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História
· A /arte de inventar o passado · . .
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A345h Albuquerque Junior, Durval Muniz de .
Historia: a arte dé inventar o passado. Ensaio.s de teoria da híst.ória/
Durval Murti c.le Albuquerque Júnior - Bauru, SP: Edusc, 200-i.
' 256 p.; 21 cm -- (Coleção ~lstória)
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l ISBN 978-85-746o-334-6
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referir óu erifatizar aspe~~O~-~is~fos'qo que ~ria:funa~eritahi~ construção
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1. · eventos, ctos ·objetos e dos ·.sujeitos, podendo se refe~ir tanto à buxa de um
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sivo afastamento d~~ historiadores em refação às CXJ2.Iiçações que n:metia,n'l
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-.·. ·-. ·~ês irracionai~. afetivas, morais, i~eoJqgi~s ou iµ_c~nscientes .--'O retorno da .
·::, -.~·-~~:~-·::r~re~Cüf~~ dqsliisto~a~o~es c_o ~ ª.questã~ .dª_ ~arrativa, da escrita da His-· - - '
, :~: /.-\:: '.-~na,.de co~ esta part1c1pa da própria elaboraçao ,do fato, tanto quanto are- '
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:ultur~ de massas!.~oloca a1.1in~a~!!!.~~- ~~!!~.9.. ~~-~~1le,ç§~ _p9Jticas e - .,,,
;~_i_fi\~esmberta dos indivíduos como personagens da história~ corno
o~e se contrapor àquela hist~riogtafia centrada nas ~tegorias coletivas,
;m conceitos ·macro-estruttirais·f; abstratos, também: contribuiu para a colo--.
:ação ~a dimensão inventiva ~-ªi .P~~s humanas como uma preocupação
los histor"ra.dores. A chamada1 Nova História, ue normalmente é identi
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:omãterceira geração clã Escola dosAnnales, _a histoti_o_gtafia influ.enciada pe-
os ~!J.am.~~filós.,o1ºi.p.ó~e.s.trunu:ª1istas. entre· eles, Michel Foucault, ou a
.ústoriografia_de base henne~éutica.sob a influ"inêia de autor;s·como Paul Ri~
;oeur e Michel de Certea~, ao ·darem primazia à análise das atividades descri-
~2Jm0 culturais ou mais ligadas ao éampo das práticàs simbólicas, das ~
_~
. idades, dO ima~ário ou dos-discursos, ta~bém irão conttibui;~x:a_q~ jl
~~iOmventiva humana e da.própria historiografia fosse.ressaltada. Ob-
.~tos ~desnaturãli~m, deixam de ser ·metafísicos e passam, 1>9is, a
;er pensados como fabrica.ção histó~~ como fruto de práticas discursi~ ou
aão, que os ins.tituern, recortam•nos, ·nomeiélIIl-no~ dassific:am-nos, dão-nos
a ver e a,dizer.·.· · · ·· ~ · -· · : ·
Mas o uso do termo invenção por diversos historiadores está longe·de
ndicar que haja_conc<:>rdância entre eles quando se trata de definir o que cada·
wn entende por invenção. Na pri~eira frase' do prefáçio_que escreveu para seu
próprio livro intitulado A: invenção da Hist6ri~~o W~~~Í.-~?-~eça peír
,
IJ~~9~~-~nt~!)~~ inv~ç~~-~!-~mesJ!!~_forma g~~~enn~, HÕbsbawm ou
'
Certeau,4 (l!l~,...$t_gmldQ.ele,..pénsam ~~~~~-'•conio o processo atr~~és dô
~~- ~id~ social foi cristalizada num discu~;-~~-~ e;-qu;·~~;~~~-para~ . ~
issp:Segundo ~]e, invenção. vai aparecer em seu texto como "o ato 'de desco- ·
brir ou ·enCÓntrar um objeto/coisa g_ue já existe; embora o desconheçamos~
como "o ato de·~propriação-tje "algo que-juia ignorado e desprezado pelos ou-
tros homens~ Estaríamos diante, portanto, de ~uas posturas epistemológicas
21
lntrodupJp
Jet~ como algo que preexiste ao discurso, como algo que, esta.n dc ocult9., seria
revelado ou espelhado pelo discurso do -historiad~A própria divisão, um
t~nto ~uanto artificial, que marca o campo histoºriográficq hoje, entre_a bistó- _
......:.!-:•~ .soq~l e:: a história cultural, entre o realismo e o nominalismo, o ceticismo
ou o construcionismo õi.(ã dita oposição entre racionalistas e irracionalistas,
atravessa esta discussão acerca do ~entido da palavra invenção. .
