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7 — Introdução
Uma primeira fase, política, em que a forma lei, presumidamente expressão da vontade geral e
portanto justa, justifica e fundamenta os tributos.
Uma terceira fase, típica da cada vez maior participação dos cidadãos no governo, em que a
democracia deixa de ser meramente formal para pretender ser uma democracia participada: e
em que se sabe que a lei só é Direito quando for justa. E que para atingir essa justiça não basta
uma sempre indemonstrável vontade geral, mas sim um conteúdo de justiça.
Este conteúdo de justiça tem como pressuposto e como fundamento, primeiro, o respeito e a
prossecução dos direitos da personalidade; segundo, a participação dos cidadãos; terceiro, a
obediência aos grandes princípios do Estado de Direito social.
Vamos, com base na Constituição Portuguesa, definir e estabelecer os traços fundamentais de
cada uma destas três fases. Não nos esquecendo que elas não se vão substituindo, mas
coexistindo, cada uma delas progressivamente aprofundada em virtude das novas exigências
que lhe são postas pelo princípio democrático e pela dimensão da pessoa em si mesma e em
relação com os outros.
A) PRIMEIRA FASE
A AUTO-TRIBUTAÇÃO
A primeira fase dos princípios fundamentantes do Direito tributário integra uma resposta
política assente nas ideias do liberalismo constitucionalista enraízado no iluminismo francês do
século XVIII. Assenta no princípio da autotributação e reduz-se a este, desenvolvido e
aprofundado com os tempos.
O contrato social transferia um conjunto de direitos e de regalias para o Estado. Este
manifestava a sua vontade através de órgãos, sobretudo através do Parlamento que era o
órgão eleito por excelência, a sede do princípio democrático e representativo. Os
representantes do povo presentes no parlamento exprimiam a vontade dos eleitores. Eram os
eleitores, na mesma perspectiva, que acabavam por se tributar a si mesmos, definindo os
impostos que queriam pagar, como e em que termos os iam pagar. Haveria portanto um Direito
fiscal-como-os-outros, por todos os ramos do Direito serem justificados pela vontade popular
expressa na forma lei.
Tanto a Administração como os Tribunais supostamente não podiam, nem tinham possibilidade,
de interferir com a vontade popular, distorcendo-a. O administrador só tinha que obedecer à lei,
em termos de ser um mero autómato da lei. (3) Todo o Direito fiscal estaria nas leis fiscais, em
termos de sistema auto-suficiente. Consistindo a tarefa do jurista numa mera exegese, na
análise gramatical de um texto. Os tribunais não seriam competentes para regular ou controlar
o governo ou a administração, sendo a administração que, em última análise, e a pedido do
contribuinte, se julgava a si própria.
Quando havia órgãos (semi judiciais) destinados a dirimir conflitos tributários, eram órgãos da
administração pública. Em França o Supremo Tribunal Administrativo ainda hoje chama
Conselho de Estado, por ser na sua origem um conselho composto por altos funcionários
públicos para controlar a administração. Assim, numa primeira fase só encontramos a garantia
política da auto-tributação. Desenvolvida e aprofundada, primeiro através dos princípios da
tipicidade dos impostos e da tipicidade fechada; depois, através de regras sobre a aplicação das
leis no tempo, no espaço, etc. Proibiu-se a retroactividade das normas tributárias. Mas bastava
assegurar a conformidade formal da lei à vontade do povo (auto - tributação) e a aplicação
formal da lei conforme a sua letra, sem intermediação da administração ou de outro intérprete
(tipicidade fechada dos impostos). Em termos de estreito legalismo positivista.
Este princípio é desenvolvido através da tipicidade e da tipicidade fechada dos impostos: todos
os elementos necessários à caracterização e à aplicação dos impostos devem estar criados pela
lei e ser previstos por ela. Consagra-se no n.° 3 um direito de resistência quanto aos impostos
inconstitucionais e também quanto aos impostos ilegais em termos de liquidação e de cobrança.
Direito que tem sido ignorado pelos autores e pela jurisprudência que continuam a reservar
para o Estado, através dos seus órgãos próprios, os tribunais, a competência exclusiva para
determinar a inconstitucionalidade e ilegalidade dos impostos.
Na revisão de 1997 incluiu-se no n.° 3 a proibição da retroactividade dos impostos. Esta já vinha
sendo defendida pela doutrina e pela jurisprudência.
Pouco a pouco, a concepção descrita de Estado e de lei foi caindo, mesmo nos discursos mais
interessados. O Estado não é aquela organização ao serviço do bem público, manifestando a
vontade popular, porta-voz dos interesses do povo, nem ele nem os seus órgãos. O parlamento
só é porta-voz dos interesses que lá estão sedeados. E mesmo dentro de cada partido há
interesses contraditórios. Cada vez menos os cidadãos se sentem representados pelos seus
parlamentos. A este desencanto do Estado é contemporânea a necessidade de completar o
princípio político com um conteúdo garantístico. A matéria de impostos deixou de ser matéria
só política, deixada ao princípio da representação popular, para estar submetida, em grau
variável e sempre evolutivo ainda hoje, a dois princípios fundamentantes: controlo da
actividade administrativa; segurança procedimental.
B) SEGUNDA FASE
Criaram-se tribunais fiscais ou independentes com competência plena para julgar os actos
tributários, mesmo a constitucionalidade das leis de impostos. E começou-se a exigir aos juízes
que fossem um pouco mais do que simples aplicadores da lei (como, apesar de tudo, ainda
continuam a querer ver-se); mas alguém que descobre a justiça dentro da lei. Os juízes, não se
querendo assumir como criadores da justiça no Direito, passaram a usar a hermenêutica
jurídica e o correcto processo judicial para descobrir no fim da aplicação da lei uma justiça —
nunca encontrada.
Uma das primeiras fases foi a fundamentação expressa dos actos administrativos tributários,
como meio de tornar a administração transparente em relação aos contribuintes, deixando de
ser a administração oculta e autoritária — pelo menos a nível dos princípios — do século XIX e
da primeira metade do século XX.
Mas, na prática — e porque não, também nos princípios — mantinha-se o legalismo positivista,
só com maiores exigências quanto à interpretação/aplicação da lei.
O artigo 266.°, para além de fixar o princípio da legalidade da administração, determina que os
órgãos e agentes administrativos devem actuar no exercício das suas funções com respeito
pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Ou seja, promove-se uma administração pública ao serviço do interesse geral e da lei, e não
titular de interesses próprios. Princípio que é desenvolvido no artigo 269.° ao determinar que
os trabalhadores da administração pública e demais agentes do Estado e outras entidades
públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público tal como é definido, nos termos
da lei, pelos órgãos competentes da administração. O artigo 268.° estabelece direitos e
garantias dos administrados, entre os quais: o direito de informação; o direito de acesso aos
arquivos e registos administrativos; a notificação dos actos administrativos; e a tutela
jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.