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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ – IFCE

MESTRADO EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLOGIA


Disciplina: Bases Conceituais da Educação Profissional e Tecnológica
Professor: Samuel Brasileiro

LEONARDO BEZERRA DA SILVA

FICHAMENTO
SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e
1.IDENTIFICAÇÃO/
históricos. Rev. Bras. Educ. [online]. 2007, vol.12, n.34, pp.152-165.
TÍTULO
A relação entre trabalho e educação e seus fundamentos ontológico-
2. TEMA
históricos.
Reconhecer e compreender como se produziu, historicamente, a
3. OBJETO separação entre trabalho e educação, a despeito do vínculo ontológico-histórico
e indissociável entre estas atividades.
Sob uma perspectiva histórica e reconhecendo os princípios ontológico-
históricos próprios da relação entre trabalho e educação, quais circunstâncias
4. PROBLEMA
levaram a separação entre estas atividades, os questionamentos que se deram em
virtude dessa separação e das tentativas de retomada dos vínculos.
O homem possui características inerentes ao seu próprio ser que lhe
permitem trabalhar e educar. Tais atividades possuem uma base ontológica-
histórica e apresentam uma relação intrínseca que evoluiu sob influência dos
diferentes modos de produção em cada momento histórico. Foi a partir da
5. TESE/HIPÓTESE
apropriação dos meios de produção e do surgimento da escola que o trabalho e
a educação se distanciaram, espelhando a divisão de classes e seus papéis na
sociedade. O resgate dos vínculos entre trabalho e educação passa pela adoção
de um modelo de escola que tenha por base o trabalho como princípio educativo.
O homem enquanto animal dotado de racionalidade assume um papel
central na natureza, ao ponto de produzir os próprios meios de subsistência. A
produção de objetos artificiais explicita o uso da inteligência humana e contrapõe
os conceitos de Homo sapiens e Homo faber como termos possíveis de definir a
espécie humana. Muito embora a racionalidade e o uso da inteligência sejam
atributos específicos do homem não se pode relegar a intuição como mecanismo-
chave das operações vitais. Historicamente, podemos identificar que a partir do
momento que o homem passa a produzir seus próprios meios de sobrevivência e
adaptar a natureza às suas necessidades, em direção oposta aos demais animais,
ele produz sua própria vida material. Ao ato de agir sobre a natureza
modificando-a em função de suas necessidades damos o nome de trabalho.
Uma vez que o trabalho é atributo inerente ao ser homem, é o ato de
6. ARGUMENTOS
produzir que o forma homem. Para tanto, o trabalho deve ser aprendido e
repassado por entre as gerações em um processo educativo. Desse modo, a
origem da educação coincide com a própria origem do homem. Durante este
processo de transmissão do conhecimento, empírico e experimental, há etapas
de validação, aprimoramento e apreensão das experiências e práticas vividas.
Nas comunidades primitivas o modo de produção vigente era o comunal,
de modo que o processo de formação do homem por meio do trabalho e o
processo educativo coincidiam. Com o desenvolvimento da produção, contudo,
surgiu a divisão do trabalho, a apropriação dos meios de produção e o surgimento
das classes sociais, pondo fim ao modo de produção comunal. Aos detentores da
terra e dos meios de produção foi possível viver sem trabalhar através da
apropriação do trabalho da classe não proprietária.
A partir do surgimento do escravismo na Antiguidade, houve uma
mudança significativa na relação trabalho e educação. A cisão da sociedade em
classes provocou uma divisão na educação: educação intelectual para a elite
dominante e outra assimilada no próprio processo de trabalho pelos escravos. A
escola surgiu como produto da educação intelectual destinada às elites e
dissociada do processo produtivo. Deu-se aí o início da institucionalização da
educação. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer, de
tempo livre passa a organizar-se na forma escolar, contrapondo-se à educação
da maioria, ainda associada ao processo de trabalho. Nessa primeira concepção
de escola do modo de produção escravista o Estado assume o papel de destaque.
Nos modos de produção vindouros o papel de instituição influenciadora da
educação alterna seus protagonistas e consuma a separação entre educação e
trabalho. A Igreja Católica, no sistema feudal; o Estado, no sistema capitalista.
A escola do modo de produção capitalista, embora tenha assumido uma
ideia de escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória, tem um forte
papel reprodutivista das relações que sustentam este modo de produção.
Exemplo disso, é o distanciamento do trabalho produtivo em relação à escola.
Há de se destacar que a separação entre trabalho e educação é por si só uma
forma de relação que, no modo de produção capitalista, evidencia o apartamento
entre escola e produção, trabalho manual e intelectual.
No sistema capitalista vigora a sociedade de mercado centrada no
consumo. Com o advento da Revolução Industrial a sociedade passou por
profundas transformações, destacadamente a migração da massa trabalhadora do
campo para as cidades e utilização de maquinário nos processos de produção.
Essas transformações demandaram aos membros da sociedade uma base mínima
e generalista de conhecimento que teve seu provimento a cargo da escola.
Como consequência do desenvolvimento industrial as máquinas
ocupam-se das tarefas até então realizadas manualmente. Aos trabalhadores são
direcionadas tarefas cada vez mais simplificadas, reduzindo a necessidade de
formações específicas. As máquinas encarregavam-se da materialização das
funções intelectuais e a escola, por sua vez, na formação destas funções. Percebe-
se, neste contexto, o surgimento de uma Revolução Educacional encabeçada
pelos países mais desenvolvidos e fundamentado no papel dominante da escola.
