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FRATURAS DIAFISÁRIAS DO ÚMERO

Fraturas diafisárias do úmero*


CLÁUDIO HENRIQUE BARBIERI1, NILTON MAZZER2, MARCELO MONTEIRO DE BARROS3

RESUMO SUMMARY
Foram estudados 58 pacientes, totalizando 59 fraturas Humerus shaft fractures
diafisárias (um caso bilateral) do úmero, dentre 93 aten- Fifty-eight patients (59 fractures, one case bilateral) with
didos no período 1983-1992. O estudo consistiu da revi- humerus shaft fracture were studied, from a group of 93 pa-
são retrospectiva dos prontuários e das radiografias ini- tients treated in a ten-year period (1983-1992). Retrospec-
ciais e finais. Foram levantados dados como característi- tive analysis of their medical records and radiographs, and
cas do acidente e da fratura, lesões associadas locais e/ou present state evaluation were performed. Data surveyed in-
sistêmicas, tipo de tratamento realizado, seguimento, evo- cluded the accident and fracture characteristics, local and
lução e condições de alta. Os pacientes foram vistos para systemic associated lesions, type of treatment employed, fol-
reavaliação clínica, estética e funcional, incluindo gonio- low-up and evolution, and discharge conditions. Patients were
metria do ombro e cotovelo e dinamometria da preensão reviewed for clinical, esthetic, and functional evaluation,
manual e da pinça bidigital. A maior parte das fraturas including measurement of shoulder and elbow range of mo-
fechadas (32) foi tratada incruentamente, grande parte tion, and hand grip and pinch strength. Most of the closed
das quais com “pinça de confeiteiro”. As fraturas expos- fractures (32) were treated conservatively, most with the U-
tas foram tratadas preferentemente com fixador externo, shaped plaster slab. Most of the compound fractures were
por período médio de 8,8 semanas, seguido, na maior parte treated with an external fixator for a mean period of 8.8 weeks,
dos casos, por outra modalidade de tratamento incruen- followed by another type of conservative treatment, mostly
to, como a “pinça de confeiteiro”, por mais algumas se- the U-shaped plaster slab, for a few more weeks. Surgical
manas. O tratamento cruento, sempre com placa e para- treatment with an AO plate and screws was performed in 21
fusos segundo o método AO, foi aplicado em 21 casos, mui- cases, most of which with local or systemic associated le-
tos dos quais com lesões locais ou sistêmicas associadas. sions. Results in general were good, with fractures uniting
Os resultados, de modo geral, foram bons, com consoli- within a reasonable period of time, and with functional re-
dação da fratura e recuperação funcional obtidas na gran- covery to normal in most cases, regardless of the treatment
de maioria dos casos, independentemente do tipo de tra- used. Radial nerve palsy occurred in six patients, being se-
tamento adotado. Paralisia radial ocorreu em seis pacien- condary to a severe compound fracture in one case, with seg-
tes, em um deles, secundária a fratura exposta grave, com mental loss of nerve tissue requiring postprimary, orthope-
perda segmentar de substância nervosa, que requereu tra- dic treatment by means of muscle transfers. In all but this
tamento ortopédico, na forma de transferência muscular, latter case, there was complete recovery of radial nerve func-
em tempo ulterior. Em todos os casos, com exceção deste tion within a mean of four months, with no need for nerve
último, houve completa recuperação da função do nervo exploration.
radial em período médio de quatro meses, sem necessida-
de de exploração do nervo. INTRODUÇÃO
As fraturas diafisárias do úmero prestam-se a diversas mo-
* Trab. realiz. no Serv. de Cirurg. do Memb. Sup. e da Mão e Microcirurg.,
dalidades de tratamento, muitos deles controversos, até mes-
Hosp. das Clín. de Ribeirão Preto. Disc. de Ortop. e Traumatol. da Fac.
de Med. de Ribeirão Preto – USP. mo conflitantes entre si, no que se refere à indicação. Parece