Bruno Latour e Michel FOucault' nos fa~aJ!l que e-sta separação ou d~ ,,
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_tin~o ~di~.!_~ntrto rnun,do das cqifül{e om~ndo das representações, enJ_f~ ·"" '1 ·
~ ~-~tu~:3-~_:3:_~u!n~ra...c~p~-~~.9!:'~.§~!!~ -~~-~~~-~-~ ~~)~?.':'?...~-~~q~_!_s_çi:.! su.i m-
r
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~~ e subjetivo, entre a coisa em si e _a con,strução social do conhecime!!_t..o, \
~Q.~e o objeto e o sujeito é um ·produto da sociedade mÕderna e um do~ seg~
pre~~pÕsfos °fundament.~is:.Ós.pens~doresº moéie-r"n:õs··; -~; ~-c~;q;i;~d~~es
oddentãi~vã·o·~onsid~rar-q~e os p~nsadores, sociedad~s e póvos pré-moder-
nos·eram atrasados justamente por não discernirem, por não separarem as es-
feras da natureza, da sociedade.~ da cultura e da divindade. A produção-do co-
nhecimento, no ocidente, caminhou para separar ~dicalmen_te .estas· esferas,
negan<;lo as relações ou hibridações que pude~m haver entre elas. E·m bora
sendo semp_re um .misto de naturaa, ~ .Jtura ~ so_c iedade,fhomemjfoi-•colo- i
1
--
cado do lado da cultura e pensado como o venceçlor da natureza, inclusive éia
Sl'"i própria . Por um fado,~ttui11=se uma visão.transcendente da natür~µ ao \
.retirá-la do plano do divino~ torn~nd_o-a um. todo .imanente regido por suas .
.
pr6prias ~is in~~!I?_as; p~~!m segúida, acab~r por tOrnar estas própria~-~~s
. .
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22
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Intermediários
1. 1
Purificação
) -
( Composi~
Figura 1 - Retirada de LATOUR, Bruno. Jamais fomos .modernos: ensaio _de antropologia
simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. p. 77.
23
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lnmxfu(4o
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uma invepção puramente i~eol~ica, ou seja, urlla falsificação proposita~, ...
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1
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· mitifie3:~9 sem b,i~ na realidade, que visa. a justifi~r-uma dada dominação.
1. social ou polftica. Mas nesta historiografia o discurso do hlstoriad,:>r e, ,nui- / .f
tas vezes, o próprio discurso do docu~ento., não sã~ iµterpela:dos enquanto· •j
participes da invenção do evento"· q~e é nar"rado~invenção ~~-aconte~dlle.O- :1
'1
to se dá numa instância ~radiscurs~va, pàssr.•se ~tes,_al~m ou aquém 4os - 1
24
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J11trod~
interrogação [seriai uma hipótese; o interrogado lseriaJ a evidência, com suas pro
priedades de.terminadas. A evid!ncia histórica lteria] determinadas propriedades.
t Embora lhe possa ser formulada quaisquer ptrguntas. apenas algumas {seriaml
adequadás. Embora qualquer teoria do processo histórico possa ser proposta, [se-
riam\ falsas todas as teo~ias que não {estivessem} em conformidade com as deter-
min.ações da evid~ncia.11 -
1
/-Ou seja, quem comandaria o pro~o de produção do conhecimento
, + seriai$"Õs pr(>prios fatos, as próprias evidências, muitas vezes chamaclas aqui,
. .i
.equi~<tamente_ de empiria. O hisforfador se deixaria gui~ pela l6g~ca que
.~ ·,·j .· emerge dos própri~s eventos, da própria História, lógica histórica que, assim
·como a razão pura kantiana ou a ra~o absoluta hegeliana, aparece como vn-
dadeiro ente desqunado, como uma mão invisível e ..ihia que dirigirl _o pro-
cesso hist~r!co, cabendo ao historiador compreendê-la e e~unciá-la.