A universalização da escola primária, reprodutivista das estruturas
sociais modernas, supriu a necessidade de qualificação mínima da população,
visando sua entrada no processo produtivo. Contudo, a existência de atividades
mais específicas como manutenção e ajustes de equipamentos, adaptações, etc.
requereu profissionais dotados de habilidades específicas. Para o atendimento a
estas demandas específicas de formação foram ofertados cursos profissionais no
âmbito das empresas e voltados para as necessidades do sistema produtivo.
Este novo contexto foi o gérmen das escolas profissionais que
direcionou-se aos filhos da classe trabalhadora, qualificando-os para lidarem
diretamente com a produção. Aos filhos das classes dominantes, “restou-se” as
escolas de formação geral, focadas no desenvolvimento intelectual, de domínio
teórico e capaz de prepará-los para atuar nos diferentes setores da sociedade.
Essa separação teve dupla manifestação: a proposta dualista de escolas
profissionais para os trabalhadores e “escolas de ciências e humanidades” para
os futuros dirigentes; e a proposta de escola única diferenciada com distribuição
interna dos educandos segundo suas funções sociais e origens sociais.
Como proposta de superação dessa dualidade e, tendo como parâmetros
as características da sociedade brasileira, é na ideia de escola unitária de Gramsci
que se busca delinear um projeto de educação com base no princípio educativo.
Tal modelo contempla o que se conhece por ensino básico na atual estruturação
escolar brasileira. No ensino fundamental, que reflete a organização social, é
priorizada a obtenção de um acervo mínimo de conhecimentos sistematizados
que perpassam por conceitos relacionados à linguagem, matemática, ciências da
natureza e ciências sociais, tendo por base o trabalho como princípio educativo.
Neste nível de ensino a relação entre trabalho e educação é implícita e indireta.
No ensino médio, por sua vez, há uma mudança no paradigma de
abordagem da relação trabalho e educação que passa a ocorrer de forma explícita
e direta, visando o restabelecimento da relação entre o conhecimento e a prática
do trabalho, ou seja, explicitar como o conhecimento se converte em potência
material no processo de produção utilizando-se, para tanto, dos domínios
teóricos e práticos. Ressalta-se que neste nível de ensino o objetivo principal é
propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas
utilizadas na produção e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não
a formação de técnicos especializados, mas de politécnicos. Essa concepção de
ensino médio prevê uma formação geral para todos independentemente do tipo
de ocupação que cada um venha a exercer na sociedade. Essa abordagem é
fundamentalmente distinta da adotada em escolas profissionalizantes que atuam
de modo a adestrar os educandos para uma determinada habilidade. Os discentes
adquirem autonomia alcançando, portanto, o sentido gamsciano de escola.
Ao ensino superior cabe a organização da cultura superior com o objetivo
de possibilitar a toda a população a difusão e discussão dos problemas que
afetam o homem contemporâneo. Ao final do ensino básico o educando se vê
diante de duas possibilidades: vinculação permanente ao processo produtivo ou
a especialização universitária. Aos optantes da primeira devem ser
disponibilizadas organizações culturais onde possam contribuir nas discussões
acerca dos problemas sociais juntamente aos estudantes universitários. Essas
interações permitem o contínuo desenvolvimento intelectual, bem como um
vínculo indissociável entre os trabalhos intelectual e material evitando que
universitários e trabalhadores sejam relegados a posturas academicistas ou de
passividade, respectivamente, recorrentes no atual modelo do ensino superior.
Para o alcance do propósito do artigo foi realizada uma revisão
bibliográfica juntamente com uma análise descritiva dos fenômenos.
Considerando a temática abordada o autor optou por uma pesquisa qualitativa.
A base metodológica resultou na seguinte estruturação:
Fundamentos histórico-ontológicos da relação trabalho-educação:
Apresentação das características inerentes ao ser homem que o permitem
trabalhar e educar.
A emergência histórica da separação entre trabalho e educação:
7. BASE Caracterização de como, ao longo da história, houve um distanciamento entre
METODOLÓGICA trabalho e educação.
Questionamento da separação e tentativas de restabelecimento do
vínculo entre trabalho e educação: Abordagem dos questionamentos relativos
à separação entre trabalho e educação e a tentativa de restabelecimento dos
vínculos entre estas atividades.
Esboço de organização do sistema de ensino com base no princípio
educativo do trabalho: Apresenta um modelo de educação baseada na escola
unitária de Gramsci, traçando um paralelo com a estrutura educacional brasileira
e tendo por base o trabalho como princípio educativo.
As principais obras e autores citados no artigo são:
8. REFERENCIAL
TEÓRICO
BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L’école capitaliste en France.
Paris: François Maspero, 1971.
BERGSON, Henri. A evolução criadora. In: . Cartas, conferências e outros
escritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 153-205.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968. . Quaderni del carcere. 4 v. Torino: Einaudi, 1975.
MANACORDA, Mario Alighiero. Il marxismo e l’educazione. Roma: Armando
Armando, 1964.
MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
______.; ENGELS, Friedrich. La ideologia alemana. Montevideo: Pueblos
Unidos; Barcelona: Grijalbo, 1974.
Ontologia: Teoria ou ramo da filosofia cujo objeto é o estudo dos seres em geral,
o estudo das propriedades mais gerais e comum a todos os seres; metafísica
ontológica. (Fonte: Dicionário Michaelis Online. Endereço:
http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=ontologia)

