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Ação de consignação em pagamento

e ação de prestação de contas

Fabio Milman

Ação de consignação em pagamento


Tal espécie de procedimento especial de jurisdição contenciosa serve de
veículo à pretensão de seu autor (devedor ou terceiro) de obter declaração
judicial de cumprimento de obrigação de pagar quantia certa ou de entrega
de coisa, conforme está previsto no artigo 890 do Código de Processo Civil
(CPC):
Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de
pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

§1.o Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depó-
sito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar
do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com
aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa.

§2.o Decorrido o prazo referido no parágrafo anterior, sem a manifestação de recusa, repu-
tar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depo-
sitada.

§3.o Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, o devedor


ou terceiro poderá propor, dentro de 30 (trinta) dias, a ação de consignação, instruindo a
inicial com a prova do depósito e da recusa.

§4.o Não proposta a ação no prazo do parágrafo anterior, ficará sem efeito o depósito,
podendo levantá-lo o depositante.

Motivação da demanda
A causa eficiente da ação de consignação em pagamento, em regra, é a
denominada mora creditoris, vale dizer, a negativa do credor em receber, na
forma e prazo pactuados, a quantia em dinheiro ou a coisa devida.
Procedimentos Especiais

Requisitos
Dentre os requisitos para a modalidade, a constatação da recusa do credor
em receber; também, por evidente, a existência de uma obrigação líquida e certa
vencida e impaga; a lei cogita, ainda, a possibilidade da consignação judicial se
ocorrente justa dúvida quanto a quem deva legitimamente receber.

Legitimação
A legitimação ativa para interpor a espécie é, em primeiro plano, do próprio
devedor que necessite obter quitação da obrigação. Entretanto, pelo instituto da
sub-rogação, previsto na Lei Civil1, pode um terceiro pagar em nome do devedor
a dívida deste, nessa condição assumindo seus direitos tanto materiais quanto
processuais dentre os quais, expressamente refere o antes reproduzido artigo 890
do CPC, o de propor, em nome próprio, a ação de consignação.

O polo passivo da demanda ora tratada será ocupado pelo credor recusante do
pagamento, ou por aqueles que, no caso de dúvida quanto a quem pagar, possam
efetivamente ostentar e demonstrar sua condição de credores do que ofertado.

Consignação em pagamento pré-processual


Os parágrafos 1.º até 4.º do artigo 890 do CPC estabelecem procedimento pre-
liminar à atuação jurisdicional, uma tentativa consignatória extrajudicial prévia.
Via exclusiva para obrigações de pagar em dinheiro quantia certa, tal busca é
desempenhada perante estabelecimentos oficiais bancários. O interessado em
pagar e obter quitação, por essa modalidade, procura uma agência localizada na
praça de pagamento da obrigação e efetua depósito da quantia em conta com
correção monetária.

O banco escolhido fará cientificar o credor, por meio de carta com aviso de
recebimento, de que houve o depósito e que a quantia ofertada está à sua dispo-
sição. O consignado extrajudicial, a partir da ciência do depósito, terá o prazo de
10 (dez) dias para manifestar expressamente por escrito sua recusa em receber a
oferta; não o fazendo, será o devedor considerado liberado de sua obrigação. De
outro modo, comparecendo o credor à agência bancária, receberá o que foi depo-
sitado, servindo o recibo como comprovante de quitação da obrigação.

1
Código Civil (CC), artigos 346 até 351.

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Ação de consignação em pagamento e ação de prestação de contas

Vindo no decêndio legal recusa escrita, ter-se-á por ineficaz a tentativa extra-
judicial, liberando-se a quantia em favor do próprio devedor que poderá utilizar,
como a seguir considerado, a prova do depósito bancário para o procedimento
judicial.

Prova essencial: título


Prova essencial para propositura da ação de consignação em pagamento
repousa sobre o título vencido, ou seja, o documento apto à demonstração da
existência de uma relação crédito-débito que justifique a narrativa fática da obri-
gação de cumprimento e correspondente recusa em receber e dar quitação.

Competência
É regra que o órgão jurisdicional competente para receber, processar e decidir
a ação de consignação em pagamento seja o do lugar onde deva a obrigação ser
cumprida.2 Em se tratando de coisa (corpo, objeto), poderá a demanda ser distri-
buída no foro onde aquela se encontra.3

Pedidos contidos na inicial


O primeiro pedido comumente presente na peça vestibular da espécie pro-
cedimental em destaque é o de autorização (verdadeira antecipação do resul-
tado final da esperada sentença de procedência) para depósito judicial liminar da
quantia ou coisa devidas4 com esse exercício cessando, para o devedor, os riscos
da mora5 (incidência de juros e de multa), salvo se sobrevier, ao final, sentença de
improcedência.

