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NOVO CÓDIGO CIVIL: QUESTÕES CONTROVERTIDAS. Direito de Empresa. Coordenação Mario
Luiz Delgado, Jones Figueiredo Alves. São Paulo : Método, 2010, págs. 133-146.
2
Assim, “... todos os fatos econômicos têm raízes e condicionamentos, que os situam também na área
específica do Direito. A ação econômica tem por sujeitos os indivíduos, as empresas e o setor público. Esses
três sujeitos definem três diferentes esferas de interesse, cada uma das quais em conflito potencial com as
outras duas. A liberdade de organização e de concorrência das empresas, bem como a liberdade de escolha
dos indivíduos para o trabalho, o consumo e a acumulação, serão permanentemente ajustadas pela ordem
jurídica, de tal forma que conciliem os interesses e as responsabilidades de cada um. Reconhecidamente,
nenhuma ordem econômica é possível sem que o Direito limite as liberdades em função das
responsabilidades recíprocas, solucionando claramente os conflitos potenciais observados.” CAVALCANTI
FILHO, Antônio. Economia e Inter-relacionamento com o Direito. João Pessoa: Gráfica do UNIPÊ, 2005.
pág. 30.
Nesse campo, o do disciplinamento das questões jurídicas
emergentes do fenômeno econômico nominado por empresa – a compreender,
tal disciplina, não somente um mero regramento dos reflexos jurídicos
daquela, mas igualmente o esforço normativo envolvido na garantia e
regulamentação de seus pressupostos, como a tutela do mercado e da livre
concorrência3 – um significativo e desnecessário complicador costuma ser
colocado pelos estudiosos do direito: a ambição de elaborar uma conceituação
jurídica própria de empresa4.
5
Referido por Maria Helena Diniz, in Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Empresa. vol. 8. Saraiva :
São Paulo, 2008, pág. 13.
6
Rubens Requião, ob. cit., pág. 55.
7
A definição normativa de empresário, como sabido, é encontrada no art. 966 do Código Civil, em que
identificado como o responsável pela exploração profissional da atividade econômica organizada para
produção e/ou circulação de bens ou serviços. Já a qualificação jurídica de estabelecimento como “todo
complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária” é
encontrada no art. 1142 do Código Civil.
ordenamento normativo, notadamente como sinônimo impróprio do primeiro 8,
prática reiterada da legislação trabalhista9, ou mesmo como equivalente do
segundo – imprecisão em que incorre o próprio Código Civil, ao disciplinar a
hipótese da emancipação pelo estabelecimento civil ou comercial 10.
8
Nosso Código Civil emprega a expressão empresa como equivalente de sociedade empresária no art. 931,
quando prevê a responsabilidade objetiva desta e do empresário individual pelos danos causados pelos
produtos postos em circulação e, ainda, no art. 1504, ao tratar da hipoteca de vias férreas, como bem observa
Alfredo de Assis Gonçalves Neto, em sua obra Direito de Empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 66.
9
Como, v,g., encontra-se previsto no caput do art. 2º da CLT: “Considera-se empregador a empresa,
individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço.”
10
Com efeito, prevê o parágrafo único do art. 5º do CC: “Cessará, para os menores, a incapacidade: (...) IV
– pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função
deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”
11
Na lição do professor italiano Brunetti, “a empresa, se do lado político-econômico é uma realidade, do
jurídico é un’astrazione, porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos
bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a
uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular, isto é, do empresário.” Apoud Rubens
Requião, ob. cit., pág. 59.
12
Nesse sentido Fábio Ulhoa Coelho é categórico ao afirmar que “o perfil corporativo, por sua vez, sequer
corresponde a algum dado da realidade, pois a idéia de identidade de propósitos a reunir na empresa
proletários e capitalista apenas existe em ideologias populistas de direita, ou totalitárias (como a fascista,
que dominava a Itália na época).” In Curso de Direito Comercial, vol. 1, São Paulo : Saraiva, 2003, pág. 19.
E segue o autor ponderando que “A dissociação entre empresa e empresário é tema de reflexão doutrinária
da maior envergadura (cf. Despax, 1957), e seus resultados na legislação e jurisprudência se fazem sentir há
algum tempo, inclusive no Brasil (cf. Grau, 1981: 122/133), porém – repita-se – não é mais do que um
conceito operacional do direito, criado para a tutela, em parte, dos interesses de trabalhadores,
consumidores, investidores e outros.” Ob. cit., pág. 20.
