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1.° - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é
necessário compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica
do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa
encontrar um argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da
dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos
de um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles
freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar
sonhando ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de
chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em
meu leito").
2. ° - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira
sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu
penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é
indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio (apesar do
logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma
intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. Eu
penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples
acidente gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, portanto, não é, como já
se disse, o ato de nascimento do que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito
pensante e suas idéias como o fundamento de todo conhecimento), mas a descoberta do
domínio ontológico (estes objetos que são as evidências matemáticas remetem a este ser
que é meu pensamento).
Com o objetivo de chegar a uma verdade que fosse plenamente inquestionável, genuina,
René Descartes estabeleceu seu método denominado de Dúvida Métodica. Para
Descartes a dúvida era uma importante ferrramenta, pois ela nos permite movimentar o
nosso intelecto na direção da busca pelo conhecimento. A dúvida nos tira das certezas
inocentes que já foram alvo de inúmeros erros ao logo da história Humana.
Descartes observa que os sentidos são enganosos e podem nos levar ao erro. Ele
exemplifica mostrando que ao ver um galho de árvore na água pode parecer que está
torto e, no entanto, ao retirá-lo da água percebe-se que ele é reto e, também outro
exemplo, com “torres que à distância parecem redondas, de perto afiguram-se
quadradas” (COTTINGHAM, 1995, p. 79). Assim, Descartes afirma que não se deve
confiar nos sentidos: “(…) experimentei algumas vezes que esses sentidos eram
enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma
vez” (DESCARTES, 1979, p. 86).
"E por existirem homens que se enganam ao raciocinar, mesmo no que se refere às mais
simples noções de geometria, e cometem paralogismos, rejeitei como falsas, achando
que estava sujeito a me enganar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara, até
então, por demonstrações". Ele se questiona se Deus seria um tipo de um gênio maligno
que sente prazer em induzi-lo ao erro, enganando-o inclusive nas certezas matemáticas.
(…) como julgo que algumas vezes os outros se enganam até nas coisas que eles
acreditam saber com maior clareza, pode ocorrer que Deus tenha desejado que eu me
engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enumero os
lados de um quadrado, ou em que julgo alguma coisa ainda mais fácil, se é que pode
imaginar algo mais fácil que isto. (DESCARTES, 1979, p. 87)
Com isso, Descartes duvidou dos sentidos, duvidou da ideia de realidade e até mesmo
do entendimento da nossa razão, chegando, portanto, a uma dúvida hiperbólica.
Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda
a sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele
me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja,
enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e
de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter
constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as
vezes que a enuncio ou que a conceba em meu espírito. (DESCARTES, 1979, p. 92)
Logo em seguida, porém, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo
era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que
esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei
que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu
procurava
Diante das incertezas dos nossos cinco sentidos, da ideia de realidade e dos raciocínios,
Descartes concluiu:
"Logo em seguida, porém, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo
era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que
esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei
que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu
procurava".
Referências
DESCARTES, René. Meditações. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os
Pensadores).
Responda:
1. Se queremos chegar à verdade das coisas, o que devemos fazer segundo René
Descartes?
2. Quais são os elementos apontados por Descates como fonte de conhecimento
inseguro? Explique-os.
3. Qual a conclusão de Descartes sobre seus questionamentos obtidos a partir da
dúvida.
4. Explique a frase: “o pensamento autônomo é o ponto de partida para a
construção do sujeito ético.
O mínimo que você precisa saber sobre Descartes para não ser um idiota
Se há um panteão dos filósofos mais influentes que já existiram, René Descartes com
certeza faz parte dele. Em 1596, período em que Shakespeare escrevia Hamlet,
Descartes nasce no vilarejo de Touraine, na França, que posteriormente foi batizado em
sua homenagem passando a chamar “La-Haye-Descartes”. Considerado como o pai da
filosofia moderna, Descartes passou dos 11 aos 19 anos estudando os clássicos e
filosofia no colégio jesuíta de La Flèche. Durante toda a sua vida ele foi católico, mas
passou a maior parte de sua maturidade na Holanda, país protestante que era conhecido
por ser sua liberdade de expressão e religiosa – ao menos em comparação com os outros
países europeus da época.
