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PROF: DANIELLE TEXTO 02


INTRODUÇÃO · DATA: 22/08/2019

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História
· A /arte de inventar o passado · . .

Ensaios de teoria da História


JSt/05 4 -Y . .

Durval..Muniz de Albuquerque Júnior '

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1 Rua'lrmã Anninda, 10-50
.," CEP 17011- 160- Ba11tu - SP
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Fone {14) 2107-7111- Fax (14) 2107-7219
www.edwc..com.br

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A345h Albuquerque Junior, Durval Muniz de .
Historia: a arte dé inventar o passado. Ensaio.s de teoria da híst.ória/
Durval Murti c.le Albuquerque Júnior - Bauru, SP: Edusc, 200-i.
' 256 p.; 21 cm -- (Coleção ~lstória)
í
l ISBN 978-85-746o-334-6

1. História 2. História e literatura 3. Teoria da hist~ 1. Titulo


Il. Série

coo 900
1 '

Copyright e EDUSC, 2007 .

e-truiil do· amor:


cfurvalal@uol.~m.br

.,
---- -- -----------------··

l NTRODUÇÃÇ> .

DA TERCEIRA MARGEM EU SO(U)RRIO:


SOBRE HISTÓRIA E INVENÇÃO
· Há pelo menos três décadas uma palavra começoll: a aparecer com fre-
. qüência nos µtulos e subtítulos das obras publicadas não só pelos historiado-
res, como pelos profissionais de áreas como as Ciências Socià1s, a Filosofia, a
Pedagogia, a Educação Física, a érítica Literária, a Psicologia, a Ç.Omunicação·
., e até mesmo co~o a Literatura, a Religião e a Gastronomia, a p~~~~-n- •:\·:?(:e- :
ção. 1 M~.~Q. q~~ fr.!-1.~9. de'.,~afBincid~,;icia ·ou, d~. iµn mQSig;B}.9,. 9 !:l~SO deste •~J.'· ·. ' - ..:i
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cepçoés cdinuhs acerca_~il.:_~n~triJ~p_,$oÇ_i_ª-1.,da~~ade
. . . • - .. •. ,- . . : .... - •• .• •- - • - ~ •·, ..... ....
'e.,.d$..§!IA..ªP.t.~tnsão
..........;-- J•,~-- ', ... . ·• • .. . -.~ - -"''"- ·~ • -►"' ~
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pelas diversas formas.4~!=PnJieçim.e'iit?"'."Q,_u~--~~~~ ~~e~~o _parece indiciar-.!

-_:~~:~:~~:t~~z::~:t~ ~1~::tt::..ec::·'\
· -.-.==. . a~·C'"•·~ -"':'"..-. •---
1
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referir óu erifatizar aspe~~O~-~is~fos'qo que ~ria:funa~eritahi~ construção
. .. -.. :"•V .• . ~- •• . - •• -- ~ • -•• •" .. . -:, _ .,_ .... . . . .' -:" · • : - : • .. •• •

do conhedme~t~ sobre ~-~~bi~nal rêmet~ ·,~rthec~entó e -~s obj~tos e este


sujeitos q~e ·d~I~ -~icip~·-para o-pi$~ a~--Hi~i~.~~~ éttâst~~;~~~--q~aJ.-

qu~t{9_t~ ·de 9.aturaj~za~o. Ao usar ~_
A•.. '('.., . ...... . , , . - · • - • ..
pai_âvra pive~5ã~,. os;ã~t~.~ e~tão en-
. ~ - ..... .. . • • • • " -· - .- .,

fàti~do a dimensão genética das prátjcas ~U~iÚl~S; indepen·dentemente do


qÚe có~~j~~terh ~r ~s a~ões dct~~:~~iltes ·gJ~-.J~~dant.~i~~,.r~ál_i~àd~ ou de
sua_s·i'épre_s~~faç~es. Os ho~ens fuvcntà~iam a Histó~ia a_tr~vés de·,suas ~ções
~ de sui;;~pres~ntações. Es_ta expressãõ~ remete à u~a teÍnporalização dos

19
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lntrod11ç}Jo
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1. · eventos, ctos ·objetos e dos ·.sujeitos, podendo se refe~ir tanto à buxa de um
(

; dado mo~to de fundação ou de origem, como a um momento de emergên-


i cia, fabri~ ou instituição de algo que surge como novo..:....<?..~~~~~º ~~venção,
l . portanto, também remete a uma dada ruptura, a u~~- ~~~~ c~u~ o.u..â'.Üm
-~ento inaÜgÜraÍde°iigumaºpriticã;·êfe-algu~ costume!.~-~ alg_uma _ÇOJ)~p-
s.í~~·d ;~ ~rifo iiü·;;;ãoo:· -·... ·- · . ·- . -.-·- ---- · .
r . No campodáhlstOr10grãfia, es~e terq10 ganha destaque com o P:?._~-

r
sivo afastamento d~~ historiadores em refação às CXJ2.Iiçações que n:metia,n'l
1 .... - •

para· o emprego de categorias trans-históric:as,



das abordagens metafisicas r ou
estruturais, que tendiàm a enfutiu.r a permanência, a continuidad~ e pressu- . :

I . punham a existência de uma essência, de um núcleo signifi~ativo da História,


. de deterininadas relaçõe~ ou pro\.essos como séndo determinantes de:_t~- ~
'
1
variedade do acontecer histórico. Esta forma de ver e de escrever a História - ·
podéria ser caracterizada pelo uso de uma outra expressão, a ·d p termo fo~a-
ç,ão, muito comum na historiografia brasileira escrita entre os anos l~O e
·1950.2 Este termo enfatizava uma visão historicista do evento histórico, pen-
sando-o sempre corno continuidad~ desdobramento, evolução, desenvolvi-
. mento, progresso de 'ti~ dad~ aspecto dá realid~e em relação a processos
, idê~ticos ..oo p~do. A ênfase se dava na identidade e na semelhança e a bus-
ca· das·
onsens, das raízes, das bases, das deter~inações, do -sentido, dos ele-
ment~s formadores era o que preci~~inava nos trabalhos ne~ta áreá'.
LJá ouse do te~~-~e~~'?_!.em~.t~r!..!!!11ª ~..~~~m do e,;erito his- ' J,lÀ.c<.~f_i,
.Jí>,.fi~ q1 1e CQ~a~~~~nti»YiPJlde.2..!.!YP!W-~~-~~!~-~.._~sirygul~id<!g~•
. além d~ que afirina o aaráter subjetivo da pmdUÇ?O histótica. Com__a_çb_afua .
. -~••. ~~~ir~l-~~-ill;ti~~~-q~~. a;~;-;~-~~~;õ·,a·;p~~~:p~;Ü~d "ãiiOs sessenta 4~.. '•ü Í'~·-;·
"século 2à ·ni a aproxiinação da história de disci linas co oa #i,tropologia, ., ·
._-:. $_~·.: · a Etn_ogi-áfia, a ~sic~~~-i~ e a ~~~güística~ q~estiona-se a idéia de.universaíida- C9- i
·dedo homem e da razão ou dá consciência, da racionalidade dà sujeito. tan-
_!o do agenk ~s event~históricos, -~~o-próprio ·hi~ria~-;·;~.~~fu_t.i-
. _. za·o carát~político, inter~saA~'?.!!§!f..uti~o do próprio saber histórico.·0 sÚ-
.jeito do coahecime'nto, em História, debql de ser.pensado como·· ;~-; ·p;~sen-
ça ausente,:oma consdência·plena que fala e vê sem a interferência de dimtn-.
• 1

-.·. ·-. ·~ês irracionai~. afetivas, morais, i~eoJqgi~s ou iµ_c~nscientes .--'O retorno da .
·::, -.~·-~~:~-·::r~re~Cüf~~ dqsliisto~a~o~es c_o ~ ª.questã~ .dª_ ~arrativa, da escrita da His-· - - '
, :~: /.-\:: '.-~na,.de co~ esta part1c1pa da própria elaboraçao ,do fato, tanto quanto are- '
/ -=._:_· .· ' ,.
· -~~,! ·-:· ' .::: · ·, ..

