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Segredos do Eden: Destruição e Desolação 1

Segredos do Eden: Destruição e Desolação


Por Sha’ul Bentsion

I - Introdução

Neste artigo, o terceiro da série “Segredos do Eden”, será analisado um dos


trechos mais intrigantes do relato da Criação.

E esse trecho ocorre logo no princípio do relato:

‫וְהָאֶָרץ הָיְתָה תֹהּו וָבֹהּו‬


wehaares hayetah tohu wavohu
E a terra estava deserta e desolada …
Bereshit/Gênesis 1:2

A tradução para o português baseia-se na leitura da Schocken Bible, uma tradução


judaica que é possivelmente a melhor tradução da Torah para a lingua inglesa, que traz:
“the earth was wild and waste…”

A tradução dessa versão judaica difere muito da leitura habitual das traduções
cristãs, com a qual a maioria dos leitores estão habituados.

Para compreender porque, é preciso fazer uma análise linguística detalhada dos
termos tohu e vohu, que descrevem o estado da terra.

Uma investigação mais aprofundada de tais termos, assim como daquilo que os
comentaristas judeus da antiguidade tinham a dizer sobre eles, revela o que talvez seja
um dos aspectos mais fascinantes da criação. E esse é justamente o objeto deste artigo.

Para começar, portanto, é fundamental observar o uso dos termos tohu e vohu ao
longo do Tanakh, para compor a análise linguística. Observe:

II - Análise Linguística: Tohu

"Em solitude desértica o encontrou, entre bramidos de região desolada [uvtohu - ‫]ּובְתֹהּו‬, e
o cercou de cuidados, e o acalentou, e o guardou como a menina dos olhos!.”
(Devarim/Deuteronômio 32:10)

O termo aqui é traduzido como uma região desolada.

“E não vos desvieis; pois seguiríeis as vaidades [hatohu - ‫]הַּתֹהּו‬, que nada aproveitam, e
tampouco vos livrarão, porque vaidades [tohu - ‫ ]תֹהּו‬são.” (Shemuel Alef/1 Samuel 12:21)

Neste trecho, o termo é usado para coisas vazias, sem sentido.

"A cidade desordenada [tohu - ‫ ]ּתֹהּו‬está em ruínas, todas as casas fechadas, para que
ninguém possa entrar nelas." (Yeshayahu/Isaías 24:10)

Tohu aqui aparece como algo que carece de ordem, caótico.


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"Os que fazem culpado ao homem por uma palavra, e armam laços ao que repreende na
porta, e os que sem motivo [batohu - ‫ ]בַּתֹהּו‬põem de parte o justo."
(Yeshayahu/Isaías 29:21)

A ausência de motivo indica algo vão, sem uma razão.

"Todas as nações são como nada perante ele; ele as considera menos do que nada e
como uma coisa vã [watohu - ‫ …]וָתֹהּו‬E Ele o que reduz a nada os príncipes, e torna em
coisa vã [katohu - ‫ ]ּכַּתֹהּו‬os juízes da terra." (Yeshayahu/Isaías 40:17,23)

Mais uma vez, o uso do termo indica algo vão.

"Eis que todos são vaidade; as suas obras não são coisa alguma; as suas imagens de
fundição são vento e confusão [watohu - ‫]וָתֹהּו‬.” (Yeshayahu/Isaías 41:29)

Aqui, tohu é a expressão do caos, da confusão. Daquilo que, como vento, carece
de fundamento.

"Eis o que diz YHWH que criou os céus, Ele, o único Elohim que formou a terra e a
estabilizou, que não a criou para que seja uma desolação [tohu - ‫]תֹהּו‬, mas a organizou
para que nela se viva: Eu sou YHWH, e não tenho rival. Não tenho falado às escondidas,
nem numa terra tenebrosa. Não disse à raça de Ya'aqov: Procurai-me na desolação [tohu
- ‫]תֹהּו‬, Eu, YHWH, digo, a verdade, e Me manifesto com toda a franqueza."
(Yeshayahu/Isaías 45:18-19)

O termo aqui novamente é usado para se referir a uma desolação.

"Mas eu disse: Debalde tenho trabalhado, inútil [letohu - ‫ ]לְתֹהּו‬e vãmente gastei as
minhas forças; todavia o meu direito está perante YHWH, e o meu galardão perante o
meu Elohim.” (Yeshayahu/Isaías 49:4)

Tohu é usado aqui para algo inútil, sem serventia.

