do
2015 MST
Dalcídio, Dalcídio em ação Somos Sem Terrinha e
revolução.
Assentamento – Palmares II Chegou, chegou, chegou na região todos os Sem Terrinha
(1992) para lutar pela educação. Estamos sempre juntos lutando pra
valer, pois somos Sem Terrinha do MST
Acampamento Helenira Resende. Bandeira, bandeira, bandeira vermelhinha o futuro do Sem
(2009) Terra esta nas mãos do Sem Terrinha.
Lourival Santana (2004) 2015 Somos Sem Terrinha futuro da Nação. Educação do campo é
organização.
108
Fonte: caderno de campo - 2014 e 2015 Encontros Estaduais dos Sem Terrinha.
154
de pano, arranjo de cabelo, artes plásticas, jogos, dança, teatro e música, palhaço, entre
outras.
e) Noites culturais: com as apresentações das crianças e com expressão forte
nos festejos, na dança regional, numa integração total das crianças; a noite do pijama
com contação de causos, o cinema e a festa de comemoração dos 15 anos da jornada
Sem Terrinha no Estado do Pará.
f) Jornada de luta com Marcha: Em 2014 foi feito Visitas aos órgãos do
INCRA e Justiça Federal com marcha na cidade de Marabá. Em 2105, foi realizada a
Marcha no assentamento 17 de Abril com a campanha contra os agrotóxicos e pela
agroecologia. Os dois momentos que expressam diferença na sua ação, mas têm a
significação de colocar em questão os problemas do cotidiano. No INCRA, as crianças
deixaram as suas mãozinha como marca nas paredes e uma questão para reflexão
“Dilma, cadê a Reforma Agrária?”; na Justiça Federal foi trabalhado a solidariedade às
crianças que estão no acampamento há 6 anos esperando a desapropriação da terra; e,
em 2015, a marcha realizada foi para politizar e trazer o debate interno para o
assentamento 17 de Abril sobre o não uso de agrotóxico e a produção agroecológica
como projeto de agricultura do MST.
O movimento das crianças forjadas na luta pela terra, coloca-as no contexto de
conhecer a sua realidade, de atuar e ir aprendendo a dominá-la com a responsabilidade
de seu tempo infância - lutadora para a construção de outra sociedade. A pedagogia
socialista, referência para esse processo de organização das crianças, que se contrapõe à
pedagogia burguesa que esconde a dimensão política da educação, desconsiderando a
luta de classe e as suas implicações na formação humana; De outro modo, a pedagogia
socialista considera a política como elementos importantes desde a infância, ligados ao
processo de formação humana e da construção de outro projeto educacional, socialista.
A projeção desse espaço infantil por um momento político que organiza pessoas
“excluídas” dos direitos sociais, que exigem dos educadores um processo de preparação
e formação nas suas localidades, bem como o planejamento pedagógico que dê conta de
156
trabalhar em plenárias com 350 a 400 crianças, temáticas definidas e interlocução com
Sem Terrinha para garantir a sua permanência no debate e interesse pelo assunto.
Foram, de certa forma, espaços desafiadores para os educadores do MST, e, ao mesmo
tempo, de expressividade profunda na forma e conteúdo em que foram realizados os
debates e temas do Encontro como, por exemplo: violência sexual e deficiência;
História da Palestina, o debate sobre 15 anos de Jornada dos Sem Terrinha. O debate,
que já era visto que alguns seriam bem complexos por ser novo para o MST, mas muito
importante no contexto da formação das crianças e que exige um aprofundamento
internamente para pensar os encontros nos Estados, e que revelou que as crianças sabem
muito sobre os temas e, muitas vezes, o conjunto da organização tem dificuldade em
trabalhar por insegurança de como conduzir com as crianças. O exemplo é o da
violência sexual, que apareceram perguntas bastante complexas para serem respondidas
– como homossexualidade; como ter a primeira relação sexual? Sobre gravidez que é
ponto importante para esse grupo etário que com 11 anos já pode ser “mãe” e entre
outras questões que em plenária nem sempre se tem uma resposta imediata ou é possível
respondê-la.
