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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Curso de Direito

RESPONSABILIDADE CIVIL NAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS


APÓS DECISÃO DO STF SOBRE A ADI 4815

REGINA MARIA HORI

Rio de Janeiro

2017
1

REGINA MARIA HORI

RESPONSABILIDADE CIVIL NAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS


APÓS DECISÃO DO STF SOBRE A ADI 4815

Artigo Científico Jurídico apresentado à


Universidade Estácio de Sá, Curso de Direito,
como requisito parcial para conclusão da
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso.

Orientadora: Prof.ª Fabrícia C. Estrella F. Pereira

Rio de Janeiro

Campus João Uchôa

2017
2

RESUMO

A decisão unânime do STF, em 10/06/15, pela liberação das biografias não autorizadas pode
influenciar na votação do Senado sobre o PL 393/2011. A ausência de obrigatoriedade da
autorização prévia para a publicação das biografias, não impede que a pessoa que foi atingida
em sua honra, boa fama ou respeitabilidade requeira a exclusão do trecho que lhe foi ofensivo
em edição futura da obra, além de indenização e da ação penal cabíveis. A emenda
correspondente ao novo §3º do art. 20, do Código Civil certamente aumentará a demanda de
ações de responsabilidade civil em face dos autores e respectivos editores de livros que
publiquem biografias cujo conteúdo seja ofensivo. Mas agora somente após a publicação da
obra é que o judiciário poderá intervir. O objetivo é analisar a questão da responsabilidade
civil nas biografias não autorizadas, após a decisão unânime do STF sobre a ADI 4.815/12,
ajuizada pela Associação dos Editores de Livros, questionando a constitucionalidade dos
artigos 20 e 21 do Código Civil.

Palavras-chave: Direito Civil. Responsabilidade Civil. Biografias não Autorizadas.


Liberdade de Expressão. ADI 4.815/12. PL 393/2011.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1. Histórico da lide; 2.2. Controvérsia entre os incisos


IX e X do artigo 5º da CF; 2.3. Aumento do número de biografias e demandas jurídicas; 2.4.
Alterações no artigo 20 do Código Civil quanto às biografias. 3. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objeto principal analisar a


questão da responsabilidade civil nas biografias não autorizadas, após a decisão unânime do
STF – Supremo Tribunal Federal sobre a ADI 4.815/12, ajuizada pela ANEL – Associação
3

Nacional dos Editores de Livros, questionando a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do


Código Civil.
O trabalho será desenvolvido através de três objetivos específicos:
contraposição dos incisos IX e X do art. 5º da CRFB/88 para identificar se e/ou quando
existiria controvérsia entre os mesmos; análise do impacto no número de biografias e de
demandas jurídicas com a possível alteração do art. 20 do Código Civil; e levantamento das
possibilidades jurídicas de defesa dos interesses de autores/editores e de biografados e seus
herdeiros.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, diz que é garantida a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas e que
qualquer dano causado pela sua violação, deverá ser reparado por indenização. Em
contraponto, tem-se o art. 5º, inciso IX, da Carta Magna, que proclama que é proibida a
censura e que não é necessária licença especial para exercer as liberdades reconhecidas pelo
direito, ou seja, é garantida a liberdade de expressão artística, intelectual, científica e de
comunicação. Mas vale ressaltar que a inadmissibilidade de censura prévia não impede a
responsabilização posterior pelos abusos civis e criminais que possam ter sido cometidos.
Com a decisão unânime do STF pela liberação das biografias não autorizadas,
aumentam as chances de que a votação do Senado sobre o PL 393-C/2011 será favorável à
alteração do artigo 20 do Código Civil. Desta forma, surgem as seguintes questões: se
estariam os biografados, ou seus herdeiros no caso de ausência destes, fadados à derrota nas
possíveis demandas jurídicas sobre tais publicações; e se os autores e editores dessas
biografias estariam com “carta branca” da lei para escrever e publicar qualquer imagem sobre
qualquer pessoa sem serem responsabilizados.
A abordagem da pesquisa tem caráter qualitativo, pois busca entender e
levantar possibilidades em questão controversa do direito, para defesa dos interesses das
partes. Para tanto, faz-se necessário examinar os pontos levantados por cada uma das partes,
pesar os prós e os contras de cada uma das possibilidades, a fim de encontrar o meio termo
para resolver a questão.
O objetivo será exploratório, uma vez que com a possível mudança do art. 20
do Código Civil, tem-se pouco conhecimento acumulado e sistematizado. Neste caso, deve-se
recorrer a publicações específicas sobre o tema, além de bibliografia básica sobre a legislação
pertinente.
O procedimento será bibliográfico, tendo em vista que será necessário recorrer
a material publicado em várias plataformas, sejam físicas ou virtuais, além de doutrina e
4

jurisprudência sobre o assunto. Para isso, faz-se necessário determinar quais serão as fontes de
consulta que serão analisadas, para que as informações sejam interpretadas objetivando
embasar o desenvolvimento deste trabalho.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. HISTÓRICO