!pção do te.xt~; vai leva~do a esta ·ênfase na di~en~ão ~ccional, poéti~, ou ·, \


.- ~ • trva" do discurso do historiador. A htstóna passa a se questionar , ;::u-n '·:
..:Ja •.mven . ~ . t ,•
.orno discursO. sobre como se dá a produção de sent1d~__ne~~e c:a_!!.l_Eº· . m~e- ; ' ' ·.
"uiâãOe de pensar·q~e -~-ii~~~~ ãpe~P.elha Q-2~<!.'.9ª -~_penênc~a, . . ~- . .
1ue pode ser ~!!StÃ]!Ç~J.~~p_c~r~nte a diz&r as coisas como rea.lme;t~_s;lin _~o, :. .. i ,: \ ,
- -- - - • . ..l-
.o~uest1on~.P-~~r~~ue...se.. ~ e 1 fl-ru><!,.,. d-a m tnmo do pape. da - - ,_. , · - · t
! •. • __ , . , , \ :

'.1,Iagem,· num contexto em ~e Q_dag,,ew..9_J,,.n,pnto da indústria cultural ou da ; . i ,_.,, :,Íil.;.


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:ultur~ de massas!.~oloca a1.1in~a~!!!.~~- ~~!!~.9.. ~~-~~1le,ç§~ _p9Jticas e - .,,,
;~_i_fi\~esmberta dos indivíduos como personagens da história~ corno
o~e se contrapor àquela hist~riogtafia centrada nas ~tegorias coletivas,
;m conceitos ·macro-estruttirais·f; abstratos, também: contribuiu para a colo--.
:ação ~a dimensão inventiva ~-ªi .P~~s humanas como uma preocupação
los histor"ra.dores. A chamada1 Nova História, ue normalmente é identi
----=-----.. . _ -- -=--~
:omãterceira geração clã Escola dosAnnales, _a histoti_o_gtafia influ.enciada pe-
os ~!J.am.~~filós.,o1ºi.p.ó~e.s.trunu:ª1istas. entre· eles, Michel Foucault, ou a
.ústoriografia_de base henne~éutica.sob a influ"inêia de autor;s·como Paul Ri~
;oeur e Michel de Certea~, ao ·darem primazia à análise das atividades descri-
~2Jm0 culturais ou mais ligadas ao éampo das práticàs simbólicas, das ~
_~
. idades, dO ima~ário ou dos-discursos, ta~bém irão conttibui;~x:a_q~ jl
~~iOmventiva humana e da.própria historiografia fosse.ressaltada. Ob-
.~tos ~desnaturãli~m, deixam de ser ·metafísicos e passam, 1>9is, a
;er pensados como fabrica.ção histó~~ como fruto de práticas discursi~ ou
aão, que os ins.tituern, recortam•nos, ·nomeiélIIl-no~ dassific:am-nos, dão-nos
a ver e a,dizer.·.· · · ·· ~ · -· · : ·
Mas o uso do termo invenção por diversos historiadores está longe·de
ndicar que haja_conc<:>rdância entre eles quando se trata de definir o que cada·
wn entende por invenção. Na pri~eira frase' do prefáçio_que escreveu para seu
próprio livro intitulado A: invenção da Hist6ri~~o W~~~Í.-~?-~eça peír
,
IJ~~9~~-~nt~!)~~ inv~ç~~-~!-~mesJ!!~_forma g~~~enn~, HÕbsbawm ou
'
Certeau,4 (l!l~,...$t_gmldQ.ele,..pénsam ~~~~~-'•conio o processo atr~~és dô
~~- ~id~ social foi cristalizada num discu~;-~~-~ e;-qu;·~~;~~~-para~ . ~
issp:Segundo ~]e, invenção. vai aparecer em seu texto como "o ato 'de desco- ·
brir ou ·enCÓntrar um objeto/coisa g_ue já existe; embora o desconheçamos~
como "o ato de·~propriação-tje "algo que-juia ignorado e desprezado pelos ou-
tros homens~ Estaríamos diante, portanto, de ~uas posturas epistemológicas

21
lntrodupJp

' distintas, uma nue ha


no processo d 1·
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_
- ~ - L-~!!.~._!ten~.~ -para o papel do discurso, <:Iª· -~ ~rrnti~,
- ·-•·· · •·.•······· · .-- · ·· ··· · · ·
-- .. . ~ • ~y~µça9 . 9S 9bJ~!~s .hi~tQricos. e. uma~a.utra.que.roma...o..o.b-
·

Jet~ como algo que preexiste ao discurso, como algo que, esta.n dc ocult9., seria
revelado ou espelhado pelo discurso do -historiad~A própria divisão, um
t~nto ~uanto artificial, que marca o campo histoºriográficq hoje, entre_a bistó- _
......:.!-:•~ .soq~l e:: a história cultural, entre o realismo e o nominalismo, o ceticismo
ou o construcionismo õi.(ã dita oposição entre racionalistas e irracionalistas,
atravessa esta discussão acerca do ~entido da palavra invenção. .
Bruno Latour e Michel FOucault' nos fa~aJ!l que e-sta separação ou d~ ,,
,I
_tin~o ~di~.!_~ntrto rnun,do das cqifül{e om~ndo das representações, enJ_f~ ·"" '1 ·
~ ~-~tu~:3-~_:3:_~u!n~ra...c~p~-~~.9!:'~.§~!!~ -~~-~~~-~-~ ~~)~?.':'?...~-~~q~_!_s_çi:.! su.i m-
r
.{
~~ e subjetivo, entre a coisa em si e _a con,strução social do conhecime!!_t..o, \
~Q.~e o objeto e o sujeito é um ·produto da sociedade mÕderna e um do~ seg~
pre~~pÕsfos °fundament.~is:.Ós.pens~doresº moéie-r"n:õs··; -~; ~-c~;q;i;~d~~es
oddentãi~vã·o·~onsid~rar-q~e os p~nsadores, sociedad~s e póvos pré-moder-
nos·eram atrasados justamente por não discernirem, por não separarem as es-
feras da natureza, da sociedade.~ da cultura e da divindade. A produção-do co-
nhecimento, no ocidente, caminhou para separar ~dicalmen_te .estas· esferas,
negan<;lo as relações ou hibridações que pude~m haver entre elas. E·m bora
sendo semp_re um .misto de naturaa, ~ .Jtura ~ so_c iedade,fhomemjfoi-•colo- i
1

--
cado do lado da cultura e pensado como o venceçlor da natureza, inclusive éia
Sl'"i própria . Por um fado,~ttui11=se uma visão.transcendente da natür~µ ao \
.retirá-la do plano do divino~ torn~nd_o-a um. todo .imanente regido por suas .
.
pr6prias ~is in~~!I?_as; p~~!m segúida, acab~r por tOrnar estas própria~-~~s
. .
(,

trans<:enden ~ pois universa~ti°távêi;-e"ü;;·an.ica·s:·por ouiro)ãdo~ -tam-


bém se contestou o caráter transcendente da sociedade e da cµltura, dessacra-
lizando-as, mostrando-as"como construções h.umanas in:ianentes, para em se-
guida advogar que as regras e normas criadas pelq próprio -homem dele se in-
. dependiza:vam e·se tornavam transcendentes, o ho~em criaria as pJ.16prias es-
Úuturas qu~ o aprisionavam. ~tour e Call~n' cha~arão este processo de se-
paração entre a natureza e a subjetividade/sociedade de processo de purifica-
ção, ensaiado desde Kant.1€_procediment~ científico no ocidente moderno se
carac~r.iiaria por esta prática de purificação, pela rejeição de aceitar as mistu-
ras, as relações, ~s superposições, as mestiçagens. No ato de conhecer se advo-
ga a existência de duas instâncias puras, autônomas e preexistentes à própria

22
lnlnldUf.Jo

/-~~L'9..P..l.!.e.f.W1.E1!º' o objeto e o sujeito,-ou como quer E. P. Thompson,


~ o e a evidência~ coisa em si e a razão pura kantiana seriam pressu•
l
1
postos da produção do conhecunei:ito, e este um esforço de mediação, de
aproximação progressiva destes pólos distintos, realizado com a ajuda da ex-
peri~ncia, da sensibilidad~, da imaginação, da memória e das demais faculda-
des humanas. . /
Poderíamos desaever o:esforço do cqnhecim~t~1-como o fàz a figura
a segttjl) como· esta btis~ de a~gir..uma··median~ invisível en~ os pólos da
naturua, da coisa an si, do fato ou . da-realidade e o. pólo da cultu.ra, da·repre~
:,
'' · t sentação, do discuISO, da subjetividade e·do contexto social. A busca deste cen.
r
\ ~ imaginário_em que se produziria o conhedment~ tanto pode ser feito par-
, -~do da coisa, da matéria, da realidade, do objeto, do fato, como propuseram
' ·.
os positivistas, os ma~tas, a fenomenologia, todos os considerados materia-
listas, objetivistas, realistas ou racionalistas,-como pode partir da representa-
. ção, da cuJtura,·da sociedade, das idéia~, do sim~lico, ·do context~ social, da
subjetividade, como propu~eram os românticos~ os idealistas, os exist~cialis-
tas ou a semJ.ologia e a hermenêutica, todos os considei"ados idealistas,'subj~
tivis~, ~omin~ ou irracionàlistas. ~ a esta divisão moderna e pretensa~
mente irreconciliável,_é a esta incomensurabµidade entre os pólos da nature:
r.a e da sociedade/subjetividade.que remete à divisão exposqt por Wehling no
texto citado anteriormente, que_ aparece em:texto de Ciro Flarnarion ~doso'
·. como sendo os pa~igmas riv~s ou _que s~ materiáliza em nossa ár~ na_ca-
nhestra divisão entre história social e história cultural.