"Não há quem acuse com justiça, não há quem mova uma causa com lealdade. Todos
põem a sua confiança em coisas vãs [tohu - ‫ ]ּתֹהּו‬e pronunciam falsidade, concebem
trabalheira e dão à luz iniqüidade." (Yeshayahu/Isaías 59:4)

Mais um uso indica algo vão, vazio.

“Ele lança o desprezo sobre os príncipes, e os faz desgarrados pelo deserto [betohu -
‫]ּבְתֹהּו‬, onde não há caminho." (Tehilim/Salmos 107:40)

"As caravanas se desviam do seu curso; sobem ao deserto [vatohu - ‫]בַּתֹהּו‬, e


perecem." (Iyov/Jó 6:18)

"Tira o entendimento aos chefes do povo da terra, e os faz vaguear pelo deserto [betohu -
‫]ּבְתֹהּו‬, sem caminho." (Iyov/Jó 12:24)

Nas passagens acima, tohu é uma região deserta e desolada, sem caminho.

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"O norte estende sobre o vazio [tohu - ‫ ;]ּתֹהּו‬e suspende a terra sobre o nada.”
(Iyov/Jó 26:7)

O vazio aqui também aparece indicado, nesse texto.

III - Conclusão sobre Tohu

A primeira coisa que salta aos olhos é a observação de que em todas as instâncias
em que o termo tohu aparece, o contexto indica uma linguagem poética. A única possível
exceção sendo 1 Sm. 12. Não é impossível que esse último também tenha elementos
poéticos.

Isso por si só já é um forte indício de que o termo é poético, e que portanto a


narrativa de Bereshit (Gênesis) 1 é, semelhantemente uma narrativa poética.

Tal fato é de grande importância pois textos da poesia semita não devem ser
tomados como descrições literais, mas sim como ilustrações pitorescas, que procuram
comunicar uma mensagem.

Isto posto, o que é tohu?

Observando-se a interseção de todos os seus usos acima indicados, observa-se


que tohu é, de fato, o vazio.

Todavia, não é o vazio tal qual pensamos na cultura ocidental do século XXI, que
indica uma total ausência de coisas.

Pelo contrário, tohu é dito de regiões áridas, de coisas vãs, e até mesmo de
cidades!

Então, a que tipo de vazio tohu se refere?

Não ao vazio de elementos, mas sim ao vazio de ordem, valor ou objetivo.

Um deserto pode conter várias coisas: areia, pedras, plantas rasteiras, dunas,
montanhas, e até mesmo pequenos répteis ou insetos. Mas, nada disso tem qualquer
utilidade ou serventia para o ser humano. E, por essa razão, o deserto não tem valor
algum. É tohu.

Semelhantemente, os objetivos vãos (tohu) descritos nas Escrituras são a busca


de coisas sem nenhuma serventia. É comumente utilizado para a idolatria. Os ídolos
existem, têm substância material, mas não têm qualquer utilidade ou propósito concreto.

Da mesma maneira, uma cidade que é descrita como tohu é uma cidade
totalmente desordenada. E, assim sendo, sem nenhum propósito ou serventia para o
Criador.

Tohu, portanto, não indica ausência de coisas, mas sim um estado caótico de
ausência de propósito, valor ou serventia.

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IV - Análise Linguística: Tohu e Vohu

Surpreendentemente, o termo vohu jamais aparece no Tanakh de forma isolada.

Todavia, há duas passagens onde tohu e vohu aparecem juntas. Em uma delas,
inclusive, observa-se exatamente a mesma expressão que ocorre em Bereshit (Gênesis)

Observe:

“Nem de noite nem de dia se apagará; para sempre a sua fumaça subirá; de geração em
geração será assolada; pelos séculos dos séculos ninguém passará por ela. Mas o
pelicano e a coruja a possuirão, e o bufo e o corvo habitarão nela; e ele estenderá sobre
ela o cordel de confusão [tohu - ‫ ]תֹהּו‬e nível de vaidade [vohu - ‫]בֹהּו‬. Eles chamarão ao
reino os seus nobres, mas nenhum haverá; e todos os seus príncipes não serão coisa
alguma.” (Yeshayahu/Isaías 34:10-12)

O contexto traz tohu e vohu como expressões análogas, compondo um paralelismo


sinônimo. Vohu aparece traduzido como algo vazio.

