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Suicidio e Depressao Mari A. Reinecke Como um pensamento pequ te para preencher a vida de alguém! Assim como 0 ho: mem 4 quena pais ¢ penta que mio ex pasta a vida toda viajando por seu pe- wd fora d indo nos 1 tudo de uma estranha perspectiva jes): 0 pais em q pateve iment parevem todos p ente grande; os paises ao redor wenas regies fronteirigas. Se guisermos descer fundo fo precisamos vigjar ‘ito; na verdade, nem precisamos deixar nossas adjacénciasimediatas e failiares. Witigensein (1946/1980, p. 50) Quando Ludwig Wittgenstein escreveu a passagem acima, em 1946, ele estava comen- tando sobre como o foco em uma questo filo- sofica especifica pode levar a uma percepgo errénea do mundo mais amplo. Podemos co- egar a vet todas as coisas da perspectiva da questo ou do pensamento (0 qual, de um ponto de vista externo, pode parecer relativamente equeno ¢ insignificante), Ficamos presos a essa visdo. Aprofundando-nos cada vez mais, ficamos fixados na questo, ¢ 0 mundo exter- no’ se torna uma fronteira estreita, Podemos compreender facilmente o que ele quer dizer Nossa experincia de nds mesmos e de nosso mundo é guiada por nossa linguagem interior pelas questdes que identificamos como im- Portantes. Assim como um pequeno pet to pode encher uma vida com significado, va-~ lor e riqueza, pode também terminar com ela “Bu simplesmente no agtiento mais e nfo ha nada que eu possa fazer, eu bem poderia estar morto,” Afirmagdes simples como esta so assustadoras tanto para o individuo que sente io haver nenhuma solugo para os seus pro- blemas além da sua propria destruigdo quanto para o terapeuta que nevessita abordé-las. As decisdes sobre os pacientes que esto pensan- do em suicidio ou que fizeram uma tentativa de ‘dio precisam ser tomadas rapidamente. Ha pouco espago para erros, A “suicidalidade”, que «em portugues podemos chamar de tendéncia a0 suicidio, pode, como tal, representa uma erise tanto para o terapeuta quanto para o paciente Slaiku (1990) definiu crise como “um stado tempordrio de perturbagio c desorga- nizagdo, caracterizado principalmente pela in capacidade do individuo de enfrentar uma de- terminada situagao usando os métados costu- meitos de resolugao de problemas, e pelo po- tencial de um resultado radicalmente positive ou negativo”. Os quatro componentes de uma crise ~ sua natureza transitéria, 0 éstado con- comnitante de desorganizagao e estresse, o fra- casso das costumeiras solugdes ou habilid: des de resolugdo de problemas, ¢ a oportuni- dade de reintegragao ¢ de um resultado positi- vo ~ se aplicam tanto ao nosso entendimento da tendéncia 20 suicidio quanto ao seu trata- mento. As crises suicidas sao, na maioria dos casos, de tempo limitado. Embora os pensa- :mentos suicidas possam persistir por periods prolongados de tempo, o intenso ¢ altamente ara agir”, assim como 0 senso interior de ser incapaz de controlar ou resistir aos impulsos, geralmente desaparece depois de um curto periodo. Com apoio ¢ in- tervengées estratégicas, os sentimentos conco- sitantes de angistia se aliviam, podem ser de- Estratégas Cogntivo-Comportamentais de Inrervengio em Sitvagbes de Crise 83 senvolvidas novas habilidades de resolugdo de problemas, ¢ passa a existir a possibilidade de um tesultado positivo, Com preparagdo ¢ 0 aper feigoamento das habilidades de enfret mento, fiuturas crises podem ser evitadas. O objetivo deste capitulo ¢ triplo: primeiro, r visata literatura recente sobre os fatores asst ciads ao risco de suicidio: segundo, oferecer aos terapeutas instrumentos e recomendagoes liteis para a administragio das crises suicidas, e terveiro, dar sugestdes sobre o tratamento dos pacientes suicidas. Os dois ultimos, quais sejam, a administragdo da crise ¢ o tratamento a longo prazo, podem set vistos como proces- sos separados, mas relacionados. O principal™ objetivo na administragio da erise suicida ¢ proteger o pacicnte dele mesmo ~ ass sua sobrevivéncia. A protego pode seguida de varias maneiras: hospitalizagio, jo, terapia intensiva Sem int dos cstressores ou problemas qué pos sam ter precipitado a crise e criagéo de um ambiente mais apoiador e seguro. O tratamen- to de pacientes suicidas envolve identificar ¢ resolver os problemas que contribuiram para a sua tendéncia ao suicidio. Nao é suficiente apenas aliviar os estressores que contribuiram para o atual episédio de suicidio, jé que outros problemas ou estressores podem surgir no fu- turo, Em vez disso, 0 objetivo do tratamento & identificar os fatores que levam individuos a considerar o suicidio uma altemnativa vidvel ¢ desenvolver outras estratégias para er 0s problemas e estresses da vida. Esse ¢ um objetivo mais de longo prazo e costuma ser tratado quando 0 paciente se estabilizou e a crise imediata ps Situagdes de crise so variadas e extre- mamente pessoais, e tendem a flutuar ao lon- go do tempo. Assim, seria dificil preparar uma lista de “regras” especificas para o seu mane jo. Em vez disso, tentaremos apoiar-nos na te ia cognitivo-comportamental contempordnea para oferecer sugestdes que podem ser usad: demancira flexiveleerativa. A tendéncia ao suicidio entre as criangas e os adolescentes € um problema cada vez mais importante; toda- vvia, uma revisio da literatura esté além do es- copo deste capitulo. (Veja Berman ¢ Jobes, 1991; Brent e Kolko, 1990; Freeman e Reinecke, 1993; Overholser ¢ § 1990; Piacentini, Rother 1995; Spirito, Overholser ¢ Via 1995; ¢ Trautman, 1995, para minuciosas discussdes de abordagens cognitivo-comportamentais para avaliar e tratar criangas e jovens suicidas.) MODELOS COGNITIVOS DE DEPRESSAO E SUICIDIO No nivel mais basico, os modelos cogni- tivos de psicopatologia se fundamentam na su- posigao de que existe uma interagdo entre como 0 individuos pensam e como subsequentemen- t€ Se seiifem € se comportam. As suposigoes, esquemas, fembrangas, crengas, objetivos, atri- buigGes, expectativas, desejos, planos, inferén- cias e vieses perceptuais do individuo influen- ciam como ele respond, em termos comporta- ‘mentais ¢ emocionais, aos acontecimentos do seu mundo. Esses processos cognitivos so adaptativos, seletivos e automiticos. Problemas ‘emocionais e comportamentais, incluindo a ten- déncia ao suicidio, so vistos como advindo de representagdes processos de pensamento distorcidos ou desadaptativos, aprendidos em nto anterior no tempo Clinicamente, 0 objetivo do terapeuta é ajudar o paciente a identificar esses processos cognitivos desadaptativos e essas crengas dis- fancionais, ¢ encorajar 0 desenvolvimento de s ¢ habilidades de enfrentamento mais adaptativas ou funcionais. Embora a énfase: teja no entendimento e na modificagao de cren- tativas, suposigdes e esquemas, at rapia cognitiva reconhece importincia de pres- tarmos atengao aos fatores sociais, ambientais, biolégicos, emocionais ¢ comportamentais que podem estar contribuindo para a angistia do paciente Tanto a pesquisa quanto a observagio clinica sugerem um forte vineulo entre depres~ 5 has pes- Soas que cometem suicidio esto deprimidas no momento do ato (Murphy, 1985), ¢ uma 84 Dattllo, Freeman & Cols. revisdio de estudos longitudinais realizada por Guze ¢ Robins (1970) sugere que a incidéncia de suicidio ao longo da vida entre as pessoas clinicamente deprimidas € de 15%, Um estu- do mais recente de Klerman (1987) indicou que 30% dos pacientes com um transtorno afetivo maior morrem por suicidio. Esse indi- ce trés ou quatro vezes mais clevado do qu cm outras condigSes psiquidtricas, e mais de 20 vezes maior do que na populagao em geral (Pokorny, 1964; Roy, 1986; Sainsbury, 1986) A que se deveria isso? A pesquisa iniciada por Aaron Beck no inicio da década de 60 (1967, 1973, 1976) su- e que 0s individuos deprimido ciam uma gama de pensamentos negativistas sobre si mestiios, seu muind6 ou suas experién- cias, ¢ seu futuro, Eles tendem a se ver como tendo sérias falhas e acreditam que os outros 0s rejeitam e tio os apdiam. Em conseqién- cia, tendem a acreditar que no possuem o recursos para resolver suas dificuldades e véem 6 futuro como sem esperanga. Em uma tenta- tiva de preservar os pareos recursos que re- tém, tornam-se passivos ou retraidos ¢ tendem a buscar o reasseguramento dos outros. Seu afeto deprimido distorce sua meméria, ¢ cl lembram seletivamente outros exemplos de fracasso no passado (Bower, 1981), bem como distorce suas percepgdes de eventos atuais (Beck, Rush, Shaw ¢ Emery, 1979). As lentes escuras das crenigas negativistas levam a pes- soa deprimida a perceber que néo tem contro- le sobre acontecimentos importantes da sua vida, fazendo com que se sinta desesperangada (Abramson, Metalsky ¢ Alloy, 1989). Recen- tes estudos prospectivos indicam que os fato- res cognitivos podem aumentar a vulnerabi- lidade do individuo a depressio ¢ ao suicidio (Abramson ct al., 1998; Alloy, Abramson, Murray, Whitchouse ¢ Hogan, 1997; Alloy et al., 1999; Priester e Clum, 1993), As pessoas deprimidas tendem a prestar as conseqiléncias imediatas (¢ néo as mais tardias) do seu comportamento e fazem atribuigdes inadequadas quanto & sua respor sabilidade por acontecimentos negativos. Na costumam reconhecer seus sucessos ¢ podem +r extremamente autopunitivas quando no onseguuem atingir seus padres ou objetivos~ (Fuchs e Rehm, 1977; Rehm, 197). Tendem aver a si mesmas de maneira negativa e de- monstram alto grau de discrepdicia entre como como acham que “dev te” poderiam ser. Dadas essas crengas, expectativas, auto avaliagdes ¢ atribuigées, a pessoa seriamente deprimida pode tomar-se suicida. Sente que sua situagdo dificil do momento é intolerivel acredita ido haver nenhuma esperaiga de mudanga. Conseqitentemente, 0 suicidio se toma uma solugdo Vidvel, Actedita que sua tentativa comunicaré sua angistia aos outros €, portanto, talvez modifique alguma coisa no idealn iam” ser ou ambiente, ou que the trara alivio em relagio 0s problemas. Conforme Shneidman (1985) convincentemente observou: “O estimulo co- mum no suicidio é a dor psicolégica intolerd- vel” (p. 124), ¢ 0 “propésito comum é buscar uuma solugdo” (p. 129). A terapia cognitiva, como tal, tem como objetivo aliviar vieses distorgBes cognitivas especificas, desenvoTver habitidades comportamentais, redtzit-o-cs— tresse ambiental, desenvolver apoios'e ajidar © paciente a comunicar suas preocupagdes aos outros de forma mais clara e adaptativa, O suicidio, dessa perspectiva, é um esta~ do mental, Precisamos adotar essa perspecti- va se quiscrmos compreendé-lo trati Além das distorges cognitivas freqitenteme: te associadas a sentimentos de depressio, ha varias outras distorgdes cognitivas que pare- cem contribuir para o risco de suicidio. Entre elas, destacam-se a “visao de tine!” ou “cons. trig” (Shneidman, 1985) — a incapacidade de enxergar cursos de ago resultados alter- nativos — ¢ 0 “pensamento dicotémico”, Os estudos sugerem que os individuos suicida costumam categorizar os acontecimentos ou as experiéncias em extremos polares. Eles adotam rigidamente uma perspectiva absolu tista, de preto-ou-branco, ¢ tém dificuldade em econhecer nuangas, sutilezas ou altemativas relativistas (Neuringer, 1968; Neuringer ¢ Lettieri, 1971; Wetzel, 1976). Além do mais, 0s individuos suicidas parecem apresentar ni- lo. 86 _Dattlic, Freeman & Cols. cas derivadas da teoria da detecgdo de sinais para determinar os escores étimos tanto para Beck Depression Inventory (BDI) quanto para a Beck Hopelessness Scale (HS) a fim de pre ver o suicidio, Empregando curvas car: ticas de receptores em operagio, cles descobri ram que um escore de 9, ow acima, na HS, e 23, ou acima, no BDI, permitiam prever com pre- cistio 0 isco de suicfdio. Embora o BDI tenha maior especificidade, a HS ¢ mais sensivel para prover suicidio, Os autores sugerem que esses achados indicam que a desesperanga “esté mais diretamente relacionada & inten¢do suicida do que a depresso sozinha” (Beck et al., 1990, p. 193), Tais achados so congruentes com os de um estudo prospective anterior de 165 adul- tos hospitalizados devido a ideagao suicida (Beck et al, 1985). Dos 11 pacientes que co- neteram suicidio 20 longo de um periodo de eguimento superior a dez anos, 10 (90%) apre- sentavam escores superiores a 9 na HS. $6 1 dos pacientes que acabaram cometendo suici- dio teve um escore de desesperanga inferior a 9. Resultados semelhantes foram encontrados «em estudos prospectivos de pacientes psiquia- tricos ndo-intemados, Em um estudo de 2.174 adultos, Beck (1986) descobriu que um escore de 10 identificou corretamente 9 de 10 suicidios finais, produzindo um indice de falsos negati- vos de 10%, Certamente, entretanto, preocupa © fato de 1.137 dos 2.164 pacientes que niio cometeram suicidio (52,5%) também terem re- cebido escores HS iguais ou superiores a 9. O indice de especificidade desse escore, entlo, foi de 47,5% — inaceitavelmente alto para a maio- ria das priticas clinicas. Beck observon que cri- térios mais rigorosos — um escore de corte igual ou superior a 17 — identificam um “grupo alto risco”, cujo indice final de suicidio ¢ 15 vezes maior do que 0 dos outros pacientes niio- internados, Trabalhos © sugerem que pode haver componentes de estado e de trago nos escores da HS (Young et al., 1996). Em um estudo de 316 adultos, descobriu-se que os pa- cientes manifestam um nivel de desesperanga selativamente estavel, “de trago”, quando nio estdo deprimidos, assim como um aumento no pessimismo, “dependente do estado”, que acompanha o episédio depressivo. A linha de base da desesperanga dos pacientes como um “trago" indicava futuras tentativas de suicidio, 20 passo que o aumento no escore ¢ o escore no. Parece, entdo, que os pacientes que ‘mantém uma vislo pessimista crénica correm um risco maior de gestos e tentativas suicidas, Esse estudo sugere que talvez seja itil avaliar “qui pessimista é esse paciente quando ni deprimido, e quanto sua desesperanga se acer tua durante o episédio depressivo”. Tomados ‘emt conjunto, esses achados indicam que a de- sesperanga deve ser vista mais como um indi- cador do potencial suicida do que como um int- dicador de um comportamento especifico e uum momento especitico. A desesperanga pode ser usada, em conjungdo com outras informa- es clinicas, para estimar o risco de suicidio Convém reconhecer que, embora a de- sesperanga parega ser um solido indicador do risco de suicidio entre adultos, também foram. relatados achados equivocos (Kennedy ¢ Reinecke, 1998). Uma forte relagao entre de- sesperanga e tendéncia suicida é mais freqiien- temente encontrada em pacientes com uma his teria de gestos suicidas e em pacientes, hospi- talizados ou no, mais pravemente deprimidos. No entanto, as pesquisas com pessoas idosas (Uncapher, Gallagher-Thompson, Osgood ¢ Bong, 1998), adolescentes (Rotheram-Borus ¢ ‘Trautman, 1988), prisionciros (Ivanoff e Jang, 1991) ¢ universitirios (Bonner e Rich, 1987; Rich ¢ Bonner, 1987) so menos consistentes Tomados cm conjunto, esses achados de: cam a importancia de considerarmos simulta neamente a depressdo e a desesperanga quan- do avaliamos e tratamos adultos suicidas, e de examinarmos a desesperanga no contexto de uma variedade mais ampla de fatores de risco ognitivos, sociais ¢ psiquiatricos. RUMO A UM MODELO INTEGRADO DE RISCO Varios fatores psiquidtrices, sociais, am. bientais ¢ cognitivos estdo associados a seve- Estratégas Cognio-Comportamenas de nervenio em Siuasées de Cise 87 rida dos pensamentos suicidas e podem ser- vir como indicadores do risco de suicidio, Em- bora 0s estudos tendam a examinar essas veis isoladamente, trabalhos recentes ba ados onatologia, stugerem que esses fatores po: dem: iteragir ¢ contribuir juntos para a predis- posigio ao suicidio, Em uma tentativa inicial deavatiar um modelo integrativo, Rudd (1990) descobriu que acontecimentos estressantes de Vida tram indicadores significativos tanto de depressdo quanto de desesperanga, as quais, por sua vez, mediavam a relagiio entre acontecimen tos negativos de vida e gravidade dos pensa- mentos sticidas. Relagdes significativas tam- bbém foram observadas entre 0 apoio social per cebido, acontecimentos de vida e tendéncia sui- cida. De modo semelhante, Clum ¢ Febbraro (1994) deseobriram que a tressan 019 social € as habilida- des de resolugio de problemas sociais intera- sgiam para indicar a gravidade da tendéncia su cida em uma amostra de 59 universitarios ero- nicamente suicidas. Isso é congruente com as observagGes de Yang e Clum (1994), que des- cobriram que apoio social e habilidades para resolugdo de problemas podem mediar a rela- fo entre acontecimentos estressantes de vida € ideagao suicida em jovens adultos. Estilos de Duigdo também interagem com os aconteci rmentos estressantes de vida para indicar niveis de depressio, desesperanga da em universitarios (Joiner ¢ Rudd, 1995), Faz quase quinze anos que Ellis (1986) sugeriu que o padrao de déficits cognitivos ob- servado em pacientes suicidas pode distingui- los de outros individuos € que tais diferengas talvez justifiquem 0 desenvolvimento de pro gramas terapéuticos distintos para pacientes icidas, Parece que as caracteristicas co, tivas dos pacientes suicidas descritas por e déficits nares rigidez cognitiva iodo sui- cidio como uma solugao vidvel e desesperan- ga ~ podem inte estressantes de vida, a impulsividade compor- tamental ¢ a falta percebida de apoio social, colocando o individuo em risco. Embora as tecimentos es- de vida, imentos as entre esses fatores ainda relagbes espe no sejam conhecidas, est comegando a sur- gir o esbogo geral de um modelo integrado de vulnerabilidade e tratamento, FATORES SOCIAIS E PSIQUIATRICOS DE RISCO Também foi identificada uma série de fa- tores sociais e psiquidtricos que colocam a pes- 0a em risco de suicidio. Toda Pokomy (1986) observou, a tendéncia suicida nfo representa uma entidade singular, mas re- fete um continuo que vai da ideagao A tentati- va € ao suicidio consumado. As pesquisas su- igerem a existéncia de diferengas significativas entre 0s, individuos que pensam em suicidio (ideagao) eos que tentam ou completam o ato, Estes trés grupos ~ os que penstim, os que t tam € 08 que completam o ato — so, de man ras importantes, independentes distintos. Con- vém lembrar, entdo, que diferentes fatores po- dem estar associados ao risco em cada um des- ses grupos. Além do mais, parece haver dife rengas intrinsecas a cada um desses grupos em relagdo ao nivel de intengao, letalidade dos meios, presenga de circunstincias atenuantes ¢ presenga de impedimentos. Assim, & essencial adotarmos uma abordagem individualizada ou idiogréfica na avaliagdo da tendéncia suicida. Finalmente, & importante definir 0 que queremos dizer com fator de risco ou indica- dor. Os fatores de risco podem ser definidos como experiéneias, acontecimentos ou propen- Ses que tornam mais provavel um determina- do resultado — nesse caso, a tentativa de suici- dio ou 0 suicidio consumado. Eles podem t um papel causal no desenvolvimento da crise podem ser necessarios e/ou suficien- que a pessoa se tome suicida. Por 0 talvez_possam apenas contribuir paraa crise: aumentam a probabitidade de uma tentativa de suicidio, mas nao sao nem n arios nem suficientes para que ocorra 0 ato. ais podem ser proximais ou podem ter acontecido im es do inicio da crise suicida (por a, conforme 88 Dattiio, Freeman & Cols. exemplo, um executivo que é despedido por desfalque e pega emprestada uma arma para cometer suicidio) ou bem antes no passado do paciente. Tantos os estudos prospectivos quan- to 0s retrospectivos sugerem que os aconteci mentos estressantes de vida (incluindo proble- ‘mas profissionais ou legais, acontecimentos so- ciais humilhantes, a perda recente de uma pes soa amada mudanga de residéncia) sociados a um risco aumentado de suicidio (Hagnell e Rorsman, 1980). Também se sabe que a perda de um progenitor durante a infin- ‘cia aumenta o risco de suicidio anos mais tarde (Adam, Bouckoms ¢ Streiner, 1982; Adam, Lohrenz, Harper ¢ Streiner, 1982; Goldney, 1981; Roy, 1984). Fsses achados so impor tantes porque as experiéncias negativas iniciais ~ incluindo psicopatologia familiar, relaciona- ‘mentos negativos com pares, abuso ¢ negli- géncia, instabilidade familiar e um ambiente familiar caético — parecem estar associados tanto aos indicadores cognitivos de vulne- rabilidade quanto ao comportamento suicida posterior (Yang ¢ Clum, 1996). Fatores que predizem o suicidio a curto prazo diferem dos que esto associados ao ris- co por periodos mais prolongados. Com essas considcrages em mente, examinem a lista de Tuckman ¢ Youngman (1968) de fatores de riseo para o suicidio. Com base em um acom- panhamento por cinco anos de 3.800 pessoas que tentaram suicidio, eles identificaram 17 vativeis que estdo associadas ao suicidio pos- teriormente consumado: Mris de 45 anos de idade Homem Branco Separado, divoreiado ou vitivo Mora sozinho Desempregado ou aposentado Problemas médicos nos tltimos seis me: ‘Transtomo de humor, alcoolismo ou ou- tros problemas mentais Recebeu atendimento médico durante os lltimos seis meses Tentativa de