Pólo natureza Ponto de clivagem Pólo sujeito/sociedade


·e de encontro

or----+---t----t------t--~-+--------o
Intermediários
1. 1
Purificação
) -
( Composi~

A explicação parte de um dos extremos


e aproxima•se do ponto de encon~ro pelá multiplicação dos intermediários.

Figura 1 - Retirada de LATOUR, Bruno. Jamais fomos .modernos: ensaio _de antropologia
simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. p. 77.

23
\

lnmxfu(4o
.. ,

. · . ~~~~6rià sócial seri~ aque~a .91:1~.!.l-~C?..P.Q!!.~e~.quest~o a mate~ialida- -~


V -~e.·a objetividàdê,"a iêàlidàde do·-,to hist6{,iç.Q1,-tlleffl\Q:j~_~ãÓ-~~~id~rando .
a
r. . p·ossr.-e1:·~~ieendê-~~~m·s~;tõ~i'ici~de~al co~o el7 foL ~~i ;·d;f;i~;~s-
taria ~o fado do pólo d(? d.~~_µrso, que, p~r ~r mediado por inúmeras variá- I
veis,
. não. . .seria . espelhar
- capaz de ~ ,.
fielmi.~te
. - ,. . ...á c~isa
- ._ ...si...Por·~er hu~arto, so-
-e~-
cial, cultural(simbólico, ideológico, ~objetivo, e:;te não ~onseguiria dizer as
coisas tais como elas são, os fatos tal como.aconteceram, embora não se tenha
dóvida de que estes aconteceram ~m.si memiós. O momento de ínvenção de
qualquer objeto histórico seria ~ próprio passado~ caberia ·ao saber hi~órico .
f' tentar dar ex>.nta dos agentes desta in""nção, ~e.finind9 que práticas, relações ~
i' - sociais, atividades sociais produziram um d~do.evento: Os documéntos his- ·
tóric~ são tomados c.Ómo pistas através das quais se tenta rastrear o momen-
to desta invenção, os interesses que estavam ha raiz de dado acontecimentó,
os conflitos e as contradições que levaram à sua emergenc~uitas vezes;
•1
como sugere Hobsbawm, 19 o historiad<?r terá que discernir entre o _q~~ é uma- .i
invenção, como ação genética e instituin~e dos grupôs sociais na J~istória, e ., :

1
uma invepção puramente i~eol~ica, ou seja, urlla falsificação proposita~, ...
!
1
i
· mitifie3:~9 sem b,i~ na realidade, que visa. a justifi~r-uma dada dominação.
1. social ou polftica. Mas nesta historiografia o discurso do hlstoriad,:>r e, ,nui- / .f
tas vezes, o próprio discurso do docu~ento., não sã~ iµterpela:dos enquanto· •j
participes da invenção do evento"· q~e é nar"rado~invenção ~~-aconte~dlle.O- :1
'1
to se dá numa instância ~radiscurs~va, pàssr.•se ~tes,_al~m ou aquém 4os - 1

·discursos. gue o enunciam, é parte de wna realidade enlendi~a e-orno materia-


lidad~ ~r~discüi-siv;i e aprisionada -~º pas~ado. que Véli sfr:dê~o~erta, deci.-.
&ada, revelada, resgatada, retomada, explicada,' interpretada.pelo discurso do
t
,,
1

hist9,riado~, que~ interp~la. Cabe ao ·ru~odàdõr kao'passa4o e int~rrogar as • i.


evidências g·üe este deixóu cOID.fS-pei:gunt_M'adeqUadás,'niun~~$º.ç_~i--
.tos e métodos.~i.<?P,Jj1dos, .~~~!!=_Ras~qQ~QC.WJ2.~.!.~~~r:se em ~ua ~giCaa
.subÃ~!!e!.~Ç?.-~ .P.~t~le•J?~~i~i_e~~-~~~, in~~~-s."~~~~~J&~~a?Fi,~-~s.
.I?!.QFfios.agenres...... · '
Como nos fala um dos mais respeitados historiadores sociais contem-
-..• porâneosª E. P. Thompson:
o-dis~rso histórico discipJfoado da prova fcor...sisij.ria] num·diálogo entre çoncei-
' ,
·'
1 .
e
. 'to evidêncíà; unt diálogo ,onduzido por hipõteses suéessivas,·de uÍn lado, e a pes-
' quisa empm~ de outro: O in~errogador [~ia] a lógica ,histórica; oconteúdo da

24
\
'

J11trod~

interrogação [seriai uma hipótese; o interrogado lseriaJ a evidência, com suas pro
priedades de.terminadas. A evid!ncia histórica lteria] determinadas propriedades.
t Embora lhe possa ser formulada quaisquer ptrguntas. apenas algumas {seriaml
adequadás. Embora qualquer teoria do processo histórico possa ser proposta, [se-
riam\ falsas todas as teo~ias que não {estivessem} em conformidade com as deter-
min.ações da evid~ncia.11 -