De autoria do deputado Newton Lima (PT-SP) o PL 393/2011 foi aprovado na


Câmara1 dos Deputados em 06/05/14. Esse Projeto de Lei altera o caput do art. 20 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil2, para garantir a liberdade de expressão,
informação e o acesso à cultura. Essa alteração no Código Civil visa garantir a divulgação de
imagens e informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública, cuja trajetória
pessoal tenha dimensão pública ou cuja vida esteja inserida em acontecimentos de interesse da
coletividade.
Inspirado no projeto de lei nº 3.378/08, que ficaria conhecido como Lei das
Biografias, do então deputado federal Antônio Palocci Filho, que recebeu parecer favorável,
nos termos do relatório oferecido pelo, na época, deputado federal, José Eduardo Cardozo, na
Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania3 (CCJ ou CCJC), mas que, ao final da 53ª
legislatura da Câmara dos Deputados (01/02/2011), foi arquivado; o PL 393/2011 foi
apresentado em 15/02/2011 para apreciação do Plenário, em regime de urgência, conforme
art. 155 do RICD – Regimento Interno4 da Câmara dos Deputados –, cujo texto possibilita a
inclusão automática na Ordem do Dia5 para discussão e votação imediata, ainda que iniciada a
sessão em que for apresentada, proposição que verse sobre matéria de relevante e inadiável

1
Poder Legislativo que desempenha as funções de representar o povo brasileiro, legislar sobre assuntos de
interesse nacional e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. A Câmara dos Deputados é composta de
representantes de todos os Estados e do Distrito Federal.
2
Conjunto de normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito
privado, com base na Constituição Nacional.
3
As comissões permanentes são previstas pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 58, cuja redação define
suas competências. Conforme determina o art. 53 do Regimento Interno da Câmara, antes de uma proposição ser
aceita, independentemente do tema, ela precisa ser apreciada pela CCJ, para que seja avaliada em relação à sua
constitucionalidade, bem como se ela se encontra em conformidade com os princípios de nosso sistema jurídico.
4
Conjunto de normas que regem o funcionamento da instituição.
5
Fase da sessão plenária destinada à discussão e à votação das propostas.
5

interesse nacional, a requerimento da maioria absoluta6 dos Deputados, desde que não estejam
em tramitação duas matérias em regime de urgência, em razão de requerimento aprovado pelo
Plenário7.
A proposta, cujo texto original visava ampliar a liberdade de expressão,
informação e o acesso à cultura, publicada no Diário da Câmara dos Deputados em
16/02/2011, foi despachada em 30/03/2011 pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados,
para apreciação conclusiva, em regime ordinário, pela Comissão de Educação e Cultura8
(CEC), nos termos do art. 24, II, do Regimento Interno, quanto ao mérito cultural da matéria,
e, também, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) conforme art. 54
do Regimento Interno, quanto à constitucionalidade ou juridicidade da matéria. Nessa mesma
data, foi anexado o PL 395/2011, da deputada Manuela D'ávila (PC do B-RS), propondo que
o texto original da proposta fosse modificado visando garantir a liberdade de expressão,
informação e o acesso à cultura.
A proposição foi recebida pela Comissão de Educação e Cultura em
01/04/2011, com publicação do PL 395/2011 no Diário da Câmara dos Deputados, para que
fosse apenso ao PL 393/2011 a fim de que a proposta fosse apreciada conclusivamente pelas
Comissões, em tramitação ordinária. Em 19/05/2011 foi designado como relator da Comissão
de Educação e Cultura, o deputado Emiliano José (PT-BA). Em 01/06/2011 foi apensado o
PL 1.422/2011, do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ), que visa garantir a liberdade de
expressão, informação e o acesso à cultura, reavivando o proposto no PL 3.378/08, arquivado
em 01/02/2011. Não foram apresentadas emendas dentro do prazo regimental (24/05/2011 até
07/06/2011).
Em 16/11/2011 o relator da Comissão de Educação e Cultura apresentou o seu
parecer favorável aos Projetos de Leis números 393/2011; 395/2011, e 1422/2011, com
substitutivo. Não foram apresentadas emendas dentro do prazo regimental (18/11/2011 até
29/11/2011). A Comissão de Educação e Cultura, em reunião ordinária realizada em
07/12/2011, aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei nº 393/2011, o PL 395/2011, e o PL
1422/2011, apensados, com substitutivo, nos termos do Parecer do Relator, Deputado
Emiliano José.