suicidio por arma de f pulo ou afogamento Tentativa realizada durante os meses de cal Tentativa realizada durante o dia Tentativa realizada na prépria casa ou na A pessoa relaton a tentativa quase ime- diatamente ‘A pessoa nega a intengo de se matar Bilhete de suicidio Tentativa anterior de suicidio Devemos marear um ponto para cada um dos fatores de risco identificados, ¢ o total de pontos indica 0 grau de risco de suicidio con- sumado, Um escore de 5 2 9 € visto como su- gestivo de risco moderado, ao passo que um escore superior a 9 indica um risco elevado. Como podemos ver, variiveis demogréticas, acontecimentos estressantes de vida e historia psiquidtrica indicam o risco de suicidio nas ps soas que jé fizeram alguma tentativa. Alguns anos mais tarde, Weisman ¢ Worden (1974) criaram uma segunda escala para avaliar 0 risco de suicidio entre as pessoas que ja haviam tentado. Sua escala inclui tanto fatores de risco quanto de resgate, e & a tinica ‘em que se atribui um peso a cada item. Os fato- res de risco se centram na natureza e letalidade dos meios empregados na tentativa de suicidio, se ela resultou em prejuizo da consciéncia, na severidade ¢ reversibilidade do dano efetiva- mente infligido pela tentativa, e na natureza do tratamento necessirio. Os fatores de resgate in- cluem o local da tentativa, a disponibilidade de “salvadores” ¢ a quantidade de tempo decorri- do entre a tentativa ¢ a descoberta. Uma razio risco/resgate € caloulada ¢ usada, juntamente com outras escalas ¢ dados clinicos, para esti- mar 0 risco de suicidio. Esse estudo se expan- dec envolve pesquisa sobre as variaveis demo- grits ssoviadas 20 suicidio, suge- rindo que os associa entativa de suioidio podem ser titeis para a previsio de {ativas posteriores. Em um provocativo estudo le individuos que tentaram o suicidio por overdose, Buglass ¢ Horton (1974) identifica- ram seis fatores associados ao risco aumentado de futuras tentativas de suicidio: soci Estratégias Cognitivo-Comportamentais de Intervengio em Situagies de Crise 89 problemas com o uso de alcool; 2) tninstomo sociopatico de personali- mento psiquidtrico anterior com: imternagao; 1) tratamento psiquidtrico anterior sem internacao; 5) teatativas de suicfdio anteriores que > Fesultaram em hospitalizagéo; 6.’ nfo morar com um parente A prebabilidade de nova tentativa de sui- cidio durante um periodo de acompanhamento de um ano varia de 5% para os individuos que recebem um escore de 0 a aproximadamente 45% para os que recebem um escore de 5 ou 6 Essa escala foi validada cruzadamente Garzotto, Siani, Zimmerman-Tansella e Ta (1976) ¢ Tansella (1979), Mais uma vez fatores psi- Guiatricos ¢ sociais (nesse caso, isolamento so- cial) se revelaram como fortes indicadores de comportamento suicida. Mais recentemente, Fawoett ¢ colaboradores (1987), em um estu- do prospectivo de 929 pacientes clinicamente doprimidos, descobriram que desesperanga, anedonia e humor ciclico indicavam um suici- dio consumado durante os doze meses poste- riotes a uma tentativa de suicidio. Tomados em conjunto, esses estudos su- ‘gerem que uma série de varidveis — incluin fatores demogrificos, sociais, ambientais, comportamentais, psiquiatricos ¢ psicolégicos esto associados ao risco de suicidio (Bucrk, Kurz e Moeller, 1985). Em uma crise suicida, cada um desses dominios deve ser avaliado. Mas devemos tomar cuidado quando empre gamos essas escalas, pois a limitada fidedig- nidade de alguns itens individuais pode redu- ir a utilidade das escalas para a previsdo de tentativas de suicidio em certas populagdes (pirito, Brown, Overholster e Fritz, 1991) Conforme observamos, 0s individuos com tum transtomo psiquiatrico diagnosticavel cor- rem um risco maior de tentar 0 suicidio, O ris- co é maior entre as pessoas com depressio, es quizofrenia, alcoolismo, abuso de substincias ow transtortio de personalidade (Caldwell € Gottesman, 1990; Holding, Buglass, Duffy ¢ Kreitman, 1977; Klerman, 1987, Miles, 1977; Morgan et al., 1975; Robins, 1985, 1986; Roy € Linnoila, 1986; Roy, Lamparski, Delong, Mover ¢ Linnoila, 1990). Embora tenham sido relatados achados discrepantes (Beck, Steer Sanderson ¢ Skeie, 1991; Friedman, Jones. Chemen ¢ Barlow, 1992), estudos recentes su- orem que individuos que sofrem de transtorno de pénico também podem estar correndo um sisco maior de tentar 0 suicidio. Com isso em mente, recomendamos uma cuidadosa avalia- 40 diagnéstica como parte da avaliagaio do ris- co de suicidio. Pesquisas recentes com uma amostra nfo- idtrica de jovens adultos sugerem s cronicamente suicidas tém uma histéria de problemas psiquiatricos na in- fancia e que a severidade da ideagdo suicida nos jovens adultos pode estar associada A a anterior (Clume Weaver, 1997) ses achados so ao mesmo tempo compl xos € intr gerem a existénci envolvimento de uma vulnerabilidade & tendéncia suicida er6- nica, e que um levantamento da psicopa- tologia pregressa pode desempenhar um pa- pel importante na avaliago abrangente do ris- co de suicidio Embora fatores demogriticas, sociais,psi- quiatricos ¢ psicolégicos sejam tteis para identi ficarmos grupos de individuos com maior risco de suicidio, cles nao sao considerados iteis para predizer o comportamento desses individuos, Dada a incidéncia relativamente baixa de suici dios consumados na populagdo em geral (emes moos grupos de alto risco), as escalas de avalia- sao baseadas em caracteristicas demograficas, sociais ¢ psicoligicas sto acompankadas por in dices inaccitavelmente elevados de falsos-posi- tivos ¢ falsos-negativos. O risco de suicidio de umn individuo parece estar mais fortemente rela- cionado 5 clinicos ¢ proximais do que a nograficas. Conforme Leste (1974) observou, as escalas baseadas em varié lemograficas tendem, por sua prépria natu- reza, a ignorar di i Isso niio diminui o valor ou a utilidade dessas escalas. Na si 90 Dattilio, Freeman & Cols, de risco como as que descre~ complementam. Juntas, elas formam a base de uma avaliagao abrangente e sensivel do risco de suicidio e d vetn ser usadas como um guia. Escalas de risco de suicidio e informagdes delas derivadas de- ‘vem ser integradas com os resultados de entre- vistas clinicas ¢ com uma revistio da historia do paciente para podermos estimar 0 risco atual. J que a probabilidade de uma tentativa “bem-su- cedida” de suicidio & maior durante os meses pratica, as escal que se seguem a uma tentativa inicial, os terapeutas que trabalham com pacientes sui das devem ficar especialmente atentos imedia- tamente apés a tentativa ou a alta hospitalar. SUBTIPOS DE MOTIVACAO, PARA 0 SUICIDIO Freeman ¢ Reinecke (1993) desereyeram quatro grupos de pacientes suicidas:((1) Suici- dio desesperangado; (2) suicidio psicéti¢o; (3) suicidio racional; ¢ (4) suicidio histridnico ou impulsivo. O subtipo desesperangado se refere as pessoas que acreditam que sua situagao ¢in- tolerdvel e ndo ha nenhuma esperanca de me- lhora. Elas se tornam extremamente pessimis- tas ¢ vem 0 suicidio como uma solugdo razo: vel para os seus problemas. Muitas vezes, sas pessoas so motivadas por um desejo de ali- vio em relagao as suas dificuldades e conside- ram “adaptativo” o suicidio. Embora possam frequentemente estar ambivalentes quanto a da um fim a sua vida, seu pervasivo sentimento de esesperanga pessoal as pressiona a agir, Ape sar de o paciente suicida freqientemente sentir outras emogGes — ineluindo raiva ou édio, eul- rergonha, medo, isolamento ¢ soliddio~, 60 imento de desesperanga ¢ impoté mudangas que o levam a morte, A experiéncia clinica sugere que o individuo desesperangado consegue visualizar um futuro, mas um faturo que é pior do que seu presente. Eles acreditam que o seu softimento vai continuar, que o abi mo onde cairam nao tem fim ¢ que o suicidio é a sua tinica solugao. O segundo grupo, do suicidio psicético, nclui pacientes que te: u del ios de comandos (Caldwell e Gottesman 1990; Gardner ¢ Cowdry, 1985; Roy, 1982, 1986; Roy, Mazonson ¢ Pickar, 1984). Embo- ra o suicidio seja a principal prematura entre os individuos com uma hist ria de esquizofrenia, as pesquisas nao a crenga de que os pacientes delirantes te © suicidio em resposta a alucinagdes de co. mando (Nathan ¢ Rousch, 1984). Em vez dis- 50, 08 esquizofrénicos tentam o suicidio du rante periodos de relativa lucidez. Ea croni- cidade da docnga ¢ a recorréncia inexoravel dos episédios psicéticos que colocam o indi- vviduo em risco de suicidio, Conforme eles se tornam conscientes de sua condigao de dete- € perdem a confianga na efetividade fatamento, surgem sentimentos de pessi- mismo’e aumenta 0 risco de suicidio. Os suicidas racionais constituem um ter- ceiro subgrupo de pacientes. Mais freqiente- ‘mente, esses individuos sofrem de uma doen- ga terminal ou progressiva e vem o suicidio como um curso de agdo razoavel. Como os pa- cientes “desesperangados”, esses individuos so habitualmente motivados pelo desejo de alivio de sua doenga ou pelo desejo de evitar a dor ou 0 sofrimento decorrente de sua con- digdo de deteriorago. $6 uma pequena por- centagem de pacientes suicidas, cerca de 2%, estd terminalmente doente no momento da ten- tativa, Destes, a maioria também manifesta um transtorno mental agudo, como depressio, Sendo assim, nao esta claro se essas tentati- vas sfo “racionais” no sentido tradicional do termo, Individuos histridnicos ow manipulado- res constituem um qui tes suicidas. Eles séo motivados nfo por um desejo de alivio, mas p lagGo ou excitago. Eles nao tendem, como grupo, a se sentir particularment rangados ou pessimistas. Pelo contrario, com freqiiéncia so motivados por um desejo de atengdio on vinganga ~ eles querem “fazer al- guém pagar” por um erro percebido. Embora suas tentativas muitas vezes sejam impulsivas alucinagbes Extratéglas Cognitwo-Comportamentals de ntervencio em Stuagées de Crise 9 © possam ser vistas pelos outros como “busca de atengd”, clas nao devem ser ignoradas, nem sua Significagao deve ser minimizada ‘Temes de reconhecer que existe uma ta sobreposigdo entre essas altermativas ¢ que foram propostos outros esquemas conceituais para compreendermos 0 comportamento sui- cida (Aretsman e Kerkhof, 1996; Reynolds ¢ Berman, 1995). Tipologias como esta so ins- trumentos clinicamente itcis para avaliarmos rapidamente a motivagdo para o suicidio e pla- nejarmos 0 tratamento. De particular interes- se €0 fato de que em trés dos quatro subtipos (com exeesdo do histriénico-manipulador) suicidio ¢ mediado por sentimentos de pessi- mismo ou desesperanga, Essa tipologia € sistente com os