J~-~~ ~ cham~~a histó~ia ~~~~~~~ ,n-~~ se pooe con~~..l~~~~~~,. : ·.' 1 __ ·: :
1
.
ev1c!~.~_çjª._·nem cmpiria e realidade, como parer,e fazer Ibampson, pois nada . _, ~ :,.,. ;/)
.. : ~ evidente e~ si ~mo. ~ ~ ~--4d~~2~• ao contrário do que faz parecer a ª1W:~ · ~- · r
~~~çãQ_~-~_!~~~n~ã~{~-~~p~~~-F-!!~..9.ue -~ tá ali ~~er:39-~ Pª~: ;·:..P..(:r.· J
~I,.<:_ag,h!rada pelo conce1t<> adequado!~~g_9, gqe.J.~W~~~m:§P!..l!.~~~~~~f.~-~.-·-~-: .'
.•1
f~ q~~~~-fa~ a pe~-nta co~gara se manifestat _e v i ~ ~ o u- \ .
t~ de umãccrta vidência, constr~ção·de uma..f9J:!!la de :ver ~e uma visibili-'Y
,r~ ',
1
dade ~;-;;rila · .bilidade soei ;ehistoricaménte ~~da.• ·--: ;~- rio i
_- :ç~~.-L~- d ~ ~ M ? . b r e a çmpiria g_ue..~lyfQDJw ew.,eyidên- . \
ci~ ~ê!1-~.v.ide~~-~ ant~~p..e.sei: avideru:iado,.-!~~~~tado por al~n:t~.&~-~~~ ·
·r nomeação, oonccit\la~o ou relat~. Os ~ocumentos são formas ~e enunciação
e, port~nto, de con~~~~_ção _de evidências_ou de realidades. A realidade n~ é
'
'1
j
uma pÜià.matir~lidad;que 91rregaria e~ mesmâ ':1m sentido a ser ~~:...__ ·
do ?~.-4~à?b~r~~. f ~=-~-~iii-~ e~píri~~ P . ! º d ~ t ~ -~ d~_)
ração de s~ntido tràzida pelas yári~~-~(?_Cm'.15 d~ r~prese~taçao: ~ -!~~lida~~ na_o .
é Um 'àntes. do C(?DC~~!O, ~-~ ~O.!!~®~J .. 1)
1
l11trod11riw
rio do que nos faz parecer o texto de Thompson, as evidências não· são en-
contradas no$ arquivos, são fabricada~ pt;los próprios procedimentos, apara-
~os e pressupostos teór~c~s e metodológicos do historiador. Somos nós que
evidenciamos, colocamos em evidência dado_evento ou conjunto de eventos
e, no mesmo ato, esquecemos ou jogamos para os bastidores outros tantos ·
acontecimen_to~j
. ~ ~-~·-ª ~-i-~~~~-~'!lt~_~aJ?. p_<?!!!~to! -~ iI1Y~t:i?.º..~~--~~~.!.~~i~~i:ttº··M~.t~- (
!l~~t,~!-~ll__~~~~~ ~~-bj~to ~u. sujei~? -~ª- ~~-~~r.~a~ _s~_d_~ no_p~cs~~~~i..m~~o .. ·
quando anaJisa as várias camadas de discursos que o cónstitufram ao longo.do. \.
. t~p~ J>_~is esta histodografi~ é ~tra;~~~~i~-p~lo tropos ·d~ ir~~ia~4 que tra~ a .(
participação d~-dis" do
cursô IÍistoriádor ~~ éónstruçã~ da ~~iciãde''éiú·e·~~-.I~ \
_par~:~-~C:nt~ da_~e~~ã~.rQ historiador irônico i àqu~1e que c·oloca não -~
fora do acontecimento que enuncia, do tempo que narra, mas que sabe que
seu próprio discurso é mais uma dobra no in_t~arcável arquivo de enunciações
que instituem dados sujeitos e dados objet'!!Pr-:º entanto, esta posição, partin-
do do pólo oposto da divisão moderna, ou seja, do pólo do sujeito, da repre-
sentação ou da cultura, pode cair no extremo de negar qualquer matcrialida-
. de para o fato.ou acontecimento. Os fatos seriam apenas fabriq1ções discursi-
va$, os sujeitos e os objetos existiriam apena~ no e como texto, como 4'1stân-··
cias textuais; a realidade seria apenas uma construção narrativa, .um efe~o de
realidade, vivei:íamos entre simulacros e simulações, mit9s e m_itolo.~ias. 15
Talvez para sairmos deste impasse, desta dicotol'"ia _moderna, ·g~e só
fez se ampliar desde Kant, como mostr~ ' ·•
a figura a seguir, até
.
