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[Capítulo 4]

Max Weber e a racionalidade

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Ibpex. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Pelo estudo sobre Durkheim e Marx, percebemos que esses
pensadores partem do pressuposto de que é possível entender
a relação entre os homens compreendendo a sociedade que os

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abriga. Ou seja, uma vez que entendamos como a sociedade se
organiza, poderemos compreender como as pessoas pensam, o
porquê de agirem de determinada maneira, quais são as regras
que seguem. Entendendo o todo – a sociedade –, seria possível
entender as partes – as pessoas, as instituições, a educação, a
organização familiar. É no todo que Durkheim e Marx concen-
tram seus esforços de compreensão, tentando descobrir as “leis
gerais” que regem o seu funcionamento.
Tal perspectiva fica evidente em Durkheim (1960) quando
desenvolve o seu conceito de fato social, com suas três carac-
terísticas básicas: a coercitividade, a exterioridade e a coletivi-
dade/generalidade. Em Marx (1968, 1978), a ideia da luta de
classes como aquilo que move e desenvolve a história dos ho-
mens, juntamente com sua análise da estrutura econômica da
sociedade, demonstra o peso e a força das estruturas sociais
sobre o indivíduo.
Neste capítulo, estudaremos um pouco da obra do pensador
alemão Max Weber (1864-1920), que apresenta uma análise um
pouco diferente das anteriores. Weber não parte da análise do
todo para entender as partes; ele faz o caminho inverso: parte
do indivíduo para entender a sociedade.

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Iniciaremos o capítulo abordando um dos principais con-
ceitos da sociologia weberiana, o conceito de ação social, com
base no qual poderemos compreender a sua “sociologia com-
preensiva”. Outro ponto importante a perceber no nosso estudo
será em relação à análise do capitalismo de Weber, que se dis-
tingue daquela realizada por Marx.

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[4.1]
A sociologia compreensiva de Max Weber
Da mesma forma que Marx, Weber não se limitou a estudar
sociologia. Além dessa ciência, ele estudou e pesquisou sobre
economia, direito, história e filosofia. Escreveu tratados sobre
política, ciência e sobre as formas de dominação. Aprofundou-
se no estudo das religiões, traçando uma relação com o desen-
volvimento do capitalismo e o protestantismo, principalmente
em sua obra A ética protestante e o espírito do capitalismo, publi-
cado em duas partes, em 1904 e 1905. Em Economia e sociedade
(obra publicada postumamente em 1922), desenvolve um trata-
do de sociologia geral, abordando aspectos econômicos, políti-
cos, religiosos e jurídicos da organização social (Aron, 2003).
O ponto central da sociologia de Max Weber é o conceito
de ação social. A sociologia weberiana procura compreender
como o ator dá sentido à sua conduta, à sua ação social, que
pode ser racionalmente orientada. Para esse autor, o indivíduo
é sempre portador de uma intencionalidade (Weber, 1994).
Examinando-se o indivíduo e a sua intencionalidade, é possí-
vel compreender as instituições, os grupos, os comportamentos.
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Karl Emil Maximillian Weber – Max Weber – nasceu no dia
21 de abril de 1864, em Erfurt, na Turíngia. De família protes-
tante, seu pai era um influente político liberal de direita. Teve
um ambiente intelectual muito estimulante em casa, tornan-
do-se precoce intelectualmente. Aos 17 anos cursava Direito,
que precisou abandonar aos 19 anos para prestar o serviço
militar. Um ano depois retomou os estudos. Em 1894 foi no-
meado professor de Economia Política na Universidade de
Friburgo, na Alemanha, transferindo-se para a Universidade
de Heidelberg em 1896. Em 1907 recebeu uma herança, o
que lhe permitiu se aposentar. No entanto, não abandonou
os estudos. Durante boa parte de sua vida adulta, Weber so-
freu com crises nervosas, o que o forçou a parar os estudos
e o trabalho por muitas vezes. Foi casado com Marianne
Schnitger, historiadora e socióloga. Faleceu em Munique, no
dia 14 de junho de 1920. Além das duas obras já menciona-
das, publicou também vários ensaios sobre temas diversos.
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(Giddens, 2005; Aron, 2003; Abel, 1972)
Mas, cuidado! Apesar do fundamento da sociologia webe-
riana ser o indivíduo, isso não indica um desprezo pela esfera
social. Weber (1994, 1977) parte do pressuposto de que somen-
te o indivíduo é dotado de um grau de intencionalidade capaz
de ser apreendido nas situações estudadas. As instituições se-
riam, dessa forma, modos de agir consolidados em sociedade.
Para tanto, Weber (1977) desenvolve seu conceito de ação