resultados de um estudo de 200 adultos hospitalizados apés tentativa de suici- dio (Kovaes, Beck e Weissman, 1975). Des- ses pacientes, 56% deles relataram haver tenta- do suicidio como um meio de obter alivio de seus problemas, ao passo que 13% tin tado suicidio “com o nico propésito de ten- tar efetuar alguma mudanga nos outros ou no ambiente” (p. 3 isse esquema conceitual dos subtipos uicidas é semelhante, de varias maneiras, a0 proposto por Beck, Rush ecolaboradores (1979) Eles também sugeriram que os individuos sui- cidas podem ser diferenciados com respeito sua motivagdo para considerar o suicfdio. Bles propuseram que alguns individuos so moti- vados por um “desejo de escapar ou por fim 20 sofrimento”, enquanto outros so motiva- dos p jo de comunicar” suas preo- cupagGes aos outros, Eles sugerem que os que sdo motivados por um desejo de escapar po- dem ser mais desesperangados ou pessimistas do que 0s que sio motivados pelo desejo de expressar suas dificuldades aos outros. Uma avaliagao da motivagao do paciente para con- siderar o suicidio é clinicamente importante, considerando que os objetivos do tratamento diferem para cada um dos grupos. Os senti- mentos de pessimismo poderiam, por exem- plo, ser um alvo razoavel para o individuo desesperangado ou racional, a0 passo que a 01 (o apropriada e a regulagao da ra vva poderiam ser o foco do tratamento para paciente histriénico-manipulador. AVALIAGAO Embora 0 risco de suicidio deva ser re- gularmente avaliado quando trabalhamos com individuos deprimidos, hé duas situag que é necessdria uma avaliagdo mais formal — quando os pacientes expressam pensamentos suicidas ¢ depois de terem feito um gesto ou uma tentativa de suicidio (Williams e Wells, 1989). Dada a variedade de fatores associados a0 risco de suicidio consumado, uma avalia- ¢do abrangente inclui uma entrevista diagnés- tica e desenvolvimental, uma avali las objetivas de avaliagdo e ume: talhado ¢ amplo de fatores de risco ¢ de protegao. Entrevistas clinicas A avaliagio do risco de suicidio tipi mente comega com entrevistas clinicas com 0 aciente e membros da familia. Como vimos, foram identificados fatores associados a um risco aumentado de suicidio. Em consequén- cia, uma série de questdes devem ser aborda- das na entrevista clinica (Freeman ¢ Reinecke, 1993; Yufit e Bongar, 1992). Elas ineluem 0 seguinte: 1. Que razdes o paciente tem para con- templar o suicidio? Ele foi motivado por um desejo de alivio dos proble- mas ou pelo desejo de manipular os outros, obter atengao ou buscar vin- ganca? 2, Ble apresenta algum transtorno psi- quidtrico especifico? 3. Ele experiencia no momento senti- mentos significativos de depress ou desesperanga? Parece altamente ansi- 050, agitado, hostil, desconfiado ou evasivo? 92 _Datttio, Freeman & Cols 4, Ele sente que seu softimento ¢ intole ravel e requer uma solugdo imediata? Qual é 0 grau de sua intengaio suici- ? A tentativa foi cuidadosamente planejada ou foi impulsiva? Ele acre ditava que teria sucesso? O “resgate” ra previsto ou provavel? Que fatores sitnacionais ou sociais contribuiram para a tentativa? Esse: emas so muito antigos ou intra- tavei Ele possui capacidades de enfren- tamento adaptativas ou, inversamen- prega estratégias de enfrenta- mento desadaptativas, como abuso de alcool ou de substincias? Ele foi ca paz de lidar com problemas sérios ou ‘ado? Que recursos © apoios sociais esto a0 aleance do paciente? Ha pessoas as quais ele sente que pode recorrer eem quem pode confiar? O que ele acha que as outras pessoas, como a familia © 08 amigos, pensam de seu plano ou tentativa? Ele ¢ sozinho, isolado ou retraido? Qual €a sua atitude em relagdo 4 mor- te € a0 suicidio? Ha impedimentos para o suicidio ou razBes para viver? (A esperanga no faturo seria vista como un forte impe- dimento.) Ele acredita ser possivel que sua situago mude e que ele possa ser capaz de provocar essa mudanga? Hi crengas, atitudes ou expectativas nio-verbalizadas mantendo seu dese- jo de morrer? Ble & capaz de gerar ¢ avaliar solu- Ges altemativas? Tem um estilo cog- nitivo flexivel ou rigido? Aceita as alternativas sugeridas pelo terapeuta ou as rejeita imediatamente como im- ossiveis? Recomendagdes semelhantes foram fei- paciente sobre suas experiéncias recentes, Um questionamento empatico e sensivel pode ser itil na identificagdo dos fatores que contribu- em para a crise suicida. Penguntas recom dadas incluem as seguintes: 1. 0 paciente experiencia periodos que se sente deprimido ou desanim do em relagao a sua vida? Quanto tempo duram tais periodos? Com que freqiéncia ocorrem? Qual sua severidade? Estilo evidentes sin: tomas associaclos de depressao? Ele se sente desesperangado, desenco- rajado ou autocritico? Como administra esses sentimentos IdeagGes suicidas esto presentes? De quenatureza’? Que apoios esto disponiveis? Seo paciente expressa pensamentos sui- cidas, ¢ essencial determinar suas razdes ou motivos especificos para considerar 0 suici- dio. A forea de seu desejo de tentar 0 suicidio © a existéncia de um plano especifico devem ser avaliadas. Ele fez um plano especifico? Qual é seu entendimento da letalidade desse plano? Ele tem os meios a oportunidade de se matar? Jé fez alguma tentativa no passado? © questionamento adicional pode focalizar a existéncia de impedimentos efetivos a tentati- va. Ble tem razdes para querer viver? Quo fortes ou importantes so essas razdes? A ava~ liagdo continuaria com uma discussio dos stresses ¢ apoios percebidos por ele ¢ com um exame de sua costumeira abordagem de solugao de problemas. Bla encerraria com uma revisdo da histéria médica e psiquidtrica e com uma avaliagdo de seu humor atual. Deve ser dada especial tengo a avaliagaio dos niveis atuais de depressao, desesperanga, ansiedade Escalas de avaliagao tas por Motto (1989). Este observou que 03 fatores associados ao risco de suicidio podem ser avaliados por meio de perguntas dir. Avaliar risco de suicidio é uma tare complexa, Escalas de avaliagdo padronizadas Estratégin Cognisivo-Comportamentals de Intervencio am Situagées de Crise 93 podem se" bastante titeis nesse sentido e cons- tituem urstadjunto valioso para a entrevista cli- nica. Muiias das medidas existentes sao con- cisas, factis de administrar e provaram sua uti- lidade clitica, Além de proporcioi ce quantitativo do humor e da te da do paciente, os itens especificos invest dos podem dar a0 t tantes sobre as reas mats probl bora muites dess extensivo apoio empirico, convém lembrar que seu valor é nominal - clas estao sujeitas & niticas, Em: ham recebio um distorgao se 0 paciente quiser minimizar ou 1 Seu atual sofrimento, Dever ias corroborativas com a familia amigos do paciente Entre as medidas mais titeis para avaliar o carter suicida temos a Escala para Ideagao Suicida ( 7 Suicide Ideation) (SSI. Beck, Kovacs ¢ Weissman, 1979). A escala sm 19 itens, que s4o avaliados pelo tera~ peuta em uma escala de 0 (0 menos grave) a3 s bus- mento no pasado do pa sentiu pior do que nunca” Aescala é aplicada como uma entrevista semi-estruturada ¢ produz uma estimativa quantitativa da intensidade dos pensamentos ¢ impulsos suicidas do paciente. A avaliagdo da ideagao suicida em seu pior mo- ‘mento é de especial interesse, ja que trabalhos recentes sugerem que isso pode identificar um subgrupo de pacientes que corre um risco re lativamente elevado de eventual suicidio (Beck, Brown, Steer, Dahlsgaard ¢ Grisham, 1999), Uma verso modificada MSSI (Miller, Norman, Bishop ¢ Dow, 1986, Clum e Yang, 1995) também esta disponivel. ‘Ambas as escalas te titel, ssa escala, a bre as motivagées do paciente para considera 0 suicidio e os impedimentos cxistentes. ‘A Escala para Ideagdo Suicida (SIS; Beck, Schuyler ¢ Herman, 1974) é um questionirio de 5 itens que avalia a intensidade do desejo de morrer no momento da tentativa. As informa goes obtidas servem como um indice do risco de futuras tentativas. Os autores sugerem que a intengao suici ér fim a propri ponentes do risco suicida. Outrds fatol em o acesso a meios, a presenga de impe: ios ou “individuos protetores” e 0 conhe- cimento da letalidade do método escolhido, A ngdo suicida é conceitualizada como re: fletindo um equitibrio entre 0 desejo de mor- rer © 0 desejo de proteger a vida, ¢ se acredita teja baseada em estimativas feitas pe idade de sua tentati- ou o risco de sui clus va ter sucesso. A inteng? dio poder Conforme Beck, Rush ¢ colaboradores (1979, p. 210) observaram: “Em um extremo, esta a intengo absoluta de se matar e, no outro e ‘remo, a intengzo de continuar vivendo”. A po: (0 da pessoa nesse continuo nfo é estatica, mas varia de acordo com suas percepgdes ¢ crengas. A intengao suicida é conceitualmente ndente, como tal, da letalidade da ten- tativa, Isso & clinicamente importa pessoa pode apresentar um alto grau de inten- do suicida, mas fazer uma tentativa inefeti nio-letal (por exemplo, ingerir um nimero r Jativamente pequeno de aspirinas). A Escala para Ideagai ui itens sobre 0 gesto suicida e perguntas sobre os pensamentos sentimentos do paciente no momento da ten- ide Attempt Rating € outra medida titil para estimar a letalidade de uma tentativa, Ela difere da SIS por nio nar julgamentos sobre a intengSo e pi meditagao do paciente ou de seu entendimen- to da letalidade da tentativa. Em resultado, & menos suscetivel a vi o pacie te, € 0 ferapeuta pode estimar o grau de let lidade da tentativa em uma eseala de 11 pon- tos (0-10), usando como guia uma tabela de varidveis de risco ¢ um conjunto de nove pon- tos de partida bem-definidos, Outras medidas de risco suicida incluem es Suicide Prevention Scale/Suicia (LASPS/SDPS; Letter sment Scale (SRAS, Motto, Heilbron ¢ Juster, 1985), a Scale for Assessing Suicidal Risk (SASR; Tackm: no relato 94 Dattiio, Freeman & Cols. Youngman, 1968), a Suicide Probability Scale (SPS; Cull e Gill, 1982), a Suicide RiskMeasure (Plutchik, van Praag, Conte ¢ Picard, 1989), a Short Risk Scale (SRS; Pallis, Barraciough Levey, Jenkins ¢ Sainsbury, 1982), a S Potential Scale (SPS; Dean, Miskimins, DeCook, Wilson € Maley, 1967) ¢ 0 Index of Potential Suicide (IPS; Zung, 1974), © Reasons for Living Inve) Linehan, Goodstein, Nielsen e Chiles, 1983: Linehan, 1985; Osman et al., 1999) é um ins trumento interessante e valioso, Ele no ava- lia a ideagdo suicida; ao contrario, é uma es auto-relato, com 48 itens, sentimentos ¢ crengas sobre ndo tentar 0 sui= cidio. A escala ¢ itil para identificar impedi- ‘mentos que possam ser significativos para 0 ppaciente, assim como a forga desses