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ANTROPOLOGIA SOCIAL

Introdução ao Funcionalismo Britânico: observação participante e a abordagem sincrônica dos


processos sociais.

A Antropologia Social, em especial na Inglaterra, com Malinowski (1884-1942) e Radicliffe-


Brown (1881-1955) destaca a coesão das instituições sociais, como família, moral e religião. Para esta
escola de pensamento importa demonstrar as representações das instituições dentro de uma esfera maior, a
sociedade global. Sociedade essa que deve ser analisada pelo antropólogo, pois os próprios atores sociais
não dominam o entendimento deste funcionamento.

As práticas sociais não devem ser entendidas em si, como representação do social. Nesse sentido,
Durkheim será o grande teórico da Antropologia Social a partir das religiões. Quando fala em representação
significa que a religião não tem existência autônoma, mas está ligada a uma esfera da realidade capaz de
explica-la como relações de produção ou parentesco, por exemplo.

Outros antropólogos definiram a Antropologia Social:

“Radcliffe-Brown considera que é uma ‘sociologia comparativa’. Evans-Pritchard, por sua vez
escreve: A antropologia social deve ser considerada como fazendo parte dos estudos sociológicos. É um
ramo da sociologia cujo estudo se liga mais especificamente às sociedades primitivas.” (LAPLANTINE)

Malinowski foi um dos principais representantes da Antropologia Social. Era polonês, mas estudou
e viveu na Inglaterra, onde publicou seus trabalhos. Além dele, Radcliffe-Brown foi outro grande expoente
da Antropologia Social. Era inglês e procurou firmar o conhecimento cientifico antropológico a partir do
estudo comparativo entre as estruturas sociais em busca de leis universais. Para isso, segue a metodologia
das ciências naturais para o estudo do social. Malinowski escreve um texto clássico sobre a necessidade do
etnógrafo ter a preocupação em legitimar seu trabalho a partir de métodos científicos de levantamento e
registro dos dados da pesquisa etnográfica. Trata-se de “O assunto, o método e o objetivo desta
investigação”; capítulo do livro “Os argonautas do pacífico ocidental”, de 1922.

Para Malinowski, a etnografia, como qualquer outra ciência deveria, e estava em falta com isso,
descrever em detalhes o nível de aproximação e de medição do seu objeto de estudo de forma a mostrar ao
leitor que suas conclusões não foram retiradas do nada. “Imagine-se o leitor...”. Este início de relato sobre
a experiência da pesquisa de campo de Malinowski expressa bem o seu estilo de fazer Antropologia. Ele
tenta, ao máximo, aproximar o leitor da vivência que teve e das informações que coletou com o grupo
pesquisado. O pesquisador nos faz um alerta acerca do risco da companhia de homens “práticos” e que tem
um olhar de desprezo em relação aos trobriandeses. Diz ele que em companhia de cicerone branco
encontraria mais resistência de contato com os nativos. “...quando voltar sozinho, tudo será mais fácil...”
Essa observação ainda nos é muito valiosa na pesquisa em Ciências Sociais. No caso de Malinowski, ele
diz que os cicerones tinham uma visão preconcebida e , preconceituosa e que, fatalmente, isso despertava
o desprezo dos nativos em relação aos brancos.
Enquanto só tinha acesso ao pidgin (uma forma simplificada de inglês) Malinowski inicia um
recenseamento da aldeia, genealogias, mapas e termos de parentesco. Inicia seu trabalho através da
delimitação e quantificação do objeto de estudo, antes de adentrar no qualitativo.

Mas tudo isso permanecia material morto, que não me ajudava a compreender a verdadeira mentalidade e
o comportamento dos nativos, uma vez que eu não conseguia obter deles uma boa interpretação para
nenhum daqueles itens, nem atingir aquilo que poderia ser chamado de ‘espirito’ da vida tribal.

“Quando fica sozinho, Malinowski percebe o segredo do trabalho de campo que se consegue
científicos bem conhecidos e não pela descoberta de qualquer atalho maravilhoso que conduza aos
resultados desejados sem esforço ou problemas.” (Malinowski, 1986, p.28)

Os três princípios metodológicos a que se refere Malinowski são:

1- Ter objetivos verdadeiramente científicos e, para isso, a necessidade de conhecer valores e critérios
da etnografia;
2- Criar condições adequadas para o trabalho, o que significa viver entre os nativos;
3- Elaborar métodos especiais de coleta, manipulação e registro de dados.

O mais importante que o etnógrafo tem a fazer é isolar-se de outros brancos e entrar em contato o mais
íntimo possível com os nativos – acampar entre eles e ter apenas uma base na residência de algum
branco pra os momentos de doença ou tédio. É natural que sinta falta de pessoas da sua própria cultura.
Quando isso acontecer, ele sugere que o pesquisador se isole por algumas horas, o que o fará sentir falta
de companhia e o nativo será um alívio para a solidão.

Ele conta que, quando acordava e dava seu passei matinal já ia observando o cotidiano da aldeia,
incidentes e preparativos para o trabalho, vida em família, tudo o que não se capta em mergulhos
esporádicos.

“Devo esclarecer que, à medida em que os nativos foram me vendo constantemente, todos os dias,
deixaram de ficar interessados, alarmados ou inibidos pela minha presença. Deixei de ser um elemento
perturbador que, com a própria aproximação alterava a vida tribal que pretendia estudar – que sempre
acontece com um forasteiro em qualquer comunidade selvagem.” ( Malinowski, 1986, p.31)

Isso faz com que não se tenha que correr atrás de fatos importantes e que quando algo de dramático
ocorre o nativo está demais envolvido para ser reticente com as informações, com o que fala. Assim, o
etnógrafo vai se impregnando lenta e continuamente da cultura estudada.

Percebe-se claramente, a partir da leitura deste autor, a importância da observação participante para
a abordagem antropológica.

Radcliffe-Brown ligou o conceito de estrutura à morfologia = estudo das formas; estudo das
estruturas ou das formas da vida social e o conceito de função à fisiologia = investigação das funções
orgânicas, processos de atividades vitais. A estrutura social é a trama de relações socias reais. Como
funcionalista entende que a função resulta da operacionalidade da estrutura, pois seus elementos são
interdependentes e contribuem para a persistência do todo.
Assim, sua abordagem pode ser definida como estrutural-funcional, uma instituição social tem a
função de contribuir para a manutenção e continuidade da estrutura social. Considerava culturas menos
ou mais integradas, inspirando-se em Durkheim para o conceito de sociedades saudáveis ou doentes.
Cada sociedade estudada era considerada como uma ‘totalidade’, como um organismo cujas partes
eram integradas e funcionavam de um modo mecânico para manter a estabilidade social. Como
estrutural-funcionalista, as preocupações de Radcliffe-Brown estavam ligadas à descoberta de
princípios comuns entre as diversas estruturas socias, o significado dos rituais e mitos e suas funções
na manutenção da sociedade. A abordagem foi fortemente influenciada por Durkheim.

Dois conceitos básicos, então, são utilizados em sua obra: significado e função social. Para
compreender um determinado ritual é necessário incialmente, encontrar seu significado, isto é, os
sentimentos que ele expressa e as razoes que os nativos apontam, para em seguida identificar sua função
social naquilo que é importante para assegurar a coesão social necessária para a existência do grupo.

Para Radcliffe-Brown, os sistemas de sentimentos regulam a atuação dos indivíduos de acordo com
as necessidades da sociedade; tais sentimentos, que não são intatos, são desenvolvidos e expressos no
individuo pela ação da sociedade sobre eles. A sociedade mantêm-se coesa por forca de uma estrutura
de normas morais e regras civis regulatórias do comportamento que são independentes dos indivíduos
que as reproduzem. Estas normas e regras atuam entrao como uma espécie de ‘consciência coletiva’.
Desse modo, o individuo submete-se aos desígnios da sociedade e é o seu produto. Assim, para
Radcliffe-Brown os indivíduos são apenas a expressão da estrutura social. Ai reside a grande diferença
que o separa de Malinowski, apesar de comungarem a rubrica de ‘funcionalista’. Enquanto considera
de mais relevante os princípios da estrutura social e os mecanismos de integração social, Malinowski
detêm-se nas motivações humanas e define a função dos elementos culturais segundo as necessidades
biológicas do individuo.

“...todos os costumes e todas as crenças de uma sociedade primitiva desempenham algum papel
determinado na vida social da comunidade, tal como todos os órgãos de um corpo vivo desempenham
alguma função na vida geral do organismo. O proposito dos cerimoniais era a expressão e, portanto
a manutenção e transmissão dos sentimentos pelos quais a conduta do indivíduo é regida em
conformidade com as necessidades da sociedade. (KUPER, 1978, p.59)

Deve-se sondar o significado dos costumes pelas explicações dos indivíduos e depois comparar os
diferentes contextos em que um costume se apresenta para extrair seu significado especial, em direção
à elaboração de leis sociais universais.