Maurício de Nassau.
Descartes, ainda que seja reconhecido como o pai da filosofia moderna, também é
estudado na física e matemática, reverenciado como aquele que lançou as fundações da
geometria analítica. Até hoje é ensinado nas escolas as coordenadas cartesianas, que
foram batizadas a partir da forma latina de seu sobrenome, Cartesius. Descartes foi um
cientista moderno. Quando um estranho pedia para ver sua biblioteca, Descartes
apontava para as carcaças de um animal dissecado, além dele próprio fabricar as lentes
que usava em seus experimentos de ótica. Ele confiava na experiência prática, antes que
no aprendizado teórico. Mas confiava ainda mais em suas reflexões filosóficas. Em
1632, Descartes estava prestes a publicar uma obra que visava explicar “a natureza da
luz, o Sol e as estrelas fixas que a emitem, os céus que a refletem ou transparentes ou
luminosos e do Homem, seu espectador”. Seu sistema era heliocêntrico, ou seja, a terra
era apenas mais um planeta girando em torno do Sol. Essa obra foi intitulada “O
Mundo” e estava prestes a ser impresso quando Descartes descobriu que Galileu tinha
acabado de ser condenado por sustentar o sistema copernicano, que também é
heliocêntrico. Para evitar conflitos e ser perseguido, ele guardou sua obra em seus
arquivos.
Ao invés de publicar sua obra O Mundo, Descartes resolveu publicar em 1637 “alguns
exemplos de seu método”, que continham como prefácio “um discurso para bem
conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências”. Entre as obras, que são
lidas em sua maioria pelos historiadores da ciência apenas, está uma das obras mais
famosas de Descartes – que diferente das outras é lida até hoje pelas mais diversas
áreas, principalmente pela Filosofia. O seu Discurso do Método pode ser considerado
uma das obras mais populares entre todos os clássicos da filosofia, cuja importância é
comparável às obras de Platão e Aristóteles, com a vantagem de ser uma obra curta e
muito mais legível por um leitor não especializado. Logo em sua introdução, há uma
das frases filosóficas que pode ser adaptada para todos os tempos e sociedades, pois
parece atingir em cheio a natureza do ser humano:
O bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo, pois cada um pensa estar tão
bem provido dele que mesmo aqueles que são mais difíceis de se contentar em qualquer
outra coisa, não costumam desejar tê-lo mais do que o têm.
Discurso do Método, obra de Descartes publicada em 1637 que sintetiza seu método
filosófico.
Diferente dos filósofos medievais, que se engajavam cada um a seu modo na tentativa
de transmitir um corpo de conhecimento já fundamentados em escritores clássicos, e
que tal transmissão poderia apenas tornar o aperfeiçoamento de ideias possível; E
diferente dos filósofos renascentistas, que pensavam estar redescobrindo e oferecendo
fundamentações modernas para os textos antigos, sem cair na exegese tal qual faziam os
medievais; Descartes via a si próprio como um divisor de águas, como o primeiro
filósofo desde a Antiguidade a apresentar uma tese de fato inovadora. Ainda que seja
argumentável se ele de fato conseguiu isso, é consenso entre os filósofos e historiadores
da filosofia que Descartes desenvolveu, ou ao menos apresentou um sofisticado sistema
filosófico poucas vezes visto até então.