impedi- mentos. Como tal, o inventario ajuda a identi- ficar alvos para a intervengao clinica. Entro as medidas mais valiosas existentes atualmente para avaliar o pessimismo, est a Beck Hopelessness Scale (HS; Beck, Weissman, Lester ¢ Trexler, 1974). Como ja di desesperanga ou o pessimismo so fortes in- dicadores de risco de suicidio no adulto ¢ cons- titui um alvo importante na terapia. BDI (Beck, Ward, Mendelson, Mock ¢ Erbaugh, 1961) € uma escala de auto-relato, com 21 itens, que avalia atitudes, sentimentos € sintomas depressivos. F a escala de avalia- eo da depressiio mais utilizada no mundo se tomnou “o padro em sua classe” (Rabkin ¢ Klein, 1987, p. 64) ¢ “uma pedra de toque que serve para comparar avaliagdes derivadas de outras medidas” (Steer, Beck e Garrison, 1986, P. 123). Os itens recebem um escore de 0 (nem. uum pouco) a 3 (severo) ¢ séo somados para produzir um escore total. Os escores no BDI ¢, na sua recente revisto, o BDL, esto alta- mente correlacionados com intengio suicida © com medidas de auto. ansiedade. Como observamos, pesquisas recentes sugerem que os pacientes ansiosos, especial- mente aqueles com uma historia de ataque de panico recorrentes, apresentam um risco au- ory (RLI, mentado de suicidio. Além disso, os pacientes deprimidos ¢ suicidas com freqtiéncia so ex: tremamente ansiosos ¢ agitados. Com isso em mente, em geral convém avaliar os niveis de ansiedade do paciente deprimido ou suicida Questionarios como 0 Beck Anxiety Inventory (Beck, Epstein, Browme Steer, 1988) so muito iiteis para essa avaliagao, INTERVENCOES Conforme Bongar (1991) observou em sua discussao sobre o manejo do paciente ise suicida ndo-interado: Se oterapenta fear preocupade com a quest com @ ameaga de suicido de wm paviente, iso pode dista-lo da area prinepal de prestaraten Gio fs bases mais motivacionais do tratamento \erepeutico, o qual ¢ solamente fundamentado no entendimento do poder de uma aliaga tra putca slide em um plano de tratamento bem foamlad.(p. 104) Muito verdadeiro. O tratamento efetivo da tendéncia suicida, como em outros proble- mas clinicos, comega com o estabelecimento de uma colaboracao teraputica de confianga como desenvolvimento de uma conceituali- zagdo € um plano de tratamento claros, sim- ples e econdmicos, Beck, Rush e colaboradores (1979) des- creveram uma série de passos no trabalho com individuos suicidas. Apés avaliar o risco de suicidio e compreender os motives do pacien~ te para considerar o suicidio, 0 primeiro obje- tivo do terapeuta é “entrar no seu mundo ¢ cenxerga-lo com as lentes do paciente” (p. 212), Uma postura fenomenolégica ¢ parte integral do modelo cognitivo (Freeman ¢ Reinecke, 1995) ¢ 0 fundamento para compreendermos ¢ tratarmos as preocupagdes mais urgentes do ps ciente, Empatizar com o desespero do pacien- te, entender seus motivos para pensar em se destruir e reconhecer sua crenga de que nio existem altemativas podem fazer com que cl se sinta compreendido e aceito, Estratégias Cognitivo-C nportamentais de Intervengio em Situagdes de Crise 95 Como Freeman ¢ Reinecke (1993) obser: varam, tonvém reconhecer que “o suicidio & uma op So, as coisas estéo ruins para vo morte & algo que potteria ser considerado” (p. 61). Conforme um paciente suicida disse “eee é a primeina pessoa que sempre compreen evisso realmente, Todas as ouras a6 tna mi Aissadic ou me dizem que as coi eu Deus, pores?” poderiam ser Esv reconheoimento deve ser seguido por uma discussio de alternativas possiveis € de uma lista de passos concretos a serem da- dos. Além de aumentar 0 rapport, essa abor- dagem pode reduzir ganhos manipuladores que alguns pacientes buscam com a ameaga de suicidio. O paciente pode sentir-se reassegu- rado pela franqueza do terapeuta em discutir seus petsamentos e preocupagées mais terri- veis, As pessoas suicidas costumam ver a mor- te como uma solugio razoavel para 0 seu so- frimento. De fato, podem vé-la como a tinica solugdo possivel. Uma meta terap2utica é au- ‘mentar seu sentimento de esperanga, demons- trand6 que, embora o suicidio continue sendo uitia opgao, nao é a sua iinica opgdo. Além do mais, ho é a sua melhor oped. 0 ‘ebjetivo do manejo da crise é simples ~ preservara vida do paciente. Isso se consegue dévolvendo a esperanga ao paciente, criando impedimentos efetivos, aliviando estressores € oferecendo apoio, Quando se defronta com uma crise suicida, 0 t jota uma pos tura ativa, orientada parao problema. Em con trast com a psicoterapia tradicional, ¢ dada ‘uma énfase minima a interpretagao do relacio- amento terapéutico ou ao exame dos acon- tecimentos durante 0 desenvolvimento do paciente. Como dissemos, 0 prejuizo na capa- cidade de resolver problemas e as distorgdes cognitivas geralmente contribuem para a crise suicida. O terapeuta tenta ser, entdo, um “guia onal” apoiador — um ego extemno, por as sim dizer, para suplementar os limitados re~ cursos cognitivos do paciente. Enquanto 0 paciente suicida tipicamente vé pouc: nativas, 0 terapeuta o ajuda ativamentt contrar solugées. Quando os pacientes relata sentir que seus problemas so numerosos ¢ magadores, 0 terapeuta os divide em unidades menores que podem ser atacadas individual mente. Quando os pacientes adotam estratégias de manejo desadaptativas (tal como usar dlcoo ou drogas), o terapeuta trabalha para desenvo vor habilidades de mangjo mais efetivas. Os pacientes suicidas freqitentemente se sentem isolados dos outros ¢ acreditam que nao hd ninguém a quem possam confiantemente recorrer em busca de apoio. E essencial, entio, que o terapeuta esteja disponivel. Sessbes 1 gulares devem ser marcadas tdo freqiientemen- te quanto necessario, ¢ os pacientes devem r ceber um cartio com nimeros de telefone de emergéncia para os quais podem ligar a qual- querhora do dia ou da noite. Isso pode incluir 0 mimero do telefone celular ou do telefone re sidencial do terapeuta, de uma sala de emer- géncia ou centro de atendimento de um telefone onde possam localizar o terapeuta A proviso de um apoio confidvel e sélido g¢ ralmente é muito reassegurador para os pacie tes suicidas. A mensagem terapéntica de que alguém estar confiavelmente & disposig ra garantir sua seguranga é de suprema impor- tancia. E empregada uma postura terapeutica calma e ativa para demonstrar que os proble- mas so suportaveis e podem ser encontradas solugdes Familiares ou amigos, se disponivei podem ser recrutados para ajudar no manejo da crise. Podemos pedir que acompanhem 0 paciente até em casa ou fiquem com ele até a proxima sessdo de terapia, O objetivo & rantir a seguranga do paciente € Ihe dar uma experincia que seja inconsistente com sua crenga de que os outros nao se importam e no © apdiam, Se os conflitos em casa contribui- ram para a crise (0 que nao ¢ raro), isso de ser tratado diretamente, Conforme Fremouw, de Perezel e Ellis (1990) afirmaram: “A ajuda do terapenta para definir problemas, articular sen- timentos, comunicar desejos ¢ encontrar solu- Ges se revela inestimavel na resolugdo de con- flitos interpessoais importantes” (p. 104-105). 96 — Dattilio, Freeman & Cols, Se o paciente tem algum meio para ten tar o suicidio, este d emovido, Armas devem ser removidas e trancadas & chave, ¢.0 acesso do paciente a facas, medicagdes pres ctitas, venenos, ¢ assim por diante, deve s estritamente monitorado. Dado 0 papel central da desesperanga na tendéncia suicida, um objetivo imediato ¢ tra tar a fonte do senso de pessimismo e desmor: aciente. Esse objetivo deve ser al- neta sesso, em sessdes sub- seqitentes € por todo o periodo de to, por meio de exercicios ou tarefas ec vas e comportamentais, e pela modelagdo ofe- recida pelo terapeuta de resolugao ef problemas ¢ otimismo diante de problema: ceis, Se o paciente sentir que ndo consegui- resistir a0 impulso de tentar o suicidio a proxima sesso de terapia, ou se seu ambiente familiar for estressante ¢ cheio de conflitos, devemos considerar a hospitalizagao. A hospitalizagdo protege o paciente ¢ da ao t rapeuta a oportunidade de completar uma ava- liagdo mais cuidadosa dos fatores que estio contribuindo para a crise. Pode ser iniciada a medicagdo, ¢ 0 paciente pode participar de psicoterapia intensiva individual e de grupo (Davis e Schrodt, 1992). Depois que a orise passou, pode ser ini ciado o tratamento mais a longo prazo. Sa tratados os problemas ¢ as preocupagdes que contribuiram para a emergéncia, Pode ser ini- ciada a terapia c para a depressio € a ansiedade (Beck, Rush et al., 1979), com o objetivo de fornecer ao pacien: tg instrumentos cognitivos ¢ comportamen. tais mais efetivos para lidar com os proble- mas da vida, Os objetivos da terapia poderi- ain incluir 0 desenvolvimento de relagdes interpessoais estiveis e apoiadoras ea apren- dizagem de maneiras mais efetivas ou adap- tativas de comunicar suas preocupagdes ac outros. O treinamento de habilidades sociais ¢ terapia conjugal ou familiar poderiam ser muito iteis para isso (Epstein, Schl Dryden, 1988). ‘Também podemos tentar tratar problemas referentes a dlcool ou a abuso de substincias nitiva estratégi (Beck, Wright ¢ Newman, 1992). A terapia teria como meta mpulsividade com- portamental, desenvolver uma atitude positi- va em relagio a aborda vida ¢ promover um: problemas, dado o importante papel que esses dio (Ler Clum, 1990). Os pacientes devem ser encora- jados a reconhecer sua capacidade de influen- ciar os acontecim reduzir a gem dos problemas de solugao flexivel dos fatores desempenham no sui tos da sua vida, e a crenga de que 0 suicidio é uma solugio vidvel deve ser contestada diretamente, Um dos objetivos umentar o senso de controle e efetividade pessoal do paciente. Na ciente passa a ser mais capaz de criar solugdes que possam ser tentadas em lugar do suicid € rompido o vinculo entre pensamento impulsiva. Podemos discatir abertam raz®es do paciente para viver ¢ morrer & incentiva-lo a imaginar futuros cenatrios alter~ natives, positives. Conforme Markus e Nurius (1986) observaram, as crengas, metas e expec- tativas do individuo em relagdo ao futuro ~ 0 iportantes implicagées comportamentai emocionais. Essas crengas e expectativas afe- tam ndo apenas a motivagaio da ps bbém seu autoconceito, Devemos tentar direta- entificar eamenizar crengas depressio- nicas ¢ distorges cognitivas. O foco esti.em mudar esquemas e padres comportamen terpessoais disfuncionais (Linehan, 1987 Young, 1991) ‘Aqui hd uma distingdo sutil, mas impor tante a ser feita: o terapeuta quer reconhe a crenga do paciente de que seus problemas sio significativos e insoliveis e empatizar com 0 afeto associado, mas nao quer validar a legitimidade do significado que o paciente associa aquela crenca. Por um lado, 0 terapeuta esta reconhecendo a desesperanga € 0 desespero do paciente, mas por outro 0 esti encorajando a recuar dessa percepedo € reconhecer a possibilidade truir um outro ponto de vista, Isso & semelhante, de certa maneira, & distingo que Linchan (1993) faz entre “validagao normativa” e “cognit- A terapia cognitiva de pacientes suici- as softerem ¢ eu mesma nao me agiiento,”. Em conseqiigncia, “Nao gosto de ficar sozinka, mas também no consigo estar coms outros.”