chegarmos
-.
na .
hiperincomensurabiJidade defendida por -alguns p~nsadores pós-m.odernos,
nossos Górgias redívivos/' que· defendem a absoluta ii:n:possibílidade àe as
palavras dizerem as coisas e de estas serem depnidas por.aquelas, precisamos
da ajuda da própria Literatura que, produto ~esta·cisão modem~, f~i coloca-
da do lad<? da representação, da ficção e-~duída do lado da realidade, ·da ver~
dáde e do fato.J 7 Talvez l?ossamos·sair desta·necessiqade de nos fi~ia~ino~ de
um Jado ou de outro dest~ pretensos paradigmas rivais se, ins12iradq_s nas
Primeiras __estó~ias~•_d~ ~~-!n:1~r~es ~~~'- -~~!-~!!~~~ ns~ -~.i~ss~~li_d !~;-d~
-unra-tefce1fa, marge~,1' um.~ _marg~m .onde..as d_µa_s a~enores, fruto das ati-
. . .. - . . . - ·----•--
vidades de purificação, de_radon~lização,..Q~ construção humana e social de
obje~os e de sujeitos-como·e·ntidades-separad~s-.-;êm~~~~~ontr.~r,.Yi~-;e~is- ·
turar no fluxo, no turbilhonar das ações e práticas humanas. Talvez supere-
• -. • 1 •
26
lntrodúfAo Sâbt/!!fG
m_?~ este i~pa~e se. pensarmos comol.G__y_imarã~~: qµLJod~~~~meça
~ um. a~ntedment~,._~ _q~~-~~~-se..~_dine, como fai..Lacart,20 por uma ~ue-
! · ~ra da rotina·, pela emergência de alg(!, pela ruptura com a lei e com a seme-
27 ·
JntrtHl11çi1o
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Trabalho.de
mediação
gem w.ie conecta e mistura tempos e espa~os, que inter~~~ cois~ e.re~~-._\
. sent~ções, realidade e discurso>razões e sentimentos, maténa e s0~01 des~)O ~ '
29
lnrrodu(ilo
obrigação; liberdade e d 1 · _ .
1 . . e ermmaçao...9 h1storiador está condenado como.o ai (
•. da tercerra margem a . :-------·· -·-··· •--· .. - · ·--- ~--- P
! ---~ -- .. --·-:· .. :~-/~ -~~~~t!~~~?mdamente, a nunca a~rtar em porto se" \
-~
1
~J ~-~!r .~..(~~)~~!~º' a realit.á-iõ: Anror;;~ ~- ~~~ d;;··~a;g~~s-·d~ ~b~ /
_Jeto ~u d<;> sujeito~ não µte gi~~t~-~~~~nç~, ~~q~~ ~ta~ ~ão ce~~~-d~ se; {
erodidas mudadas d fi0 e1 . · ···,- ,·
.· ' . e ~~ P. ~-passagem do tempo. Como afirmava Herá- 1•
. chto «pa · · · ·- ·
j : r~ os que entram nos mesmos rios, afluem sempre outras água~•:z• é ·
••l
pt~iso, ao contrário do que afirmava Parmênídes,» pensar a possibilidade do
~be_r sem referentes fixos, sem fundamento, um saber que nasça d~ navegação '
.do fluxo, do que no passar nos toca os oµvidos, os olhos, a língua, s pele,_en-
cantados e encantadores pelas e das sereias, do estabelecimento de.pontes pas-
sageiras com as ~argens representadas pelas cristalizações e viscosidades t:stru-
turais que tanto se observ~m . entre os'objetos, como nas subjetividades, .
que
t.anto .podem ser observadas na natureza, como na cultura. Precisamos estar
atentos para o fato de que no rio do tempo nem tudo é sc~ente fluxo, há tam-
bém seaimentações, depósitos; assoreamentos, o aparecimento de· ilhas de
onde se pod~.empreender uma arqueologia das camadas constitutivas da nos-
sa condição histórica. 1' Os e~os, c~mo nvs diz Veyne.27 sãp estes ieebergs, es-
. ~
j.