2
Art. 891. Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os
juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente.
3
Art. 891. [...]
Parágrafo único. Quando a coisa devida for corpo que deva ser entregue no lugar em que está, poderá o devedor requerer a
consignação no foro em que ela se encontra.
4
Art. 893. O autor, na petição inicial, requererá:
I - o depósito da quantia ou da coisa devida, a ser efetivado no prazo de 5 (cinco) dias contados do deferimento, ressalvada a
hipótese do §3.º do art. 890; 
II - a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta.
5
Conforme segunda parte do antes reproduzido artigo 891 do Código.

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Procedimentos Especiais

Deferido, deverá o depósito liminar ser realizado no prazo de até 5 (cinco) dias
da ciência da parte autora, intimada para tanto sobre a concessão da medida.
Também é indispensável constar da petição inicial o pedido citatório do réu para,
no prazo legal de 15 (quinze) dias6, levantar o depósito que foi ofertado ou rece-
ber a coisa pretendida a entregar.

Quando o pagamento recair sobre coisa indeterminada, incide a previsão do


artigo 894 do CPC:
Art. 894. Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao credor, será
este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias, se outro prazo não constar de lei ou
do contrato, ou para aceitar que o devedor o faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial,
fixar lugar, dia e hora em que se fará a entrega, sob pena de depósito.

Quanto ao plano material, a pretensão do autor está em obter sentença com


eficácia preponderantemente declaratória de extinção da obrigação.

Se o conflito gerador da demanda judicializada cuidar de relação de trato suces-


sivo (alugueres, contribuições condominiais, plano de consórcio etc.), depositada
a primeira parcela, a mesma possibilidade alcançará as demais que, no curso do
processo, se forem vencendo – tudo conforme redação do artigo 892 do CPC:
Art. 892. Tratando-se de prestações periódicas, uma vez consignada a primeira, pode o devedor
continuar a consignar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se forem vencendo,
desde que os depósitos sejam efetuados até 5 (cinco) dias, contados da data do vencimento.

Matéria específica de defesa


O réu da ação de consignação em pagamento, em sua defesa, poderá assegu-
rar ausência de recusa ou mora em receber (CPC, art. 896, I). Na primeira hipótese
(não ter o demandado recusado o pagamento na forma e condições pactuados),
recairá sobre o autor consignante o ônus da prova (CPC, art. 333, I), na medida em
que, cogitando-se o contrário, estar-se-á exigindo da parte ré prova impossível –
qual seja, de fato não ocorrido.

A segunda tese da resposta (CPC, art. 896, II) poderá fundar-se no fato de ter
sido justa a recusa – por exemplo, quando procurado para que recebesse e desse
a quitação, ainda não se encontrava vencida a obrigação ou não cumprida, até
aquele momento, determinada condição do negócio. Também dedutível, em

6
Aplicação combinada do parágrafo único do artigo 272 e do artigo 297, ambos do CPC.

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Ação de consignação em pagamento e ação de prestação de contas

contestação, que “o depósito não se efetuou no prazo ou lugar do pagamento”


(CPC, art. 896, III) ou, também, que o depósito, como oferecido, apresentava-se a
menor do que o previsto (CPC, art. 896, IV).

Nesta última situação (depósito não integral), a lei autoriza ao autor devedor
a complementação da quantia faltante no prazo de 10 (dez) dias (CPC, art. 899).
A hipótese de complementação, todavia, não será viável se o montante faltante
corresponder a uma prestação essencial, a uma parcela do contrato que, impaga,
por si só acarretaria rescisão do contrato.

Quantia incontroversa
Conforme redação do parágrafo 1.º do artigo 899 do CPC, em que pese discus-
são sobre corresponder ou não a quantia depositada ao que realmente é devido,
a porção incontroversa ofertada poderá, desde logo, ser levantada pelo credor,
seguindo o processo pelas eventuais diferenças. Apuradas tais diferenças como
devidas, a sentença trará declarada tal circunstância e, mais do que declarar, con-
denará o devedor ao pagamento, em favor do credor, dos montantes faltantes,
constituindo título executivo judicial.

Dúvida quanto a quem deva legitimamente receber


Quando houver dúvida do devedor quanto a quem deva pagar quantia ou
entregar coisa, deverá ele requerer a citação daqueles que, no plano material,
disputam o crédito ou bem.7 Citados, nenhum comparecendo, converter-se-á o
depósito em arrecadação de bens de ausente.8 Comparecendo apenas um dos
apontados eventuais credores, a ele será adjudicada a oferta por meio de sen-
tença que liberará o devedor da obrigação.9 Atendendo à citação mais de um
dos possíveis credores apontados, nenhum deles impugnando o valor ou a coisa
ofertados, sobrevirá sentença que declarará cumprida a obrigação, então prosse-
guindo a demanda em segunda fase, como quer a lei, sob rito ordinário, envol-
vendo apenas a disputa entre os sujeitos consignados.10

7
CPC, art. 895.
8
CPC, art. 898, primeira parte.
9
CPC, art. 898, segunda parte.
10
CPC, art. 898, terceira parte.

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Procedimentos Especiais

Ação de prestação de contas

Objetivo
Procedimento especial de jurisdição voluntária regulado pelos artigos 914 até
919 do CPC, o tema destas linhas tem por objeto o cumprimento de uma obriga-
ção de prestar contas.