. G.L, relatou sentir uma “falta de alegria e realizagaio na vida” e que esse era o seu “jeito de ser”. Lem- brou ter lutado desde a infincia contra sentimen tos de culpa e comentou que “precisava ser acre ditada... ¢ validada pelos outros”. Os sintomas especificas de G.L. incluiam o seguinte: Afetivos; distor, iritabilidade, culpa, an siedade, raiva, medo, preocupagdo, anedonia, desesperanga, desamparo, acess x inagdes sobre ertos pas nalizagdo, se irrealidade, baixa auto-estima, c cida, concentragio e meméria prejudl cadas. Fisioldgicos: fadiga, libido dimimuida, perda de apetite, perda de peso severa, néusea, ins6nia, pesadelos, despertar matinal prec boca seca. Comportamentais: grave retardo psico- motor, agitagdo, torcer as mos, choto freqiien- te, evitagao social, explosdes de raiva, inquie- tude, gritar com os filhos. GL. afirmou que essas dificuldades pio- ravam logo antes de realizar provas, ¢ relatow ter medo de que “iria falhar”. Ela sempre fica- vva deprimida e ansiosa antes das consultas com médicos ou psicélogos ¢ quando estava longe dos filhos. Nesses momentos, sentia muito medo e dizia ter imagens dos filhos sendo mortos em um acidente, G.L, também ficava deprimida quando em férias com a familia. Ela afirmava vera dificuldade com tempo li ar tudo para 0s ou ” Uma entrevista diagnéstica estruturada revelou que G.L. satisfazia os critérios do Ma- nual Diagnéstico e Bstatistico dos Transtornos Mentais, quarta edigtio (DSM-IV, American Psychiatric Association, 1994), para depressfio maior ~recorrente, distimia ¢ transtomo de an- siedade generalizada. Tais dificuldade brepunham a uma série de tragos borderline © dependentes. Essa tltima observagio preocu- pava um pouco, uma vez que pesquisas recen- 1tégias Cognitivo-Comportamentals de Intervengao em Situagdes de Crise 99) tes sugorem que o transtomo de personalidade borderline pode estar associado ao risco au- mentado de tentativas de suicidto ¢ suicidio consumado (Kjellander, Bongare King, 1998) Avaliagao Foi realizada uma entrevista clinica inicial incluindo a aplicagao do SSI (Scale for Suicidal Ideation), para avaliar o nivel atual de risco de suicidio de GL. Ela afirmou que nao tinha “ne- nhuma vontade de viver" e que sentia um “gran- ‘de desejo de morrer”~ cla simplesmente “se sen- tia como sc estivesse morta”, Seus pensamentos sobre suicidio eram freqientes persistentes, Em- bora afirmasse estar “ambivalente” em re! jntar 0 suicidio, G.L. nao tinha nenhur sent mento de controle sob ulsos. Oquea impedia de cometersuicidio eram os pensamen- tos sobre os efeitos de sua morte sobre a familia © 0 medo da dor ou de ferimentos sétios caso falhasse, Posteriormente, todavia, ela reconhe- cu sentir que era uma “ma mie e esposa”€ que a familia logo a esqueceria se ela estiv ta, Bla estava motivada a pensar em tentar 0 sui- cidio pelo desejo de alivio dos seus problemas, Embora tivesse pensado em escrever um bilhete suicida, cla néo tinha nenhum plano ¢ nenhura meio letal disponivel para fazer a tentativa, Além disso, G.L, ndo se sentia capaz de levar a cabo ‘uma tentativa e tinha uma familia apoiadora © carinhosa. Bla foi capaz de concordar em no fazer nenhuma tentativa antes da nossa sesso de terapia seguinte e se sentiu a vontade fazendo essa promessa. Com essas consideragées em mente, ¢ dado o fato de nfo haver nenhuma his- téria de gestos ou tentativas de suicidio anterio- ¢s, nfo foi indicada a re-hospitalizagao GL. relatou no haver nenhum estressor ou problema agudo em sua vida. Ja que seu ma~ rido eta um advogado de sucesso, as finangas nfio eram uma preocupagiio. Embora caracteri- ficil”, destacon que tirara A em todos sos. Os filhos eram corteses © bem-educados € estavam saindo-se tazoavelmente bem na ¢s- cola. Todavia, GL. comentou ter poucos ami- 100 Dattlio, Freeman & Cols. 408 intimos ¢ sentir-se isolada e distante, Ei imerosos conhecidos ¢ vizinhos ami a sentia que nfo tinha ninguém em quem pudesse confiar. Fm conseqaéneia, sen- fa € alienada. Afirmou que o mati- ddo era apoiador, mas caracterizou to como “viver com um santo” — uma que ela ressentia, Disse que o marido raramen- riticava e que, tendo em vista seu compor- tamento recente, ele era “ou um santo ou o maior ‘masoguista do mundo”. As respostas de G.L. em uma bi escalas objetivas de avaliagdo foram com os resultados da e geriram que ela estava extremamente deprimi da, ansiosa, pessimista ¢ moderadamente suici- da. Sua auto-estima era baixa, ¢ ela reconhecia o em muitas situagdes. As respostas de GL. no Young a Questio (Young, 1991) revelaram que ela acreditava que 6s outros ndo seriam capazes de Ihe dar apoio emocional ou protegdo ¢ que estava vulnerdvel a danos ou doengas. Ela via a si mesma como in- competentee incapaz de lidar com os problemas do dia-a-dia sem apoio ¢ sentia-se fundamental ‘mente falha € no-amavel. Reconhecia ter pa~ dries muito elevados para si mesma e sentia que jamais estaria & altura deles. Conseqiientemen- te, sentia-se constantemente desanimada e insa~ tisfeita, Um resumo dos escores de G.L. nos ques- tiondrios de auto-relato e nas escalas de avalia- 40 do terapeuta é apresentado na Tabela 41 Conforme observado, GL. estava extre- mamente deprimida, ansiosa, agitada e pessi- mista no momento em que foi encaminhada. Preocupava especialmente o fato de ela ap sentar pensamentos suicidas moderadamente severos ¢ uma série de distorgdes cognitivas sig nificativas. Um resumo de seus indicadores de risco de suicidio é apresentado na Tabela 4.2. a-se iso Resumo da histori desenvolvimental e médica Quando questionada sobre o que a leva- ra.a ficar tao deprimida, G-L.respondeu: “Eu culpo a minha mae... Nao era para eu ter nas- Tabela 4,1 Resumo das escalas objetivas de aval Depressio Severo Ansiedace Severo Desesperanca Severo SSI (Atal) (Passace) Moderade Moderade aréter Suicide irma era aproximadamente 15 anos mais ve- tha), ea mie tinha 45 anos quando engravidara dela. A mae fizera bortos nos anos pre cedentes ¢ “tentara me abortar se jogando es- cada abaixo”. G.L. afirmou quea mae “jamai a perdoara por ter nascido” e que a repreen- dia, dizendo que se ela nfo se comportasse “seria abandonada em uma esquina... ou no parque”, Embora GL. fosse uma quicta, bem- educada ¢ estudiosa menina, lembrava que a me a acusava de ser “uma crianga ma” e “uma idiota”. Descreveu a mae como “zangada e tensa” e caracterizou seu relacionamento com ela como “assustador”. Essas expe dem ter contribuido para que G.L. acre rejeitadoras ¢ imprevisivei que cla era fundamentalmente néo-amavel, defeituosa ¢ vulnerayel. Elas também sao coi sistentes com a possibilidade de G.L. ter ma- nifestado um vinculo inseguro com a mée, ¢ isso ter contribuido para o desenvolvimento de suas crencas negativistas. Atualmente existem a de populagées clinicas relagio entre acont ¢ depressio posterior pode ser mediada por um estilo de vinculo inseguro e pela consolidagio atitudes disfuncionais (Reinecke e Rogers, 1999; Roberts, Gotlib ¢ Kassel, 1996), Como estudo de caso, isto é claramente especulativo, gumas evidéncias, cas, de que a nis negativos stratégias Cognitivo-Comportamentais de Intervencao em Situagées de Crise 101 Tabela 4.2 Resumo dos indicadores de risco Intarpretag Frustrada; com Estilo de vite Estivel, ae no polos Estressores Estreste my ria psquiitrica bi Maride e familia carihotos; poucos amigos times; te vderado no Recursos adequades disponiveis;inteligante; motivada; born senso de Extensiva palcoterapa e medic: C 2 com 0 tratamento, mas resposta ins Moderadarante bom aida dos fines speitada no trabalho ia nenhuma atividade prazeross; poucas avidades iho: Born desampenho, ras evita tare Nenhurna tentativa de suicide anterior Hiatéria falar de sui Nenhurna Histéria médica Fadiga croniea eq Perdas recentes Nennuma Severs Severs Peseimisme Severo Pensamento future postive Insignificant; severo Ravalrritablldade Moderads Impulsvidade Baa Uso de drogasalcool Nenu ideagao sulada “Tentativas de suid anteriores Rasolugio de problerras Nenhuma Distorgées cognitivas Severas CConstrigtoldicotomizagso Severs ‘tengo focada no self Severs Esto rurinatvo Severo Moderada 3 severa Ma; orientagio negativa para problemas mas a histéria de GL. e sua apresentagdo so consistentes com esses achado GL. descreven o pai em termos um pou: co diferentes. Ele trabalhara como relojociro em uma pequena joatheria que ficava junto a casa, G.L. caracterizou 0 pai como “um ativista politico e social” e comentou que cle “ficava cheio de vida quando estava fora de casa”, Ela descreveu seu relacionamento com cle como “distante” ¢ lembrou que ele afirma~ va que “a vida em casa no existe..., devemos sempre trabalhar para a sociedade”. Ela lem brow que o sentia insensivel As suas preocupa- es durante a infincia ¢ que “ninguém podia ficar chateado em casa... isso era um sinal de cgocentrismo”. O pai de G.L. est agora com 90 anos ¢ mora a milhares de quil6metros de distancia, Embora cla Ihe mande dinheiro com a, sente-se culpada por ndo poder ajuda-los mais, Ela visita o pai regularmente, de anos em anos, mas descreve essas visitas como “‘tensas GL. viven em casa até os 18 anos, quan do sc casou, Ela afirmou que “nunca se sepa- rara” de nenhum dos pais durante a infancia e que tinha medo de ser deixada sozinha ‘Mesmo agora cu nao tolero estar separada da minha familia.” Conforme mencionamos, GL. se casou trés vezes. Ela disse que se di- vorciou dos dois primeiros maridos “porque sim” ¢ comentou: “Acho que tenho medo de que cles me deixardo porque sou horrivel, en ‘Ho me demito antes que eles me despegam .” Ela continuou: “Nunca tive uma boa razio 102 _ Dattilio, Freeman & Cols, para acreditar que eles me deixariam... Sou apenas medrosa demais.”” G.L. relatou que seus pais tinham emi- grado da Poldnia ¢ que muitos de seus paren- tes foram mortos no Holocausto, Além disso, muitos dos parentes ¢ amigos de G.L. foram presos, torturados ¢ mortos em golpes milita- res na América