Mais uma vez, vazio aqui se refere a algo esvaziado de valor ou serventia, e não
literalmente o nada.

“Destruição sobre destruição se apregoa; porque já toda a terra está destruída; de


repente foram destruídas as minhas tendas, e as minhas cortinas num momento. Até
quando verei a bandeira, e ouvirei a voz da trombeta? Deveras o meu povo está louco, já
não me conhece; são filhos néscios, e não entendidos; são sábios para fazer mal, mas
não sabem fazer o bem. Observei a terra, e eis que era tohu wavohu [‫ ;]תֹהּו וָבֹהּו‬também
os céus, e não tinham a sua luz. Observei os montes, e eis que estavam tremendo; e
todos os outeiros estremeciam. Observei, e eis que não havia homem algum; e todas as
aves do céu tinham fugido. Vi também que a terra fértil era um deserto; e todas as suas
cidades estavam derrubadas diante de YHWH, diante do furor da sua ira. Porque assim
diz YHWH: Toda esta terra será assolada; de todo, porém, não a consumirei.”
(Yirmiyahu/Jeremias 4:20-27)

Essa é a melhor passagem para compreender o relato de Bereshit (Gênesis), tanto


por trazer a mesmíssima expressão, quanto porque a descrição é bastante detalhada.

Aqui, o estado de tohu e vohu é descrito como um estado de ruína, e destruição.


Não há razão para supor, portanto, que o sentido da mesmíssima expressão em Bereshit
(Gênesis) 1:2 seja diferente.

V - Conclusão sobre Tohu e Vohu

Isso indica que, diferentemente do pensamento ocidental que costuma definir tohu
e vohu como o nada absoluto, para um semita da antiguidade, a expressão era indicativo
de que aquilo que lá havia estava totalmente arruinado, destruído e desolado.

Fortes são os indícios, portanto, de que o objetivo do relato de Bereshit (Gênesis)


fosse indicar que, após uma era de existência anterior, a terra havia passado por um
período de ruína e destruição.

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Em outras palavras, a Torah indica que a vida que estava prestes a surgir viria a
partir da ruína daquilo que anteriormente havia habitado o planeta.

O uso de vohu somente em conjunto com tohu parece indicar que os dois termos
são sinônimos aliterativos. Isto é, o texto bíblico compõe um paralelismo poético que usa
de sons parecidos, como forma de ênfase.

Ou seja, o uso de tohu wavohu ao invés de apenas tohu tem por objetivo enfatizar,
em linguagem poética, o estado absoluto de destruição e desolação.

VI - Confirmação Científica

Será coincidência que os estudos mais modernos acerca do surgimento da vida


têm ido justamente nessa direção?

Em 2007, uma pesquisa obteve um resultado surpreendente. Ela foi citada em


diversos artigos no mundo acadêmico, e tema do artigo abaixo citado, da revista National
Geographic:

“O asteróide que aniquilou os dinossauros 65 milhões de anos deu abertura a nichos


para a maioria dos mamíferos vivos da atualidade, segundo novo estudo.

…O novo estudo compara os fósseis dos últimos 150 milhões de anos com o de
mamíferos vivos. Suas descobertas apoiam a visão de que as linhagens placentárias
modernas apareceram pela primeira vez 65 milhões de anos atrás no hemisfério norte.

“Isso está relacionado ao fim dos dinossauros”, disse John Wible, o curador dos
mamíferos do Carnegie Museum of Natural History, em Pittsburgh, na Penlsivânia.

“Os dinossauros se extinguem, e esses vários tipos de nichos que eram ocupados pelos
dinossauros de repente se tornam vagos, e foi nesses nichos que os placentários
oportunistas evoluíram.”

Wible é o principal autor do novo estudo, publicado hoje no jornal Nature.” (Dinosaur
Extinction Spurred Rise of Modern Mammals, Study Says)

VII - Análise Linguística: Hayetah

O hebraico traz a expressão “wehaares hayetah tohu wavohu”. A primeira parte do


versículo costuma ser traduzida como “e a terra era”.