Os encontros dos Sem Terrinha provocam o MST a refletir o sentido das
atividades com as crianças. O que dá centralidade no debate com as crianças? Como
direcionar e obter atenção das crianças nas atividades de formação? São questões
fundamentais, para um grupo com mais 300 crianças. As apresentações culturais
demonstraram muita concentração, nos debates sobre as crianças da Palestina. E, nas
mobilizações, elas permaneceram atentas com as discussões, embora quisessem brincar
o tempo todo. Como brincadeira é coisa séria e também é um elemento fundamental na
formação da criança, o brincar no MST tem o elemento da coletividade, o que contribui
com a formação da criança, compartilhando o lugar de brincar, de se integrar e pensar
que, na brincadeira, cabe o coletivo de crianças do encontro.
Os cuidados pedagógicos: Desde a chegada ao Encontro, a receptividade e
organização dos materiais das crianças são demarcadas pela boniteza de como se
prepara e faz a entrega para as crianças. Da bolsa feita por professoras das escolas que
passaram noites e dias costurando e do grupo de jovens e educadores que alguns dias
passam fazendo pipa109 de tecido e colocando nas bolsinhas, além do caderninho dos
109
A pipa foi um dos símbolos utilizados pelo Pará na atividade desenvolvida com as crianças Sem
Terrinha, sobre as crianças Palestina.
157
Sem Terrinha, livro de poesias, das festas coloridas de doces e comidinhas diferentes,
como no encerramento dos encontros, além do momento forte de finalização de quatro
dias juntos, a preocupação da coordenação de educadores em garantir um kit para todas
as crianças e educadores que contemplasse um livro infantil, um brinquedo e um doce.
Fortalecendo a importância da leitura, do brincar na vida das crianças e adultos, sem
deixar de lado o docinho que também faz parte da cultura infantil.
A formação dos educadores. Foi fundamental, nesse contexto, expressar a
importância que o MST tem dado para a organização das escolas e formação dos
educadores. O educador é referência para a criança, e o percurso desses 31 anos do
MST, e dos 21 anos de Jornada dos Sem Terrinha, em nível nacional, demarcam a
participação de uma juventude militante, liderança, crítica e organizadora, que
certamente boa parte dela já passou pela formação dos Sem Terrinha. Porém, essa
referência precisa de uma formação permanente em que a intencionalidade do trabalho
seja também permanente proporcionando criticidade, participação coletiva, acesso ao
conhecimento produzido pela humanidade, estímulo à criação e à organização, bem
como diz a palavra de ordem das crianças “Estrela, estrela vermelhinha, o futuro do
Sem Terra está nas mãos dos Sem Terrinha110”. Os educadores que coordenam e
participam na organização da mobilização dos Sem Terrinha são os professores que
atuam nas escolas e o coletivo de juventude do MST.
O papel da escola no processo da organização. Os educadores das escolas de
assentamentos e acampamentos no Estado do Pará têm garantindo a participação das
crianças nas preparações dos Encontros, como também no próprio encontro. A luta por
escola faz parte do cotidiano – da vida das crianças, dos educadores e das famílias que
vivem no MST. Os espaços já conquistados da educação, como outros, só foram
possíveisatravés da luta coletiva, o qual permite que o educador se reconheça nesse
processo, perceba que o acesso ao conhecimento, como as estruturas conquistadas só foi
possível através da luta do MST. As escolas que se forjaram na luta, na compreensão da
importância da construção de um espaço que reflete e realiza a formação humana de
lutadores e construtores, colocam em questão a educação burguesa e vai desenvolvendo,
a partir de sua participação nas diferentes ações proposta pelo MST, contra-hegemônica
a pedagogia do capital. Assim como outros Estados onde o MST está organizado, o
Estado do Pará, com todos os limites e contradições, tem garantido a organização das
110
Palavra de ordem criada para o Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Pará de 2014.
158
crianças na participação dos encontros, bem como tem colocado temas importantes para
o debate político das crianças, alguns indicados por elas, nas formações dos encontros
estaduais dos Sem Terrinha. A escola é reconhecida como espaço de formação e de
disputa na luta de classe. É resistência constante no que se refere à organização política
para garantir as conquistas obtidas com muita luta, como o enfrentamento permanente
às parcerias público-privado que vêm determinando a formação da classe trabalhadora.
111
Pistrak, no livro Escola Comuna, relata que no processo de construção da comuna escolar, foi um
tempo de luta em todos os sentidos e não se tinha uma vida normal. “... Nossa escola (...) foi submetida a
toda sorte de repressão por parte da população, ele até mesmo foi incendiada uma vez, e o instinto de
autopreservação forçou as crianças a cuidar da escola, amá-la, orgulhar-se dela, defender seu valor e
defendê-la do ataque dos inimigos”. (PISTRAK, 2009, p. 147).