do Sul, na década de 70. Essas experincias contribuiram para a sua crenga de que “os individuos ndo tém nenhum valor para a sociedade”, ¢ para seus sentimentos de culpa GL. fizera terapia individual ¢ familiar por aproximadamente cinco anos, mas nfo achava que essas intervengdes tivessem aju- dado. Além disso, usara varias medicagdes, incluindo imipramina, nortriptilina, trazodona, sulfato de fenelzina (Nardil), hidrocloreto de fluoxetina (Prozac), lorazepam (Ativan) diazepam, hidrocloreto de clorpromazina (Thorazine) litio. Mas as medicagées foram ineficazes € descontinuadas devido a efeitos colaterais adversos. O fato de ela nao se ter be- neficiado da terapia anterior preocupa, uma vez que resposta desfavoravel ao tratamento pode ser indicador de suicidio consumado (Dablsgaard, Beck ¢ Brown, 1998) Conceituagao cognitiva Recentemente am propostos varios modelos cognitivo-comportamentais de depr sfo relevantes para esse caso, cada um enfati- zando uma faceta especifica da depressao cli- nica (Ingram, Miranda e Segal, 1998). Teéri- cos & pesquisadores cognitivos observaram a importancia de ertos cognitivos, distorgdes & crengas negativistas (Beck, Rush ct al. 1979), auto-reforgo ¢ resolugaio de problemas prejudi- cados (Fuchs ¢ Rehm, 1977; Rehm, 1977), es- quemas depressogénicos (Beck, Rush et al, 1979; Guidano ¢ Liott, 1983; Segal, 1988), re- forgo social reduzido (Lewinsohn, 1975), esti lo atributivo (Abramson, Metalsky ¢ Alloy, 1989; Alloy, Abramson, Metalsky ¢ Hartlage, 1988; Barnett ¢ Gotlib, 1988); desamparo, cepsdo reduzida de controle sobre conseqiié cias importantes (Seligman, 1975), desesperan- a (Weishaar ¢ Beck, 1992) ¢ atividade com- portamental (Freeman, Pretzer, Fleming Simon, 1990) na depressio, GL. demonstrou aspectos de muitos des- ses modelos. Diversas distorgSes cognitivas se fizeram prontamente aparentes em sua des- Jacionamentos com os outros, ¢ ela parecia manter uma vis extremamente negativa de si mesma, do mun- do ede seu futuro, Ela acreditava scr uma pes soa essencialmente ndo-amavel (no era dig- na de amor), que os outros eram pouco apoiadores ¢ a rejeitavam € que ela nd po suia os atributos ou as capacidades necessari as para ter sucesso. Além disso, evitava ativa- tividades sociais ¢ se comportava de s que poderiam eliciar rejcigao de seus amigos ¢ familiares. G.L. demonstrava pouco “interesse social” ou empatia pelos outros. vez disso, cla tendia a ruminar sobre suas pre- cocupagées ¢ tinha dificuldade para identificar possiveis solugdes. Como conseqiiéncia, sen tia-se ao mesmo tempo desesperangada e de- samparada. GL. evitava tarefas desafiadoras ¢ se dedicava a poucas atividades que Ihe da- am um senso de competéncia ¢ prazer, Ela mantinha padrdes elevados de desempenho pessoal (tanto como mie quanto como aluna de pos-graduagdo) e era extremamente anto- critica quando ndo satisfazia esses padroes. Ela davaa si mesma pouco crédito por scus suces: sos (qualquer um consegue um PhD..., é fi cil”, observou ela) e acreditava que acabaria nndo punida se permitisse a si mesma sentir- se feliz, Essas crengas, expectativas,atribuigées, deficits de habilidades comportamentais e dif culdades na resolugo de problemas se torna- ram 0 foco do tratamento. Uma conceitua cognitivo-comportamental das dificuldades de GL. inclui os seguintes component mente forn E tratégias de enfrentamento comporta- mentais: Evitagao, fuga, busea exc siva de reasseguramento, Processos cognitivos: Dicotomizagao. personalizacdo, magnificago/minim zagdo, abstragao seletiva, afirmagies de “deveria”, atengo auto-centrada Jo ruminativo, postura dependente/so- ciotrépica ensame Eu jamais serei tio boa quanto as outras pessoas; Elas nao se importam. no vao querer ime ver de novo; Bu destruo tudo o que toco; Eu sou uma pessoa horrivel, eas- tradora; Eu setei castigada por me sen- tir feliz, Ninguém pode me ajudar; As .essoas $6 se importam com dinheiro, elas no tém valores; Nao consigo fun- cionar..., nunca serei tio capaz. quanto everia Ser, Algo de ruim vai aconte- cer... Eu simplesmente sei que vai A vida no vale a pena ser vivida; Nao consigo fazer as coisas sozinha; Sou velha demais para conseguir um em prego posigdes: Se eu ficar com a minha fa~ ou me sentir segura; Nunca de- veriamos nos sentir felizes ~ a queda é pior juemas: Sou defeituosa e ngo-amavel, As pessoas so indiferent doras; © mundo ¢ um lugar perigoso. Resolugéo de problemas: Orientagaio ne- gativa para os problemas; tem eapaci- dade de resolver problemas racional- mente, mas ndo espera que os esforgos sejam efetivos. 10s automaticos Tratamento primeiro objetivo da intervengio na crise € garantir a seguranga imediata do pa- ciente, Com isso em mente, foram realizadas uma revisio cuidadosa das preocupagée GL. ¢ uma avaliagdo sistematica dos fatores de risco de suicidio. Dada a ma resposta de GL. A terapia psicodindmica no passado, as- sim como sua tendéncia a magnificar e perso- nalizar problemas, achamos que abordagens orientadas para 0 mnsight ou intervengSes pro- vocadloras de ansiedade poderiam desorganiz a mais e exacerbar o risco de suicidio. Com issoem mente, o foco inicial da terapia foi tra~ 103 Estratégias Cognitivo-Comportamentais de Intervengio em Situagdes de Crise tar da fonte de seus sentimentos de desespe- ranga © muni-la de habilidades Cognitivas-e omportamentais para admmistrar seus senti mentos de depressio, No inicio da p do de tratamen- to, G.L. observou que era normal estar com medo e apavorada e que ela nao acteditava que a terapia seria eficaz. Ela declarou: “Esse tra tamento no vai funcionar..., nanea funciona” Dada sua limitada melhora ao longo dos ano: talvez houvesse algum apoio para essa cten= a. Estes pensamentos - de que era normal star com medo e de que. tratamento néo fun- cionaria ~ cram particularmente importante no sentido de que, se fossem verdade, iriam diminuir a motivagdo de G.L. para patticipar da terapia cognitiva. Nossas primeiras inter- venges, portanto, foram diretas, demonstran: do a relagdo entre sous pensamentos ¢ 0 hu- mor atual ¢ examinando as evidéncias contra ca favor dessas crengas, G L. prontamente r conheceu que se sentia “desesperangada... ¢ paralisada” quando pensava na terapia nesses termos ¢ reconheceu que muitas pessoas nao se sentiam ansiosas ou deprimidas ~ isso nfo era “normal” para outras pessoas. Mas ela ob- servou que, se seu humor melhoras: tros “esperariam mais dela”. Conforme afir- mou: “Eu estou me escondendo por tras da minha depressio.”. Seus comentirios sugeri~ ram a possibilidade de que ela obtinha ganhos secundarios com seus problemas — uma ques- to que seria tratada posteriormente no trata- mento, GL. relaton sua preocupagao com um exame que estava por acontecer e disse qu do de fracassar no teste. Ela concordou que uma tarefa de casa comportamental poderia ser itil e fez planos para estudar para o teste durante uma hora na~ quela noite. Embora essa tarefa fosse reconhe- cidamente simples e nfo fosseter um efeito muito grande sobre sua nota, serviu para demonstrar que cla podia voltar a trabalhar em seu curso, Nao surpreendentemente, ela passou no test GL. continuava acreditando que era im 1 influenciar conscientemente o pr. 0 humor, Ela achava que os estados de nimo “eram hormonais” € comentava regu- 104 Dattlio, Freeman & Cols. larmente como seus sentimentos de depres- 9 tinham piorado “sem nenhuma razio real”. Ela tinha dificuldade em identificar pensamentos automaticos endo conseguia Jembrar de momentos em que no se sentira deprimida, Essa tltima dificuldade talvez se relacionasse aos efeitos de sua disforia sobre sua capacidade de lemb imentos incongruentes com o humor (Bower, 1981) ou a uma escassez real de expe: prazerosas nos anos mais recentes. Com isso em mente, pedimos que GL. recordasse sua infin. ‘cont a precoce. El creveu imagens de brincar com parentes. lhoso”, afirmou ela, “eu estava feliz, € assim que deveria ser” O humor de GL. tinha melhorado, mesmo que apenas por alguns minutos, em resposta a uma intervengdo consciente, Nosso objetivo cli- nico fora atingido; GL. aprendeu qu mente possuia a capacidade de influenciar seus sentimentos de depressio, Um dos objetivos da intervengaio na eri- me sentia humana, se ¢ ajudar ativamente 0 paciente a responder engas negativistas espe ficas que contribuiram para a crise, Esse pro- ccess0 ¢ bastante seletivo. O objetivo é identi- ficar ¢ resolver apenas aquelas crengas que sbando ou mantendo a crise. Isso envolve diversos passos: 1. Identificar ¢ rotular a emogéio negativa. 2. Identificar pensamentos ou aconteci- mentos que desencadearam esse sen- timento, Identificar ientos automaticos que esto mantendo esse estado emo- cional (por exemplo, “O qui pela sua cabega que le tir dessa maneira?”) Fazer com que o paciente reconhega aimportancia central dessa pereepo ou crenga, Coletar evidéncias que sejam incon- sistentes com essa cren Identificar as evidénei passa a voc’ a se sen- mais persu- asivas contra a crenga ou percep gio. Desenvolver uma coneeituagao alter: nativa, mais adaptativa, dos aconteci- mentos desencadeantes Ajudar o paciente a ver como seu hu- mor mudaria se ele accitasse esse pon- to de vista alternativo, Plangjar um uso comportamental dessa informago para lidar coma situagao, Convémn oferecer ao paciente “afirmagoes de enfrentamento” mais adaptativas e objeti- vas ¢ ajuda-lo a “desca ar” a situagao, mostrando que na verdade é possivet suportar © problema. GL, observou, por exemplo, que ‘ndo agiientava mais” seus sentimentos de de pressio. Quando perguntamos ha quanto tem. po se sentia assim, ela respondeu: “Toda a minha vida.”. Quando mostramos que par que ela fora capaz de tolerar esses sentimen- tos por muito tempo, ela sorriu ¢ respondeu: “Claro, eu s6 ndo gosto disso... Gostaria que sso terminasse, mas ndo sci o que fazer... diga~ ime o que fazer.” A énfase da interven Yesolver problemas atuais, em vez de tratar de perdas ou fracassos anteriores. Ao trabalhar com GL, nosso foco ram duas crengas especial- ‘mente malignas — “Ninguém se importa de ver dade.” ¢ “Nao consigo funcionar direito.”