Em seu artigo “O método comparativo em Antropologia social”, Radcliffe-Brown afirmou que


existem leis presentes em estruturas sociais diferentes, sem conexão histórica entre elas e que, portanto,
a mente humana se desenvolve pelas mesmas leis em toda parte. Defendia que o objetivo da
Antropologia social seria justamente o estudo das regularidades pelo método comparativo.

“Sem estudos comparativos sistemáticos, a Antropologia torna-se á mera historiografia e


etnografia.” ( RADCLIFFE-BROWN, 1980, P. 197).
Através de pesquisas etnográficas em diferentes sociedades, Radcliffe-Brown constatou que várias
lendas traduziam semelhanças e diferenças entre espécies animais – amizade x conflito; solidariedade
x oposição – como nas relações sociais humanas.

“Após extenso estudo comparativo, acho que é perfeitamente justificável a formulação de uma lei
geral, segunda a qual onde quer que exista, na Austrália, Melanésia ou América, divisão social em
metades exogâmicas, essas metades são pensadas como estando em relação de ‘oposição’.

A Antropologia Social tem como característica a valorização da pesquisa de campo e da abordagem


sincrônica. Nesse método, o próprio antropólogo deve ir a campo e observar o grupo estudado. A cultura
deve ser analisada não mais a partir de suas origens ou historia, mas com a logica do sistema focalizado
no momento, através da abordagem sincrônica. Importava a visão sincrônica, num esforço de
compreender a realidade cultural a partir da observação, só possível através do contato direto com o
grupo.

NOÇÕES DE ESTRUTURA E FUNÇÃO

A Antropologia funcionalista propunha novos pressupostos para explicar os fenômenos culturais.


Pensadores representantes desta teoria se opunham a alguns aspectos da teoria que os precedeu, o
Evolucionismo.

Os pensadores evolucionistas ‘julgavam’ as culturas a partir de seus critérios denominados


civilizados. Os funcionalistas discordavam desta postura etnocêntrica e também do ‘método’ de coleta
de dados que os evolucionistas utilizavam. Na verdade, eles se baseavam em extensas pesquisas
bibliográficas e alguns dados enviados por colonos, mas que não alimentavam a teoria, apenas
ilustravam uma tese, concebível ao sentido moderno de pesquisa acadêmica.

No funcionalismo, seus mentores preocuparam-se não mais com a origem ou historia da cultura,
mas com a lógica do sistema focalizado no momento do estudo. Estamos falando da abordagem
sincrônica e também do estudo da totalidade cultural que procurava conhecer a realidade cultural em
dado momento a partir da visão sistêmica. Visão essa que relacionava a sociedade a um organismo, o
que demonstra a tendência organicista desta teoria.

“O estudo de uma sociedade deve ser feito como o do fisiólogo. Ao estudar um organismo, observa
suas numerosas partes componentes, as relações que desenvolve, as funções que desempenha e como
mantém sua continuidade de existência. Qualquer traço cultural ou costume, qualquer objeto material
ou qualquer ideia, como a escarificação, o fogo, uma peça de cerâmica, a noção de deus ou deuses
etc., que existem no interior das sociedades, têm funções especificas e mantém relações com cada um
dos outros aspectos da cultura para a manutenção do seu modo de vida total. Casa costume é
socialmente significativo, já que integra uma estrutura, participando de um sistema organizado de
atividades. Uma cultura não é simplesmente um organismo, mas um sistema.” (Malinowski, 1986, p.
183)

A partir do momento em que atende às suas necessidades primarias, o homem constrói um ambiente
secundário em resposta às exigências de sua sobrevivência. Este ambiente de respostas secundarias ou
advindas das necessidades básicas seria a cultura propriamente dita. A cultura deve ser entendida como
um todo vivo, interligado e dinâmico, no qual cada elemento ou traço tem uma função especifica a
desempenhar no esquema integral.

De acordo com Malinowski, o conceito de necessidade é primordial para entendermos o


comportamento humano. Portanto, a necessidade mais simples, mesmo funções fisiológicas não podem
ser consideradas completamente intocadas pela cultura.

Assim, cada parte da cultura tem sua forma específica e desempenha uma função determinada, não
existindo isoladamente. As partes se relacionam entre si e com o sistema cultural total, configurando a
própria estrutura. Como resultado, a cultura está apta a fornecer os meios para satisfazer as necessidades
de seus membros, quer básicas quer derivadas, através de suas instituições culturais, tais como a família,
o parentesco, a economia etc.

Para esta abordagem teórica o conceito de função tem papel central e deve o foco da análise
institucional. A função da família é o fornecimento de cidadãos para a comunidade. Através do contrato
de casamento a família produz uma prole legitima que deve ser alimentada, iniciada nos rudimentos da
educação e mais tarde equipada com bens materiais. A combinação da convivência moralmente
aprovada, não apenas em termos de sexo, mas também em termos de companheirismo e paternidade,
junto à lei da descendência, isto quer dizer, o estatuto da instituição com todas as suas consequências
sócio-culturais, permite a definição integral da instituição família.

Esse tipo de análise funcional expõe-se facilmente à acusação de tautologia e trivialidade e à crítica
de que implica um raciocínio circular, pois, se definimos função como a satisfação de uma necessidade,
é fácil suspeitar que a função a ser satisfeita foi introduzida a fim de satisfazer a necessidade de
satisfazer uma função.

Assim, por exemplo, os clãs são obviamente um tipo adicional, poder-se-ia, dizer supérfluo, de
diferenciação interna. Será que poderíamos, nesse caso, falar em uma necessidade legitima de tal
diferenciação, especialmente quando a necessidade nem sempre existe? Porque nem todas as
comunidades têm clãs e, assim mesmo, vivem muito bem sem eles.

Malinowski declara não ser dogmático a esse respeito. Ele propõe apenas que o conceito de função
como contribuição para o estreitamento das malhas do tecido social, para uma distribuição de bens e
serviços, de ideias e crenças cada vez mais ampla e mais penetrante pode ser útil como uma reorientação
da pesquisa no sentido da vitalidade e da utilidade cultural de certos fenômenos sociais. Propõe também
a introdução de luta pela permanência, não do organismo individual nem de grupos humanos, mas de
formas culturais. Assim, o conceito de função seria, primordialmente, um artificio heurístico em relação
a certos grupos institucionais amplos e separados.

O conceito de função, porém recebe o seu mais forte apoio de outro tipo de consideração. Se
conseguirmos estabelecer quais são as diversas funções; quais são fundamentais e quais são
contingentes; como se relacionam e como surgem as necessidades culturais contingentes, poderemos
chegar a uma definição mais completa e precisa do conceito de função, mostrando a sua verdadeira
importância.

Primeiramente, devemos considerar dois pressupostos:


1- Toda cultura deve satisfazer o sistema de necessidades biológicas, tais como as ditadas pelo
metabolismos, reprodução, condições fisiológicas de temperatura, proteção contra umidade, vento
e contra o impacto direto as forças destrutivas do clima e do tempo, segurança contra animais
ferozes ou seres humanos, alivio ocasional das tensões, exercícios do sistema muscular e nervoso
em movimento e controle do crescimento.
2- Toda realização cultural que implica o uso de artefatos e de simbolismo constituiria uma
valorização instrumental da anatomia humana, referindo-se, direta ou indiretamente, à satisfação
de uma necessidade corporal. Tão logo a anatomia humana é suplementada por uma vara ou uma
pedra, uma chama ou uma coberta, ou uso de artefatos como ferramentas e bens não derivadas. O
organismo que altera a temperatura pelo uso de um abrigo, permanente ou temporário, pelo uso do
fogo, para proteção ou aquecimento, de roupas e cobertas, torna-se dependente desses elementos
do ambiente, da habilidade necessária à sua produção e uso e da cooperação que se pode ser exigida
para sua manipulação.

Qualquer comunidade observada possui sua administração determinada, principalmente pelas


necessidades nutritivas do metabolismo humano, mas que, em si mesma, produz novas necessidades
tecnologias, econômicas, legais e mesmo mágicas, religiosas ou éticas. Além disso, uma vez que a
reprodução da espécie humana não ocorre pelo simples acasalamento, mas está relacionada à
necessidade de cuidados prolongados, educação e à moldagem primeira da cidadania, ela impõe todo
um conjunto de determinantes adicionais. Estas necessidades são satisfeitas através da regulamentação
do namoro, dos tabus de incesto e exogamia, dos arranjos matrimoniais preferenciais; impõe também,
com relação à paternidade e ao parentesco, o sistema de descendência com todas as suas implicações
quanto as relações cooperativas, legais e éticas.

As condições mínimas de sobrevivência física em face das inclemências do tempo são satisfeitas
através do vestuário e da habilitação. A necessidade de segurança leva a arranjos físicos dentro da casa
quanto no aglomerado humano como um todo, levando, também, à organização dos grupos de
vizinhança.

Caso enumeremos os imperativos derivados, impostos pela satisfação cultural das necessidades
biológicas, perceberemos que a constante renovação do equipamento material é uma necessidade para
a qual o sistema econômico é a resposta.

