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Modo verbal

2.1
Modo e modalidade de um ponto de vista descritivo

Nesta seção, modo verbal e modalidade serão explorados conforme


abordados pela Gramática Tradicional e pela Lingüística Descritiva. Para tanto, o
presente trabalho tomou como base as gramáticas mais consultadas atualmente de
cada uma das áreas citadas, além de outros trabalhos do meio acadêmico, de modo
a enriquecer a exposição e a fornecer um panorama geral, ainda que longe de
exaustivo, acerca do assunto modo-modalidade.

2.1.1
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Gramática tradicional

Em geral, as descrições acerca dos modos verbais seguem um mesmo padrão


de apresentação, ou seja, tem-se uma definição de modo, a especificação dos três
tipos essenciais de modo verbal, quais sejam, o indicativo, o subjuntivo e o
imperativo, as condições de uso de cada um deles e os tempos verbais que com
eles se relacionam. Contudo, alguns autores acrescentam maior profundidade à
explanação, como será visto mais adiante.
Em se tratando da abordagem tradicional, Cunha & Cintra (1985) assim
definem modo verbal:

Entende-se por MODO [...] a propriedade que tem o verbo de indicar a atitude (de
certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa que fala em relação ao
fato que enuncia; e, por TEMPO, a de localizar o processo verbal no momento de
sua ocorrência, referindo-o seja à pessoa que fala, seja a outro fato em causa.
(CUNHA & CINTRA, 1985, p.436).

Cunha & Cintra (op. cit.), então, arrolam os três modos verbais citados
acima. Segundo os autores, o modo indicativo é utilizado para exprimir uma ação
ou um estado que envolva realidade ou certeza, seja no presente, passado ou
futuro e tal modo é encontrado, em especial, em orações principais. No caso de
20

orações completivas, pode ser usado para completar o sentido de verbos, tais
como: afirmar, compreender, comprovar, crer (no sentido afirmativo), dizer,
pensar, ver, verificar.
O modo subjuntivo, em contrapartida, é usado com fatos incertos, duvidosos
ou irreais, podendo completar o sentido de verbos que veiculem idéias de ordem,
de proibição, de desejo, de vontade, de súplica, de condição e outras correlatas,
como as expressas pelos verbos: desejar, duvidar, implorar, lamentar, negar,
ordenar, pedir, proibir, querer, rogar e suplicar.
As duas sentenças abaixo, sintaticamente idênticas, exemplificam tais
observações. Na primeira, o indicativo completa o sentido do verbo dizer, uma
vez que Maria expressa sua opinião. Na segunda sentença, o subjuntivo está
ligado à idéia de uma ordem transmitida por Maria:

(1) Maria disse que eu faço isso bem. (Indicativo)


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(2) Maria disse que eu faça isso bem. (Subjuntivo)

Quanto ao modo imperativo, Cunha & Cintra (op. cit.) pontuam que em
português há dois tipos de imperativo: um afirmativo e outro negativo. O
afirmativo conta com formas próprias apenas para as segundas pessoas: do
singular e do plural; as demais formas correspondem às do presente do subjuntivo.
No negativo, todas as formas correspondem às do presente do subjuntivo1. O
Quadro 1, a seguir, ilustra a questão com um verbo de primeira conjugação,
embora o mesmo se dê com as demais:

Imperativo Afirmativo Imperativo Negativo Presente do Subjuntivo


- - ajude
ajuda (tu) não ajudes ajudes
ajude (você) não ajude ajude
ajudemos (nós) não ajudemos ajudemos
ajudai (vós) não ajudeis ajudeis
ajudem (vocês) não ajudem ajudem

Quadro 1 – Comparação das desinências do imperativo e do subjuntivo no português


(Cunha & Cintra, 1985)

1
Esta particularidade será retomada na seção 2.3.
21

Fica fácil observar que como no imperativo tem-se a situação de um falante


dirigindo-se a um ou mais interlocutores, tal modo está associado a “aquele com
quem se fala”, isto é, as segundas pessoas: do singular (tu) e do plural (vós); as
terceiras pessoas: do singular (você) e do plural (vocês), quando se tratar de
pronome de tratamento como: você, o senhor, Vossa Senhoria, entre outros; e a
primeira pessoa do plural (nós), em que o próprio falante se inclui no
cumprimento da ordem.
Bechara (2002) define modo como uma categoria verbal e explica que em
tais categorias o verbo se combina com instrumentos gramaticais (morfemas) de
tempo, modo, pessoa e número e acrescenta que em português não se separam as
categorias de pessoa e número, nem tampouco de tempo e modo, o que ocorre em
grande parte, segundo o autor e de acordo com a literatura, com tempo e aspecto2.
As categorias verbais apresentadas em Bechara (op. cit.) são: gênero,
número, pessoa, estado3, aspecto, tempo ou nível temporal, voz ou diátese, modo,
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táxis4 e evidência5.
Estabelecidas as categorias verbais, esta é a definição de modo verbal,
segundo o autor:

Modo – Assinala a posição do falante com respeito à relação entre a ação verbal e
seu agente ou fim, isto é, o que o falante pensa dessa relação. O falante pode
considerar a ação como algo feito, como verossímil – como um fato incerto –,
como condicionada, como desejada pelo agente, como um ato que se exige do
agente, etc., e assim se originam os modos: indicativo, subjuntivo, condicional,
optativo, imperativo. (BECHARA, 2002, p. 213).

Para Bechara (op. cit.), então, os modos verbais são cinco. O indicativo é o
modo verbal utilizado, em geral, em orações independentes, bem como nas
dependentes que fazem referência a fatos verossímeis ou tidos como tais [canto,
cantei, cantava, cantarei]; o subjuntivo ou conjuntivo é o modo que se refere a
fatos incertos, duvidosos ou impossíveis de se realizar [talvez cante, se cantasse];
o imperativo expressa um ato que se exige do agente [cantai]; o condicional, fatos

2
Este é, aliás, um dos fatores de complexidade para a análise do chamado “complexo TAM”: um
único morfema pode veicular informações de tempo, aspecto e modo.
3
Estado: afirmativo, negativo, interrogativo e negativo-interrogativo.
4
Táxis: posição de um acontecimento em relação a outro sem se considerar o ato de fala; série de
ações simultâneas ou não: comer cantando; comer depois de ter cantado, etc.
5
Evidência: o falante se refere a uma informação indireta, isto é, ele experimenta um
acontecimento não vivido por ele mesmo: teria partido = eu não o asseguro, ouvi de outra pessoa;
serão duas horas (Ver nota 14, página 31).
22

que dependem de determinada condição [cantaria] e; o optativo revela a ação


como desejada pelo agente [E viva eu cá na terra sempre triste].
Na maior parte da literatura acerca de modos verbais, entretanto, os dois
últimos modos – o condicional e o optativo – não são mencionados, sendo o
condicional apresentado, normalmente, como o futuro do pretérito (simples ou
composto) do indicativo [eu cantaria, eu teria cantado].
Como se pode perceber, as abordagens acerca de modo na Gramática
Tradicional são bastante sintéticas, não diferindo muito de autor para autor que,
interessantemente, não exploram a modalidade. Na próxima seção, perceber-se-á
uma maior diversidade na investigação, tanto de modo quanto de modalidade,
pelos diferentes autores.

2.1.2
Lingüística descritiva
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No âmbito da Lingüística Descritiva, Perini (2005) define modo como uma


categoria semântica expressa pelo verbo, da mesma forma que tempo e aspecto.
Para o autor, o modo se definiria semanticamente como caracterizando a atitude
do falante frente àquilo que está dizendo, noção esta que se aproxima da de força
ilocucionária.
Uma observação com relação a esta consideração de Perini (op. cit.),
contudo, se faz pertinente. Ao contrário de um hiperônimo, por exemplo, que
constitui uma categoria semântica, mas que não desempenha qualquer papel na
sintaxe, o modo verbal não pode ser visto simplesmente como uma categoria
semântica, uma vez que tem repercussão direta na sintaxe como, por exemplo, nas
restrições que relacionam o modo indicativo às orações principais e o subjuntivo
às completivas.
Perini (op. cit.) diz, ainda, que a oposição entre o indicativo e o subjuntivo
tende a se tornar meramente formal, uma vez que as sentenças: “Tenho certeza
que Selma fuma cachimbo” e “Desconfio que Selma fume/fuma cachimbo”
tendem a ser sinônimas na fala coloquial, independentemente do teor de certeza
ou incerteza veiculado pelos verbos das orações principais. De fato, tal oposição
23

caracteriza uma neutralização que vem ocorrendo há muito entre estes dois modos
verbais no PB6.
No mais, os três modos que Perini (op. cit.) cita são os essenciais, vistos
anteriormente: indicativo, subjuntivo e imperativo.
No Dicionário de lingüística e gramática, Camara Jr. (2002, p. 169) assim
descreve o modo verbal:

Modo – propriedade que tem a forma verbal de designar a nossa atitude psíquica
em face do fato que exprimimos: <<a função lógica da modalidade é exprimir a
reação do sujeito pensante à sua representação>> (Bally, 1950, 216).