1. Professor Associado. existir consenso generalizado de que as fraturas isoladas do
2. Professor Assistente Doutor. úmero, sem lesões associadas, devam ser tratadas incruenta-
3. Médico Residente R3 (1992-1994). mente; as que envolvam lesões tegumentares, miotendíneas,
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vasculares e/ou nervosas, e que estejam associadas a fratu- das paralelas de proteção, como a fasciotomia, devem ser
ras em outros segmentos, devem ser tratadas cruentamen- instituídas(14).
te(12,16,18). As complicações decorrentes do tratamento incluem a in-
Muitos métodos de tratamento incruento foram introduzi- fecção e o retarde de consolidação. No que se refere à pri-
dos, podendo ser citados o gesso pendente(7), a “pinça de con- meira, medidas rigorosas de anti-sepsia e cuidadosa técnica
feiteiro(2,8,10), a férula de abdução umeral(30,31), o gesso tora- operatória podem minimizar sua freqüência. Quanto à se-
cobraquial, o gesso tipo Velpeau aberto(18), a tração esquelé- gunda, tem sido relatada menor freqüência quando associa-
tica(8), o brace funcional(28) e o fixador externo(5). da às osteossínteses rígidas, segundo o método AO(1,24,32), do
Para o tratamento cruento, existem basicamente a fixação que com o tratamento incruento. Por outro lado, a aborda-
interna com placas e parafusos(25) e as fixações intramedula- gem cirúrgica do úmero pode expor o nervo radial a trauma
res(6,11,21-23), devendo ser feita distinção entre as fraturas aber- até então inexistente, complicação iatrogênica indesejável,
tas e as fechadas. As primeiras estão, em geral, associadas a quase sempre associada a negligência no trato do nervo. Nos
traumatismos múltiplos, constituindo urgências ortopédicas, retardes de consolidação, resultantes do tratamento por ou-
cujo tratamento específico depende de avaliação das priori- tros métodos e já estabelecidos, parece haver superioridade
dades(13,16); as segundas, excluídas as fraturas patológicas, em da fixação interna rígida pela técnica AO(17,26,27), mas Künts-
geral são operadas em fase tardia, quando há falha do trata- cher relatou bons resultados com seu método de fixação in-
mento incruento, embora possa haver indicação para fixação tramedular, que também pode ser considerado rígido(21). Nes-
interna imediata em caso de fratura associada no nível do ses casos, o emprego de enxerto ósseo maciço é considerado
cotovelo ou do antebraço, em que a mobilização precoce é universalmente como importante procedimento adicional.
importante. Também nos pacientes com doença de Parkin- O objetivo deste trabalho é relatar a experiência do servi-
son ou outra doença sistêmica ou neurológica, nas fraturas ço em revisão de 58 pacientes, totalizando 59 úmeros (um
associadas às lesões vasculares e/ou neurológicas(9,12,19) e nas caso bilateral), dentre 93 tratados em período de dez anos
fraturas transversas e oblíquas curtas, propensas ao retarde (1983-1992). Foram excluídos os casos de fraturas patoló-
de consolidação(26), o tratamento cruento está indicado. gicas.
Os resultados do tratamento das fraturas diafisárias do úme-
ro costumam ser bons, qualquer que seja o método utiliza-
MATERIAL E MÉTODOS
do. Todavia, bons resultados são obtidos com maior freqüên-
cia com o tratamento incruento (96%) do que com o cruento Generalidades
(88%)(29,30). Cinqüenta e oito pacientes – 35 (60,4%) do sexo mascu-
Apesar da alta freqüência de bons resultados, complica- lino e 23 (39,6%) do feminino, com idades variando entre
ções ocorrem, podendo ser decorrentes do próprio trauma ou sete e 79 anos (média: 28 anos) – foram revistos. Dezenove
do tratamento. Dentre as decorrentes do trauma, despontam (32,8%) tiveram a fratura no lado dominante, 38 (65,5%) no
as lesões do nervo radial e as lesões vasculares, as primeiras lado não dominante e um (1,7%) teve fratura bilateral, tota-
ocorrendo em cerca de 5 a 10% dos casos, principalmente lizando 59 fraturas. O intervalo entre a ocorrência do aci-
quando a fratura é espiralada e situada no terço distal do dente e o atendimento variou de 15 minutos a uma semana