9. CONCEITOS Modo de produção: combinação das “forças de produção” e “relações de


produção” correspondentes a certo período ou sociedade historicamente
localizada. (Fonte: BARROS, José D’Assunção. Os Conceitos de ‘Modo de
Produção’ e Determinismo – Revisitando as Diversas Discussões no Âmbito do
Materialismo Histórico. Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/download/24251/19675)
A racionalidade e a inteligência são atributos inerentes ao homem que o
tornam capaz de modificar a natureza em benefício próprio, produzindo seus
próprios meios de vida. A este ato atribui-se o nome de trabalho. O trabalho é,
portanto, atividade inerente ao homem e que o forma homem em si. Contudo,
não se nasce homem, torna-se homem à medida que se usa de um processo
educativo para aprender e transmitir os conhecimentos acumulados por entre as
gerações e que permitem a existência do trabalho. Deste modo, trabalho e
educação apresentam uma relação indissociável e ontológica.
É possível, contudo, identificar que ao longo da história a relação entre
trabalho e educação passou por um processo de distanciamento, a partir do
momento em que houve a apropriação das terras e dos meios de produção,
porquanto uma parcela das sociedades passou a viver do trabalho alheio
subvertendo a lógica comunal das sociedades primitivas e criando classes
sociais, divididas entre proprietários e não-proprietários. Durante o modo de
produção escravagista e com o surgimento da escola o afastamento entre trabalho
10. CONCLUSÕES
e educação se acentuou e direcionou a formação intelectual para a elite
dominante e o trabalho para os demais membros da sociedade.
As mudanças nos modos de produção afetam diretamente a relação entre
trabalho e educação. No capitalismo, por exemplo, a necessidade de elevação da
produtividade requer que a classe trabalhadora possua qualificação mínima para
o trabalho. Ocorrem, portanto, concessões à classe trabalhadora quanto ao acesso
à educação, porém de modo que essa formação atenda apenas aos interesses
capital e que reproduzam à lógica de divisão social que garante às classes
dominante o acesso à formação geral e intelectual.
A escola unitária proposta por Antonio Gramsci que tem por base o
trabalho como princípio educativo permite que os vínculos entre trabalho e
educação sejam restabelecidos, visto que prevê a integração entre teoria e
prática, permitindo a formação dos educandos respeitando suas vocações,
origens sociais, igualdade de possibilidades e dando-lhes autonomia para
atuarem diretamente nas discussões e questões de interesse da sociedade.
11. OBSERVAÇÕES

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