6
São 258 deputados, pois de acordo com o art. 1º, da LC nº 78/93, o número de deputados federais não
ultrapassará 513.
7
Órgão máximo de deliberação da Casa.
8
Além da CCJ, também deverá ser apreciada pela Comissão de Finanças e Tributação e pela Comissão a qual
corresponda o tema da proposição. A CEC opinará sobre a matéria, e só depois será submetida à discussão e
votação em Plenário. A opinião da CEC pode ser favorável, desfavorável ou com sugestão de modificações.
6

Em 07/12/11 o PL 393/2011 foi recebido pela Comissão de Constituição e


Justiça e de Cidadania, com as proposições PL 395/2011, PL 1422/2011 apensadas. Publicado
no Diário da Câmara dos Deputados de 16/12/2011. Designado Relator, Deputado Alessandro
Molon (PT-RJ). Não foram apresentadas emendas dentro do prazo regimental (20/12/2011 até
08/02/2012). Em 28/03/2012 foi apresentado o Requerimento nº 68/2012, pelo Relator,
requerendo a realização de Audiências Públicas para debater sobre a constitucionalidade do
Projeto de Lei nº 393/2011. O Requerimento foi aprovado em 10/04/2012.
Em 28/11/2012 o relator da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania
apresentou o seu parecer pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa dos
Projetos de Leis números 393/2011; 395/2011, e 1422/2011, apensados nos termos do
substitutivo da Comissão de Educação e Cultura. A Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, em reunião ordinária realizada em 12/03/2013, concede vista conjunta, até o dia
14/03/2013, a um grupo de Deputados e a discussão é encerrada em 20/03/2013. Concedido
prazo ao relator nos termos do art. 57, XI, do Regimento Interno. Em 02/04/2013 foi provado
parecer do Relator, Deputado Alessandro Molon, sendo publicado no Diário da Câmara de
Deputados de 05/04/2013.
Após aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deveria
ter seguido diretamente para apreciação no Senado. Porém, um recurso apresentado dentro do
prazo regimental (08/04/2013 até 18/04/2013), obrigou que a matéria fosse submetida à
votação do plenário.
O Recurso nº 195/2013, do deputado Marcos Rogério (PDT-RO) e mais 71
deputados, foi apresentado em 17/04/2013, cuja justificativa baseou-se no art. 58, §2º, I, da
Constituição Federal, c/c os artigos 58, § 1º e 132, § 2° do Regimento Interno, contra
apreciação conclusiva das Comissões sobre o Projeto de Lei nº 393 de 2011. Publicado no
Diário da Câmara de Deputados de 24/04/2013
No plenário, um grupo de deputados apresentou Requerimento de Urgência nº
8.874/2013, requerendo com base no art. 155 do Regimento Interno, regime de urgência na
apreciação do PL 393/2011. Os deputados acrescentaram uma emenda de autoria do Deputado
Ronaldo Caiado, um dos deputados que assinou o Recurso 195/2013, que prevê que a pessoa
que se sentir atingida em “sua honra, boa fama ou respeitabilidade” poderá requerer, por meio
dos juizados especiais cíveis e criminais, a exclusão do trecho ofensivo à reputação na
reprodução “futura das obras”.
Em 22/04/2014 foi aprovado o Recurso nº 195/2013, contra a apreciação
conclusiva das Comissões (art. 58, § 1º c/c art. 132, § 2º, RICD). Também foi aprovado, por
7

unanimidade, o Requerimento nº 8.874/2013, alterando o regime de tramitação para a


apreciação do PL 393/2011, para o regime de urgência.
Em 06/05/2014, discussão, em turno único, do Projeto de Lei nº 393-B, de
2011, e dos de números 395/11 e 1.422/11, apensados, na forma do substitutivo da Comissão
de Educação e Cultura. O projeto foi emendado. Foram apresentadas as Emendas de Plenário
de números 1, 2 e 3. Designado Relator, Deputado Raul Henry (PMDB-PE), para proferir o
parecer pela Comissão de Cultura. Parecer às Emendas de Plenário proferido em Plenário pelo
Relator, pela Comissão de Cultura, que conclui pela aprovação na forma da Subemenda
Substitutiva Global apresentada. Parecer às Emendas de Plenário proferido em Plenário pelo
Relator, Deputado Alessandro Molon (PT-RJ), pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, que conclui pela constitucionalidade, juridicidade e adequada técnica legislativa na
forma da Subemenda Substitutiva Global apresentada pelo Relator da Comissão de Cultura.
Votação em turno único. Aprovada a Subemenda Substitutiva Global
apresentada pelo Relator da Comissão de Cultura ao Projeto de Lei nº 393 de 2011. Em
consequência, ficaram prejudicados o projeto inicial, o Substitutivo da Comissão de Educação
e Cultura e os Projetos de Lei números 395/11 e 1.422/11.
Aprovada a Redação Final assinada pelo Relator, Deputado Alessandro Molon,
da, agora, PL 393-C/2011, cujo artigo 20 passa a vigorar acrescido dos parágrafos 2º e 3º,
renumerando-se o atual parágrafo único para parágrafo 1º. O parágrafo 2º determina que a
ausência de autorização citada no caput do artigo 20, não impede a divulgação de imagens,
escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou
profissional tenha dimensão pública ou que esteja inserida em acontecimentos de interesse da
coletividade.
Já o parágrafo 3º trata da consumação da divulgação sem autorização. Nessa
hipótese, a pessoa que se sentir atingida em sua honra, boa fama ou respeitabilidade poderá
requerer, mediante o procedimento previsto na Lei nº 9.0999, de 26 de setembro de 1995, a
exclusão de trecho que lhe for ofensivo em edição futura da obra, sem prejuízo da indenização
e da ação penal pertinentes, sujeitas essas ao procedimento próprio.