159
ser Sem Terra, mas sempre se colocaram e, essas questões foram trazidas por elas paras
as suas comunidades e foi através das denúncias das crianças, da negação da educação
burguesa, que o MST vai proporcionar, na sua luta, a construção coletiva de uma
pedagogia em movimento contra-hegemônica.
A educação política que foi sendo forjada através da luta social, tem na sua
significação na formação humana das crianças, permitindo que sejam protagonistas e,
juntamente com o conjunto do MST, fazer o enfrentamento de classe. No II Seminário
Nacional Sobre a Infância Sem Terra (2014), o MST definiu, em suas matrizes
formativas para a infância, alguns elementos como: “a luta social; a cultura; a história;
intencionalidade nas ações; a agroecologia; o internacionalismo; o princípio educativo
do trabalho”, (MST. 2014. p. 127), foram debatidos e elencados pelo conjunto dos
setores do MST, como tarefa do próximo período no trabalho de formação com as
crianças dos assentamentos e acampamentos.
112
Crianças de 4 a 6 anos do período da manha e da tarde.
161
O brincar está muito presente na escola e nas falas das crianças, mas também tem
influências da vida adulta na formação da criança. E o brinquedo e brincadeiras, embora
as crianças se socializem, a influência dos pais é determinante na formação das crianças:
“Eu gosto de boneca, gosto de pular corda, gosto de fazer casinha..eu fico brincando
mais o Sem Terrinha Graviola lá”, “As meninas ficam brincando de sorrir e fazendo
cosquinha nos outros..”. “Eu gosto de brincar de cavalo de pau”. “A minha mãe ela dá
brinquedo, um montão de carro e moto. E elas são grandonas”. (E você deixa outras
crianças brincar com você Tucumã?) “Eu não deixo nem o Patauá, nem a Pupunhal e
nem o Atá”. Porque? “Porque minha mãe não deixa. São influências da vida adulta na
formação da criança e que são determinantes para sua formação.
“eu tiro leiro da vaca com meu pai”. “ajudo a minha mãe a fazer as
coisas”, eu arrumo meu quarto”, eu limpo a casa”, “Eu ando de
cavalo, eu amanso cavalo”. “Planta na roça, milho, morango, pé de
abóbora, mandioca”...uma fruta diferente (jacudecabra -
jabuticaba). “Uva, morango, milho, mandioca, alface” Na roça tem
vaca e no assentamento não tem, tem cavalo, boi...
Essa relação que a criança estabelece com o seu cotidiano, expressa de certa forma
uma naturalização da sua realidade, mas ao mesmo tempo traz em sua fala elementos de
análise do quanto as suas famílias são afetadas pelo impacto da mineradora no
assentamento. Seja pelo tempo que o trem leva para passar na estrada onde os ônibus
escolares passam, das famílias que vão trabalhar nos seus lotes, bem como do risco de
acidentes que pode ocorrer.
O lugar “escola infantil”, para as crianças, é muito especial e importante, mas tem o
desafio de pensar com mais profundidade nesse espaço de conquista, da coletividade
das crianças e da construção da identidade, bem como trazer temas do seu cotidiano
para problematização. O que está se projetando para 2016 na Escola Salete Moreno é a
realização do Encontro de Sem Terrinha com as crianças pequenas, que são em média
230, de 4 e 5 anos, mas, esse é um desafio que está colocado para as escolas de
educação infantil dos assentamentos e acampamentos no Brasil.
163
Sobre as crianças maiores, sobre a preocupação de não ter como ir por falta de
dinheiro, pois nem sempre é possível ter uma estrutura que possibilita a participação,
por exemplo as crianças do acampamentos Frei Henri relatam que: “Nós estavamos tão
ansiosos. Só que não ia ter por causa do óleo, o pai do menino deu o dinheiro pra
comprar o óleo, aí gente veio numa van”. (Sem Terrinha - Cupuaçu).
No assentamento Palmares II, as crianças são escolhidas pela Escola Crescendo na
Prática e como a Sem Terrinha descreve a forma de sua participação: “Fui escolhida
pela professora, a gente tem que se esforçar e não ser bagunceira na escola. E também
não pode quebrar as cadeiras...” (Sem Terrinha - Açaí). Na descrição da coordenação
da escola, precisa colocar algumas normas, pois são muitas crianças e não daria para
participar todas pelo número de crianças definido para todo o Estado. Somente nas
escolas daria para realizar um encontro com o número proposto para o estadual.