O verbo hayetah, todavia, pode ser traduzido de duas formas, e ambas são
bastante abundantes no Tanakh.

Observe:

"Leah tinha os olhos enfermos, enquanto que Rahel era [hayetah - ‫ ]הָיְתָה‬formosa de
porte e de semblante.” (Bereshit/Gênesis 29:17)

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"Porque o material que tinham era [hayetah - ‫ ]הָיְתָה‬bastante para toda a obra, e ainda
sobejava.” (Shemot/Êxodo 36:7)

"E havia saraiva, e fogo misturado entre a saraiva, tão grave, qual nunca houve em toda a
terra do Egito desde que se tornara [hayetah - ‫ ]הָיְתָה‬uma nação.” (Shemot/Êxodo 9:24)

"Portanto Hevron tornou-se [hayetah - ‫ ]הָיְתָה‬herança de Kalev, filho de Yefuneh o


quenezeu, até ao dia de hoje, porquanto perseverara em seguir a YHWH Elohim de
Israel.” (Yehoshua’/Josué 14:14)

Em suma, hayetah pode tanto indicar algo que era, ou algo que se tornou.

Isso porque, no hebraico bíblico, o verbo hayah (‫ )היה‬pode indicar: ser, estar,
tornar-se ou vir.

Por essa razão há várias possíveis leituras para essa passagem. Pode-se dizer:

• A terra era - indicando um estado mais permanente, no mesmo tempo verbal do


restante da criação.
• A terra fora - com o pretério mais-que-perfeito indicando um estado anterior ao da
criação.
• A terra estava - indicando um estado provisório.
• A terra estivera - indicando um estado provisório anterior ao da criação.
• A terra tornara-se - indicando uma mudança.

Analisando o sentido de tohu wavohu, assicado ao que foi visto acerca do primeiro
versículo da Criação, a ideia que prevalece é a de que houve uma mudança de estado.

Em outras palavras, a terra nem sempre esteve tohu wavohu, até porque a própria
expressão em si sugere fortemente um estado anterior.

VIII - O Comentário do Midrash

Isto posto, é importante observar o que alguns comentaristas e exegetas diziam


sobre essa expressão.

Começando pelo Midrash:

“R. Tanhuma disse: Isso pode ser comparado a um infante real dormindo em seu
berço enquanto a sua ama se assenta ansiosa e atribulada. Por que? Porque ela sabia
que receberia punição por sua mão. Assim, a terra previu que estava destinada a ver sua
destruição pela mão do homem, conforme é dito: ‘Maldito o solo por tua causa.’ [Gn. 3:17]
Portanto, a terra estava tohu wavohu. (Bereshit Raba 2:2)

É interessante como o Midrash além de associar a condição de tohu wavohu com


destruição e desolação, também prevê que esse seja possivelmente um processo cíclico.

E, para R. Tanhuma, a próxima etapa do ciclo seria a terra ser destruída pela mão
do próprio ser humano.

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Os sábios que relataram Midrashim, no geral, não eram profetas, e sim


palestrantes e exegetas. Ou seja, não se trata aqui de uma profecia, mas sim da
percepção de R. Tanhuma sobre o que viria a acontecer no futuro.

Considerando, porém, o estado atual das coisas, essa conclusão de R. Tanhuma


não está nem um pouco distante da realidade.

IX - Comentários de Rashi e Rashbam

Já Rashi, ao comentar a expressão tohu wavohu, disse:

“A palavra tohu é uma expressão de espanto e desolação, que uma pessoa se


maravilha e é assombrada pelo vazio nela. Vohu é uma expressão de vazio e
desolação.” (Comentário de Bereshit 1:2)

Rashi parece fazer referência ao reforço da ideia de tohu, indicada pela presença
da palavra vohu.

A situação da terra era assombrosa.

O neto de Rashi, Rashbam, foi um dos maiores exegetas da Torah na Idade Média.
Ele afirma:

“No momento em que os céus superiores e a terra já tinham sido criados, muito
antes dos atos relatados em Bereshit, a terra tal como a conhecemos era completamente
vazia, pois água a cobria até os céus superiores. A escuridão que não era noite estava
sobre os abismos, e não havia luz nos céus.” (Rashbam)

Rashbam também enxerga a sequência do texto da Torah como indicando que a


terra já existia anteriormente ao relato da Criação em Bereshit.