9
Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
8

Remetida ao Senado Federal10 em 12/05/2014, por meio do Ofício nº


778/14/SGM-P, continua aguardando apreciação, nos termos do caput do art. 65 da
Constituição Federal combinado com o art. 134 do Regimento Comum.
Em 10/06/2015, o Supremo Tribunal Federal11 julgou procedente, por
unanimidade, a Ação Direta de Inconstitucionalidade12 (ADI) 4815 e declarou inexigível a
autorização prévia para a publicação de biografias. Na ADI 4815, a Associação Nacional dos
Editores de Livros (ANEL) sustentava que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam
regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação.
A decisão que declara a inconstitucionalidade de uma lei tem eficácia genérica,
válida contra todos e obrigatória. A lei também diz que se gera o efeito vinculante em relação
aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, que
não podem contrariar a decisão. Ocorrem ainda efeitos retroativos, ou seja, quando a lei é
declarada inconstitucional, perde o efeito desde o início de sua vigência. A decisão do STF
passa a surtir efeitos imediatamente, salvo disposição em contrário do próprio tribunal.
Quando a segurança jurídica ou excepcional interesse social estiverem em jogo, o STF poderá
restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir do trânsito em julgado ou num outro momento a ser fixado. Essa decisão depende da
aprovação de dois terços dos ministros13.

2.2. CONTROVÉRSIA ENTRE OS INCISOS IX E X DO ARTIGO 5º DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso X, diz que são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

10
O Poder Legislativo no Brasil é exercido pelo Congresso Nacional, em sistema bicameral, ou seja, é formado
por duas Casas: o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. O Senado Federal compõe-se de representantes
dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.
11
É o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme
definido no art. 102 da Constituição da República.
12
Ação que tem por finalidade declarar que uma lei ou parte dela é inconstitucional, ou seja, contraria a
Constituição Federal. A ADI é um dos instrumentos daquilo que os juristas chamam de “controle concentrado de
constitucionalidade das leis”. Em outras palavras, é a contestação direta da própria norma em tese. Uma outra
forma de controle concentrado é a Ação Declaratória de Constitucionalidade. O oposto disso seria o “controle
difuso”, em que inconstitucionalidades das leis são questionadas indiretamente, por meio da análise de situações
concretas.
13
Portal do Supremo Tribunal Federal.
9

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Em contraponto, tem-se
o art. 5º, IX, da Carta Magna, que proclama ser livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Quando surge um conflito entre normas, utilizam-se os critérios clássicos de
solução das antinomias jurídicas, que são: hierárquico (lei superior revoga lei inferior);
cronológico (lei posterior revoga lei anterior) e de especialidade (lei especial revoga lei geral).
Entretanto, quando os conflitos encontram-se na Constituição, deve-se usar a Ponderação
entre Princípios Constitucionais.
Dentre os Princípios Fundamentais elencados nos incisos do art. 1º do texto
constitucional, está a dignidade da pessoa humana, que constitui um valor único e individual,
que não pode ser violado por conta de interesses coletivos. Esse princípio norteador do Estado
Democrático de Direito, impondo limites para que a pessoa não seja tratada de forma
desumana ou degradante, que a resguarde de atos arbitrários, não importando o agente, além
de conferir proteção para alcançar condições mínimas de sobrevivência. Tal princípio tem
como extensão os direitos e garantias fundamentais, onde estão os direitos individuais,
coletivos, sociais, políticos e econômicos.
Seguindo esse raciocínio, verifica-se que a proteção à imagem deve ser
ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente no que diz
respeito ao acesso à informação e da liberdade de imprensa. No caso de conflito, leva-se em
consideração a notoriedade do retratado e dos fatos abordados e, também, a veracidade dos
mesmos, além da finalidade da sua utilização (comercial, informativa, biográfica),
favorecendo-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações (Enunciado 279 do
CEJ – Centro de Estudos Judiciários - IV Jornada Direito Civil14 - CJF - Conselho de Justiça
Federal).
Analisando o inciso X do art. 5º da CF, tem-se a garantia da inviolabilidade da
vida privada, ou seja, onde a intimidade da pessoa está resguardada por lei. Entende-se que
imagem e honra são determinantes para a identificação do indivíduo na sociedade, logo
qualquer dano causado pela violação desses direitos, deverá ser indenizado.
Já o inciso IX preconiza a liberdade de expressão, sem necessidade de licença
especial e também diz ser inadmissível a censura, fato este que não afasta a responsabilidade
futura pelos eventuais abusos cometidos nas esferas civis e criminais.