Para melhor compreensão, convém analisar as palavras de Malinowski (1986, p. 1983-187)

“O conceito de função

Proponho que o conceito de função pode e deve ser ajustado à nossa análise institucional.
A função da família é o fornecimento de cidadãos para a comunidade. Através do contrato de
casamento a família produz uma prole legitima que deve ser alimentada, iniciada nos rudimentos
da educação e mais tarde equipada com bens materiais, tanto quanto com status tribal
apropriado. A combinação da convivência moralmente aprovada – não apenas em termos de sexo,
mas também em termos de companheirismo e paternidade – com a lei da descendência, isto é, o
estatuto da instituição com todas as suas consequências sócio-culturais, permite-nos a definição
integral dessa instituição. (...) Esse tipo de análise funcional expõe-se facilmente à acusação de
tautologia e trivialidade e à critica de que implica um raciocínio circular, pois, obviamente, se
definimos função como a satisfação de uma necessidade, é fácil suspeitar que a função a ser
satisfeita foi introduzida a fim de satisfazer a necessidade de satisfazer uma função. Assim, por
exemplo, os clãs são obviamente um tipo adicional, poder-se-ia dizer supérfluo, de diferenciação
interna. Será que poderíamos, nesse caso, falar em uma necessidade legítima de tal
diferenciação, especialmente quando a necessidade nem sempre existe? Porque nem todas
as comunidades têm clãs e, assim mesmo, vivem muito bem sem eles.
Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que não sou muito dogmático a esse respeito.
Antes proporia que um conceito de função nesse sentido – ou seja, como uma contribuição
para o estreitamento das malhas do tecido social, para uma distribuição de bens e serviços,
de idéias e crenças cada vez mais ampla e mais penetrante – pode ser útil como uma
reorientação da pesquisa no sentido da vitalidade e da utilidade cultural de certos
fenômenos sociais. Proporia também que se introduzisse na evolução cultural o conceito de
luta pela permanência, não do organismo individual nem de grupos humanos, mas das
formas culturais. Tal princípio poderia ser útil para a determinação das possibilidades de
difusão cultural. Assim, proponho conceito de função primordialmente como um artifício
heurístico em relação a certos grupos institucionais amplos e separados.

A teoria das necessidades


O conceito de função, porém, recebe o seu mais forte apoio de um outro tipo de consideração. Se
conseguirmos estabelecer quais são as diversas funções; quais são fundamentais e quais são
contingentes; como se relacionam e como surgem as necessidades culturais contingentes, poderemos
chegar uma definição mais completa e precisa do conceito de função, mostrando a sua verdadeira
importância. Proporia que nos restringíssemos a dois axiomas: antes de tudo, ao que afirma que
toda cultura deve satisfazer o sistema de necessidades biológicas, tais como as ditadas pelo
metabolismo, reprodução, condições fisiológicas de temperatura, proteção contra umidade, vento e
contra o impacto direto das forças destrutivas do clima e do tempo, segurança contra animais
ferozes ou seres humanos, alívio ocasional das tensões, exercício do sistema muscular e nervoso em
movimento e controle do crescimento. O segundo axioma na ciência da cultura seria que toda
realização cultural que implica o uso de artefatos e de simbolismo constituiria uma valorização
instrumental da anatomia humana, referindo-se, direta ou indiretamente, à satisfação de uma
necessidade corporal. Se começarmos com uma consideração evolucionista, podemos mostrar que
tão logo a anatomia humana é suplementada por uma vara ou uma pedra, uma chama ou uma
coberta, ou uso de artefatos como ferramentas e bens não apenas satisfaz uma necessidade física,
mas também estabelece necessidades derivadas. O organismo animal que altera a temperatura pelo
uso de um abrigo, permanente ou temporário, pelo uso do fogo, para proteção ou aquecimento, de
roupas ou cobertas, torna-se dependente desses elementos do ambiente, da habilidade necessária à
sua produção e uso e da cooperação que pode ser exigida para sua manipulação. (...)
Qualquer comunidade que observemos, seja mais ou menos primitiva, seja completamente civilizada,
possui uma intendência tribal determinada principalmente pelas necessidades nutritivas do
metabolismo humano, mas que, em si mesma, produz novas necessidades, tecnológicas, econômicas,
legais e mesmo mágicas, religiosas ou éticas. Além disso, uma vez que a reprodução da espécie
humana não ocorre pelo simples acasalamento, mas está relacionada à necess idade de cuidados
prolongados, educação e à moldagem primeira da cidadania, ela impõe todo um conjunto de
determinantes adicionais, ou seja, necessidades que são satisfeitas através da regulamentação do
namoro, dos tabus de incesto e exogamia, dos arranjos matrimoniais preferenciais; impõe também,
com relação à paternidade e ao parentesco, o sistema de descendência com todas as suas
implicações quanto à relações cooperativas, legais e éticas. As condições mínimas de sobrevivência
física em face das inclemências do tempo são satisfeitas através do vestuário e da habitação. A
necessidade de segurança leva a arranjos físicos tanto dentro da casa quanto no aglomerado
humano como um todo, levando, também, à organização dos grupos de vizinhança.
Se enumerarmos rapidamente os imperativos derivados, impostos pela satisfação cultural das
necessidades biológicas, veremos que a constante renovação do equipamento material é uma
necessidade para a qual o sistema econômico de uma tribo é a resposta. (...)
Avançando um pouco mais, penso que devemos admitir que a transmissão da cultura, desde os seus
primórdios, através de princípios gerais expressos simbolicamente, foi uma necessidade.”

(Malinowski, 1986, p. 183-187)

Podemos concluir a importância do conceito de função, inspirado na teoria das necessidades, para
percepção da cultura como resultado destas necessidades, funções culturais e estrutura cultural.

MODELO FUNCIONALISTA : A SOCIEDADE COMO TOTALIDADE

Quando satisfazem os ‘imperativos’ primários, as culturas respondem a outros desdobramentos.


Desta forma, teríamos as necessidades primárias, as derivadas e as integrativas. Estes desdobramentos
seriam a cultura propriamente dita, que deve ser entendida como um todo vivo e interligado, de natureza
dinâmica, onde cada elemento ou traço tem uma função específica a desempenhar no esquema integral.

De acordo com Malinowski, o conceito de necessidade é a primeira abordagem para


compreendermos o comportamento através da cultura. Toda necessidade, por mais básica e simples que
seja, pode ser considerada completamente intocada pela cultura. Assim, cada parte da cultura tem sua forma
especifica e desempenha uma função determinada, não existindo isoladamente. As partes se relacionam
entre si e com o sistema cultural total, configurando a própria estrutura.

A cultura fornece, a partir das instituições sociais, como família, o parentesco, a economia, as respostas às
necessidades humanas. A instituição que deixa de cumprir sua função, tende a desaparecer. Na abordagem
funcionalista a sociedade é, então, vista como totalidade que tem em suas partes integradas para seu bom
(saúde) ou mau funcionamento (anomia).

Agora, como devemos encarar esse conceito de saúde ou doença social? Como seriam vistas as
transformações/ mudanças sociais pelo Estrutural-Funcionalismo?

De acordo com Oliveira, Santana, Alves (2014, p.234):

“O ponto notadamente marcante da teoria estrutural funcionalista é a sua preocupação em


explicar ou estudar o aspecto social das sociedades em um dado momento, privilegiando uma análise das
sociedades do ponto de vista sincrônico em detrimento da análise diacrônica que, estuda as relações
sociais e culturais das sociedades através dos tempos. Fica evidente que o modelo analítico pretendido
pelo estrutural funcionalismo é um modelo que se preocupa com a lógica interna do sistema social de cada
sociedade. Podemos atestar que o estrutural-funcionalismo, bem como o funcionalismo, estudam a
organização social interna de cada sociedade, e explicam a realidade social das sociedades como esse
todo orgânico onde as partes do sistema social se interligam para sustentar e garantir a sobrevivência ou
continuidade do sistema. No entanto, no caso do estrutural funcionalismo, essa escola estuda não somente
como funcionam as sociedades, mas como as estruturas se integram para dar continuidade ao sistema
social. Dito isso, vale questionar quanto às transformações e mudanças sociais no interior desses mesmos
sistemas socias. Já que as mudanças e alterações no interior das sociedades são evidentes, como o
estrutural funcionalismo explica tais mudanças e alterações? Como se daria a transformação na estrutura
social – para fazer uso de um termo de Radcliffe-Brown – em determinada sociedade?