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social, que constitui o cerne da sociologia weberiana. Vamos
social
ver como o próprio Weber define ação social:

A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pelas


ações de outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas
como futuras [...]. Os “outros” podem ser individualizados e conhe-
cidos ou então uma pluralidade de indivíduos indeterminados e
completamente desconhecidos (o “dinheiro”, por exemplo, significa
um bem – de troca – que o agente admite no comércio porque sua
ação está orientada pela expectativa de que outros muitos, embora
indeterminados e desconhecidos, estarão dispostos também a acei-
tá-lo, por sua vez, numa troca futura). (Weber, 1977, p. 139, grifo
do original)

Nem toda ação é social e nem todo contato entre os ho-


mens é necessariamente social, só merecendo a denominação
de social quando está orientada pela ação dos outros. Ou seja,
somente é social quando a ação apresenta um sentido orienta-
do pelos outros. Guarde bem este termo − sentido −, pois ele é
fundamental para entendermos a explicação de Weber sobre a
sociedade. Vamos tentar exemplificar o que Weber quis dizer
com seu conceito de ação social.

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Quando estamos andando na rua e abrimos o guarda-chuva
porque começa a chover e todas as outras pessoas fazem isso ao
mesmo tempo, não ocorre uma ação social, porque a atitude de
abrir o guarda-chuva é tomada com relação à chuva e não com
relação aos outros. Agora, vamos supor que um indivíduo este-
ja parado em um semáforo e todos começam a andar, mesmo
com o sinal ainda vermelho. O indivíduo avança porque todo

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mundo já está andando. Isso é uma ação social, porque é uma
atitude tomada em relação aos outros. A atitude de avançar o
sinal é tomada porque o indivíduo é influenciado pelos outros.
É, então, um comportamento que tem um sentido orientado
pela ação dos outros.
A ação social, entretanto, não é apenas uma imitação. Se um
indivíduo simplesmente imita a “massa”, isso não significa que
seja uma ação social apenas porque leva em consideração a ação
dos outros. A ação social só ocorre quando há uma atribuição
de sentido,
sentido quando existe uma relação significativa entre a con-
duta do indivíduo e o comportamento dos outros, que ele leva
em consideração no seu ato. O indivíduo que avança o sinal
porque os outros avançam toma uma atitude dotada de sentido
sentido.
Ele pode pensar “Vou avançar o sinal porque nesta rua já é um
costume avançar o sinal” ou então “Vou avançar o sinal porque,
se eles não respeitam as regras, por que eu devo respeitá-las?”.
No primeiro caso, o sentido que o indivíduo atribui a seu ato
está ligado a um costume. É o costume que todos têm que dá
sentido ao ato do indivíduo. No segundo caso, o indivíduo age
com base em um valor. Já que todos avançam o sinal vermelho,
ele também pode avançar, pois é igual a todo mundo.

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Pelo exemplo dado, podemos perceber, primeiro, que o sen-
tido que o indivíduo atribui à sua ação pode ser muito variado
e, segundo, que o indivíduo é um ponto-chave na sociologia
weberiana. Em Weber (1977, 1994), a possibilidade de entender
a sociedade e suas instituições passa pela análise do comporta-
mento dos indivíduos. Ou seja, a tarefa da sociologia consiste
em determinar qual o sentido ou o significado da ação social.

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Com base nessa perspectiva, contudo, a realidade social apa-
rece como infinita: já que os sentidos que os agentes podem dar à
ação social também são infinitos, como pode o sociólogo moni-
torar e compreender todos os motivos do comportamento social?
Segundo Weber, isso não é possível. O pesquisador social nunca
poderá captar toda a realidade, mas apenas uma parte dela. Além
disso, na seleção dos fragmentos dessa realidade a serem investi-
gados estarão presentes os valores do investigador (Aron, 2003).
Trata-se de um processo subjetivo, que, no entanto, não compro-
mete a objetividade do conhecimento, desde que o investigador
leve em conta, na interpretação das ações e das relações, os valores
que ele atribui ao próprio ator social, isto é, àquele que pratica a
ação, e não os seus próprios valores (do investigador).

Ação social é aquela ação orientada pela ação dos outros. Os “ou-
tros” podem ser um indivíduo ou uma coletividade. Pode ser des-
conhecido ou conhecido. Nem toda ação entre os homens é de
caráter social. Somente o é quando tem um sentido dirigido pela
ou para a ação dos outros. Dessa forma, a simples imitação não
poder ser uma ação social, ela somente será social quando houver
um sentido, um significado atribuído à conduta (Weber, 1977).