O método proposto por Descartes pode ser resumido da seguinte maneira: devemos pôr
em dúvida tudo aquilo que pode nos parecer falso. Deveríamos encarar com ceticismo
tudo o que nos apresentam, e com essa mesma postura deveríamos encarar tudo o que
defendemos. De acordo com esse método, deveríamos sempre fornecer fundamentações
sólidas para nossas teses, fundamentações essa que sejam irrefutáveis a luz do
ceticismo. A partir dessa fundamentação deveríamos reconstruir todo o nosso edifício
de conhecimento. Teríamos assim uma base, um fundamento inquestionável que a partir
dele poderíamos, por argumentos dedutivos e por um método claro e criterioso,
remontar passo-a-passo esse edifício. Assim, enfim, teríamos um conhecimento
fundamentado, aceito indubitavelmente (ou seja, sem dúvida ou questionamento
contra), de modo que poderíamos afirmar com certeza o que conhecemos, sem
recairmos nos argumentos céticos e nas ilusões do raciocínio obscuro e infundado.
Deste modo, esse método se enquadra como uma tentativa de fugir dos argumentos
céticos.
A aplicação sistemática do método proposto por Descartes, como vimos, visa apresentar
uma fundamentação indubitável para todo o conhecimento. Deste modo, quando
perguntarmos quais a justificativas temos para uma certa crença, essa justificação
remontaria a uma cadeia de justificações que teria em sua base essa fundamentação
indubitável, resultante do método de Descartes. Seria a justificação de todas as
justificações, digamos assim.
Para evitar sermos conduzidos ao erro, diz o método, devemos recusar tudo que possa
ser posto em dúvida. Eis que ele assume o ceticismo para argumentar a favor de sua
tese. Vamos ver como:
Argumento do Sonho:
Todos nós já tivemos sonhos vívidos o suficiente que, enquanto estávamos dormindo,
não podíamos identificar se estávamos sonhando ou estávamos acordado. Só
descobrimos que aquilo era um sonho quando enfim acordamos. Se você já sonhou que
estava caindo de um prédio e acordou assustado na cama, você sabe muito bem como é
isso! O Descartes então pergunta: Como podemos saber se não estamos sonhando?
Quando um sonho é muito vívido, nós só descobrimos que estamos sonhando quando
acordamos. Mas e se estivéssemos sonhando agora. Todas as sensações que temos nos
pareceriam vívidas de tal modo que não poderíamos saber se estamos ou não sonhando,
e teríamos de esperar acordar. Vejamos as palavras do Descartes:
“Em verdade, com que frequência o sono noturno não me persuadiu dessas coisas
usais, isto é, que estava aqui, vestindo essa roupa, sentado junto ao fogo, quando
estava, porém, nu, deitado entre as cobertas! Agora, no entanto, estou certamente de
olhos despertos e vejo este papel, e esta cabeça que movimento não está dormindo, e é
de propósito, ciente disso, que estendo e sinto esta mão, coisas que não ocorreriam de
modo tão distinto a quem dormisse. Mas, pensando nisso cuidadosamente, como não
recordar que fui iludido nos sonos por pensamentos semelhantes, em outras ocasiões!
E, quando penso mais atentamente, vejo do modo mais manifesto que a vigília nunca
pode ser distinguida do sono por indícios certos, fico estupefato e esse mesmo estupor
quase me confirma na opinião de que estou dormindo.”
– René Descartes. Meditações Sobre a Filosofia Primeira – Primeira Meditação.
Digamos que houvesse um gênio – daquele da lâmpada, sabe? Do Alladin – que fosse
completamente poderoso, que soubesse de tudo, mas que fosse um grande filho da mãe.
Ele só quer nos enganar em tudo que puder. A possibilidade da existência de um gênio
desse já seria suficiente para nos colocar em dúvida sobre nosso sentidos – ele poderia
estar nos enganando. Mas já apresentamos o argumento do sonho, que parece razoável.