Com tais depurações, acaba restando mesmo a compreensão
jurídica da empresa posta em atenção a seu aspecto dito funcional, ou seja, na
lição de Fábio Ulhoa Coelho13:
13
. Ob. cit., pág. 18, grifo no original.
14
Deve-se observar, no que respeita à enumeração dos chamados fatores de produção, que estes representam
conceito essencial na ciência econômica, constituindo elementos básicos na produção de bens e serviços,
conforme definido pela Escola Clássica dos Economistas nos séculos XVIII e XIX. A primeira escola
científica da Economia, o fisiocratismo, elegeu a terra como único recurso responsável pela geração de
riquezas, enquanto que, para Adam Smith, três seriam os recursos fundamentais: Terra, Trabalho e Capital,
este último decorrente dos dois primeiros, ditos fatores originários, conforme narrado por Arnóbio Graça, em
sua obra Princípios de Economia Política, São Paulo : Saraiva, 1949, páginas 35-37. O autor filia-se dentre os
que aliam a técnica aos três fatores já enumerados, embora, para uma parte dos estudiosos, a natureza ou
matérias-primas nela compreendidas integrem o fator ‘capital’ que, lato sensu, também compreenderia a
tecnologia referida pelo citado autor.
15
Tratado de Direito Empresarial, págs. 133 e 100, apoud BIFANO, Elidie Palma et BENTO, Sergio Roberto
de Olivieira, coord. e rev., Aspectos Relevantes do Direito de Empresa de acordo com o Novo Código Civil.
São Paulo : Quartier Latin, 2005, pág. 48.
na transmutação do conceito econômico de organização da atividade produtiva
para o de atividade econômica organizada.
19
FIÚZA, Ricardo. Coord. Novo Código Civil Comentado. São Paulo : Saraiva, 2004, pág. 885.
20
Ob. cit., pág. 67.
Do mesmo modo, não se reveste de empresariedade a atividade
explorada sem um grau elementar de organização que a torne tecnicamente
apta a alcançar os propósitos econômicos a que porventura se tenha destinado.
21
Nesse sentido: CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro :
Renovar, 2006, pág. 13. Segundo o autor, “o empresário exerce atividade econômica organizada. Sua
atividade baseia-se em uma organização que compreende a articulação, a ordenação de trabalho e meios
materiais, podendo ela ser de pequena ou grande expressão.”
de empresa a atividades desenvolvidas sem conteúdo econômico e/ou de
maneira não profissional ou organizada.
22
Como bem observa Alfredo de Assis Gonçalves Neto, em sua já citada obra, à página 69.
23
De fato, é em relação aos prestadores de serviços – pessoa física ou jurídica – que é posta a controvérsia ora
tratada, acerca da possibilidade de o trabalho intelectual vir a constituir elemento de empresa.
24
Fatores de produção que, enumerados como quatro pelos economistas (capital, trabalho, tecnologia e
matéria-prima), podem ser reduzidos, ao final, basicamente a apenas dois: capital e trabalho, conforme
anteriormente observado à nota 13.
legal deixa transparecer, em sua própria essência, a atenção do sistema ao
baixo potencial econômico, como meio de “produção sistemática de
riquezas”25, do trabalho desenvolvido com emprego de recursos basicamente
intelectivos e assim prestado pelo respectivo profissional – seja
individualmente, em nome próprio, ou por meio de uma pessoa jurídica para
tanto constituída – diretamente ao seu destinatário, mediante relação
“personalíssima, com o contratante apenas, e não com a cadeia econômica, o
mercado26”.
25
Expressão empregada por Gladston Mamede em Direito Societário: Sociedade Simples e Empresárias. São
Paulo : Atlas, 2004, pág. 37.
26
BIFANO, Elidie Palma et BENTO, ob. cit., pág. 49.
27
Conforme observa Fábio Ulhoa Coelho, em sua já referida obra Curso de Direito Comercial, vol. 1. São
Paulo : Saraiva, 2003, pág. 143.
28
Enunciado nº 193, aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudo Judiciários,
in Jornada de Direito Civil. Org. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. Brasília : CJF, 2005, pág. 61.