A forma de participação ainda é limitador, nas demais localidades as crianças
também são organizadas pela escola, porém as condições objetivas se diferenciam no
aspecto da organização local do acampamento ou assentamento, da disposição de
organizar para além da escola, o qual contribui na organização das crianças.
Organização do Encontro:
brincadeiras e também na hora da plenária, a gente aprende mais coisas que ainda não
sabe, a gente aprende”. (Sem Terrinha - Cupuaçu).
Constamos que, nas falas das crianças, apresentadas do jeito delas, indicam
questões sobre o que sabem da sua realidade. E, no seu cotidiano, são colocados
elementos para ela refletir e pensar em possibilidade de ações que possa resolver ou
colocar o problema em evidência. Como exemplo: sobre a sua participação na jornada e
organização da mesma, por um lado elas participam e ajudam no processo, mas saindo
da esfera de outubro, outros processos de formação são planejados para elas, como por
exemplo: os momentos literários, as reuniões dos Sem Terrinha para discutir os
problemas no acampamento, ou outros tipos de intervenções para além da escola. O
Encontro, intencionalmente, coloca questões do cotidiano dos assentamentos e
acampamentos, justamente para que sejam retomadas nas suas localidades pelo coletivo
de educadores ou das próprias famílias, mas se isso não ocorre, podem ser retomadas
pelas próprias crianças nas suas comunidades como, por exemplo, a revindicação do seu
espaço lúdico cultural, bem como fizeram os Sem Terrinha do acampamento Hugo
Chávez que apresentaram para a coordenação do Acampamento suas revindicações e
fizeram assembleias para ver a possibilidades da construção coletiva do espaço das
crianças. E, assim como a problemática sobre o uso de agrotóxico, a discussão da
violência, entre outros debates que são fundamentais para vida das crianças, que se
trabalho com elas, pode vir a ser um espaço de intervenção para o conjunto da
comunidade.
O significado da marcha para as crianças: “A marcha a gente a prende muitas
coisas boas, muito grito de guerra... protestando os nosso direitos”. (Sem Terrinha -
Bacuri). A necessidade da luta por direitos básicos da escola, “Por causa da merenda,
165
era só suco com bolacha. Agora tem arroz, feijão, carne. Ainda não saiu a terra...”.
(Sem Terrinha – Cupuaçu)
Marchar, para o MST, é uma forma de colocar em evidência as questões sociais
e, no caso do Movimento, denunciar o latifúndio da terra; a negligência do Estado; a
influência determinante do capital internacional na vida da classe trabalhadora. As
crianças marcham com a sua pauta, com suas palavras de ordem, revindicando o direito
de ter a escola, de ter a terra para garantia da sobrevivência humana, que faz parte do
contexto da luta, do lugar onde vivem as crianças Sem Terra, no Pará. Pois a única
garantia numa terra “sem lei” é aprender a resistir e lutar para sobreviver nas condições
adversas do contexto agrário paraense.
Marcham com suas faixas, seus bonecos, com as suas bandeiras vermelhas, com
bonezinho, numa visita inesperada ao Instituto de colonização da reforma Agrária -
INCRA de Marabá, em 2014, denunciando o descaso com a reforma agrária, a lentidão
para o processo de desapropriação do acampamento Frei Henri que está no local há mais
de seis anos e vive uma “verdadeira Palestina”, segundo as crianças do acampamento,
pois quando foi feito o trabalho com eles sobre a história da Palestina e das condições
que vivem as crianças, rapidamente se identificaram com a sua realidade de conflito
permanente com o fazendeiro que coloca pistoleiro para atirar sobre o acampamento.
Essa visita causou certa estranheza por parte da instituição, por serem crianças
questionando um órgão público pela não efetivação da reforma agrária. Estranho para os
meios de comunicação, crianças filhas de camponeses marcharem e colocarem sua
pauta em movimento. O jornal Correio do Tocantins - o jornal de Carajás, na manchete
intitulada “Crianças sem-terra mancham paredes do INCRA”, “crianças sem terra
‘pintam o sete’ na sede do INCRA”, faz consulta a internautas que apresentam
indignação com o comportamento das crianças: “país sem lei”, “vandalismo” e “falta de
educação”, entre outros. O jornal destaca que
é bom, “Pra aqueles que quiserem vir aprender é muito importante. Eu vou continuar
vindo se a minha professora me escolher”. (Sem Terrinha - Ingá).