Vamos ver o que mais esse gênio maligno pode nos sacanear. Ainda que estivéssemos
sonhando, parece razoável aceitar que certas coisas não podemos nos enganar. Por
exemplo, eu sei que dois mais dois é igual a quatro. Eu não preciso justificar esse meu
conhecimento me baseando nas experiências que tenho no mundo externo, ou seja, esse
conhecimento não é empírico. Eu sei isso apenas pensando sobre o que é dois e o que é
a operação de somar, de modo que eu justifico que dois mais dois é quatro apenas
pensando sobre isso, eu justifico a priori. Mas imagina agora que esse gênio maligo é
tão do mal que até isso ele nos faz errar. Toda vez que pensamos sobre dois mais dois
ele, por pura maldade, resolve nos fazer enganar e dizer que é quatro. E ele é tão bom
em cobrir seus passos que jamais saberíamos que estamos sendo enganados. E aí?
Como poderíamos ter certeza sobre os próprios cálculos da matemática, que seria um
refúgio para nossas certezas mesmo se estivéssemos sonhando?
Se podemos nos enganar, de acordo com o método proposto por Descartes, devemos
recusar. Estamos na tarefa de procurar algo que seja conhecido por nós de modo claro e
distinto, que nenhum cético poderia atacar. Eis que o Descartes propõe o seu famoso
Cogito. Vejamos as palavras dele:
“Resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu
espírito não eram mais verdadeira que ilusões de meus sonhos. Mas logo em seguida
adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria
necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade,
eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes
suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem
escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava.”
O mesmo que acontece com a famosa frase “ser ou não ser, eis a questão” de
Shakespeare, o cogito cartesiano, expresso pela frase “penso, logo existo”, se tornou
um marco da literatura. No entanto, ainda que muito divulgado e difundido, poucas
pessoas o compreendem de verdade. O cogito visa ser a pedra fundamental de todo o
conhecimento. A ideia de Descartes é que se algo faz perguntas, questiona, então pensa.
E se essa coisa pensa, podemos inferir que ela existe – visto que seria necessário que
existisse algo para pensar. É indubitável que quando estamos questionando nossas
justificativas para todo o conhecimento, quando estamos recusando tudo aquilo que
podemos ter dúvidas, nós estamos pensando. Portanto, se estamos pensando, então
existimos. Esta conclusão de Descartes seria conhecida de modo claro e distinto, algo
que nenhum cético poderia pôr em dúvida. O cogito seria assim o princípio filosófico, o
alicerce, para suas investigações.
Com o cogito Descartes também defende sua primeira principal tese: nós somos
essencialmente uma substância pensante. O que nos torna existentes é a nossa
capacidade de pensar, não termos ou não um corpo. Ou seja, ser um corpo não é parte
da minha essência.
Mas o que nos assegura que o cogito está correto? Pelo fato de que ele é uma ideia clara
e distinta, que vemos sua veracidade apenas ao pensar nela. Sempre que percebemos
algo deste modo, ficamos certos de sua verdade. No entanto, se pensarmos sobre os
objetos materiais e todas suas propriedades, Descartes afirma que as únicas coisas que
conhecemos de modo claro e distinto são suas formas, tamanho e movimento. Eis que
Descartes chega a sua segunda tese: a matéria é extensão em movimento.
Mas o que nos assegura que tudo o que reconhecemos como “claro e distintamente” é
verdadeiro? A existência de Deus, que assegura minha existência como substância
pensante. Portanto, Descartes fica obrigado a estabelecer a existência de Deus.
Deus, por definição, é um ser perfeito. Para ser perfeito, um ser deve incluir em si todas
as perfeições. A existência parece ser uma perfeição. Pois pense, por exemplo, na
extrema bondade, ou perfeição moral. Um ser que não existe não pode ser bondoso, pois
a bondade implica que ele seja moralmente correto, e um ser inexistente não pode ser
moralmente correto – um ser inexistente não age, não tem ações que possam ser corretas
o incorretas. A perfeição moral implica, deste modo, que algo precisa existir para que
possa ser moralmente perfeito. Assumimos que Deus é um ser que tem em si todas as
perfeições, o que inclui a perfeição moral. Portanto, para que Ele seja moralmente
perfeito, Ele deve existir.