(Oliveira; Santana; 2014, p. 234)

As sete necessidades básicas e suas respectivas respostas culturais funcionais

Necessidades Básicas Respostas Culturais

Metabolismo Comissaria ( produção de alimentos)


Reprodução Parentesco
Conforto Físico Abrigo
Segurança Proteção
Movimento Atividades
Crescimento Treinamento
Saúde Higiene

Conceitos-Chaves

Como vários desses termos possuem uso distinto, listo os sentidos mais comuns:

 Estrutura Social (1) instituições sociais ou grupos com certa consistência e estabilidade; (2)
relações interpessoais; (3) disposição mutuamente dependente entre atores e instituições sociais
especializadas; (4) diferenciação de indivíduos e classes diante de seu papel social; (5) relação entre
as partes com o todo social; (6) categorias lógicas abstraídas da cultura e a relação de contraste
entre elas.
 Ordem estrutural subjacente: parâmetros que formam um conjunto de abstrações inter-
relacionadas de uma sociedade.
 Organização social: a ordem sistemática das relações sociais pela agência – atos de escolha e
decisão – de indivíduos em resposta às condições de uma situação, conforme o que seu grupo social
espera deles.
 Necessidades sociais: requerimentos que devotam energia para perpetuar a sociedade.
 Função: contribuição de atividade contínuas para manter a estrutura social.
 Função fática da linguagem: proposta por Malinowski e desenvolvida por Jakobson, aponta para
o uso da linguagem com pouco conteúdo semântico a não ser para criar relação entre interlocutores.
 Mito como controle social : para Malinowski, o mito servia como guia de comportamento do
individuo na sociedade. Para Lévi-Strauss, o mito era uma linguagem que revelava a complexidade
humana.
 Paternidade Sociológica: segundo Malinowski, nem toda cultura teria noção de paternidade
biológica, assim, a paternidade seria primariamente sociológica. O famoso “pai (ou mãe) é quem
cria”.

O fato de tomarem de empréstimo conceitos da fisiologia como a sociedade vista como um organismo
em que as partes – órgãos = instituições sociais – devem funcionar em harmonia para a estabilidade do
organismo; faz com que conflitos sejam preteridos na análise.

De acordo com Oliveira, Santana, Alves ( 2014, p. 242):

“Procurar qualquer traço da cultura que têm funções especificas que a mantenha relacionadas com cada
um dos outros elementos da mesma cultura ou sociedade, formando um todo orgânico onde haja interação,
interligação e interdependência que coopere para a manutenção do organismo social. Nesse sentido, as
partes não podem ser compreendidas separadas do todo. Dai reside a grande dificuldade do funcionalismo
em estabelecer ou explicar as alterações e transformações no interior das sociedades, pois a questão reside
muito mais no método utilizado pelos funcionalistas do que uma possível percepção – nesse caso a falta
dela – dessas mudanças.”

(Oliveira; Santana; Alves, 2014, p.242)

Influenciado por Durkheim, Radcliffe-Brown demonstra preocupação com a coesão social e a


relação estreita com esse funcionamento harmônico entre as partes e o todo. No entanto, não descarta a
preservação e a mudança nas sociedades.

“A forma de vida social de certo conjunto de seres humanos pode permanecer aproximadamente a mesma
por dado período. Mas durante determinado tempo sofre ela transformações ou modificações. Por essa
razão, embora possamos considerar os fatos da vida social como constitutivos de um processo, há, além
disso, o processo de mudança na forma de vida social. Numa descrição sincrônica demos um apanhado de
uma forma de vida social tal como existe em determinado tempo, abstraindo tanto quanto possível das
transformações que possam estar ocorrendo em suas linhas essenciais. Uma visão diacrônica, por outro
lado, há de registrar tais mudanças através de um período. Na sociologia comparada temos que tratar
teoricamente da continuidade das formas de vida social e das transformações que nela se dão.”

(RADCLIFFE-BROWN, apud OLVIERA; SANTANA; ALVES, 2014, p.247)

Portanto, os autores citados, em sua análise de teoria funcional estrutural afirmar que não há
negação de mudança. Em determinados períodos, as sociedades sofrem transformações, por isso a vida
social é um processo. A partir de uma visão sincrônica, o registro das mudanças se restringirá a um período.

Radcliffe-Brown denomina de ‘dinâmica’ as alterações ocorridas nas sociedades e de ‘estática’ as


continuidades dos sistemas sociais. Da mesma forma que em um organismo pode-se chamar de estática,
por exemplo, as condições de existência.

Tanto no que se refere ao Funcionalismo, quanto ao Funcionalismo Estrutural, podemos dizer que seus
postulados são:

- A cultura é um todo sistêmico, dotado de racionalidade própria, cujo funcionamento deve ser captado em
dado momento.
- constitui-se de partes interdependentes, relacionadas entre si e com o sistema sociocultural em conjunto.

- Os conceitos de natureza humana e de cultura levaram à concepção da existência de um mundo natural


e outro artificial em correspondência mútua.

- Criação da teoria das ‘necessidades’.

- Reconhecimento e valorização da função desempenhada pelos elementos culturais.

- Para Malinowski, a unidade de analise são as estruturas sociais.

- O arcabouço teórico de Malinowski é funcional, o de Radcliffe-Brown é estrutural funcional.

- Introdução do relativismo cultural, que permite visão do cenário social e cultural das sociedades
diferentes, sem que nele sejam projetados os valores do observador.

(Marconi; Presotto, 2001, p.266)

ESCOLA SOCIOLOGICA FRANCESA: FORMAS PRIMITIVAS DE CLASSIFICAÇÃO

( TOTEMISMO)

Na busca da autonomia do social e do status do social como objeto do conhecimento cientifico,


precisamos não apenas da legitimidade e acuidade com a coleta dos dados. Necessitamos também de um
quadro teórico que dê embasamento a este conhecimento. Vale dizer de conceitos e modelos que sejam
próprios da investigação social, independente da explicação histórica ( evolucionismo ), geográfica
(difusionismo) , biológica (funcionalismo de Malinowski) e nem psicológica.

Os teóricos que forneceram esses primeiros referenciais teóricos para a Antropologia foram Emile
Durkheim ( 1858 – 1917 ) e Marcel Mauss ( 1872- 1950). Durkheim estava empenhado em demonstrar a
autonomia do social como objeto de estudo. Em especial, mas formas elementares da vida religiosa ele
declara a importância de estender o campo da Sociologia ao material recolhido pelos etnólogos.

Defende que cada ramo cientifico progrida separadamente e, assim, o fato social deve ser explicado
por fatos sociais anteriores e não por causas individuais ou psicológicas. Desta forma, por exemplo, a
relação dos homens com o sagrado não deve ser abordada psicologicamente pelo estado afetivo dos
indivíduos. Outro exemplo seria a linguagem, que se trata de um fenômeno coletivo e, portanto, não pode
ser explicada na psicologia de quem fala. A linguagem é exterior à criança porque a precede e continuará
existindo independentemente da existência desta criança.

Marcel Mauss nasce em Epinal, assim como Durkheim, quatorze anos depois deste, de quem é
sobrinho. Mauss, tanto quanto o tio, defende a autonomia do social, mas distancia-se dele em alguns
aspectos. Um deles seria o estatuto que a Antropologia tem como ciência também autônoma e uma
abordagem pluridisciplinar. Se para Durkheim os dados captados pela etnologia seriam analisados pela
Sociologia e que a primeira seria apenas um ramo da segunda, Mauss dedica sua vida toda a comprovar que
a Antropologia seria uma ciência verdadeira e não anexa à Sociologia.

Durkheim, em ‘As formas primitivas de classificação’ (2000) toma como referência a divisão usual
nas tribos australianas. Cada tribo está divida em duas grandes sessões denominadas fratrias. Cada fratria é
composta por um certo número de clãs, ou indivíduos com o mesmo totem. Cada fratria compõe-se de duas
sessões matrimoniais que só podem casar-se com outras da outra fratria. Isto quer dizer que todos os homens
estão classificados e que esta segue a classificação das coisas e dos homens. A classificação em fratria é de
simplicidade, pois bipartida. No entanto, a divisão se torna mais complexas quando em quatro classes
matrimoniais.

A partir do sistema de classificação australiano, Durkheim busca a generalidade deste sistema em


outras culturas e conclui que várias sociedades classificam os indivíduos em totens de acordo com poderes
específicos dos quais esses são portadores. Enumera e expõe vários exemplos de totens, fratrias, mitos e
classes matrimoniais e afirma que, mesmo que não aparentes ou de formas diferentes, revelam as mesmas
ideias da estrutura social daquela sociedade em forma de classificação.

Mudanças sobrevindas àquelas estruturas socias impactarão no sistema classificatório. Assim,


enquanto os subtotens provenientes de um clã original se reconhece como tal, eles serão parentes. No
entanto, com o tempo, a interdependência se apaga e cada subtotem se organiza horizontalmente. Mesmo
assim, alguns traços comuns são identificados. Conclui que:

“a organização primitiva foi submetida a um vasto trabalho de dissociação e de fracionamento que não
está ainda terminado”

(DURKHEIM, 200, p. 194)

Entretanto, o mesmo com agrupamentos, dispersões, totens principais diminuídos, voltamos à


classificação original por afinidade e oposição.

Essas classificações presentes em sociedades primitivas não estão ausentes em sociedades mais complexas.
Por exemplo, no sistema cientifico, que se organiza por sistemas de noções hierarquizadas.

“As coisas não se encontram dispostas simplesmente sob a forma de grupos isolados uns dos
outros, mas estes grupos mantêm uns com os outros relações definidas e seu conjunto forma um só e mesmo
todo”.