1
/-Ou seja, quem comandaria o pro~o de produção do conhecimento
, + seriai$"Õs pr(>prios fatos, as próprias evidências, muitas vezes chamaclas aqui,
. .i
.equi~<tamente_ de empiria. O hisforfador se deixaria gui~ pela l6g~ca que
.~ ·,·j .· emerge dos própri~s eventos, da própria História, lógica histórica que, assim
·como a razão pura kantiana ou a ra~o absoluta hegeliana, aparece como vn-
dadeiro ente desqunado, como uma mão invisível e ..ihia que dirigirl _o pro-
cesso hist~r!co, cabendo ao historiador compreendê-la e e~unciá-la.
J~-~~ ~ cham~~a histó~ia ~~~~~~~ ,n-~~ se pooe con~~..l~~~~~~,. : ·.' 1 __ ·: :
1
.
ev1c!~.~_çjª._·nem cmpiria e realidade, como parer,e fazer Ibampson, pois nada . _, ~ :,.,. ;/)
.. : ~ evidente e~ si ~mo. ~ ~ ~--4d~~2~• ao contrário do que faz parecer a ª1W:~ · ~- · r
~~~çãQ_~-~_!~~~n~ã~{~-~~p~~~-F-!!~..9.ue -~ tá ali ~~er:39-~ Pª~: ;·:..P..(:r.· J
~I,.<:_ag,h!rada pelo conce1t<> adequado!~~g_9, gqe.J.~W~~~m:§P!..l!.~~~~~~f.~-~.-·-~-: .'

.•1
f~ q~~~~-fa~ a pe~-nta co~gara se manifestat _e v i ~ ~ o u- \ .
t~ de umãccrta vidência, constr~ção·de uma..f9J:!!la de :ver ~e uma visibili-'Y
,r~ ',
1
dade ~;-;;rila · .bilidade soei ;ehistoricaménte ~~da.• ·--: ;~- rio i
_- :ç~~.-L~- d ~ ~ M ? . b r e a çmpiria g_ue..~lyfQDJw ew.,eyidên- . \
ci~ ~ê!1-~.v.ide~~-~ ant~~p..e.sei: avideru:iado,.-!~~~~tado por al~n:t~.&~-~~~ ·
·r nomeação, oonccit\la~o ou relat~. Os ~ocumentos são formas ~e enunciação
e, port~nto, de con~~~~_ção _de evidências_ou de realidades. A realidade n~ é
'
'1
j
uma pÜià.matir~lidad;que 91rregaria e~ mesmâ ':1m sentido a ser ~~:...__ ·
do ?~.-4~à?b~r~~. f ~=-~-~iii-~ e~píri~~ P . ! º d ~ t ~ -~ d~_)
ração de s~ntido tràzida pelas yári~~-~(?_Cm'.15 d~ r~prese~taçao: ~ -!~~lida~~ na_o .
é Um 'àntes. do C(?DC~~!O, ~-~ ~O.!!~®~J .. 1)

C',cmio chama atenção Derrida em seu ~x:to Mal~ arqwvo, nada do


' fi
quc cou argui
·vado do passado o foi inocentemente. O arquivo. seja de tex-
. . ·
. d . b" tos, ~ fruto de OIV'n1ções PQlfllcas·e de sentado. Mesmo aque-
tos, seJa e o iJ C · r-- · 6 ·.
le documento ou vestígio do passado que possa te~ ~~do a~l n s ~r-~~-~Q
. .. od .d
acaso foi pr uz1 o no u
se tempo ·obedecendo a mtenaonahdades, ou ~Ja; tr.á .
.
' as evidências cm seu próprio tempo são fabricadas. Além de que, a~ con -
t.
i
! 25

1
l11trod11riw

rio do que nos faz parecer o texto de Thompson, as evidências não· são en-
contradas no$ arquivos, são fabricada~ pt;los próprios procedimentos, apara-
~os e pressupostos teór~c~s e metodológicos do historiador. Somos nós que
evidenciamos, colocamos em evidência dado_evento ou conjunto de eventos
e, no mesmo ato, esquecemos ou jogamos para os bastidores outros tantos ·
acontecimen_to~j
. ~ ~-~·-ª ~-i-~~~~-~'!lt~_~aJ?. p_<?!!!~to! -~ iI1Y~t:i?.º..~~--~~~.!.~~i~~i:ttº··M~.t~- (
!l~~t,~!-~ll__~~~~~ ~~-bj~to ~u. sujei~? -~ª- ~~-~~r.~a~ _s~_d_~ no_p~cs~~~~i..m~~o .. ·
quando anaJisa as várias camadas de discursos que o cónstitufram ao longo.do. \.
. t~p~ J>_~is esta histodografi~ é ~tra;~~~~i~-p~lo tropos ·d~ ir~~ia~4 que tra~ a .(
participação d~-dis" do
cursô IÍistoriádor ~~ éónstruçã~ da ~~iciãde''éiú·e·~~-.I~ \
_par~:~-~C:nt~ da_~e~~ã~.rQ historiador irônico i àqu~1e que c·oloca não -~
fora do acontecimento que enuncia, do tempo que narra, mas que sabe que
seu próprio discurso é mais uma dobra no in_t~arcável arquivo de enunciações
que instituem dados sujeitos e dados objet'!!Pr-:º entanto, esta posição, partin-
do do pólo oposto da divisão moderna, ou seja, do pólo do sujeito, da repre-
sentação ou da cultura, pode cair no extremo de negar qualquer matcrialida-
. de para o fato.ou acontecimento. Os fatos seriam apenas fabriq1ções discursi-
va$, os sujeitos e os objetos existiriam apena~ no e como texto, como 4'1stân-··
cias textuais; a realidade seria apenas uma construção narrativa, .um efe~o de
realidade, vivei:íamos entre simulacros e simulações, mit9s e m_itolo.~ias. 15
Talvez para sairmos deste impasse, desta dicotol'"ia _moderna, ·g~e só
fez se ampliar desde Kant, como mostr~ ' ·•
a figura a seguir, até
.
chegarmos
-.
na .
hiperincomensurabiJidade defendida por -alguns p~nsadores pós-m.odernos,
nossos Górgias redívivos/' que· defendem a absoluta ii:n:possibílidade àe as
palavras dizerem as coisas e de estas serem depnidas por.aquelas, precisamos
da ajuda da própria Literatura que, produto ~esta·cisão modem~, f~i coloca-
da do lad<? da representação, da ficção e-~duída do lado da realidade, ·da ver~
dáde e do fato.J 7 Talvez l?ossamos·sair desta·necessiqade de nos fi~ia~ino~ de
um Jado ou de outro dest~ pretensos paradigmas rivais se, ins12iradq_s nas
Primeiras __estó~ias~•_d~ ~~-!n:1~r~es ~~~'- -~~!-~!!~~~ ns~ -~.i~ss~~li_d !~;-d~
-unra-tefce1fa, marge~,1' um.~ _marg~m .onde..as d_µa_s a~enores, fruto das ati-
. . .. - . . . - ·----•--
vidades de purificação, de_radon~lização,..Q~ construção humana e social de
obje~os e de sujeitos-como·e·ntidades-separad~s-.-;êm~~~~~ontr.~r,.Yi~-;e~is- ·
turar no fluxo, no turbilhonar das ações e práticas humanas. Talvez supere-
• -. • 1 •

·--' - - - ·- -- - -- ·-· - - -·----· ·· -· · ·· --·· -- ·· .

26
lntrodúfAo Sâbt/!!fG
m_?~ este i~pa~e se. pensarmos comol.G__y_imarã~~: qµLJod~~~~meça
~ um. a~ntedment~,._~ _q~~-~~~-se..~_dine, como fai..Lacart,20 por uma ~ue-
! · ~ra da rotina·, pela emergência de alg(!, pela ruptura com a lei e com a seme-

lhança. As primeiras estórias ~ó começam por um acontecimento, por mais


banàl que seja, mas este acontecimento.. que no início é só inquietude, des-
conforto, choque sens~vel, signo sem sentido, desnortea.mento, potência viril,
loucura· senil ou inocênc~a infantil, começa a fazer sentido, começa a se tor-
nar fat~, começa a ganhar contc;,rnos quando começa a ser contado, nai:rado,
· relata&,. Ofato, o ·evento, não pode ser reduzido nem somente_à irrupção
real ~e U!Dª.ação, d~ uma práti~ sem sexttidÓ, sem significado, incômodo
sensível que nada significa, nem som.ente à sua bano~a e grandi!oqüente nar-
ra ti~. Como propõe Lacan,3' o real é o insuportável, o inapelável, o irrecor-
't
rível, é o pai cumpridor; ordeiro, positivo, repetitivo, que um dia toma a ca-
noa e entra no rio para não· mais voltar. Mas nenhum ser humano suporta _o'
real se não trabalh~-lo simbolicam~nte,'sé~ã~-~pi.a"càr-süà·estranhez~ através
dá dot~çã~de senii<1õ-;·d;·;fg~Jf~a~9;:s~--n~ºi<!mar_~~~~i~ -~;i~{~~
êm
---
aiiõ°éultu~f A-d~;~fa partida d;-pai logo deve ser explicada, en~di~a, j_us-
·
tificada, deve·tomar.:se estória, relato, escritura.:Todo fato ·é, ào·inesmo tem-
. ... __

p ~ ~ ;:sod;fade ·e-~di~~~~?--~~~ I_~!;rialiq~de, r~la~o-.social ede


poder,.e-pID!luÇi9,_~~~~)I'~!_s__;g~~º~-0.2!lC.!ª-
riáveis_na~raib-4~!.~~e_se.mpt~9-~h~t~iad~J!.,.t11.~c!,~~~nca nos .
-le.mb~ dizer o clima que fazia quando um evento histórico -ocorreu, '
embora às ve'ies·tomemos a ~alidadé do solo como elenie~to de explicação
de uma dada forma de produção. _N~~istó:.~~~-g~~·f !~ -~i~J~ro: _
·duto .de dac.l~.s relações. sociajs.,_. _qiJ<:nsões,-conflitos..e.
. . - .. . . . . ....
_aji,m~s
.
~!l} -tO_IJJQ_9..Q.,
.. e~g_~~~C?_.49.. P.o~er,, de dada_form~--~~- organização~~ soçi_egade, p.ro~llJ~i>_,g_~..~
-~ticas e atitud~~:fo.imanas; indi.wluais t ·cok{iy~, Estas práticas.nunca po-
dem ser reduzidas a um dado aspecto da reaJidade, !!.'-!~~ y_ma.p~.ática.eco-
nônií~~~pode-ser-desligada· ·de-um: ·conte.údo--político.. ~u...d~ixa.de. car;iegar
\:~~~p_ç§és .fjJosóficas,.políticas,.uma si,m_bqlogiaf representações a~rc~ do :
_q~~:_-~ej~-~ P!~Ç<?._[~9, 9 sal~rio adequ~49,J>.lucrQ_pevjfl~~~9=~yen~.$=- f
tórico ~ cultural e simbólico e precisa de alguma forma de linguage~_9.µ ~ {°
imbotogia pâra Ocontecer, pari, estabelecer os laços decomuni~•;r;ntre 2' '\~.
homens, sem ã,s quais não haveria economia, @titica ou ~9P a e, nem