úmero(19). Mais recentemente, ficou demonstrado que a maior (média: 7,6 horas).
freqüência dessa lesão ocorre em traumatismos de alta ener- Como agentes causais dos traumatismos, foram computa-
gia(3,4) e que a abertura da fratura com o único propósito de dos 26 acidentes automobilísticos (44,9%), 15 atropelamen-
explorar o nervo paralisado não é justificada, pois a maioria tos (25,9%), seis acidentes motociclísticos (10,4%) e cinco
das lesões é do tipo neuropraxia e tende a recuperar-se es- domiciliares, dos quais quatro (6,9%) por queda da própria
pontaneamente em prazo que vai de alguns dias a alguns me- altura e um (1,7%) por queda de quatro metros de altura.
ses após o trauma(15,20,28). Houve ainda três agressões, duas delas (3,4%) com porretes
As lesões vasculares são bem menos freqüentes, mas po- e uma (1,7%) com arma de fogo, e três acidentes profissio-
dem ser mais facilmente negligenciadas, embora o diagnós- nais, dos quais um (1,7%) com máquina agrícola (descaro-
tico não seja difícil, visto que em pelo menos metade dos çadeira de algodão), um (1,7%) com máquina industrial (se-
casos o exame clínico é suficiente. Uma vez diagnosticada, cadora de roupas) e um (1,7%) por queda de altura de 15
a lesão deve ser imediatamente reparada, bem como medi- metros (tabela 1).
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Quarenta e três pacientes (74,2%) não receberam qualquer tecido local, foi feita indicação de posterior transferência mus-
atendimento prévio até o momento da chegada ao serviço. cular, ao invés de reparo do nervo com enxerto.
Onze (19%) chegaram com tala gessada axilopalmar, insta- Trinta e duas fraturas (54,2%) foram submetidas ao trata-
lada em seu local de origem; dois (3,4%) haviam sido sub- mento incruento; nos demais 27 casos (45,7%) o tratamento
metidos a tratamento do choque decorrente do traumatismo, foi cruento, realizado de imediato em nove casos (33,3%) e
um (1,7%), a redução fechada de luxação do quadril e um tardiamente em 18 (66,6%). Aqui, a fixação externa aplica-
(1,7%) a curativos nos membros superiores; todos apresen- da ao tratamento de fraturas expostas foi considerada como
taram-se com tala gessada axilopalmar colocada no local do método cruento; quando aplicada às fraturas fechadas, como
atendimento inicial (tabela 2). método incruento.
As fraturas foram classificadas, quanto ao tipo, segundo Tratamento incruento
o método AO(27) (tabela 3); quanto às lesões das partes mo- Tratamento incruento com imobilização tipo “pinça de con-
les adjacentes, foram classificadas segundo Gustillo(16) (ta- feiteiro” foi utilizado em 28 casos (87,5%), sendo este o maior
bela 4). contingente de pacientes associado a uma única e determi-
Lesão do nervo radial, com a característica queda do pu- nada modalidade de tratamento (fig. 1). A imobilização tipo
nho, foi diagnosticada em seis das 59 fraturas, já em sua Velpeau foi empregada em dois casos (6,25%); aparelho ges-
admissão. Em cinco, a fratura era fechada e o tratamento sado axilopalmar foi utilizado em um (3,12%) e somente tala
indicado, de início, foi incruento; em um, a fratura era ex- gessada axilopalmar em outro (3,12%), ambos de fratura no
posta de grau III-B. Em nenhum dos casos de fratura fechada terço distal do úmero (tabela 5).
foi indicada a exploração do nervo, que seria acompanhada Tratamento cruento
de fixação interna da fratura; ao paciente de fratura exposta, Nos 27 casos tratados por métodos cruentos, empregou-se
dadas a gravidade da lesão inicial e as más condições do o fixador externo do tipo monoplanar, com uma ou duas bar-
ras paralelas colocadas lateral ou ântero-lateralmente, em seis
pacientes (22,2%), todos com fraturas expostas. O fixador
TABELA 1
Distribuição de freqüências dos tipos de acidentes que
externo permaneceu instalado por períodos que variaram de
ocasionaram as fraturas de úmero em 58 pacientes quatro a 12 semanas (média: 8,8 semanas); em dois pacien-