Dessa forma, quer o profissional que explore tais atividades
individualmente, quer a sociedade de “caráter uniprofissional29”, então
caracterizada como sociedade simples – estão fora da disciplina do direito de
empresa.
29
Expressão utilizada por Sérgio Campinho, ob. cit., pág. 42.
30
Terminologia utilizada por Paulo Checoli, in Direito de Empresa no Novo Código Civil/2002: Comentários
– Artigo por Artigo. São Paulo : Editora Pillares, 2004, pág. 23.
econômicos em que é ela desenvolvida. Dá-se, pois, atenção centrada na
estrutura organizacional31 necessária àquela exploração profissional,
identificando empresa quando do ordenamento32 do trabalho intelectivo, ainda
que a atividade desenvolvida não passe propriamente da prestação de serviços
intelectuais.
31
É o caso de Fábio Ulhoa Coelho, quando defende que o “chamado profissional liberal (advogado, dentista,
médico, engenheiro etc)”, “apenas se submete ao regime geral da atividade econômica se inserir a sua
atividade específica numa organização empresarial (na linguagem normativa, se for ‘elemento de
empresa’).” Ob. cit., pág. 24.
32
Nesse sentido parece inclinar-se Sérgio Campinho, ob. cit., pág. 44, ao desenvolver seu raciocínio mediante
diferenciação entre uma clínica médica, explorada por uma sociedade simples, onde os respectivos sócios são
os prestadores diretos do serviço, e os hospitais, quando, embora destaque que a atividade destes não se
encerra no exercício da profissão intelectual – o que é verdade, porque o objeto social é, por definição, mais
amplo que a mera prestação de atendimento médico – centra foco na ordenação de elementos estratégicos ao
aperfeiçoamento da organização, tais como concepção de marca, utilização de título de estabelecimento,
desenvolvimento de técnicas de administração etc.
33
Texto do Enunciado nº 194 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários –
CEJ. Ob. cit., pág. 61.
34
Código Civil Anotado. São Paulo : Saraiva, 2003, pág. 612.
propriamente à atividade econômica desenvolvida pelo agente de modo
organizado, que é justamente a razão de ser da empresa.
35
Ao fundamentar, quanto às prestadoras de serviços, a distinção entre a sociedade simples e a empresária na
“existência de uma estrutura empresarial” é esse o resultado a que chega José Edwaldo Tavares Borba, ao
pugnar que a diferenciação se opere “conforme o grau de organização que apresente, ressalvada a condição
da pequena empresa.” In Direito Societário. Rio de Janeiro : Renovar, 2004, págs. 10 e 11. Mais adiante, à
pág. 17, entretanto, ao tratar especificamente da atividade intelectual, assegura o autor que “todas as
sociedades que se dedicam à criação intelectual serão pois sociedade simples, independentemente de
possuírem ou não uma estrutura organizacional própria de empresa.”
36
Exemplificando com a progressiva complexidade da estruturação das atividades profissionais de um médico
pediatra até a constituição de um hospital com tal especialidade, Fábio Ulhoa Coelho constrói argumento pela
identificação de empresa quando a individualidade do trabalho então desenvolvido pelo médico ‘se perder’ –
utilizando-se expressão empregada pelo próprio autor – na organização empresarial. In Manual de Direito
Comercial. São Paulo : Saraiva, 2007, págs. 16-17.
37
Nesse ponto, vale transcrever crítica deduzida por ocasião das discussões que resultaram na aprovação do
Enunciado n. 193 (“Art. 966: O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído
do conceito de empresa.”) na III Jornada de Direito Civil, já referida anteriormente: “Seria considerada
empresa a atividade que não depende de participação direta do empresário individual ou de sócios na
sociedade empresária. Por outro lado, o envolvimento direto destes desconfiguraria a natureza empresarial
da atividade. Mas qual fundamento legal que permite descaracterizar a natureza empresarial da atividade
simplesmente pela participação de sócios? Fosse essa a intenção do legislador, por que não teria ele
mencionado a impessoalidade como elemento de empresa, no caput do art. 966? Esse entendimento também
não confere segurança jurídica, uma vez que propõe interpretação em dissintonia com o texto legal.” Ob. cit.,
pág. 247.