14
As Jornadas de Direito Civil são uma realização do Conselho da Justiça Federal e do Centro de Estudos
Jurídicos do CJF. Nestas jornadas, compostas por especialistas e convidados do mais notório saber jurídico, são
elaborados enunciados de Direito Civil, baseados sempre no Código Civil/2002 e que buscam uma melhor
interpretação de seus dispositivos.
10

Na esfera internacional, temos o Pacto Internacional dos Direitos Civis e


Políticos, aprovado em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas; e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), assinada após a
Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José, Costa Rica,
em 22 de novembro de 1969, vigorando internacionalmente desde 18 de julho de 1978.
Ambos foram ratificados no Brasil, respectivamente em 24/01/1992 e em 25/09/1992. Desta
forma, por força do parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 198815, esses
tratados incluem-se nos direitos e garantias constitucionais.
O artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 13
do Pacto de San José da Costa Rica, tratam da Liberdade de Pensamento e de Expressão.
Conforme verificado nas normas brasileiras e internacionais, a liberdade de
expressão é amplamente garantida, uma vez que integra o texto de tratados extremamente
importantes para os povos. Desta forma, qualquer lei que vise impedir a publicação de
biografias não autorizadas deve ser julgada inconstitucional, uma vez que estaria dissonante
com a nossa Constituição e com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Mas o fato de não ser necessário pedir autorização ao biografado ou aos seus
herdeiros e, também, por não caber censura prévia, não significa que um editor ou biógrafo
possa entender que pelo fato de determinada pessoa ser figura pública ela não teria direito à
inviolabilidade da sua vida privada, e que, assim, ele poderia publicar qualquer coisa,
inclusive mentiras ou fatos distorcidos que venham a ofender a imagem e/ou a honra do
biografado, e que não caberia qualquer ônus a essa conduta. Caso mentiras ou fatos
distorcidos venham a ser publicados, se o biografado ou herdeiros quiserem, cabe reparação
do dano moral, prevista nos artigos 186 e 927 do Código Civil, além do direito de resposta,
preconizado no inciso V, do art. 5º, da Constituição Federal16 e, ainda, aplicação do Código
Penal17 para tratar dos crimes de calúnia, difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos
artigos 138, 139 e 140 daquele diploma.

15
CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
16
É a Lei Maior de uma sociedade politicamente organizada. É o modo pelo qual se forma, se estabelece e
organiza uma sociedade.
17
É o conjunto de leis que visa a um só tempo defender os cidadãos e punir aqueles que cometam crimes e
infrações.
11

2.3. AUMENTO DO NÚMERO DE BIOGRAFIAS E DEMANDAS JURÍDICAS

Com a decisão unânime do STF pela liberação das biografias não autorizadas,
e a possível votação do Senado, sobre o PL 393-C/2011, alterando o artigo 20 do Código
Civil podem aumentar o número de biografias e, consequentemente, a demanda de ações por
biografados e por familiares destes.
O STF declarou a inconstitucionalidade parcial, afastando a interpretação que
possibilitava a censura prévia à publicação de qualquer obra literária ou áudio visual, mas o
biografado, ou qualquer pessoa citada em obra biográfica, continuará com a possibilidade de
buscar a reparação do dano causado a sua honra, mas o judiciário só poderá intervir após a
publicação de tal obra. Nesse caso, sobre a publicação de qualquer obra literária ou áudio
visual, o artigo 21 do Código Civil só terá aplicação para as edições futuras, ou seja, só
poderá impedir a publicação de edições futuras após a ocorrência do dano.
Não se pode, em nome do direito à privacidade, criar uma redoma protetora em
torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação sobre a sua imagem.
A liberdade de expressão foi garantida, mas cada caso será analisado
individualmente, a fim de verificar se as informações publicadas são falsas ou se foram
obtidas por meios ilícitos, casos em que cabem indenização e ação penal. Se as informações
forem públicas, verdadeiras ou ainda, se tiverem sido publicadas voluntariamente pelos
próprios agentes, não cabe apontar ofensa à intimidade ou a honra.
O fato de não ser mais necessária autorização prévia para publicar uma
biografia, indica que possivelmente ocorrerá o aumento de publicações, mas como não foi
afastada a possibilidade de ação por danos morais e até pelos crimes de calúnia, difamação e
injúria, certamente haverá um cuidado maior dos editores e biógrafos ao analisarem as fontes
de pesquisa, uma vez que no âmbito criminal, a pena pode chegar a dois anos de detenção.
Como exemplo, tem-se o caso da biografia “Roberto Carlos em detalhes18”, de
Paulo Cesar de Araújo19, lançada em 02/12/2006 pela Editora Planeta. Na véspera do
lançamento, Roberto Carlos se manifestou contra o livro: “Pra mim é muito estranho que
alguém lance mão desse patrimônio que é a minha história. A minha história é um patrimônio
meu!” Em janeiro de 2007, Roberto Carlos registra queixa-crime contra o autor e, dois dias