~
fluxo e c:ristali7.ação, entre estrutura, pi:ocesso e evento: No rio, como na Histó-
ria, diferentemente do que pensavam os·modernos, nem sempre tudo passa,
nem sempre tudo se tran$porta para frente, nem tudo se arrasta para um télos ~
oceânico. Há redemoinhos, há espirais, há retomo~ há águas paradas, há águas
desconectadas em poças apodrecidas, há águas que se ·desencaminham, que
' .
saem do curs~, que se bifurcam e se 'esquivam em furos, igarapés, riachos, pe-
quenos braços dé do queyão dar em nad.a ou em l~gar nenhum. No rio, _c_º~~
r
' .
30
/11trod11pJo
==.:~~=i:fu.~:~:~;;j~~ãriii~ f
. . . . ., . .
Ç,§.~,,~~9.U@es. A ciência moderna enfatirou exageradaiileJtte o resultado fi-
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lnlroduplo ,.
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~--=-...:::::.::::=------
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D -<
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14'abalho de mediaçao
A explicação parte dos mediadores e atinge;os extrem~s enqu~nto r~sultados;
· o trabalho de purificação toma-~e uma 11,lediaçao em particular.
•
F~gura 3 - RetiraQa de LATOUR, Bruno. Jamais fomos modêrnos: tnsaio de antropologia
simétrica. Rio de Janeiro: E.ditor:i 34, 1994. p. 77.
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S1... . ·'.·-·''J}I;
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} -~~_tr.~~_yçãQ~íl~.e.11.iJ1r __ · · · ·
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·---·· - -·- - ~ - --.. -te o historiador
•
cados nestà t(r_ cei~ niarg~~ da t~~P.<?~lid:~4~-q~~ éO pr~~ _,__ - ···---d·.~- ... fa-··
\J -tem. . .. . . . . noa que possa me iar, -
ll tarefa de construir com sua_narra~~ ~~a~ · · · : · -· · · ·· --=---· -- _. .
. .. . - . d d futu Ao habitar o tempo, como pas-
zer ~ t(?~r.~ m~r_iens ~º-pa~_ o e .º-· .r~- -~. . . de sér
-sa a fazer o pai da terceira mqem, ao passar a viver no fluxo, ao invés
' · um profissional que fica p~ ao passa~, q~~ remó~ ·su~ lcQt~ranç~,
fica àncotado à margem da memória e da tradiçao,__o hbitcnador t al~m 9! ~
4::
te1Ti à tm:fa de se descolar d _ ~ r i a c r i ~ ~ ~ _ s o m ~
~~¾iif~ti-~~4;z~~f.;;;ip!!:~:!:=~:'1! ~
canoa daquela hi5toriógrafia que era escrita cm nome_de um futuro, que des-
prezava o presente pa'i-a viver ancorcido na margem-da esperança~ enquanto a
canoa ameaçava.fazer água e apresentava furos por todos os lados. Desde os
textos dos fundadores ·da Escola dos Annales14 que invertemos a _relação entre
passado e presente, aprendemo~ que_é o presente que interroga o passado e o
conecta com anossa viaa, com as suas problemâticas; _o p~~~do, ~~..!11~.!Jjs-
~ -ria, é .':1.~~ invençã~·do pr~ente,cm~~ ~~r~a_1195_~ign~$ d~4Qs pe)o
pa~"º· Passado que..está lenge de estai morto,'de estar acabado, p~J!é?. que
_é ~t~ ~~ p~ópr!~ p~tc. No.rio, com~ nàliistória,-.águas passadàs movem -
I'l)oinhos e-destinos .•Cabe ao historiador~ pro§ssi?nal do P!.e~ e não do_ l
passa~~mo dizia ~loE.~?-~n~tntirS.JJUY~.Jlil.u.atiY~ ms.di~x!º entre o~ \
~~s e dij"~~mr~g:,m.9__q~e1i~ ~.!!!?~...º..9~~ é atual~-?-~~ (p19pr~~ dp (
0
nao podem_os 2.char que só o que existe é a linguagem, pois· todo dia esbarra-
m~~ em coISas que nos machuéam o dedo _do pé, que existe~_inçleperidente-
rnente do con_ceito que as atribuímos, embora até para ·lhes xingà.r prec.isare- ·
~os ime_diatamente nomeá-la b,p co1;1trári~~~-9!1.~.~!l~ª-Yfm~gs~m24$í.~.9§~.