Com esses dois argumentos Descartes pensa que estabelece a existência de Deus. Como
vimos, estabelecer que existe um Deus bondoso garante, de acordo com Descartes, que
quando reconhecemos algo de modo claro e distinto nós estamos justificados em
acreditar que isso é verdadeiro. Isso permite que aceitemos o cogito como fundamento
para nosso conhecimento.
Quando Descartes procura por um fundamento último para todo o nosso conhecimento,
ele assume que todo conhecimento que obtemos da experiência são passíveis de erros.
Com o argumento do sonho e do gênio maligno ele supõe que, não importa o que
façamos, os nossos conhecimentos do mundo externo sempre podem ser falsos. Nada
nos garante que não estejamos sonhando ou que não haja um gênio maligno. Desse
modo, ao fundamentar o conhecimento, Descartes procura um conhecimento que
sejamos capazes de justificar a priori. Ou seja, um conhecimento que não precisamos
usar da experiência para sabermos que é verdadeiro. Como vimos, ele encontra no
Cogito esse fundamento. No entanto, ao recusar que um conhecimento empírico possa
ser o fundamento de todos os nossos conhecimentos, Descartes inaugura uma das
principais correntes filosóficas da modernidade. Nomeadamente, ele funda o
“racionalismo”. O racionalismo é a tese de que a razão, e não os sentidos, tem papel
fundamental no processo de adquirir conhecimentos substanciais acerca da realidade.
Como veremos a frente, o racionalismo opõe ao chamado “empirismo”, que é a tese
exatamente oposta, isto é, que nossos sentidos tem o papel predominante na aquisição
de conhecimentos substanciais acerca da realidade. Dito em outro modo, para o
racionalismo o fundamento de toda a nossa estrutura de conhecimento se funda em
conhecimentos a priori; enquanto que para o empirismo essa estrutura de conhecimento
é fundamentada em conhecimentos empíricos, ou a posteriori.
Para entendermos Descartes precisamos ter sempre em nossa cabeça cinco coisas: (1)
Seu objetivo; (2) O método cartesiano; (3) O que é o Cogito e como Descartes o
fundamenta; (4) A distinção mente-corpo; (5) O racionalismo.
(1) Seu objetivo
Temos o objetivo e o método que ele usará. O Cogito, enfim, é o fundamento do nosso
conhecimento tal como propõe Descartes. A ideia é que seria impossível algo pensar e
não existir. Essa afirmação seria indubitável até mesmo para um cético. Como ele
fundamenta o Cogito? Essa parte podemos subdividir em três perguntas: (a) O que
garante que o Cogito está correto? O fato de conhecermos ele de modo claro e distinto.
(b) O que me assegura o princípio de que qualquer coisa que eu veja clara e
distintamente é verdadeiro? A existência de um Deus benevolente. (c) Mas o que nos
garante que Deus existe? Os argumentos ontológicos.
Descartes, ao chegar no Cogito, afirma que o que garante nossa existência é sermos
seres pensantes. Isso seria parte de nossa essência; não o nosso corpo. Além disso,
quando voltamos nossa atenção para objetos materiais, nós não conhecemos – de modo
claro e distinto – nada além de certas propriedades como forma, tamanho e movimento.
Logo, a matéria é caracterizada como extensão em movimento.
(5) O racionalismo
Para Descartes, toda afirmação que só podemos conhecer através da experiência (ou
seja, empiricamente) pode ser posta em dúvida. Sempre haverão argumentos céticos.
Deste modo, para fundamentar todo o nosso conhecimento, precisamos nos assegurar de
modo inquestionável da verdade desse princípio primeiro. Só podemos garantir a
veracidade, fugindo dos argumentos céticos, de afirmações que podemos conhecer sem
o auxílio da experiência (ou seja, conhecer a priori). Portanto, o fundamento para todo e
qualquer conhecimento substancial sobre a realidade será fornecido apenas pela razão
pura, e não pelos sentidos.