113
A escolha pela participação e observação da avaliação ocorreu no acampamento Frei Heiri, pelo seu
processo de luta vivenciado e pautado pelo conjunto do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do ano
anterior. Considerando que a avaliação do encontro ocorreu no mesmo horário, só foi possível participar
de um espaço.
169
É preciso pensar nos educadores que atuam na formação das crianças e/ou as
acompanham como responsáveis nos encontros Sem Terrinhas e em outras atividades
do Movimento. Pensar na formação do educador é fundamental e ter a orientação
político-pedagógico em relação ao que trabalhar. A intencionalidade é fundamental para
o processo de formação revolucionária e o MST, como organização política, precisa
preparar seus educadores para o trabalho de formação das crianças, tendo presente a
educação política e organização das crianças como lutadoras e construtoras no presente,
vivendo a vida real do seu assentamento ou acampamento.
176
2) A luta – A luta é uma matriz formadora para o MST e, em especial, para as crianças
Sem Terra, por estar no seu cotidiano e no horizonte da conquista da terra,
proporcionadas nos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha ou em outras atividades que
são organizadas para levar a pauta de interesses coletivos e cobrar dos órgãos
municipais ou estaduais, revindicando ou denunciando o descompromisso desses
“representantes do povo” que estão a serviço do capital. Certamente, para as crianças,
são momentos de formação e politização, bem como da valorização da pauta que eles
construíram coletivamente e faz parte da sua realidade de vida.
Como elemento formador das crianças Sem Terra, nos diversos espaços, sejam
nas ocupações da terra, nas marchas, ou outros tipos de luta, as crianças Sem Terra se
reconhecem nesse lugar como espaço de transgressão, de liberdade e de protagonismo.
Outubro é o mês mais expressivo para as crianças do MST, em todo o Brasil.
décadas seguintes, foi se configurando uma concepção através das análises dos países
da periferia do capital. A agroecologia ficou popularizada nos anos 1980, com o
“trabalho de Miguel Altieri e, posteriormente, de Stephen Gliessman”. (GUBER &
TONA, 2012, p. 59).
O contato com a terra, a luta pela terra e a terra conquistada são processos que
fazem parte da vida das famílias Sem Terra, logo as crianças também convivem,
participam e constroem esse ambiente coletivo que resignifica a vida no campo.
Construir, desde a infância, um pensamento contra-hegemônico de agricultura, de
território ocupado da produção sem agrotóxico, do cuidado com a terra como da própria
vida, são significados fundamentais na construção de uma sociedade sem classe que luta
para emancipação humana.
A história como matriz formadora não pode ser vista como disciplina, é ela que
vai dar elementos para compreensão do mundo na relação com conhecimento da
182
114
Música do CD Plantando Ciranda 3, produzida no Encontro estadual dos Sem Terrinha do Estado do
Pará.
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A infância Sem Terrinha, na luta pela terra, como nos apresenta Medeiros em
seu poema “Corre menino”, elas (as crianças) tem “virado os quadros de ponta cabeça”
e revindicado a possibilidade de construir um mundo melhor junto com os adultos. A
oportunidade que as crianças do MST têm de viver coletivamente e aprender a enfrentar
a vida junto com os adultos, é intensificada com a diferença de que ela pode reivindicar
a sua participação ativa nos assentamentos, e acampamentos da Reforma Agrária, de
modo diferenciado de outros processos da luta pela terra no Brasil, ou seja, elas são
compreendidas como lutadores e construtoras - protagonistas da luta junto com adultos.
A cultura da coletividade produz uma representação diferente através da sua intervenção
na história da luta pela terra e o MST, por participarem de toda vida construída nesse
ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências e conquistas. Por isso, a
educação política na perspectiva da pedagogia socialista é o elemento formador do
sujeito social que participa da luta coletiva a partir da realidade concreta, defendendo
uma sociedade na qual a classe trabalhadora tenha direito de viver dignamente, o que
não se enquadra na lógica hegemônica.