Tipo de acidente Freqüência Freqüência TABELA 2


absoluta relativa Distribuição de freqüências do tipo de atendimento recebido
por 58 pacientes, previamente à chegada ao serviço
Automobilístico 26 44,9%
Atropelamento 15 25,9% Tipo de atendimento Freqüência Freqüência
Motociclístico 6 10,4% absoluta relativa

Domiciliar: queda da própria altura 4 6,9%


Nenhum 43 74,2%
queda de quatro metros de altura 1 1,7%
Tala gessada 11 19,0%
Agressão: porrete 2 3,4%
arma de fogo 1 1,7% Tratamento do choque + tala gessada 2 3,4%

Profissional: máquina agrícola 1 1,7% Redução fechada de luxação do


máquina industrial 1 1,7% quadril + tala gessada 1 1,7%
queda de 15 metros de altura 1 1,7% Curativos nos MMSS + tala gessada 1 1,7%
Total 58 100%,0 Total 58 100%,0

TABELA 3
Distribuição de freqüências do tipo de fraturas classificadas, segundo o método AO (Müller et al., 1993)

Tipo A1- A2- A2- A2- A3- A3- A3- B1- B1- B1- B2- B2- B3- B3- C1- C3- C3-
2 1 2 3 1 2 3 1 2 3 2 3 2 3 1 1 2

Nº 4 2 6 4 4 13 1 2 2 1 8 1 7 1 1 1 1

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Fig. 2 – Fratura espiralada da diáfise umeral, com grande desvio, de difícil


redução por métodos incruentos. Tratamento cruento por meio de placa e
parafusos, pelo método AO.

Fig. 1 – Fratura oblíqua longa da porção média da diáfise umeral, tratada TABELA 5
incruentamente, pelo método da “pinça de confeiteiro”. Observar o alinha- Distribuição de freqüências do tipo de imobilização
mento adequado, apesar da rusticidade do método. usada no tratamento incruento de 32 fraturas de úmero

Tipo de imobilização Freqüência Freqüência


TABELA 4 absoluta relativa
Distribuição de freqüências dos tipos de lesões
de partes moles, ocorridas em 59 braços de 58 pacientes, “Pinça de confeiteiro” 27 83,9%
segundo a classificação de Gustillo (1984)(16)
Velpeau 2 6,5%
Tala gessada 1 3,2%
Grau da exposição Nº
Tala gessada seguida de aparelho
0 47 gessado axilopalmares 1 3,2%
I 5 Aparelho gessado toracobraquial
II 5 seguido de gesso pendente e
IIIA 1 “pinça de confeiteiro” 1 3,2%
IIIB 1
Total 32 100%,0
IIIC 0
Total 59
Finalmente, no último caso o fixador foi retirado após qua-
tes foi retirado após a consolidação completa, que ocorreu tro semanas da instalação, a pedido do paciente; depois de
no período de nove semanas para um e de 12 semanas para 16 dias, em que se aguardou a cicatrização das partes moles,
outro. Em um caso permaneceu por 12 semanas; foi substi- foi substituído por fixação interna com placa de nove orifí-
tuído por uma “pinça de confeiteiro” por mais oito semanas, cios e enxerto esponjoso do ilíaco.
até a consolidação. Em outros dois foi deixado por oito se- A redução aberta com fixação interna por meio de placa e
manas, seguidas de mais três com “pinça de confeiteiro”. parafusos, segundo o método AO, foi a técnica escolhida em
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tude dos movimentos ativos e passivos do ombro e do coto-