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Para Weber (2002; 1994), a sociedade não é superior ao in-
divíduo, como em Durkheim, ou uma estrutura que se impõe,
como em Marx. A realidade social aparece como uma “teia”*, for-
mada pelas relações entre os indivíduos. Não é possível descobrir
as “leis gerais” que orientam as interações sociais, simplesmente
porque essas leis não existem. O que o sociólogo pode descobrir
e estudar é o sentido que o indivíduo confere à ação que empre-

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ende (Aron, 2003; Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002). Assim,
podemos afirmar que, para Weber, a sociedade é uma “teia”*, que
se forma pela interação de vários indivíduos (Rodrigues, 2004).
É claro que Weber não se contenta em afirmar que os sen-
tidos da ação podem ser infinitos e que a realidade social é im-
possível de ser apreendida como um todo. Já vimos que, em
sua opinião, o cientista social só pode apreender um aspecto
da realidade, um recorte. Mas como ele resolve a questão dos
sentidos da ação que podem ser infinitos? Para resolver esse
problema, ele constrói uma tipologia das ações sociais. É isso o
que veremos na próxima seção.

[4.2]
A tipologia da ação social
Na sua tentativa de compreender os fenômenos sociais, Weber
estabelece uma tipologia das ações sociais. A construção de
uma tipologia faz parte de sua metodologia (Aron, 2003). As
várias tipologias constituem um recurso que Weber chamou de

* O termo teia foi empregado no sentido encontrado em Rodrigues


(2004, p. 61).

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tipo ideal. Como o próprio nome já diz, o tipo ideal não existe
em estado puro na realidade, apenas teoricamente. É uma idea­
lização, uma construção mental feita pelo investigador com
base nos vários aspectos históricos e sociais dos elementos que
deseja estudar (Weber, 1994; Sell, 2002).
Após a construção desse tipo ideal, o investigador observa o
aspecto da realidade que pretende estudar e procura ver o quanto

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essa realidade se distancia ou se aproxima do tipo ideal constru-
ído teoricamente. Essa é a metodologia de Weber. Perceba, mais
uma vez, que Weber não deseja descobrir “leis gerais”, mas sim
“compreender” os fenômenos sociais. Por isso a sociologia webe-
riana é uma sociologia compreensiva; ela pretende compreender
os sentidos da ação social (Aron, 2003; Sell, 2002).

O tipo ideal é uma construção teórica elaborada pelo pesquisa-


dor com base em vários aspectos históricos. É utilizado como ins-
trumento de pesquisa, possibilitando verificar se a realidade a ser
estudada se aproxima ou se distancia do tipo ideal construído. O
tipo ideal nunca será encontrado tal e qual na realidade, sendo
apenas uma construção teórica. É um recurso metodológico (Sell,
2002; Johnson, 1997).

Vejamos como Weber constrói a sua tipologia das ações so-


ciais. Segundo o autor, as ações sociais podem ser de quatro
tipos: 1) racional com relação a fins; 2) racional com relação a
valores; 3) afetiva; 4) tradicional (Weber, 1977, 1994).

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Na ação racional com relação a fins,
fins o indivíduo – ou agente,
ou ator – age tendo em vista os meios mais adequados para os
fins desejados. Na ação racional com relação a valores,
valores o ator
procura o fim desejado agindo racionalmente de acordo com
um valor, que pode ser moral, estético ou religioso. O terceiro
tipo de ação social, a ação afetiva,
afetiva é determinado por estados
afetivos ou emocionais; em última instância, é “irracional”. E a

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ação tradicional é determinada por um costume, uma tradição
que é passada ao longo do tempo.

Quadro 4.1 − Tipologia das ações sociais

Racional com Racional Afetiva Tradicional


relação a fins com relação
a valores
O ator age O ator age O ator age O ator age
racionalmente, racionalmente, emotiva e com base na
selecionando com base em emocional- tradição e
e utilizando um valor, para mente para nos costumes
os meios mais alcançar o fim alcançar o para alcan-
adequados desejado. O fim deseja- çar o fim
para alcançar valor pode ser do. Pode ser pretendido.
o fim desejado. estético, moral considerada
ou religioso. “irracional”.