18
O autor, com base em pesquisa realizada ao longo de 16 anos, reuniu depoimentos de cerca de 200 pessoas
que fizeram parte da trajetória de Roberto Carlos, mas o artista não gostou de ver detalhes de sua vida íntima
publicados sem a sua autorização.
19
Jornalista, professor universitário, historiador, escritor e biógrafo brasileiro.
12

depois, entra com processo civil contra o autor e a Editora Planeta. Em 22/02/2007 foi
concedida liminar determinando a imediata interrupção da publicação, da distribuição e da
comercialização da biografia em todo o território nacional. Em 27/04/2007, em audiência de
conciliação presidida pelo juiz Tércio Pires na 20ª Vara Criminal da Barra Funda, em São
Paulo, foi assinado acordo que culminou na proibição e apreensão da biografia. O caso é
reaberto em 25/06/2007 e a advogada Deborah Sztajnberg20 apresenta, na 20ª Vara Cível do
Rio, a contestação de Paulo Cesar de Araújo pedindo a cassação da liminar que proibiu o
livro. Em 20/05/2014 é lançado o livro “O réu e o rei: minha história com Roberto Carlos em
detalhes21”, de Paulo Cesar de Araújo. Dez dias depois, o advogado de Roberto Carlos
anuncia que o artista não irá tomar medida contra “O réu e o rei”, pois este livro não é uma
biografia sua, mas sim uma autobiografia do autor; e ao contrário do livro anterior, não
contém invasão de sua privacidade e/ou injúrias ou difamações a sua pessoa”. Embora o STF
tenha decidido pela liberação das biografias não autorizadas, passados mais de dez anos, da
concessão da liminar que proibiu a publicação, a distribuição e a comercialização da biografia
em todo o território nacional, o autor ainda está buscando a liberação do livro “Roberto Carlos
em detalhes”.
Antes da censura imposta a biografia “Roberto Carlos em detalhes”, outra obra
que foi censurada dias antes da publicação, é a biografia “Estrela Solitária – Um brasileiro
chamado Garrincha22”, de Ruy Castro23. Censurada em 1995, sob alegação de violação aos
direitos de personalidade, a sentença de 1º grau foi reformada e a obra foi publicada em 1996,
recebendo o Prêmio Jabuti24 naquele ano, na categoria Livro do Ano de Não-Ficção. Dez anos
depois, o STJ condenou a editora Companhia das Letras por dano moral, ao pagamento de
cem salários mínimos, com juros de 6% ao ano desde a data do lançamento do livro, para cada
um dos 11 filhos de Garrincha, e por dano material em 5% sobre o total das vendas do livro,
com juros de 6% ao ano, contados a partir da citação das partes do processo. O autor
informou, na época, que durante três anos entrevistou pelo menos dez filhos de Garrincha e,

