O filme Nausicaa, de Agnès Varda, critica o autoritarismo na Grécia durante a ditadura militar através de uma história de amor e referências à mitologia grega. A diretora usa a ficção para retratar a censura e alienação impostas pelo governo, representando a democracia como uma jovem resistindo à opressão. Embora a Grécia seja romanticizada por sua história antiga, o filme aponta para os reais problemas socioeconômicos do país na época, como a miséria e
Descrição original:
Um breve comentário sobre minhas impressões do filme Nausícaa de Agnes Varda
O filme Nausicaa, de Agnès Varda, critica o autoritarismo na Grécia durante a ditadura militar através de uma história de amor e referências à mitologia grega. A diretora usa a ficção para retratar a censura e alienação impostas pelo governo, representando a democracia como uma jovem resistindo à opressão. Embora a Grécia seja romanticizada por sua história antiga, o filme aponta para os reais problemas socioeconômicos do país na época, como a miséria e
O filme Nausicaa, de Agnès Varda, critica o autoritarismo na Grécia durante a ditadura militar através de uma história de amor e referências à mitologia grega. A diretora usa a ficção para retratar a censura e alienação impostas pelo governo, representando a democracia como uma jovem resistindo à opressão. Embora a Grécia seja romanticizada por sua história antiga, o filme aponta para os reais problemas socioeconômicos do país na época, como a miséria e
A mescla entre ficção e documentário é o que desperta a curiosidade no filme Nausicaa
de Agnès Varda, um relato aqui e um pouco de ficção ali parecem formar um entrecruzamento de histórias arrebentando uma linearidade, afinal retrata a desordem e a confusão de mentes produzidas pelo autoritarismo que permeava a grécia no período em que a cineasta já conhecida por trabalhar com assuntos políticos começa a tecer um filme que pretendia criticar. Quando a carapuça serve as reações são instantâneas, e, nesse caso, a carapuça serviu e não só para o governo como também para mostrar a alienação do povo, e, como resultado, tivemos a censura da cineasta numa tentativa de calar não só Agnes como também a voz dos exilados que ecoam dentro do filme. Uma história de amor se passa na trama, ocorre entre uma estudante francesa e um intelectual grego. Entrecruza-se nessa trama uma referência à mitologia grega, trata-se de uma das partes da Odisseia em que se relata uma personagem que dá nome ao filme Nausicaa que encontra Ulisses naufragado nu em uma praia da Phenicia. Outra cena curiosa é a personificação da democracia na figura de uma jovem, aquela juventude de utopias e de aspirações socialistas, porém é a autoridade que sempre está a censurá-la, contudo recusa-se a entregar-se e baixar a guarda. Essa democracia quem sabe represente o movimento estudantil que lutava e morria pela liberdade em tempos de terrível crise. Tudo parece confirmar-se quando ironicamente a saudação da mãe a cada um dos soldados é a palavra “assassino” . Nada parece tão mais atual, vivemos as reminiscências do fascismo em nosso país, vem disfarçado de uma dose de liberdades econômicas, mas reproduz as mesmas práticas opressoras de antigamente. Agnes sempre alçou um grito político em seus trabalhos, ele reverbera entre todos nós, reproduz-se em bocas tão blasfemas quanto as da democracia, toca as raízes do fascismo ou, se você preferir, do neofascismo brasileiro. Em um outro momento, percebemos um embate entre um discurso que romantiza a Grécia com a roupagem cedida pela antiguidade clássica para mascarar os reais problemas enfrentados, o que é durante o filme a crítica mais persistente. Enquanto o guia turístico falava sobre as ilhas gregas associando-as a mitologia, um turista fazia observações sobre a miséria e os problemas socioeconômicos e até sobre as prisões que nelas havia sido construídas nelas, é a ideia que o místico tem o poder de ocultar o real, de desviar a atenção de uma massa, o místico ao mesmo tempo que amplia a visão faz essa ampliação direcionando o foco para uma perspectiva neutralizadora. Os mitos sempre cumpriram com finalidades pedagógicas, sempre educaram os homens a submissão aos deuses, sempre conformaram o homem a ver as sombras das cavernas, não há nada mais poderoso para controlar a consciência coletiva do que o imaginário, o fascismo se apoia no adão e eva, nos sofrimentos do presente como esperança para o futuro e nos desliga do agora para anestesiar os indivíduos. São inúmeras as reflexões que podem ser feitas sobre o filme Nausicaa e creio que a maior delas seja nos chamar a despertar, gerar em nós um inconformismo, mostrar o que está por trás do anestesiamento da consciência, a crise de identidade grega que se sentem perdidos sem um locus que os dê a segurança de terras firmes, de grego todo mundo na modernidade líquida parece ter um pouco.