velo e a força muscular de preensão manual e pinça bidigi-
tal, medidas por dinamômetros apropriados. Era também ava-
liado o grau de satisfação do paciente frente ao resultado
final do tratamento, que foi classificado como bom, regular
e mau, conforme os parâmetros:
Bom: fratura consolidada, sem complicações ou deformi-
dades; mobilidades ativa e passiva irrestritas;
Regular: fratura consolidada, com pequena deformidade,
sem complicações ou seqüelas neurológicas; mobilidade mo-
deradamente diminuída (até 30% do normal);
Mau: fratura não consolidada, ou consolidada com grande
deformidade, ou com complicação (infecção, p.e.) ou seqüe-
las neurológicas; mobilidade muito diminuída (60% ou mais
do normal).

RESULTADOS
Tratamento incruento
O tratamento incruento, instituído de início em 32 fratu-
ras, logrou consolidação em 27 (fig. 3), levados até o final
com essa modalidade, em período mínimo de cinco e máxi-
mo de 14 semanas (média: oito semanas). Entretanto, falhou
em cinco, que necessitaram de tratamento cruento tardio: três
por retarde de consolidação e dois por estabilização insufi-
ciente da fratura. Com isso, o índice de consolidação com o
tratamento incruento foi de 84,3%.
Tratamento cruento
Fig. 3 – Fratura transversa da diáfise umeral, com pequeno fragmento trian-
gular. Resultado do tratamento incruento, por meio da “pinça de confeitei- Dos 21 pacientes submetidos a fixação interna, a consoli-
ro”. Notar a consolidação ao final de seis semanas de imobilização. dação ocorreu em 19, o que resulta em índice de êxito de
90,4%, muito embora em um paciente tenha havido infecção
21 pacientes (77,8% dos submetidos a tratamento cruento),
todos com fraturas fechadas (fig. 2). Foi realizada de ime- TABELA 6
diato em três (14,2%) e até duas semanas mais tarde em 18 Distribuição da freqüência de procedimentos
(85,7%). Enxerto esponjoso de ilíaco foi colocado em 12 associados no tratamento das fraturas do úmero