Legitimação
Pode propor ação de prestação de contas tanto aquele que está obrigado a
prestá-las ou o que tem direito a recebê-las; no polo passivo estarão, no primeiro
caso, os que têm direito às contas e, no segundo, aquele que está a recusá-las.

Requisitos
Do acima exposto, decorre serem requisitos para espécie procedimental a
negativa em prestar contas, quando existente obrigação de fazê-lo, ou a negativa
em receber contas, quando alguém estiver obrigado perante aquele que as está
objetando.

Prova essencial: existência da relação material


Deverá o autor da demanda comprovar a existência de uma relação que gere
obrigação em prestar contas, normalmente prestação de serviços ou exercício de
um mandato, ou ainda, desempenho do encargo de tutor ou curador.

Ação proposta pelo credor das contas


Ofertada pelo credor das contas este deverá, depois de apresentar sua narra-
tiva fática, requerer a citação do réu para, em 5 (cinco) dias, apresentá-las ou con-
testar o pedido.11 Prestadas, sobre as contas será oportunizada vista pelo período
de 5 (cinco) dias.12

11
CPC, art. 915, caput.
12
CPC, art. 915, §1.º.

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Ação de consignação em pagamento e ação de prestação de contas

Havendo inconformidade, seguirá o feito com a fase de instrução, via de regra


realizando-se prova pericial contábil, ao cabo lançada sentença que julgará a qua-
lidade do que apresentado.

Ausência de contestação ou de impugnação


De acordo com a disciplina do parágrafo 2.º do artigo 915 do Código, na ausên-
cia de impugnação ou na ausência da oferta das contas sobrevirá julgamento
antecipado da lide mediante sentença condenatória do réu em obrigação de
fazer (consistente em prestar contas no prazo de 48 horas). Cumprida a decisão,
retornar-se o ritual primeiro, qual seja, de vista ao autor sobre o ofertado, debate
a respeito, eventual perícia e sentença.

Finalmente, se não houver o cumprimento da sentença, ou seja, se no prazo


de 48 horas deixar o réu de prestar as contas, determina a parte final do pará-
grafo 3.º do artigo 915 do CPC que as oferte o autor em 10 dias, não cabendo
ao demandado impugná-las, deliberando o juiz, a seu respeito, com uso de seu
prudente arbítrio, podendo valer-se para auferir certeza sobre o que decidirá, de
prova pericial contábil.

Ação de prestação pelo devedor das contas


Quando houver recusa do credor das contas a recebê-las, tratará o obrigado
a prestá-las de demandar seguindo as regras do artigo 916 do CPC. O réu será
citado para no prazo de 5 (cinco) dias aceitar ou contestar as contas apresentadas.
Na hipótese de na falta de manifestação (revelia) ou da expressa manifestação de
concordância do réu com as contas alcançadas, será lançada sentença de proce-
dência do pedido, no prazo de 10 dias. De outra forma, presente contestação ou
impugnação, existindo necessidade de produção de provas, sobrevirá instrução e,
depois de seu encerramento, correspondente julgamento.

Requisito formal para as contas prestadas


O artigo 917 do CPC exige que as contas devam ser sempre apresentadas na
forma mercantil, com a especificação de receitas e das aplicações das despesas
com apontamento do saldo final, tudo acompanhado da documentação corres-
pondente.

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Procedimentos Especiais

Efeitos da sentença
A sentença que julgar as contas declarará sua qualidade, isto é, se foram elas
adequadamente ou não prestadas. Existente saldo em favor de qualquer das
partes, essa porção sentencial terá força condenatória posto que gerará título
executivo judicial exigível em sede de cumprimento de sentença13, na forma do
artigo 475-J e seguintes do diploma instrumental civil.

Prestação de contas do inventariante, do tutor,


do curador, do depositário e de outros administradores
Consoante previsão do artigo 919 do CPC, as contas devidas pelos perso-
nagens acima enumerados deverão ser processadas em apenso aos autos dos
processos em que havidas suas nomeações. Se apurado saldo devedor com con-
sequente condenação ao pagamento, o não desempenho deste no prazo legal
acarretará possível destituição do cargo pelo juiz, e/ou sequestro de bens que
estejam sob sua guarda e glosa do prêmio/gratificação a que faria jus.

Ampliando seus conhecimentos


Indicamos a leitura das obras abaixo:

Procedimentos Especiais, de Antonio Carlos Marcato, editora Atlas.

Dos Procedimentos Especiais no Código de Processo Civil, de Ernani Fidélis dos


Santos, editora Forense.

13
CPC, art. 918.

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