. Ela péde ver que havia varias pessoas em sua vida {incluindo seu marido, filhos, amigos ¢ terapeu- ta) que estavam preocupadas com seu bem-¢s- far € que, de fato, ela se saira muito bem em seus estudos e como professora, Pedimos para GL. que lesse alguns livros e artigos sobre te- rapia cognitiva durante as semanas seguintes ¢ pensasse em como eles poderiam aplicar-se as suas preocupagdes. Ela leu Coping with Depression (Beck ¢ Greenberg, 1978), um pan- fleto descrevendo instrumentos cognitivos © comportamentais para enfrentar a depressio, ‘mas 0s achou “simplistas”. A seguir, cla leu Reinventing Your Life (Young e Klosko, 1993), um livro sobre o desenvolvimento e tratamento de crengas desadaptativas, e “Possible Selves (Markus ¢ Nurius, 1986), um artigo de revisio sobre 0 papel das expectativas e dos objetivos Eetratégjas Cogntivo-Comportamentas de Intervensio em SituagSes de Cre 105 no compartamento humano, GL. achou ess leituras itteressantes ¢ titeis. Além dis demonstfiram que GL, na verdade era capaz dic assimilar e lembrar materiais bastante com- que cla se sentira incapar de fa- zet em aula, Embora haja riscos em dar ao pa- ciente lefturas que foram preparadas par: preparamos tarefas de casa e selecionamos lei turas para biblioterapia. Nesse caso, as leita ras tiveram nao apenas uma fungao didatica (en- sinar para GL. sobre terapia cognitiva e seus procedimentos), como também the possibilita- ram uma experi crenga central — cionar intel Sessies subseqiientes se centraram em identificar € mudar suposigdes © esquemas negativistas. Foi introduzido 0 procedimento da flecha descendente (Beck, Rush etal., 1979) para idemtificar suposigdes depressogénicas, Nos comegamos, por exemplo, com o pensa mento “eu ndo consigo fazer 2 minha te Quando perguntamos “O que Ihe vem a mente quando voeé pensa nisso?”, ela comentou: “Eu nfo vou avangar.”, O restante da flecha des- cendente é apresentado abaixor cia inconsistent ie que cla era incapaz.de fan- tualmente. Eu no consigo fazer a minha disserta- ¢do. Nao vou avangat. Jamais terminarei meu curso, Nao termino nada que con Minha mae me di guia acabara ajudar os out Sou uma pessoa terrivel Nunca conseguirei me s que eu nao conse- ‘oisas. Eu ndo consigo entar. Aca- “Tenho de depender dos outros. E se eles morrerem? Serei uma carga, GL. reconheceu alguns temas em si declaragées, incluindo as crengas “eu sow in capaz””e “as pessoas vao me abandonar”. Con me observamos, estas eram muito rengas antigas, e par m originar-se de experién- cias iniciais com a mae, A essa altura, GL. fi- cou zangada com o terapeuta*e comentou. “Vocé € casado?.., N&o agiienta ficar com vocé!”. Quando pergunta- mos 0 que passara por sta mente n to, ela disse, concisamente: “Eu sou 0 jor de todos os fracassos.”. Ela teve uma imagem de sua mae sentada perto dela repre~ i como alguém endendo-a e dizendo que ela “estava se fazen- do de boba” e que deveria “calar a boca e ir para o canto’ Fla afirmou que ouvira a-voz da esta participagdo na tera- [ela] fracassara” © que fracassara porque ndo era forte”. G.L.. ficou muito agitada no inicio da proxima de terapia. Achava que o terapeuta iria “testé-la” que cla seria “expulsa” se nfo “fizesse a te~ rapia direito”. Ao ser que vou que nada do que o terapeuta fizera ou dis- sera sugeria que poderia “fracassar na terapia” € que esses pensamentos ¢ sentimentos eram criados intermamente. O relacionamento tera~ péutico, entdo, serviu como uma evidéncia que nsistente com sua ctenga de que ela acabaria sendo abandonada, Esse tema ressur- «gin varias semanas mais tarde, quando ela diu ajuda para processar uma requisigzio do seguro, Ela disse ter recebido uma negagao de cobertura, que serviu como prova dé que “as pessoas nio tém valores” ¢ “Eu sou apenas ‘outra apdlice para vocé... Eu no tenho im portncia.”. Mais uma vez, uma paciente reavaliagao do acont cluir que o terapeuta estava preocupado com seu bem-estar e que “talvez nem todo o mun- do fosse abandoni-la”, Intervengdes com o objetivo de ativar crengas tAéitis podem ser muito poderosas ¢ s6 devem ser feitas depois que a crise inicial passou ¢ que um sélido rappor?serapéutico foi desenvolvido. Os sen- timentos de raiva de GL. contra 0 marido ¢ contra os fithos foram examinados em sessbes subseqiientes. As crengas de que ela “danifi- cara os filhos além de qualquer conserto” ¢ ficara igual 4 sua mae” foram demoradamente discutidas, assim como seus sentimentos de imento a levou a con- Estratdgias Cognitivo-Comportamentais de Intervengio em Situagées de Crise as alternativas de enfrentar os problemas que AS técnicascognitivas’e comporta- neniais certamente sao uiteis, mas a importin- cia de um relacionamento terapéutico confi ante, confivel e apoiador nao deve s zada. O terapcuta deve estar conscient cerengas ou expectativas e sensivel as formas pelas quais clas podem influenciar o curso da terapia. Vieses negativos — incluindo pensa- mentos de que o paciente “parece intrativel” ou “esta apenas sendo manipulador” — podem afetar 0 tom do relacionamento terapeutico © a natureza das intervengOes que serdo feitas Aoexaminarmos a validade ou a utilidade das crengas de um paciente, geralmente ajuda exa- rminar as evidéncias contra e a favor das per- cepgées do terapeuta, se existe alguma inter- protago mais razoavel ¢ como o comporta- mento éafetado por ela (Rudd ¢ Joiner, 1997) Embora os resultados de estudos controlados de eficacia sejam promissores, ainda no esta claro se a psicoterapia reduz confiavelmente a freqiiéncia e severidade das ideagdes suici- das, diminui o risco de tentativas de suicidio entre as pessoas que apresentam idea impede novas tentativas em individuos com uma historia de comportamento suicida, No entanto, os modelos cognitivos de depre suicidio tém apoio empirico, € as interven ges deles derivadas so clinicamente iiteis Na auséncia de provas da eficdcia de interven- ges especificas, o terapeuta deve adotar uma Visio ampla e empregar uma série de técnicas cognitivas ¢ comportamentais quando traba- Thar com pacientes agudamente suicidas. ‘Trabalhar com pacientes agudamente sui- ciidas & a0 mesmo tempo desafiador e provoca: jor de ansiedade. Com isso em mente, a con sulta regular aos colegas é bastante itil. Na ver: dade, essa consulta é vista por alguns como um componente essencial de cuidado ¢ gerencia nto de risco eficazes (Bongar, 1993; Linehan, 1993), Ela pode dar ao terapcuta um sentimen- to de apoio, assim como recomendagdes para que seu atendimento seja mais efetivo. Os terapeutas podem confiar que os modelos cognitivos provaram ser titeis para conceituar a 107 depressio eo suicidio, As intervengdes deriva desse modelo sao clinicamente poderosas. As intervenes cognitivas e comportamentais podem ser valiosas para aliviar os sentimentos de depresstio, pessimismo, ansiedade e raiva do paciente suicida, Elas sfo tteis para reduzir a mpulsividade, melhorar os relacionamentos sociais ¢ a capacidade de enfrentar problemas ais. Em resumo, existe esperanga para 0 pa- ciente agudamente suicida REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Abramson, L., Alloy, I.» Hogan, M., Whitehouse, W. Comette, M, Akhavan, 8, Chiara, A. 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Sob um exame mais cuidadoso, ela percebeu que 6 filhos ndio “a estavam abandonando” e que sua crenga de que “Eu no tenho nada além dos meus filhos.” era tanto falsa quanto nao- adaptativa. Foram introduzidas intervengées comportamentais, incluindo o treinamento do relaxamento ¢ planejamento de atividades prazerosas. G.L., também foi solicitada a reto- mar sua tese ~ uma atividade que ela achava que Ihe daria um sentimento de realizagao. Ela comegou lendo um curto artigo de pesquisa, mas teve grande dificuldade para compreendé- Jo, A experiéncia foi tomada como mais uma prova de seus defeitos. Foi plangjado um ex- perimento comportamental para avaliar a va- lidade dessa erenga. G.L, pediu a um colega que revisasse 0 artigo e dividisse com ela suas ideias. Ele achou que o artigo era “horrivel. mal escrito”, 0 que levou G.L. a reconhecer que sua dificuldade poderia ter-se originado, pelo menos em parte, da qualidade do artigo. Depois de dez semanas de terapia, GL. relatou, com certa surpresa, que seu humor e tava “razoavelm eque ela estava “se sentindo melhor” aulas ¢ a0 ensi- no, Seus escores em cada uma das escalas obj tivas de avaliagdo melhoraram drasticamente, ¢ ela relatou sentir-se menos isolada, menos defeituosa c menos dependente dos outros, Nas suas palavras: “A vida nem sempre ¢ horrivel” Embora a crise suicida tivesse passado e hou- vessem sido obtidos importantes ganhos tera- péuticos, ainda restava muito trabalho a ser fei- to. GL. continuava sentindo-se emocionalmente cesvaziada e pessimista em relagdo ao seu firtu- ro. Além do mais, sua ansiedade por se separar dia familia ndo cstava inteiramente resolvida, Ela ainda temia ser abandonada e tinha dificuldade em se separar dos filhos. Estes se tormaram os focos da conti CONCLUSAO Este capitulo revisou a avaliagdo eo ma- nejo da tendéncia suicida (“suicidalidade”) no adulto deprimido. Concluindo, podemos fazer varias afirmagies gerais. Primeiro, esta come: gando a surgir 0 esbogo geral de um modelo integrado da tendéncia suicida. Estudos indi- cam que uma série de fatores cognitivos, soci- ais, ambientais € psiquiatricos esto associa- dos a um risco aumentado de pen: gestos suicidas. Essas variéveis podem servir como alvos da intervengao em um programa abrangente de tratamento. Ainda nao con todavia, a maneira especifica pela qual essas varidveis interagem ao longo do tempo para contribuir para a vulnerabilidade ao sui cidio. Em segundo lugar, a predigao do com- portamento suicida continua sendo uma tare- fa clinica assustadora. Embora tenha havido progressos no entendimento dos concomi- {antes sociais, psiquidtricos, cognitivos e emo- cionais da ideagdo suicida, o leitor astuto per- era que a predigao do comportamento sui- da para cada paciente continua sendo um em- ndimento impreciso, S20 necessérias pes- quisas adicionais sobre a predigao clinica da ideagao e do comportamento suicida 0 principal objetivo ao tratarmos de uma crise suicida, certamente, é garanti a seguranga do paciente. Isso se consegue aliviando-se as ‘es ou estresses ambientais, recrutando ©.apoio de outras pessoas ¢ ajudando o paciente a enfrentar probl. fo é direcionada aquelas percepgdes, crengas, atri- buigSes ou expectativas que estiio contribuin- do para a crise, Nesse momento, nao sdo tra- tadas outras cognigdes disfuncionais, Depois que a crise foi resolvida, 0 foco terapéutico pode ser dirigido para a identificagao ¢ mu- danga de crengas disfuncionais subordinadas ede esquemas ou suposigées disfuncionais que contribuiram para a crise suicida, Os objeti- vos da terapia so identificar os fatores cogni- tivos, comportamentais e sociais que coloca- ram 0 paciente em risco ¢ Ihe ofereceF manci-

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