20
Advogada que reabriu o caso da biografia não autorizada do Roberto Carlos, autora do livro “Cala a boca já
morreu: a censura judicial das biografias”, lançado em 30/09/2015 pela Editora Multifoco.
21
Nessa obra, o autor defende a liberdade de expressão.
22
Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha ou Garrincha foi um jogador (ponta-direita) de futebol
brasileiro que se destacou por seus dribles desconcertantes apesar de ter suas pernas tortas.
23
É um jornalista, biógrafo e escritor brasileiro, reconhecido pela produção de biografias como O Anjo
Pornográfico (a vida de Nelson Rodrigues), Carmen (sobre Carmen Miranda) e de livros de reconstituição
histórica, como Chega de Saudade (sobre a Bossa nova), Ela é Carioca (sobre o bairro de Ipanema, no Rio) e A
Noite do Meu Bem (sobre o samba canção).
24
É o mais importante prêmio literário brasileiro. Lançado em 1959, foi idealizado por Edgard Cavalheiro
(escritor, editor, crítico literário e biógrafo brasileiro, sendo especialista em biografar o escritor Monteiro
Lobato) quando presidia a Câmara Brasileira do Livro.
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cinco dias antes da publicação, foi procurado por advogados dos herdeiros que alegavam
desconhecer a publicação. Castro disse ter perguntado a uma das filhas sobre qual trecho do
livro a teria ofendido, ao que ela respondeu não saber, pois não havia lido a obra.
Já os herdeiros de Carlos Imperial25, acompanham e aprovam todos os projetos
envolvendo o nome do pai. Maria Luíza e Marco Antônio, filhos de Imperial e de Rose
Gracie, já declararam que censurar qualquer coisa envolvendo Carlos Imperial é absurdo. Eles
deram carta branca para a biografia (“Dez! Nota Dez! Eu Sou Carlos Imperial, de Denilson
Monteiro26), o documentário e para o musical abordarem o lado bom e o lado ruim. Imperial
era um visionário, captava tendências do mundo artístico e identificava facilmente aqueles
que seriam sucesso. Também era conhecido por criar polêmicas, algumas de mau gosto, além
de cultivar, com orgulho, a fama de mulherengo devasso, portanto, não dava para, depois de
morto, transformar Carlos Imperial em santo.

2.4. ALTERAÇÕES NO ARTIGO 20 DO CÓDIGO CIVIL QUANTO ÀS BIOGRAFIAS


NÃO AUTORIZADAS

Havendo a alteração do art. 20, do Código Civil e o acréscimo dos parágrafos


2º e 3º ao mesmo, não estariam os biografados, ou seus herdeiros no caso de ausência destes,
fadados à derrota nas possíveis demandas jurídicas sobre tais publicações. Os biógrafos e
editores também não estariam com “carta branca” da lei para escrever e publicar qualquer
imagem sobre qualquer pessoa sem serem responsabilizados.
Biografia é a história escrita da vida de uma determinada pessoa. A palavra tem
origem etimológica nos termos gregos bios, que significa "vida" e graphein, que significa
"escrever". Biografar é apresentar uma recontagem cronológica dos principais fatos ocorridos
com uma pessoa. Geralmente, as biografias são sobre figuras públicas e reconhecidas
mundialmente, como por exemplo, artistas, escritores, políticos, cientistas, atletas, ou sobre
pessoas que deram uma contribuição importante, para o bem ou para o mal, para a história do
mundo, ou seja, é publicação de fatos já ocorridos.

25
Carlos Eduardo Corte Imperial, produtor artístico, produtor musical, personalidade do show business
brasileiro, compositor, jornalista, apresentador, marqueteiro, vereador pelo Rio de Janeiro nos anos 80.
26
Escritor e roteirista, autor de diversas biografias declarou em entrevista que sempre teve a autorização dos
familiares de seus biografados, embora só ficassem sabendo do conteúdo depois da noite de lançamento.
14

Atualmente, a interpretação literal dos artigos 20 e 21 do Código Civil, tem


motivado a proibição de biografias não autorizadas pelos biografados ou seu herdeiros (art.
20, parágrafo único, CC), uma vez que o texto legal determina a autorização prévia.
A regra existente no artigo 20 do Código Civil determina que a divulgação de
escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de
uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se forem destinadas a
fins comerciais. Somente nesses casos a divulgação poderia ser proibida, a não ser que o
titular ou seus herdeiros autorizassem, ou se as informações fossem necessárias à
administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.
O artigo 21 do Código Civil está em consonância com o artigo 5º, inciso X da
Constituição Federal, que consagra a inviolabilidade da vida privada, bem como a intimidade,
a honra e a imagem das pessoas, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Como existe muita confusão sobre os conceitos do que é privado e o que é
íntimo e, também, porque nenhuma legislação define o que é intimidade e privacidade, faz-se
necessário analisar etimologicamente para compreender o significado diverso pretendido pela
Constituição Federal.
Intimidade, qualidade do íntimo, palavra derivada do latim, intimus, um
superlativo de in, “em, dentro”. Tem o sentido de interior, íntimo, do que está nas entranhas,
ou seja, aquilo que é ligado ao interior da pessoa, seus desejos e pensamentos, algo
confidencial, secreto. Privacidade, do latim, privatus, significa privado, particular, próprio, ou
seja, aquilo que pertence a cada indivíduo e que ele decide compartilhar ou não. Dessa forma,
tem-se que intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas
relações familiares e de amizade, enquanto que vida privada envolve todos os demais
relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho,
de estudo, entre outros.
No caso de pessoas notórias, é lógico que o limite de privacidade e intimidade
torna-se menor do que o das pessoas comuns, uma vez que a história da vida daquelas
confunde-se com a história, na proporção em que ocorre o seu envolvimento com
determinado evento de interesse público.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XIV, assegura a todos o acesso
à informação, e, nos incisos IV e IX, determina que a liberdade de manifestação do
pensamento, da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação não
15