.-. - ~~~~-~~-t~- 0~ ~~§~ ---- . . ·. - .: ·

27 ·
JntrtHl11çi1o

'
.
..
.
... '

·- Hiperincomensurabil idade (pós-modernos)


Incomensurabilidade (Habermas)
Tensão insuperável '(fenomenologia) Trabalho de
. Contradiçao (Hegel) purificação
. ( ~paração (kantism<y
Pólo natureza Oistin~o ~ob~~ 8~e) Pólo sujeito/sociedade
Dimensao moderna · .

Trabalho.de
mediação

. ' ' '- .


Quanto mais ·os quase-objetos .
Multiplicaçáodos
-quase-objet~
se multiplicafT!, mais cresce a
distinção éntr_e os dois pólos Dimensão não moderna .
.
1.· Figura ·1 -.Retirada de UTOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de·antropologia
simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. p. 58.

~ que significa pensar a ~is~ória e escrevê-1.a ~esta terceira margem? Sig-


nifica prime~ pensar que ~ória não se passa apenas no lugar da natufe'la,
da coisa ·em si, do evento, da matéi:ia ou da realid~de, nem se passa apenas do
· ladó. da ~epresentaçãà, da cultura, dá s~bjetivi<lade,. do ~jeito, ,d.~ idéia ou da.
1 .
•· narrativa, mas se p~ entre elas, no poJ)t_Q.. d~nçg~~~--e na m~diaçãó.éntre
; ·elas, no·lugar ond~ es~ divisões ·ainda são .indisceriúveis, onde estes elé~entos·
··,.e varáveis se n.J_istti.rain. Àhistória se ·passa ·nesta ter~eira margem onde o que
-~pera é o ~ ~ - que d~~ar:cha .~Joon~~e~tahelecid~s· ~e objetos e.
s1:1jeitos, que mistura aspectos que aparecem s,eparados, classificà<,los e ordena-
,d~s ª~- a
as prátic;as.d~ (lnáiis~ levadas cabo pelas ciências., Se de u~ lado, \
!!_~ma _maigem, temos os .objetos já formados, os fatos cristalizados, definidos.
.tido.s_como materiais e ~~-~~!ado, na~~~~ !!l~g~~~::~~ós !35 for~as de .
suje~á estabilizadas!EQ_m id~n.tidad~l g~fi~i~_~s,__~t~-~~- ~~~~essõcíals esta- ~
9-~ub~pretensaroente_e.çt,tjqt_~aj~~~-e simb~J~giãshâstan·- . '
.. ·..~e~~mi~rad~! :.:~Jl~~Qr!~~_j~ta..entK.~~-s,~a.his.to~idade é just~~ \
_? que_im~~tllÍQmJM se m ~ t ~ sem_transformações. A
~. . ..
-::. 1_'
: .\ '·históii~ como.o
·rio heracüt_iano22 arrasta estas formas est3biliza~s para o flux~.
... .
para o redemoinho do tempo, tomando-as sempre diferentes do que paceciam
ser. Qualquer evento histórico é uma mistura tal de vari_ávás, é fruto do entre-
laçamento de tantos outros e~entos de-natureza diferenciada,que sempre visua-
lizamos apenas parcialmente e pomos _e m evidência apenas alguns des~ ele-
_mentos que o ~nstituem. Como o cío, a História arrasta as suas margens para
seu lei~ num trabalho incessante d~ corrosão; em que figuras de objeto e figu-
. ras de ~jci~ coisas e repcesentaç~~ natureza e cultura se aitrela~ e ~ mis-
t.uram~ remoinham-se, enovelam-se, hibridizam-se. ~o contrário do que pen-
as
~ se mugens limitam e contêm o rio, dão a ele·forma e-curso,.não··são
as m ~ que prod~ o rio~mas justamente o con':ri1io, f o fluxo das águas,
o passar incessante de seus torvelinhos que vai escavando as margens, dando a
. elas oontomos, i o rio que produz.suas margens. O niesmo tipo de engano cos-
, tumamo, cometer ao paisarmos a História, tanto quando coloc.amos o~ obje-
tos, a .realidade, a m~dade como·sendo seu ponto de partida, CO}llO quan-
do coiQcamos os sujeitos, as ~bjetividades, as representações como sendo seu
ponto de partida. Nan os objetos, nem os sujeitos preexistem à hi_stória que os
constitui. A História possui objetos e sujeitos porque os fabrica, inventa-os, as-
sim como o po inventa o seu curso e suas margens ao passàr. Mas estes objetos
e sujeitos també~ imtm~ a ~~ória, ~ mesma fo~a qur ~margens co~s-
titu~ parte inse~ do rio, que o m~tam. . '
· !'Jós'históriadores,.ao contrário do que faicrer_as dicotomias·que.atra-
v ~ nosso campo de estudo hój~, não esc~evemos·a HLct6~ ~ margem di-
-reit3 ou da margem esquerda do rio; não podemos _optar pOI' habitar a margem_
do objetivismo ou a margem do subjetivismo, a margem da natureza ou a mar-
ou
ge~ da cultura, a margem da realidade a margem da cons~ção di.$cursiva.._
da História, pois a História em seu acontecer articula~ relaciona todos estes_~ :
pectos e a ~arratíva histórica tamb_é in deve fazê-l~- Nós escrevemos a Histónã
de dentro dela mesma, escrevemos a História navegando em seu leito_, a barca
se
da historiog~~. ~o nos diz Hartog,» não pode ser mais a bac~ de_Ulis-
ses, pois não podeinos vivér de lCndas e viver as lendas, é a ~ de Heródoto, 1
a barca curíosa, que percorre mundos e ~en_~_dar testemuohs, do qµ~yê, _d;_ 1
onde se fJ.la do real, ~~ra ' -~ ~-~~s gcegos e.formas 4c.~~~~gas~: \ .
-- · -·· - - , -- -·- al '"'" o e o b-'--baro Mas a Históna-é vi.a- \
V~!l:!~do, ao _m~o ~~po, o .r~.. ,.0 tr.'-~~ - - -~ .- ····- • • . : ._· ·1 ·

gem w.ie conecta e mistura tempos e espa~os, que inter~~~ cois~ e.re~~-._\
. sent~ções, realidade e discurso>razões e sentimentos, maténa e s0~01 des~)O ~ '

29
lnrrodu(ilo

obrigação; liberdade e d 1 · _ .
1 . . e ermmaçao...9 h1storiador está condenado como.o ai (
•. da tercerra margem a . :-------·· -·-··· •--· .. - · ·--- ~--- P
! ---~ -- .. --·-:· .. :~-/~ -~~~~t!~~~?mdamente, a nunca a~rtar em porto se" \
-~
1
~J ~-~!r .~..(~~)~~!~º' a realit.á-iõ: Anror;;~ ~- ~~~ d;;··~a;g~~s-·d~ ~b~ /
_Jeto ~u d<;> sujeito~ não µte gi~~t~-~~~~nç~, ~~q~~ ~ta~ ~ão ce~~~-d~ se; {
erodidas mudadas d fi0 e1 . · ···,- ,·
.· ' . e ~~ P. ~-passagem do tempo. Como afirmava Herá- 1•
. chto «pa · · · ·- ·
j : r~ os que entram nos mesmos rios, afluem sempre outras água~•:z• é ·
••l
pt~iso, ao contrário do que afirmava Parmênídes,» pensar a possibilidade do
~be_r sem referentes fixos, sem fundamento, um saber que nasça d~ navegação '
.do fluxo, do que no passar nos toca os oµvidos, os olhos, a língua, s pele,_en-
cantados e encantadores pelas e das sereias, do estabelecimento de.pontes pas-
sageiras com as ~argens representadas pelas cristalizações e viscosidades t:stru-
turais que tanto se observ~m . entre os'objetos, como nas subjetividades, .
que
t.anto .podem ser observadas na natureza, como na cultura. Precisamos estar
atentos para o fato de que no rio do tempo nem tudo é sc~ente fluxo, há tam-
bém seaimentações, depósitos; assoreamentos, o aparecimento de· ilhas de
onde se pod~.empreender uma arqueologia das camadas constitutivas da nos-
sa condição histórica. 1' Os e~os, c~mo nvs diz Veyne.27 sãp estes ieebergs, es-
. ~

tas irrupções que permitem inventariar. momentaneamente a~ di.fer~nças entre


os terripos; são ilhas de história, cômo_di!~~-Sahlins,2' em que podemos estacio-
nar nossa <:3noa provisoriamente para podermos d~sa!_~q~~~ d~e.c-
tativa.e analisar ~ ~p~ç~ d~ ~xp~~i_ênda, como nos :~Í.z
Kos~~eç}ê!; e faz~rmos
·um diag'i-iósdc~ relativo deste momento em que nos encontramos, dos fluxos
que nos ~rastam, dos abisq10s em que-podemos naiúragar~.m~ment~ de des-
\:anso o~de ppdemos elaborar projetos e buscar alt~niativas de carriinh<?S nes- .
te rio do tempo que é a historicidade. Mas, como nos lembráGinzburg/0 temos
· que saber que nenhuma ilha é uma ilha,".há se~pr~_c~:mexões que ~ sustentam,
relações qué a desmancham. A História nãc é apenas fütxo, processo, evento: é
1 também cristalização, estru~ura, sedimentação, é,_aci~a ·de tudo, relação ~ntre

j.
~
fluxo e c:ristali7.ação, entre estrutura, pi:ocesso e evento: No rio, como na Histó-
ria, diferentemente do que pensavam os·modernos, nem sempre tudo passa,
nem sempre tudo se tran$porta para frente, nem tudo se arrasta para um télos ~
oceânico. Há redemoinhos, há espirais, há retomo~ há águas paradas, há águas
desconectadas em poças apodrecidas, há águas que se ·desencaminham, que
' .
saem do curs~, que se bifurcam e se 'esquivam em furos, igarapés, riachos, pe-
quenos braços dé do queyão dar em nad.a ou em l~gar nenhum. No rio, _c_º~~
r

' .

30
/11trod11pJo

na História, há ~Qltipl~~id~de, pois u~ rio é composto de muitos out~os e de