(57,1%) das 21 osteossínteses. Muitos dos casos estavam as-


Procedimentos associados Nº
sociados a traumatismos de alta energia, necessitando de in-
tervenção cirúrgica prévia (26) em outros órgãos e sistemas Laparotomia exploradora 4
lesados (tabela 6). Instalação de haste de Küntscher no fêmur 4
Todos os úmeros tratados cruentamente permaneceram Gesso pelvipodálico 4
Cerclagem tipo “banda de tensão” no olécrano 3
imobilizados com tala gessada axilopalmar por período médio
Osteossíntese com placa na ulna 2
de 11 dias, até a retirada dos pontos, sendo depois liberados Instalação de fixador externo para fratura exposta do rádio 2
para mobilização ativa assistida; um paciente utilizou o enfai- Desbridamento na perna 2
xamento toracobraquial em vez da tala, pelo mesmo período. Desbridamento no pé 2
Reavaliação Fasciotomia na perna 1
Na reavaliação dos pacientes, levaram-se em conta parâ- Instalação de fixador externo para fratura exposta da tíbia 1
Fixação com fios de Kirschner para fratura do punho 1
metros como a cicatrização de partes moles e óssea, a ampli-
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tardia, apesar de a fratura estar consolidada. Falha completa Dez tiveram algum grau de limitação dos movimentos de
da osteossíntese, resultando em pseudartrose e necessitando uma ou mais articulações do membro superior, tendo sido o
de reosteossíntese associada ao emprego de enxerto ósseo, ombro a mais comprometida. Assim, nessa articulação, a fle-
ocorreu em dois casos. xão média foi de 115,7º (variação: 25º a 130º), a rotação
Já os pacientes de fratura exposta submetidos à fixação externa média foi de 53,5º (variação: 15º a 60º) e a abdução
interna (seis) apresentaram evolução para cura das feridas média foi de 87,9º (variação: 15º a 130º). A avaliação da
em períodos variáveis. Apesar de não ser a finalidade precí- rotação interna pela manobra de levar o dorso da mão à colu-
pua dessa modalidade de tratamento, a consolidação foi ob- na vertebral mostrou que três chegavam até a vértebra T11,
tida em dois casos (33,3%), os demais necessitando de com- dois até L1, um até L2, um até L4 e dois até o sacro; outro
plementação terapêutica com outro método. não passava do grande trocanter.
Complicações No cotovelo, a flexão variou entre 25º e 140º (média:
Como complicação do tratamento incruento com a “pinça 119,5º) e a extensão esteve pouco comprometida, exceto em
de confeiteiro”, ocorreram três casos de retarde de consoli- um paciente com grave seqüela neurológica e rigidez articu-
dação e um de impossibilidade de manutenção da redução, lar em flexão de 30º. A pronossupinação praticamente não
inconveniente também registrado com um paciente tratado esteve comprometida, mostrando-se dentro dos limites nor-
inicialmente com um brace funcional. Todos foram subme- mais em todos os pacientes.
tidos a osteossíntese com placa e parafusos, em períodos va- Os testes da preensão palmar e da pinça bidigital com di-
riados após o trauma, como mencionado anteriormente, ten- namômetros específicos mostraram diminuição média da for-
do evoluído para consolidação. ça muscular de 32% (variação: 8 a 49%) e 31% (variação: 23
A complicação precoce mais freqüente do tratamento a 40%), respectivamente, em comparação com o lado são.
cruento foi a infecção superficial, observada em dois casos No cômputo geral, independentemente do tratamento efe-
de fratura exposta tratados com o fixador externo, mas que tuado, o resultado final foi bom em 82,8% dos pacientes e
evoluíram satisfatoriamente com desbridamentos cirúrgicos regular em 13,8%, totalizando 96,6%.
sucessivos e antibioticoterapia endovenosa. Seguiram-se a Lesões do nervo radial
neuropraxia do nervo radial, observada em um paciente sub- Todos os casos (cinco) de lesão do nervo radial associada
metido a osteossíntese, mas que evoluiu para resolução espon- a fraturas fechadas foram tratados incruentamente; para ne-
tânea em quatro meses, e a perda da redução no quarto dia nhum foi indicado o tratamento cruento sob alegação de ne-
pós-operatório, como ocorreu em um paciente tratado inicial- cessidade de exploração do nervo. Todos apresentaram recu-
mente com o fixador externo, substituído em seguida pela peração funcional completa em período que variou de três a
redução aberta e osteossíntese, com evolução para consolida- nove meses de evolução (média: quatro meses).
ção.
Em fase mais tardia, houve um caso de retarde de consoli- DISCUSSÃO
dação em um paciente tratado com fixador externo, mas que
evoluiu para resolução espontânea no quarto mês pós-opera- As fraturas da diáfise umeral tendem a evoluir satisfato-
tório, e um caso de infecção tardia que, constatada no tercei- riamente, independentemente de qual seja o tipo de trata-
ro mês pós-operatório, estando a fratura já consolidada, evo- mento adotado, de acordo com a literatura corrente; este fato
luiu com fístula produtiva e afrouxamento do material de foi confirmado na análise da presente série de pacientes. Os
implante, retirado no sexto mês, juntamente com a remoção maus resultados estão habitualmente associados a lesões gra-
de um seqüestro ósseo de pequenas dimensões. Pseudartrose ves, geralmente com exposição óssea e perda importante dos
com afrouxamento da placa ocorreu em dois casos de os- tecidos de cobertura.
teossíntese (9,5%), ambos submetidos a reosteossíntese e en- Segundo o protocolo adotado pelos autores, as fraturas fe-
xertia óssea. chadas (exceto as associadas a lesões vasculares) devem, de
Em nenhum caso, mesmo nos de fraturas expostas, foram início, ser tratadas incruentamente e em sua grande maioria
observados problemas para o lado da cicatrização cutânea e de fato o são. Na maior parte dos casos da presente série, foi
muscular, na época da alta ou na reavaliação. empregado o aparelho gessado tipo “pinça de confeiteiro”,