O autor descreve os três modos essenciais de forma muito sucinta e não


muito diferente daquelas apresentadas anteriormente, acrescentando dois outros
tipos formados, em português, a partir de construções perifrásticas: o modo
obrigatório e o modo volitivo. O primeiro é constituído do auxiliar ter em
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qualquer de seus tempos verbais relacionado a um infinitivo pela partícula de ou


que, para expressar a obrigação que pesa sobre o sujeito – ex: tenho de ir, tinha de
falar, tive que explicar, terei que ir, etc. O segundo é formado pelo auxiliar haver,
especialmente no indicativo presente, relacionado a um infinitivo pela partícula
de, para expressar a vontade do falante que se exerce sobre o sujeito – ex: hei de
ir, hás de falar, etc.
Camara Jr. (2002) faz algumas observações sobre os três modos essenciais.
Com relação ao indicativo, explica que esse modo tornou-se predominante na
língua a ponto de interferir no domínio dos outros dois7, fazendo o uso de
advérbios ou da própria construção frasal para exprimir dúvida ou vontade, como
nos exemplos a seguir:

Dúvida: Ele partiu talvez ontem.


Não sei se ele partiu ontem.
Ele deve ter partido ontem.

6
Ver seção 2.3.
7
Ver seção 2.3.
24

Vontade: Exijo a sua partida.


Proíbo-lhe partir.
Você parte amanhã de acordo com minhas instruções.
Você parte amanhã inelutavelmente.

O subjuntivo, que exprime dúvida, para o autor constitui uma “servidão


gramatical”, uma vez que pela presença de um advérbio na frase, tal modo
representaria uma redundância, sendo empregado apenas em tipos especiais de
frase. Assim, nos tipos mais comuns de frase, sua substituição pelo indicativo vem
se tornando cada vez mais freqüente8.
Quanto ao imperativo, este demonstra uma “conotação agressiva” ou
“superioridade impositiva”, fato que, segundo o autor, pode ser amenizado
substituindo-se a frase por uma outra no modo indicativo expressando vontade.
O modo é uma categoria verbal expressa por meio de flexões. A esse
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respeito, Camara Jr. (2006) observa que no português, ao contrário das flexões
nominais, as flexões verbais impõem verdadeira complexidade, no que tange ao
seu estudo semântico, e complementa (p. 97): “É talvez onde melhor se evidencia
a incapacidade dos métodos da gramática tradicional para fazer justiça a uma
interpretação adequada do sistema gramatical português”. O autor diz que a
dificuldade na interpretação do morfema flexional no português reside no fato de
que o mesmo abriga informações de tempo, modo e aspecto ao mesmo tempo (ver
nota 2) e assim distingue tempo de modo: o primeiro diz respeito ao momento da
ocorrência do processo visto do momento da comunicação, enquanto o último se
refere ao julgamento implícito do falante a respeito da natureza, subjetiva ou não,
da comunicação que faz.
Em Estrutura da língua portuguesa, Camara Jr. (2006) menciona apenas os
três modos essenciais. No entanto, expandindo sua investigação, descreve dois
tipos de “assinalizações”: (1) tomada de posição subjetiva do falante em relação
ao processo verbal comunicado e (2) subordinação sintática.
O subjuntivo apresenta ambos os tipos de assinalizações, isto é, a tomada de
posição subjetiva do falante em relação ao processo verbal e uma subordinação
sintática ao advérbio talvez, preposto, ou a um verbo da oração principal. O

8
Cf. nota 6.
25

imperativo possui a assinalização subjetiva, mas não a subordinação sintática.


Quanto ao indicativo, este, a priori, não possui nenhuma das duas assinalizações,
embora, este modo possa exibir um caráter subjetivo e uma subordinação sintática.
No exemplo (3), abaixo, com o verbo ser no indicativo, percebe-se o caráter
subjetivo expresso pelo verbo supor da oração principal, ao passo que no exemplo
(4), com o verbo ser no subjuntivo, têm-se não só o mesmo caráter subjetivo
veiculado pelo verbo supor, como também, uma subordinação do verbo ser a este:
neste último exemplo, portanto, ambas as assinalizações estão explícitas9:

(3) Suponho que é verdade.


(4) Suponho que seja verdade.

Mais duas considerações faz Camara Jr. (2006) acerca do modo subjuntivo.
A primeira envolve sua proposta de um sistema temporal bipartido para o referido
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modo e a segunda lida com o princípio da correlação verbal.


Com relação à primeira consideração, apesar de o subjuntivo possuir os três
tempos: presente, pretérito e futuro, esta divisão tripartida não corresponde à
realidade lingüística, segundo o autor, que propõe, então, duas divisões
dicotômicas que se complementam: a oposição presente/pretérito (para as orações
não-condicionais) e a oposição pretérito/futuro (para as condicionais). Isto se
explicaria porque o presente e o futuro do subjuntivo, por desempenharem papéis
temporalmente semelhantes, não poderiam ocorrer em um mesmo ambiente,
sendo considerados, portanto, formas excludentes.
Na oposição presente/pretérito, o pretérito é considerado a forma marcada,
indicando o passado em orações independentes precedidas pelo advérbio talvez,
9
Medeiros (1996) aponta que, na literatura lingüística, há controvérsias sobre se o subjuntivo
seria, de fato, um modo ou uma forma verbal. Lyons (1970 apud MEDEIROS, 1996, p. 34), por
exemplo, distingue modo subjuntivo de forma subjuntiva, já que a última é a “forma verbal
imposta sintaticamente em um enunciado”. Para ele, quando uma forma verbal é usada em
decorrência de fatores sintáticos, não se pode falar em “uso modal do subjuntivo”. Duas
imposições se colocam para a forma verbal: (1) não há a possibilidade de substituição da forma
verbal em questão por outra equivalente (a oposição subjuntivo vs. indicativo não é possível); e (2)
há dependência da forma verbal a ser utilizada em relação a um elemento qualquer presente no
enunciado. No exemplo: “É provável que Maurício chegue na próxima semana”, de acordo com a
imposição 1, não se pode trocar o presente do subjuntivo pelo presente do indicativo, bem como
não se pode substituir a expressão “é provável que” por um advérbio semanticamente
correspondente, como “provavelmente”, pois a forma subjuntiva já não seria mais possível, o que
confirma a imposição 2. Portanto, no exemplo “É provável que Maurício chegue na próxima
semana”, foi a estrutura da sentença que produziu o uso do subjuntivo, tendo-se, assim, não um
uso modal do subjuntivo, mas uma forma verbal.
26

ou, em orações subordinadas, se relacionado com um indicativo pretérito da


oração principal:

(5) Talvez fosse verdade.


(6) Supus que fosse verdade.

Já a oposição pretérito/futuro, utilizada nas orações condicionais, ocorre nas


orações subordinadas que estabelecem uma condição prévia do que se vai
comunicar:

(7) Se fosse verdade, eu partiria (ou – partia) sem demora.


(8) Se for verdade, eu partirei (ou – parto) sem demora.

No que diz respeito à segunda consideração, o autor afirma que o tempo


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verbal do subjuntivo da oração subordinada se correlaciona, isto é, depende do


tempo verbal da oração principal. Assim sendo, quando a oração principal se
encontrar no presente ou no futuro do indicativo, a oração subordinada estará no
presente ou no futuro do subjuntivo, respectivamente:

(9) Eles esperam que todos cumpram com seu dever.


(10) Quando Gustavo Borges subir ao pódio, a torcida brasileira em Atlanta
vai se sentir gratificada.

De forma semelhante, quando o passado do indicativo (perfeito, imperfeito


ou mais-que-perfeito) ou o futuro do pretérito for o tempo verbal da oração
principal, o tempo da subordinada será o imperfeito do subjuntivo:

(11) Ele repetiu exaustivamente a mesma história para que todos


acreditassem na sua versão.
(12) Assim que o relatório final chegasse, ele avisaria à imprensa.
27

Medeiros (1996), que estudou a ocorrência do subjuntivo em orações


relativas10, contudo, diz que o sistema temporal bipartido e a correlação verbal
introduzidos por Camara Jr. têm suas limitações. No primeiro caso, isto é, com
relação ao presente e ao futuro do subjuntivo serem formas excludentes, por
desempenharem papéis temporalmente semelhantes em um mesmo ambiente, a
autora diz que nem sempre isto ocorre, conforme as frases a seguir:

(13) Qualquer notícia que surja sobre este caso provoca polêmica.
(14) Qualquer notícia que surgir sobre este caso provoca polêmica.

Percebe-se que, pelo menos nas relativas, o presente do subjuntivo e o


futuro do subjuntivo podem se alternar. Assim, para Medeiros (op. cit.), o sistema
temporal proposto por Camara Jr. dá conta apenas em parte do que ocorre com o
subjuntivo nas orações relativas.
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No segundo caso, o da correlação verbal, que diz que as formas verbais do


subjuntivo se correlacionam com as formas verbais da oração principal, isto é, o
tempo verbal do subjuntivo a ser utilizado na oração subordinada é dependente do
tempo verbal utilizado na oração principal, mais uma vez, pode-se verificar que
nem sempre isso ocorre, quando se tratam de orações relativas:

(15) Maurício costuma agir como se fosse o dono da empresa.


