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RESENHA DO FILME NAUSICAA

Alan Souza da Silva

A mescla entre ficção e documentário é o que desperta a curiosidade no filme Nausicaa


de Agnès Varda, um relato aqui e um pouco de ficção ali parecem formar um entrecruzamento
de histórias arrebentando uma linearidade, afinal retrata a desordem e a confusão de mentes
produzidas pelo autoritarismo que permeava a grécia no período em que a cineasta já conhecida
por trabalhar com assuntos políticos começa a tecer um filme que pretendia criticar.
Quando a carapuça serve as reações são instantâneas, e, nesse caso, a carapuça serviu
e não só para o governo como também para mostrar a alienação do povo, e, como resultado,
tivemos a censura da cineasta numa tentativa de calar não só Agnes como também a voz dos
exilados que ecoam dentro do filme.
Uma história de amor se passa na trama, ocorre entre uma estudante francesa e um
intelectual grego. Entrecruza-se nessa trama uma referência à mitologia grega, trata-se de uma
das partes da Odisseia em que se relata uma personagem que dá nome ao filme Nausicaa que
encontra Ulisses naufragado nu em uma praia da Phenicia.
Outra cena curiosa é a personificação da democracia na figura de uma jovem, aquela
juventude de utopias e de aspirações socialistas, porém é a autoridade que sempre está a
censurá-la, contudo recusa-se a entregar-se e baixar a guarda. Essa democracia quem sabe
represente o movimento estudantil que lutava e morria pela liberdade em tempos de terrível
crise. Tudo parece confirmar-se quando ironicamente a saudação da mãe a cada um dos
soldados é a palavra “assassino” .
Nada parece tão mais atual, vivemos as reminiscências do fascismo em nosso país, vem
disfarçado de uma dose de liberdades econômicas, mas reproduz as mesmas práticas opressoras
de antigamente. Agnes sempre alçou um grito político em seus trabalhos, ele reverbera entre
todos nós, reproduz-se em bocas tão blasfemas quanto as da democracia, toca as raízes do
fascismo ou, se você preferir, do neofascismo brasileiro.
Em um outro momento, percebemos um embate entre um discurso que romantiza a
Grécia com a roupagem cedida pela antiguidade clássica para mascarar os reais problemas
enfrentados, o que é durante o filme a crítica mais persistente. Enquanto o guia turístico falava
sobre as ilhas gregas associando-as a mitologia, um turista fazia observações sobre a miséria e
os problemas socioeconômicos e até sobre as prisões que nelas havia sido construídas nelas, é
a ideia que o místico tem o poder de ocultar o real, de desviar a atenção de uma massa, o místico
ao mesmo tempo que amplia a visão faz essa ampliação direcionando o foco para uma
perspectiva neutralizadora.
Os mitos sempre cumpriram com finalidades pedagógicas, sempre educaram os homens
a submissão aos deuses, sempre conformaram o homem a ver as sombras das cavernas, não há
nada mais poderoso para controlar a consciência coletiva do que o imaginário, o fascismo se
apoia no adão e eva, nos sofrimentos do presente como esperança para o futuro e nos desliga
do agora para anestesiar os indivíduos.
São inúmeras as reflexões que podem ser feitas sobre o filme Nausicaa e creio que a
maior delas seja nos chamar a despertar, gerar em nós um inconformismo, mostrar o que está
por trás do anestesiamento da consciência, a crise de identidade grega que se sentem perdidos
sem um locus que os dê a segurança de terras firmes, de grego todo mundo na modernidade
líquida parece ter um pouco.

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