Quarenta e oito pacientes tiveram recuperação completa que, apesar de rústico, demonstrou eficiência aceitável; to-
da amplitude de movimentos e da força, até a alta definitiva. davia, ele depende de certo grau de estabilidade intrínseca
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da fratura. Em alguns casos de fraturas no terço distal do Chamou a atenção o fato de que o índice de consolidação
úmero, preferiu-se o aparelho gessado axilopalmar bem mol- obtido com o tratamento cirúrgico (90,4%) foi superior ao
dado, sem muito forro interno, pois essas fraturas são passí- conseguido com o conservador (84,3%). Isso atesta que a
veis de bom controle, apesar de o ombro permanecer livre. A fixação interna bem indicada e bem executada, incluindo a
melhor alternativa à “pinça de confeiteiro” possivelmente é colocação de enxerto ósseo, constitui excelente método de
o brace funcional, mas seu preço torna-se proibitivo para a tratamento. Todavia, é necessário ressaltar que as indicações
clientela usual dos hospitais públicos, como é o caso dos desse método são restritas a um grupo específico de fraturas,
pacientes analisados neste trabalho. A experiência com o não devendo ser de emprego indiscriminado.
emprego desse aparelho, nos pacientes que podem adquiri- Em relação à lesão do nervo radial, observada em seis pa-
lo, é invariavelmente boa, muito embora o único desta série cientes, um deles com grave fratura exposta e perda de subs-
que o utilizou por alguns dias, a título de experiência, não tância do nervo, constatou-se que a não intervenção, cujo
tivesse se adaptado a ele, solicitando outra forma de trata- propósito seria o de explorá-lo, mas que propiciaria também
mento. Tal fato reforça a necessidade da cooperação do pa- a fixação interna da fratura, foi benéfica. Todos mostraram
ciente para essa forma de tratamento. recuperação funcional espontânea completa bem como tive-
Ainda segundo nosso protocolo, a indicação de tratamen- ram suas fraturas consolidadas sem complicações. Naquele
to preferencial para as fraturas transversas ou oblíquas cur- com perda de substância do nervo, assumiu-se desde o início
tas simples, localizadas no terço médio da diáfise umeral, é que o reparo microcirúrgico não seria tentado, dadas as con-
a redução aberta e fixação interna. Foi o caso de seis pacien- dições inadequadas das partes moles; assim, optou-se por dei-
tes, três dos quais tiveram essa indicação já no primeiro aten- xá-lo para posterior transferência muscular. Dados os bons
dimento. Outros três, com fraturas acavalgadas e cuja redu- resultados funcionais obtidos com essa conduta conservado-
ção por manipulação sob anestesia foi impossível (dois) ou ra, concluiu-se que a presença de lesão nervosa associada às
permaneceu instável (um), tiveram a operação realizada en- fraturas fechadas não deve, por princípio, constituir indica-
tre uma e duas semanas do início do atendimento. A indica- ção de tratamento cruento, já que o nervo raramente sofre
ção cirúrgica nesses casos é preferencial, porque essas fratu- solução de continuidade. Entretanto, exceções sempre exis-
ras sabidamente são propensas à evolução para retarde de tem. Na experiência dos autores, em pelo menos duas opor-
consolidação. Assim, é preferível que a intervenção cirúrgi- tunidades (pacientes não incluídos nesta série) a redução aber-
ca seja realizada precocemente, quando as condições de abor- ta e osteossíntese foram indicadas devido à concomitância
dagem da fratura são favoráveis. com paralisia do nervo radial, que foi encontrado interposto
As fraturas expostas foram tratadas inicialmente com o no foco da fratura nos dois, e obviamente traumatizado, com
fixador externo, que confirmou sua excelência como método sinais de hematoma intraneural, em um. É impossível afir-
de tratamento para a cicatrização das partes moles. Ocasio- mar que algum malefício resultaria se a redução aberta não
nalmente, ele se mostra adequado para promover a consoli- tivesse sido realizada, mas ela pareceu muito adequada ao
dação das fraturas, principalmente das cominutivas, cuja ma- caso, pois a inclusão do nervo pelo calo de fratura é fato
nutenção nos aparelhos gessados ou no brace é trabalhosa e conhecido.
para as quais a fixação interna é até contra-indicada, por ser No concernente à reabilitação, a reavaliação mostrou que
tecnicamente difícil e por expor muitos fragmentos ao risco a grande maioria dos pacientes (48) recuperou toda a ampli-
de desvitalização. Tal adequação ficou demonstrada em dois tude de movimentos do ombro e do cotovelo, independente-
casos, cuja consolidação ocorreu após nove e 12 semanas de mente do tratamento realizado. Isso demonstra que o poten-
fixação externa, respectivamente. Entretanto, nos demais qua- cial de recuperação nesses casos é grande, apesar de toda a
tro casos em que o fixador externo foi empregado, mesmo limitação imposta pelos métodos de tratamento incruento, à
por longos períodos (até de 12 semanas), a consolidação não exceção do brace funcional. A movimentação precoce per-
foi obtida. Por esse motivo, eles não foram mantidos até o mitida pela fixação interna, e até pelos fixadores externos,
final do tratamento; em três pacientes, foram substituídos obviamente é benéfica, propiciando também reabilitação mais
pela “pinça de confeiteiro”, após período médio de 10,6 se- rápida.
manas, e em um quarto foi removido após quatro semanas, a Apesar da boa recuperação da mobilidade, encontrou-se
pedido do próprio paciente, emocionalmente instável, tendo que as forças de preensão manual e da pinça bidigital dimi-
sido substituído pela fixação interna. nuíram significativamente, com decréscimo de cerca de 30%,
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C.H. BARBIERI, N. MAZZER & M.M. BARROS