A análise de Rashbam de que a terra teria sido completamente encoberta por


água, até os céus, é fisicamente impossível - conforme já visto no artigo sobre o dilúvio,
na série “Mistérios do Tanakh".

Deve-se dar, contudo, o desconto de que os comentaristas da Idade Média não


possuíam o conhecimento científico que temos hoje. Mesmo sendo abertos para a ciência
e o estudo da Física e da Astronomia.

X - Ibn ‘Ezra e as Sete Terras

Por fim, o comentário de um dos principais exegetas sefaradim, Ibn ‘Ezra:

“A criação do firmamento e da terra seca não estavam numa área para ser habitada, uma
vez que estava coberta de água, e assim o Eterno colocou seu poder gerador abaixo da
água… Agora é explicado que o ter havido sete terras é [na realidade] que a terra é
dividida em sete, e o Templo estava no centro da região habitada, pois estava distante do
centro da terra.” (Ibn ‘Ezra)

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Ibn ‘Ezra faz alusão a um antigo e bem curioso conceito judaico: Ao de que já
tenha havido sete terras.

Como se sabe, sete é um número bastante simbólico na cultura semita. Simboliza


um ciclo completo.

Ou seja, o conceito não necessariamente se refere a um número exato de ‘terras’,


ou de épocas da terra, que já existiram, mas possivelmente a ideia de que já tenha havido
um ciclo de criações anterior a esse.

Em outras palavras, a ideia exclusivista do ser humano de que não apenas a terra,
mas o universo inteiro foram criados por sua causa - uma ideia típica no fundamentalismo
religioso - não encontra respaldo no pensamento judaico, nem na Torah.

Pelo contrário, é espantoso que, muito antes dos físicos e astrônomos concluírem
que o ser humano é apenas um grão de areia na existência do universo, os pensadores
judeus já diziam que nem mesmo a história da terra conheceu somente o ser humano,
mas que teve outras épocas, e fases.

Ou, será que isso implicaria até mesmo num ciclo de realidades de criações e
destruições sucessivas?

Alguém poderia indagar: Já estivemos aqui antes, enquanto espécie, noutras


condições? Em outras palavras: Será que houve seres humanos criados e destruídos
antes mesmo do relato de Adam?

Uma passagem de Qohelet (Eclesiastes), que já foi citada noutros materiais,


parece trazer algo nesse sentido:

“O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de
novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos
séculos passados, que foram antes de nós. Já não há lembrança das coisas que
precederam, e das coisas que hão de ser também delas não haverá lembrança, entre os
que hão de vir depois.” (Qohelet/Eclesiastes 1:9-11)

Essa passagem pode simplesmente indicar que nossos antepassados, antes de


nós, passaram pelas mesmas coisas que passamos atualmente.

Mas, há quem a veja como um indício de que a terra realmente seja cíclica.

Ibn ‘Ezra, contudo, parece interpretar o conceito das sete terras como diferentes
etapas da terra, até que a criação atual fosse atingida. Não tanto como diferentes fases
de construção, mas como uma preparação para a criação atual.

XI - Conclusão

Como se pode perceber, a expressão "wehaares hayetah tohu wavohu" abre um


leque interpretativo bastante intrigante.

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O autor deste material entende que a fonte primária para a compreensão da


expressão deve ser inicialmente o próprio hebraico bíblico do Tanakh, que serve de base
para qualquer conceito.

E, através dessa análise, é inegável observar que a destrição é uma expressão


poética que indica um estado total de desolação.

A terra jazia desforme, sem propósito, nem serventia. Na visão do autor deste
material, muito provavelmente indicando que teria passado por uma destruição antes de
ser refundada em Bereshit (Gênesis).

O autor deste material não considera que seja coincidência que a ciência tenha
confirmado que, de fato, a terra passou por um processo de destruição antes da
ascenção tanto do ser humano quanto da fauna atual.

O autor também entende que isso confirma a suspeita de pelo menos alguns dos
sábios da antiguidade, de que a terra tenha passado por vários estágios de existência.

Porém, no que diz respeito a uma possível existência anterior semelhante a essa,
o autor entende que há pouca informação na Escrituras para se fazer qualquer afirmação
contrária ou a favor da tese, e entende que ela é complexa demais, e prefere não se
arriscar a tecer conjecturas.

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