(DURKHEIM, 2000, p. 197)

Tais classificações se destinam a ligar ideias entre si e unificar o conhecimento. Assim, o


australiano não classifica os grupos em totens para regulamentação de suas condutas ou justificação de sua
pratica, mas, a partir da classificação em totem, que é capital, situar todos os outros conhecimentos. Enfim,
os homens classificam as coisas porque estavam divididos em clãs e não o inverso. Isso quer dizer que a
origem desta classificação é social.

“...a sociedade é um todo, ou melhor ela é o todo único ao qual tudo se liga. Assim, a hierarquia
lógica não é senão um outro aspecto da hierarquia social e a unidade do conhecimento não é outra coisa
senão a própria unidade da coletividade, estendida ao universo.”
(DURKHEIM, 2000, p. 199)

Durkheim conclui ainda que os laços que unem indivíduos de um mesmo ou de outro grupo, são
laços sociais. As relações lógicas são, em certo sentido, relações domésticas. As repartições lógicas das
coisas se atraem ou se opõe da mesma forma que os homens se ligam pelo parentesco ou se opõe pela
vendeta. São estados coletivos que deram nascimento aos grupos e estes estados coletivos são afetivos.

“Existem afinidades sentimentais entre as coisas como entre os indivíduos, e elas se classificam
segundo tais afinidades.”

(DURKHEIM, 2000, p. 201)

As representações que se fazem das coisas são, acima de tudo, religiosas, no sentido do sagrado e
do profano; puras ou impuras, amigas ou inimigas, diferenças e semelhanças mais afetivas que intelectuais
e determinam os agrupamentos humanos. Por isso, as dimensões das coisas para os diferentes grupos pode
ser tão variadas, dependendo do peso afetivo para uns e para outros. Durkheim enfatiza que a emoção é
algo vago e impreciso, mas não temos como saber até onde se limita e onde começa. No entanto, a pressão
exercida pelo grupo sobre o individuo faz com que ele não possa julgar com liberdade tais imposições.
Claro que a classificação cientifica enfraqueceu o elemento de efetividade coletiva deixando lugar ao
pensamento refletido dos indivíduos, mas essas influencias ainda se fazem sentir. Entretanto, da mesma
forma que a operação lógica do sistema classificatório pode ser objeto da Sociologia, noções como tempo
e espaço, por exemplo, também podem ser, pois em cada momento histórico refletem uma organização
social correspondente. Enfim, vários caminhos que a Sociologia poderá traçar”

O FATOR SOCIAL

“Existe aí um enorme conjunto de fatos. E fatos que são muito complexos. Neles, tudo se mistura,
tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as nossas – até às da photo
– história. Nesses fenômenos sociais “totais”, como nos propomos chama-los, exprimem-se, de uma só vez,
as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas sendo politicas e familiares ao mesmo
tempo - ; econômicas – estas supondo formas particulares da produção e do consumo, ou melhor, do
fornecimento e da distribuição - ; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os
fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam. De todos esses temas muito complexos e dessa
multiplicidade de coisas sociais em movimento, queremos considerar aqui apenas um dos traços, profundo
mais isolado: o caráter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e no entanto obrigatório
e interessado, dessas prestações. Elas assumiram quase sempre a forma do regalo, do presente oferecido
generosamente, mesmo quando, nesse gesto que acompanha a transação, há somente ficção, formalismo e
mentira social, e quando há, no fundo obrigação e interesse econômico.” (MAUSS, p. 187-88)

Marcel Mauss(1872-1950) estudou Filosofia e era especialista em História das Religiões. Ao lado
do tio, Émile Durkheim, fundo a Escola Sociológica Francesa.

Os trabalhos acadêmicos destes estudiosos foram publicados pelo Année Sociologique, periódico
no qual Mauss publicou grande parte de seus textos. O mesmo periódico do qual tornou-se editor após a
morte de Durkheim durante a Primeira Guerra.
Foi professor de História das Religiões dos Povos não civilizados na École Pratique des Hautes
Études. Além de ser acadêmico e editor atuante, sempre conciliou a militância no partido de Jaurès de
quem era amigo e colaborador.

Mauss nunca fez pesquisa de campo, sua produção apoiava-se em sua grande erudição, perspicácia
analítica e profundo conhecimento das monografias produzidas, sobretudo, pela antropologia social inglesa.
A análise desse material fornecia elementos para suas formulações teóricas.

Evans-Pritchard, provavelmente referindo-se a Malinowski, dizia que Mauss “era capaz de ensinar aos
especialistas o que eles não haviam visto em seus próprios textos”.

Se para Durkheim os estudos etnológicos forneciam elementos para a análise sociológica, da qual
Antropologia se tornaria apenas um ramo; para Mauss a Antropologia deveria tornar-se uma ciência
verdadeira.

“Em 1924, escreve que ‘o lugar da Sociologia está na Antropologia e não o inverso.’

(LAPLANTINE, 1991, p. 90)

O maior conceito formulado por Mauss foi o do ‘fato social total’. Convém integrar todos os
aspectos – econômicos, políticos, sociais, psicológicos, históricos – da realidade social para que a mesa
possa ser compreendida.

Ele alegará que depois de os sociólogos terem dividido demasiadamente as áreas do conhecimento
sobre a sociedade e o home, estava na hora de integrar.

“Ora, prossegue Mauss, os fenômenos sociais são ‘antes sociais, mas também conjuntamente e ao
mesmo tempo fisiológicos e psicológicos.’ Ou ainda: ‘ O simples estudo desse fragmento de nossa vida que
é nossa vida em sociedade não basta’. Não se pode, ainda, afirmar que todo fenômeno social é também um
fenômeno mental, da mesma forma que todo fenômeno mental é também um fenômeno social, devendo as
condutas humanas ser apreendidas em todas as suas dimensões, e particularmente em suas dimensões
sociológicas, histórica e psicofisiológica.

(LAPLANTINE, 1991, p. 90)

De acordo com Lévi-Strauss, que comenta Mauss, essa ‘realidade folhada’ está nos indivíduos e se
manifesta de forma multifacetada. Por isso, devem ser observados como seres totais, e não divididos em
faculdades. Além disso, a única garantia de que um fenômeno social corresponda à realidade é ser
apreendido na experiencia concreta dos homens. Não há como aprofundar o sentido e a função de uma
instituição se esta não for percebida nos indivíduos concretos. A consciência individual faz parte das
instituições e, portanto, do social.

Mauss avança em relação ao tio, Durkheim, no sentido de entender o objeto de fora (como coisa),
mas também entende-lo por dentro , em seu sentido simbólico, como realidade vivida. É preciso que o
observador, o etnólogo, perceba o objeto, mas também como os atores sociais o vivem.

“O fundamento desse movimento de desdobramento ininterrupto diz respeito à especificidade do


objeto antropológico. É um objeto de mesma natureza que o sujeito, que é ao mesmo tempo – emprestado
o vocabulário de Mauss e Durkheim – “coisa” e “representação”. Ora, o que caracteriza o modo de
conhecimento próprio das ciências do homem, é o que o observador-sujeito, para compreender seu objeto,
esforça-se para viver nele mesmo a experiencia deste, o que só é possível porque esse objeto é, tanto quanto
ele, sujeito.”

(LAPLANTINE, 1991, p. 91)

Como podemos perceber, estamos longe do distanciamento irredutível entre sujeito e objeto do
conhecimento, como proposto por Durkheim. Alias, a proximidade é muito maior com a proposta da
etnografia e Malinowski.

Não é coincidência que ‘Ensaio sobre o Dom’, de Mauss, e ‘Os Argonautas do Pacífico Ocidental’,
de Malinowski, tenham sido publicados com um ano de intervalo – 1922 e 1923. A segunda obra se debruça
sobre o material recolhido na primeira. Se a primeira é um levantamento minucioso dos grandes circuitos
marítimos em que se trocam colares e braceletes, o ritual do Kula;o segundo.

“...é uma tentativa de esclarecimento e elaboração do Kula, através do qual Mauss não apenas
visualiza um processo de troca simbólica generalizado, mas também começa a extrair a existência de leis
da reciprocidade (o dom e o contradom) e da comunicação, que são próprias da cultura em si, e não apenas
da cultura trobriandesa. Enquanto ‘Os argonautas’, a obra menos teórica de Malinowski evidencia o que
Leach chama de ‘inflexão biológica’, o ‘Ensaio sobre o Dom’, já expressa preocupações estruturais.”

(LAPLANTINE, 1991, p.92)

Podemos verificar nas palavras de Mauss, o aspecto ritualístico e não de simples troca apresentado
no kula da circularidade dos objetos vaygu’a, mas também das histórias, do espírito e das expectativas do
grupo.