em comparação com o lado normal, mesmo nos pacientes 13. Epps Jr., C.H. & Adams, J.P.: Wound management in open fractures. Am
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sem qualquer sinal de lesão neurológica. Atribuiu-se tal en-
14. Gainor, B.J. & Metzler, M.: Humeral shaft fracture with brachial artery
fraquecimento ao desuso, sendo possível que alguma melho- injury. Clin Orthop 204: 154-161.
ra ocorra paulatinamente. 15. Garcia Jr., A. & Maeck, B.H.: Radial nerve injuries in fractures of the
Da análise desta série, concluiu-se que o tratamento das shaft of the humerus. Am J Surg 99: 625-627, 1960.
fraturas diafisárias do úmero deve ser preferentemente incru- 16. Gustillo, R.B., Mendoza, R.M. & Williams, D.N.: Problems in the ma-
ento, pois os métodos disponíveis, até os mais simples, como nagement of type III open fractures: a new classification of type III
open fractures. J Trauma 24: 742-746, 1984.
a “pinça de confeiteiro”, permitem razoável controle dos frag-
17. Healy, W.L., White, G.M., Mick, C.A. et al: Nonunion of the humeral
mentos. O fixador externo fica reservado para as fraturas shaft. Clin Orthop 219: 206-213, 1987.
expostas e a fixação interna àquelas com lesões associadas, 18. Holm, C.L.: Management of humeral shaft fractures: fundamentals of
como é o caso dos polifraturados, ou cujo potencial de insta- nonoperative technics. Clin Orthop 71: 132-139, 1970.
bilidade ou de complicação seja reconhecidamente grande. 19. Holstein, A. & Lewis, G.B.: Fractures of the humerus with radial nerve
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