!.1ªº fabncaID.9.s. s6Jt9!ltu.ra,.ta.tn.b.ém.Jlão cess~os de fabricar a natureza, in-
clusive a noSSl, mas também somos o~tos tant~·p;;;~~~;~;~~;~-p~~éi
-~ çy.1.tl!r-;,_~o~-o~§~~~,4~§.P2.~$Ji.~~º~~-;µs 2~Q~~~t~-~~~d~t~~~-~~, ii~-
~~~[e~-~~st~-~~-~:-~~..~En9 _ql!~--~1..1~.~--!L~I.:!i.f.!!la oom~-~~ç-~1.!.Y.r~.,. -~!!.~,.
. ~~1?9~!~.i ~~-~riiP.~~- ~~~~-~J~~-~1_ ~-!9.ç.i.~, .~..tªm-~!ll.-~-~~n~$!1~~ ~~,!rj_g_y-_
t~s naturais, não se fala SeJl!Jlnfill..!,<?M.S.9!'4~..w.ç_ª[s;,_
-· . - ......... ...... - -· .. ..... ~. ~-... _.. . ,.~----,.-,r--= . . .
..
T>epois de ter escrito outros livros,_Guimarães Rosa escreve suas Pri-
meiras estórias, talvez por ter sido ~u primeiro livro de contos, pcq~enas his-
tórias,em que o inusitado de-wn·~co~tecim.ento, a i;rupção de !Jma diferen-
ça, a dor de uma quebra da rotina, levam os personagens a quererem d?mar
este corte no tempo através da narrativa, do rela~o, freudianamente» errr bus-
ca de realizar o luto ou nietzscheanamen~e,. em busca de-produzir o esqueci-'
mento. Con_tar para:domesticar a irr~pção do signo:sem ~ignifi~do, da·toi~a
bruta, da materialidade em estado puro, ~o dilaceramento da realidade ~em
-justificativa..\O homem ~arra e neste m~mento ~eálizà ~ mediação eptre o que
é material e o que·é ideal, entre ó 9ue é ~mpí~ic? e oque'. é simbó~coífv\·nar~
rativa atravessa e articula as diferen\8s, niistúia-as, captura-as, ag~ncia~as.
Como nos diz Michel Serres, nós historiadores, como humanos que somos, e
somos humanos som~nte na condição de·narradores, de viajantes do séntido, .
de seres capazes de metáfora; somo~ seres da invenção através do estabeleci-
mento de vizinhanças, de misturas, de hibridismos,.de mestiçagens. Somos
navegantes das margen~ da iJlventiv'i4Rde, _esta terceira màtgem em que se
transporta sentido, veiqi_i~q1-se difer~ntes formas e mat~~ias e as articulamos,
a~algamamo-las:~mos sér~s da terceira mar1em ~~~~:5-~~~~:.?~~ {
34
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~~!?J.~.~~P.i~g9__flw.c.Q_J~J!!P.9I.~!•. ~~~!~1:11·-·constr~ir-narrativas-barQJs,
-#-··--.. . . -----··--~---·----..·--~,._.,. , /'-
. 9.~~ pr~!~~g~~P-_.t:1m :º~ .Q~J:Q. _aç_i4~g~~-99.J?!!.~~-~~r_n.._.?,?_~~-~~-~-~~~~~.i- f
que compo~ ~.!!•s~onadade. Nunca podemos dizer que nossa viagem é a 4e-
l finitiva, que ancoramr,s no porto final da verdade derradeira ou que ret~rna-
mos até a origem, pois~ navegamos o rio ao contrário descobriremos-que ele
nasce de matéria diferente de que é composto, descobriremos o momento em
qu~·o ~ío é terra, é pedra, é areia, ~ mato, é filete de água, descobriremos que,
assim ~mo o fato histórico, de nunca é feito sempre do mesmo· matáial,·no
começo há apenas dispersão, caos. agroval," onde todas as formas são indeci- ·
sas e as separaç~ entre os g!neros não existem.\Se o historiador.é A-l2tllfis,,. {
~o~ que busca narrar invepções deve ~J2<:,utue estas s~~~!~J~~~!!.4.o (
. materiãís diferentes
-·-- ·-· e muitas
·- ··· «J~--· .. .. ........,vezes
~ -. . .. ......:tidos
. . ..... .como . . . . . .. . .. _,~
. .. , .. irreconciliáve'is. _ invenções
podem resultar no qbe nJo se planejou, as invenç.ões podem·surgir do encon-
tro inesperado e acidental de elementos que jaziam separados. O momento de
invenção, como de irrt;1pção de qualquer evento his~órico, é um momento de
dispersão, qu~ só ganha contorri9s definidos no trabalho de racionalizaçã~ e
ordenamento feito pelo historiador. Ordem que está e n~o está no próprio ..