“Essa instituição tem também sua face mítica, religiosa e mágica. Os vaygu’a não são coisas
indiferentes, simples moeda. Cada um, pelo menos os mais caros e mais cobiçados – e outros objetos tem
o mesmo prestígio -, cada um tem seu nome, uma personalidade, uma história, até mesmo um romance. A
tal ponto que alguns indivíduos emprestam-lhes inclusive seu nome. Não se pode dizer que eles sejam
positivistas à sua maneira. Mas é impossível não reconhecer sua natureza eminente e sagrada. Possuí-los
é ‘deleitante’, reconfortante, suavizante em si. Os proprietários os manipulam e os observam durante
horas. Um simples contato transmite suas virtudes. Colocam-se os vaygu’a sobre a testa, o peito do
moribundo, eles são esfregados em seu ventre, balouçados diante de seu nariz. São o supremo conforto
dele.

(MAUSS, 2003, p. 219)

Obras importantes são instigantes no sentido de provocar reflexões múltiplas, assim como múltiplas
interpretações. Muitos discípulos de Mauss afirmam que essa é a virtude de sua obra, ser uma obra que
guiou muitos antropólogos preocupados, com ele, com a especificidade e unidade das ciências humanas.

No ‘Ensaio sobre a Dádiva’ (2003) verificamos que Mauss chama de triplo aspecto: dar, receber e
retribuir nas relações sociais de reciprocidade. Apesar de comprar essas relações na Melanésia, Polinésia e
noroeste americano, ele afirmará que a moral e a economia dessas transações ainda existem em nossa
sociedade.

“...de forma constante e, por assim dizer, subjacente, como acreditamos ter aqui encontrado uma
das rochas humanas sobre as quais são construídas nossas sociedades...’

(MAUSS,2003, p. 188-89)

As relações de troca analisadas não são de indivíduos, são coletividades que se obrigam
mutuamente, trocam e contratam; as pessoas são pessoas morais: clãs, tribos, famílias. Essas coletividades
trocam, além de bens e riquezas e coisas úteis economicamente; amabilidades, banquetes, ritos, serviços
militares, mulheres, crianças, danças, festas.

“Enfim, essas prestações e contraprestações se estabelecem de uma forma sobretudo voluntária,


por meio de regalos, presentes, embora elas sejam no fundo rigorosamente obrigatórias, sob pena de
guerra privada ou pública. Propusemos chamar tudo isso o sistema das prestações totais. O tipo mais puro
dessas instituições nos parece ser representado pela aliança de duas fratrias nas tribos australianas ou
norte-americanas em geral, onde os ritos, os casamentos, a sucessão de bens, os vínculos de direito e de
interesse, posições militares e sacerdotais, tudo é complementar e supõe a colaboração das duas metades
da tribo.

(MAUSS, 2003, p. 190-91, grifos meus)

Nas tribos do noroeste americano, Mauss analisará a instituição denominada potlatch que significa
“nutrir”, “consumir”. Essas tribos, muito ricas, vivem nas ilhas ou na costa ou entre as Rochosas e a costa,
passam o inverno numa perpétua festa, banquetes, feiras, mercados, casamentos, iniciações, sessões de
xamanismo e culto dos grandes deuses, dos totens ou dos ancestrais coletivos ou individuais do clã.

Todas essas ações se misturam em uma trama inextricável de ritos, prestações jurídicas e
econômicas e determinações de cargos políticos na sociedade dos homens. Mas o que chama a atenção
nestas práticas é na presenta, ao mesmo tempo, da troca e da rivalidade.

Entre os Maori, o ato de receber e retribuir implica que as coisas dadas, recebidas e retribuídas não
são apenas coisas. Elas possuem hau, um espírito, o que significa dizer que:

“...se o presente recebido, trocado, obriga, é que a coisa recebida não é inerte. Mesmo abandonada pelo
doador, ela ainda conserva algo dele. Por ela, ele tem poder sobre o beneficiário, assim como por ela,
sendo proprietário, ele tem poder sobre o ladrão. Pois o taonga é animado pelo hau de sua floresta e seu
território, de seu chão; ele é realmente “nativo”: o hau acompanha todo detentor. Ele acompanha não
apenas o primeiro donatário, mesmo eventualmente um terceiro, mas todo individuo ao qual o taonga é
simplesmente transmitido. No fundo, é o hau que quer voltar ao lugar de seu nascimento, ao santuário da
floresta e do clã e ao proprietário. É o taonga ou seu hau – que é, aliás, ele próprio uma espécie de
individuo – que se prende a essa série de usuários, até que estes retribuíam com seus próprios taonga, suas
propriedades ou então seu trabalho ou comércio, através de banquetes, festas e presentes, um equivalente
ou num valor superior que, por sua vez, darão aos doadores autoridade e poder sobre o primeiro doador,
transformando em último donatário. Eis aí a ideia dominante que parece presidir, em Samoa e na Nova
Zelândia, à circulação obrigatória das riquezas, tributos e dádivas”.
(MAUSS, 2003, p. 199-200)

Retomando o que diz Mauss sobre o Kula, ritual estudado por Malinowski entre os trobiandeses,
lembremos que ele seria um momento solene de sistema vasto de prestações e contraprestações que
englobam a totalidade da vida econômica e civil dos trobriandeses. O Kula é o ponto culminante da vida
destas pessoas e um dos principais objetivos da existência, além de expressar e concretizar outras
instituições.

“...vínculo pelas coisas, é um vínculo de almas, pois a própria coisa tem uma alma, é alma. Donde
resulta que apresentar alguma coisa a alguém é apresentar algo de si.”

(MAUSS, 2003, p. 200)

“Assim, de uma ponta à outra da evolução humana, não há duas sabedorias. Que adotemos então
como princípio de nossa vida o que sempre foi um princípio e sempre o será: sair de si, dar, de maneira
livre e obrigatória; não há risco de nos enganarmos. Um belo provérbio maori diz:

Ko Maru kai atu

Ko Maru kai mai

Ka ngohe ngohe

‘Dá tanto quanto tomas, tudo estará muito bem’

(MAUSS, 2003, p.301)

ESTRUTURALISMO :Cultura como um sistema simbólico

Segundo Laplantine (1988), a contribuição de Claude Lévi-Strauss para a Antropologia Estrutural


procede de uma série de rupturas radicais:

“1) Ruptura em primeiro lugar com o humanismo e a filosofia, isto é, as ideologias do sujeito considerado
enquanto fonte de significações. A metodologia estrutural invente a ordem dos termos em que se apoiava
a filosofia. O sentido não está mais dessa vez ligado à consciência, a qual se vê descentrada pelo projeto
estrutural, como pelo projeto freudiano. Rompendo com a tagarelice do sujeito “essa criança mimada da
filosofia”, como escreve Lévi-Strauss, as significações devem ser doravante buscadas no “ele” da
linguística, como no “id” da psicanalise. Sou pensando, sou falado, sou agido, sou atravessado por
estruturas que me preexistem. Assim, a antropologia como a psicanalise introduzem uma crise na
epistemologia da racionalidade: o lugar atribuído ao sujeito transcendental é questionado pela irrupção
da problemática do inconsciente.

2) A ruptura em relação ao pensamento histórico atinge o evolucionismo, é claro, mas também qualquer
forma de historicismo. Para este último, que é necessariamente genético, explicar é procurar uma
anterioridade, isto é, tentar compreender o presente através do passado. À análise dos processos em termos
de explicação casual, opõe-se a inteligibilidade estrutural, inteligibilidade combinatória de uma
instituição, de um comportamento, de um relato.

3) Ruptura com o atomismo, que considera os elementos independentemente da totalidade. Sendo o modelo
do estruturalismo estritamente linguístico, o sentido de um termo só pode ser compreendido dentro de sua
relação às outras palavras da língua ou do que for análogo a esta.

4) Ruptura, finalmente, com o empirismo. “Para alcançar o real, é preciso primeiro repudiar o vivido”,
diz Lévi-Strauss em Tristes Trópicos. O objeto cientifico deve ser arrancado da experiencia, da impressão,
da percepção espontânea. Para isso, convém colocar-se ao nível não mais da palavra e sim da língua. Não
voltaremos isso, da historia consciente do que fazem os homens, e sim do sistema que ignoram. Existem
diferenças entre o estruturalismo inglês e o estruturalismo francês. Para Lévi-Strauss, Radcliffe-Brown
confunde a estrutura social e as relações sociais. Ora, estas são apenas os matérias utilizados para
alcançar a estrutura a qual não tem como objetivo substituir-se à realidade, e sim explica-la. Mais
precisamente “uma estrutura é um sistema de relações suficientemente distante do objeto que estuda para
que possamos reencontrá-lo em objetos diferentes.”

(LAPLANTINE, 1988, p. 134-136)

É através da inversão epistemológica que Lévi-Strauss realizada, abrindo uma compreensão nova
da sociedade, o pensamento estrutural. Assim, nos mostra que a extraordinária variedade das relações
empíricas só se torna inteligível a partir do momento em que percebemos que existe apenas um número
limitado de estruturações possíveis dos materiais culturais que encontramos, num número limitado de
invariantes.