(16) Maurício agia como se fosse o dono da empresa.
(17) Maurício vai agir como se fosse o dono da empresa.

Percebe-se, nos exemplos acima, que o imperfeito do subjuntivo está sendo


empregado independentemente do tempo verbal empregado na oração principal.
Assim, Medeiros (op. cit.) explicita que, embora a correlação verbal funcione
como princípio regulador do comportamento do subjuntivo, tanto em orações não-
relativas, quanto em relativas, não se pode generalizá-la para toda e qualquer
relativa, pois há espaços em que este princípio não atua.
Outro autor que se situa na linha descritiva é Ribeiro (2004), que define
modo como uma das seis categorias do verbo (modo, tempo, número, pessoa, voz

10
Camara Jr. não trata deste tipo de oração.
28

e aspecto), sendo que de todas, apenas a noção de voz não é expressa por meio de
uma flexão, mas por um processo sintático. O modo verbal, segundo ele, além de
poder ser expresso por meio de desinências (fales, falavas, falasse), também o
pode por meio de composição (tenho falado, tenha falado) ou tom de voz (Eu
falei. / Eu falei? / Eu falei?!).
A explanação de Ribeiro (op. cit.) acerca da função do modo verbal e dos
seus tipos não difere das demais já mencionadas. Por outro lado, aborda a questão
da modalidade, dizendo que esta pode se realizar não só nos modos verbais, como
também por meio de palavras modais, tais como: enfim, talvez; de adjetivos:
provável, possível, certo; ou, ainda, de outras construções ou entoações11. Esta
consideração do autor apenas reitera a de Mário Villela e Ingedore Villaça Koch
(2001 apud RIBEIRO, 2004, p. 190) acerca da modalidade: esta representa a
gramaticalização [isto é, a expressão por meio da morfologia] das atitudes
subjetivas do falante e sua [conseqüente] transposição para o conteúdo do
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enunciado.
Ainda no âmbito da modalidade, Medeiros (op. cit.) acrescenta uma noção
importante: a distinção entre modal e modalizador. Para tanto, menciona as
definições contidas no Dicionário de Dubois et al. que se seguem (MEDEIROS,
1996, p. 54-55):

Chamam-se modalizadores os meios pelos quais um falante manifesta o modo


como ele considera seu próprio enunciado; por exemplo os advérbios talvez,
provavelmente, as intercaladas pelo que eu creio, conforme a minha opinião, etc.,
indicam que o enunciado não está inteiramente assumido ou que a asserção está
limitada a uma certa relação entre o sujeito e seu discurso.

Chamam-se modais, ou auxiliares modais, a classe dos auxiliares do verbo que


exprime as modalidades lógicas (contingente vs. necessário, provável vs. possível):
o sujeito considera a ação expressa pelo verbo como possível, necessária, como
uma conseqüência lógica ou como o resultado de uma decisão, etc.

Uma vez que um processo de comunicação é composto de enunciação (ato


de produção da linguagem) e enunciado (produto da comunicação), o modalizador
está relacionado à primeira instância e o modal à segunda. Assim, em uma
sentença como:

11
Para Palmer (2001), os marcadores gramaticais de modalidade são: (1) sufixos individuais,
clíticos e partículas; (2) flexão; e (3) verbos modais.
29

(18) Maria deve apanhar os documento amanhã.

Há duas leituras possíveis: a primeira é “Maria talvez apanhe os documentos


amanhã”, que traduz a opinião do falante (presença do sujeito sobre o enunciado =
modalizador). Na segunda leitura, tem-se “Maria tem de apanhar os documentos
amanhã” em que “dever” está relacionado com o fato exposto, algo necessário,
algo que tem que ser feito (“dever” ligado ao enunciado = modal).
Gonçalves (2003) faz uma oposição entre modalidade e modo à luz da
abordagem cognitivista. Modalidade é a categoria geral com a qual os falantes
expressam suas opiniões ou atitudes acerca do que dizem ou da situação a que se
referem. A autora menciona, ainda, os atos de fala segundo Searle (1976), que têm
correspondência direta com a modalidade (Gonçalves, 2003, p. 29-30):

Assertivos: comprometem o falante, em diferentes graus, com o fato de algo


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ser o caso; expressam crenças do falante (Está chovendo; Acho que está
chovendo; Talvez esteja chovendo);
Diretivos: têm como propósito, em graus variáveis, levar o ouvinte a fazer
algo (Venha aqui imediatamente; Quero que você venha aqui; Gostaria muito que
você viesse aqui; Não permito que você venha aqui);
Compromissivos: comprometem o falante, em graus variáveis, com uma
determinada linha futura de ação (Prometo que compro seu carro; Pretendo
comprar o seu carro);
Expressivos: expressam estados psicológicos (sentimentos) do falante a
respeito de um estado de coisas (Lamento que você tenha se machucado;
Agradeço muito o seu convite; É uma pena que ele tenha perdido o vôo);
Declarações: têm como propósito fazer com que um estado de coisas exista
(Renuncio ao cargo; Eu vos declaro marido e mulher; Você está demitido).

Não é difícil verificar que os modos verbais essenciais estão associados,


especialmente, aos dois primeiros tipos de atos de fala acima descritos, quais
sejam: assertivos (indicativo e subjuntivo) e diretivos (imperativo)12.

12
Embora o modo indicativo esteja presente, também, nos outros atos de fala.
30

Gonçalves (op. cit.) observa um paralelo entre essa caracterização da


modalidade em termos dos diferentes tipos de atos de fala e a caracterização
clássica, baseada na Lógica Filosófica. Do ponto de vista clássico, há três tipos de
modalidade: a alética13, relacionada ao valor verdade das proposições; a deôntica,
relacionada à conduta; e a epistêmica, que se relaciona ao conhecimento.
A modalidade deôntica se encontra associada à expressão da atitude do
falante em relação aos valores de dever – obrigação e permissão – estando
associada, portanto, aos atos de fala diretivos:

(19) Os usuários da biblioteca têm que devolver os livros na data prevista.


(obrigação)
(20) Em dias úteis, o laboratório de informática pode ser utilizado até as
18:00h. (permissão)
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A modalidade epistêmica, por estar relacionada ao grau de compromisso do


falante com o que diz, ou seja, seu conhecimento a respeito do que diz, associa-se
aos atos de fala assertivos, que podem se subdividir em (Gonçalves, 2003, p.32):

Julgamentos: o falante faz suas afirmações com dúvida, apresentando-as


como hipóteses, e sujeitando-as, portanto, a questionamentos e à comprovação
pelos fatos (Acho que ele não vem; Talvez ele não venha; Certamente ele não
vem);
Evidenciais: o falante faz suas afirmações com relativa confiança,
sujeitando-as a questionamentos por parte do ouvinte, mas indicando a fonte da
informação oferecida – evidências dos sentidos, relatos de terceiros, etc. (Pelo
barulho, está chovendo; Me disseram que está chovendo);
Declarativos: o falante faz suas afirmações apresentando-as como fatos,
sem indicar que estão sujeitas a questionamentos ou à comprovação empírica
posterior (Ele vem; Está chovendo).

13
A modalidade alética, nas palavras da autora, “tem pouca relevância quando se trata da análise
de línguas naturais, uma vez que não há nenhuma distinção entre o que é logicamente verdadeiro e
o que o falante acredita ser verdadeiro” (GONÇALVES, 2003, p. 30).
31

Segundo Palmer (1986 apud GONÇALVES, 2003, p. 33), os atos de fala


declarativos podem ser considerados como os membros não-marcados ou não
modalizados de um sistema epistêmico. Quanto aos julgamentos e evidenciais,
algumas línguas apresentam apenas um dos dois tipos de sub-sistemas. É o caso
do português, que só apresenta marcação gramatical para os julgamentos, já que
não há marcação de evidencialidade nesta língua14.
Voltando às modalidades deôntica e epistêmica, há, portanto, dois tipos de
interpretação para a sentença abaixo:

(21) Você pode sair mais cedo do serviço.