Para esclarecer melhor esses conceitos, vamos seguir os


mesmos passos metodológicos de Weber (1977, 1994) e olhar a
realidade com base nesses tipos ideais de ação social. Tomemos

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os tipos de ação descritos anteriormente e comparemos com a
realidade. É claro que a nossa “realidade” aqui vai ser um exem-
plo hipotético, mas poderá nos ajudar a compreender melhor
essa tipologia e de que maneira ela funciona.
Vamos supor que uma garota queira comprar uma calça
nova. O fim desejado por ela é comprar a calça. Se ela agir ra-
cionalmente com relação a fins, terá de escolher o melhor meio

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para conseguir a calça. Poderá economizar dinheiro e de posse
dele fazer uma pesquisa para efetuar a compra no lugar mais
barato. Isso é uma ação social com relação a fins. Por outro
lado, se ela se guiar por um valor estético, poderá não comprar
a calça mais barata, mas sim a mais barata entre as que mais
lhe agradarem, segundo o valor estético que utiliza. Essa é uma
ação racional com relação a valores. Ela também poderá agir de
maneira emotiva e deixar-se levar pelo impulso, adquirindo a
calça na primeira loja que vir e praticando uma ação afetiva. Se
a jovem comprar a calça em uma loja em que sua família sem-
pre faz compras, ela estará seguindo um costume, uma tradição.
Nesse caso sua ação será tradicional.
Para Weber, o indivíduo é sempre portador de racionalida-
de, em menor ou maior grau, pois ele atribui sentido à sua ação.
A ação é dotada de intencionalidade. Contudo, é errado pensar
que Weber quer apenas estudar o indivíduo, esquecendo-se das
instituições sociais, como a família, o Estado, a Igreja (Aron,
2003). Para ele, quando o indivíduo age, leva em consideração
não só o comportamento dos outros, mas também as normas
sociais institucionalizadas e consolidadas na sociedade. Todos

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agem influenciados pelas normas estabelecidas (Sell, 2002).
Note que tais normas não são somente leis escritas, mas cos-
tumes e convenções. Porém, ao mesmo tempo que as normas
influenciam a maneira de o indivíduo agir, são resultado das
ações dos indivíduos. É o mesmo que dizer que os indivíduos
fazem as normas e também são feitos por elas.
Preste atenção em mais este termo − maneira de agir. Ele é

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importante para entendermos como o indivíduo faz as normas
e, ao mesmo tempo, é produto delas.
Weber (1994) distingue duas maneiras ou modos de agir. agir
O primeiro ele chama de agir em comunidade, e o segundo, de
agir em sociedade.
O agir em comunidade está baseado em expectativas e na
probabilidade. O indivíduo baseia a sua ação na expectativa em
relação ao comportamento dos outros, ou seja, ele age espe-
rando que o outro se comporte de determinada maneira. Por
exemplo, você caminha pela rua e avista seu professor vindo
em sua direção. Você o cumprimenta e ele responde ao seu
cumprimento. Você agiu assim porque esperava que o seu pro-
fessor também o cumprimentasse. Não existe nenhuma lei que
diga que “todo aluno é obrigado a cumprimentar seu professor
na rua”. É como se você pensasse: “Provavelmente meu profes-
sor responderá ao meu cumprimento”. Essa é uma maneira de
agir baseada na pessoalidade e na afetividade.
Já o agir em sociedade é baseado em regulamentos e em
normas sociais vigentes, ou, em outras palavras, em leis. Aqui o
indivíduo age baseado nesses regulamentos sociais em uso, pois

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espera que os outros indivíduos também se baseiem neles para
agir. Na escola temos a regra de que a aula começa em deter-
minado horário. Todos agem e se comportam com base nessa
regra. Perceba que isso não significa que todos sempre cumpri-
rão a lei ou regra, mas sim que agirão baseados nela. Roubar é,
obviamente, proibido por lei. Contudo, existem pessoas que in-
fringem essa regra, por um motivo ou por outro. Mas mesmo a

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maneira de agir dessas pessoas que infringem a lei é baseada na
regra. Aquela pessoa que roubar vai procurar se esconder, fugir,
despistar ou disfarçar, pois sabe que infringiu uma regra. Então,
o seu agir é baseado na regra que infringiu. Podemos dizer que
essa é uma maneira de agir baseada na impessoalidade.

Quadro 4.2 − Diferença entre o agir em comunidade e o agir


em sociedade

Agir em comunidade Agir em sociedade

Tem por base expectativas e


Tem por base regulamentos e
probabilidades. O ator baseia o
normas sociais vigentes. O ator
seu agir esperando que o outro
baseia o seu agir nas regras
se comporte de determinada
estabelecidas.
maneira.