Considerando a formação da educação política da infância Sem Terra, a luta pela
terra é a principal forjadora desse espaço de protagonismo das crianças, por ter como
princípios a luta, coletividade, a organização política. São elementos que permitiram a
construção de instrumentos políticos e alternativos para e com a infância Sem Terra, por
uma necessidade concreta em transformar a realidade social, marcadas pelas
desigualdades sociais - estabelecida pelo capital, para um território de luta por
dignidade humana. Esses instrumentos políticos são: a) jornada dos Sem Terrinha - que
forja a identidade através da luta - com referência na Organização dos Pioneiros José
Martí em Cuba; b) a experiência da Ciranda Infantil, como um propósito alternativo e
que se torna uma referência internacional e foi inspirada pelos Círculos Infantis
cubanos; c) a luta por educação infantil nos assentamentos/acampamentos como um
direito das crianças, uma espaço político, cultural e de formação humana, não só das
crianças, mas da família. A exemplo da Escola Maria Salete R. Moreno, no Estado do
Pará, cujas crianças do Assentamento se identificam com a escola e reconhece, nesse
espaço, como um lugar bonito, com vários elementos e um mundo de possibilidades de
desenvolvimento. É um espaço que só foi possível existir através da luta. Essas três
frentes que vem sendo construídas e, ao mesmo tempo, continuam sendo um desafio
187
para o MST em garantir o protagonismo das crianças nesses espaços, bem como a luta
pela efetivação.
No segundo capítulo, considerando a disputa do capital pelos filhos da classe
trabalhadora, numa breve contextualização, buscamos compreender a atuação da
pedagogia do capital na integração campo e cidade globalizados, com pequenos e
grandes exemplos de como as empresas do capital tem atuado na formação das
populações do campo e da cidade através de projetos pedagógicos, que são pensados e
implementados através dos seus intelectuais orgânicos.
A pedagogia do capital, como já mencionada, estabelece, em especial para as
crianças, adolescente e juventude, uma relação de dominação e hegemonia da ideologia
burguesa na formação de indivíduos padronizados individualistas, competitivos e
isolados da realidade social. Com surpreendente efeito, da fusão da educação com os
meios de comunicação e cultura industrial, que se baseiam na necessidade do
capitalismo e a forma e conteúdo, é de alienação, influenciando a cultura de massas na
vida dos seres humanos e, especialmente, na vida da criança numa relação mundializada
e hegemônica, condicionando-a a uma sociedade sem história, sem memória, sem
classe.
A maior presença do empresariado da educação, nas últimas duas décadas no
Brasil, significa a aposta do capital na mercantilização da educação pública brasileira,
da educação infantil à universidade, espaço de luta, resistência no enfrentamento à
privatização da educação. No campo brasileiro, a realidade é de enfrentamento ao
fechamento das 37 mil escolas, mas também as escolas urbanas estão sendo fechadas se
revelando fortemente nas lutas dos estudantes em novembro de 2015, na ocupação das
escolas fechadas pelo Estado burguês de São Paulo, como também da ocupação dos
estudantes nas escolas do Estado do Rio de Janeiro em 2016.
Destacamos, também, na pedagogia do capital, que em defesa da agricultura de
mercado - o agronegócio em parcerias com o Estado brasileiro faz a formação
intelectual no campo da indústria cultural, da comunicação de massas e da educação
ambiental, de professores, crianças, adolescentes e jovens nas escolas públicas. Ao
tentar entender o avanço da pedagogia do capital no Brasil, nos deparamos com a
mercantilização da educação pública, com apoio e abertura do Estado brasileiro em
parcerias com o empresariamento da educação, permitindo a intervenção ideológica
dominante, na formação dos docentes, bem como das crianças, jovens e adultos. Isso
188
O desafio que está colocado não só para o MST, mas para a classe trabalhadora
como um todo é de resistência à exploração, objetivando superar o estado de
subserviência, alienação e competitividade em que se encontram historicamente até os
dias de hoje o país. A existência dos movimentos sociais que denunciam
permanentemente a intervenção violenta dessas empresas, no campo e na cidade,
vinculados à luta histórica dos trabalhadores da educação e da luta por educação do
campo, que são contrários à mercantilização da educação e dos projetos que estão sendo
implementados na direção de dominação. São desafios permanentes na luta de classes e
necessários para projetar ações contra-hegemônicas e de resistência que demarquem a
luta concreta da classe trabalhadora.
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Abramo, 1999.
194
ANEXO 1.
Ocupação das crianças Sem Terrinha no MEC no dia 12 de fevereiro de 2014. Leitura
feita pelas crianças do Manifesto de denúncia e protesto pelos seus direitos, por
Reforma Agrária e um Brasil melhor, para o Ministro Educação, Henrique Paim.
115
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=20227:ministro-
confirma-compromisso-de-reduzir-as-desigualdades Acesso em: 16/02/2016.