~~~! á~, e,r_n~_ra Pí!~~ ~s~~~~~~-~ -~~~~g~~P· É~~~-pa~
uma superfície lisa, o rio, como diriam Deleui.e e Guattari,'1 é estriado, não
apenas pelas canoas humanas que o percorrem e fazem dele caminho, mas por .
outras matérias várias, inclusive ~turais, muitas águas que o vêm CQmpor.
Todo rio é encontro entre Negro e Solimões. TaIJ_!~~ ~-~s.tpria, e.~bora ~s- ~
~ Pª!~, ~s -~ h~~og~~ca, co~!.í.!W~. ha~!?~~ pe~ ~~~~nça, ~)~ _!e- t
· ~~~,~~-~~m9, é Y~.~~?~~r, d.e~Jffi pelª_diferença. pe~ h~t~rog~pei- (
dade; p~a ~es~~t~uridade, pela j~posição ~ ele~e~tos, por reJações,, por i
eventos de cti~tas cara~t~stlcas. Como podemos acreditar ser p~(vel iso- !
lar um fato econômico,.de um fatQ cultura~ ou wn fato hurnano, de um feito
natural. Nós humanos não.somi;>s anímajs, portanto,_natureza? 65 l /o;; 4
1~nsa_!_que ..., ,t p ~...da~tózj~
c=:,c"'• --
-~S~V~..~J~!~~~ mMg~_1füM.j~ .a.J
história efetiva; seja a história cot1hecimento, é r~t_!!r.,qq~--~ li~tór~a, seja. /i
com~·evento,~~j·~-C ~~ ~Mrativa, ~~~~ ·da r~~9.•.Éutre o.rqlisro~a..mps,- / ·~