Você deve ter percebido que Weber fala muito em raciona-


lidade e em regras. Ele fala sobre a ação social racional, o agir
segundo as regras, os regulamentos sociais vigentes. Pois bem,
segundo Weber (1994, 1999), a racionalidade é um dos prin-
cipais elementos da ordem social. Entendia ele que a sociedade

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moderna está passando por um crescente processo de racio-
nalização. As pessoas estariam utilizando-se cada vez mais de
elementos racionais para guiar e organizar sua vida. Elas esta-
riam escolhendo os meios mais adequados, avaliando as conse-
quências futuras, tendo como base o conhecimento técnico e o
desenvolvimento da ciência. Assim, a tradição, as concepções
mágicas e religiosas estariam perdendo lugar para o conheci-

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mento técnico na organização da vida das pessoas. A sociedade
estaria passando, então, por um processo que Weber chama de
racionalização.
Há algum tempo era muito comum as pessoas recorrerem
às chamadas benzedeiras. Elas eram procuradas por quem tinha
problemas de saúde, por exemplo, e realizavam benzimentos que
curavam os males daqueles que as procuravam. Assim, quando
alguém ficava doente, poderia ir até uma benzedeira para que
ela fizesse um benzimento e ele ficasse bom. Hoje, essas pessoas
perderam o seu espaço, pois a maioria procura os médicos quan-
do fica doente. Isso porque a crença no “poder” das benzedeiras
de curar enfraqueceu. Por outro lado, a “crença” no conheci-
mento científico aumentou. A concepção mágica ou religiosa
não é mais considerada legítima. “Acredita-se” muito mais em
um médico do que em uma benzedeira. Note que não estamos
contestando a eficiência da benzedeira ou de outras formas de
conseguir o bem-estar fora da medicina tradicional. Essas for-
mas também têm a sua eficácia. O que é importante perceber é
o triunfo da ciência e da técnica sobre outras formas de organi-
zação da vida. Weber (1994) chama o processo de abandono de

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concepções mágicas e religiosas em favor da técnica e da ciência
de desencantamento do mundo, ou ainda de secularização*.

Segundo Weber, o processo de racionalização é o abandono das


concepções mágicas e tradicionais como formas de explicação e
orientação da vida social, em favor de formas cada vez mais pre-
cisas, organizadas e burocratizadas. É uma adaptação cada vez

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maior entre meios racionais para se conseguirem os fins desejados
(Weber, 1994).

A racionalização da sociedade não significa, entretanto, ape-


nas o triunfo do conhecimento científico e técnico sobre as for-
mas tradicionais, mágicas e religiosas. Ela vai criando também
cada vez mais e mais regras e normas que, como vimos, são
levadas em conta na hora de os indivíduos agirem e tomarem
suas decisões (Aron, 2003; Weber, 1994). Você percebe como
o agir em comunidade vai se transformando cada vez mais no
agir em sociedade? Pois é. Segundo Weber, é isso mesmo que
acontece. E, nesse processo, as normas e as leis criadas têm um
lado positivo, pois tornam o mundo mais inteligível às pessoas.
Imagine você no seu primeiro dia de trabalho sem conhecer
nenhuma lei ou regra que organiza a rotina diária da empresa
na qual trabalha. Quando você passa a conhecer essas regras, as
coisas ficam bem mais fáceis. Você fica sabendo qual é a hierar-
quia, quais são os horários e as tarefas que precisa cumprir; o
mundo fica mais organizado.

* Secularização: processo de declínio da influência da religião.


Secularização

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Mas por que as pessoas obedecem às leis e às normas criadas
pela racionalização da sociedade? Por causa da legitimidade: as
pessoas obedecem às regras ou guiam o seu comportamento
pela existência delas não apenas porque temem a punição que
elas impõem, mas porque estão convencidas de que elas são
verdadeiras, porque há um consenso em torno da necessidade
de obedecer, mesmo que não se obedeça. Aceitar uma lei ou

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regra como legítima é, então, acatá-la como verdadeira.
Aqui surge, porém, outra indagação: como e por quem são
feitas as regras? Elas são feitas por aqueles indivíduos que con-
seguem impor a sua vontade. Para entendermos melhor essa
questão, vejamos como Weber (1994) desenvolve sua tipologia
da dominação.
dominação
As pessoas que conseguem impor sua vontade são aquelas
que exercem a dominação, definida por Weber como a proba-
bilidade de contar com a obediência daqueles que teoricamente
devem obedecer. A obediência está ligada ao reconhecimento,
por parte daqueles que obedecem, de que as ordens que lhes
são dadas são legítimas, ou seja, são aceitas como verdadeiras.
Então, aqueles que dominam têm o poder de impor a sua von-
tade e ditar as regras. Assim, poder é diferente de dominação:
poder é a capacidade de impor a vontade, e dominação é a pro-
babilidade de encontrar obediência. Além disso, a maneira de
impor a vontade e ditar as regras numa relação social pode va-
riar. Por isso, Weber distingue três tipos básicos de dominação:
a dominação carismática, a dominação tradicional e a domina-
ção racional-legal.