116
Disponível em: http://www.mst.org.br/2014/02/12/criancas-do-mst-ocupam-ministerio-da-
educacao-por-escolas-do-campo.html Acesso em: 16/02/2016.
200
Já nos acampamentos e assentamentos plantamos para comer e para vender para o povo
da cidade. É uma policultura, há várias plantações e criações de bichos. Lá tem
macaxeira, feijão, milho, melancia, galinha, bode, gado e suíno. E não precisa usar
veneno, porque com a criação de bichos pode diminuir bastante os besouros e as
lagartas que estragam as plantações. As terras são todas roçadas para poder plantar.
Mas queremos um assentamento melhor, que tenha saúde, divertimento e escolas. As
atividades feitas nas escolas tem que melhorar, pois não dá de ser assim. Existem muitas
escolas que não estão dentro dos nossos acampamentos e assentamentos e que não têm
transporte para nos levar. O transporte é muito difícil, porque quando precisa ir para a
escola da cidade é preciso andar muito para conseguir chegar no ponto de ônibus.
Quando chove não tem ônibus e faltamos na aula. Queremos que o transporte não vá
para lugares muito longe.
Somos dos acampamentos e assentamentos e queremos que lá no campo tenha escola.
Precisamos de uma educação melhor. Queremos que nossos professores sejam do
assentamento para que não faltem muito. Como é difícil o transporte entre a cidade e o
campo os professores acabam faltando e os alunos perdendo aula.
Queremos também uma alimentação saudável para que nós, os alunos, não passemos
mal na escola. Em nossas escolas precisamos de atividades extra-curriculares, fazer da
escola um lugar de lazer, aberta para a comunidade nos finais de semana. Precisamos de
cursos de informática, piscina de natação, quadra esportiva e muito mais.
Nós, Sem Terrinha, estamos chamando os outros Sem Terra, os amigos do MST e o
povo para ajudar a conquistar nossos direitos e cobrar isso do MEC. Como a luta não é
fácil, precisamos de mais gente!
ANEXO 2
“A significação da Infância em documentos do MST”117, 2013118.
Márcia Mara Ramos.
117
Síntese da Monografia “A signinificação da Infância em documentos do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra”. Curso de especialização - Trabalho, Educação e Movimentos Sociais
(2013), na Fundação Osvaldo Cruz – FIOCRUZ; Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio –
EPSJV – em parceria com Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF e Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária – PRONERA em 2013. Com Orientação da Profª Ana Paula Soares da
Silva e Co-Orientação da Prof° Caroline Bahniuk.
118
Em 2015, com as novas produções Sobre - Para e Com a infância Sem Terra, foi realizado uma
atualização no documento.
202
Estes documentos são produções que trazem relatos de experiência da luta pela
terra, da organização das Jornadas de Sem Terrinha, de orientação para educadores no
trabalho com a criança, orientação para o debate com a base Sem Terra sobre a infância.
119
Esse material não esta descrito na Monografia, pois foi posterior a elaboração.
203
Como se pode perceber pelo quadro, exceto o último material, todos são circunscritos à
área da Educação.
Os Documentos Internos
Os documentos internos referem-se a relatos e avaliações de diversas atividades,
tais como: Cirandas Infantis, Jornadas dos Sem Terrinha e produções de comunicação
da infância.
120
O Jornal das Crianças Sem Terrinha está na sua 41° edição, publicada em 2013.
121
Na pesquisa foram considerados os documentos até o ano de 2012. Mas vale resaltar que 2013, o MST
colocou no ar o site dos Sem Terrinha, vinculado a Pagina de internet do MST.
206
Paulo
Relatório do setor de Setor de Relatório Luziânia 2007
Educação Educação
Relatório do setor de Setor de Relatório São 2008
Educação Educação Paulo
Relatório do setor de Setor de Relatório São 2010
Educação Educação Paulo
Relatório do setor de Setor de Relatório São 2011
Educação Educação Paulo
Relatório do setor de Setor Relatório Rio de 2012
Educação Educação Janeiro
ANEXO 3
“A GRANDE ESPERANÇA”122. Frei Sergio Gorgen
Procuro, em minha memória, as imagens mais marcantes das crianças durante os
anos de minha militância junto ao Movimento dos Sem Terra. São tantas e tão fortes.
Mas a mais marcante é um pouco distante no tempo e é de uma criança anônima. Vou
contar a história.