==.:~~=i:fu.~:~:~;;j~~ãriii~ f
. . . . ., . .
Ç,§.~,,~~9.U@es. A ciência moderna enfatirou exageradaiileJtte o resultado fi-
..

nal do proce~o de produção do c_onhecimento, morn~nto ~m que (?bjetos e os


os sujeitos apareciarli bem defiilid~s e'classificados, identificá.dos~ graças ao·prd--
cesso de análise, de separação. de ordenamento, de racionalização, silenciando
ou escc ;idendo as etapas intermediárias, as experiências fulhacias,·~s híbridos~ ·os
monstros, os elos pe~dos, os ~rros, as manipulações qu~ foram necessárias an-
.tes que se chegasse a est~ estado de pureza e sepai:ação. Os fatos históricos antes
de aparecerem como figuras definidas, após o trabalho de seleção, ordenamen-
to, racionalização, conceituaçaô e esa~tura realizad<? pelo historiador é uma
congerie de múltiplos elementos~ uma nuvem composta pela poeira dos deta-
lhes, da singularidade cios nomes e das coisas.' 2 Quando ao final ~e nossa ~ar•
rativa, se o evento apare(e em seu corpo inteiriço e bem amarrado, l porque es-
condemos as costuras, os chuleados, os nós e as laçadas que precisamos realizar
e, como numa linda blusa de tricô, precisamos esconder e 4isfarçar no seu ayes-
. - so.~ como narrar, é rela~oriar, ~:m co~tato, entre~ ~ s de diferen_- (
J~.LÇQr.t_s~rr~~~_j~-=ª.lf§!~!l1:es C!.~~~~~~ca!~.~-.q~.:-~. ~~ um d ~ (
~~~~~~~~. .~?Ê:~=-~~~-.t~ab~IJi:o.4~ !~9~~~ é,?~.e~~~to! Ç~!J-,..da__µ1ã~-~ ·
_que~~
--·-·· .
!. ~9.-~ -~~.~-~~~-~-~- ~ª~~9~~~- . 9~ .'lll:~1!1 n~i:ra:.~2~ ~e~~-ptnsa_!__

31

1
lnlroduplo ,.

' '

l S~:~~-~~6~~-~q~ye__~j! ,Qlfs~.ª~.<J~:.ºs.fa.t~s -~ ~p~~ a~ hi~~?!~~P.r, que


\ se ~~rn_~?-~º~~~-e~:~~~! ~~sim seria pensar J possibilidade de o ~or-
dado fa:zer-se a si mesmo. Todavia, também não podemos achar que se pode te-
c.er sem linha ou agulha, que somente a concepção da blusa que estava ideada
pela cabeça b;:.ilhante da bordadeira realiza a própria blusa. Não podemos escre-
:
1 ver a História sem ~-~.urnent°', nem sem as ferramentas que a cultura lústorio-
t
gri.~ nos proporciona, inclusive os ç~nceito~~ Tocer, fOSturar, bordar, escrever,
corno;q~qucr evento humano, por ·mais comezinho que seja, ~ e·~ relação
a matéria e a idéia, a concepção ideal e o ttabalho, a mão e a cabeça; o pl'Ôjeto e
1
í
a ação, a natute7.a e a cultura, a coisa e a pàlavra. QtJalquer produto, que_apáre-
1 .ce no final co_mo algo acabado, passou por etapas intermediárias: por·média~
\ ç~s. A mão da bordadeira medeia e traduz, ao mesmo ~mpo, a relação entre
! . linha, agulha, desenho e concepção. Da mesma forma, como nos diz Cctteau,'3
.'
'
1
ao fabricarmos a narrativa histórica mediamos elementos tão distintos e.bino
! um lugar temporal, espacial, social, cultural, institucional; uma disciplina feita
i d~ regras, conceitps, métodos e uma escr~tura~ feita êle estilos; g~neros, tiopos, '
' convenç&s. Não faz sentido perguntar, portanto, se a bordade\ra 0~1 a histo_ria-
dora é materlalista ou idealista, realista ou con:.trutivista.-objetiyista ou subj~ti-
vista, pQis em ca~ atitude o~ ação de cada uma, por mais corriqueira que s~-
.jam, el~ são tudo i~o ao me.smo tempo, elas são produto desta mediação, po~s,
_da mesma forma que só existe o ób~to bl~a ou .o texto de histórfa porque.elas
os produziram, elas só aparecem r.omo sujeito bordadeira.ao b9rdar ou como
, sujeito histotiadóra ao escrever hist6rfai ao fazerem estes objetos;portantô, s_e o
~ sujejto prod~ o ob~1to, este também define o sujei!f -
~ ...,

1 Pólo natureza . Trabalho de purifü::a~o· Pólo sujeito/sociedade \

\1
' '

o
---
~--=-...:::::.::::=------
.· o o o
º--=-
---➔-t º·
D -<
> :·
14'abalho de mediaçao
A explicação parte dos mediadores e atinge;os extrem~s enqu~nto r~sultados;
· o trabalho de purificação toma-~e uma 11,lediaçao em particular.

F~gura 3 - RetiraQa de LATOUR, Bruno. Jamais fomos modêrnos: tnsaio de antropologia
simétrica. Rio de Janeiro: E.ditor:i 34, 1994. p. 77.

. 32
S1... . ·'.·-·''J}I;
.
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Q~'1

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. ·, J

. . 1. Escrever história é também ~~iar ~~!~~~~-~~~-~ .C!.e.!~e~~!~v~da,d!; ··


"
t ezas,sOCl aaese cultnras
... _.:_ ••.:...--:ed• •
..- ...... C:9l~: ·
de H»mnos dtsUnto~.
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. - "!~----~--~., h •• .._..

} -~~_tr.~~_yçãQ~íl~.e.11.iJ1r __ · · · ·
4
·---·· - -·- - ~ - --.. -te o historiador

cados nestà t(r_ cei~ niarg~~ da t~~P.<?~lid:~4~-q~~ éO pr~~ _,__ - ···---d·.~- ... fa-··
\J -tem. . .. . . . . noa que possa me iar, -
ll tarefa de construir com sua_narra~~ ~~a~ · · · : · -· · · ·· --=---· -- _. .
. .. . - . d d futu Ao habitar o tempo, como pas-
zer ~ t(?~r.~ m~r_iens ~º-pa~_ o e .º-· .r~- -~. . . de sér
-sa a fazer o pai da terceira mqem, ao passar a viver no fluxo, ao invés
' · um profissional que fica p~ ao passa~, q~~ remó~ ·su~ lcQt~ranç~,
fica àncotado à margem da memória e da tradiçao,__o hbitcnador t al~m 9! ~
4::
te1Ti à tm:fa de se descolar d _ ~ r i a c r i ~ ~ ~ _ s o m ~

~~¾iif~ti-~~4;z~~f.;;;ip!!:~:!:=~:'1! ~
canoa daquela hi5toriógrafia que era escrita cm nome_de um futuro, que des-
prezava o presente pa'i-a viver ancorcido na margem-da esperança~ enquanto a
canoa ameaçava.fazer água e apresentava furos por todos os lados. Desde os
textos dos fundadores ·da Escola dos Annales14 que invertemos a _relação entre
passado e presente, aprendemo~ que_é o presente que interroga o passado e o
conecta com anossa viaa, com as suas problemâticas; _o p~~~do, ~~..!11~.!Jjs-
~ -ria, é .':1.~~ invençã~·do pr~ente,cm~~ ~~r~a_1195_~ign~$ d~4Qs pe)o
pa~"º· Passado que..está lenge de estai morto,'de estar acabado, p~J!é?. que
_é ~t~ ~~ p~ópr!~ p~tc. No.rio, com~ nàliistória,-.águas passadàs movem -
I'l)oinhos e-destinos .•Cabe ao historiador~ pro§ssi?nal do P!.e~ e não do_ l
passa~~mo dizia ~loE.~?-~n~tntirS.JJUY~.Jlil.u.atiY~ ms.di~x!º entre o~ \
~~s e dij"~~mr~g:,m.9__q~e1i~ ~.!!!?~...º..9~~ é atual~-?-~~ (p19pr~~ dp (
0

~~~s~, ~e~po_, d~.q~~ -~~~~ conte~~rânSQ> o_qy~ .~~!!~9. :ng~-~-~ ~~ -.


..Y!~-.4~.0!J,t~~ P.Q~~-~--t~~~z mJ~i~,-~~l'!!'--.! ~~~~ili~9s_J1~~~4...n.t~- 1
_t~~
\
.tr2!_e!!..2 _fu~tQ~.Na~.~~ p~~~~-~' já se foi.a época dos historiadores mes-
siânicos, mas possibilidad\;~ múltiplas de futuro1 que se realizarão ou não de-
pendendo do imponderá~el resultado do somatório das ações hümanas. A
Histó~à., como o rio, que suporte frágil para anco~mos esperanças, mas que
vitalidade, que força, que estimulo para relançarmos nossas redes de utopias
ou de h~terótopiasj . . .
Este trabalho de mediação~ de ttadução, exercido pelÕ historiador, tem
com~ principal instru~ento·a narrativa;a linguagem, que é o recurso funda.:.
men~~l de .mediação, ~e mistur~, de relação d~ homem com o mundo. ~ão
existe evento humano e humanizado que não passe p~lo conceito, pelo signi-
' Íllfrodurao

ficado, peia significação. Ao contrá . d . ..


mento não é fruto da ó 1· ano o que pensam os realistas, o con.heci-
~dad . ... e_pu a e~tre o obl~to, entendido como evidê;;J;;;;;;-
·-···-~.. . e_,_~01sa, e a razao, a lógica o e . -;- , - - -·- -- ~ ·''"" '
t • . ··· -- ... -------- --.._!.._ onceito, sa1dos do cérebro de um ·sujei-
_o_,_p_o_is, e~-~e~~-de_s~ta_cópula, existe_u_m_a_·q-u-ase in_v_isí_v_el-película -~~-~ . ·.
- ~t-ele~ento: ª }j_~~~~~~: quep~ssuI e-spe-ss;r;·p~óp;;:que· ~~isar·~:~~
é~-~~-
re coi~. nao é apenas u , u1 ·
0
b" m veic o transparente que permite transportar o
.. ~fto até sujeito e-realizar o encontro felii do conhecimento. Mas também
O