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A dominação carismática tem sua legitimidade apoiada na
crença de que a pessoa ou pessoas que mandam têm um poder
mágico, sobrenatural ou religioso e também um caráter heroi-
co. É o caso de Jesus Cristo, que pode ser considerado um líder
carismático porque seu poder está ligado a dons mágicos e reli-
giosos. A dominação tradicional está apoiada na crença em um
poder sagrado herdado das tradições. Esse tipo de dominação

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se refere àquele poder passado de geração em geração dentro de
uma tradição, como é o caso dos reis, por exemplo. A domina
domina--
ção racional-legal tem seu fundamento na legalidade da lei e na
legitimidade do poder daqueles que fazem essas leis e normas. É
o caso da nossa legislação. Aceitamos essas leis porque as pes-
soas que a fazem são consideradas legitimadas em suas funções.
Os vereadores, os deputados, os senadores e o presidente da
República são legitimados pela eleição, que é considerado o meio
mais “racional” para escolher os representantes e os legisladores.
Em outras palavras, na dominação racional-legal as pessoas obe-
decem porque o líder ou aquele que manda ocupa determinada
posição na estrutura burocrática.
Ainda no que se refere à dominação racional-legal, o exercício
da autoridade depende de uma estrutura composta de um qua-
dro administrativo de funcionários hierarquizado e profissional.
O presidente da República não pode governar um país sozinho,
assim como o presidente de uma empresa não pode administrá-la
sozinho. Eles dependem de profissionais treinados que conheçam
as normas e as regras e “operem” os meios que lhes permitam exer-
cer o seu poder. Surge, então, a burocracia, que aparece na sociolo-
gia weberiana como o modo moderno de extrair a obediência das

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pessoas. A própria etimologia da palavra revela essa dimensão res-
saltada por Weber (bureau: escritório; kratos: poder). Dessa forma,
o processo de racionalização da sociedade é acompanhado tam-
bém por um processo de burocratização (Weber, 2002, 1994, 1999;
Aron, 2003; Sell, 2002; Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002).

Quadro 4.3 − Tipologia da dominação

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Carismática Tradicional Racional-legal
Baseia-se em um Baseia-se na legi-
Baseia-se em um
poder mágico, timidade das leis e
poder herdado na
religioso. O líder na posição que os
tradição. O líder
carismático encar- indivíduos ocu-
tradicional governa
na um herói, um pam na estrutura
por uma “herança”.
salvador. burocrática.

Como vimos, a racionalização pode ser positiva, na medi-


da em que torna o mundo mais organizado e inteligível para
as pessoas. Por outro lado, Weber tem uma visão pessimista
da racionalização: ela acaba provocando uma perda de senti-
do, pois transforma o homem em um “cumpridor de regras”,
aprisionando-o numa “jaula de ferro” (Aron, 2003).
Com o aparecimento de cada vez mais regras e normas a
serem cumpridas, o homem moderno perderia sua individuali-
dade e autonomia, estando cada vez mais subordinado à autori-
dade das leis. Elas inibiriam toda a criatividade e inventividade
dos indivíduos, pois tudo estaria previsto pelas regras.

130
Perceba que as leis, as regras e as normas são criadas com o
objetivo de facilitar a vida do homem, tornar a vida mais orga-
nizada e o mundo, inteligível. Mas elas acabam produzindo um
“efeito colateral”. Weber (1994) afirma que as sociedades moder-
nas são cada vez mais complexas, e os objetivos dos indivíduos
passam a ser cada vez mais conflituosos. As regras surgem tam-
bém como maneira de organizar conflitos. Já imaginou se todos