A primeira está relacionada à modalidade deôntica (significados que


denotam obrigação ou permissão no mundo real): “Você tem minha permissão
para sair mais cedo do serviço” e a segunda, à modalidade epistêmica
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(significados que denotam necessidade, probabilidade ou possibilidade com base


no raciocínio): “É possível você sair mais cedo do serviço”15.
Com relação a modo, este é definido por Gonçalves (op. cit.) como uma
categoria expressa na morfologia verbal, ou seja, uma categoria morfossintática
do verbo – assim como tempo e aspecto – e é considerado um recurso lingüístico
para a expressão da modalidade.
Palmer (2001) define modalidade como sendo uma categoria gramatical
interlínguas, sujeita a um estudo tipológico e que está intimamente relacionada a
tempo e aspecto, uma vez que as três são categorias da oração geralmente
marcadas dentro do complexo verbal. Cada uma dessas categorias se encontra
relacionada ao evento ou à situação relatado(a) pela enunciação. Assim, a
categoria Tempo está relacionada ao tempo do evento; a categoria Aspecto, à

14
Diferentemente do português, a língua Central Pomo (Palmer, 2001), por exemplo, apresenta um
sistema evidencial que possui não só uma forma não-marcada, como formas com marcadores
referentes a: conhecimento geral, experiência pessoal (geralmente visual), evidência auditiva,
‘ouvir dizer’ e inferência.
15
Este tipo de ambigüidade em termos de interpretação, considerado por muitos lingüistas como
um caso de homonímia ou de extensão do sentido deôntico para o epistêmico (Gonçaves, 2003),
foi estudado por Butler (2003), que demonstrou que a diferença de sentido (epistêmico ou
deôntico) de um mesmo modal se deve, na verdade, ao escopo ou posição que ele ocupa na árvore
sintática.
32

natureza do evento (constituência temporal interna); e a categoria Modalidade, ao


status da proposição que descreve o evento.
Segundo o autor, apesar da análise da modalidade poder ser feita com base
em distinções binárias dos tipos: modal/não-modal, declarativa/não-declarativa, e
associarem-se tais distinções com as noções: factual/não-factual, real/irreal, a
melhor análise e a mais utilizada atualmente é aquela com base na oposição
realis/irrealis. Mithun (1999) diz que realis retrata situações que já tenham
ocorrido ou que estejam ocorrendo e que podem ser captadas por meio da
percepção direta, enquanto irrealis retrata situações internas ao pensamento, isto
é, que só podem ser captadas por meio da imaginação.
Palmer (2001) aponta uma variação fundamental na utilização das
categorias realis/irrealis em diferentes línguas: enquanto uma língua pode
assumir determinados comandos como irrealis, outra pode marcá-los como realis
e, outras ainda, podem nem mesmo considerá-los como parte do sistema de
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modalidade. Tais variações equiparam-se a outras no que tange ao futuro, às


interrogativas, às negativas, aos relatos, entre outros. O inglês, por exemplo,
utiliza um verbo modal para distinguir um julgamento de uma afirmação [Mary is
at home X Mary may be at home X Mary must be at home]. Já o espanhol, assim
como o português, distingue o que se acredita ser verdadeiro do que é duvidoso
pelo uso dos modos indicativo e subjuntivo [Creo que aprende X Dudo que
aprenda]. Por outro lado, a língua Amele da Papua utiliza as noções de realis e
irrealis, respectivamente, para fazer distinções entre o que é passado remoto,
passado recente, passado habitual e presente, do que é futuro, imperativo,
hortativo (exortação) contrafactual e negativo.
No que diz respeito a modo, diversas línguas fazem uma correlação entre
realis/irrealis e indicativo/subjuntivo. Nas línguas européias, por exemplo, o
indicativo marca as orações como realis e o subjuntivo as marca como irrealis.
No entanto, Palmer (2001) adverte que há exceções, já que Imperativo e o
Jussivo16, por exemplo, não fazem parte do sistema de modo indicativo/subjuntivo
e, mesmo onde há marcadores realis/irrealis, algumas orações podem ser não-
marcadas para tal distinção.

16
Jussivos: imperativos de 1ª e 3ª pessoa: “Let me drink”, (cf. Palmer, 2001, p.81).
33

Quanto aos tipos de modalidade, Palmer (2001) oferece um conjunto bem


mais amplo, como será verificado a seguir. Tomando-se como exemplo os dois
pares de sentenças abaixo, verifica-se um claro contraste entre os traços nocionais
envolvidos em cada um deles:

(22) Kate may be at home [It is possible (possibly the case) that Kate is
at home now]
(23) Kate must be at home [It is necessary the case that Kate is at home
now]

(24) Kate may come in now [It is possible for Kate to come in now]
(25) Kate must come in now [It is necessary for Kate to come in now]

A distinção já conhecida (vista anteriormente e aqui expandida) é feita em


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termos das modalidades epistêmica e deôntica. Contudo, o autor chama a atenção


para o fato de que uma distinção importante entre os dois pares é indicada pelas
palavras that e for. O primeiro par exprime o julgamento do falante acerca da
proposição, isto é, de que Kate esteja em casa (modalidade proposicional),
enquanto o segundo exprime a atitude do falante em relação a um evento potencial
futuro (modalidade de evento).
Para Palmer (2001), a modalidade proposicional divide-se em modalidade
epistêmica e modalidade evidencial. Na modalidade epistêmica, os falantes
expressam seus julgamentos acerca do status factual da proposição, enquanto que
na modalidade evidencial, eles indicam a evidência que têm para seu status
factual. Portanto, ambas as modalidades, quais sejam, epistêmica e evidencial, se
encontram relacionadas à atitude do falante quanto ao valor verdade ou status
factual da proposição.
Quanto à modalidade de evento, esta se divide em modalidade deôntica e
modalidade dinâmica. Na modalidade deôntica, os fatores condicionantes são
externos ao indivíduo, enquanto na modalidade dinâmica, eles são internos. Por
isso, a modalidade deôntica relata obrigação ou permissão emanando de uma
fonte externa, enquanto a modalidade dinâmica relata habilidade ou disposição
que vem do indivíduo em questão, como nos exemplos abaixo, em que o primeiro
34

par expressa as categorias deônticas Permissiva e Obrigatória e o segundo, as


categorias dinâmicas de Habilidade e Volição.

(26) John may/can come in now (permissão)


(27) John must come in now (obrigação)
(28) John can speak French (habilidade)
(29) John will do it for you (disposição/volição)

Logo, as modalidades deôntica e dinâmica referem-se a eventos não


realizados, mas meramente potenciais.
Em suma, a modalidade caracteriza um termo oriundo da Lógica, relativo à
classificação de proposições quanto à possibilidade/impossibilidade, necessidade,
obrigatoriedade ou probabilidade do conteúdo que expressam. De um ponto de
vista lingüístico-descritivo, a modalidade representa uma categoria que reúne um
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conjunto de formas que possibilitam a expressão de um posicionamento do falante


com relação ao que seria a possibilidade, permissibilidade ou probabilidade de um
evento apresentado por um verbo. Estas formas ou marcadores de modalidade,
segundo Palmer (2001), são: sufixos individuais, clíticos e partículas, flexão e
verbos modais.
Modo representa apenas uma das formas de expressão da modalidade, que
tem por função adicionar ao evento apresentado pelo verbo, um posicionamento
ou intenção, por parte do falante em relação a este. O modo tem como
características o fato de sofrer e determinar restrições de ordem sintática e ter
expressão regular na morfologia da língua. Os modos descritos pela Gramática
Tradicional e pela Lingüística Descritiva são: indicativo, subjuntivo, imperativo,
condicional, optativo, obrigatório e volitivo, sendo os três primeiros considerados
os modos essenciais.
Diante de todo o assunto até agora exposto, é interessante observar que o
falante do português tem um conhecimento intuitivo, não só acerca (1) do uso de
cada um dos modos essenciais, como também, (2) da alternância de sentido
epistêmico/deôntico de um mesmo modal, bem como (3) das noções
realis/irrealis.
No primeiro caso, o falante demonstra perfeita intuição acerca da escolha do
modo verbal de uma oração completiva, que depende do tempo da oração
35

principal e que pode mostrar uma independência da raiz verbal, como nos
exemplos (30-32)17. Isto fica claro quando o falante faz uso do indicativo no
exemplo (30), uma vez que o conectivo se, tendo a interpretação de quando,
requer o indicativo. Por outro lado, nas sentenças dos exemplos (33-36), a escolha
do modo parece depender do tipo de verbo (se de atitude mental, factivo, entre
outros). Um verbo de atitude mental costuma deflagrar o uso do subjuntivo, ao
passo que um factivo, deflagra o indicativo18. No exemplo (33), entretanto, seria
perfeitamente possível dizer “Imagino que Maria aprende facilmente”, no caso de
se considerar algo que aconteça com regularidade. Neste caso, mesmo um verbo
de atitude mental desencadearia a utilização do indicativo:

(30) Eu fico feliz se ela estuda.


(31) Eu ficaria feliz se ela estudasse.
(32) Eu ficarei feliz se ela estudar.
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(33) Imagino que Maria aprenda facilmente.


(34) Imaginei que Maria aprendesse facilmente.
(35) Sei que Maria aprende facilmente.
(36) Sabia que Maria aprendia facilmente.

Como se pode ver, toda esta flexibilidade no uso dos modos verbais faz
parte da intuição do falante.
No segundo caso, quanto ao sentido epistêmico ou deôntico de um mesmo
modal, o falante sabe, intuitivamente, a diferença entre os valores das sentenças
abaixo:

(37) Ele não pode estar no escritório agora. (sentido epistêmico, conclusão)
(38) Ele pode entrar agora. (sentido deôntico, permissão)
(39) Ele pode correr uma milha em quatro minutos. (sentido dinâmico,
habilidade)

17
Exceções são encontradas em orações relativas, como apontado por Medeiros (1996).
18
Ver seção 2.3.
36

O último caso, que envolve a intuição sobre os modos realis/irrealis19, que


traduzem eventos factuais e não-factuais, respectivamente, não será abordado
agora, mas em maior profundidade, nos capítulos 3 e 5.
Assim, como se pode verificar e consoante Chomsky, “Quando falamos
uma língua sabemos muito mais do que aquilo que aprendemos” (Mioto, Silva &
Lopes, 2004).