Era no ano de 1981, no mês de julho. Um dos primeiros acampamentos da pré-
história do MST, o de Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, passava por seu momento
mais dramático. Estava cercado pelo Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando
do Presidente-ditador João Batista Figueiredo. Comandava a operação, no local, o
coronel Sebastião Rodrigues de Moura o temido coronel Curió.
Também eu não passava de um piá novato e inexperiente, recém iniciado na
lidas da Comissão Pastoral da Terra e já jogado no centro de conflito de altíssima
intensidade. O governo militar estava determinado a destruir o acampamento, mas
estava com dificuldade de usar a repressão física direta. Ninguém podia entrar para
levar solidariedade aos colonos, nem fazer reuniões, nem rezar missas. Ônibus que
trafegavam pelo local não podiam parar no acampamento. Só alguns quilômetros antes
ou depois do aglomerado de gente sem terra vivendo em baixo da dos barracos de lona
preta.
A repercussão do cerco não pegou bem na sociedade gaúcha, e o coronel Curió,
para mostrar que era “democrático”, convidou a FETAG (Federação dos Trabalhadores
da Agricultura Gaúcha), que não morria de simpatia pelos acampados dos sem terra,
para visitar o local e “comprovar” como o coronel não estava intimidando ninguém. Por
um desses acasos da história, poucos na FETAG encorajaram-se a fazer a tal
empreitada, que acabou sobrando dois dirigentes com quem eu mantinha relações de
amizade: Canisio Weschenfelder e Antônio Schneider. A convite deles, passei por
assessor da FETAG (por algumas horas) e entrei com eles no acampamento cercado.
Tudo o que vi ao meu redor era desilusão, insegurança e desespero. Caminhei
por todo o acampamento, rodeado por agentes da Polícia Federal, sem poder conversar
com ninguém. Encontrava-me com pessoas com quem convivera todos os fins de
semana durante meio ano, e fazíamos de conta que não nos conhecíamos. Ninguém
122
Prefácio do Livro “Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST”. Depoimento do Frei
Sergio Gorgen na visita ao acampamento Encruzilhada Natalino, na década de 1980.
209
podia conversar com ninguém sem ser vigiado. Muitos perdendo a esperança e
desistindo, aceitando colonização no Mato Grosso e abandonando o acampamento com
grande estardalhaço. Tentei trocar algum olhar de encorajamento com algumas
lideranças que via pelo caminho, mas, àquelas alturas, eu já considerava aquela uma
batalha perdida. Meu coração estava aflito e minha mente perturbada. Naquelas
condições, não havia resistência possível. Foi quando chamou atenção uma criança de
uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na beira da estrada, quase ao
centro do acampamento, parecendo alheia a tudo que ali se passava, sem importar com o
aparato militar que a rodeava. Cantando, a plenos pulmões, a música-hino dos sem terra
naquela época: A grande esperança.
Parei, tomado de emoção, ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio
imposto pela ditadura militar e pelas elites aos camponeses pobres que estavam ousando
levantar sua cabeça e dizer sua voz.
“A classe loceira e a classe opelália, ansiosa espela a refolma aglaria”
cantava a vozinha inocente acordando em mim a coragem amortecida.
Naquele momento, vi-me tomado de uma súbita certeza: esse povo vai resistir e
vai vencer. Pela simples razão de que só assim haverá esperança de futuro para aquelas
crianças e a multidão de outras que se acotovelavam, sofriam e brincavam pelos
barracos daquele acampamento.
E assim se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é cinza na história; e as
crianças continuam por aí, pelos acampamentos dos Sem Terra, com seus olhinhos
brilhando, com sua algazarra alegre, com sua perturbadora felicidade brotando do meio
da miséria, com sua esperança viva, com sua vivacidade espera, instigando a
consciência dos quem tem coragem de se deparar com elas.
Recordo e rendo homenagem às mães. Entre as tantas vezes que vi mães
camponesas cuidando dos pequeninos, meus olhos retêm as imagens de mães deitadas
sobre os filhos, protegendo-os das balas, dos cassetetes e dos pontapés no Massacre da
Fazenda Santa Elmira.
Lembro-me muito dos panos preto amarrados às cruzes e rendo-me em
homenagem às que tombaram assassinadas pela fome. Tantas também. Sinal claro da
falta de alma no tipo de sociedade em que sobrevivemos e somos obrigados a viver.
Alma que é viva na inocência dessas teimosas crianças, que, também por isso, mostram
que só um outro caminho poder ser o caminho do futuro. (GORGEN. 2009. p. 5-6).
210