As relações de aliança entre homens e mulheres parecem, a primeira vista, praticamente infinitas.
Mas oscilam sempre entre alguns grupos: comunismo sexual, casamento por rapto, poligamia, monogamia,
união livre. Da mesma fora, as relações dos homens com a divindade sempre se organizam a partir de um
pequeno número de opções possíveis: o monoteísmo, politeísmo, manteísmo, ateísmo, agnosticismo.

Segundo Claude Lévi-Strauss (1981,, p. 21):

“O estruturalismo, ou oque quer que se designe por este nome, tem sido considerado algo completamente
novo e revolucionário para a altura; ora, isto, segundo penso, é duplamente falso. Em primeiro lugar, até
no campo das humanidades o estruturalismo não tem nada de novo; pode-se seguir perfeitamente esta
linha de pensamento desde a Renascença até o século XIX e ao nosso tempo. Mas essa ideia também é
errada por outro motivo: o que denominamos estruturalismo no campo da Linguística ou da Antropologia
ou em disciplinas, não é mais que uma pálida imitação do que as ciências naturais andaram a fazer deste
sempre.”

(LÉVI-STRAUSS, 1981, P. 21)

No texto, ‘A noção de Estrutura em Etnologia’ (1975), Lévi-Strauss afirma que a noção de estrutura
social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta.

Em outro momento do texto, Lévi-Strauss afirma que para o etnólogo:


“A sociedade envolve um conjunto de estruturas que correspondem a diversos tipos de ordens. O sistema
de parentesco oferece um meio de ordenar os indivíduos segundo certas regras; a organização social
fornece outro; as estratificações sociais ou econômicas, um terceiro. Todas estas estruturas de ordem
podem ser, elas mesmas, ordenadas, com a condição de revelar que relações as unem, e de que maneira
elas reagem uma sobre as outras do ponto de vista sincrônico.

(LEVI-STRAUSS, 1975, p. 356).

Foi a partir do campo do parentesco que se constituiu o estruturalismo de Lévi-Strauss. O


parentesco é uma linguagem. Não se pode compreendê-lo efetuando análise ao nível dos termos: pai, filho,
tio materno, muito menos ao nível dos sentimentos que podem referir-se aos diferentes membros da família.
É preciso colocar-se no nível das relações entre estes termos, regidas por regras de troca análogas às leis
sintáticas da língua.

Mas a análise estrutural das relações de aliança e parentesco está longe de ser a aplicação pura e
simples de do modelo da linguística. Quando se estuda o parentesco, a linguagem ou a economia estamos
na realidade frente a diferentes modalidades de uma única e mesma função: a comunicação ( ou a troca),
que é a própria cultura, emergindo da natureza para introduzir uma ordem onde esta última não havia
previsto nada. Mais precisamente, a reciprocidade pode ser localizada em vários níveis:

No nível da cultura é a troca de mulheres (parentesco), de palavras (linguístico), de bens (economia),


mulheres, palavras e bens sendo termos que se trocam, informações que se comunicam.

Estruturalismo e Parentesco

Segundo Augé, alguns dos conceitos essenciais para relacionar-se com a temática do parentesco
seria o parentesco e a filiação :

“...uma relação social; nunca coincide completamente com a consanguinidade, quer dizer, com o
parentesco biológico. Se o parentesco fosse considerado no seu sentido biológico, cada individuo teria,
efetivamente, um número elevado de parentes;(...) Para que o parentesco possa, portanto, ser um princípio
lógico de classificação ( duns indivíduos em relação aos outros no seio de cada grupo de parentesco, dos
grupos de parentesco em relação aos outros no seio de cada sociedade) é necessário que nem todos os
consanguíneos seja reconhecidos como tal; que certas categorias destes sejam excluídas do parentesco:
quer por que se considere apenas um alinha de ascendência em exclusão das outras ( filiação unilinear em
linha paterna ou materna) quer porque se considerem as duas linhas, mas atribuindo-lhes funções distintas
( dupla filiação unilinear), quer, enfim, porque se reconhece ao mesmo tempo o parentesco do lado paterno
e do lado materno ( filiação indiferenciada ou bilateral ou, então cognática), tratando-os de modo idêntico)
o que distingue a filiação bilateral da dupla filiação unilinear), mas neste caso, o parentesco já não tem
uma função claramente distintiva e os grupos sociais já não se definem em função de uma filiação
especifica, mas em função de outros critérios que não os do parentesco: comunidade de residência, de
posse da terra ou funcionamento socioeconômico, por exemplo.

(AUGE,1978, p.15-16)

Dois indivíduos são parentes se um descende do outros (laços de filiação direta) ou se ambos
descendem ou afirmam descender de um ( ou de uma) antepassado comum. Neste caso, o parentesco entre
os dois indivíduos – quer seja real ( quer dizer, o laço social que estabelece assenta num laço biológico de
consanguinidade) ou fictício (dizem-se parentes, consideram-se e comportam-se como existe entre um e
outro) – é determinado pelo fato de provirem – ou afirmarem provir – de uma mesma filiação.

A filiação é uma convenção social que se dá pela consanguinidade. Compreende uma noção
biológica e, qualquer que seja o principio que presida à transmissão do parentesco social, que é reconhecido
pela sociedade e que atribui a cada um, um estatuto, assim como uma posição especifica no seio do grupo
social.

São consanguíneos todos os indivíduos que podem ser considerados “parentes” no sentido
biológico, seja qual for o grau. Filiação e consanguinidade são, pois, duas noções distintas e diferenciadas
em todas as sociedades.

Independentemente de serem noções distintas nas sociedades, o parentesco pode ser interpretado como um
fenômeno estruturado. Assim, identificamos os elementos da estrutura, por exemplo, pai, mãe, filhos, tios
e irmãos. Esses elementos só fazem sentido em relação aos demais, um tipo característico de pai para um
tipo de mãe, por exemplo, o condescendente para a controladora.

Nas culturas observadas por Lévi-Strauss, apensar das diferentes formas de filiação e relações de
afetividade, hostilidade, antagonismo; existe a mesma estrutura de oposições – pai/mãe, tios/sobrinhos,
irmãos/irmãs. Esta estrutura, portanto, seria profunda e inconsciente e esses elementos, como as noções de
consanguinidade e filiação, só adquirem significado quando observados na estrutura.

FUNCIONALISMO E ESTRUTURAL - FUNCIONALISMO

Na antropologia, as perspectivas teóricas funcionalistas e estrutural-funcionalista explicam


fenômenos socioculturais a partir de funções, propósitos e relações estruturantes das instituições humanas.
Essas teorias surgiram no começo do século XX reagindo contra as explanações evolucionistas,
difusionistas e historicistas na antropologia social. Em contrapartida, Malinowski (1884 – 1942) e
Radcliffe-Brown (1881-1955), proponentes respectivos do funcionalismo e do estrutural-funcionalismo,
isolavam uma sociedade para uma análise sincrônica considerando a integração funcional de seus
elementos.

Principalmente por questões de nomenclatura, essas teorias são frequentemente confundidas. Não
por menos, pois outras disciplinas desde a filosofia até o design, tiveram seus “funcionalismos” e
“estruturalismos”. Em vista disso, é útil discorrer sobre os proponentes do funcionalismo e estrutural-
funcionalismo na antropologia, bem como o contraste com outras disciplinas notoriamente na sociologia,
também o estruturalismo de Lévi-Strauss. Por fim, aborda-se de passagem as influencias do funcionalismo
e do estrutural-funcionalismo nos estudos sociais no Brasil, além das críticas e conceitos-chaves dessas
teorias.
Proponentes

Baseados no Reino Unido, Malinowski e Radcliffe-Brown difundiram suas teorias com as


publicações de suas notáveis etnografias em 1922. Como visto a seguir, os dois teóricos apresentavam
diferentes nuances das duas perspectivas.

Em seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriands, Malinowski buscava entender como instituições
culturais particulares funcionavam na manutenção do indivíduo diante de situações de dificuldade.
Malinowski apontava as necessidades fisiológicas do indivíduo como as de reprodução, de alimentação, de
proteção e as instituições sociais para acolher essas necessidades. Além dessas necessidades, haveria quatro
necessidades de ordem cultural como a economia, o controle social, a educação e a organização política
que resultariam em instituições estáveis com o estatuto fundamentado em normas, atividades e artefatos. O
estudo do funcionalismo para Malinowski seria verificar as funções que esses elementos ou fatos culturais
possuíam tanto em relação com o individuo quanto com o todo social. Em sua etnografia, Malinowski
descreveu o kula, um mecanismo de troca entre as várias ilhas da Melanésia, demonstrando que não se
tratava de atividade econômica isolada, mas um complexo sobreposto de funções como religião,
organização social, política, relações interinsulares. Malinowski listou sete necessidades básicas e suas
correspondentes instituições culturais que funcionavam para satisfazê-las. Com seu trabalho de observação-
participante, Malinowski revolucionou o método antropológico, explicando com esse método a integração
da religião, da economia e do direito das populações estudadas.