38
Como textualmente afirmado por Maria Helena Diniz em seu Curso de Direito Civil, vol. 8, Direito de
Empresa. São Paulo : Saraiva, 2008, pág. 36.
Forçoso, assim, partir em busca da identificação de um critério que
se pretenda efetivamente objetivo e, portanto, viável cientificamente, para a
qualificação empresarial do prestador de serviços de caráter intelectual –
mister que se justifica em razão do tratamento legal diferenciado conferido ao
empresário, seja no tocante à previsão de sistema registral próprio, a que
vinculada a atribuição de personalidade jurídica à sociedade reputada como
empresária (arts. 985 e 1.150, CC), seja na disciplina de regime diferenciado
de execução judicial concursal (Lei nº 11.101/2005).
39
Obra citada, pág. 69.
2.238). Ou seja, a profissão intelectual, no sistema italiano, não tem
qualquer vinculação com a matéria relativa à empresa; se ela for
exercida como parte de uma atividade empresarial, continuará
subordinada às regras do capítulo que lhe é próprio, sendo-lhe
aplicáveis, então, complementarmente, as disposições referentes à
empresa.”
40
Ob. cit., pág. 70.
Por tal entendimento,
41
Idem, ibidem. Observe-se, entretanto, que a citação em referência cuida da hipótese de a atividade
empresarial ser desenvolvida por empresário individual, no caso o profissional que, habilitado ao exercício do
trabalho intelectual, desenvolve atividade mais complexa que aquele mister – caso do médico que explora
atividade de prestação de serviços hospitalares. Quando a atividade for explorada por pessoa jurídica,
empresária será a sociedade, não o seu sócio, ainda que majoritário.
42
Ob. cit., pág. 61.
para delimitar cientificamente o enquadramento empresarial legalmente
pretendido para a prestação profissional e organizada de serviços intelectuais.
43
Com efeito, o registro na Junta Comercial é legalmente previsto como primeira obrigação do empresário
(art. 967, CC), sendo certo que a caracterização deste advém do exercício de empresa (art. 966, CC) e não
propriamente de seu registro.
É certo, porém, que a compreensão da ressalva feita na parte final do
parágrafo único do art. 966, do trabalho intelectual como elemento de
empresa, dentro da ótica ora apregoada – a do serviço profissional prestado
como parte de uma atividade mais ampla, não intelectual, e não a própria
atividade em si – reduz significativamente os riscos inerentes à imprecisa
identificação da empresa por conta de variáveis essencialmente subjetivas,
como o grau de organização da atividade produtiva, ou a maior importância
conferida à organização dos fatores de produção em detrimento da atividade
pessoal desenvolvida44.
44
Conforme defende o Enunciado 194, fruto da III Jornada de Direito Civil, já referido anteriormente.
45
Consoante ensina Fábio Ulhoa Coelho:“Os privilégios da recuperação judicial ou extrajudicial e na
extinção das obrigações conferidos pelo direito falimentar justificam-se como medida de socialização das
perdas derivadas do risco inerente às atividades empresariais. (...) Como no sistema capitalista de
organização da economia a produção cabe à iniciativa privada, e todos, em última análise, dependemos do
sucesso das empresas para atendimento de nossas necessidades, é justa a socialização das perdas
provocadas pelo risco empresarial, explicando-se, desse modo, os privilégios que o direito falimentar
concede aos falidos.” Curso de Direito Comercial, vol. 3. São Paulo : Saraiva, 2003, pág. 246.
Como se vê, a conferência de mais precisão à calibragem dos
instrumentos legais de identificação dos agentes produtivos submetidos ao
regime empresarial é meio essencial à formatação da própria segurança
jurídica do sistema que, longe de representar mera firula doutrinária,
apresenta-se mesmo como elemento indissociável à consolidação do Direito
de Empresa como mecanismo jurídico de incentivo ao desenvolvimento
econômico.
Referências Bibliográficas
_________. Código Civil Anotado. São Paulo : Saraiva, 2003, pág. 612.
FIÚZA, Ricardo. Coord. Novo Código Civil Comentado. São Paulo : Saraiva,
2004.
ROSADO DE AGUIAR, Ruy. Org. III Jornada de Direito Civil. Brasília : CJF,
2005.