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fizessem o que quisessem, sem nada para guiar suas condutas?
Então as regras e os regulamentos são meios para se alcan-
çar um fim
fim, seja ele qual for. Acontece que esses meios acabam
se transformando em fins em si mesmos (Weber, 1994), ou seja,
os homens não cumprem mais as regras para alcançar um fim
desejado, mas sim com o único propósito de cumpri-las. É aí
que ocorre a perda de sentido na sociedade moderna, pois não
é mais o fim que guia as ações; os próprios meios se transfor-
mam em fins.
Um exemplo pode nos ajudar a compreender melhor essa
questão da perda de sentido. Vamos pensar na chamada que é
feita em todas as escolas para verificar quais alunos estão pre-
sentes na aula. A lista ou o livro de chamada é um procedimen-
to criado com o pressuposto de que todo aluno deve chegar no
horário e de que todo aluno deve assistir um número mínimo
de aulas para garantir seu aprendizado. Isso é uma norma, uma
regra burocrática, que orienta o comportamento dos indiví­
duos em busca de um fim, que é a aquisição de conhecimentos
ou a capacitação. Entretanto, essa norma pode se transformar
em um fim em si mesma quando os alunos ou o professor vão à
aula unicamente tendo em vista a presença no livro de chamada.

131
Nesse caso, o fim se perde, e o que era apenas um meio se trans-
forma em fim. Não se comparece à aula pelos conteúdos a se-
rem aprendidos ou ministrados, mas pela presença que todos
devem ter segundo o que a lei orienta ou estabelece.
Assim, a racionalização e a burocratização acabam trans-
formando o homem moderno em um “cumpridor de regras”, o
que faz com que esses processos levem à perda de sentido e de

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liberdade (Weber, 1994).
E o que tudo isso tem a ver com o capitalismo? É o que
veremos na próxima seção ao estudarmos um pouco uma das
principais obras de Weber.

[4.3]
“A ética protestante e o espírito
do capitalismo”, de Max Weber
Em A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber (1999)
procura relacionar aspectos da religião com o comportamen-
to humano, com o objetivo de compreender o capitalismo.
Estabelecer essa relação não é nenhuma inovação metodológi-
ca, pois muitos pensadores já haviam feito o mesmo. O aspecto
inovador da obra de Weber está na particularidade de relacio-
nar seitas protestantes e uma conduta capitalista que considera
particular do Ocidente (Aron, 2003; Sell, 2002). A relação mais
específica é entre uma ética – uma conduta pregada pela reli-
gião – e uma conduta requerida pelo sistema capitalista. Mas,
no âmbito do protestantismo e do capitalismo, Weber tam-
bém limita os elementos que entrarão em sua análise. Assim,
ele demonstra que existe uma “afinidade eletiva” entre a ética

132
protestante e a atividade capitalista moderna, ou o que chama
de espírito do capitalismo.
De maneira resumida, Weber entende por espírito do capi-
talismo uma conduta que busca legalmente o lucro por meio de
uma adequação racional e planejada entre meios e fins, asso­
ciada a uma atitude rígida em relação aos prazeres e ao gozo
desse lucro, tendo o trabalho como resultado e expressão de

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uma virtude (Aron, 2003).
O trabalho aparece, no contexto da ética puritana, como a
atividade do homem na terra. É a essa atividade que o homem
deve dedicar a sua vida; é essa atividade a vocação do protestante.
E a vocação do homem protestante implica determinada condu-
ta profissional que se identifica com a conduta do capitalismo;
não aquele capitalismo que se expressa na busca incontrolável
pelo lucro, mas o capitalismo ocidental, que associa a ideia de
uma economia livre a uma racionalidade. E essa vocação se ex-
pressa no trabalho, que não é mais um castigo de Deus lançado
sobre a humanidade ao expulsar Adão e Eva do paraíso, mas que
se torna uma virtude e um chamamento divino (Chaui, 1999).
Analisando trabalhos de outros autores sobre a ética e a
conduta puritana, Weber destaca a ênfase que essa ética e essa
conduta dedicam à riqueza e à aquisição desta na vida do ho-
mem religioso. Em certo sentido, o princípio da ética puritana –
a ascese* – parece ser contrário à aquisição de riqueza. Porém,
tal aversão à riqueza refere-se mais às consequências que ela

* Ascese doutrina que prega a renúncia ao prazer, o triunfo do espírito


Ascese:
sobre os instintos e as paixões.

133
pode trazer, ou seja, ao ócio, à vida desregrada, do que à sua
propriedade propriamente dita.
O que está em jogo não é somente a riqueza, mas o trabalho,
que é o meio de consegui-la. Nos estudos analisados sobre a éti-
ca puritana no capítulo V de sua obra, Weber mostra que há, na
ética puritana, uma pregação quase apaixonada pelo trabalho –
tanto físico como intelectual – duro e constante. A riqueza só

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se torna um “inconveniente” dentro dessa ética na medida em
que dispensa a realização do trabalho. Este se torna a finalidade
da própria vida. E o homem rico, assim como o homem pobre,
não deve se furtar ao trabalho. A riqueza não exime o homem
do trabalho, pois é um meio de glorificar a Deus.