podem ser violadas, pois tratam-se de direitos e garantias fundamentais. A autorização prévia
pelo biografado ou seus herdeiros, nada mais é do que uma censura privada, e tal prática é
inconstitucional. Depois de muitos anos de regime de censura, a Constituição brasileira de
1988 trouxe em seu texto garantias para o Estado Democrático de Direito pudesse ser seguido
por todos, impedindo, principalmente, a censura pública que tantos males causou ao país. A
liberdade de expressão e informação está regulada principalmente nos artigos 5º, incisos IV,
IX, XIV e 220, §§ 1º e 2º da Carta Magna de 88.
O parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição Federal estabelece os limites
externos da liberdade de expressão e informação. A vedação ao anonimato assegura que o
agente que escreva ou publique qualquer coisa seja identificado, garantido, dessa forma, a
responsabilidade civil por danos materiais e/ou morais eventualmente causados a terceiros.
É lógico que os biógrafos e editores não podem abusar do direito de publicar as
biografias não autorizadas com informações falsas e ofensivas à honra dos biografados.
Nestes casos, caberá a aplicação da responsabilidade civil e penal daqueles que tenham escrito
e/ou publicado tais informações.
Todavia, não caberá qualquer ação indenizatória se tais informações forem
verdadeiras, mesmo que desabonadoras da imagem do biografado, bem como de versões
sobre fatos históricos controvertidos, que sejam divergentes dos defendidos pelo biografado
ou seus herdeiros. Também não cabe indenização por conta de opinião ou crítica sobre o
biografado, nem sobre qualquer situação que tenha sido divulgada pelo próprio ou seus
herdeiros. Tal raciocínio também deve ser aplicado às pessoas envolvidas nos acontecimentos
de interesse público ocorridos com o biografado.

3. CONCLUSÃO

Após o estudo comparativo entre os incisos IX e X do art. 5º da Constituição


Federal, identifica-se que, na realidade, não existe controvérsia entre os mesmos, uma vez que
não cabe censura prévia e nem licença especial para que particulares exerçam as liberdades de
expressão artística, intelectual, científica e de comunicação. Tais direitos não estão livres da
responsabilidade civil, e até criminal, sobre abusos que possam ter sido cometidos contra a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, sendo
passíveis de reparação por indenização.
16

Não importa se a pessoa é pública ou não, quando existe o conflito entre esses
direitos, o acesso à informação e a proteção à imagem, devem ser buscados no ponto de
equilíbrio entre esses princípios, a fim de que ocorra a convivência pacífica entre os mesmos.
A decisão pela inconstitucionalidade do art. 20 do Código Civil, proferida em
unanimidade pelo STF, foi parcial, pois foi afastada a interpretação que possibilitava a
censura prévia à publicação de qualquer obra literária ou áudio visual, mas o biografado, ou
qualquer pessoa citada em obra biográfica, continuará com a possibilidade de buscar a
reparação do dano causado a sua honra. A diferença após essa decisão reside no fato de que o
judiciário só poderá intervir após a publicação de tal obra. Nesse caso, sobre a publicação de
qualquer obra literária ou áudio visual, o artigo 21 do Código Civil só terá aplicação para as
edições futuras, ou seja, só poderá impedir a publicação de edições futuras após a ocorrência
do dano. A liberdade de expressão foi garantida, mas cada caso será analisado
individualmente, a fim de verificar se as informações publicadas são falsas ou se foram
obtidas por meios ilícitos, casos em que cabem indenização e ação penal.
É lógico que os biógrafos e editores não podem abusar do direito de publicar as
biografias não autorizadas com informações falsas e ofensivas à honra dos biografados.
Nestes casos, caberá a aplicação da responsabilidade civil e penal daqueles que tenham escrito
e/ou publicado tais informações. Todavia, não caberá qualquer ação indenizatória se tais
informações forem verdadeiras, mesmo que desabonadoras da imagem do biografado.
Desta forma, espera-se que o Senado vote o PL 393-C/2011 pela alteração do
parágrafo único e o acréscimo dos parágrafos 2º e 3º ao artigo 20 do Código Civil, para que o
entendimento se coadune com a Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

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Centro de Estudos Judiciários, 2012.
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estudos e documentos de trabalho, v. 30, p. 18-37, 2014.
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