2.2
Modo na teoria lingüística gerativista

2.2.1
Quadro teórico gerativista

A teoria lingüística, com o intuito de explicar o fato de línguas humanas


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serem naturalmente adquiridas, concebeu a idéia de um estado inicial do processo


de aquisição da linguagem, também conhecido como gramática universal (GU).
Esta constituiria um conjunto de restrições de natureza lingüística que o ser
humano possuiria como parte da dotação biológica da espécie. A partir da década
de 80, a GU foi caracterizada em termos de princípios (determinações comuns a
todas as línguas e, portanto, universais) e parâmetros (propriedades variáveis entre
línguas, cujos valores são fixados por meio de experiência lingüística).
A partir do Programa Minimalista (PM) (Chomsky, 1995), contudo, a noção
de GU sofre algumas modificações. A teoria lingüística passa a assumir a hipótese
de que as línguas humanas satisfazem a pressões das interfaces20 entre o sistema
da língua e os demais sistemas cognitivos necessários ao seu uso, quais sejam, o
sistema articulatório-perceptual e o sistema conceptual-intencional. Também
preconiza que as línguas humanas constituem uma solução ótima para garantir a
legibilidade de relações semânticas e gramaticais em tais interfaces, permitindo
que a criança extraia informação gramaticalmente relevante da fala que a ela se
apresenta.

19
Terminologia utilizada por Deen & Hyams (2006). Ver capítulo 3.
20
Interfaces são concebidas como níveis de representação nos quais a informação proveniente do
módulo cognitivo lingüístico é reconhecida por outros sistemas cognitivos (Corrêa, 2006a).
37

Uma vez que os princípios que restringem as formas das gramáticas


decorrem de pressões das interfaces e que a variação paramétrica se encontra
restrita ao domínio do léxico, pode-se dizer que a tarefa da criança ao adquirir a
língua, de acordo com o programa minimalista, é a de adquirir os elementos do
léxico com suas propriedades fonológicas e semânticas e a de fixar, a partir da
informação disponível nas interfaces, os valores dos parâmetros referentes aos
traços formais, especialmente, aqueles pertencentes aos elementos de categorias
funcionais.

2.2.2
Concepção minimalista de língua

De acordo com a proposta do Programa Minimalista, o ser humano é


biologicamente dotado de uma faculdade da linguagem, sendo a língua
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considerada um sistema cognitivo composto por um sistema computacional


universal e um léxico adquirido por meio de experiência lingüística. O sistema
computacional abrange as operações recursivas (Select, Merge, Agree e Move),
responsáveis por construir estruturas sintáticas, enquanto o léxico é formado de
elementos que, por sua vez, são compostos de traços (unidades mínimas de
descrição lingüística) que podem ser semânticos, fonológicos e formais
(gramaticais), sendo estes últimos responsáveis por veicular a informação
sintaticamente relevante para a língua.
O processo gerativo ou derivação se dá nos seguintes moldes: com base nos
traços formais dos elementos do léxico, o sistema computacional começa a
selecionar (operação Select) os elementos da numeração21, combinando-os
hierarquicamente (operação Merge). O sistema computacional lida com traços
formais interpretáveis e não-interpretáveis. Os primeiros possuem motivação
semântica ou conceitual e os segundos são necessários à computação lingüística,
mas ilegíveis para as interfaces, portanto, uma vez utilizados, precisam ser
eliminados ou valorados ao longo da derivação sintática para atender ao Princípio

21
Uma numeração é, segundo Chomsky (1995), um conjunto de pares (LI, i), onde LI é um item
do léxico e i, um índice correspondente ao número de vezes que LI é secionado durante a
derivação. Uma derivação só estará concluída quando todos os índices forem reduzidos a zero.
38

da Interpretabilidade Plena22. A operação Agree é necessária, então, para eliminar


os traços formais não-interpretáveis por meio de uma checagem (Chomsky, 1995)
ou valorá-los em função dos traços interpretáveis correspondentes (Chomsky,
1999), ao passo que a operação Move promoverá o movimento dos constituintes
de forma que estes ocupem a ordem linear em que se apresentam no enunciado,
segundo o Axioma da Correspondência Linear (Kayne, 1994)23, ou que altere essa
ordem para expressão de foco marcado, interrogativas, topicalização, etc.
Estas operações são repetidas até que a computação esteja concluída, isto é,
até que o último elemento da numeração seja incluído na estrutura sintática
computada. Nesse momento, tem-se um objeto sintático, resultado da computação
sintática, que é interno ao sistema da língua e precisa tornar-se legível para os
demais sistemas que atuam no desempenho lingüístico. Assim, é por meio do
spell-out que tal “tradução” ocorre: os elementos do léxico, uma vez ordenados
linearmente, são enviados para a interface fonética ou fônica, onde seus traços
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fonológicos tornam-se acessíveis ao sistema articulatório-perceptual, mediante


processamento. Quanto aos traços semânticos e aos formais semanticamente
interpretáveis, estes serão transferidos para o nível de representação da interface
semântica entre a língua e o sistema conceptual-intencional. Tem-se, então, o
resultado completo de uma derivação lingüística, ou seja, uma expressão
lingüística caracterizada como um par: forma fonética e forma lógica24.

22
O Princípio da Interpretabilidade Plena (PIP) é responsável por assegurar a interpretação
semântica de uma expressão lingüística, garantindo que somente traços do léxico que sejam
legíveis pelos sistemas de desempenho cheguem às interfaces fônica e semântica. Os traços não-
interpretáveis, úteis apenas à computação sintática, são eliminados ou valorados no curso da
mesma.
23
O Axioma da Correspondência Linear (ACL) de Kayne (1994) estabelece que a estrutura
hierárquica de uma sentença invariavelmente determina a ordem linear de seus nódulos terminais.
De acordo com o ACL, quando um elemento precede outro em uma ordenação é porque o primeiro
c-comanda assimetricamente o segundo. Assim, existe uma ordem universal envolvendo as
relações eSPECificador/Núcleo/Complemento, mas a ordenação linear final dos constituintes de
uma dada sentença se dá em função da ordenação canônica da língua em questão.
24
No inglês, respectivamente, Phonetic Form (PF) e Logical Form (LF).
39

2.2.3
Modo como categoria funcional

De acordo com o exposto na seção 2.2.1, segundo o PM, a tarefa da criança


na aquisição de uma língua é a de identificar os traços formais desta, bem como
suas propriedades, o que se encontra restrito ao âmbito das categorias funcionais.
Chega-se, portanto, a um ponto crucial da pesquisa aqui proposta, qual seja, a
aquisição do modo verbal, uma vez que modo é considerado um traço formal no
português, conforme explica Freitag (2005, p.421):

As formas verbais das línguas costumam codificar tempo, aspecto e modalidade,


conteúdos codificáveis em termos de traços. Cowper (2003a) considera o complexo
flexional do verbo constituinte de traços arranjáveis: traços aspectuais, temporais e
modais combinam-se entre si e codificam toda a diversidade de formas verbais que
as línguas possuem. Tais traços são, por hipótese, componentes da Gramática
Universal (GU).
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Lohnstein & Bredel (2004), em seu estudo sobre a língua alemã, assumem o
modo verbal como uma categoria funcional. Segundo os autores, após longo
período de negligência da teoria lingüística (nas décadas de 80 e 90) acerca da
natureza composicional da combinação modo-proposição, Chomsky (1995), Rizzi
(1997) e Cinque (1999) propuseram uma projeção ForceP, cuja intenção é a de
estabelecer uma relação entre um componente de modo e proposições finitamente
marcadas:

Sentença
/ \
/ \
Modo Proposição
Atitude

Assim, de acordo com Lohnstein & Bredel (op. cit.), devido a uma
necessidade de combinação do modo verbal com o modo sentencial, tem-se que:
(1) O modo verbal constitui uma categoria funcional que estabelece a mais
alta projeção dentro de IP. Portanto, as categorias funcionais que deflagram as
40

projeções dominantes de VP na formação de uma sentença são dadas por Agr,


Tense e Mood, restringindo estas classes a elementos do sistema flexional verbal.
(2) Os autores dizem que, pelo menos, nas línguas germânicas, ForceP é
considerado um sintagma modal MP. Este representaria o modo sentencial.
Para Lohnstein & Bredel (op. cit.), o modo, como categoria funcional,
determinaria aspectos relevantes da estrutura oracional, permitindo a derivação de
modos sentenciais em interação com os princípios de composição sintática e
semântica.
Diante das considerações dos autores mencionados nesta seção, assumir-se-
á que o modo verbal representa um traço formal no português, que corresponde à
categoria funcional Mood. A próxima seção desenvolverá mais este ponto.