Nem o rico pode comer sem trabalhar, pois mesmo que não precise
disto para o seu sustento, ainda assim prevalece o mandamento de
Deus, que deve ser obedecido por ele, tanto quanto pelo pobre. Isto
porque todos, sem exceção, recebem uma vocação da Providência
Divina, vocação que deve ser por todos reconhecida e exercida. Essa
vocação não é, como no luteranismo, um destino ao qual cada um
se deva submeter, mas um mandamento de Deus a todos, para que
trabalhem na sua glorificação. (Weber, 1999, p. 211)

O ato de trabalhar constitui um estado de graça do homem


na terra, a maneira de glorificar a Deus. E deixar de glorificar a
Deus – ou seja, não trabalhar – para se dedicar a outras ativida-
des é fugir de sua vocação religiosa:

A perda de tempo, portanto, é o primeiro e o principal de todos os


pecados. A duração da vida é curta demais, e difícil demais, para es-
tabelecer a escolha do indivíduo. A perda de tempo através da vida

134
social, conversas ociosas, do luxo, e mesmo do sono além do necessá-
rio para a saúde – seis, no máximo oito, horas por dia – é absoluta-
mente indispensável do ponto de vista moral. Não se trata assim do
“Time is Money” [tempo é dinheiro] de Franklin, mas a proposição
lhe é equivalente no sentido espiritual: ela é infinitamente valiosa,
pois, de toda hora perdida no trabalho redunda uma perda de tra-
balho para a glorificação de Deus. (Weber, 1999, p. 112)

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A vida deve ser regrada, sem desperdícios de tempo. Perder
tempo, segundo a ética puritana, é deixar de agradar a Deus. E
como agradar a Deus? A resposta dada pela ética puritana é a
seguinte: trabalhando de maneira racional e ordenada.
Outro ponto importante a que Weber chama a atenção no
capitalismo ocidental refere-se à separação do local de trabalho
da esfera doméstica. Essa separação entre a casa e o local de
trabalho é fator de grande importância no processo de raciona-
lização do trabalho, pois dá a ele certa “independência” das ou-
tras atividades; deixa de ser um elemento da vida doméstica e
passa a ser submetido a uma outra lógica, uma lógica racional.
Com a passagem para uma sociedade industrial, houve
uma severa reestruturação dos hábitos de trabalho, que antes
era condicionado por um ritmo natural. Antes dessa passagem
para uma sociedade industrial, havia pouca demarcação en-
tre o local de trabalho e a casa. A casa era o local de trabalho,
e os familiares eram os colegas de ofício. Além da falta dessa
diferenciação, o uso do tempo era irregular. A irregularidade
marcava os dias e as semanas de trabalho. O trabalho e a vida
doméstica não se diferenciavam; o trabalho não tinha um lugar
específico nem um tempo determinado (Thompson, 1991).

135
A fábrica ou empresa capitalista como local de trabalho
diferenciado da vida doméstica é mais do que a concentração
dos trabalhadores e dos meios de produção em um único local.
Significa também, e sobretudo, a organização do trabalho em
novos moldes: uma organização capitalista orientada racional-
mente para o lucro (Decca, 1993). Como já foi dito, não é ape-
nas a procura do lucro que caracteriza uma conduta capitalista

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moderna. O que é importante é a procura racional do lucro, a
adequação entre meios e fins. A separação entre a casa e o local
do trabalho – que marca o surgimento da fábrica – permite a
racionalização e o disciplinamento do trabalho, o que, junta-
mente com os princípios de uma ética protestante, influencia
na configuração do capitalismo.
Assim, com o estudo realizado nessa obra, Weber mostra
como a ética protestante fornece ao homem determinada ma-
neira de ser que irá encontrar correspondência no capitalismo.
É uma conduta racional fornecida pela religião que favorece o
surgimento do capitalismo. Weber não afirma que essa ética é a
única causa do capitalismo, mas sim um elemento que colabora
com seu surgimento.
Se Marx vê como especificidade do capitalismo o fato de
esse regime acumular e produzir riqueza social, garantindo os
meios para a apropriação privada dessa riqueza, Weber vê no
capitalismo a manifestação de uma racionalidade ainda não en-
contrada em outros tempos e locais. Para ele, o ponto central
do capitalismo é a racionalização da conduta humana.

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