ever.to,-a~ticuJaçóes prováveis, possíveis, mas n~ca indiscutíveis ou evide·n~
tP.s. ~i~tQr.ico, un:i..~isto de matéria e-memória, ~~-~çã~_~jeprese_l].tação,
fr~~-YIDª pr,agmática que_ar~~!-Jl~ ~-~11:J.I~, .a ~C!~-ºade ~~~
Como historiador, historiador de invenções/º habitante desta terceira .
· margem, sei que sou rio, póis sei ·que sou tam•bém natureza e grande parte do
meu corpo é constituída por água. Mas também sorrio, poi~ à consciência irô-
nica de meu tempo me faz praticar meu ofício cómo um lugar de desconstru-
ção do rosto sério _e sisudo das verdades definitivàs e estabelecidas. Sou. rio.
pois sei que meu saber é composto de ~uitos outros, sei que não sou a origem
do ~eu saber, não sou o sujeito fundante da história que laço, sou fundado
por uma sociedade, por uma cultura, por formações discursivas, por práticas ,
de poder e linguagem, sou um estuário etn que v~m desaguar muitos arqui-
vos. Exerço um oficio conf~~-~.r~gr~~ .qy_~..nã9-_ ~?_<?_~l'~!1!.!~~~b.-~~j?~
~l~~fDe_ i[<?_~~~-8!Éi~~-i:~~~~-~~~~~--~?~!~~ª-~ -~~m~~ t®P-~JP.-~ -s0;9-0
_p~lJ:~J.~e _sej_q!J:~~-~~~-~!-.~~~~-j~-~! :~-~~~.~:_.P.n~.~~i~~~-~~~~~i~~~~S_i~ .
faço. Ao escrever história ten_ho atuada, agiª?..?..P.!.Ç>duz~o fatos, eventos com -.
!S'~~ssõ~-~~ai~ e_?Iltur_~-.-~!!2 à~Y.~i~i..f?ID_Q...llil1Ji.9~...ID$!º obieto ~~
fluxos,
.. .. . . de processos,
. ... . . - -- ' .... .. ,,,.-/ .• . .
, .
.t~!!.1 -~!!1~~~~.2.~
de relaçõe~, _q!:Je. P~.s~·ª'll. P.9Lm.imdU-~-~- .
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Irrtrodriçilo
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' ponto de ªEºi5), ma:s à~ vezes sorrio porque ~sso burlar estes ,pr~~~~~_s, :.s~t..as
-~~~~~~-~ºe~,~~~~-~~~~~~~~-,-~~~- ~egá-la~;~i~~i~~~-~,.:~~--~l~}E.~ -~i:;
_yertir e divergir, muitas veze.5 e~~ ~~-si~pÍe; sorriso de ironia. Sou discipli-
e e
na antidisciplin~, deter~inação e·lib~rdade, estratégia ·•.át"ka·: astúcia e an-
gústia. Às vezes sigo o (dis)cúrso, às'vezes ~aio d_as margens, tra~sbordo, ala-
go, arrasto em meu caminho oatras formas organizadas e as transfon;no em
novas formas, e ambas compõem o meu existir d_e rio. As vezes objeth~ado, às
vezes sújeitado, às vezes cbjetivo, ~s veus subjetivo, sempre os qois _ao mesmo
tempo, eu sou rio e eu sorrio, eu, natural e hu.mano, cursivo e discursivo, in-·-
vento na História e a História.
.,. _.
NOTAS
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