As sete necessidades básicas e suas respectivas respostas culturais funcionais:

Necessidades Básicas Respostas Culturais

Metabolismo Comissaria (produção de alimentos


Reprodução Parentesco
Conforto Físico Abrigo
Segurança Proteção
Movimento Atividades
Crescimento Treinamento
Saúde Higiene

Por outro lado, Radcliffe-Brown enfocou em seu estudo nas Ilhas Andaman as relações estre a
estrutura social e as atividades sociais sem levar em conta as necessidades biológicas. Inspirado no
organismo de Herbert Spencer, Radcliffe-Brown via a sociedade como um sistema orgânico mantido por
relações retroalimentadas. Prova disso seria demonstrada nas relações de parentesco e no totemismo que
impunha expectativas de obrigações e direitos em pequenas sociedades como os andamaneses. Pela
analogia de Durkheim de sociedade como organismo, o estrutural-funcionalismo caracterizava a sociedade
como um sistema de instituições existindo independentemente do indivíduo. Essas relações de parentesco
dos andamaneses eram tão reais e sólidas quanto seus artefatos. Assim, os elementos da analise estrutural-
funcionalista eram a estrutura, o sistema e a função sociais. Desse modo, essa análise busca
primordialmente descrever a normatividade dos seus sistemas culturais, surgindo daí temas como a
antropologia do poder e do direito, estudadas especialmente na África colonial Britânica.
Contrastes com outras teorias

Essas teorias não surgiram em um vácuo. Contemporaneamente, a antropologia boasiana


despontava para análises de particularismo histórico bem como a ênfase no trabalho de campo. Com suas
variantes, o estruturalismo aparecera como um paradigma no começo do século XX na psicologia, na
linguística e na sociologia. Já o funcionalismo é esquema interpretativo herdeiro da sociologia de
Durkheim. Entretanto, vale ressaltar que funcionalismo e estrutural-funcionalismo da antropologia são
teorias distintas da abordagem sociológica, principalmente pela abordagem holística além do fenômeno
“sociedade” da antropologia.

É bom distinguir o estrutural-funcionalismo da antropologia com a teoria homônima da sociologia.


Na sociologia, a teoria estrutural-funcionalista explica o funcionamento de uma sociedade a partir de ações
sociais. Ou seja, como as várias ações de indivíduos fazem a sociedade funcionar de forma mais ou menos
estável. Das ações surgem papéis sociais, dos quais, por sua vez, surgem as instituições sociais. Influenciada
por Durkheim e Radcliffe-Brown, a teoria sociológica estrutural-funcionalista ganhou corpo com Talcott
Parsons (1902-1979) e Robert K. Merton ( 1910-2003) nos Estados Unidos do pós-guerra. Entretanto, o
estrutural-funcionalismo sociológico, para seu proponente Talcott Parsons, não era uma escola de
pensamento ou uma teoria, mas um estágio metodológico.

A Talcott Parsons deve-se à adaptação da teoria para estudar “uma cultural, uma língua, um povo,
uma identidade” dos estudos de tribo dos antropólogos britânicos e transformar o estrutural-funcionalismo
em uma teoria sociológica. Porém, essa escola americana complicava ainda mais ao usar termos como
funcional-estruturalismo e funcionalismo intercambiavelmente. Enfocando em sociedades complexas, a
abordagem sociológica de Parsons e Merton buscava explicar como o fenômeno social funcionava no todo
do sistema social. Por outro lado, a abordagem estrutural-funcionalista da antropologia de Radcliffe-Brown
analisava a sociedade como uma realidade distinta, enfocando na estrutura social em si. Para Radcliffe-
Brown, as sociedades estudadas nessa abordagem eram tratadas como sistemas fechados, “sociedades
simples”, como caçadores, coletores, tribos e chefaturas na qual as pessoas eram peças removíveis na
estrutura social.

Merton foi o responsável pela maior revisão da abordagem antropológica. O sociólogo percebeu
que alguns elementos da cultura podem ser disfuncionais. Não seria de se esperar uma totalidade harmônica
em uma unidade cultural. Também não se deve confundir com outro parônimo, a teoria funcional-
estruturalista na Escola Linguística de Praga. Oriunda do Círculo Linguístico de Praga dos anos 1920, essa
teoria estuda a linguagem como um sistema cujos elementos funcionam entre si e refletem na função social
da linguagem. Por sua vez, a linguística ainda teve o estruturalismo de Ferdinand Saussure (1857-1913) e
o funcionalismo gramatical de Simon Cornelis Dik (1940-1995) e Robert Van Valin os quais influenciaram
o estruturalismo de Lévi-Strauss.

Teorias chamadas de estruturalismo transcenderam as fronteiras das disciplinas, como o


mencionado estruturalismo linguístico de Saussure. Entretanto, uma das primeiras teorias a ser formulada
com esse nome vem da psicologia. Estruturalismo, como empregado por Edward B. Titchener ( 1867-1927)
propunha uma análise da mente pela soma de seus elementos psicológicos.
Outro homônimo, o funcionalismo na arquitetura e no design, notório na Escandinávia, não possui
relações diretas apesar de certa contemporaneidade com a teoria antropológica. O mesmo se pode dizer do
funcionalismo nas Relações Internacionais, na teoria da administração e filosofia da mente.

É importante diferenciar o conceito de estrutural social como empregado pelo estrutural-


funcionalismo e pelo estruturalismo de Claude Lévi-Strauss. Para o estrutural-funcionalismo a estrutura
social era uma percepção empírica por um método indutivo de fenômenos sociais. Já para Lévi-Strauss,
com uma abordagem dedutiva, estrutura seria uma abstração da realidade social. Lévi-Strauss arranjava
como estruturas as categorias lógicas e as contratavam. Seu artigo (Lévi-Strauss 1953) apresentando o que
entendia por ‘estrutura social’, levou a replica de Radcliffe-Brown por carta:

“Como você reconhece, eu uso o termo ‘estrutura social’ em um sentido tão diferente do seu,
tornando a discussão tão difícil que chega a ser improvável haver frutos. Enquanto para você, estrutura
social não tem nada a ver com a realidade, mas com modelos que são construídos, considero a estrutura
social como uma realidade. Quando pego uma concha especifica na praia, reconheço que ela tenha uma
estrutura específica. Posso encontrar outras conchas da mesma espécie as quais tenham estruturas
similares de modo que possa dizer que há uma forma de estrutura característica da espécie. Por examinar
um número de diferentes espécies posso reconhecer certa forma de estrutura geral ou princípio, aquela de
uma hélice, a qual pode ser expressa por meio de uma expressão logarítmica. Tomo aquela equação que
você chama de ‘modelo’. Eu examino um grupo local de aborígenes australianos e encontro uma
disposição de pessoas em um certo número de famílias. Isso, chamo de estrutura social daquele particular
grupo naquele momento. Outro grupo local tem uma estrutura que é de maneira relevante similar àquele
primeiro. Ao examinar uma amostra representativa de grupos locais em uma região, posso descrever certa
forma de estrutura. Não tenho certeza se por ‘modelo’ você queira dizer a forma estrutural em si ou minha
descrição dela. A forma estrutural pode ser descoberta por observação, incluindo observação estatística,
mas não pode ser experimentalmente testada.

Você vê que seu artigo me deixa extremamente confuso com o sentido que você usa. Em face dos
sistemas de parentescos australianos, estou realmente só preocupado em chegar a uma descrição correta
de sistemas particulares e dispondo-os em uma classificação tipológica válida. Considera qualquer
hipótese genética como sendo de muita importância, já que não são mais que hipóteses ou conjecturas.”

(Radcliffe-Brown, carta em resposta ao artigo de Lévi-Strauss ‘On social Structure”, 1953)

DEFINIÇÕES DE CONCEITO SEGUNDO RADCLIFFE BROWN

Definições de conceito segundo Radcliffe Brown

- Instituição

O conceito de Radcliffe Brown para instituição é o mesmo de Durkheim que deve seguir sua época.
“Finalmente, deve ser abandonada as buscas por “origens”. A “origem contemporânea”, a função de uma
instituição, deve ser encontrada em seu uso atual”. (Adam Kuper. P.65-66)

- Função
São relações sociais entre as pessoas com objetivo de unir a sociedade relacionada com uma
estrutura. Essas relações sociais unem a comunidade fazendo com que todas as pessoas tenham hábitos
semelhantes, como à forma de cumprimentar ou de se vestir sendo que quem não compartilha é rechaçado.
Essas relações são essenciais para que a sociedade exista e se baseiam em uma estrutura “ o conceito de
função tal como é aqui definido implica, pois a noção de uma estrutura constituída em uma série de relações
entre entidades unidades, sendo mantida a continuidade da estrutura por um processo vital constituído as
atividades das unidades integrantes.” ( Radcliffe Brown)

- Estrutura

Para Radcliffe Brown existem dois tipos de estrutura a social e a geral. O conceito de estrutura
social é fundamentado nas relações sociais. Estas relações podem se dá através da organização social,
política, religiosa, cultural de um povo, a forma com estes se relaciona. São relações frágeis que se
flexibilizam, mudam com facilidade. Uma relação concreta entre as pessoas que é maleável, possui
diferenciação entre indivíduos e classes por um desempenho social.

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