2.2.4
Categorias funcionais
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Categorias funcionais, segundo Muysken (2008), exprimem noções acerca


de determinadas informações veiculadas pelas línguas naturais, quais sejam:
pessoa/coisa, evento, situação, local, tempo, relação, propriedade e quantidade.
Para o autor, as categorias funcionais são essencialmente nocionais, uma vez que
podem ser classificadas, preliminarmente, em termos destas oito noções, embora
nem todas as noções acima sejam expressas por meio de categorias funcionais no
mesmo grau.
Corrêa (2006a, p. 38-39) compila uma definição detalhada acerca das
categorias funcionais, de acordo com a literatura:

As categorias funcionais são classes fechadas, cujos elementos são feixes de traços
predominantemente formais. Seus traços semânticos não atuam no estabelecimento
de relações temáticas, mas veiculam informação pertinente à referência ou à força
ilocucionária da oração; e caracterizam-se por prover posições estruturais
relevantes para o comportamento sintático de categorias lexicais. As principais
categorias funcionais são D (determinante), I (flexão) e/ou T (tempo verbal) e C
(complementizador), as quais delimitam os domínios nominal, verbal e oracional,
respectivamente. Numa derivação sintática, concebida de forma ascendente
(bottom up), núcleos funcionais e lexicais são projetados em camadas hierárquicas
mais altas, mantendo suas propriedades formais. Assim, NP, VP, constituem
projeções máximas dos núcleos lexicais N e V; e DP, IP/TP e CP, projeções
máximas dos núcleos funcionais D, I/T e C.
41

Nos anos 80, entretanto, estes eram os níveis de representação estrutural da


sentença, segundo Rizzi (1997):

• O nível lexical, cujo núcleo é o verbo: nível estrutural no qual ocorre a


atribuição de papéis temáticos;
• O nível flexional, cujo núcleo é composto por núcleos funcionais
correspondentes a especificações morfológicas do verbo (concretas ou
abstratas) e responsáveis por licenciar traços argumentais tais como Caso e
Concordância;
• O nível complementizador, cujo núcleo é tipicamente um morfema
funcional livre, abrigando tópicos e vários elementos do tipo operadores,
tais como: pronomes interrogativos e relativos, elementos focalizados, etc.

Cada um destes níveis era identificado com uma única projeção X-barra:
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VP, IP e CP, respectivamente. Propostas de desdobramento para cada um destes


níveis, no entanto, surgiram ao longo do tempo. Pollock (1989 apud RIZZI, 1997,
p. 281) “explodiu” o nível IP identificando, nele, múltiplos núcleos funcionais.
Ainda com relação ao nível IP, Cinque (1999), com base em um exame dos
advérbios, modais e expressões auxiliares em diferentes línguas, estabeleceu uma
hierarquia (supostamente universal) para as projeções funcionais que se situam
neste nível. A seqüência a seguir vai da posição mais alta na oração à posição
mais baixa, acima do verbo25 (cf. Quadro 2):

25
A hierarquia das projeções funcionais aqui apresentada foi retirada de Cinque (1999, p. 106).
Vale ressaltar que Cinque trabalha modo e modalidade conjuntamente por dois motivos: (1) por
uma tradição na caracterização geral e tipológica segundo Palmer (1986 apud Cinque 1999, p. 78)
e (2) pelo fato de que uma mesma categoria pode ser expressa via modo em uma língua e com um
modal em outra.
42

[frankly Moodspeech act [fortunately Moodevaluative [allegedly Moodevidential [probably Modepistemic


[once T(Past) [then T(Future) [perhaps Moodirrealis [necessarily Modnecessity
[possibly Modpossibility [willingly Modvolitional [inevitably Modobligation [cleverly Modability/permission
[usually Asphabitual [again Asprepetitive(I) [often Aspfrequentative(I) [quickly Aspcelerative(I)
[already T(Anterior) [no longer Aspterminative [still Aspcontinuative [always Aspperfect(?)
[just Aspretrospective [soon Aspproximative [briefly Aspdurative [characteristically(?) Aspgeneric/progressive
[almost Aspprospective [completely AspSgCompletive(I) [tutto AspPlCompletive [well Voice
[fast/early Aspcelerative(II) [completely AspSgCompletive(II) [again Asprepetitive(II) [often Aspfrequentative(II)
**

Quadro 2 – Hierarquia das projeções funcionais em IP (Cinque, 1999)

A proposta de Cinque visa a expressar a variedade de noções e a


distribuição de elementos lexicais encontrados em diversas línguas por meio de
uma hierarquia de categorias funcionais. O Quadro 2 demonstra que, com a
“explosão” de IP, Mood torna-se uma das categorias funcionais neste nível. Assim
sendo, pode-se redefinir o último parágrafo da seção 2.2.3, dizendo-se que o modo
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verbal representa um traço formal no português, que corresponde à categoria


funcional Mood que, por sua vez, deflagra a projeção MoodP.
Rizzi (op. cit.), que explorou o desdobramento da periferia esquerda da
sentença, isto é, do nível CP, sugeriu que cada categoria central representasse uma
zona estrutural mais articulada. Esta seria, então, a estrutura pressuposta na visão
do autor:

The structure of the left periphery


Force Topic/Focus Fin(iteness) Mood Tense Aspect v V
---------------------------------------- ------------------------------------
Former COMP Former INFL
Quadro 3 – Estrutura frasal segundo Rizzi (1997)26

26
Quadro extraído de Muysken (2008, p. 57). Esta é uma representação simplificada da estrutura
frasal de Rizzi (1997). Este último autor identifica o sistema Force-Fineteness como a parte
essencial do sistema complementizador, de modo que se encontra presente em todas as estruturas
oracionais não-truncadas, ao passo que o sistema Tópico-Foco se apresenta na estrutura somente
se necessário. Assim sendo, se as posições de Tópico e Foco forem ativadas, posicionar-se-ão
entre Force e Fineteness. Em adição, Rizzi (op. cit.) assume que uma oração pode conter tantas
posições de Tópico quanto necessárias, ao passo que somente uma única posição de Foco. Em
outras palavras, Tópico seria recursivo e Foco, não. Tanto Tópico quanto Foco envolvem um
esquema X-barra, mas apenas Tópico admite que o comentário (isto é, o complemento do seu
núcleo) seja articulado a uma outra estrutura do tipo Tópico-comentário. No caso de Foco, o
mesmo procedimento geraria um conflito. Assim, Rizzi (op. cit.) propõe que a estrutura do sistema
complementizador seja: (ForceP > TopP > FocP > TopP > FinP), o que permite dar conta de um
número de restrições de ordem que envolvem elementos no sistema complementizador. Vale
acrescentar que posições de Tópico e Foco também foram consideradas em IP. Belletti (2004)
43

Muysken (op. cit.) explica que a justificativa teórica para estes conjuntos de
projeções vem: (a) da semântica: pela necessidade de unir uma variedade de
distinções semânticas e pragmáticas a núcleos funcionais específicos na árvore
sintática, correspondentes aos diversos constituintes; e (b) da ordem das palavras:
pela necessidade de posições para a variedade de constituintes que podem ser
movidos para a periferia esquerda da sentença.
Para melhor entender a estrutura geral da sentença proposta por Rizzi (op.
cit.) no Quadro 3 acima, necessário se faz seguir os passos do autor. Este
considerou que, assim como IP se desdobrou em uma série de projeções
funcionais, cada qual correspondendo a uma única especificação de traço expressa
de forma explícita ou não no sistema verbal (Agr, T, Asp, entre outros) e que
níveis VPs múltiplos surgiram para dar conta de verbos multi-argumentais,
também CP deveria ser desdobrado, uma vez que a periferia esquerda da sentença
parecia constituir bem mais do que um simples esquema X-barra.
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Para Rizzi (op. cit.), o papel do complementizador na estrutura oracional é o


de interface entre o conteúdo proposicional (expresso por IP) e a estrutura
superordenada (uma oração mais alta ou, possivelmente, a articulação do discurso
considerando-se uma oração raiz). Assim sendo, o sistema C expressa dois tipos
de informação: uma relacionada ao exterior e a outra, ao interior da oração.
Do ponto de vista externo à oração, complementizadores estabelecem o tipo
de sentença: interrogativa, declarativa, exclamativa, relativa, comparativa,
adverbial, entre outras. Tal informação é a especificação de Force, que pode ser
expressa (a) por meio de codificação morfológica explícita no núcleo (morfologia
C especial para declarativas, interrogativas, relativas, etc); (b) por fornecer a
estrutura para abrigar um operador de um determinado tipo ou (c) por ambos os
meios.
Do ponto de vista interno à oração (de especial interesse para a presente
pesquisa), a informação expressa pelo sistema C relaciona-se com o conteúdo do
IP abaixo dele. O autor explica que a escolha do complementizador reflete