nao podem_os 2.char que só o que existe é a linguagem, pois· todo dia esbarra-
m~~ em coISas que nos machuéam o dedo _do pé, que existe~_inçleperidente-
rnente do con_ceito que as atribuímos, embora até para ·lhes xingà.r prec.isare- ·
~os ime_diatamente nomeá-la b,p co1;1trári~~~-9!1.~.~!l~ª-Yfm~gs~m24$í.~.9§~.
!.1ªº fabncaID.9.s. s6Jt9!ltu.ra,.ta.tn.b.ém.Jlão cess~os de fabricar a natureza, in-
clusive a noSSl, mas também somos o~tos tant~·p;;;~~~;~;~~;~-p~~éi
-~ çy.1.tl!r-;,_~o~-o~§~~~,4~§.P2.~$Ji.~~º~~-;µs 2~Q~~~t~-~~~d~t~~~-~~, ii~-
~~~[e~-~~st~-~~-~:-~~..~En9 _ql!~--~1..1~.~--!L~I.:!i.f.!!la oom~-~~ç-~1.!.Y.r~.,. -~!!.~,.
. ~~1?9~!~.i ~~-~riiP.~~- ~~~~-~J~~-~1_ ~-!9.ç.i.~, .~..tªm-~!ll.-~-~~n~$!1~~ ~~,!rj_g_y-_
t~s naturais, não se fala SeJl!Jlnfill..!,<?M.S.9!'4~..w.ç_ª[s;,_
-· . - ......... ...... - -· .. ..... ~. ~-... _.. . ,.~----,.-,r--= . . .
..
T>epois de ter escrito outros livros,_Guimarães Rosa escreve suas Pri-
meiras estórias, talvez por ter sido ~u primeiro livro de contos, pcq~enas his-
tórias,em que o inusitado de-wn·~co~tecim.ento, a i;rupção de !Jma diferen-
ça, a dor de uma quebra da rotina, levam os personagens a quererem d?mar
este corte no tempo através da narrativa, do rela~o, freudianamente» errr bus-
ca de realizar o luto ou nietzscheanamen~e,. em busca de-produzir o esqueci-'
mento. Con_tar para:domesticar a irr~pção do signo:sem ~ignifi~do, da·toi~a
bruta, da materialidade em estado puro, ~o dilaceramento da realidade ~em
-justificativa..\O homem ~arra e neste m~mento ~eálizà ~ mediação eptre o que
é material e o que·é ideal, entre ó 9ue é ~mpí~ic? e oque'. é simbó~coífv\·nar~
rativa atravessa e articula as diferen\8s, niistúia-as, captura-as, ag~ncia~as.
Como nos diz Michel Serres, nós historiadores, como humanos que somos, e
somos humanos som~nte na condição de·narradores, de viajantes do séntido, .
de seres capazes de metáfora; somo~ seres da invenção através do estabeleci-
mento de vizinhanças, de misturas, de hibridismos,.de mestiçagens. Somos
navegantes das margen~ da iJlventiv'i4Rde, _esta terceira màtgem em que se
transporta sentido, veiqi_i~q1-se difer~ntes formas e mat~~ias e as articulamos,
a~algamamo-las:~mos sér~s da terceira mar1em ~~~~:5-~~~~:.?~~ {

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l
-. '
~~!?J.~.~~P.i~g9__flw.c.Q_J~J!!P.9I.~!•. ~~~!~1:11·-·constr~ir-narrativas-barQJs,
-#-··--.. . . -----··--~---·----..·--~,._.,. , /'-
. 9.~~ pr~!~~g~~P-_.t:1m :º~ .Q~J:Q. _aç_i4~g~~-99.J?!!.~~-~~r_n.._.?,?_~~-~~-~-~~~~~.i- f
que compo~ ~.!!•s~onadade. Nunca podemos dizer que nossa viagem é a 4e-
l finitiva, que ancoramr,s no porto final da verdade derradeira ou que ret~rna-
mos até a origem, pois~ navegamos o rio ao contrário descobriremos-que ele
nasce de matéria diferente de que é composto, descobriremos o momento em
qu~·o ~ío é terra, é pedra, é areia, ~ mato, é filete de água, descobriremos que,
assim ~mo o fato histórico, de nunca é feito sempre do mesmo· matáial,·no
começo há apenas dispersão, caos. agroval," onde todas as formas são indeci- ·
sas e as separaç~ entre os g!neros não existem.\Se o historiador.é A-l2tllfis,,. {
~o~ que busca narrar invepções deve ~J2<:,utue estas s~~~!~J~~~!!.4.o (
. materiãís diferentes
-·-- ·-· e muitas
·- ··· «J~--· .. .. ........,vezes
~ -. . .. ......:tidos
. . ..... .como . . . . . .. . .. _,~
. .. , .. irreconciliáve'is. _ invenções
podem resultar no qbe nJo se planejou, as invenç.ões podem·surgir do encon-
tro inesperado e acidental de elementos que jaziam separados. O momento de
invenção, como de irrt;1pção de qualquer evento his~órico, é um momento de
dispersão, qu~ só ganha contorri9s definidos no trabalho de racionalizaçã~ e
ordenamento feito pelo historiador. Ordem que está e n~o está no próprio ..
ever.to,-a~ticuJaçóes prováveis, possíveis, mas n~ca indiscutíveis ou evide·n~
tP.s. ~i~tQr.ico, un:i..~isto de matéria e-memória, ~~-~çã~_~jeprese_l].tação,
fr~~-YIDª pr,agmática que_ar~~!-Jl~ ~-~11:J.I~, .a ~C!~-ºade ~~~
Como historiador, historiador de invenções/º habitante desta terceira .
· margem, sei que sou rio, póis sei ·que sou tam•bém natureza e grande parte do
meu corpo é constituída por água. Mas também sorrio, poi~ à consciência irô-
nica de meu tempo me faz praticar meu ofício cómo um lugar de desconstru-
ção do rosto sério _e sisudo das verdades definitivàs e estabelecidas. Sou. rio.
pois sei que meu saber é composto de ~uitos outros, sei que não sou a origem
do ~eu saber, não sou o sujeito fundante da história que laço, sou fundado
por uma sociedade, por uma cultura, por formações discursivas, por práticas ,
de poder e linguagem, sou um estuário etn que v~m desaguar muitos arqui-
vos. Exerço um oficio conf~~-~.r~gr~~ .qy_~..nã9-_ ~?_<?_~l'~!1!.!~~~b.-~~j?~
~l~~fDe_ i[<?_~~~-8!Éi~~-i:~~~~-~~~~~--~?~!~~ª-~ -~~m~~ t®P-~JP.-~ -s0;9-0
_p~lJ:~J.~e _sej_q!J:~~-~~~-~!-.~~~~-j~-~! :~-~~~.~:_.P.n~.~~i~~~-~~~~~i~~~~S_i~ .
faço. Ao escrever história ten_ho atuada, agiª?..?..P.!.Ç>duz~o fatos, eventos com -.
!S'~~ssõ~-~~ai~ e_?Iltur_~-.-~!!2 à~Y.~i~i..f?ID_Q...llil1Ji.9~...ID$!º obieto ~~
fluxos,
.. .. . . de processos,
. ... . . - -- ' .... .. ,,,.-/ .• . .
, .
.t~!!.1 -~!!1~~~~.2.~
de relaçõe~, _q!:Je. P~.s~·ª'll. P.9Lm.imdU-~-~- .

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1 1

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Irrtrodriçilo

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' ponto de ªEºi5), ma:s à~ vezes sorrio porque ~sso burlar estes ,pr~~~~~_s, :.s~t..as
-~~~~~~-~ºe~,~~~~-~~~~~~~~-,-~~~- ~egá-la~;~i~~i~~~-~,.:~~--~l~}E.~ -~i:;
_yertir e divergir, muitas veze.5 e~~ ~~-si~pÍe; sorriso de ironia. Sou discipli-
e e
na antidisciplin~, deter~inação e·lib~rdade, estratégia ·•.át"ka·: astúcia e an-
gústia. Às vezes sigo o (dis)cúrso, às'vezes ~aio d_as margens, tra~sbordo, ala-
go, arrasto em meu caminho oatras formas organizadas e as transfon;no em
novas formas, e ambas compõem o meu existir d_e rio. As vezes objeth~ado, às
vezes sújeitado, às vezes cbjetivo, ~s veus subjetivo, sempre os qois _ao mesmo
tempo, eu sou rio e eu sorrio, eu, natural e hu.mano, cursivo e discursivo, in-·-
vento na História e a História.

.,. _.
NOTAS
l BANN, Stcphen. As invenções da História. São Paulo: Ed. da Unesp, 1994; O'GOR-
MAN, Edmundo. A Ínm1fi1q da Amériat". São Paulo: Ed. da Unesp,.1992; STARO-
BINSI<l, Jean. .A inv~ção da liberdade. São P,;i~lo: ·Ed. da Uuesp, 1994; L9RAUX,
Nicolc. Irwmçoq-deAtcnas. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994; KATZ, Jonathan Ned.-
.A in.-mção da heterossexualidade. São Paulo: Ediouro, 1996; HUNT, Lynn. A invm-
... Çt}o da pornografia. São Paulo; Hedra, 1999; LEICK, Gwendol~.Mesopoh1mia: a in-
. venção da cidade. Rio de Janeiro: Imago, 200,; GQMES, Ângela âe Castro. .A ·in-
venção do tra~lhismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2005; GONDIM, Neide. A
invenç/Jo d,a Amaz&zia. São Paulo: Marco Zero, 1994; ALBUQUERQUE JúNIOR,
Dutval Muniz de. A invenção ~o Nordeste e outras .ar~. 2. ed. SãQ Paulc;,: CÓ~ez; R.e-
cif~ Massangana, 2001; CIRNE, Moacy. A invenção de Caicó; Natal, Sebo Vermelho;
2004; MELUCCI, AlLerto. A in..enção do_presente. ·Petrópolis: Voi.es. 2001; C:ANE-
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Ed. da Un_i~mp, 1995;.VALLADARES, Lkia do-Prado:A invettflJO da favela. Rio de
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.venção da palavra oficial. Belo Horizonte: Autêntica, 2003; SOARES, Antônio Jorge
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UFMG, 1999; LE.5SA, Renato. A invençiio republicana. São Paulo: Topbook.5, 1999;

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