defende que a área imediatamente acima de VP mostra uma semelhança significativa com a
periferia esquerda da sentença, identificando, portanto, uma posição de Foco cercada por posições
de Tópico internas à IP (TopP > FocusP > TopP > vP). A autora faz uso do fenômeno do sujeito
pós-verbal em inversão livre para validar sua proposta, uma vez que este tipo de inversão se dá
internamente à oração. Belletti (op. cit.) demonstra, assim, que as posições de Tópico e Foco em IP
estariam relacionadas a tipos diferentes de interpretação e entonação, ou seja, a relações
discursivas.
44

propriedades do sistema verbal da oração como, por exemplo, as regras de


‘concordância’ entre C e I, responsáveis, no inglês, pela co-ocorrência de that +
verbo flexionado ou for + infinitivo. Outro exemplo é o italiano, em que a forma
‘che’ ocorre com o presente, o passado e o futuro do indicativo; com o presente e
o passado do subjuntivo e com o presente e o passado condicionais, distinguindo
orações infinitivas, gerundivas e participiais: uma característica geral, segundo
Rizzi (op. cit.), das línguas românicas e germânicas. Com base neste fato, Rizzi
(op. cit.) assume que C contenha uma especificação de tempo que combine com
aquela expressa no sistema flexional mais baixo: a finitude.
O autor ressalta que as línguas tendem a dividir os paradigmas verbais em
duas classes: formas finitas e não-finitas. As primeiras podem manifestar
distinções de modo (indicativo, subjuntivo, condicional e/ou outras distinções do
tipo realis/irrealis), concordância de tempo e de sujeito (pessoa) e co-ocorrer com
sujeitos nominativos preenchidos. As segundas não manifestam distinções de
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modo27, não expressam concordância de pessoa e não co-ocorrem com sujeitos


nominativos.
Em suma, Rizzi (op. cit.) propõe que o sistema C expressa uma
especificação de finitude que, por sua vez, seleciona um sistema de IP com
características semelhantes de finitude, tais como: distinções de modo,
concordância de sujeito licenciando Caso nominativo e distinções de tempo
explícitas (o que pode variar de língua para língua).
Nesta seção, então, verificou-se que o modo verbal é um traço formal no
português, correspondente à categoria funcional Mood, que deflagra a projeção
MoodP, responsável por expressar distinções de modo dentro de IP, distinções
estas que veiculam finitude e as noções realis e irrealis28.
A questão relevante para a presente pesquisa, então, é como a criança que
adquire o PB, pode adquirir o conhecimento gramatical pertinente a modo. Uma
vez que é por meio da exposição a uma língua que a criança a adquire e que as
distinções gramaticais têm de estar visíveis nas interfaces, tal informação só pode
ser extraída da interface fônica para ser interpretada conceitual e intencionalmente

27
Confrontar com os capítulos 3 e 5.
28
As noções realis e irrealis serão abordadas em maior detalhes no capítulo 3.
45

na interface semântica. Na seção 2.3 e no capítulo 3, ver-se-á quais propriedades


tornam tal tarefa possível para a criança.

2.3
Modo no português do Brasil

Conforme visto na seção 2.2, na perspectiva da teoria lingüística, o modo


verbal é um traço formal no português, que estabelece a categoria funcional
Mood, cuja projeção máxima (MoodP) representa, segundo Cinque (1999), a
projeção mais alta dentro do nível flexional (IP) da representação estrutural de
uma sentença. Em adição, foi visto que o modo verbal expressa finitude e as
noções realis e irrealis.
A finitude está relacionada à morfologia verbal, indicando a flexão do verbo
em suas diferentes manifestações modais. No português, cada modo verbal
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apresenta suas desinências próprias, embora, conforme visto na seção 2.1.1, o


imperativo compartilhe as do subjuntivo.
No que concerne às noções realis/irrealis (mencionadas na seção 2.1.2),
Mithun (1999) as distingue dizendo que a noção realis (ou modo realis) envolve
situações que já ocorreram ou que estejam em progresso (captadas por meio da
percepção direta) e que a noção irrealis (ou modo irrealis) abrange situações
internas ao pensamento (captadas por meio da imaginação). Estas últimas,
possivelmente, ainda por ocorrer, como pode ser entendido na explicação de
Lunguinho (2006, p.464-465), que considera o traço de modo uma maneira de
atualização de um evento descrito no mundo real, e que divide modo em realis,
“que trata de um evento atualizado no mundo, portanto, factual” e irrealis, “que
trata de eventos ainda não atualizados, não-factuais, mas passíveis de
atualização”.
Assim, no exemplo (40), abaixo, o modo indicativo da oração encaixada
expressa uma noção realis, uma vez que quando o falante (mamãe) enunciou o
evento “arrumar o quarto”, este já havia ocorrido. No exemplo (41), por outro
lado, quando o falante (mamãe) enunciou o mesmo evento, este ainda estava por
se realizar, o que faz com que o modo subjuntivo denote uma noção irrealis:

(40) Mamãe disse que eu arrumei o quarto.


46

(41) Mamãe disse que eu arrumasse o quarto.

Pode-se dizer, portanto, que no português, o modo realis corresponde ao


modo indicativo e o modo irrealis, grosso modo, ao subjuntivo e ao imperativo,
uma vez que este último também denota uma ação ainda por se realizar.
Uma vez que a criança, em fase de aquisição da linguagem, precisa extrair
informação gramatical da interface fônica, é preciso definir o que se apresenta a
ela como evidência para a distinção de modo e as dificuldades que o pequeno
falante encontra no decorrer de tal processo.
O modo verbal no português é expresso, essencialmente, por meio da
morfologia verbal e, no ambiente sintático, por meio da dependência ou
independência das orações. No que diz respeito à morfologia verbal, tem-se um
ponto problemático no português. Conforme observado por Bechara (2002)29, as
categorias pessoa-número, tempo-modo e tempo-aspecto não se separam no
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português, o que gera a obscuridade do chamado complexo TAM, em que um


único morfema pode carregar informações de tempo, aspecto e modo como, por
exemplo, em:

(42) Estudou => tempo: pretérito; aspecto: perfeito; modo: indicativo

Verifica-se, portanto, que a tarefa da criança na identificação do modo


verbal, por meio da morfologia, não é nada trivial, uma vez que precisa fazê-lo,
independentemente de tempo e de aspecto. Em adição, pode-se tomar a expressão
do subjuntivo como a mais complexa para a criança, no que concerne a modo.
Esta requer morfologia específica, no contexto de sentenças complexas, em
orações subordinadas a verbos de comunicação e de estado mental.
No que diz respeito à dependência ou independência das orações, o
português caracteriza, em geral, o modo indicativo como relacionado às orações
principais e o subjuntivo, às subordinadas. No entanto, a questão não se mostra
tão simples, como apontado por Camara Jr. (2002)30, quando diz que o modo
indicativo tornou-se predominante na língua a ponto de interferir no domínio dos

29
Ver seção 2.1.1.
30
Ver seção 2.1.2.
47

outros dois. Isto caracteriza uma particularidade do PB que envolve a


morfossintaxe do modo verbal: a distinção de modo está se tornando pouco
manifesta na língua falada. Os exemplos a seguir31, em que o imperativo negativo
é substituído pelo indicativo, ilustrarão a questão:

(43) No meio presidencial, D. Marisa ordena:


— Não joga futebol, Lula!
(44) Na novela dos vampiros, Bia diz para José Carlos:
— Não aparece com ela na minha frente!
(45) Na vida real, o amado suplica:
— Não divide seu amor com outro, querida!

Na substituição do subjuntivo pelo indicativo, freqüentemente, ouve-se:


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(46) Você quer que eu vou lá?


(47) O chefe quer que você liga a impressora.
(48) Quer que eu te conto um segredo?
(49) Talvez ele foi um homem honesto.
(50) Se eu deter...
(51) Quando ele ver...
(52) Assim que ele pôr...

O intercâmbio entre as formas subjuntivas e indicativas é, no entanto, o


mais comentado e tido como a perda progressiva do uso do modo subjuntivo.
Pereira (1995), que verificou o uso do subjuntivo através do tempo em sua
dissertação de mestrado, diz que a substituição do subjuntivo pelo indicativo vem
desde o português arcaico e que o uso desses dois modos sempre foi confuso,
apesar de não haver, em nenhum momento, eliminação de um em detrimento do
outro. A autora acrescenta que no português contemporâneo não se verifica a troca
entre indicativo e subjuntivo na língua escrita, que apresenta um padrão rígido,
mas apenas na falada.

31
Os exemplos 43 a 45 foram extraídos da Coluna “Dicas de Português” de Dad Squarisi. Jornal
Correio Braziliense Online, 23 de abril de 2003. Disponível em
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030423/col_dad_230403.htm.
48

Pereira (op. cit.) mostra também que não só o indicativo, mas o infinitivo, o
gerúndio, um substantivo abstrato, uma construção elíptica e o pretérito-mais-que-
perfeito podem substituir o subjuntivo:

(53) O professor mandou que o aluno lesse um romance.


O professor mandou o aluno ler um romance. (Infinitivo)
(54) Se seguisses o caminho normal, chegarias primeiro.
Seguindo o caminho normal, chegarias primeiro. (Gerúndio)
(55) Acredito que ele esteja inocente.
Acredito em sua inocência. (Substantivo abstrato)
(56) Se fosse de ferro, a ponte suportaria o peso.
De ferro, a ponte suportaria o peso. (Construção elíptica)
(57) Quem me dera! (= quem me desse!) (Pretérito-mais-que-perfeito)
Prouvera a Deus! (=prouvesse a Deus!) (Pretérito-mais-que-
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perfeito)

Os exemplos (53) a (57) mostram casos em que uma sentença que abriga o
subjuntivo é substituída por outra, com outra construção, mas que mantém o
mesmo sentido. A perda progressiva do uso do modo subjuntivo mencionada
anteriormente é aquela na qual o indicativo substitui o subjuntivo em um ambiente
em que só o último poderia ocorrer, como nos exemplos (46) a (52), construções
estas que estão se tornando cada vez mais freqüentes na fala coloquial do
brasileiro.
Pereira (op. cit.), ao estudar os falantes da cidade de Juiz de Fora, verificou
que onde deveriam fazer uso de uma forma subjuntiva, a substituíam por uma
forma indicativa como, por exemplo, na seqüência de perguntas: “Como está em
tempo de eleição, todos têm desejos, aspirações quanto ao novo governo
municipal, não é? Você já tem candidato? O que você espera que ele faça?” Um
falante assim respondeu: “que ele cumpre o que ele falou, né? Que ele faz e
acontece...”. Em outro exemplo, o entrevistado que deveria completar a frase
“Tenho um bom candidato, embora ...” utilizando uma forma subjuntiva,
respondeu: “estou certo de que nem tudo que ele diz será cumprido”. A autora diz
que “ao fazer esta troca, o falante tem o fato como real, certo, livre de
questionamentos”. Em seu trabalho, outros aspectos são apresentados, mostrando
49

que o uso do subjuntivo no português passa por modificações e, não é difícil


verificar que não só em Juiz de Fora, mas no Brasil como um todo.
O estudo de Rocha (1997 apud OLIVEIRA, 2006), acerca da alternância
entre os modos indicativo e subjuntivo nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do
Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro e em Brasília, corrobora o de
Pereira (op. cit.), uma vez que Rocha (op. cit.) constata uma variação entre as
formas verbais indicativas e subjuntivas em contextos de complementação.
Oliveira (2006) ressalta, contudo, que a oposição no uso do indicativo e do
subjuntivo nem sempre corresponde a uma variação, uma vez que há situações em
que um mesmo predicado pode admitir ambas as formas que, por sua vez,
correspondem a interpretações distintas (o que não é o foco no estudo de Rocha).
Para tanto, a autora menciona a classificação de Pereira (1974, apud OLIVEIRA,
2006, p. 512-514), quanto à oposição indicativo/subjuntivo, segundo três funções:
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(i) Função semântica: nesta função, há uma oposição em um mesmo contexto


sintático entre os modos indicativo e subjuntivo. A oração principal não
condiciona o modo da oração encaixada, o que torna a alternância entre ambos os
modos possível. O falante faz uso de um ou de outro modo, de acordo com o que
queira expressar, já que cada modo levará a uma interpretação distinta. Os
exemplos extraídos de Oliveira (2006) são:

(58) Pedro caiu de modo que quebrou a perna.


(59) Pedro caiu de modo que quebrasse a perna.

(ii) Função gramatical: esta função diz respeito ao subjuntivo que, neste caso,
representa marca de subordinação. A oração matriz condiciona o modo da
encaixada, o que significa que o valor verdade desta última oração não determina
seu modo verbal. Como exemplo, tem-se:

(60) Desejo que Pedro se recupere. / *Desejo que Pedro se recupera.


(61) Esperei que ele viesse. / *Esperei que ele vinha.
50

(iii) Função semântico-gramatical: quando há compatibilidade entre as


modalidades expressas pelas orações principal e subordinada. Neste caso, a
primeira oração condiciona o modo da segunda. No exemplo (62), abaixo, o verbo
saber da oração principal expressa uma certeza por parte do falante pelo
conhecimento que detém. Como o objeto de conhecimento do falante é um fato
real, o modo da oração encaixada precisa ser o indicativo que veicula certeza, o
que é compatível com o verbo da oração principal. O subjuntivo, ao contrário, que
veicula a idéia de incerteza, não poderia ser admitido neste caso, pois denotaria
incompatibilidade com o grau de certeza do verbo da oração matriz:

(62) Sei que chove. / *Sei que chova.

Assim, como observa Oliveira (op. cit.), “como o indicativo é a única forma
possível, além do valor semântico, sua ocorrência adquire um valor gramatical”
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(p. 514).
Retornando ao estudo de Rocha (op. cit.), a autora verifica que não só a
semântica do verbo da oração matriz é responsável pela determinação do modo da
oração encaixada, mas também, a faixa etária do falante; a assertividade da oração
matriz; a regularidade verbal e o tipo de verbo da oração encaixada; o tempo do
verbo da oração matriz e o tempo do verbo da oração encaixada.
Oliveira (op. cit.) explica que uma possibilidade para a variação constatada
por Rocha (op. cit.) pode estar relacionada ao fato de a oposição modal não
acarretar oposição de interpretação por parte do falante, isto é, tanto uma forma
quanto outra apresentariam o mesmo valor verdade. Oliveira (op. cit.) diz que
muitos falantes, ao serem indagados sobre a eventual diferença de significado
entre os dois tipos de construção, freqüentemente não identificam tal contraste. A
autora aponta tal fato como uma neutralização da oposição entre o modo
indicativo e o subjuntivo, o que faz com que o falante faça uso de outros
mecanismos gramaticais para codificar a modalidade do enunciado, tais como:
recursos lexicais, modificadores adverbiais e recursos prosódicos.
Por outro lado, Oliveira (op. cit.), em seu estudo sobre a oposição
indicativo/subjuntivo no Nordeste, descobriu que, diferentemente do que ocorre
no Rio de Janeiro e em Brasília (onde o indicativo invade o campo de atuação do
subjuntivo), na Paraíba, o subjuntivo é mais produtivo nas orações completivas,
51

sobretudo aquelas com verbos volitivos, o que é compatível com os dados do


português europeu (PE), onde segundo Mateus et al. (2003), o subjuntivo é
obrigatório com tais verbos.
De qualquer forma, se a neutralização acima descrita estiver presente na fala
parental, apresentar-se-á como um ponto de dificuldade na aquisição do modo
verbal pela criança, já que a oposição, em termos morfológicos, entre os dois
modos não acarretaria diferenças de interpretação entre uma construção com o
indicativo ou com o subjuntivo:

(63) Você quer que eu faça...? / *Você quer que eu faço...?

Assim, uma vez que a distinção morfológica de modo está se tornando cada
vez menos manifesta na fala coloquial do Estado do Rio de Janeiro, pode-se
pensar que o que marca a distinção de modo para a criança seja o ambiente
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sintático, por meio das orações completivas, e as noções realis e irrealis expressas
pelos verbos destas.
Há, ainda, mais duas dificuldades com as quais a criança precisa lidar no
processo de aquisição do modo verbal. A primeira diz respeito ao tipo de distinção
conceitual que modo expressa. Freqüentemente, o falante precisa posicionar-se
com relação à possibilidade de ocorrência de um evento, independentemente de
tempo como, por exemplo, em: “Eu quero que Maria venha” (evento passível de
ocorrer no futuro) / “Eu queria que Maria viesse” (evento passível de ocorrer no
futuro ou que pode não ter se realizado no passado).
Outra dificuldade é a que envolve o modo verbal e sua interação com a
Teoria da Mente (ToM) – um dos sistemas intencionais que interage com a língua
e que permite ao individuo inferir o estado mental de outrem (emoções, intenções,
desejos, atitudes, crenças verdadeiras ou falsas, conhecimento e ponto de vista),
de modo a explicar um comportamento observado ou predizer aquele que ainda
está por ocorrer (de Villiers, 2004; 2007). A ToM pode ser entendida como um
módulo cognitivo que se desenvolve paralelamente à aquisição da língua,
atingindo seu ápice a partir da idade consensual de 4 anos, em que a criança
adquire a habilidade de atribuir ao outro uma crença falsa.
Em suma, nesta seção foi abordada a finitude e as noções realis e irrealis
expressas pelo modo verbal no português, bem como a questão de a criança, em
52

fase de aquisição da linguagem, precisar extrair informação gramatical pertinente


a modo da interface fônica, isto é, dos dados lingüísticos a que está exposta. No
entanto, tal tarefa mostra-se por demais complexa, se se levar em conta não só as
informações concomitantes veiculadas pelo complexo TAM, como também a
neutralização que vem ocorrendo no PB entre os modos indicativo e subjuntivo, as
distinções conceituais expressas pelo modo verbal e sua interação com a ToM.
No próximo capítulo, a percepção de distinções gramaticais na interface
fônica e a produção do modo verbal, pela criança, serão examinadas segundo a
literatura.
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